Nós da Criação

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©2016 | Organizador: Bruno Ortega Publicado em ©2017 por Editora Brunortega Entrevistados (Conteúdo): Diego Esteves, Fernando Dutra, Gabrielle Matos, Juliana Pacheco, Rafael Forshaid, Stella Gafo, Kamila Bebber Edição: Bruno Ortega Supervisão Editorial: Cláudio Ferlauto Revisão: Bruno Ortega Projeto gráfico e capa: Bruno Ortega

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ortega, Bruno Nós da Criação - São Paulo, Editora Brunortega, 2016 1. Design 2. Criação 3. Estética 4. Belo Índice para catálogo sistemático: 1. Design Gráfico : Artes Gráficas

Editora Brunortega Rua Apiacás, 950 - São Paulo / SP CEP: 05017-020 www.brunortega.com.br


a g r a d e c i m e n t o s À todos os professores do curso de pós-graduação em Design Gráfico – Conceito e Aplicação da FAAP (2015/2016), em especial aos professores Cláudio Ferlauto, como orientador fundamental, ao C. E. Perrone, como coordenador e também orientador do curso e Marcelo Aflalo que, talvez sem saber, deu luz à esse projeto. Aos profissionais (e amigos) que cederam um pouco do seu tempo para esse projeto, concedendo as entrevistas e imagens dos seus portfolios, mas que também proporcionaram bons momentos e boas conversas pós-entrevistas, regadas à vinhos, whisky, cappuccino e bolo de cenoura. À minha esposa, Amanda, por toda ajuda, incentivo e paciência. Aos colegas de classe, sempre dando ótimas sugestões e opiniões, participando ativamente da composição deste projeto.



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Introdução Diego Esteves / quadrinhos Gabrielle Matos / moda Fernando Dutra / design digital Juliana Pacheco / fotografia Rafael Forshaid / ilustração Stella Gafo / produção de vídeo Kamila Bebber / design gráfico

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“A missão de vocês aqui na Terra é deixar as coisas mais bonitas”. Quando o professor, designer e arquiteto Marcelo Aflalo provocou seus alunos com essa frase, durante a aula de Sinalização do curso de pós-graduação em Design Gráfico da FAAP, uma inquietude caiu sobre mim. Eu era um de seus alunos e estava buscando um tema para meu projeto de conclusão de curso. A frase, então, fez borbulhar muitas questões imediatamente. Será que a nossa missão se resume apenas a isso? Faz sentido, afinal quando se contrata um designer, se pretende deixar algo mais bonito, mais vistoso, mais funcional. Que nobre missão! Soaria até um pouco arrogante caso essa fosse apenas missão dos designers, mas não é. Fotógrafos, artistas, ilustradores, produtores, arquitetos... todas as profissões criativas existem para trazer beleza ao mundo. Mas, afinal, o que é a beleza? Belo para quem? Quem decide o que é belo? São esses profissionais, ou está na subjetividade de cada um? Eu me fiz todas essas perguntas naquele momento e tentei respondê-las, sem muita certeza ou conhecimento. Mais importante, porém, do que as respostas, foi perceber o quanto essas questões eram interessantes. Tão interessantes que eu gostaria de fazer as mesmas perguntas para todos esses outros profissionais. Foi, então, o que decidi fazer. E assim nasceu esse projeto e, como resultado, este belo livro – ou não tão belo assim? Para esse projeto acontecer, a primeira tarefa era entender os conceitos de “estética” e “belo”, ao menos o suficiente para formular as perguntas que seriam feitas nas entrevistas com os profissionais de criação. Por isso, apresento aqui, nesta introdução, um resumo do que foi coletado sobre o assunto para que você, leitor, tenha a mesma base de informações que foi passada aos entrevistados antes de eu lhes fazer as perguntas. É superficial, peço desculpas. Mas creio que isso não seja um problema, pois colaborou com a ideia de ter uma conversa mais natural possível 8


sobre a visão e compreensão de cada um sobre esses assuntos, além de falarem também de suas profissões e, claro, da vida. Conceitos filosóficos da estética e do belo Os filósofos clássicos da Grécia antiga já versavam sobre o que era a estética e o belo. A própria palavra, estética, deriva da palavra grega Aisthésis, que significa percepção, sensação, sensibilidade. Com ela, os filósofos tentavam explicar os processos fisiológicos envolvidos na percepção de um objeto. A estética é, portanto, a área da filosofia que estuda racionalmente o belo e o sentimento que ele suscita nos homens. O belo, por sua vez, é aquilo que desperta a emoção estética por meio da contemplação. Perceba que a palavra “estética” abrange a pessoa que é sensibilizada por algo que a afetou e que gerou nela algum tipo de sentimento. Portanto, isto que ocorre é uma interação entre coisas que estão no sujeito e coisas que estão fora dele. O corpo faz, deste modo, uma mediação: uma ponte entre o sensível (o que pode ser sentido) e o intelectual (o pensamento); tem contato com duas dimensões: subjetividade interior e realidade do mundo. O uso da palavra estética como estudo, porém, é recente. Entre os gregos, na antiguidade, usava-se frequentemente o termo “poética” [de poiesis: criação, fabricação, composição], que era aplicado à poesia e a outras artes. E, para esses filósofos, o belo existiria em si, ou seja, era inerente às coisas e aos objetos. Segundo Aristóteles, por exemplo, podemos definir o belo formalmente, isto é, a partir de certas características das formas dos objetos que, estando elas presentes, o objeto tem larga chance de ser belo. Três destas características formais são a ordem, a simetria e a proporção. Segundo esse pensamento, uma escultura que contivesse essas três características, por exemplo, poderia ser considerada bela. Já para Platão, seu mestre, o belo é o bem,

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a verdade, a perfeição; existe em si mesma, apartada do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das ideias. Assim, temos uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo: não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo. O belo também estaria inerente às coisas. Isso veio mudar apenas no século XVIII, quando filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714-1762) resolveu separar a estética da poética dando, assim, nome ao estudo das obras de arte como criação da sensibilidade, tendo por finalidade o belo. A Estética passaria a englobar tanto o estudo dos objetos artísticos quanto os efeitos que estes provocam no observador, abrangendo os valores artísticos e a questão do gosto. Nesse mesmo século, Immanuel Kant (1724-1804), utilizando os textos de Baumgarten, define que o belo está relacionado à sensação de prazer, são sentimentos subjetivos que se dão a partir da faculdade de juízo. O conteúdo do juízo estético, para Kant, é a reação do sujeito, e não uma propriedade do objeto. Define, portanto, a questão do gosto pessoal que, ainda hoje, se diz que não se deve discutir. Além dessa, há também a questão do universalismo: para Kant, quando emitimos uma opinião – ao dizer que algo é belo, por exemplo – somos tendenciosos e temos a pretensão de tornar nossa opinião universal. Já para Hegel (1770-1831), que bebeu da fonte de Platão, existe uma diferenciação fundamental entre o belo artístico e o belo natural. O belo da arte está diretamente relacionado com a pureza do espírito, enquanto que o belo natural se encontra diretamente submisso à realidade da natureza. Pare ele, este segundo tipo de belo, o natural, fica de fora da estética, que se deve ocupar apenas do belo criado pela arte. Já o belo artístico seria muito superior ao natural porque provém do espírito, e o que é espiritual é sempre

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superior ao que é natural, uma vez que só o espírito é verdade e o belo natural é um reflexo do espírito. Por fim, e já contemporaneamente, Pierre Bourdieu (1930-2002) analisa a questão do gosto a partir de uma interpretação sociológica, ou seja, o gosto cultural e os estilos de vida estão profundamente marcados pelas trajetórias sociais vividas por cada um dos indivíduos e seus grupos sociais. Com seu livro A distinção – crítica social do julgamento (França, 1979) ele causou um grande mal-estar na época, principalmente entre a burguesia, afirmando que o gosto cultural é produto e fruto de um processo educativo, ambientado na família e na escola e não fruto de uma sensibilidade inata dos agentes sociais. Com esse argumento, Bourdieu põe em discussão um dos maiores consensos do século, qual seja, gosto não se discute. Para ele, o gosto cultural se adquire; mais do que isso, é resultado de diferenças de origem e de oportunidades sociais. Ou seja, gosto deveria ser discutido, sim. Profissionais entrevistados Essa breve introdução foi feita para todos os entrevistados antes de iniciar as conversas. Eles teriam, assim, uma base melhor para debater, uma vez que todos já têm opiniões próprias a respeito dos assuntos abordados. A seleção dos profissionais foi feita, prioritariamente, pelas suas áreas de atuação. Por serem áreas distintas, o pensamento criativo e o modo de enxergar o trabalho poderiam gerar diferentes visões. Aqui, nessa edição, você acompanhará as reflexões de designers (gráfico, digital e de moda), um ilustrador, uma fotógrafa, um quadrinista e uma produtora de vídeos publicitários. Para ilustrar – e, porque não, embelezar – as páginas das entrevistas, imagens dos trabalhos e referências de cada uma dessas pessoas acompanharão o debate. Espero que, assim como foi para mim, essas reflexões lhes sejam proveitosas e interessantes. Quanto à beleza do livro em si (afinal, o projetei para que fosse belo), deixarei ao seu critério decidir. Mas o leia primeiro!

Bruno Ortega 11


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quadrinista

Diego Esteves


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Bruno_ Você é um publicitário, mas hoje trabalha com direção de arte e design. Porquê? Diego_ Eu acho que por uma série de motivos. Mas acho que começa com o fato de que, quando eu entrei na faculdade, eu não sabia bem o que estava fazendo [risos]. B_ Clássico. D_ Acho que, no fundo, o que eu gostava da publicidade, o que eu achava interessante, era a direção de arte. Eu só ainda não sabia disso. Até então eu não conhecida ninguém, não tinha um referencial – um tio ou conhecido da família – que fosse publicitário, designer, diretor de arte, ilustrador ou qualquer coisa assim. Era sempre uma coisa muito abstrata. Eu tinha uma visão de que havia os artistas, esses que pintavam quadros, e a galera que trabalha com publicidade. Porque, de fato, eu acho que a publicidade dialoga com muitas áreas: cinema, pintura, ilustração... Mas foi mesmo na faculdade que eu descobri que se tratava de outra coisa essencialmente. Agora, por que eu cair nisso (arte e design)? Acho que foi meio natural. Eu comecei a me direcionar pra isso. As matérias da faculdade que tinham a ver com isso me interessavam mais e fui mergulhando nessa área, até que virou estágio, trabalho, e foi seguindo assim. Mas, no fundo, uma coisa que a publicidade faz muito bem é expor as pessoas a um leque de coisas diferentes. Acho que isso é bem comum, na real. Há publicitários que trabalham tanto com direção de arte como com bares temáticos e coisas do tipo. Qualquer coisa nova na cidade, um food truck maneiro, pode ver que é de um publicitário cansado da vida de agências [risos].

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B_ Então a publicidade foi uma introdução? D_ Acho que sim. Foi uma introdução para a direção de arte. B_ E os quadrinhos, de onde surgiram? D_ Eu comecei a ler quadrinhos quando era criança, como todo mundo. E eu tinha a mesma visão que acredito que todos têm: a de que quadrinhos tem uma linguagem infantil. Aliás, de que é uma forma de literatura infantil. Me lembro que eu lia muito mangá na época do colégio, eu trocava edições com a galera. A Turma da Mônica veio antes disso, quando comecei a ler, pois eu tinha dificuldade de aprender a ler. É uma história bem comum, muita gente começou assim. E quando eu estava no cursinho, chegou até mim umas coisas do Neil Gaiman – eu acho que foram Violent Cases¹ e Orquídea Negra², se eu me lembro bem – que algum colega me emprestou, e foi aí que comecei a ver que havia coisas diferentes em quadrinhos. Acho que esse foi o primeiro passo. Então, quando entrei na faculdade, eu podia pegar quadrinhos na biblioteca. Inclusive Sandman, tinha Asterix e Obelix, que eu já conhecia das tirinhas. Foi aí que eu comecei a mergulhar num outro lado dos quadrinhos, quando eu descobri essa vertente que agora é meio cult, e que gostam de chamar de Graphic Novel – essa é uma discussão longa. Mas, basicamente, foi quando eu vi aquilo que eu percebi que poderia me expressar daquela forma. Percebi que aquilo não servia só pra contar a história da Magali comendo maçã. Essa linguagem vai além. E como eu já estava me aproximando da ilustração, também na faculdade – que foi muito rica para eu testar coisas, como vídeo, web, pintura em tela – foi meio natural essa atração. Mas, ainda assim, eu só fui fazer quadrinhos mesmo depois de ter terminado a faculdade. Isso, porém, já estava na minha cabeça. Eu comecei a pintar e desenhar mais, até que uma hora saiu algo.

¹ Violent Cases (2014), Neil Gaiman, Dave McKean. Editora Aleph.

² Orquídea Negra (2013), Neil Gaiman, Dave McKean. Editora Panini.

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B_ Então começou como algo pessoal? D_ Sim. Essa é uma linguagem difícil, é um desafio. Sempre acho que não vou conseguir terminar, seja uma tirinha ou uma história completa. Tenho muita coisa iniciada no momento, mas sem previsão de terminar. Mas eu acho que aquela motivação por desafio funciona muito com quadrinhos pra mim. E, dentro de todas essas coisas que eu testei, a única que eu continuei fazendo foram os quadrinhos. Acho que isso diz alguma coisa. B_ E seus quadrinhos são para crianças?

DENTRO DE TODAS ESSAS COISAS QUE EU TESTEI, A ÚNICA QUE EU CONTINUEI FAZENDO FORAM OS QUADRINHOS. ACHO QUE ISSO DIZ ALGUMA COISA.

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D_ Olha, eu acho que não. Eu faço pra mim, essencialmente. O que eu não sei se é bom, mas é um jeito de me manter motivado. Eu já tive blog, Tumblr, e outros meios pra tentar ter alguma audiência. Eu pensava: se estou falando, quero que alguém escute. B_ E onde você aprendeu a desenhar? D_ Eu acho que não aprendi ainda! [risos]. Essa é uma grande questão, sempre. Continuo tentando. Mas o grande lance foi descobrir que é isso mesmo, que não tem outro jeito. Ninguém aprendeu. Talvez alguém discorde, mas esse é o caminho, sempre estar descobrindo. E, por isso mesmo, é um desafio contínuo. Foi só quando eu aceitei que está tudo bem em não saber desenhar que eu parei de me preocupar com isso e me preocupei mais em fazer. Hoje me preocupo muito mais com isso do que em aperfeiçoar meu traço. Obviamente poderia ser melhor, mas eu nem sei se um dia vai ser. Isso sempre foi uma crise, sempre achei que eu desenhava mal, todo mundo me dizia isso, e ficou marcado. E deve ter muita gente que ainda acha isso hoje, e tudo bem. B_ Seu traço então é mais rústico do que técnico? D_ Bem mais rústico do que técnico.


Tirinha: Ciclo Infinito

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B_ Acha que isso pode causar estranheza em quem lê seus quadrinhos? Ou esse é seu estilo e é isso que você procura esteticamente?

³ Lavagem (2015), Shiko. Editora Mino.

D_ Na linguagem das HQs, o traço se funde com a narrativa – e esse é um outro aspecto que não sou muito requintado, estou sempre tentando melhorar. Mais do que ser um objetivo, é a forma como eu consigo fazer, e acabo aceitando isso. No início, eu sempre pensei em ter um estilo ou em se um dia eu conseguiria criar um estilo. Ilustradores muito técnicos, em geral, têm um estilo que eles gostam de fazer, mas a verdade é que eles fazem qualquer coisa. Tive professores assim, e tem uma galera que eu acompanho que também são. Por exemplo, quando eu vejo o trabalho do Shiko – que lançou uma HQ pela Mino (editora), chamada Lavagem³ – penso que ele é um puta ilustrador. O Lavagem foi todo feito com pincel e nanquim. E esse é o estilo dele, que ele curte. Mas se você pedir um desenho de qualquer estilo, eu tenho certeza que ele faz, pois ele tem muita técnica. Ele consegue emular técnicas. E eu não sou esse cara. Outro exemplo é o Pedro Franz que, além de quadrinista, é artista plástico e tudo o que ele faz parece ter uma consistência autoral maior. Com o tempo você consegue identificar uma ilustração dele, só de ver. Claro, tem vários outros assim no mundo inteiro. Se eu tiver perto de alguma dessas coisas, talvez seja mais no segundo exemplo. Faz parte do caminho você aceitar o seu estilo, achar o que você gosta dele e explorar isso. Pelo menos pra mim foi assim. Eu não acho, por exemplo, que faço coisas muito belas. Sempre que tento, acredito que eu falho. E aí acabo indo por outro caminho, que acaba sendo mais autoral. E, de certa forma, isso se torna único, pois só você consegue desenhar assim, mesmo que “errado”. B_ Eu ia te perguntar sobre suas inspirações, mas você já mencionou alguns. São esses mesmos? D_ Esses com certeza. É difícil mencionar alguns, já que temos

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um cenário bem destacado agora no Brasil. Esse cenário nunca morreu, mas chegou a ficar bem underground. Hoje está um pouco mais acessível, acredito que por conta da internet. Eu fiz uns cursos também, de desenho, que me aproximaram dos quadrinistas. Quando comecei a fazer tirinhas, paralelamente, eu fiz um curso com o Rafa Coutinho e com a Laerte, no ateliê deles. Era um curso meio não-curso. Juntava uma galera uma vez por semana pra desenhar e discutir sobre desenho. E foi aí que comecei a ver que todo mundo tem crise com seu traço. Tinha aula com modelo e aula livre. No final a gente era convidado a expor os desenhos feitos para discussão. Eu estava meio travado e recebi vários comentários e sugestões, como levar um papel maior, ou fazer traços maiores. E todos tinham as mesmas crises. Eu ouvia a Laerte dizendo que não sabe desenhar até hoje e pensava: “Como assim? Olha o que você acabou de fazer! Você não pode me dizer uma coisa dessas”. Mas enfim, pode né? E é isso, a gente nunca vai aprender, nem nunca vai estar satisfeito. É uma eterna frustração. Um outro curso que eu fiz, um tempo depois, foi com o Lourenço Mutarelli lá no Sesc. Era um curso de férias dele, durava um mês. E o nome do curso era algo como “Desenho para quem acha que não sabe desenhar”. Eu já tinha feito “A Última Vez que Vi Richard”, minha primeira HQ, então acho que eu nem era o público desse curso. Ele queria pessoas que não tinham nenhum contato com isso. Mas, independentemente disso, o curso foi muito legal, porque faz você pensar o desenho e problematizar o fato de estar desenhando. Acho que são esses caras, além de uns gringos, também. Apesar de eu não me identificar tanto com quadrinhos de heróris, como os da Marvel e DC. B_ Então você lê mais quadrinhos independentes. D_ Mais quadrinhos independentes...

A GENTE NUNCA VAI APRENDER, NEM NUNCA VAI ESTAR SATISFEITO. É UMA ETERNA FRUSTRAÇÃO. 19


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Quadrinhos: A Ăšltima Vez que Vi Richard


B_ Tem mercado pra isso? D_ Tudo tem mercado. Há aquela visão que a gente tem sobre ter uma banda mas que não dá pra viver de música. Mas tudo dá, talvez seja um pouco romântico achar isso. Se você tiver disposto a se arriscar o suficiente e viver no ritmo que isso vai te impor, acho que tem mercado. Tem gente vivendo disso. B_ Pensando em quadrinhos, “sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda? D_ Não sei se concordo totalmente. Nem sempre a gente tem que fazer as coisas ficarem mais belas. Quando se fala de quadrinhos, por exemplo, por conta da narrativa a linguagem te permite trabalhar com coisas que não são belas e isso pode até ser uma temática. O trabalho do Mutarelli, por exemplo, é todo bizarro. Eu acho bonitas as ilustrações, mas as pessoas são monstros, são feias. Ele sempre deixou isso claro. Até mesmo o trabalho do Robert Crumb, que eu acho foda e, de certa forma, dialoga com o trabalho do Mutarelli. No livro do Crumb ele fala que trabalhava em uma empresa na qual tinha que fazer cartões fofinhos de aniversário, e ele odiava. Enfim, se a missão é fazer coisas belas... acho que a questão é mais sobre saber manipular a estética. Saber quando você tem que usar o que é belo e quando não tem que usar. E isso vai pra um sentindo mais amplo, não só nos quadrinhos. B_ Então você acredita que a beleza não é tão subjetiva e, sim, mais inerente à obra em si? Por exemplo, você disse que o Crumb faz coisas feias, mas você gosta. O que define o feio e o que define o belo? D_ Eu acho que é pessoal. Acho que temos um filtro pessoal de certa forma. Mas há também um conceito coletivo. A gente consegue prever o que um determinado público vai achar bonito ou não.

ACHO QUE A QUESTÃO É SOBRE SABER MANIPULAR A ESTÉTICA. 21



Tirinha: O Incrível Tédio Cotidiano #32 / Último Comprimido


B_ Seria algo como o pensamento de Aristóteles, sobre ordem, simetria e proporção? D_ Acho que é um pouco mais amplo do que isso. É mais uma questão cultural, no sentido de que, mesmo como uma sociedade global, ainda temos pequenas tribos, com pessoas gostando de coisas em comum. Minha mãe não gostaria das obras do Crumb. Acho que a noção de belo passa pelas referências sociais, as referências que cada grupo social tem. É um filtro do indivíduo de certa forma, mas é um reflexo desse grupo do qual o indivíduo pertence, ou acredita pertencer. Na Feira Plana (feira de publicações independentes) você sempre vai encontrar homens com barba, camisetas engraçadas, hambúrguer e cerveja artesanal. Você pode até não querer aceitar que pertence a isso, mas há um padrão. Comemos, vestimos e lemos as mesmas coisas. E a noção de estética, do belo ou não, passam por esses grupos – que não é apenas um, pois fazemos parte de mais de um grupo, hoje.

ENTRE AS COISAS QUE EU APRENDI, E QUE PASSARAM A FAZER SENTIDO PRA MIM, É QUE QUADRINHOS SÃO UMA LINGUAGEM. 24

B_ E qual é, pra você, a contribuição dos quadrinhos no mundo de hoje? D_ Pergunta legal. Recentemente eu fiz uma disciplina de quadrinhos na USP, chamada Leitura e Análise de Interpretação, com o professor Valdomiro e com o Iuri, outro professor. Entre as coisas que eu aprendi, e que passaram a fazer sentido pra mim, é que quadrinhos são uma linguagem, que antes eu pensava como sendo uma forma de literatura, ou um gênero literário – e há quem defenda isso academicamente, inclusive. Mas hoje acredito que seja mesmo uma linguagem própria, com nuances e características próprias. Ela de certa forma dialoga com a literatura, assim como com a pintura ou com o cinema também. E, nesse sentido, a grande contribuição dos quadrinhos, atualmente, é ser uma forma única de expressão. Eu curto muito as HQs autobiográficas, então você tem obras desenhadas, escritas e editadas pela mesma pessoa. O que é impossível no


cinema, por exemplo, ou diferente da literatura, que não tem a parte visual. Tudo é autoral: a história, a narrativa, o traço do desenho. A grande contribuição dos quadrinhos pode ser essa. Por exemplo: histórias como Persépolis, da Marjane Strapi, que fala sobre o Irã sofrendo um golpe, são pesadas. E os quadrinhos permitem que você suavize e esgarce essa relação entre autor e leitor. Se fosse literatura, o efeito seria outro. Por isso os quadrinhos são outra linguagem mesmo. Por outro lado, um dos desafios dos quadrinhos também, em termos de alcance, é tentar se mostrar dessa forma para o grande público. A maioria das pessoas ainda enxergam quadrinhos como sendo apenas Capitão América e Turma da Mônica. Algo que é infantilizado ou estereotipado, de certa forma. O próprio nome também é um problema e há uma discussão em torno disso. No brasil, por exemplo, chamamos de Histórias em Quadrinhos, que vem da própria estrutura da linguagem, que são histórias contadas em quadros. Mas em inglês, ou mesmo em espanhol, eles chamam de Comics, que não necessariamente tem a ver com a linguagem, e sim com um gênero. Por isso surgiu a necessidade de cunhar o termo Graphic Novel, pra tentar traduzir melhor o que é a linguagem.

Tirinha: O Incrível Tédio Cotidiano #29

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B_ Por fim, você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi?

Tirinha: O Incrível Tédio Cotidiano #27

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D_ Na média sim. Nós, como humanidade, nunca estivemos em tantas partes do mundo ao mesmo tempo. Acredito que só é possível ter tanta gente criando coisas em tempos como os de hoje, no qual há um intercâmbio cultural tão alto que permite que a gente tenha, por exemplo, referências de arte árabe, de quadrinhos americanos, de pinturas europeias, de elementos indígenas e tribais ao mesmo tempo. A gente tem acesso a tudo, e tudo o que produzimos fica na internet e outras pessoas podem ver e se inspirar para criar outras coisas. Nesse sentido, eu acredito que temos um mundo mais belo ou, no mínimo, mais especializado em se preocupar com o belo.


Quadrinhos: Homem ao Mar


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designer de moda

Gabrielle Matos


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Bruno_ Você se formou em moda e hoje está se especializando em design gráfico. A ideia é que uma coisa complemente a outra? Gabrielle_ Sim. Eu trabalho com design têxtil, que é um ramo da moda, mas não deixa de ser design. Eu quis me especializar e entender um pouco mais da área do design e ampliar minhas ideias. O mundo da moda não é tão aberto, então imagino que o conhecimento do design seja um algo a mais. B_ Que tipos de técnicas ou fundamentos do design são aplicados em um projeto de moda? G_ Na estamparia aprendemos técnicas como rapport, grid, ilustração... são técnicas de design que também são usadas em moda. Na verdade são técnicas muito parecidas. Muitas coisas do curso de design eu já conhecia. Fizemos colagem de fotos, ou fotomontagem, que utilizamos muito em moda, onde temos que fazer painéis temáticos para ajudar na criação. Então tem essa conexão. Tive aula de cores, também, nos dois cursos. Já tive que pintar muitas etiquetinhas até conseguir chegar na cor certa. Basicamente é muito parecido, não estão muito distantes as duas áreas. Por isso, uma complementa a outra.

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B_ Quando se fala em moda, todo mundo pensa naqueles desfiles da SPFW. Como é realmente trabalhar com moda? G_ Não é bem assim. A moda não é nada além de uma tendência mundial. Vem uma tendência do exterior, um pouco antes dos desfiles serem feitos. Depois que soltam os desfiles, nós, que trabalhamos com a parte comercial, pegamos algumas coisas (referências), mas tudo não dá. Desfile é alta costura, é para deslumbrar. Não é algo comercial, ninguém compra aquelas peças para usar no dia seguinte. É uma coisa de apreciação, de como o estilista consegue usar as técnicas que ele tem para construir um vestido de diversas formas que não usamos no dia a dia. A gente absorve algumas coisas: se o cara usou roupa curta, legal! Quer dizer que ele deve estar lembrando dos anos 60, bacana, então vamos seguir, porque tem gente usando. Então, na verdade, é uma tendência mundial. Sai no exterior e começam a identificar o que pode ser usado nas coleções. Aqui, no Brasil, tudo é cópia da Europa. O que sair na Europa e nos EUA, os estilistas brasileiros vão até lá e compram as peças. Como as estações do ano são diferentes das nossas, então, temos uma estação atrás – se lá é inverno, aqui ainda é verão. É no verão que vamos construir as coleções de inverno. Então tem que ir pro exterior, comprar as peças e imitar. É pura imitação. B_ Então imitamos a tendência das estações. Mas e a questão regional, também não interfere nas coleções? G_ Interfere sim. A gente imita, mas também damos nosso toque. Não dá pra fazer tudo igual, nunca chegaremos aos mesmos tecidos. Os tecidos importados são muito caros, às vezes nem vale a pena. Então sempre damos o nosso toque, mudamos algumas coisas, mas a tendência continua a mesma. Se é blusa curta, vai ser blusa curta. Se é calça boca de sino, aqui também vai ser isso. E tudo bem que aqui seja jeans e lá fora couro. A ideia é trazer a tendência pra cá.

AS MARCAS PEQUENAS NÃO COSTUMAM OUSAR MUITO POR MEDO DE NÃO VENDER E, SE NÃO VENDER, ELAS QUEBRAM. 31


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B_ Então as estampas acabam sendo mais regionais? G_ Até as estampas são bem copiadas, mas depende muito da marca também. Tem marcas maiores que tem uma aceitação maior de público e podem ousar um pouco mais. As marcas pequenas não costumam ousar muito por medo de não vender e, se não vender, elas quebram. O Alexandre Herchcovitch pode fazer o que ele quiser, porque ele tem nome. Se ele quiser fazer uma blusa pink com estampa de flor laranja ele faz, e ele vende! Porque ele tem um nome consolidado. Uma marca pequena não consegue fazer isso. B_ Sei que a moda influencia em muitas coisas, além do vestuário. Ela pode indicar tendências de cores, comportamento, estilo de vida. Você acredita que ela ainda tem mesmo esse poder? G_ Tem, e basta olhar os anos passados. Quantos grupos sociais existiram entre os anos 60 e 80? Punk, hippie, pop com meias coloridas... e hoje existem esses grupos também, como os hipsters. Tem o estereótipo das patricinhas, que é um estilo de vida e um modo de se vestir. B_ Você mencionou os anos 80. Desde os anos 20, ou 30, vemos uma mudança drástica no jeito de se vestir e no comportamento das pessoas, mais ou menos a cada década. A moda ainda tem essa evolução? G_ Não. Você consegue identificar o que você usava em 2006? Depois dos anos 2000 não dá mais pra identificar. E muda em 2002, depois em 2003, porque na verdade virou um resgate das décadas passadas. Em um ano se decide resgatar algo dos anos 60 e, no ano seguinte, resgatamos dos anos 80. A moda hoje é Estampa digital e ilustração manual: floral

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um resgate. A gente vai e volta o tempo inteiro. Os anos 20 foram os anos dourados, com vestidos longos, sem cintura, bem retos e com silhueta. Nos anos 30, começa o prêt-à-porter – termo que denomina a produção em massa – e a alta costura sofre uma queda. Tudo isso junto com o pós-guerra e sua escassez, as pessoas não têm dinheiro, a produção cai. Então vem os anos 40 e aí vem o brilho, anos lindos de Hollywood, o dinheiro reaparece. A moda, portanto, é muito relacionada com o contexto social. Se você pegar o intervalo entre 1500 e os anos 2000, é facílimo identificar. Me dá uma foto e eu consigo saber a época que ela foi tirada. Mas dos anos 2000 pra cá pouco mudou. B_ O que define o que uma pessoa irá vestir: o gosto pessoal ou é uma imposição da moda? G_ As duas coisas. A moda vai colocar o que ela quer no mercado, mas você tem a opção de não comprar aquilo. Se você for preguiçoso, você pode comprar o que a moda impõe, que geralmente é o que se usa por usar. Mas, se você não gostar, não é obrigado a comprar. B_ A moda não é um pouco perversa por conta dessa imposição?

SE A MODA DECIDIR QUE ESSE SERÁ O ANO DOS HIPPIES, É ASSIM QUE SERÁ. 34

G_ Eu acho que é um pouco, sim. Queira ou não, ela tira um pouco esse poder de escolha das pessoas. Se ela decidir que esse será o ano dos hippies, é assim que será. E, caso um indivíduo queira se encaixar no contexto social, ele fica sem opção. E isso é um pouco cruel. Se fosse apenas uma questão de gosto, todo mundo ia vestir o que quisesse. O que é muito difícil, porque as pessoas tendem a se copiar. É super comum, veja os adolescentes. Tenho uma prima de 15 anos e, quando ela vê uma amiga com uma blusa nova, ela quer aquela mesma blusa. E ela deve estar na moda porque tem uma blogueira usando, ou uma atriz que usou em determinado seriado que elas assistem. Enfim, a mídia também tem muita influência.


Blusa em desenho planificado

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MINHA MISSÃO É FAZER COISAS BONITAS PRA MIM, COISAS QUE EU CONSIDERE BELAS.

B_ Porque você acha que as pessoas fazem isso, de se copiarem? G_ Não sei, acho que pra se encaixarem no contexto social. Na adolescência eu fazia isso e, se eu não fizesse, eu me sentiria excluída. Hoje já não ligo muito. B_ Já falamos sobre as estações do ano e as questões culturais e regionais, que interferem diretamente no modo como as pessoas se vestem. Isso ajuda ou é um problema pra quem trabalha com moda? G_ Nenhuma das duas coisas. Na hora de criar uma peça de vestuário, você usa seu repertório, que pode vir desse contexto regional. É como no design, cria-se a partir do repertório. Então não dificulta, porque você busca referências externas, mistura ao seu repertório e cria algo diferente. Claro que isso vai agradar mais o público daqui, da mesma região. B_ Como você busca referências para um projeto de moda? G_ Em todo lugar. Na faculdade a gente era instigada a não buscar referências em outras peças. Já fiz uma coleção inspirada na rainha de gelo de Nárnia. Então vem de filmes, de músicas. Já fiz também uma coleção cuja inspiração foi a música Better for the Sun, do Placebo. Enfim, é em todo lugar, em tudo o que vivemos. Até uma árvore que vemos na rua pode servir como referência. Mas o meio comercial, hoje, copia muito das outras coleções. É até engraçado. Se você tem que criar uma coleção cujo tema é a vida no campo, você tem que buscar imagens de tudo o que é relacionado a esse tema e criar um painel. Dalí você parte para a criação. Mas, ainda assim, muitas coisas acabam sendo parecidas. A Pantone, por exemplo, dita muito a tendência de cor. Ela sempre ela lança a cor do ano e sempre tem que ficar atento a isso. Quando isso acontece, já sabemos que todo mundo vai usar aquela cor. E, como todo mundo vai querer comprar, nós também temos

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que usar. Então, temos que estar atentos às tendências das cores, das formas, ver quais são as combinações. Daí você pensa em um tema e mistura tudo isso. Assim é que criamos comercialmente. B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? G_ Não concordo. Eu sou meio maluca, gosto de coisas malucas. Mas tem gente que não curte. O belo é relativo, então não dá pra afirmar isso. Minha missão é fazer coisas bonitas pra mim, coisas que eu considere belas. Eu crio pra mim. Lembro que tive chefes que pediam para eu criar algumas coisas das quais eu discordava, pois eu jamais usaria aquilo. Porque eu vou fazer então? Então eu dava um jeitinho de mudar algumas coisas, sugerir outras, pra tentar deixar um pouco melhor. Tenho um amigo designer que alcançou o poder de recusar trabalhos. Ele escolhe o que quer fazer. Se ele achar o briefing absurdo, ele recomenda ao cliente procurar outro profissional. Eu achei aquilo incrível! Mas infelizmente não tenho essa habilidade ainda. B_ Você acredita que a beleza é subjetiva ou há algo indiscutivelmente belo? G_ Tudo é discutível nessa vida. A beleza é subjetiva.

Vestido de malha tricô em desenho planificado

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B_ A moda contribui para deixar o mundo mais bonito? Ou deixa ele mais padronizado?

Meia-noite em Paris, Woody Allen

G_ Deixa mais padronizado. Ou, às vezes, até contribui para deixar as pessoas mais feias [risos]. Brincadeira. Mas, como as pessoas tendem a se copiar, acho que ficou mais padronizado. Mas, realmente, não sei se ajudou a melhorar na beleza das pessoas em geral. A moda é muito antiga, já nos acostumamos. Ela já é natural, temos que nos vestir. B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? G_ Não faço ideia. Não vejo o mundo tão bonito assim. Mas não sei se eu tivesse vivido nos anos 20 o veria bonito também. Eu adoro coisas do século XIX, os móveis, as peças de vestuário. Adoro, sou fascinada. Assisto aquele filme Meia-noite em Paris e quero voltar pro século XIX. Mas como não vivi essa época, eu não sei.

Estampa digital: floral

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designer digital

Fernando Dutra


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Bruno_ Seu pai trabalhava com gráfica. Hoje você trabalha com design digital. O que te fez ir pra esse caminho? Fernando_ Oportunidade mesmo. Eu cheguei a trabalhar com ele, comecei no design gráfico e queria seguir esse caminho. Na verdade, foi assim: comecei a conhecer a internet e isso me abriu um mundo novo. Pensei que daria pra explorar isso, que eu poderia criar o site sobre o que eu quiser para quem quisesse ver. Abriu a minha mente. E um amigo já tinha feito um curso de HTML e Webdesign e, então, eu comecei a estudar por conta própria. Assim fui criando conteúdo mais digital, até montar um portfolio. Daí comecei a direcionar meu currículo para essa área, para as vagas de emprego com perfil digital. Não que eu não tenha tentado para off-line também, mas a primeira oportunidade de trabalho foi com digital. Então, depois que entrei, não mudei mais. Mesmo com dúvidas, principalmente em relação à grana. Mas, em relação a gostar disso, não, pois eu sabia que o universo era maior, poderia envolver vídeo, animação, que são coisas digitais. B_ Você hoje faz layouts para interfaces digitais. Pode explicar como é esse processo? F_ Eu comecei fazendo animação de banner, depois eu comecei a fazer site, já fiz campanhas digitais, e-mail marketing... então a gente acaba fazendo muita coisa. Meio que são dois universos: a propaganda e o design de interface, de interação. No começo da

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minha carreira, eu não sabia qual dessas áreas seguir. Comecei trabalhando mais com propaganda, mas hoje já trabalho mais sobre design de interface. E o que eu faço é o seguinte: se faz um planejamento sobre o produto e o que se pretende desenvolver; esse conteúdo é enviado para um cara de usabilidade, que é o UX designer, e ele pega toda essa informação e monta uma arquitetura desse conteúdo. É um estudo sobre onde deve aparecer a informação na tela para o usuário; se for mobile, onde o dedo do usuário deve tocar a tela; estudo da rolagem no monitor de desktop; enfim, todos esses detalhes. E esse designer trabalha em dupla comigo. Então, depois que tudo isso é pensado, eu funciono como usuário dessa interface também e acabo dando sugestões de como eu acho que ficaria melhor. Assim trocamos as ideias e começo a pensar o caminho de layout em cima dessa estrutura criada. Começo então estudar tipografia, paleta de cores, geralmente seguindo o guide do cliente [um manual de design, para seguir os padrões de identidade já adotados pelo cliente]. Às vezes, quando o cliente não tem um guide, nós criamos um para nossa própria organização. Depois é só buscar referencias e botar a mão na massa. B_ Você mencionou os guides de identidade. Geralmente os clientes, portanto, já têm identidades prontas. Isso tira sua liberdade para criar? F_ Exatamente. A maioria dos clientes, a grande maioria, já tem uma identidade. É muito difícil chegar um projeto que podemos viajar na criação. Mesmo que seja um produto novo, normalmente já tem um guia de marca. Então, dificilmente criamos sem esse guia. B_ Quando você cria uma interface, onde busca suas referências? F_ Como é tudo digital, é da internet mesmo. O acesso é mais rápido, fácil e tem bastante coisa. Mas em relação à parte estética,

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Hotsite: Clear Men


que é com o que eu trabalho, pode ser um pouco mais amplo, de qualquer lugar. Por exemplo, se tem um produto com uma linguagem mais street, eu posso usar como referência qualquer coisa que eu vi na rua e que seja mais urbano. Eu vejo aquilo e tento aplicar no meio digital, claro que mantendo a usabilidade, tem que fazer sentido. Mas basicamente é assim: primeiramente pesquiso concorrentes, que é o principal; vejo as tendências da área, dos aplicativos mais recentes; e, depois, aí eu tento sair um pouco do digital, buscar algo externo, pra tentar incorporar ao projeto. A ideia é que eu traga algo de diferente, pra não cair na mesmice. B_ O mundo de hoje é muito interativo, eletrônico. Qual o papel do designer nisso tudo? F_ Dar função às coisas. Imagine algo complexo como um caixa eletrônico. Quando fazemos uma transação bancária, não enxergamos o que vem por trás, que é o back-end. São códigos. A gente não quer saber disso, a gente só quer digitar os números e sacar o dinheiro. E aí entra o designer. Ele vem pra facilitar. Ele vai fazer o campo de digitação de senha, vai colocar um botão na tela onde você possa clicar, etc. É esse o papel dele: dar uma função. B_ Você lida bem com a evolução da tecnologia? Afinal, isso deve afetar diretamente seu trabalho. F_ É, como trabalho devemos ficar sempre atentos. Não sei se é pela minha idade, mas tem coisas que acabam evoluindo mais do que o esperado. Às vezes aparece um novo aplicativo que todos estão utilizando e eu tenho que me forçar a usar também, porque normalmente eu não usaria. Principalmente essas coisas de redes sociais, que não sou muito ligado. Mas tenho que me forçar a utilizar por conta de estudo de usabilidade, layout, etc., sempre com o intuito de aplicar no meu trabalho. Mas, dependendo do tipo de tecnologia, eu gosto bastante.

EU TENTO SAIR UM POUCO DO DIGITAL, BUSCAR ALGO EXTERNO, PRA TENTAR INCORPORAR AO PROJETO. A IDEIA É QUE EU TRAGA ALGO DE DIFERENTE, PRA NÃO CAIR NA MESMICE.

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AnĂşncio: One World

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B_ Você até já fez um projeto com realidade virtual, não foi? F_ Sim! São coisas que se eu não pesquisar por mim mesmo, uma hora vou ficar pra trás. Quanto mais coisas novas eu vejo, e mais referências eu tenho, mais fácil fica para aplicar no dia a dia, num projeto. Ou até mesmo ter novas ideias, trazer uma inovação para o ciente. B_ Eu sei que você gosta de desenho manual, pintura e outros trabalhos que são gráficos. Tem uma veia artística? F_ Sempre gostei de desenhar, pintar. O sonho era trabalhar com isso. E aí você imagina que vai virar artista, mas não é bem assim que funciona. Como trabalho com propaganda, a gente tem um produto e ele tem que vender. Então tem regras envolvidas, não dá pra chegar fazer qualquer coisa. Tem que seguir tendência, tem números, pesquisa e tal. Então a gente acaba ficando um pouco frustrado, porque sempre estamos copiando, pegando referência do que já foi criado. Mesmo tentando fugir um pouco, mas a base é essa. Não dá pra aplicar muita coisa experimental, mais artística. Rola uma frustração. Por isso eu tenho essas válvulas de escape. E pro meu trabalho acaba fazendo sentido, pois assim eu fico mais criativo, consigo até usar algumas técnicas. Afinal, o meio digital é só uma ferramenta. B_ Então tem alguma perspectiva profissional aí! Ou você faz apenas para praticar a arte? F_ As duas coisas. Eu gosto de pintar, criar coisas fantasiosas. Mas quando eu poderei aplicar isso no meu trabalho? Talvez apareça algo. A ilustração, por exemplo, que está fora

Site: Freestyle Libre | Abbott Brasil

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da minha alçada. Às vezes precisamos e convocamos um ilustrador profissional. Se eu soubesse fazer, seria muito melhor. Inclusive pra mim, pois seria um conjunto. Eu conseguiria pensar na obra quase completa. E não precisaria direcionar para outra pessoa. É assim que funciona. B_ Isso te ajuda, de alguma forma, no design digital? F_ Ajuda! Porque as coisas fazem sentido. Teorias de cor, movimento, etc. Tudo isso funciona no design. B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? F_ Da forma comercial sim, falando da minha profissão. A gente trabalha pra isso: deixar bonito pra poder vender. Mas no geral faz sentido sim. Qualquer coisa que fazemos, qualquer ato que desperte algum sentimento, já falando de estética, é importante. Você pode fazer uma obra erudita, por exemplo, que demanda conhecimento, vivência pra entender aquilo. Mas tem o caso do grafite, em que o artista pinta um muro que era cinza e sujo. Então você tá no trânsito,

Site: Sony Heroes | Sony Brasil

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pensando em um monte de coisas e, de repente, vê aquele grafite incrível, cheio de cores, dentro de tanto cinza que você vê. Parece que é uma quebra no seu dia. Ou seja, te desperta sentimentos. Então eu acho que faz sentido, sim, a gente tentar deixar as coisas mais bonitas. Tem mais valor eu pintar um quadro pra dar de presente pra alguém do que eu comprar algo já pronto. Porque não eu mesmo fazer o presente? É como no pensamento oriental, japonês: tudo envolve um sentimento, uma intenção. B_ Mais belas pra quem? Todo mundo vai achar bonito, ou há um público específico? F_ No trabalho sim, há um público especifico. É mais comercial, vai ser direcionada a uma pessoa que já tem um gosto pré-definido, tem as tendências. No caso do grafite, por exemplo, já é geral. É pra quem estiver passando na rua. É mais legal, mais democrático. Claro, há quem vá olhar e não gostar, achar que aquilo é feio ou que não é arte. Mas vai muito de querer sentir. Eu gosto muito do grafite por isso, porque é pra todo mundo. Um museu é legal, com suas obras, e você paga pra manter sua estrutura. Mas o grafite tá ali, na rua. Até a pichação tem seu lado estético, principalmente aqui no Brasil. As pessoas não enxergam isso porque tem um lado destrutivo de se pichar em qualquer lugar. Mas no fundo ela tem seu valor, sua estética. O cara parou pra fazer, pensou na forma. B_ Como você acha que o seu trabalho contribui pra deixar o mundo mais bonito? F_ O mundo não, porque eu trabalho com produto, e o produto é feito para ser comprado. No meu trabalho a gente pensa nisso, que ele tem que ser bonito pra vender. Se ele não vender então ele não é nada. E se ele é um produto digital, aí que ele não é nada mesmo, porque ele não passa de uma combinação de códigos, ele é "zero" e "um" na verdade. E a gente só faz a junção

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Site para Tablet: Nissan March

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AnĂşncio Facebook: Deu Match | Napster

Blog: Revista Mundo Pu | Dow Brasil

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dessa combinação de números com as ferramentas pra poder vender. Dificilmente faço um trabalho pensando no bem-estar de outra pessoa, seria hipocrisia dizer que sim. A ideia é vender um produto e ponto. Por isso, também, que eu gosto da arte, ela é puramente estética. Ela existe para transmitir alguma sensação, ela não precisa vender nada. E ela pode estar na rua, onde qualquer um pode passar e ver. E o meu trabalho se apropria da arte, dessa estética, de tentar passar um sentimento e criar uma empatia para fazer uma pessoa comprar. B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? F_ Não. É uma questão de perspectiva. Hoje em dia temos mais ferramentas e mais conhecimento. A beleza também está na natureza e a natureza sempre esteve presente. Quanto à produção humana, o que temos é uma evolução, tanto na produção como no pensamento. Será que a arte rupestre era apenas estética, pra passar um sentimento? Talvez não. Talvez ela tivesse uma função apenas, que é o que o design faz. Por isso eu acho que não. Se for analisar pela minha referência do que é belo, acho que hoje temos coisas muito interessantes e bonitas. Mas não posso menosprezar o que foi feito antigamente, que foi o começo. Sem aquilo não chegaríamos no que temos hoje. E, na visão das pessoas da época, aquilo era o belo. B_ Você acredita que a beleza é subjetiva, ou há algo indiscutivelmente belo? F_ Acho que é subjetivo. Talvez a essência do objeto carregue alguma informação de beleza. Talvez, só de existir, ele tenha uma importância estética e, no seu universo, seja o belo. Mas pode ser que pra mim não faça sentido ou não faça parte do contexto sobre o que seja belo pra mim.

O MEU TRABALHO SE APROPRIA DA ARTE, DESSA ESTÉTICA, DE TENTAR PASSAR UM SENTIMENTO E CRIAR UMA EMPATIA PARA FAZER UMA PESSOA COMPRAR.

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fotรณgrafa

Juliana Pacheco


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Bruno_ Porque você largou a publicidade para trabalhar com fotografia? Juliana_ Na verdade, eu não troquei porque a fotografia sempre foi presente, desde que eu nasci. Meu pai sempre foi fotógrafo e ele revelava fotos em casa, então, não foi uma troca. A fotografia era algo natural, não tive muita escolha na verdade. Eu tentei ir pra uma outra área, mas não deu certo e acabei trabalhando com o que me identifico. B_ Você trabalha registrando momentos especiais das pessoas, como casamentos, aniversários, nascimentos. É uma baita responsabilidade, não acha? J_ Muita! Principalmente porque hoje as pessoas não querem mais aquela coisa tradicional, posada. Elas querem que você capture o que está acontecendo no momento, como se você tivesse assistindo ao evento, mesmo ao ver depois. Isso é uma grande responsabilidade. B_ Como você definiu seu estilo? J_ Foi um processo muito longo, foram anos batendo cabeça em parede. Faz apenas uns dois anos que eu descobri o meu estilo de fotografia. Pra mim, fotografar é retratar a verdade de uma forma bonita. Por exemplo, se eu for fotografar um casal que seja travado ou não tão bonitos fisicamente, tenho que levar eles para um lugar legal. Quando a pessoa é fisicamente bonita, as fotos são

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mais cropadas, tem mais close, é uma coisa mais fechada. Quando a pessoa não é tão bonita, então eu privilegio o ambiente e insiro a pessoa no meio. Isso é importante, porque a pessoa tem que gostar do resultado, do que ela vai ver. Ela não pode se sentir feia ali na imagem. B_ E quais são suas referências? J_ Clipes de músicas! Eu vejo o dia inteiro. Sou obcecada por seriados também. Filmes. Se o filme não tiver uma fotografia bonita eu levanto e saio. Não consigo ver até o final, por mais que o roteiro seja muito bom. Por isso eu gosto de filme estrangeiro. Normalmente o roteiro não é bom, mas a fotografia é incrível, fico vendo por horas e esqueço do mundo. Eu procuro, por exemplo, os filmes vencedores de direção de fotografia, os melhores do ano, etc. Mas, quando preciso de inspiração, eu paro para ver clipes de música. Basicamente é isso. E, claro, outros fotógrafos também. É muito importante acompanhar o que estão fazendo. Não para copiar, claro. Até porque sempre vai ficar diferente, mesmo que você tente copiar. Mas é muito importante, principalmente para acompanhar a tendência de mercado, afinal eu tenho que pagar as contas. B_ Além da fotografia, que é digital, hoje os álbuns também são digitais. É mais fácil mostrar as fotos para todo mundo. Você lida bem com essa superexposição do seu trabalho? J_ Hoje sim, mas já houve uma época em que eu me sentia muito cobrada. Eu percebi que precisava fazer algo diferente e bonito, que as pessoas iram ver e gostar. No começo foi bem complicado. Mas depois comecei a me sentir mais segura no trabalho e, hoje, a superexposição me traz clientes. Hoje é um meio de divulgação. Inclusive, quanto mais eu patrocinar anúncios, melhor, pois eu consegui um certo renome em um núcleo específico que está cada vez crescendo mais. Eu só tenho um perfil no Facebook, hoje, por causa do trabalho, senão eu nem teria.

PRA MIM, FOTOGRAFAR É RETRATAR A VERDADE DE UMA FORMA BONITA. 59


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Ensaio de Bebê: Benício


B_ Você acredita que a beleza é subjetiva ou há algo indiscutivelmente belo? J_ É muito pessoal, eu acho. Esse ano eu defini que não fotografo ninguém que eu não conheça de alguma forma. Eu, ao menos, marco de tomar um café antes de qualquer coisa. Fica muito diferente quando eu marco um ensaio com alguém que eu não conheço, o resultado é outro. Preciso gastar uns quarenta minutinhos, mesmo que seja um pouco antes do ensaio. Tento tirar tudo o que eu posso da pessoa, tenho que conhecê-la. Assim, eu vou entendê-la melhor e sei do que ela vai gostar. Claro que ela já viu meu portfolio, ela tem uma ideia de como é o meu trabalho. Inclusive, por isso, ela veio me procurar. Mas é muito importante esse contato, porque eu tenho que entender do que a pessoa gosta, caso a caso. Por isso é pessoal, é subjetivo. B_ Seu portfolio é muito importante, portanto, nessa relação do seu trabalho com o gosto do cliente. J_ Sim. Eu reduzi muito o material do meu portfolio. No meu site, eu mantinha um blog com duas atualizações semanais com posts de ensaios de casamentos. Eu removi esse blog. De cinco mil fotos, eu escolhi as vinte melhores, coloquei no meu site atual e pronto, me vendo com essas vinte fotos. Ficou muito melhor! Não tinha condições de manter o blog, que eu gostava de alimentar. Eu escrevia sobre as pessoas, elas viam e me agradeciam. Era legal. Mas eu percebi que os clientes estavam buscando apenas referências. Eles me apontavam um dos posts e diziam “eu quero um ensaio igual a esse”. Então resolvi fazer essa mudança e mostrar apenas o meu estilo, sem dar muita margem. Hoje vendo meu trabalho com aquelas vinte fotos.

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Ensaio de Gestante: Mariana 62


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B_ Hoje em dia qualquer pessoa tem uma câmera com ótima resolução sempre às mãos, a qualquer momento, por meio de seus smartphones. Porque, então, ela te contrataria para registrar seus momentos? J_ Acontece muito, durante um casamento em que estou fotografando, de vir um tio da família me pedir licença porque ele quer fotografar. Antes eu dava licença, mas hoje em dia não dou mais, pois estão me pagando pra fazer esse trabalho e não posso perder o momento. Hoje sou eu quem peço licença. Mas eu acho que a pessoa me contrata, primeiramente, porque ela não quer parar pra fotografar, ela quer curtir o evento. Por isso as fotos não são mais tradicionais, regradas, posadas, porque elas querem aproveitar sem se preocupar com isso. E eu também ouço muito frases do tipo: “nossa, com essa sua câmera até eu faço boas fotos”. Claro que ainda tem uma diferença grande entre as câmeras de celulares e as profissionais – apesar de o Sebastião Salgado ter dito há pouco tempo que a fotografia não vai sobreviver mais de 20 anos, por causa dos smartphones. E hoje, também, está muito fácil comprar uma boa câmera. Eu, particularmente, acho que ela dura mais de 20 anos. Acho que no jornalismo, por exemplo, vai mudar muito. Hoje todo mundo tem uma câmera no bolso, não há tempo para manipulação. Se eu trabalhasse com fotojornalismo eu ficaria preocupada. Mas para registro de eventos da sua vida pessoal, como seu pedido de casamento ou ver seu filho nascendo, acho que as pessoas vão querer contratar alguém capacitado. Então as pessoas pagam por uma mistura de capacitação e bom equipamento. Muitos dizem que o equipamento não é tão importante, pois quem faz todo o trabalho é o fotógrafo. Não concordo 100% com isso. Em condições boas, qualquer câmera faz uma foto muito boa. Mas eu já fotografei, por exemplo, um casamento que foi no campo e que estava marcado para às 16h30 e começou às 19h30. Já estava completamente

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escuro, pois não havia iluminação no local. Então, se eu não tivesse levado duas câmeras de três mil reais cada uma, não haveria fotos do casamento. Tem que levar tudo isso em conta na hora de contratar um profissional. B_ Tenho por mim que o fotógrafo é um dos profissionais que mais manipulam o que é a beleza, pois ele tem de transformar o que acontece em uma fração de segundo em algo belo, pelo menos aos olhos do cliente. É isso mesmo? J_ Eu fotografei um casamento na semana passada em que a mãe da noiva está praticamente em estado vegetativo, e ela entrou em uma cadeira de rodas. A noiva chorava muito abraçando a mãe, mas a mãe não mexia nem o pescoço. Só corria lágrimas no rosto dela, também. É chocante, porque a pessoa não se mexe há dez anos e ela não é bonita. Mas a menina chorando ao abraçar a mãe é maravilhoso! É uma cena maravilhosa e ela vai gostar de ver aquilo, e de mostrar para as pessoas. Ela vai gostar de guardar aquilo pra sempre. Vou contar uma outra história. Eu fui, como convidada, para um casamento em Recife. E, como presente, eu dei para a noiva as fotos do Dia da Noiva. A minha namorada foi madrinha desse casamento. Então ficamos o dia todo com a noiva, até entrarmos no carro que a levaria para a cerimônia. Bom, o casamento seria feito dentro de uma capelinha onde só cabiam os noivos e os padrinhos, praticamente. Mas os noivos contrataram uma equipe enorme, tinha em torno de 5 fotógrafos e 4 cinegrafistas, e eles também ficaram nessa capela. Na parte de fora ficamos nós, os convidados, sentados assistindo tudo por meio de dois telões instalados. A noiva tinha uma avó que usava cadeira de rodas e ela teve que ficar na parte de fora, pois não havia onde se sentar dentro da capela minúscula. Eu estava em pé, encostada na capela, com a minha câmera na mão, pois havia passado o dia fotografando a noiva. Chegou então o momento da

AS PESSOAS PAGAM POR UMA MISTURA DE CAPACITAÇÃO E BOM EQUIPAMENTO. 65


O FOTÓGRAFO PRECISA TER UMA SENSIBILIDADE PARA PERCEBER OS MOMENTOS, POR MAIS BANAIS QUE SEJAM. 66

entrada da noiva e, quando ela viu a avó, ela começou a chorar descontroladamente. Quando eu olhei para a equipe de foto e filmagem, eles estavam todos lá dentro da capela esperando a noiva chegar. Eu não acreditei que não tinha ninguém ali pra registrar aquele momento. A noiva, então, se abaixou para abraçar a avó na cadeira de rodas. Eu sei que, sem nem raciocinar direito, eu já estava tirando muitas fotos daquele momento, de vários ângulos diferentes. E eu tive muito tempo pra fazer aquilo. Enfim, passou um tempo, ela recebeu as fotos contratadas do casamento e não gostou do resultado, ficou bem ruim mesmo. E, em seguida, ela descobriu que estava grávida. Ela foi, então, para Recife contar a novidade aos parentes, inclusive para a avó. Quando ela retornou para São Paulo, ela recebeu a notícia de que a avó havia falecido. Um dia, de repente, ela bateu na porta do meu apartamento, pois ela queria me agradecer pelas fotos que eu tirei dela com a avó. Então, pra mim é isso. O fotógrafo precisa ter uma sensibilidade para perceber esses momentos, por mais banais que sejam. Eu faço praticamente dois aniversários por semana de crianças de um ano de idade e eu sei que todos são importantes. Não posso banalizar. Pra alguém aquilo é importante. B_ Existe também uma manipulação após o clique, que é o tratamento das fotos, alterando a beleza real do momento. É isso o que as pessoas buscam: guardar uma imagem melhorada do momento ela passou? J_ Eu acredito que sim. Não é à toa que a pessoa gasta vinte mil reais com fotógrafo e cinco mil reais com comida, por exemplo. Ela tá buscando isso, sim. Segredinhos: eu fotografei um aniversário de uma mulher de 40 anos. Ela já fez aplicação de botox e já tem algumas rugas. As fotos que não estavam muito boas, eu descartei. Nas fotos que ela aparecia bem, que eu achei que ela fosse gostar, eu dei um tratamento no qual eu deixei uma luz mais clara em cima dela. Assim, inconscientemente, quem olhar para a foto vai direcionar o olhar para ela, que é


Ensaio de Casamento: Mariana e Eduardo

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Ensaio de BebĂŞ: Sofia


a aniversariante. Isso é sutil. Ela vai amar o resultado, mas ela nem sabe o porquê. Se for uma foto de um grupo de pessoas, na hora de tratar a foto, eu coloco a aniversariante conforme manda a regra dos terços, porque o cérebro está acostumado a olhar para aqueles pontos. Ela também vai gostar do resultado, vai chamar a atenção dela. Outro exemplo: normalmente eu coloco um feixe de luz vindo do céu quando faço fotos de crianças. É bem sutil, quase imperceptível. As pessoas amam quando vêm, mas não percebem o motivo. B_ A sua visão daquele momento, portanto, como profissional é o que diferencia a sua foto da que a própria pessoa poderia tirar com o próprio smartphone. Como você treina essa visão? J_ Eu tenho uma cachorrinha, a Gal. E a minha câmera fica em cima da minha mesa o tempo todo. Eu devo tirar umas duzentas fotos dela por dia. Mas é assim, buscando referências, vendo o trabalho de outros fotógrafos – tem muita gente maravilhosa, daquelas que você almeja alcançar o mesmo patamar. Cinegrafistas também, tem alguns que transformam um casamento em um filme de cinema. É incrível! Então é muito treino e muita referência pra você chegar no seu estilo, definir o que você quer, onde você vai

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cortar a imagem, o que você quer que apareça, se você quer uma foto mais aberta ou um pouco mais sufocante, qual o público que você quer atingir, o que você sente. Eu não edito fotos quando estou me sentindo mal, por exemplo. Não consigo. Eu só consigo editar quando estou bem, coloco uma música feliz e aí flui. Aí eu edito um casamento inteiro em um dia. B_ Pra você, o registro do momento, que é a foto, é mais belo do que o próprio momento - que já passou? J_ É tão importante quanto. Tenho um projeto de fazer um vídeo institucional e o meu conceito será esse: do que você quer se lembrar? O que você quer que fique para os seus filhos, daqui 20 ou 30 anos? Um exemplo: eu tenho o vídeo da primeira vez que o meu irmão, que é mais novo, ficou em pé. Só que o mais bonito do vídeo não é ele ficando em pé, mas sim a minha empolgação vendo ele ficar em pé. Eu tinha 5 anos e quase subi pelas paredes, dando um grito de empolgação. E meu pai, coincidentemente, estava filmando nessa hora. Nós temos muitas fotos e vídeos desses momentos e de outros momentos banais. Eu amo ver essas coisas e acho que isso até me direcionou para a profissão que tenho hoje. Então, acho que a importância é essa. Claro que você participa e sente aquele momento, mas você quer também deixar aquilo marcado, guardado para sempre. O tempo passa, as coisas acontecem, hoje estamos aqui mas amanhã podemos não estar mais. É legal passar alguma coisa pra frente. B_ A missão de um fotógrafo é essa, a de tornar as coisas mais belas? J_ Pra mim, pessoalmente, é mostrar o que está acontecendo de uma forma mais bonita. B_ Mais bonita pra quem? J_ Acho que são dois sentidos pra essa questão: o que a pessoa quer ver, ou melhor, como ela quer se ver; e, pro fotógrafo,

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a questão artística é muito forte. Além de fotografar, eu tenho que fazer algo que todo mundo vai gostar. B_ Falamos aqui algumas vezes sobre a beleza das pessoas, se elas são bonitas ou não. Isso também vale para o resultado das fotografias, se ficaram ou não bonitas. Mas qual o nosso parâmetro de comparação? J_ Hoje pela manhã eu fotografei um casal e a menina está de nove meses de gestação. Então, ela está super inchada. E o pai não tem nada do estereótipo que consideramos bonito: ele é vesgo, baixinho, gordinho. E o meu desafio é não deixar essas pessoas feias na foto. A mãe não foi nem maquiada. Não que precise usar, porque por mim, artisticamente, eu quero retratar a realidade, o que está acontecendo, se está bonito ou feio não importa muito. Mas quando alguém te contrata para fazer um ensaio, não é isso que ela quer. Ela quer a verdade, mas ela quer se ver bonita, em um lugar bonito e com uma luz bonita. Então, é complicado, temos que ter umas artimanhas. Por exemplo, os dois são baixinhos, então eu não posso tirar as fotos de cima para baixo, senão eles vão ficar ainda menores. Eu fiz um outro ensaio com um casal de amigos que me deram total liberdade para fazer como eu gostaria. Os levei de madrugada para a Pedra Grande, em Atibaia. Ainda estava escuro. Quando chegamos ao topo, o sol estava nascendo. Esse foi o ensaio mais maravilhoso que eu já fiz. Foi mágico. Então, eu tenho na minha cabeça o que é bonito. A luz do sol, ao nascer, é maravilhosa. O lugar era bonito. Não tinha como dar errado. A alvorada no Brasil é muito mais bonita que o pôr do sol. Se você tiver a oportunidade, não perca o nascer do sol. Do escuro para o claro é mais bonito do que do claro para o escuro. Além de ser mais bonito, mexe com a gente, com o nosso inconsciente. É um sinal de esperança, é a luz no fim do túnel, têm significados por trás. Por tudo isso é muito mais bonito.

QUANDO ALGUÉM TE CONTRATA, ELA QUER SE VER BONITA, EM UM LUGAR BONITO E COM UMA LUZ BONITA.

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Ensaio de BebĂŞ: Alice


B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? J_ É bem pessoal, mas eu acho que não. O ser humano tá destruindo tudo, animais entrando em extinção, tráfico de animais dentro de cidades. Querem construir um condomínio de prédios em uma nascente aqui de São Paulo, que é também um berçário de corujas [Parque dos Búfalos, na represa Billings]. As pessoas estão acabando com tudo. Esse ano eu fiz uma viagem para Bonito – MS que me mudou, mudou meu jeito de ver as coisas. Eu nadei em nascentes, vi jaguatirica, vi filhote de jacaré dormindo do meu lado. Não temos o direito de mexer com isso. E até lá, onde o turismo dá lucro, a plantação de soja está devastando tudo. Antes era o gado, mas agora a soja dá mais lucro. Mas a soja precisa de muito espaço. Eles tinham acordos de preservação, mas aquilo está acabando. O lugar é maravilhoso, mas recomendo ir logo, pois não se sabe até quando aquilo estará lá. Meu pai caçava sapinho onde hoje é a Av. 23 de Maio. E é tudo por conta da produção humana. Eu nunca, jamais na minha vida, gostaria de ir para Dubai. Aquilo é bizarro. Você vai fazer turismo pra ver prédio e piscina artificial. Agora, veja o céu no deserto do Atacama. Você vê a galáxia, os planetas, o universo! Não preciso falar mais nada.

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ilustrador

Rafael Forshaid


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Bruno_ Sua formação é uma mistura de arquitetura com design digital. Como foi essa trajetória? Rafael_ Na verdade eu sempre gostei muito de desenhar e, a princípio, eu queria fazer publicidade. Mas, por conta da minha mãe já trabalhar com arquitetura, acabei escolhendo esse caminho. Porém, sempre nos projetos de arquitetura eu acabava fazendo o papel de designer. Foi quando veio a ideia de partir de vez pro design. B_ Mas porque digital? R_ Foi o seguinte: depois que parei de fazer arquitetura, comecei a fazer propaganda e marketing. Mas, também, surgiu uma oportunidade de trabalhar no escritório de arquitetura do Ruy Othake, que achei legal. Porém, comecei a perceber que lá dentro eu estava limitado a ser o “cadista” [quem trabalha com o software AutoCAD], e não poderia criar nada. Foi quando um amigo me disse: “olha, mau pai é diretor de uma faculdade de informática e lá vai iniciar uma turma de design digital, você não quer fazer?”. Eu já tinha desistido do curso de arquitetura, aceitei o convite e comecei a fazer o curso de design digital. E boa parte do conhecimento que eu tinha sobre design veio da faculdade de arquitetura.

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B_ Muitos arquitetos acabam trabalhando com design gráfico. É por conta da facilidade com desenho? B_ Sim. No Mackenzie, onde estudei arquitetura por exemplo, durante todo o primeiro ano eu só fazia desenho à mão. Lembro que, no primeiro semestre, tínhamos que entregar em torno de 60 a 70 desenhos à mão livre. Você não podia utilizar nenhuma outra ferramenta, todos os projetos eram manuais. E eu gostava disso. E dali também vieram os conceitos de cores, os fundamentos de design, simetria, etc. Mas não propriamente em composição de imagem. No caso, era na construção de uma obra arquitetônica. B_ Foi ali que aprendeu a desenhar, ou só se aperfeiçoou? R_ Engraçado isso, de saber desenhar. Eu fiz um curso na Quanta, que é uma academia de artes, e a gente pensa que sabe desenhar e percebe que não é bem por aí. E aí entra também essa questão do belo. Nem sempre o que achamos belo, ou que é correto, é realmente. Lá eu percebi que muita gente sabia desenhar, mas desenhava à sua maneira. Eram desenhos diferentes, mas era da própria pessoa. Não deixava de ser belo, ou interessante. Aquela era a forma que a pessoa tinha de se expressar, colocar seu sentimento ou pensamento. Mas, no meu caso, eu me aperfeiçoei um pouco na arquitetura, e melhorei nesse curso. B_ Hoje seu desenho, então, é mais técnico? Ou não? R_ Hoje não, meu desenho é mais livre. Com o curso eu fui percebendo que eu não precisava ficar preso em fazer o traço correto, eu podia ter a mão solta e, assim, eu poderia me expressar melhor. Quanto mais rígido, ou dentro das normas eu ficasse, menos minha ideia iria fluir, menos meu traço iria fluir. No curso de desenho isso é muito bem aplicado. Nos primeiros dez minutos de aula, a gente ficava desenhando o que vinha na cabeça, sem nenhum critério. E assim fui me libertando.

NEM SEMPRE O QUE NÓS ACHAMOS BELO, OU QUE É CORRETO, É REALMENTE. 77


B_ E hoje você ilustra para embalagens de cosméticos. R_ Bom, eu trabalho com design de embalagem. Na criação do layout, na verdade. Raramente criamos uma nova embalagem e praticamente as ilustro, sempre que possível. A gente trabalha com muitas referências, por exemplo: pegamos flores reais e tentamos estilizar o traço delas. As vezes também tento fazer composição de imagens abstratas. B_ Tem liberdade para criar ou há muita limitação?

Ilustração para embalagem: O Caminho das Águas Lavanda | Jequiti

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R_ Tenho sim. A Jequiti dá liberdade total pra gente criar, fica a nosso critério. Eles nos dão apenas o conceito básico, por exemplo: tem que utilizar flores e tem que ser com cores quentes. E eu posso desenvolver qualquer tipo de traço, qualquer tipo de arte. E aí, novamente, entra a questão do belo, porque depois


passa por um comitê, onde a maioria decide o que é bonito, interessante e que vá vender. Lá vão dizer se vai pra frente ou não. E nem sempre o que eu achei que era interessante e belo, é para eles. Aí então tem o lance comercial. B_ Sei que você também faz trabalhos em 3D, em paralelo. É preciso ter o domínio do desenho para fazer isso? R_ Aí sim entra o desenho técnico. Você precisa saber das técnicas de perspectiva pra ter uma noção, senão você terá dificuldade. Mas, se for modelar personagens, aí envolve a ilustração. Então depende do que você quer trabalhar. Se for mais arquitetônico, entra perspectiva, desenho técnico. Se for personagens, é ilustração. Tem que criar concept art. Entra também fisionomia e anatomia, tem que estudar um pouco o corpo humano, observar como ele funciona. Aí é realmente mais a parte de desenho. B_ Gosta de pintar também? Aquarela, por exemplo. R_ De vez em quando. Eu gosto de experimentar diferentes tipos de criação. A partir disso dá pra conseguir uma textura ou uma riqueza de imagens que só no traço não é possível. O que eu gosto na aquarela é o fato de você não ter controle sobre ela. Não dá pra fazer um traço perfeito, ela sempre vai borrar. Isso me intriga muito. B_ E tudo isso que você aprendeu, você pretende explorar profissionalmente? R_ Eu sempre tento aplicar nos meus projetos. Já cheguei a criar um projeto para a Jequiti utilizando aquarela, infelizmente não foi adiante. Mas, sempre que possível, eu tento aplicar uma dessas técnicas. Já trabalhei também com giz. Mas com certeza a ilustração ainda é mais fácil, trabalhar com o lápis é mais assertivo. Não que seja tão expressivo, mas tenho um controle maior pra chegar no resultado esperado. Como eu trabalho numa área muito comercial, se eu fugir muito do que é o ideal para o

EU GOSTO DE EXPERIMENTAR DIFERENTES TIPOS DE CRIAÇÃO. 79


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Desenho em 3D: Maรงaneta Flux


mercado, meu trabalho pode acabar sendo considerado muito artístico, e essa não é a ideia. O conceito da empresa faz a gente manter o pé no chão, focando no que é vendável. B_ Mas, então, para que você faz tudo isso? Para atender alguma demanda comercial ou é uma veia artística? R_ Essa é uma pergunta que eu me faço logo quando eu pego um trabalho de freelancer, por exemplo. Agora mesmo estou começando a fazer um projeto de vídeo, e a primeira pergunta que fiz para o cliente foi se a intenção era vender ou demonstrar algo. Se for pra vender, já faço algo mais direto, para que o espectador entenda com mais facilidade a mensagem. Se for para um lado mais artístico, então eu procuro explorar mais o conceito, sem me preocupar tanto como o que o espectador vai pensar e, sim, mais na estética.

É LEGAL CRIAR O QUE É CONCEITUAL, AUTORAL. MAS O MERCADO NÃO ACEITA ISSO.

B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? R_ Olha, no escritório eu bato muito esse assunto. Acho que a nossa profissão realmente existe para deixar as coisas mais belas. Mas, por outro lado, acho que ninguém enxerga assim e até mesmo nós, como um grupo de profissionais, não exercemos também a ideia de aplicar conceito, fazer com que as pessoas percebam como algo subjetivo. Acho que não trabalhamos muito bem isso. Acaba sendo apenas estética mesmo. Se for do lado comercial, realmente é só estética, é o que a pessoa gosta de ver e o que a maioria aceita. Na moda, por exemplo, você vê desfiles com roupas fantásticas. Mas aquilo não é comercial, não se vende nas lojas. É mais ou menos a lógica pro nosso trabalho. Se fizermos algo que é muito fora do convencional, corremos o risco de sermos visto mais como um artista plástico do que como um designer, ou um ilustrador. Temos que ter certo cuidado. É legal criar o que é conceitual, autoral, acho muito bacana. Mas o mercado não aceita isso.

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Ilustração para embalagem: Alecrim


Embalagem com ilustração: Zen - Alecrim | Jequiti


EU NÃO UTILIZO AS ILUSTRAÇÕES PARA DEIXAR O MUNDO MAIS BONITO, EU TENTO INFORMAR POR MEIO DELAS.

B_ Você menciona muito o mercado. Todo mundo vai achar sua criação bonita, ou há um público específico? R_ É uma questão bem interessante essa de “pra quem é belo?”. Eu não sei como funciona com outros profissionais, mas eu já tenho uma noção, pois eu faço muitos testes antes de fechar um projeto. Quando fecho com um cliente, eu vou mostrando as alternativas e, ao mesmo tempo, vou tentando extrair informações sobre o que ele quer. Então, começo a perceber o gosto artístico dele. Se percebo que ele não gosta de aquarela, já elimino essa opção. Vou me alongar um pouco: no escritório temos três designers e cada um cria de uma forma diferente. Quando eu comparo o trabalho dos três, é difícil eu achar o do outro belo, e sempre me pergunto o porquê. E aí percebo que envolve questões como a experiência de vida, sua visão de mundo, suas referências para o projeto, seu gosto pessoal. A junção desses fatores é o que define o que é belo pra mim e deixa de ser belo pro outro. Se for algo mais comercial, então eu sei que tenho que deixar meu gosto de lado e seguir um padrão de mercado. Esses dias alguém comentou algo sobre moda. Se estiver na moda a saia preta, quando você for criar um projeto, você vai acabar usando nele a saia preta. Somos condicionados a isso. Isso me faz pensar no belo. Será que não somos condicionados a achar uma coisa bela, mesmo que ela não seja? B_ Há então um senso comum? R_ Ou há um senso comum, ou entra numa questão pessoal. B_ Então você acredita que a beleza é subjetiva. Ou há algo indiscutivelmente belo? R_ Pra mim é subjetivo. Mas eu acho que tem coisas que já estão impregnadas na nossa cabeça. Por exemplo a Monalisa, tem uma beleza ali. E porquê? São os conceitos aplicados à imagem?

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B_ Aristóteles dizia que algo belo devia ter harmonia, simetria e proporção. R_ É a mesma lógica de quando achamos uma mulher bonita. Há simetria, proporção. Entra conceito. Mas ainda assim, acho subjetivo. São raros os casos que existem combinações perfeitas. O mundo não é perfeito. B_ Acha que as ilustrações colaboram para deixar o mundo mais belo? R_ Eu não utilizo as ilustrações pra deixar o mundo mais bonito, eu tento informar por meio delas. Não faço ilustrações como se

Maquete 3D: projeto de arquitetura

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fosse um quadro, nem criando um perfil de beleza. Eu crio ela para informar. O papel dela é contar uma história, ou mostrar um conceito com o qual estou trabalhando. É isso o que eu tento aplicar no meu trabalho. E não o belo por si só. Claro que se ficar belo e interessante, é legal. Mas não sou eu quem julga isso, quem julga é o cliente e o espectador. B_ Mas o mundo de hoje é mais bonito do que jamais foi?

Ilustração para embalagem: Sabores Cupcake | Jequiti

R_ Difícil essa, porque entra muito do que eu penso: a gente criou certos vícios. Como o mundo hoje se comunica de forma muito rápida, as informações também acabam circulando de maneira muito rápida. Acho que isso acaba viciando o nosso olhar sobre as coisas. Acabamos criando mais do mesmo. Poucos são os casos que vemos de criações novas, que sejam diferentes, interessantes. É muito maçante, e antigamente se contemplava mais, por exemplo, a beleza natural. Por conta disso, havia mais novidade, sem tanta interferência da mão humana. Mas, já pensando na interferência humana, nos dias de hoje eu acho que, desde Duchamp e seu mictório – onde a partir dali tudo podia ser considerado arte – a barreira estética foi quebrada e a questão passou a ser mais conceitual. As coisas não são mais necessariamente belas e, sim, devem despertar alguma curiosidade ou interesse no espectador. Sai de cena a beleza e entra mais um lado conceitual. Antigamente criava-se algo para ser belo, hoje não. A ideia hoje é intrigar o outro, questionar. B_ Que é o conceito filosófico de estética: o estudo das sensações ao se contemplar algo, seja belo ou não. R_ Exatamente! Não tinha pensado nisso.

Ilustrações de personagens: Siamo Tutti Capitano

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Ilustração de personagem: Siamo Tutti Capitano

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produtora de vĂ­deo

Stella Gafo


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Bruno_ Você fez Rádio e TV. Trabalhar com isso numa das maiores agências do Brasil é um sonho realizado ou é só um emprego? Stella_ É só um emprego. Na verdade, trabalhar com comunicação era um sonho, mas eu nunca sonhei em trabalhar na África, nunca sonhei em trabalhar numa agência grande ou numa empresa grande. Por isso, pra mim, estar lá é só um emprego. O sonho realizado é trabalhar com comunicação. Eu poderia estar trabalhando em qualquer outro lugar que eu teria o mesmo sentimento. Na verdade, quando fiz a faculdade, eu tinha vontade de trabalhar em produtoras de vídeo ou com cinema. E foi trabalhando em uma produtora que eu descobri a publicidade. Então fui trabalhar em agência e me encontrei dentro da publicidade, percebi que é isso que eu gosto de fazer, esse tipo de trabalho. Por isso não é bem um sonho realizado. B_ Os vídeos que você produz tem alcance nacional. Você tem algum feedback de aceitação do público sobre eles? S_ Tenho sim. Hoje é mais por redes sociais do que por qualquer outro meio. Como tudo o que a gente faz acaba indo pro Facebook ou Youtube, temos o feedback do que as pessoas comentam. E tem também a mídia especializada, como sites ou revistas que falam de publicidade, que acabam comentando sobre isso, dando algum feedback. Então basicamente são as redes sociais e a mídia especializada.

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B_ Nos vídeos que você produz, que são publicitários, o mais importante é passar o conceito (a mensagem), ou que fiquem bonitos? S_ De verdade, pra minha área de produção, é mais importante que fique bonito do que passar o conceito. Quando o briefing chega pra gente, normalmente já existe um conceito. Então a gente trabalha para que o produto final saia com qualidade, que seja bem feito, bonito. Pra gente, o conceito vem de uma etapa anterior e não interfere tanto na qualidade visual. Por exemplo: quando se faz um filme, o conceito vem no roteiro. Claro que se o roteiro está ou não bem feito, a mensagem pode chegar diferente para o público. Mas a nossa preocupação geralmente é com a estética. B_ O cliente já sabe geralmente o que ele quer ou vocês criam todo o conceito estético, de design, da campanha? S_ Na maioria das vezes o cliente não sabe o que ele quer visualmente, mas ele sabe o resultado que ele quer alcançar. Por exemplo, o cliente não diz diretamente: “eu quero uma campanha que fale sobre empoderamento feminino”. Normalmente ele diz: “quero uma campanha que atinja as mulheres”. Então a agência, mais especificamente a área de criação, faz o conceito em cima disso, envia para o cliente aprovar e, aí sim, nós vamos transformar isso em conteúdo. Acontece de alguns clientes terem uma área criativa dentro do próprio marketing e, às vezes, o conceito já vem pronto. São poucos, mas existem. A maioria vem mesmo apenas com o objetivo – como aumentar as vendas para determinado público – e nós criamos o conceito pra atingir o resultado esperado. Quanto à criação da parte estética da campanha, depende muito de agência. A África é uma agência que tem uma área de pesquisa, focada em inovação, e lá eles procuram o que é tendência no mundo. Então a área de criação recolhe essas informações e desenvolve o design da campanha. Na verdade, dentro da publicidade, o que é bonito é o que tá em

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Campanha: Brahma / Agricultores (Agência África)


alta, o que é tendência, o que é bonito agora. É imediatista. O que foi bonito pra um filme nos anos 80, hoje em dia é brega. Então tem muito a ver com essa pesquisa de inovação, sempre buscando o que é bonito hoje. Daí deriva toda a campanha, seja na mídia impressa, digital ou nos filmes. Esse é o processo: primeiro a necessidade do cliente de atingir um resultado, depois a criação do conceito e o terceiro passo é a criação estética. Dá pra resumir assim: o que, porque e como fazer. Acho que a parte estética está no ‘como fazer’. B_ E essa pesquisa de tendências é baseada em quê? S_ Do mercado internacional mesmo. E muita coisa de cinema também, pois a publicidade hoje é mais cinematográfica. Então na hora de produzir um filme, a gente não se preocupa só em ter uma boa atriz, por exemplo. A gente se preocupa com tudo, com a fotografia, com a direção de arte... e é aí que entra a pesquisa. Temos que saber qual o tipo de fotografia que se usa hoje. Houve um tempo em que a fotografia lavada – aqueles filmes mais opacos, cinzas, com cores não tão fortes – virou uma moda. Isso é recente. Então quase todos os filmes que você via na TV eram meio “lavadinhos”. Tanto é que dá pra identificar qual a data do filme, ou qual o diretor, apenas vendo esse detalhe. A pesquisa então é em cima disso, do que tá rolando lá fora, Festival de Cannes, cinema... B_ Quando você menciona cinema como referência, quer dizer o cinema comercial mesmo, tipo filme americano? S_ Sim, ganhadores de Oscar também. Como eu falei, a publicidade hoje se baseia muito no cinema. Você começa a perceber que os planos não são mais apenas abertos ou fechados, que são muito usados em peças de varejo. Hoje há um olhar de diretor de cinema mesmo. Tanto que alguns diretores que fazem cinema acabam fazendo publicidade. Outro exemplo: antigamente a gente tinha muito filme com câmera parada e tem

DENTRO DA PUBLICIDADE, O QUE É BONITO É O QUE TÁ EM ALTA, O QUE É TENDÊNCIA, O QUE É BONITO AGORA. É IMEDIATISTA. 93


muito mais movimento, com uma câmera mais solta, que dá uma sensação mais livre e natural. E isso vem do cinema. B_ Hoje o próprio cinema é uma mídia poderosa, veiculando anúncios antes dos filmes. Acha que se produzem filmes publicitários já pensando nisso? S_ Não sei se é pensando isso. A veiculação em cinema é uma coisa recente. A TV ainda é o que mais atinge o público, depois a internet. Mas o pensamento é: se calhar de também veicular no cinema, legal. B_ Já teve que produzir vídeos que você não achou que ficaram bonitos, mas era o que pedia o briefing? S_ Já! E o problema nem foi tanto o briefing, mas sim não ter verba suficiente para produzir do jeito que gostaríamos ou para trabalhar com o diretor ideal, tendo que procurar outro. E aí o resultado não ficou bom. Claro que qualquer filme, tenha um roteiro bom ou ruim, pode ou não ficar bonito. Afinal são duas coisas diferentes. As vezes o roteiro é bom, mas o resultado final não é bacana. Mas eu já tive que produzir umas coisas horrorosas, que eu tenho vergonha de colocar no meu portfolio. Bem ruins mesmo. B_ Lida bem com isso? S_ Sim, é da profissão, não sofri tanto com isso. Mas é óbvio que eu não mostraria numa entrevista de emprego. [risos] 94


Campanha: Natura / Sociedade de Consumo (AgĂŞncia Ă frica)



Campanha: Brahma / Onde For Brasil (Agência África)


Campanha: Natura / Sociedade de Consumo (Agência África)

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Campanha: Natura / Ekos Castanha / #NaturezaGeraBeleza (Agência África)


B_ A tecnologia evolui muito rápido, principalmente nos meios eletrônicos. Hoje já temos o 4K, Realidade Virtual, muita coisa em 3D. É muito difícil se manter atualizada? S_ Sim, e acho que é até uma dificuldade minha. Se bem que a mudança demora um certo tempo. Tem muita coisa nova, mas não é uma mudança radical. Por exemplo: a mudança da película para o digital levou um certo tempo. Já trabalho com isso há um tempo e cheguei a filmar com película, mesmo já existindo a tecnologia digital. Mas a transição é um pouco lenta, então a gente não sente tanto. Você sabe que tem uma câmera melhor do que a que você está usando, mas vai ficar pro próximo filme. B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? S_ Acho que sim, é deixar tudo mais bonito. Mas também a gente acaba passando uma mensagem dentro do nosso trabalho, não só mensagem de beleza. Eu me preocupo muito com o conteúdo das coisas nas quais o meu nome está envolvido. Claro que não sou eu quem cria os roteiros, eu os realizo. Eu faço acontecer, ter qualidade. Mas sempre que chega um roteiro pra mim eu leio e, se houver algo que eu discorde, eu sempre falo que não tá legal, que deveriam repensar e tal. Isso é uma coisa que eu faço. Então, pra mim, além de deixar mais bonito, tem uma preocupação com o conteúdo. As pessoas ainda são muito impactadas pelo que elas assistem, e não só em relação à compra. Claro que nosso objetivo é vender, mas o comercial acaba passando uma mensagem também. B_ Então você sempre se esforça pra que fique bonito e passe uma mensagem. Pra quem? S_ Pra quem? Na verdade, eu acho que é mais para o cliente, e para nós mesmos, do que pra quem vai assistir. Mas, por consequência, também é pro espectador.

VOCÊ SABE QUE TEM UMA CÂMERA MELHOR DO QUE A QUE VOCÊ ESTÁ USANDO, MAS VAI FICAR PRO PRÓXIMO FILME.

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QUANDO VOCÊ COLOCA ALGUMA COISA BONITA NA TV, ACABA REFLETINDO NAS PESSOAS QUE ASSISTEM. E AQUELE É MOMENTO DE LAZER DELAS.

B_ Você acredita que a beleza é subjetiva, ou há algo indiscutivelmente belo? S_ Subjetiva. Não acho que algo seja belo por si só. Tem a ver com o sentimento que aquilo passa quando você olha. E cada pessoa sente de um jeito. O que é bonito pra um pode não ser bonito pro outro. Mas, acho que também tem a coisa do padrão. Daquilo que é construído na nossa cabeça do que é bonito ou não. É uma mistura do que você realmente gosta e do que você aprende a gostar. Rola um senso comum. B_ A publicidade tem muito a ver com isso, não é? S_ Tem muito! Supondo que você queira abrir uma conta em um banco, você precisa decidir em qual banco será. Então você vai pensar com qual você se identifica mais, e uma das formas é ver um anúncio que mostra pessoas que tem um padrão considerado como beleza. B_ Como você acha que o seu trabalho contribui pra deixar o mundo mais bonito? S_ Não sei se contribui com tudo isso. Talvez sim, considerando o alcance da TV aberta, que ainda é o maior meio de comunicação em massa. Quando você coloca alguma coisa bonita na TV, acaba refletindo nas pessoas que assistem. E aquele é o momento de lazer delas. Se contribuir em alguma coisa, acho que é nisso. Mas os vídeos, apesar de estarem presentes nas vidas das pessoas, eles têm um tempo de duração, um prazo de validade. Não é como uma obra arquitetônica, por exemplo, que pode durar para sempre e realmente deixar o mundo mais bonito. É uma coisa que passa. Então, serve mais para contribuir com o conceito de beleza do que realmente deixar o mundo mais bonito. B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? S_ Não. Acho que é mais moderno, tem mais recursos. Não necessariamente mais bonito. O que as pessoas entendiam por beleza a mil anos atrás não é o mesmo que entendemos hoje.

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Campanha: Mitsubishi / Casca Grossa (Agência África)

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designer grรกfico

Kamila Bebber


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Bruno_ Uma jornalista hoje trabalha com design gráfico. Como é isso? Kamila_ É uma coisa bem diferente. São áreas muito complexas e diversas uma da outra, mas, ao mesmo tempo, têm muitas coisas em comum. Você sai de uma área essencial que é da palavra, que é uma informação presente, atual, factual, para uma outra área que é uma informação visual e que quer comunicar outras coisas. Coisas que são bonitas, que querem atrair o olhar e querem te convencer do que é aquilo. O jornalista também convence, mas por meio de uma percepção factual de palavras. O designer gráfico faz isso por meio de uma sedução visual. B_ E o que é o design gráfico para você? K_ Um designer se utiliza dos vários fundamentos e técnicas que temos acesso para construir toda uma comunicação sedutora e convencer o público alvo. O designer gráfico tem um objetivo e uma função. É muito diferente do artista, que tem todo um contexto mais abrangente e espiritual ao seu alcance e não precisa te convencer. Ele faz aquilo ali e se agradou, bem, se não, amém. O designer não, ele tem uma função prática. Dependendo do seu cliente, você tem um objetivo a ser alcançado.

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É uma coisa factual e pontual. Não tem para onde correr. Todo designer é grávido de um objetivo, sempre. Ele tem um objetivo pontual e vai ter que recorrer, queira ou não. Por mais que ele sofra e não seja exatamente o que ele queira fazer, ele terá de alcançar um ponto final. Talvez a arte não tenha um ponto final, pois ela sempre pode ser interpretada e reinterpretada. O design gráfico tem, pois ele é prático. B_ A missão do designer aqui na Terra é deixar as coisas mais belas? K_ Eu gostaria que fosse. Acho que nós temos o conhecimento e as competências para deixar as coisas mais belas. E não só pelo belo em si, porque eu acho que o designer propicia uma comunicação mais eficiente. Com todo esse conhecimento, nós temos a capacidade de deixar a informação muito mais clara e, também, mais agradável de ser recebida. Essa é a questão. Existe uma diferença muito grande entre um texto terrivelmente mal diagramado em Times New Roman, com um alinhamento terrível e opressor e o mesmo texto diagramado por um designer, que pega esse conteúdo em palavras e o transforma em algo muito mais agradável de ser recebido. Ele tem conhecimento dos fundamentos para deixar aquela informação, que é a mesma e que era visualmente tosca, em alguma coisa muito mais palpável para ser vista. Portanto, até uma informação que pode ser um tanto chata, um texto muito chato, torna-se muito mais agradável de ser recebida por conta da ação do designer. B_ Mais belas para quem? K_ Bom, deveria ser para o público, para quem vê. Ou para o cliente, caso seja um designer de agência. Mas ele faz para ele mesmo. Afinal, todo designer faz algo que ele acha ser bonito. Nós somos nosso primeiro cliente, sempre. Tanto é que, se você faz um trabalho a contragosto dentro de uma agência e não gostou tanto do resultado, mas o cliente gostou, você sofre por

O DESIGNER GRÁFICO CONVENCE POR MEIO DE UMA SEDUÇÃO VISUAL. 105


aquilo pelo resto da sua vida. Porque, no fundo, não era aquilo que você gostaria de fazer e você fica irritado, revoltado. Você se sente vendido! Bom, de uma certa maneira você se vendeu. Você foi corrompido pelo salário e pela necessidade de pagar contas, sem dúvida nenhuma. É triste, mas é o que acontece. Então, eu acho que o primeiro alvo do belo somos nós mesmos, depois vem o cliente. Mas depois vem a fase do retorno do cliente, que interfere na nossa concepção primeira de belo. Aí lascou. É aí que o conflito começa. Poxa, minha produção não era essa, mas agora tem que ser. Portanto, mais uma vez, a vida prática interferindo no nosso trabalho. O design pode ser arte, mas em essência não é arte. B_ Você acredita que a beleza é subjetiva, ou há algo indiscutivelmente belo? K_ Boa pergunta. Eu acho que há coisas que são inerentemente belas. Mas isso é um achismo meu, porque é subjetivo. Porque toda percepção de beleza, de achar algo feio ou não, tem a ver com seu repertório pessoal. Depende muito das coisas que você tem contato durante a sua vida, do que você lê, do conhecimento adquirido. É até uma questão de comparação. Se seu repertório de conhecimento for baixo, você não vai saber comparar e você vai ficar num platô, digamos assim, uma opinião de platô. Você vai achar que o que é bom é sempre aquela coisa que você sempre viu, que aquilo é o que é certo. Parece que você não sai da sua casinha repertorial. Mas, na medida em que eu tenho mais visões, eu vou percebendo que o mundo não é tão pequeno assim e que as coisas vão muito além do que eu acho que seja bonitinho. Uma pessoa que nunca entrou em contato com as obras de Picasso, com obras surrealistas ou com outras coisas que romperam uma perspectiva linear, vai achar estranho na primeira vez que as verem. Imagina, essa coisa toda torta, o Picasso não sabia desenhar não? Tem muita gente que acha isso. Daí, quando descobre que no início do seu oficio ele sabia, sim, desenhar, a pessoa fica surpresa. Pois é, ele sabia, mas a questão é que para

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Cartaz: Cerimônia do Chá

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romper as regras, você tem que conhecer as regras. De novo, é uma questão de repertório. E se você não tem acesso a essas coisas, você ficará sempre naquele seu cercadinho sobre o que é belo. E tudo bem, pois não tem nada de errado em relação a isso. Mas é sempre bom e interessante entrar em contato não só com outras formas de arte, mas com diversas linguagens, porque cada linguagem tem a sua poética. E uma poética não limita a outra. Existem as poéticas visuais, a poética da dança, a poética da música. Então, quanto mais contato você tem com as diversas linguagens, mais os seus horizontes vão se abrir e o seu repertório subjetivo vai se ampliar. Então, de fato, no fim das contas é subjetivo. B_ Você acha, portanto, que a visão que um designer tem sobre o que é belo é superior à de quem não é designer?

EU ACHO QUE O PRIMEIRO ALVO DO BELO SOMOS NÓS MESMOS, DEPOIS VEM O CLIENTE. 108

K_ Visão superior soa um pouco arrogante – apesar de o designer ser um pouco arrogante, às vezes. Acho que visão superior não é o melhor termo, mas eu acredito que temos um reservatório de capacidades mais lubrificado, digamos assim, para fazer coisas belas. Como nós estudamos determinados fundamentos, nós temos uma máquina mais lubrificada. Temos um repertório e uma percepção mais exercitada. Então, de repente, somos mais capacitados para fazer coisas belas. O que não impede, claro, que uma pessoa que não tenha esses conhecimentos também faça coisas belas. B_ Então tem a ver com as referências adquiridas. Onde você busca as suas? K_ Em tudo. Eu também sou atriz de teatro e, para mim, o teatro é muito importante. A linguagem teatral é algo fenomenal, sensacional e, penso eu, todo mundo devia ter um meio de contato com ela, porque ela trabalha com várias camadas de informação. O cenário diz uma coisa, a trilha sonora diz outra, a iluminação, o ator, o figurino... cada um desses fundamentos


diz algo diferente. São muitas camadas de interpretação. O teatro é a festa da semiótica. É um exercício de linguagem sensacional que quebra uma percepção linear de tudo na nossa vida. É uma arte que, se existir paradigmas, ela quebra todos. O ator precisa entrar em conflito consigo mesmo o tempo todo e, no exercício de teatro, somos confrontados com nós mesmos. Quando alguém te pergunta se você está bem, você automaticamente responde que sim, está tudo bem, mesmo que esteja no pior dia da sua vida. Isso é porque temos práticas mecânicas que nos foram ensinadas, ou mesmo, porque não queremos nos abrir ao outro. E o teatro quebra isso, essa mecanicidade. Aquela armadura que você construiu durante toda a sua vida é quebrada e você fica nu. O ator tem que ser frágil e nós temos medo de ser frágeis. Quando temos nossa armadura pronta, nós paramos de receber e ficamos reativos, nos defendendo o tempo todo. E se a gente não souber receber, seremos a mesma pessoa pelo resto da vida. Portanto, o teatro é uma arte que traz toda uma transmutação de repertório e nos ajuda muito a ter uma visão mais ampla sobre a vida. Todo tipo de arte e linguagem que você entra em contato muda sua percepção. Nós temos aquele pensamento binário: ou é bom ou é ruim. Mas as coisas não são tão simples assim. Todo contato que temos com outras linguagens e expressões artísticas colabora com a nossa percepção de existência. Ela fica mais rica e nós pensamos muito além do binário.

O TEATRO É A FESTA DA SEMIÓTICA.

B_ Acho interessante que você tem uma visão muito filosófica de um trabalho que é muito prático. Isso ajuda a desenvolver seus projetos? K_ Ajuda, porque além de sair fora um pouco da resposta óbvia, posso pensar de uma maneira mais abstrata e trazer isso para um trabalho que tem que ser objetivo. O designer tem que ser objetivo. Mas eu meio que trago essa filosofia escondidinha, não conto para ninguém [risos]. É como a fundação de um prédio que não aparece, mas sustenta. Então, sem dúvida, ajuda para

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Cartilha / Quadrinhos: A Importância da Reciclagem


ir além do óbvio, mas também causa conflito. Como nós temos uma visão um pouco além do que o cliente procura, a gente sofre. Quanto mais consciência você tem de que as coisas podem ser extrapoladas, mais você sofre, porque muitas vezes você tem que trabalhar dentro de uma caixa, que é o que o cliente quer, e ele é quem paga seu salário. Não podemos discutir Hegel e a fenomenologia do espírito com o cliente. Ele não quer saber, ele quer vender e ganhar dinheiro. Existe então esse conflito entre uma alma que quer uma coisa essencialmente bonita, tendo por trás toda uma filosofia e uma fundamentação teórica, e a conta que está ali esperando para ser paga. O Raul Seixas tem uma música que diz que o grande conflito é entre a verdade do universo e a prestação que vai vencer. E é verdade. B_ Temos um paradoxo! K_ É um paradoxo perigoso! O que é melhor para quem está no poder: uma pessoa pensante ou uma ignorante? A ignorância dá dinheiro. Se fôssemos pessoas mais filosóficas, não no sentido enfadonho, mas no da filosofia aplicada à vida, acha que as pessoas iriam se estapear por um iPhone novo? É muito melhor tirar a filosofia das escolas, obviamente, para ter um monte de gente com visão limitada que pensa que a vida é isso: trabalhar das seis às oito, chegar super cansado, acordar às quatro da manhã e fazer a mesma coisa ad eternum. E quando chegar o final de semana ela vai se entupir de cerveja, que é para parecer que a vida vale a pena em algum momento. O acesso às linguagens e às artes vai muito além de algo pontual e nos diz mais sobre aproveitar a vida de uma maneira muito mais bonita. O Antonin Artaud – que ficou doido e foi para um hospício – escrevia sobre teatro e tem um livro chamado O Teatro e seu Duplo¹. Na maior parte do livro ele fala essencialmente de teatro, mas toda arte fala da vida também, então ele fala da vida. E, logo no prefácio, ele questiona porque as pessoas estão tão distantes da arte e porque elas acham a arte banal, fútil.

EXISTE ESSE CONFLITO ENTRE UMA ALMA QUE QUER UMA COISA ESSENCIALMENTE BONITA E A CONTA QUE TÁ ALI ESPERANDO PARA SER PAGA. 111


E é justamente porque a arte fala da vida. Só que pessoas estão tão desconectadas da vida, que elas acham que a arte realmente é banal. Porque elas acham que a própria vida é banal. É essa coisa de trabalhar, trabalhar e morrer um pouco no final de semana para ressuscitar no terceiro dia e voltar. Há uma desconexão tão grande que se pensa que a arte também é banal, porque a arte está conectada com a essência da vida. A arte acaba se tornando uma coisa inútil. Então a gente não vive a vida, a gente estupra a vida.

¹ O Teatro e seu Duplo, de Antonin Artaud

B_ A produção de um designer gráfico pode ser bastante abstrata antes de surgir um produto final. Ele pode, por exemplo, criar um logotipo sem necessariamente aplicar em qualquer suporte. Muitos não entendem e desvalorizam esse trabalho, inclusive financeiramente. Como lidar com algo tão subjetivo, que depende da percepção e da sensibilidade das pessoas – do cliente no caso? K_ É um pouco frustrante. Mas quando você está num trabalho em que você tem que fazer algo que o cliente pede e não há como escapar disso, você tem que se adequar às regras do jogo. Tem que jogar o jogo e ter uma postura profissional de entender que aquilo pode não ser tão legal, mas é o que você tem que fazer. A vida prática está gritando no seu ouvido o tempo todo. Por mais que você queira, você não pode deixar de lidar com o jogo da vida prática. É isso que foi instaurado na nossa realidade, tenho que consumir para viver. Temos que lidar com isso todo dia, desde o momento que acordamos. Temos que trabalhar, mesmo que cause uma frustração. Então, devemos realmente ter uma perspectiva prática do trabalho. Mas temos que aprender também a lidar com isso em momentos pontuais, porque se deixarmos as frustrações invadirem a nossa vida, vamos começar a pensar que não prestamos para nada, que a vida é uma pena, nós deixamos os sonhos de lado e vamos desistir. Temos que ter uma certa maturidade de perceber que tem a hora de jogar esse jogo, e tem a hora de sair desse jogo e fazer o que gostamos de

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fazer. É nesse momento que vamos exercer a nossa criatividade. E esse momento é muito importante, porque é ele que vai ser seu alimento no jogo de verdade. Por mais que o seu cliente não seja tão criativo, você terá ferramentas para mostrar que há outros caminhos mais interessantes. Não podemos, portanto, nos desconectar do nosso trabalho, nem abandonar nossas paixões, senão vamos ficar endurecidos. O tempo vai passar e vamos lamentar por termos feito apenas aquilo que não gostamos, e aí está o perigo. B_ O que diferencia o trabalho do designer gráfico do trabalho artístico? K_ O artista não tem uma obrigação com o mundo prático, apesar de ele ter que pagar suas contas. Mas, dentro do campo da arte existe uma liberdade de criação muito maior, até porque a arte não está conectada com prática e, sim, com o espírito. É uma criação espiritual. Quando alguém entra em um museu ou galeria, mesmo ela não tendo conhecimentos formais e acadêmicos sobre o assunto, ela sabe que se trata de arte. Outra coisa que diferencia, também, o design da arte é o tempo. O designer tem um objetivo pontual e, normalmente, muito pouco tempo para finalizar determinado trabalho. B_ Você acha que os próprios designers gráficos se confundem como sendo artistas? K_ Sem dúvida nenhuma. Todo designer quer ser um pouco artista. Ele acha que a criação dele é arte, mas não é. Pode ser, mas não é. Grandes obras do design gráfico entraram para a história da arte, mas não foram criadas para esse fim. Elas certamente tinham outro objetivo. Todo cartaz, mesmo que seja lindo, tem o objetivo de comunicar uma coisa específica. Mas a beleza dele serve para atrair o olhar para a mensagem que ele quer passar. A beleza é, portanto, um mecanismo, um artifício que o designer utiliza para passar a mensagem.

A BELEZA É UM MECANISMO, UM ARTIFÍCIO QUE O DESIGNER UTILIZA PARA PASSAR A MENSAGEM. 113


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Guia da Copa 2014


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B_ E como você acha que o trabalho do designer gráfico contribui para deixar o mundo mais bonito? K_ Pelo modo de trabalhar tudo o que ele faz, seja um panfleto de supermercado. Ele pode deixar aquilo mais bonito e transformar em uma comunicação muito mais interessante, mas efetiva. O designer tem uma responsabilidade muito grande, vai muito além do belo. Ele pode potencializar uma informação, deixar ela mais atraente e, assim, ele contribui para o repertório de uma outra pessoa, veja só. Um livro de filosofia pesado, como o de Kant – que não é brincadeira para ler –, se tiver uma diagramação horrível ninguém aguenta. A pessoa pode até ler por obrigação, mas, mesmo que ela ame aquele conteúdo, uma hora o olho cansa. Já uma diagramação bem-feita de um livro, que permita o texto respirar, deixa o estudo e a leitura muito mais agradável e a pessoa irá absorver a informação de uma maneira muito mais efetiva. Ou seja, o designer é o agente potencializador para que a comunicação aconteça. Veja como é interessante. Vai além de apenas deixar algo bonito.

Diagramação / Abertura de Matéria: Músicos Malditos

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O DESIGNER É O AGENTE POTENCIALIZADOR PARA QUE A COMUNICAÇÃO ACONTEÇA. VAI ALÉM DE APENAS DEIXAR ALGO BONITO.

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B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? K_ Não, não acho. O mundo está num momento de confusão muito grande, para começo de conversa. Por vários motivos: nós não sabemos o que estamos fazendo aqui; todas as cidades estão crescendo de uma maneira abrupta e nervosa e tudo vai se fechando, as pessoas também vão se fechando, se atacando. A agressividade só aumenta e a gente continua achando que vai resolver alguma coisa assim. Existe também uma confusão entre entretenimento e arte. As pessoas consomem entretenimento achando que está consumindo arte. Mas a verdade é que esse entretenimento quer apenas o seu dinheiro e, para isso, ele pode até se utilizar de alguns artifícios da arte. O entretenimento te faz um agente passivo. Mas a arte não tem que entreter ninguém, ela na verdade exige do espectador uma participação. Você tem que ser um agente ativo. Muita gente acha que filmes de arte são muito chatos, porque eles não te dão respostas. É você quem tem que achar essas respostas, baseado no que você vê. Aí que entra o repertório, também. O filme de arte exige do espectador uma participação. Quando você interpreta uma obra de arte, você diz mais sobre si mesmo do que sobre obra em si. Isso ocorre porque o que você lê na obra de arte é o que você é, é seu repertório, são suas referências. Enfim, é toda essa falta de consciência brutal que me faz ter a percepção de que o mundo talvez não esteja tão belo assim. Nós perdemos a consciência do que podemos fazer na vida, algo que seja muito além do que apenas suprir necessidades fisiológicas. Porém, podemos transformar as coisas a qualquer momento. Basta retomar essa consciência. A partir dessa retomada de consciência nós nos tornamos agentes transformadores da realidade e, assim, quem sabe, deixamos as coisas mais belas.


Diagramação / Abertura de Matéria: Fobia da Metrópole

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Composto com Fedra Sans (Ruedi Baur Integral Design) e The Serif (Luc(as) de Groot).

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O que é a beleza para você? Como definir o que é belo ou não? É algo subjetivo ou é inerente ao objeto contemplado? O que tudo isso tem a ver com a estética? Já se fez todas essas perguntas? Muitos profissionais dos dias atuais lidam com essas questões diariamente – designers, ilustradores, fotógrafos, artistas. Mas, será que essas pessoas também se questionam sobre o que é o belo e a estética? Afinal, são conceitos que todas elas dominam de alguma forma – ou, ao menos, os manipulam. Aqui, neste livro, foram feitas essas e outras perguntas para esses profissionais. E suas respostas, apesar de bem pessoais, são verdadeiras reflexões, tão distintas (e às vezes divergentes) quanto interessantes. Ler e entender o pensamento de cada personalidade, e suas diferentes profissões, é entender um mundo novo; é conhecer uma nova realidade, um pensamento contemporâneo tão próximo e tão distante ao mesmo tempo.

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9 788537 928400

ISBN 978‐85‐379‐2840‐0

O que é a beleza para você?


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