UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ COMUNICAÇÃO PUBLICIDADE
PRODUÇÃO MUSICAL NA ERA DAS REDES: A GRAVADORA TRAMA E SEU NOVO MODELO DE INTERMEDIAÇÃO Bruno Costa Soutilha da Silva
Rio de Janeiro Junho/2011
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BRUNO COSTA SOUTILHA DA SILVA
PRODUÇÃO MUSICAL NA ERA DAS REDES: A GRAVADORA TRAMA E SEU NOVO MODELO DE INTERMEDIAÇÃO
Monografia apresentada como requisito para obtenção do título de bacharel, do curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, com habilitação em Publicidade.
ORIENTADOR: Profª Charbelly Estrella
Rio de Janeiro Junho/2011 2
S586 Silva, Bruno Costa Soutilha da Produção musical na era das redes: a gravadora trama e seu novo modelo de intermediação / Bruno Costa Soutilha da Silva. – Rio de Janeiro, 2011. 80f. ; 30cm.
Trabalho monográfico (Graduação em Comunicação Social-Publicidade e Propaganda)-Universidade Estácio de Sá, 2011.
1. Música, produção. 2. Indústria fonográfica. 3. Economia. 4. Redes sociais. I. Título. CDD 780
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BRUNO COSTA SOUTILHA DA SILVA PRODUÇÃO MUSICAL NA ERA DAS REDES: A GRAVADORA TRAMA E SEU NOVO MODELO DE INTERMEDIAÇÃO Grau: _________________________
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________ Profª. Charbelly Estrella
____________________________________________________________ Profª. Flavia Werneck Torres Homem
______________________________________________________________ Prof. Paulo Sérgio Ribeiro Montalvão
Rio de Janeiro Junho/2011 4
DEDICATร RIA
Dedico este trabalho ao meu amado filho Lucas e ao meu querido pai, jรก falecido, Luis Carlos.
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AGRADECIMENTO
Agradeço à minha família por todo carinho e dedicação durante esses anos de estudo.
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EPÍGRAFE
"(...) não tinha nem esperança de que minha música pudesse se enquadrar em alguma gaveta. De repente, o mundo mudou e veio se encontrar com ela." Tom Zé
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RESUMO Este trabalho pretende analisar as transformações no mercado fonográfico a partir do desenvolvimento das novas técnicas de produção e distribuição de obras musicais advindas das tecnologias digitais e baseadas na dinâmica comunicacional oferecida pela internet e suas redes sociais. Trata-se de um assunto atual, que retrata o processo de transição entre a velha economia industrial e a economia da informação, esta última configurada após a inserção das novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) na cultura das sociedades pós-modernas.
Para desenvolver sobre tais transformações, aborda-se sobre as alterações nas relações de poder entre produtores e consumidores e sobre novas formas de intermediação entre os produtos culturais e seus respectivos públicos. Busca-se traçar um paralelo entre as interferências da nova economia no sistema de produção da indústria fonográfica e das consequências dessas mudanças para as produções de música independente, atuantes em mercados periféricos e segmentados.
Para retratar tais mudanças, são apontadas as novas tendências relacionadas à produção e difusão da música, apresentando como objeto de estudo o modelo de negócio adotado pela gravadora independente Trama, sustentado pela valorização das experiências em rede e pela participação de produtores/consumidores nas cadeias de produção. Palavras-chave: Indústria fonográfica, nova economia, redes sociais.
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SUMÁRIO:
Introdução........................................................................................................................09
Capítulo I – A indústria fonográfica, a contracultura e a música independente....12 1.1 – A estruturação e ascensão da indústria fonográfica ..................................................14 1.2 – A cultura das mídias, a contracultura e as produções independentes .......................22 1.2.1- Produção brasileira de musica independente no século XX.....................................27 1.3 – Novos rumos da produção musical e o cenário independente brasileiro do século XXI......................................................................................................................................35
Capítulo II – A música na rede: O ciberespaço, a nova economia e o mp3..................43 2.1- Cibercultura: digitalização, convergência das mídias e comunidades virtuais.............43 2.2 – Os consumidores/produtores e a economia da informação........................................50 2.3 – O mp3, as redes P2P e a crise das majors..................................................................56
Capítulo III- Trama: um novo modelo de produção independente..............................66 3.1 – Trama virtual: uma comunidade de música na internet..............................................67 3.3 – Outros canais da Trama..............................................................................................73
Considerações Finais........................................................................................................76
Referências Bibliográficas...............................................................................................78 . Bibliografia on-line.......................................................................................................... 79
Anexos...............................................................................................................................80
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INTRODUÇÃO
A música independente, em sua essência original, se caracteriza pela singularidade das expressões artísticas de seus executores, influenciados somente pelas vivências, impressões e opiniões individuais. Como qualquer arte que não seja atrelada a fins de mercado, é única.
Apesar de a indústria fonográfica exercer um papel importante na distribuição massiva e democrática de entretenimento (essencial e constante nas sociedades contemporâneas), ela limita as infinitas possibilidades de experimentações audíveis, inibindo o desenvolvimento da sensibilidade que permite se encorajar por ambientes menos comuns, porém, possivelmente agradáveis e agregadores. Além disso, a diversificação de gêneros e estilos musicais favorece maior fluidez nas relações sociais, inibindo preconceitos e quebrando tabus referentes às culturas e hábitos alheios.
Hoje, com a interconexão generalizada através das redes, tem se tornado cada vez mais visível a diversificação de conteúdos que circulam e que se alternam entre ambientes virtuais e físicos. Esse fluxo multidirecional é responsável pela releitura das relações sociais e pela reestruturação dos mercados, incluindo o importante papel que a música segmentada passa a exercer na nova economia da informação.
Este trabalho foi realizado com base em citações destacadas de obras bibliográficas, teses e artigos de autores dedicados a estudos sobre culturas e mercados musicais, produção musical independente brasileira, novas tecnologias da informação e mercado de nichos.
O primeiro capítulo aborda as transformações que a indústria da música sofreu durante as últimas décadas do século XX. Em uma breve introdução, são analisadas as variações de significado e propósito que as culturas musicais sofrem de acordo com alterações na relação entre sociedades e suas respectivas crenças, valores e técnicas de produção. A partir dos conceitos de hardware e software, desenvolve-se sobre a o deslocamento das culturas musicais através das mídias e a atribuição do valor de mercado às mesmas. 10
Posteriormente é realizada uma análise do processo de inserção da música na lógica do sistema de produção industrial, passando pelo desenvolvimento das técnicas de gravação, o início da Revolução Industrial, da Guerra Fria e o lançamento das bases para a estruturação e ascensão da indústria fonográfica. Explica-se também sobre a especialização dirigida à industrialização e massificação da música e sobre o papel que artistas, técnicos e produtores exercem dentro do processo industrial.
Ainda no primeiro capítulo, é retratado o início da segmentação dos mercados a partir da cultura das mídias, do surgimento dos movimentos contraculturais e das primeiras gravadoras independentes. É explicado sobre o conceito de música independente e sobre a industrialização da música brasileira, ocorrida a partir de meados da década de 60. Buscase apontar as variações nas relações de poder entre gravadoras multinacionais, artistas, produtores e gravadoras brasileiras independentes durante as três últimas décadas do século XX, sendo traçado um paralelo entre as causas dessas variações e as transformações ocorridas na economia, nas sociedades e nas tecnologias. Desta forma, são explicadas as transformações ocorridas no mercado musical em decorrência dos reflexos das novas tecnologias da informação e comunicação sobre a economia mundial, sendo apontadas as novas tendências do mercado musical, incluindo os novos festivais de música independente no Brasil e as novas perspectivas para o business fonográfico.
O segundo capítulo pretende desenvolver sobre a inserção da música na cultura das redes e as consequências para o mercado de mídias musicais. Primeiramente dedica-se a um breve histórico sobre a expansão das redes e ao entendimento de suas causas e consequências sobre as transformações na dinâmica de distribuição e compartilhamento de informações e conteúdos. É explicado o conceito de virtualização do real, o processo de convergência das mídias e a formação da inteligência coletiva a partir de articulações e trocas entre indivíduos e comunidades virtuais. Em seguida explica-se sobre a nova economia dos produtores/consumidores. São apontadas as características dos novos perfis dos públicos e dos novos mercados voltados para estes públicos. Considera-se principalmente a constante troca de papéis entre produtores e consumidores, o aumento significativo de conteúdos que circulam através dos fluxos da rede e as consequências da multiplicação dos nichos sobre a indústria cultural.
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Finalmente, desenvolve-se sobre a digitalização da música, passando pelo processo de substituição das mídias analógicas pelas digitais, pelas articulações de comunidades virtuais em torno da descentralização da informação e pela dissociação entre música digital e mídia física. São abordadas questões sobre a popularização do mp3 a partir das redes P2P, sobre a crise da indústria de mídias musicais físicas e sobre o surgimento de novos modelos de intermediação, baseados na economia da informação.
O terceiro capítulo aponta como objeto de análise a gravadora “Trama” (maior gravadora independente do Brasil) e seu novo modelo de intermediação, que dispensa a formatação e distribuição de mídias físicas e a agregação de um valor de mercado aos fonogramas, que são acessados e “baixados” pelo público gratuitamente através de sua plataforma on-line, o site Trama Virtual. É explicada a dinâmica de funcionamento do modelo sustentado pelas audiências, que permite que a maior parte da arrecadação provenha de patrocinadores/anunciantes, que divulgam suas marcas no Trama Virtual e em outros canais de comunicação agregados à ele. É feita uma análise da forma com que a gravadora utiliza a convergência para criar uma programação integrada entre música digital, TV on-line, rede social e apresentações ao vivo.
Este trabalho tem como objetivo levantar questões sobre a emergência do desenvolvimento de novos modelos de intermediação entre artistas e públicos, nos quais prevaleça a liberdade de acesso, a democratização dos espaços de apresentação e difusão da música e a preservação da autenticidade e originalidade das obras, estimulando artistas e ouvintes a pensarem a música como um importante meio de expressão cultural.
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1 – A indústria fonográfica, a contracultura e a música independente. A música, desde seus primórdios, se apresenta como uma importante forma de expressão e sociabilização humana, variando seus propósitos e significados de acordo com a temporalidade, crenças e culturas locais. De uma maneira fluida e natural, a música se integra às culturas e evolui junto às sociedades e suas técnicas de produção. É através das técnicas - a princípio, artesanais - que o homem passa a se expressar musicalmente, tendo como base sonoridades emitidas a partir de matérias primas de origem locais, retiradas de seu meio natural, – como bambus e couro de animais – o que torna a música uma forma de expressão com características particulares, que traduzem através do som e da emoção, o meio, a cultura e a identidade dos povos. Dias explica que:
“No processo histórico, a música tem se apresentado como importante elemento de expressão cultural em várias sociedades, aparecendo sempre circunscrita a espaços sociais e políticos definidos. Dos ritos dionisíacos à marginalidade medieval, de artigo de luxo da realeza a elemento subversor condenável, de curso terapêutico e muitas vezes mágico a expressão rara da produção intelectual do homem, a música foi tomando para si várias formas e significados em muitas civilizações. Essa relação antropológica com as sociedades foi, sem dúvida, um elemento facilitador elementar para a capacidade de transpor fronteiras e circular, de maneira fluida e transcendente, pelo mundo, que a música apresenta.” 1
É através da técnica, que a história da música passa a reconhecer o processo de deslocamento das culturas musicais. A partir de sua materialização, com o surgimento das notas musicais e da prensa, torna-se possível a produção da partitura, primeira forma física capaz de deslocar a música por longas distâncias, viabilizando sua reprodução fora de seu contexto original e possibilitando sua apreciação por culturas distintas. A materialização possibilita agregar à música um valor comercial e viabiliza, a partir de seu deslocamento, inspirar e influenciar músicos de origens diversas. De acordo com Santini:
“A música representada na partitura (...) rompeu os limites da difusão musical fechada, típica da cultura oral. O suporte material garantiu a 1
DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.27.
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difusão da música fora do espaço em que foi gerada, através do movimento de trocas e vendas de bens entre as diversas comunidades. Assim, o alcance da música passou a se relacionar com o alcance dos seus meios de representação e registro.” 2
A materialização do som é bem representada pelos conceitos de hardware e software. A partitura, por exemplo, – software – depende do instrumento musical – o hardware – para que a música seja executada, da mesma forma que acontece com as mídias musicais mais recentes, como o LP e o CD, que dependem de seus respectivos aparelhos reprodutores de som. Na visão de Dias, o surgimento do fonógrafo e do gramofone (primeiros dispositivos de gravação e reprodução musical) é que lança a base para que a música comece a ser inserida na lógica do sistema de produção industrial:
“(...) o aparecimento do fonógrafo e do gramofone constituiu um cenário para a produção industrial de música que, de certa forma, mantém-se nos dias atuais (...). Consideremos primeiramente as relações existentes na produção do software e do hardware e a consequente concentração nas mãos de algumas empresas, como ponto de partida. O fonógrafo (...) não foi concebido para reproduzir gravações musicais (...). No entanto, foi como máquina de entretenimento que ele se difundiu (...).” 3
A partir do fonógrafo e do gramofone, as tecnologias de gravação e reprodução musical vão sendo aprimoradas, como “(...) o desenvolvimento do microfone elétrico e da amplificação nos anos 30 (...)” 4desencadeando um processo evolutivo das formas de se ouvir música reproduzida artificialmente, com timbres cada vez mais próximos aos dos instrumentos musicais. Porém, segundo Santini, até então “a gravação ainda significava o registro de um evento em particular, e isso não mudou até o final da guerra.”
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Neste
período - final da década de 1940 (início da Revolução Industrial e da Guerra Fria) - são inventados o disco de vinil e a fita magnética. A revolução industrial inaugura o sistema de produção em série, tornando possível a fabricação dessas mídias e de seus respectivos reprodutores em larga escala, aumentando drasticamente a disseminação da música. Isto se 2
SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p.71. DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 38. 4 SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 33. 5 Idem, Ibidem, p. 35. 3
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deve, principalmente, ao surgimento de grandes empresas difusoras de informação, de entretenimento e ao barateamento da energia elétrica. A produção em série marca o início da era industrial, do processo de massificação da música, do sistema capitalista de produção e da cultura de massa. Santini explica que:
“As invenções do disco de vinil e das fitas magnéticas aconteceram dentro de um movimento global de desenvolvimento capitalista. Esses acontecimentos entrelaçados no tempo e no espaço favoreceram a contaminação do modelo industrial de fabricação, na produção e recepção, de mercadorias culturais. E nesse contexto, a indústria fonográfica configurou suas bases objetivas de padronização da reprodução e da difusão mundial da música.” 6
É com base na padronização das mídias e na centralização das produções musicais que a indústria fonográfica estruturou e solidificou seu modelo de negócio: a produção, reprodução, divulgação e venda de mídias musicais.
1.1- A estruturação e ascensão da indústria fonográfica
A indústria cultural enxerga a música como uma poderosa ferramenta de manobra das massas. A partir da Revolução Industrial e da Guerra Fria, empresas de comunicação começam a usufruir do poder de influência que a música já carregava antes de sua industrialização para estipular estilos musicais favoráveis à centralização de capital. Dessa forma, gêneros musicais regionais são adaptados por meio de técnicas de comunicação, tornando possível um aumento na abrangência de culturas para as quais a música industrializada começa a ser difundida, para além das fronteiras de seu território de origem:
“Embora seja possível afirmar que a produção musical sempre sofreu pressões de outros campos na confecção das suas manifestações expressivas (como a aristocracia e o clero que encomendavam as grandes obras musicais nos períodos clássico e barroco), é a partir da consolidação da cultura de massa e da estruturação da indústria fonográfica que a pressão desse campo passa a ser exercida a fim de
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SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 70.
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que a música agrade a um público mais amplo e não somente um público específico e segmentado.” 7
Assim como nas fábricas, as empresas da indústria fonográfica se dividem em setores onde trabalham profissionais com habilidades específicas, que se enquadram em etapas específicas dentro de um sistema de produção estruturado em torno da especialização. Nas produções estão envolvidos, por exemplo, profissionais de gravação, edição, divulgação e distribuição. Com a possibilidade de produzir mídias em larga escala e com as técnicas de difusão utilizadas pelos meios de comunicação de massa, é possível afirmar que “(...) na década de 50 estão lançadas as bases objetivas para a padronização da produção na indústria fonográfica mundial, que não podem ser compreendidas destacadas do movimento global do desenvolvimento capitalista.” 8 Segundo Bandeira:
“(...) o que chamamos de “campo da mediação” será responsável pela facilitação dos aspectos técnicos, operacionais, administrativos e comunicacionais do processo de produção na música popular. Subdivididos em “campo da mediação técnica administrativa-jurídica” e “campo da difusão mediática” propriamente dita, estes elementos são representados por: a) engenheiros de som, técnicos, estúdios, gravadoras, editoras musicais, distribuidores, lojas, fábricas de discos, agentes, empresários; b) rádio, cinema, televisão, publicidade, videoclipe, divulgadores, espetáculos, entre outros.” 9
Quanto maior for o grau de complexidade das tecnologias de gravação e maior for o número de pessoas que se pretenda persuadir ao consumo, maior será a complexidade do processo produtivo e maior será o número de especialidades e de profissionais trabalhando em prol da otimização das produções, da difusão e comercialização da música. A concepção do produto musical - ou álbum - passa pela seleção de músicos e cantores, pela adequação de seus comportamentos à realidade histórico-social vigente, pela seleção e apropriação de repertórios – através da assinatura de contratos de cessão de direitos 7
FILHO, Jorge Luiz Cunha Cardoso. “Música popular massiva na perspectiva mediática: estratégias de agenciamento e configuração empregadas no heavy metal”. Disponível em: http://www.midiaemusica.ufba.br/arquivos/t&d/CARDOSO.pdf - Acesso em: 12/05/20011. 22:29 h.
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DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 41. 9 BANDEIRA, Messias G. “A economia da música on-line: Propriedade e compartilhamento da informação na sociedade contemporânea” Disponível em: www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf - Acesso em 10/05/2011. 16:28 h
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autorais -, determinação da duração de cada faixa do álbum, do número de canções nele gravadas, da identidade visual de capas e contracapas, dentre outras características previamente estabelecidas por diretores e produtores musicais. A indústria fonográfica “trabalha a partir de um espectro de possibilidades técnicas estritamente definido (em termos de forma e conteúdo), limitando qualitativamente a flexibilidade da produção.”
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O mercado musical de massa se estruturou em torno das organizações verticais e hierarquizadas, onde somente diretores e produtores podem participar da concepção do produto final, determinando de que forma técnicos e artistas devem trabalhar para que se obtenha um resultado condizente com os desejos de uma administração central. Dias explica que:
“(...) estão, de um lado, a administração central (inclui a direção artística) que, com seus departamentos de Artistas e Repertório (A&R) e Marketing concebem o produto, da forma estética às estratégias para divulgação. De outro, está a produção material propriamente dita, a execução do que foi planejado, incluído o trabalho do artista no estúdio e todo o processo de gravação e tratamento técnico a ele dispensado.” 11
Nas produções musicais do sistema industrial, técnicos são considerados tão importantes quanto os músicos que são “vendidos” aos públicos. A música deixa de ser concebida unicamente a partir das inspirações individuais dos artistas, já que somente através da adequação ao processo produtivo é possível alcançar audiência e reconhecimento dos públicos - passivos ao que a indústria cultural oferece - e, conseqüentemente, de se obter retorno financeiro, essencial para a continuidade de uma carreira musical. Como explica Santini:
“O auge desse processo de difusão musical ocorreu na forma da comunicação de massa, em que cada produto de consumo, cultural ou artística precisa atingir um número razoavelmente grande de pessoas para se tornar válido e economicamente viável.” 12
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DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.48. 11 Idem, Ibidem, p.70 12 SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p.72.
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Dessa forma, a indústria fonográfica exerce o papel de intermediadora entre as culturas musicais e as sociedades. Somente através dela é possível a produção de álbuns e a difusão massiva da música, seja com a comercialização de mídias musicais (produto) ou através dos meios de comunicação de massa, da mesma forma que, somente através da industrialização, as massas têm acesso à música de fácil entendimento e condizente aos desejos e tendências histórico-sociais vigentes. Os jovens das décadas de 50, por exemplo, se encontravam em total passividade com relação aos discursos da indústria cultural de massa. Isto contribuiu para uma enorme concentração de capital nas empresas de comunicação e para a criação de fórmulas capazes de homogeneizar cada vez mais os gostos e modismos, tudo isso através do grande sucesso de poucos artistas pré-concebidos para o mercado. Dias explica que:
“(...) é, sobretudo, na esfera da produção da canção popular de massa, que o produtor pode atuar construindo ídolos, criando personagens, promovendo transformações na carreira de alguns artistas ou simplesmente reiterando, através da repetição de fórmulas conhecidas e consagradas, os modelos padronizados das estrelas de sucesso.” 13
Os artistas contratados pela indústria fonográfica funcionam como peças integrantes de um casting. São utilizados estrategicamente dentro do sistema de produção de acordo com as tendências de mercado. Assim como os repertórios sofrem transformações, esses artistas também podem ser substituídos, excluídos deste casting, caso haja queda de popularidade, de vendas de álbuns e/ou alterações nos hábitos de consumo dos ouvintes. Justamente por este motivo, não podem ser considerados como parte integrante da indústria, mas sim ferramentas utilizadas por técnicos e produtores, inseridas no sistema produtivo a partir de um planejamento. Dias explica que:
“Apesar de conferir a necessária essencialidade ao processo, o artista, paradoxalmente, não faz parte da indústria. Ele passa por ela, negocia, grava seu disco, trabalha, muitas vezes, arduamente na divulgação do produto. Oferece contratualmente seu savoir faire, seu talento, sua personalidade artística, seu nome, sua imagem, até quando o negócio se mantenha interessante para todas as partes envolvidas, caso contrário, será substituído” 14 13
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.96. 14 Idem, Ibidem, p.76.
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Por serem utilizados como ferramentas no sistema de produção, os artistas da indústria fonográfica são classificados de acordo com seus papéis dentro deste sistema. Existem os artistas de catálogo e os artistas de marketing. Os artistas de catálogo são aqueles que já possuem uma história consolidada dentro do cenário musical. Não vendem seus discos em quantidades exorbitantes, porém vendem o suficiente para permanecerem durante muito tempo nas prateleiras do mercado varejo. São artistas que trabalham com mais autonomia, pois suas obras possuem identidades e características singulares, de estilos e públicos bem definidos. Já os artistas de marketing são aqueles pré-concebidos e lançados para fazer sucesso, para venderem uma quantidade muito grande de discos em um curto espaço de tempo. Podem ser chamados de artistas de hits, pois fazem grande sucesso e tocam nas rádios exaustivamente até serem substituídos por alguma novidade. Os artistas de marketing se encontram em situação de total dependência, pois precisam seguir com mais rigidez as determinações de seus produtores. Possuem menos controle do rumo de suas carreiras, apesar de contribuírem com a maior parte do faturamento da indústria graças ao efeito “explosivo” dos hits. Dias explica que:
“Se alguns artistas do cenário nacional e internacional conquistam autonomia para conceberem seus próprios trabalhos, da escolha do repertório à estampa da capa (...), uma grande parcela destes segue subordinada aos interesses das empresas. Se para os primeiros, a ação do produtor é, muitas vezes, a garantia de qualidade e de aprimoramento do produto, para os últimos, o seu trabalho pode significar (...) submissão e tolhimento artísticos, presentes na transformação do músico ou cantor, em um ator que representa um personagem.” 15
O sistema de produção musical de massa funciona com base em um termômetro de tendências. Busca estar sempre em sintonia com a temporalidade dos fatos. Produz o que o povo quer ouvir, por isso precisa estar atendo ao feedback do público, medido através das vendas de mídias e das audiências. No entanto, a indústria fonográfica procura minimizar ao máximo as alterações de castings e repertórios, já que para cada mudança é demandado um replanejamento das produções, o que acarreta na geração de custos. Busca se renovar fazendo uso de pequenas adaptações, suficientes para a continuidade dos
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DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 76.
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processos, tendo sempre a homogeneização - maior abrangência de públicos - e o lucro como principais finalidades. Segundo Dias:
“Todo o esforço empreendido pelo ouvinte é orientado para que ele identifique o que acaba de ouvir com o que já conhece e, a partir da identificação de tal processo como coletivo, também se reconheça nele. A reiteração constante garante estabilidade suficiente para que a situação se conserve, possibilitando que a música popular seja objeto de manipulação de variados interesses, sobretudo os de mercados.” 16
Além das adaptações e substituições de seus castings, repertórios e setores, a história da indústria fonográfica também é marcada por uma série de fusões entre corporações. Desde a década de 20, antes mesmo da massificação da música, fabricantes de discos, estúdios de gravação e radio difusores já procuravam concentrar etapas de suas produções visando um maior controle dos mercados. Segundo De Castro:
“As primeiras fusões da indústria fonográfica mundial se deram entre as décadas de 20 e 40, resultando: EMI, da união entre Columbia europeia, Pathé e Gramophone Bretã nos anos 1928 a 1931; RCAVictor, da junção entre Victor e RCA em 1929; CBS, da associação entre Columbia estadunidense e CBS em 1929; Polydor, da aliança entre Deutsche Gramophon, Telefunken e Siemens em 1937; Phonogram, da união entre Gramophone francesa e Philips em 1945.” 17
Ao longo do século XX e principalmente a partir da década de 80, com a digitalização da música, a popularização de cada vez mais formas de entretenimento e a intensificação do “diálogo” entre os meios de comunicação de massa (a música é difundida através de diversos campos midiáticos), as atenções voltadas para os produtos da indústria fonográfica vão se dispersando e fusões entre empresas vão se tornando cada vez mais emergenciais e necessárias para a manutenção dos negócios. Segundo Jenkins:
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DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 53. 17 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 43.
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Diversas forças (...) começaram a derrubar os muros que separam (...) diferentes meios de comunicação. Novas tecnologias midiáticas permitiram que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas distintas no ponto de recepção. (...) Ao mesmo tempo, novos padrões de propriedade cruzada de meios de comunicação, que surgiram em meados da década de 80, durante o que agora podemos enxergar como a primeira fase de um longo processo de concentração desses meios, estavam tornando mais desejável às empresas distribuir conteúdos através de diversos canais, em vez de em uma única plataforma de mídia. A digitalização estabeleceu as condições para a convergência; os conglomerados corporativos criaram seu imperativo.” 18
Hoje, a indústria da música é dominada por quatro gravadoras pertencentes a quatro mega conglomerados da indústria do entretenimento conhecidos como majors ou “big four”, que controlam a maior parte do mercado musical e do entretenimento massivo. Fazem parte deste grupo a “Warner, EMI, Universal e Sony” 19 Segundo De Castro:
“O processo de fusões seguiu pelas décadas seguintes até resultar no que se conhece hoje por majors ou ainda big four, as quatro multinacionais que movimentam grande parte das cifras da indústria fonográfica mundial como também do entretenimento e das telecomunicações.”20
O processo de concentração da indústria da música não se restringe somente às fusões entre empresas americanas atuantes em diferentes etapas da produção, mas ultrapassa fronteiras a partir da necessidade de um melhor entendimento acerca da cultura musical de origem estrangeira. Ainda entre as décadas de 60 e 70, visando concentrar cada vez mais o seu poder de influência, a indústria fonográfica se transnacionaliza abrindo escritórios e estúdios ao redor do mundo (gravadoras sucursais). As grandes gravadoras saem em busca de um melhor entendimento dos mercados e públicos locais, criando selos que funcionam como ramificações de uma estrutura central e que objetivam um conhecimento mais apurado sobre as preferências desses públicos, que – em parte – já não
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JENKINS, Henry.Cultura Da Convergência. São Paulo, Aleph, 2008, p. 38. HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 275. 20 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 43. 19
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querem mais absorver somente música americana. Assim, é iniciado um processo de massificação da música regional de origem estrangeira (não americana). Segundo Dias:
“Iniciado na esfera do comércio, o trânsito de normas e produtos sofisticou-se com a instalação das filiais de produção das empresas dominantes do setor, em várias partes do mundo. Tais filiais, (...) a partir da década de 70 buscaram criar e alimentar novos mercados, assim como evitar certos controles aduaneiros e reduzir custo de produção. O baixo preço unitário do disco (comparado com o de outros setores da indústria cultural, como o cinema), aliado à grande fertilidade musical de muitos países, facilitou a expansão das filiais sucursais. Sediadas em grandes e médios mercados do mundo, essas empresas dinamizam-se distribuindo uma produção fonográfica internacionalizada e realizando considerável investimento na produção e nos mercados locais.” 21
Com reflexos de ritmos já instituídos pela indústria cultural, - como o rock e o pop - discos de artistas de nacionalidades diversas começam a ser produzidos em larga escala. O processo de mundialização da música é que dá origem ao termo World Music, utilizado para definir o entendimento entre as culturas musicais.
É através da World Music,
produzida pelas gravadoras sucursais, que gêneros regionais não americanos começam a receber uma “roupagem” pop, seja a partir da adaptação de ritmos, da pré-concepção de artistas ou da regravação de músicas não americanas, traduzidas e interpretadas em inglês, possibilitando ainda a extensão desses ritmos ao mercado internacional. Dias explica que:
“(...) esse diálogo com a linguagem instituída pelo mercado ocidental possibilita que ocorra o grande encontro de culturas, segundo o slogan usado pela indústria cultural. É o reino da técnica derrubando as últimas fronteiras e permitindo às companhias faturarem mais que um nutritivo segmento de atuação. Ao incentivar a produção local, alimentam um espaço frutífero que, além de estimular o consumo, pode fazer vingar produtos para difusão no mercado mundial. (...) sem a World Music, muito da produção musical dos países periféricos certamente continuaria excluída do mercado mundial”22
Apesar de a indústria fonográfica procurar entender as culturas musicais locais, sua política de concentração de audiências não condiz com a diversidade e fertilidade 21
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p.41. 22 Idem, Ibidem, p. 126.
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musical encontrada nos diversos países em que se instaurou. Ela não absorve as culturas musicais de forma diversificada, mas limita o acesso aos recursos de difusão somente àqueles que correspondem às suas expectativas de venda e que se sujeitam a seguir determinações de seus diretores e produtores. Assim, grande parte dos artistas fica fora do circuito massivo de música, restando a estes ocupar posições periféricas no cenário musical. Dias explica que:
“Além do domínio das majors na área de hardware, o panorama sempre evidenciou a contradição entre a farta produtividade e efervescência musicais e as restritas possibilidades de acesso às condições de produção e difusão.” 23
A partir de meados da década de 70, as culturas musicais passaram a ser “contagiadas” tanto pela concentração de recursos tecnológicos e pela transnacionalização da indústria musical, quanto pelo “espírito” crítico da contracultura, que se manifesta através das produções musicais independentes.
1.2 – A cultura das mídias, a contracultura e as produções independentes
Em meados da década de 70, no auge da Guerra Fria, o início das transmissões via satélite e a popularização da TV em cores contribuíram para que se tornassem mais nítidas divergências entre opiniões de grupos e indivíduos com relação às informações disseminadas pela indústria cultural. Um exemplo do impacto dessas novas tecnologias no comportamento das sociedades é bem retratado pela análise do resultado da atuação da imprensa americana durante a Guerra do Vietnã. Graças às transmissões via satélite, a guerra foi acompanhada de perto por toda a massa popular através dos noticiários diários. A sociedade americana testemunhou ao vivo e a cores a covarde atuação do exército de seu país contra o Vietnã do Sul, que tinha um poder bélico muito inferior ao dos Estados Unidos. O poder de concentração das atenções das mídias de massa, aliado à cruel realidade da guerra, fez com que a sociedade americana se dividisse entre nacionalistas, 23
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008 p. 127.
23
passivos ao discurso da supremacia americana - bastante estimulado pelo poder de influência da indústria cultural de massa - e os que se declaravam contra a guerra e a disseminação de armas nucleares:
“(...) a guerra do Vietnã aconteceu para os americanos na mesma época em que surgiu a TV em cores. Com uma cobertura jornalística ao vivo e colorida (comparável à cobertura da Guerra do Golfo pela CNN), a situação de guerra tornou-se mais real para a população, até então acostumada a imagens em preto e branco de filmes bélicos antigos, nos quais o soldado americano sempre se sobressaía como herói.” 24
Além das transmissões via satélite, o desenvolvimento de aparatos eletrônicos domésticos também contribuiu para uma reorientação das percepções do homem com relação aos meios e para o início de um processo de desmassificação dos produtos culturais. O aparelho de fax, o videogame, o videocassete e a filmadora doméstica, por exemplo, proporcionaram às massas uma posição mais atuante com relação à manipulação, disseminação e consumo de informações. Por outro lado, a indústria da cultura de massa começa a perceber novas necessidades de seus públicos, que passam a demandar uma maior diversificação na produção de conteúdos culturais. Surgem, por exemplo, a TV a cabo, jornais que veiculam notícias de acordo com posições políticas que se divergem e revistas especializadas. Tanto os meios de comunicação, quanto os mercados em geral, começam a segmentar suas produções. Segundo Santaella:
“(...) um exame cuidadoso da condição das mídias nos anos 70 revelanos que até aí teve início um processo progressivo de convivência da televisão com o ininterrupto surgimento de novas máquinas, equipamentos e produtos midiáticos que apresentam uma lógica distinta daquela que é exibida pelos meios de massa: máquinas de Xerox, a distribuição universal de máquinas de fax, videocassete, videogames, segmentação das revistas e programas de rádio para públicos específicos, TV a cabo etc., enfim, novos processos comunicacionais a que chamo de cultura das mídias.” 25
24
FURQUIM, Fernanda. “Breve Histórico da Guerra do Vietnã nas Séries de TV”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/televisao/breve-historico-da-guerra-do-vietna-nas-seriesde-tv, publicado em 06/07/2010. Acesso em 25/03/2011.17:02h. 25 SANTAELLA, Lúcia. Culturas e Artes Do Pós-Humano. Da Cultura Das Mídias à Cibercultura. São Paulo, 2004, p. 80.
24
Na cultura das mídias, o consumidor já não se encontra em estado totalmente passivo. Tem mais opções de escolha, pois precisa ter mais opções de escolha. “Ao mesmo tempo em que ia minando o domínio exclusivista dos meios de massa, a cultura das mídias preparava o terreno da sensibilidade e cognição humanas para o surgimento da cibercultura (...).” 26, que será abordada no próximo capítulo. A massa consumidora já não é mais homogênea como nas décadas anteriores, mas heterogênea, composta por indivíduos com preferências mais específicas, o que obriga os mercados a se organizarem de forma mais complexa. Segundo Morin:
“A concentração técnico-burocrática pesa universalmente sobre a produção cultural de massa. Donde a tendência à despersonalização da criação, à predominância da organização racional de produção (técnica, comercial, política) sobre a invenção, à desintegração do poder cultural. (...) No entanto, essa tendência exigida pelo sistema industrial se choca com uma exigência radicalmente contrária, nascida da natureza própria do consumo cultural, que sempre reclama um produto individualizado, e sempre novo. (...) A indústria cultural deve, pois, superar constantemente uma contradição fundamental entre suas estruturas burocráticas-padronizadas e a originalidade (individualidade e novidade) do produto que ela deve fornecer. Seu funcionamento se operará a partir desses dois pares antitéticos: burocracia-invenção, padrão-individualidade.” 27
Assim como a atuação da imprensa americana na Guerra do Vietnã e a cultura das mídias contribuíram para que divergências de opiniões e preferências se tornassem mais evidentes, favoreceram o aumento de adeptos a movimentos contraculturais nos Estados Unidos, como o movimento hippie, formado por jovens que contestavam o tradicionalismo, os poderes da burguesia e o controle do Estado. O desenvolvimento das tecnologias da informação desencadeou certa efervescência em torno dos movimentos contraculturais – iniciados com as gerações nascidas após a Segunda Guerra Mundial –, impulsionando a adesão de jovens de diversos países à contracultura. Na Europa e na América Latina, por exemplo, surgem movimentos como o dos anarco punks - na 26
SANTAELLA, Lúcia. “Mídias locativas. A internet móvel de lugares e coisas” In: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/5371/4890 - Publicado em abril de 2008 – Acesso em 18/04/2011. 14:35h 27 MORIN, Edgard. Cultura de Massas no Século XX. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2007, p. 25-26.
25
Inglaterra - e dos Tropicalistas - no Brasil. Apesar de se convergirem em ideais contraculturais, cada um dos movimentos se adéqua à sua respectiva realidade histórica, política e social, seja uma realidade de guerra, de ditadura ou de monopólio de grandes corporações. Todos são movimentos contra a centralização dos poderes e que desafiam as censuras provenientes dos mesmos. Segundo Pereira:
“ (...) o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude (...) que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock, uma certa movimentação nas universidades, viagens de mochila, drogas, orientalismo e assim por diante. E tudo isso levado à frente com um forte espírito de contestação, de insatisfação, de experiência, de busca de uma outra realidade, de um outro modo de vida. Trata-se, então, de um fenômeno datado e situado historicamente (...). (...) o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às formas mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crítica anárquica (...) que, de certa maneira, “rompe com as regras do jogo” em termos de modo de se fazer’ oposição a uma determinada situação.” 28
A contracultura “adota” a música como um importante meio de expressar as ideologias que cada movimento contracultural carrega em sua essência. Possibilita a disseminação de verdadeiros movimentos sociais musicais, como o movimento punk, que deu origem ao punk rock.
O punk rock surgiu como um rock para os excluídos dos padrões estéticos, estendendo o poder de manusear instrumentos musicais àqueles que não possuem talentos economicamente viáveis para a grande indústria da música. As bandas de punk rock utilizam discursos contraculturais para mobilizar os que aderem à causa dos excluídos. É na cultura punk que se encontra o berço das produções independentes inseridas no contexto da contracultura.
Sobre o movimento punk e para esta monografia, vale destacar a Banda Sex Pistols e sua música E.M.I. (letra em anexo), que consiste em críticas diretas à gravadora 28
PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é Contracultura? São Paulo, Brasiliense, 1992, p. 14.
26
EMI (major) e à realidade submissa que artistas passam diante de seus únicos meios de difusão musical: as gravadoras majors. A letra da música carrega um vocabulário agressivo e debochado, que condiz com a não aceitação do sistema político capitalista americano pelos adeptos ao movimento social anarquista. Anderson explica que:
“Em fins da década de 1970 e princípios da de 1980, a combinação da guitarra elétrica, da gravação multitrack e da banda inglesa Sex Pistols motivou toda uma geração de jovens sem treinamento musical, talento óbvio ou permissão de alguém a criar bandas e a gravar músicas. Quando irrompeu a cena, o punk rock foi uma revelação chocante para a garotada nas pistas de dança. Ver alguém da idade deles batucando três cordas e pulando no palco era demais para aqueles jovens: “Eu também posso fazer isso”, pensavam. (...) Com o punk rock, começamos a valorizar as novas vozes, os novos sons e o vigor; e esse sentimento contra os padrões só poderia ter vindo de fora do sistema. Nada era mais inspirador do que ver aquelas pessoas que não tinham mais talento do que você divertindo-se, sendo admiradas e fazendo algo novo. Em termos econômicos, o punk rock abaixou as barreiras de entrada no mundo da criação.” 29
As primeiras gravadoras independentes foram fundadas por artistas insatisfeitos com as limitações impostas pelas majors que, além de rejeitarem o que não é economicamente vantajoso, desapropriam do autor suas inspirações musicais, não se rendendo ao valor criativo das obras, mas ao valor de mercado do álbum. Graças ao barateamento de equipamentos de mixagem e gravação e ao surgimento das mídias desmassificadoras, alguns destes artistas montam seus próprios estúdios caseiros.
É com base no contexto histórico criado pelo monopólio e concentração das produções por parte das majors, que surge o termo “independente”. Este – a principio – refere-se às iniciativas de artistas que buscam meios autônomos de produção, fora do circuito instituído e administrado pelas gravadoras multinacionais. Esses artistas buscam segmentos no mercado para que, através deles, possam ser reconhecidos pelos seus públicos e, até mesmo, para posterior reconhecimento no mainstream. Trotta explica que:
“Com dificuldades de posicionar-se num mercado que lhes nega espaço mercadológico, a saída para os artistas prestigiados dentro do próprio campo, mas sem reconhecimento comercial, é a veiculação de seu trabalho em nichos periféricos, de circulação restrita, onde podem 29
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, p. 80.
27
exercer sua autonomia criativa, negociar reconhecimento e consagração estética com seus pares e reclamar da grande indústria que não veicula sua “arte” para um público mais amplo. Assim, o artista pode ser livre, independente.” 30
O papel do movimento independente na cadeia de produção musical muda de acordo com o tempo. A dinâmica de produção dos independentes da década de 1970 não é a mesma da dos anos 80, que tão pouco é igual a dos anos 90. Como o termo independente está diretamente relacionado à política de atuação das majors, com o passar das décadas e considerando as mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas, o conceito de produção independente também vai sofrendo transformações. Segundo Dias:
“(...) a performance das chamadas independentes, nas várias formas que tem tomado, constituiu-se a partir da trajetória das majors e muda de acordo com ela. A forte concentração característica de toda a história da produção fonográfica deve ser considerada como fator primordial da existência das indies.” 31
No Brasil, ao decorrer das décadas de 60 e 70 manifestaram-se muitas inciativas de produção musical independente, porém, é a partir dos anos 80 que as indies nacionais começam a participar efetivamente nas transformações do mercado brasileiro de música. Analisando a relação dos artistas e gravadoras independentes com as majors no período entre a década de 1980 e os anos 2000, percebe-se como ocorrem as alterações nas relações de poder entre produtores e consumidores de acordo com mudanças na economia, nas tecnologias e no consumo.
1.2.1 - Produção brasileira de musica independente no século XX
De acordo com Dias, a grande indústria musical se consolida no Brasil a partir de um “processo de expansão e desenvolvimento dos meios de comunicação de massa,
30
TROTTA, Felipe. “Autonomia Estética e Mercado de Música: Reflexões Sobre o Forró Eletrônico Contemporâneo” In: SÁ, Simone Pereira. Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas, Linguagens e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 253. 31 DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 127.
28
desencadeado no país a partir de 1964 pelo governo militar.” 32. Durante a segunda metade da década de 60, a indústria fonográfica começa a montar castings de artistas brasileiros para preencher o segmento MPB de sua produção. A seleção dos artistas destes castings foi realizada com o auxílio de:
“Festivais da Canção, na TV Excelsior e Record (...) organizados pelas emissoras de televisão (e com o apoio das grandes gravadoras e de outros veículos de comunicação de massa) e em moldes competitivos.” 33
Somente o ingresso nesses festivais e o sucesso das performances poderiam viabilizar a entrada dos artistas no mercado massivo. Como explica o Dj Rodrigo Lariú, em entrevista à Micael Herschmann, “(...) os artistas disputavam espaço para estar no showbizz, os festivais eram como uma peneira, um gargalo.” 34
Mesmo com o sucesso dos festivais, o apelo da música americana prevalecia entre os jovens brasileiros, até porque “A indústria não prescindiu da grande fertilidade da produção musical dos anos 60, sobretudo a da segunda metade da década, assim como a do início dos anos 70, e constituiu casts estáveis, com nomes hoje clássicos da MPB (...)”
35
,
como Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros. A maioria dos artistas, que não atendia as expectativas das majors, fica de fora desses castings, além de ficar impossibilitada de difundir suas músicas de forma abrangente. A partir deste contexto é que começam a surgir diversas iniciativas de produção independente no país.
Existem divergências com relação ao pioneirismo dessas iniciativas, porém, podese destacar o selo “Artezanal”, criado em 1977 pelo pianista, maestro e compositor Antônio Adolfo. Antes de abrir sua própria gravadora já tinha lançado discos por majors 32
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 55. 33 HERSCHMANN, Micael. “Crescimento dos festivais independentes no Brasil” In: SÁ, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 285 34 Entrevista concedida por Rodrigo Lariú (produtor, DJ e proprietário do selo Midsummer Madness) à Micael Herschmann, em outubro de 2009. Disponível em: HERSCHMANN, Micael. “Crescimento dos festivais independentes no Brasil” In: SÁ, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 289 35 DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 59.
29
como Philips, RCA e EMI. Porém, “(...) encontrou dificuldades em convencer as companhias fonográficas em investir em sua nova sonoridade, desenvolvida em quatro anos de cursos de aperfeiçoamento no exterior”. Por este motivo, toma a iniciativa independente de abrir sua própria gravadora para lançar o LP intitulado “Feito em Casa”. Segundo De Castro:
“A iniciativa empreendedora de Antonio Adolfo despertou interesse de muitos outros artistas pelo processo de produção independente na década de 70 e, por isso, o músico passaria a ser apontado como o grande desbravador do movimento – muito embora outras ações igualmente tidas como independentes tenham precedido a sua.” 36
Durante os anos 70, a música nacional permaneceu inerte aos limites impostos pela indústria fonográfica. Porém, no final da década, em São Paulo, desencadeia-se certa efervescência em torno de manifestações em prol da valorização da cultura nacional, o que iniciou um período conhecido como “Vanguarda Paulista”. Neste período, jovens universitários da USP se unem para criar um espaço aberto para apresentações de conjuntos musicais alternativos. Em 1979 é criado então o teatro Lira Paulistana. Segundo Dias:
“(...) o Lira Paulistana surgiu da intenção de oferecer uma programação cultural alternativa a um público insatisfeito com o show business instituído. Como já tinham percebido alguns empresários da área de música (...), o mercado jovem estava desarticulado e seu respectivo público, desassistido. Assim como a produção desencadeada pelas grandes gravadoras, o empreendimento Lira aparecia para supri-los. O público dos independentes era um público jovem, porém diferenciado, por procurar e se identificar com produtos que, se não eram novidades, ao menos partiam de referenciais distintos do que era consagrado pelo mercado.” 37
A montagem do Lira Paulistana foi a mais bem sucedida das iniciativas independentes no Brasil dos anos 70 pelo fato de ter conseguido chamar a atenção dos públicos utilizando as apresentações ao vivo como principal meio de difusão da música. 36
DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 75. 37 DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 140-141.
30
Além disso, contribuiu para uma reestruturação da indústria fonográfica, que a partir do início da década de 1980 passou a integrar novos gêneros em seus castings, incluindo o Pop Rock nacional (“Credita-se à Warner a projeção do Pop Rock nos anos 80, conhecido como BRock, com grupos como Kid Abelha, Barão Vermelho, Titãs e Ultraje à Rigor.” 38
).
A partir de então, as majors começam a utilizar as gravadoras independentes como filtros de sucesso. Passam a observar a popularidade de artistas atuantes em mercados periféricos, para então integrá-los ao mainstream no caso de suas músicas conseguirem abranger públicos economicamente viáveis ao lançamento massivo. Segundo Dias:
“A partir dos anos 80, a relação das majors e indies passa a funcionar através de um sistema aberto, incorporando as inovações e a diversidade como estratégia de manutenção do controle do mercado, garantindo a concentração nas áreas de fabricação e distribuiçãodifusão.” 39
Após uma grande absorção do mercado de música nacional durante a década de 1980, a indústria fonográfica percebe a necessidade de intensificar a reestruturação de seu sistema produtivo. Passa a considerar cada vez mais a existência dos novos segmentos, iniciando um processo de divisão das gravadoras em um maior número de setores, com produtores musicais e técnicos especializados em gêneros musicais específicos. Tanto o número de profissionais envolvidos, quanto o número de artistas que compõe os castings aumenta consideravelmente. Aumenta também o número de gravações de álbuns, a complexidade da distribuição desses álbuns e, conseqüentemente, aumentam os custos de produção e difusão, incluindo o aumento do preço do disco no mercado varejo. É neste cenário de gradativa segmentação, seguida por uma redução considerável nos lucros, muito atribuída à instabilidade da economia brasileira dos anos 80, com altos índices de inflação - que a indústria fonográfica passa a sentir dificuldades em conciliar as alterações
38
DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, 49. 39 DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 130.
31
do mercado com a manutenção de seu modelo de negócio, baseado no sistema de industrialização cultural do pós-guerra. De acordo com Dias:
“Esta estrutura, que foi gradativamente “inchando” com a especialização e ampliação dos departamentos, parece ter resistido até o final dos anos 80, quando passou a onerar demasiadamente os custos de produção. (...) a instabilidade da década de 80 já se anunciava e os anos 90 chegam em meio à mais grave crise que o setor já assistiu.” 40
Obviamente as gravadoras independentes também sentem os reflexos da crise, já que nos anos 80, além de se reduzirem a filtros de sucessos, ainda conviviam com as imensas dificuldades de distribuição de seus produtos. Dias explica que:
“Muito da produção dos anos 80 pôde, efetivamente, desfrutar essa independência de produção. Contudo, não conseguiu da mesma forma, criar mecanismos de distribuição que garantissem a chegada dos discos ao mercado e aos meios de difusão, considerando ainda a total desigualdade de forças em jogo.” 41
Enquanto aumentava o número de setores especializados das majors, diretores e produtores musicais passavam a ser considerados cada vez mais importantes para a otimização das produções. O sucesso de vendas da gravadora é personificado através desses profissionais, com competência e reconhecimento suficientes para tomarem para si os créditos das produções, para conquistarem a confiança do meio artístico e, por fim, a autonomia profissional. É em meados dos anos 80 que as gravadoras passam a não poder mais pagar produtores fixos. Seus altos salários se tornam inviáveis à realidade do mercado. Trabalhando como autônomos, passam a ser contratados para trabalhos específicos. Vale lembrar que um artista é capaz de mudar de gravadora caso o seu produtor musical, de confiança, mude de empresa. A confiança está no produtor musical, não na gravadora. Dias explica que:
“Do ponto de vista da organização interna, os vínculos do produtor musical com a grande empresa fonográfica vão sofrendo uma série de mudanças, que se consolidam na década de 80. A crescente 40
DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008,p. 108 41 Idem, Ibidem, p. 143-144.
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segmentação do mercado fonográfico, que (...) permite às grandes gravadoras investirem em vários estilos musicais, diversificando riscos e, assim, garantindo retorno constante para suas operações, pode nos auxiliar no entendimento de tais mudanças. O trabalho do produtor vai se especializando cada vez mais, até desprender-se formalmente da estrutura da grande empresa. Deixa de ser economicamente viável, para as companhias, ter em seus quadros produtores assalariados, especializados nos vários segmentos em que atuam. Desta forma, tornam-se profissionais autônomos, contratados pelas empresas para realizar trabalhos específicos.” 42
Depois da emancipação dos produtores musicais na década de 1980, em meados dos anos 90 – com a digitalização, a internet e o processo de globalização dos mercados – as gravadoras multinacionais, visando o corte de custos, começam a terceirizar suas produções, atribuindo responsabilidades sobre etapas da produção e distribuição a empresas parceiras e gravadoras independentes. A descentralização de todo o processo produtivo aponta à tendência da passagem das organizações verticais – de hierarquias e setores bem definidos – para as horizontais – com as etapas de produção dividas entre empresas especializadas e de menor porte. Segundo De Castro:
“Se até a década de 80 as gravadoras possuíam estúdios, músicos, técnicos, fabricação e distribuição próprios, a partir da década de 90 se fragmenta, passando a ser parcialmente ou totalmente terceirizado, a ponto de muitas companhias terem sido resumidas a meros escritórios. (...) Este processo de fragmentação, que se inicia no final do século XX, tem possibilitado o deslocamento do processo produtivo para espaços e tempos diferenciados, desterritorializando a produção.” 43
Graças às novas tecnologias digitais de gravação e a recuperação da economia brasileira - com o Plano Real -, na metade da década de 1990, ex-técnicos e ex-produtores da grande indústria montam seus próprios selos. Alguns desses selos encontram espaço e se concentram em segmentos bem específicos. Já outros, visam não só lançar artistas no mercado segmentado, mas também desenvolver talentos para projeção no grande mercado. A experiência adquirida durante anos de trabalho nas majors, aliada às novas tecnologias 42
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 103. 43 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 50-51.
33
digitais de gravação, permitiu um progresso da produção independente que, se comparada às iniciativas das décadas de 70 e 80, se mostram muito mais profissionais, principalmente pelo fato de incluírem ao sistema de produção a adequação de artistas e repertórios ao mercado massivo. Dias explica que:
“A especialização das etapas do processo de produção (...) vai gradualmente atingindo outras esferas de produção, chegando ao seu centro vital: a geração de artista e repertórios (A&R). As empresas independentes tornam-se agentes desse processo, transformando-se em fornecedoras de produtos acabados para as grandes.” 44
É também nos anos 90 que surgem empresas especializadas na distribuição das pequenas tiragens dos selos independentes, como a paulista “Tratore”, também conhecida como “a distribuidora dos independentes.”
45
O surgimento dessas empresas é um exemplo
de como o mercado independente de música passa a se organizar, criando redes de cooperação em prol da otimização das produções e da distribuição de produtos, incluindo nesta rede também as majors, que já reconhecem a necessidade da segmentação de seus produtos. De acordo com Dias:
“As relações entre grandes e pequenos produtores estão sendo vistas como cooperação, simbiose e trabalho em network. As indies tornamse ainda mais versáteis e sua capacidade de testar fatias de mercado tem aproximado as majors – preocupadas em garantir cada vez mais a segmentação do mercado – de seu trabalho. Licenciamento (nacional e internacional), compra de repertório, de catálogo ou mesmo de todo o selo, ou ainda contratos de distribuição: essas são as formas pelas quais se concretizam as relações formais entre indies e majors.” 46
Se por um lado, as gravadoras independentes da década de 1990 conseguem conquistar uma posição dentro do processo produtivo da indústria musical (preparação e lançamento de produtos para as majors), por outro, continuam sofrendo com os problemas provenientes da política centralizadora das gravadoras multinacionais, que investem a 44
DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 132. 45 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 85. 46 DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 133.
34
maior parte de seus recursos na difusão de poucos artistas comerciais, contrariando as propostas de inovação e reciclagem das indies e prejudicando demasiadamente a distribuição de produtos menos abrangentes e lucrativos. Segundo Dias:
“A fragmentação da produção e as condições colocadas pela tecnologia favorecem a diversificação de agentes produtores. Mas o afunilamento que as majors realizam no momento de escolher produtos oriundos das indies (seja para estabelecer contratos de distribuição ou para compra de catálogo e/ou produtos) limita consideravelmente a ocorrência de efetivas parcerias ou situações de terceirização que garantam a conquista do mercado por produtos portadores de inovação.” 47
Como se vê, a indústria fonográfica é regida prioritariamente por tendências. Essas tendências interferem não só nos conteúdos das mídias, mas também nas próprias mídias. Com a digitalização da música no final dos anos 80, as majors passaram a investir na fabricação de suportes para músicas digitais. O primeiro a ser popularizado foi o compact disk (CD). No Brasil, entre o início década de 1990 e o ano 2000, as mídias de reprodução analógica – como fitas cassete e discos de vinil -, obsoletas, vão sendo substituídas tanto nas prateleiras do mercado varejo, quanto nas coleções dos consumidores de música. O surgimento do CD e a relativa estabilização da economia impulsionaram novamente o mercado fonográfico brasileiro, retomando o ritmo de crescimento que havia caído durante os anos 80. Segundo Dias, a partir de meados da década de 90:
“O consumidor começa a buscar no mercado títulos em CD do que já possuía em vinil, e essa procura permite à indústria desenvolver uma estratégia de vendas altamente lucrativa, sem arcar com custos de produção.” 48
Porém, o “boom” dos CDs, ao mesmo tempo em que deslumbra a indústria da música com o aumento das vendas e com a queda do custo de produção, representa o início da história da desmaterialização da música, da virtualização do acesso às obras musicais (inclui-se o surgimento de inúmeros meios de acesso gratuito) e da reestruturação do mercado musical. De um lado, desencadeia-se a pior crise já vivida pelas majors, com o 47
DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008,p. 135. 48 Idem, Ibidem, p. 112
35
declínio do valor de mercado dos CDs e do modelo de negócio instituído desde seus primórdios, baseado na produção, reprodução e venda de mídias físicas. De outro, a música digital começa a ser inserida nas vertentes de entretenimento de diversas empresas que, antes da digitalização da música, nada tinham a ver com produções musicais, sendo traçadas novas perspectivas para o business fonográfico. Santini explica que:
“Embaladas pela crescente difusão da venda de canções pela Internet (ou por outros suportes digitais como o telefone celular), companhias que tinham pouco ou nada a ver com o mercado da música, estão cada vez mais interessadas no potencial desse nicho.” 49
Sobre a reconfiguração do mercado musical, inclui-se ainda a emancipação das produções independentes que, graças à popularização das tecnologias digitais, da digitalização da música e da dinâmica oferecida pelo fluxo de informações na rede, encontram tempo e ambiente finalmente favoráveis à distribuição de seus produtos e à difusão da música segmentada.
1.3 – Os novos rumos da produção musical e o cenário independente brasileiro do século XXI
Em meio a tantas transformações na cadeia de produção musical, os grandes conglomerados do entretenimento são forçados a se voltarem cada vez mais à cultura das redes tentando encontrar meios que viabilizem a continuidade da manutenção dos negócios que giram em torno da intermediação e comercialização de música. A produção de CDs, que ocupava uma posição de cargo chefe nas majors, hoje se reduz a uma ramificação do negócio, que agora também engloba produções em parcerias com empresas de telecomunicações e do entretenimento, parcerias estas que podem, inclusive, resultar na fusão entre essas empresas e conglomerados de grandes gravadoras. Herschmann explica que:
49
SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 147.
36
“(...) primeiramente, presenciamos a desvalorização vertiginosa nos fonogramas (sua transformação em commodity no mercado), a busca desesperada por novos modelos de negócio para os fonogramas através das lojas digitais e telefonia móvel, bem como o crescente interesse e valorização da música ao vivo e dos concertos realizados especialmente nos centros urbanos (...) em segundo lugar, o crescente emprego das novas tecnologias e das redes sociais da web como uma forma importante de reorganização do mercado: a utilização das tecnologias em rede como relevante estratégia de comunicação e circulação de conteúdos, de gerenciamento de carreiras artísticas, de formação e renovação de público, de construção de alianças com os consumidores, etc.” 50
Se a princípio o telefone celular serve para a comunicação verbal entre duas pessoas, hoje oferece praticamente todos os recursos disponíveis em um computador conectado à internet. Através da grande maioria dos celulares também é possível armazenar, reproduzir e distribuir arquivos de músicas digitais. Confirmando a significância da música no âmbito das relações sociais, empresas de telefonia celular vêm agregando o mp3 (formato digital compacto de áudio, que será explicado no próximo capítulo) aos seus negócios. Como exemplo, disponibilizam músicas para download pago, além de algumas vezes criarem promoções como a “Comes Whit Music e a Play Now Plus, ambas lançadas em 2009 pela Nokia e Sony/Ericson, respectivamente”,
51
que ofereceram
aos seus clientes acesso livre a um banco de músicas para download por aproximadamente um ano. Existe ainda a comercialização dos populares ringtones, que são trechos de músicas utilizados como sinal de chamada, que personalizam o toque dos celulares. Segundo De Castro, ainda em 2007, “A indústria (...) obteve um superávit de 185% no quesito vendas digitais, muito impulsionado pela telefonia móvel.” 52 Outro exemplo de presença da música no negócio do entretenimento digital é o lançamento de games com trilhas sonoras de grandes nomes do rock como Metallica, Aerosmith e The Beatles. Os jogos Guitar Hero e Rock Band consistem em simulações de performances musicais. O joystick tem formato de guitarra e possui cinco botões. Em sua interface, aparecem animações em terceira dimensão de shows de rock, acompanhados por 50
HERSCHMANN, Micael. “Crescimento dos festivais independentes no Brasil” In: SÁ, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 273-274. 51 Idem, Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 87. 52 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 64.
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indicadores das sequências que devem ser seguidas pelo jogador. Se parar de acompanhar ou errar a sequência, rompe a produção musical do jogo, o que reflete na insatisfação do público virtual (animação gráfica em 3D) e na perda de pontuação. Já o acerto das sequências faz com que a música seja reproduzida perfeitamente, refletindo na satisfação do público virtual e no ganho de pontuação. Referindo-se ao Guitar Hero e ao Rock Band, Miller afirma que:
“Os jogos (...) têm poder provocador porque giram em torno da performance do rock, um gênero profundamente arraigado nos discursos do individualismo radical, da criatividade heróica e da qualidade corporificada da apresentação ao vivo.” 53
Dos sites de comercialização de música digital, destaca-se o iTunes, da empresa de informática Apple. Apesar de não fazer parte dos conglomerados multinacionais da produção musical, a empresa lidera o mercado mundial de venda legal de arquivos mp3. O sucesso do iTunes “deve-se ao extraordinário sucesso comercial do player portátil iPod” 54 (da Apple), ao baixo custo das faixas avulsas (em média, 99 centavos de dólar), à possibilidade de interação entre os consumidores (através da publicação de críticas e comentários) e ao grande número de faixas em seu acervo, que supera em número qualquer loja de mídias físicas. O iTunes agrega a seu acervo uma enorme quantidade de canções economicamente inviáveis para o mercado centralizador das majors. Se o espaço nas prateleiras do mercado varejo de suportes físicos (CDs) gera custos, o armazenamento digital tem custo praticamente zero, mesmo considerando o baixo “volume” de compras da grande maioria das faixas. Referindo-se ao iTunes, Castro diz que:
“A loja virtual da Apple lidera o mercado de downloads cobrados por faixa ao preço 99 centavos de dólar. O iTunes Music Store atingiu, em fevereiro de 2006, a meta de 1 bilhão de músicas comercializadas desde o seu lançamento em 2003. Expandindo-se pelo mundo afora, o iTunes tem conquistado novas fatias do mercado globalizado, já
53
MILLER, Kiri. “Por que você não pega uma guitarra de verdade? Guitar Hero, Rock Band & Performance Virtual” In: DE SÁ, Simone Pereira (org.). Rumos da Cultura da Música: Negócios, estéticas, linguagens e audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 136. 54 CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva. “Música, juventude e tecnologia: Novas práticas de consumo na cibercultura” Disponível em: http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf – Acesso em 03/04/2011. 16:22 h.
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estando presente em mais de vinte países, estabelecendo-se como o principal canal de distribuição em massa.” 55
Apesar do sucesso do iTunes na Europa e nos Estados Unidos, de acordo com relatório da IFPI divulgado em janeiro de 2008, “(...) estima-se que para cada download feito a partir de lojas “on-line” devidamente autorizadas, 20 são feitos de forma ilegal, infringindo a lei e os Direitos Autorais.”
56
De uma forma geral, a desmaterialização da
informação e a democratização da distribuição de conteúdos através das redes banalizaram o acesso à música, o que fez com que o valor de mercado do fonograma despencasse. Na nova cadeia produtiva, a música digital passa a funcionar principalmente como meio de divulgação do trabalho de seus executores, que são recompensados através da conquista de fãs e das receitas advindas dos shows ao vivo. Segundo Herschmann:
“Diferentemente da grande indústria, os músicos já não parecem se opor muito a que a pirataria e as trocas de arquivos sejam intensamente praticadas. Apesar de a maioria não apoiar abertamente a livre circulação dos fonogramas, parece haver uma consciência mais ou menos clara não só de que a rede é fundamental para a formação e renovação de seu público, mas também de que os seus ganhos advirão principalmente da comercialização da música executada ao vivo.” 57
Enquanto o valor de mercado do fonograma cai, percebesse uma supervalorização das apresentações ao vivo. Mesmo com os elevados preços dos ingressos (no caso dos artistas do mainstream), os públicos não costumam se intimidar em pagar pela experiência de compartilhar os momentos de execução da música junto aos artistas e outros fãs. A tendência à valorização dos shows é na verdade um reflexo do processo de socialização que ocorre na cultura contemporânea de uma forma geral e que interfere diretamente nos hábitos de consumo e nas produções da maioria dos setores que comercializam produtos e serviços. De acordo com Herschmann:
“Assiste-se hoje a um processo de valorização das “experiências”. Elas são “potentes”, mesmo estando inseridas em uma sociedade espetacularizada (e marcada pela lógica/dinâmica do entretenimento). De modo geral, as experiências presenciais capazes de mobilizar o imaginário dos indivíduos e grupos sociais (experiências tácteis, de 55
Idem, Ibidem. Disponível em: http://www.abpd.org.br/noticias_internas.asp?noticia=155 – Acesso em 24/05/2011. 19:05 h. 57 HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 64. 56
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grande interação e fruição com as quais os atores sociais se identificam) apresentam-se hoje como um fenômeno – não só econômico, mas também político e sociocultural – que vem fundamentando em grande medida a “socialidade” que assistimos no mundo contemporâneo.” 58
À medida que as obras musicais são inseridas nos fluxos da rede - que oferece diversidade e possibilidades de interação entre artistas e fãs -, a internet passa a ser considerada como o principal meio de divulgação e difusão da música. Se no século XX a televisão se destaca pelo seu poder de centralização das atenções e de impacto na disseminação de informações, a internet se mostra favorável às tendências de socialização e segmentação, que caracterizam as cadeias produtivas do século XXI. Herschmann explica que: “(...) não só a internet vem substituindo o rádio e a televisão como principal meio de divulgação de música; mas também as grandes gravadoras enfrentam dificuldades financeiras, e os artistas, novos ou não, sobrevivem, sobretudo através de concertos e da presença em circuitos e cenas alternativas.” 59
Assim como o novo cenário apresenta limitações para a indústria centralizadora, se mostra favorável à democratização da divulgação e difusão da música, o que faz com que artistas do mainstream e artistas independentes passem a compartilhar o mesmo e principal meio de divulgação de suas obras. A difusão da música através da internet atrai o interesse não somente de músicos novatos, sem reconhecimento do grande público, mas também de artistas consagrados que, em grande parte, já não vêem mais tantas vantagens em manter contratos com grandes gravadoras. Como explica De Marchi:
“(...) as gravadoras independentes se caracterizam pelo investimento nas novas formas e tecnologias de comércio de gravações sonoras. (...) a efetivação do comércio virtual de música vem desorganizando o tradicional sistema de poder da indústria fonográfica. Para as empresas independentes, as atuais transformações são particularmente apropriadas. Em primeiro lugar, diferentemente das grandes gravadoras, cujos clientes são as conceituadas lojas revendedoras (...), os consumidores das pequenas e médias são os indivíduos. Com as novas 58
HERSCHMANN, Micael, “Crescimento dos festivais independentes no Brasil” In: SÁ, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 300- 301. 59 Idem, Ibidem, p. 286-287.
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ferramentas tecnológicas, como o sistema monetário internacional, a internet e a virtualização dos suportes sonoros, os independentes estão atingindo diretamente seu público-alvo, sem a necessidade das complexas negociações com atravessadores, como as lojas de disco. Em segundo, como os atuais serviços de distribuição on-line são oferecidos por empresas de informática, a necessidade de relações com as grandes gravadoras para fazerem os produtos alcançarem o mercado consumidor diminui significativamente.” 60
Na internet, a produção de música independente (segmentada e, hoje, articulada em torno da dinâmica das redes) finalmente encontra um ambiente favorável ao resgate da diversificação de gêneros e estilos sem a interferência de gestores de grandes empresas e sem os limites físicos e econômicos que, até o final do século XX, inviabilizavam a difusão da música alternativa e seu reconhecimento por parte dos públicos.
Paralelamente às transformações no mercado musical, em meados dos anos 2000 começam a surgir diversos festivais de música independente no Brasil que, “(...) organizados por iniciativa de coletivos de artistas, pequenas gravadoras e/ou produtoras, (...) mobilizam mais de 300 mil pessoas em cerca de 50 festivais por ano (...).” 61A internet não é só utilizada para consumir e difundir músicas, mas também para que artistas e profissionais da música se articulem em torno da organização e divulgação dos eventos através de redes de relacionamento: Herschmann diz que:
“Em certo sentido, pode-se afirmar que alguns coletivos de músicos brasileiros vêm construindo novos circuitos de produção-distribuição e consumo culturais. Neste novo modelo, fomentado e realizado especialmente por jovens artistas e profissionais da música, a produção toda é feita via internet e/ou tecnologias digitais (isto é, da divulgação, distribuição, convite para shows até a organização dos festivais em si).” 62
Diferente dos grandes festivais das décadas de 60 e 70, que tinham um caráter 60
DE MARCHI, Leonardo. “Indústria fonográfica e a nova produção independente: o futuro da música brasileira?” Disponível em: http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/77/76 - Acesso em 03/04/2011. 16:22h. 61 HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 83. 62 Idem, “Crescimento dos festivais independentes no Brasil” In: SÁ, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 272.
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competitivo e funcionavam como um filtro para o mainstream, os festivais de hoje priorizam a democratização do espaço das apresentações e a diversidade musical. Reúnem inúmeros artistas de estilos variados e sem vínculos com grandes gravadoras, proporcionando aos públicos verdadeiras vitrines musicais e culturais. Segundo Herschmann:
“(...) diferentemente dos antigos festivais da canção do século passado e dos grandes eventos atualmente realizados no Brasil, pode-se dizer que os novos festivais independentes: a) utilizam de forma sistemática a mídia alternativa e interativa; b) os artistas divulgados geralmente não tem vínculos com as majors (e muitas vezes nem com as chamadas indies); c) e constituem-se em importantes espaços de consagração e reconhecimento dos músicos dentro do nicho de mercado em que atuam (pois os novos festivais são simples mostras, sem premiação).” 63
Vista a internet como um importante meio de articulação entre os atores sociais envolvidos com a produção e difusão da música independente, surgem novos modelos de intermediação entre músicos e fãs, tendo vista a existência de um grande número de artistas com interesse em divulgar suas obras e de consumidores de música atraídos pelo acesso irrestrito à diversidade. Assim, explica-se o grande sucesso das redes de relacionamento focadas na produção e difusão musical como o MySpace (“(...) maior rede social do mundo, com mais de cem milhões de usuários, dentre os quais, mais de trezentos mil são músicos.”) 64 e do Trama Virtual (Site da gravadora independente Trama, rede de relacionamento focada na produção musical independente e objeto de estudo para esta monografia). Como afirma Herschmann:
“Se nos anos 1980 e 1990, no período do desenvolvimento das redes digitais de comunicação celebrava-se o fim da intermediação (...) como novidade revolucionária do mercado cultural digitalizado, hoje nota-se que as pequenas e grandes empresas investem em legitimar a reintermediação: há novas formas e diferentes graus de mediação nas relações de produção dos bens culturais.” 65 63
HERSCHMANN, Micael, Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 272. 64 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 95. 65 HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 84.
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Em vez de essas empresas lutarem pela manutenção do limitador mercado de mídias físicas e contra a proliferação das obras, se mantêm sustentadas por bases que harmonizam o fluxo de informações na rede. Não centralizam seus negócios na industrialização da música, mas na diversidade que atrai a atenção de milhões de pessoas. As “audiências” (número de acessos e de pessoas registradas) é o que transforma suas plataformas em valiosos territórios. Portanto, “(...) observa-se a permanência da ideia de que o principal produto das plataformas de consumo da música continua sendo a segmentação do público consumidor para possíveis anunciantes.”
66
Empresas de diversos
setores se interessam em divulgar suas marcas nessas plataformas, pois reconhecem cada vez mais a importância de investir em espaços segmentados, além de considerarem o baixo custo da inserção de publicidade na rede e a intensificação do papel da música nas relações sociais.
66
JÚNIOR, Jeder Janotti; NOGUEIRA, Bruno Pedrosa. “Um museu de grandes novidades: crítica e jornalismo musical em tempos de internet”. In: SÁ, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 214-215.
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2 – A música na era das redes: O ciberespaço, a nova economia e o mp3 Para a compreensão das repentinas transformações no mercado musical a partir do início do século XXI, é importante analisar todo um processo que se estende desde o auge da guerra fria, a partir de meados da década de 60. Foi nesta época que o governo dos Estados Unidos começou a financiar pesquisas dentro de Universidades americanas a fim de desenvolver formas de compartilhamento de informações entre bases militares através de computadores, o que impulsionou significativamente o progresso das telecomunicações, das tecnologias digitais e que marcou o início da expansão das redes e da história da internet.
2.1- Cibercultura: digitalização, convergência das mídias e comunidades virtuais
As primeiras instituições acadêmicas a comportarem pontos de comunicação interconectados pela Arpanet 67, primeira rede de computadores, foram universidades da Califórnia - de Los Angeles e de Santa Bárbara - e a universidade de Utah. O interesse pelas tecnologias de comunicação não se deve somente à troca de informações em prol do desenvolvimento tecnológico, mas se dá principalmente pela liberdade de comunicação e expressão entre seus usuários: jovens universitários envolvidos com a realidade históricosocial dos movimentos contraculturais. Segundo Castells, “(...) a internet nasceu da improvável interseção da big science, da pesquisa militar e da cultura libertária. Importantes centros de pesquisa universitários e centros de estudo ligados à defesa foram pontos essenciais entre essas três fontes da Internet.” 68
Em 1983, as forças armadas americanas perceberam a expansão das redes de computadores como um risco de abertura de brechas na segurança, o que facilitaria o vazamento de informações confidenciais. Frente a isso, é criada uma rede de domínio especificamente militar. A Arpanet, por sua vez, torna-se a Arpa Internet. Uma rede única e exclusivamente voltada para desenvolvimento de pesquisas acadêmicas que, em 1984
67
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Reflexões Sobre A Internet, Os Negócios E A Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 13. 68 Idem, Ibidem, p. 19.
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passou a ser propriedade da National Science Foundation (NSF). O domínio da NSF sobre a Arpa Internet durou pouco. Logo as redes caíram em domínio público:
“Em fevereiro de 1990, a Arpanet, já tecnologicamente obsoleta, foi retirada de operação. Dali em diante, tendo libertado a Internet de seu ambiente militar, o governo dos EUA confiou sua administração à National Science Foundation. Mas o controle da NSF sobre a Net durou pouco. Com a tecnologia de redes de computadores no domínio público, e as telecomunicações plenamente desreguladas, a NSF tratou logo de encaminhar a privatização da Internet.” 69
Sem o consentimento das proporções que a expansão das redes alcançaria e sem a pretensão de transformar a internet no que ela representa hoje, os usuários das redes participaram efetivamente na estruturação e expansão natural de um novo meio de comunicação que, a partir de 1991, com a World Wide Web (WWW) - sistema de documentos em hipertexto criado pelo inglês Timothy John Berners-Lee - passou a integrar a rede global de comunicação. Segundo Castells, “ o que permitiu à Internet abarcar o mundo todo foi o desenvolvimento da WWW”. 70 Através desse sistema global de comunicação é que se estrutura o ciberespaço: um mundo virtual que, apesar de virtual, é real, pois marca o início de uma nova realidade histórico-social global e de uma releitura dos sistemas de comunicação, políticos e econômicos do planeta. Na visão de Lévy:
“O ciberespaço (...) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.” 71
O ciberespaço inaugura uma nova era. A era da cibercultura: um “(...) conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o ciberespaço.” 72. Na visão de Lemos:
69
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Reflexões Sobre A Internet, Os Negócios E A Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003, p. 15. 70 Idem, Ibidem, p. 17. 71 LÉVY, Pierre. Cibercultura, São Paulo, Editora 34, 1999, p. 17. 72
Idem, Ibidem, p. 17.
45
“(...) podemos compreender a cibercultura como a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações e com a informática na década de 70 (...) trata-se de uma relação que se estabelece pela emergência de novas formas sociais que surgiram a partir da década de setenta (a sociabilidade pós-moderna) e das novas tecnologias digitais. Esta sinergia vai criar a cibercultura.” 73
Com a WWW, a rede mundial de idéias se expande a nível global e universal. Global porque qualquer pessoa, de qualquer parte do mundo, que dispunha de um computador conectado à rede, passou a ter acesso a esse novo recurso de comunicação. Também universal, pois o ciberespaço possibilita a troca de informações de todos com todos de forma fluida e intotalizável. Não há centros emissores unilaterais como nas mídias clássicas. Com a Internet, as informações fluem, se entrelaçam, se multiplicam ou simplesmente se dispersam no meio digital. O ciberespaço oferece uma universalidade sem totalidade. Isso significa que, além de não ser possível calcular numericamente o conteúdo da internet, não se consegue analisar precisamente de que forma a política, a economia e as sociedades são afetadas. Isso ocorre graças à fluidez das informações, à mutação constante e progressiva do ciberespaço e a evolução cada vez mais acelerada das tecnologias digitais.
A evolução do ciberespaço foi possível tanto pela necessidade de expansão das idéias e da liberdade de expressão, quanto pelo desenvolvimento das tecnologias digitais e transformações no mercado tecnológico, que inclui o barateamento e popularização das tecnologias da informação. Estes fatores contribuiram para que ocorressem progressivas melhorias no desempenho das máquinas, tanto na capacidade de armazenar e processar a informação, quanto na capacidade de transmissão de informações via rede. Segundo Lévy:
“No interior do volume ocupado por um disco rígido de microcomputador de 10 megabytes em 1983, podia-se armazenar 10 gigabytes em 1993 – ou seja, mil vezes mais. (...) De 1956 a 1996, os discos rígidos dos computadores multiplicaram por 600 sua capacidade de armazenamento e por 720 mil a densidade da informação armazenada. Em contrapartida, o custo do megabyte passou, no mesmo período, de 50 mil a 2 francos.” 74
73
LEMOS, André; CUNHA, Paulo (Org). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre, Sulina, 2003, p. 11. 74 LÉVY, Pierre. Cibercultura, São Paulo, Editora 34, 1999, p. 34.
46
Antes de desenvolver sobre a dinâmica do fluxo de informações no ciberespaço e sobre o papel desse fluxo na reorganização das cadeias de produção, é importante destacar sobre a digitalização da informação e o surgimento do conceito de “multimídia”, que:
“(...) se refere (...) ao tratamento digital de todas as informações (som, imagem, texto e programas informáticos) com a mesma linguagem universal, uma espécie de esperanto das máquinas. (...) Antes da digitalização, os suportes eram incompatíveis: papel para o texto, película química para a fotografia ou filme, fita magnética para o som ou vídeo.” 75
Com a digitalização, mídias físicas (como a fita cassete e o papel fotográfico) se tornam dispensáveis para a visualização, reprodução e deslocamento de sons e imagens, o que representa a desmaterialização da informação, que agora pode ser traduzida digitalmente a partir de códigos binários. Imagens podem ser visualizadas através de monitores, assim como sons podem ser reproduzidos a partir de saídas de áudio de computadores. A informática converge as mídias visuais, sonoras e as telecomunicações, incompatíveis antes da digitalização da informação. Uma vez armazenados dentro de um computador conectado à rede, arquivos digitais áudio-visuais podem ser disseminados através do ciberespaço. Sobre a informação digitalizada, Santaella afirma que:
“(...) sua estocagem é menos onerosa. Por isso mesmo, um dos aspectos mais significativos da evolução digital foi o rápido desenvolvimento da multimídia que produziu a convergência de vários campos midiáticos tradicionais. Foram assim fundidas em um único setor do todo digital, as quatro formas da comunicação humana: o documento escrito (imprensa, magazine, livro); o áudio visual (televisão, vídeo, cinema), as telecomunicações (telefone, satélites, cabo) e a informática (computadores, programas informáticos). É esse processo que tem sido referido pela expressão convergência da mídias.” 76
A digitalização também possibilita a reprodutibilidade irrestrita de conteúdos. Quando um arquivo digital de áudio e/ou imagem se encontra disponível na rede, este pode ser reproduzido infinitas vezes, por uma quantidade ilimitada de internautas ao redor do mundo sem que haja perda de qualidade de resolução e sem que haja a necessidade de 75
SANTAELLA, Lúcia. Culturas e Artes Do Pós-Humano. Da Cultura Das Mídias à Cibercultura. São Paulo, 2004, p. 84 76 Idem, Ibidem, p. 83-84
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deslocamentos físicos, dispensando todo um processo logístico característico das produções industriais. Desta forma ocorre uma reestruturação de toda uma dinâmica de distribuição de informação e cultura. Segundo Santaella:
“(...) depois de terem sido colocados em formato digital, quaisquer desses dados híbridos, podem ser sintetizados em qualquer lugar e em qualquer tempo, para gerar produtos com idênticas cores e sons. Desse modo, os dados independem do lugar e tempo de sua emissão original ou de uma destinação determinada, pois são realizáveis em qualquer tempo e espaço.” 77
Sobre a popularização da rede, é importante considerar o conceito de web 2.0, que consiste na total democratização no que se refere à participação, publicação, uploads e downloads. A manipulação da informação no ciberespaço, que nos primórdios da internet era de domínio apenas dos hackers e programadores, se democratiza em meados dos anos 2000 a partir do surgimento de sites de redes sociais com interfaces intuitivas, facilmente dominadas por todos, incluindo usuários sem nenhum conhecimento técnico de programação. Segundo Nercolini e Waltenberg:
“Antes, se quiséssemos publicar qualquer coisa na internet, precisávamos de um conhecimento especialista. Era preciso manipular linguagens de programação e ter noções de informática voltadas para a construção de websites. Hoje, na chamada web 2.0, existe mais facilidade nesse ato através de ferramentas e programas que rodam no próprio navegador e que não mais fazem necessário um domínio mais específico. Num segundo momento, palavras de ordem como publicar, compartilhar, comentar e participar entraram em vigor com sites de redes sociais on-line, músicos podem mostrar seus trabalhos em plataformas sociais como MySpace e Last.fm e videografistas e cineastas amadores exibem suas criações diariamente em sites como o YouTube.” 78
As tecnologias digitais tem fundamental importância não só para a visualização, reprodução e deslocamento de informações, mas também para o que se refere à 77
SANTAELLA, Lúcia. Culturas e Artes Do Pós-Humano. Da Cultura Das Mídias à Cibercultura. São Paulo, 2004, p. 84
78
NERCOLINI, Marildo José; WALTENBERG, Lucas. “Novos Mediadores na Crítica Musical”. In: SÁ, Simone Pereira (org.). Rumos da Cultura da Música: Negóocios, Estéticas, Linguagens e Audibilidade. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 236.
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manipulação e edição de conteúdos. Os softwares de produção e edição digitais favorecem o aprimoramento das produções artísticas fora do círculo de empresas da indústria cultural. Por meio desses softwares torna-se muito mais viável produzir e editar sons, vídeos e imagens com alta qualidade técnica e sem a dependência de mega estruturas, como as dos caros estúdios das empresas de comunicação de massa. Referindo-se à produção musical, De Castro afirma que:
“(...) o computador está para o músico do século XXI como a gravadora e a mídia de massa estiveram para o músico do século passado. Através dele pode-se, caseiramente, produzir gravações através de softwares que simulam ferramentas profissionais de estúdio, distribuí-las através da internet e mesmo divulgá-las.” 79
As experimentações artísticas se multiplicam em um processo que acompanha o desenvolvimento de softwares de edição e a multiplicação dos conteúdos que fluem na rede. O ciberespaço favorece as trocas de experiências, interações mútuas entre consumidores/produtores que proporcionam um cenário de crescente renovação e adaptações de técnicas e estilos. Segundo Santini:
“A Comunicação, a Arte e a Cultura sofreram uma profunda reorganização com o aparecimento das novas técnicas digitais. As máquinas e os suportes eletrônicos de produção e de armazenamento induziram a profundas transformações na forma de produzir e no que se produz. A arte na era digital vive uma grande reorganização das práticas de criação.” 80
A internet funciona como um enorme conglomerado de redes sociais. Essas redes podem se convergir ou se divergir em determinados pontos dependendo dos hipertextos construídos por cada participante. São estruturadas a partir de temas diversos e interesses comuns, classificados em graus de importância que variam de acordo com preferências e necessidades individuais de cada um, sejam elas momentâneas ou permanentes. Por meio de chats, blogs, fóruns e muitas outras formas de sociabilidade em rede, as informações fluem, se complementam, se renovam e expandem toda uma inteligência coletiva de 79
DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 94. 80 SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 189.
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valores atribuídos por aqueles que a constroem. É o compartilhamento informacional cooperativista que dá sentido à virtualização do real. O ciberespaço é, acima de tudo, um meio de relações sociais. Santini diz que:
“A criação é sempre algo bastante solitário e as pessoas sentem uma necessidade básica de se agrupar, e é esta a questão que os meios eletrônicos tendem a facilitar. Sai a rubrica egocêntrica do “gênio criador” ou da “aura do artista” e entra a voz coletiva do anonimato criativo e compartilhado.” 81
A virtualidade real se dá a partir da análise das formas de interação entre as pessoas e comunidades com o mundo virtual e das consequências dessas interações, que refletem em uma reestruturação das organizações sociais do mundo físico. Os fatores determinantes para essa reestruturação giram em torno do paradigma de liberdade instituído pela internet através da interconexão, desmaterialização e desterritorialização da informação. É neste novo paradigma de liberdade que está a essência da virtualidade real e é através dele que se entende a expansão da rede de computadores a um nível global. Castells explica que o “(...) paradigma de liberdade não está na internet: Isso é a internet, como projetado por seus criadores iniciais.” 82
Como o fluxo de informações do ciberespaço reflete diretamente na política organizacional das sociedades contemporâneas e nas cadeias produtivas, para Castells, a cultura da Internet é a cultura da virtualidade real. Ele explica que a realidade da Internet:
“(...) é virtual porque foi construída basicamente através de processos de comunicação virtuais, eletronicamente baseados. É real (e não imaginária) porque é nossa realidade fundamental, a base material sobre a qual vivemos nossa existência, construímos nossos sistemas de representação, exercemos nosso trabalho, vinculamo-nos a outras pessoas, obtemos informação, formamos nossas opiniões, atuamos na política e acalentamos nossos sonhos. Essa virtualidade é nossa realidade. É isso que caracteriza a cultura na Era da informação: é principalmente através da virtualidade que processamos nossa criação de significado.” 83 81
SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 60. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Reflexões Sobre A Internet, Os Negócios E A Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar 2003, p. 167. 83 Idem, Ibidem, p. 167. 82
50
O fluxo de informações na internet, a evolução das tecnologias digitais e o processo de convergência das mídias promovem um processo de reestruturação dos mercados. Torna-se possível, por exemplo, a inserção de sites de empresas no ciberespaço, as transações on-line e a criação de perfis corporativos em redes de relacionamento. Por sua vez, o consumidor da era digital integra cada vez mais as novas tecnologias ao seu dia a dia, o que interfere tanto no desenvolvimento de novos recursos disponíveis em rede, quanto na intensificação do papel das redes como meio de comunicação, interação e participação. Segundo Jenkins:
“Empresas de mídia estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo de mídia pelos canais de distribuição para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus compromissos com o público. Consumidores estão aprendendo a utilizar diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores.” 84
Aparelhos digitais que antes não existiam, como telefones celulares, notebooks e muitos outros aparatos tecnológicos multifuncionais e conectados à rede, se tornam extremamente necessários depois de inseridos nas culturas e nas cadeias de produção. A inclusão das novas tecnologias de informação e comunicação na cultura das sociedades faz surgir novos perfis de clientes, muito mais informados, atentos e atuantes no desenvolvimento de produtos e serviços, cada vez mais segmentados e customizados. Essa adequação das produções às novas necessidades dos públicos resulta da emergência de uma releitura dos processos de comunicação, produção e consumo.
2.2 – Os consumidores/produtores e a economia da informação Na nova economia, a relação entre empresas e seus respectivos públicos deve ir além da simples troca que configura a venda e o consumo. Com a grande diversidade de alternativas de produtos e serviços disponíveis no mercado, alcançar uma posição de destaque em meio a tanta concorrência exige que gestores criem estratégias de comunicação favoráveis à criação de laços afetivos consistentes e suficientes para seduzir e 84
JENKINS, Henry.Cultura Da Convergência. São Paulo, Aleph, 2008, p. 46.
51
fidelizar. As redes sociais oferecem diversos meios para que esse relacionamento seja frequente e interativo, atualizando constantemente as empresas sobre hábitos e preferências dos consumidores e atualizando os consumidores sobre o que as empresas desejam oferecer ou comunicar. Segundo Herschman, na nova economia, o relacionamento entre empresas e consumidores é caracterizado por:
“(...) um processo constante (no qual a venda é apenas um momento de relacionamento com os clientes) e caracterizado pela multidirecionalidade (interatividade). Com o emprego das NTICs (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação), há uma ampliação da capacidade comunicativa das empresas e dos consumidores, em especial destes últimos, que passam a estar mais presentes no processo produtivo (através, por exemplo, de demandas on-line).” 85
Também é de suma importância a abertura dos sistemas produtivos aos conteúdos portadores de inovação, o que exige reciclagens sazonais que visam alimentar continuidades nas relações entre produtor e consumidor, evitando a dispersão das atenções para outros campos. Se na velha economia industrial, a padronização das produções e a centralização das atenções em um número reduzido de conteúdos significavam a maximização
da
abrangência
de
públicos,
hoje
representam
limitações
e
incompatibilidades com a fertilidade dos mercados e com a grande diversidade de produtos e serviços que disputam as atenções. Segundo Herschman, sem inovar:
“A inovação pode ser traduzida em um novo know-how ou em alta tecnologia gerada pela empresa, mas é principalmente desenvolvida a partir de conhecimentos tácitos, (...) da cultura agenciada do entorno direto e indireto da empresa.” 86
Nos novos modelos de produção também são evidentes mudanças na dinâmica do trabalho, tendo em vista a flexibilização dos limites que separam o meio interno e externo das corporações. São cada vez mais comuns os profissionais contratados por tempos
85
HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 69. 86 Idem, Ibidem, p. 70.
52
determinados e a contratação de terceirizados, sem vinculo empregatício, para a realização de trabalhos específicos, muitas vezes imateriais e virtuais. Segundo Herschmann:
“(...) reconhece-se uma mudança na dinâmica laboral. Do trabalhador que atua na empresa como funcionário e que realiza atividades nos departamentos realizando tarefas manuais e/ou intelectuais passa-se a ter uma trabalhador temporariamente contratado ou terceirizado que atua de forma proativa e em rede, realizando trabalho imaterial.” 87
Essa flexibilidade permite ainda que, em alguns modelos de negócio, o próprio consumidor interfira nas produções, adequando produtos e serviços às suas necessidades mais específicas. Empresas que não oferecem a possibilidade de customização podem se encontrar em desvantagem competitiva. Referindo-se as produções musicais, Sá afirma que:
“Num horizonte em que o consumidor customiza os produtos, toda (...) estratégia deverá ser redefinida, pois as obras fechadas, acabadas, perdem terreno diante do universo de possibilidades em torno de bricolagens, experimentações e acesso à informação.” 88
Os efeitos da nova economia também interferem nas produções dos meios de comunicação de massa que, apesar de oferecerem acesso à informação de forma mais linear, centralizada e unilateral, se adaptaram tecnicamente à cultura digital. Essas adaptações ocorreram tanto no que se refere à qualidade de transmissão e multiplicação de recursos – a TV digital interativa é um exemplo -, quanto no âmbito das técnicas de produção de conteúdos. Segundo Santaella:
”Os meios industriais (...) não desapareceram para ceder lugar aos elementos eletrônicos, assim como estes não deverão desaparecer frente ao advento dos meios teleinformáticos. (...) A tendência que se
87
HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 88 SÁ, Simone Maria Andrade Pereira. “Música eletrônica, DJs e consumo” In: FILHO, Clóvis de Barros (org.); CASTRO Gisela (org). Comunicação e Práticas de Consumo. São Paulo, Editora Saraiva, 2007, p. 59.
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pode prever é a das novas alianças, como aquela que se anuncia da TV digital, interativa com o computador e as redes de comunicação.” 89
Para entender melhor as consequências desta tendência às experiências participativas nas transformações da economia, é necessário uma análise das alterações nas relações de poder entre indivíduos, comunidades e instituições. A descentralização das produções torna constante a troca de papéis entre consumidores e produtores. A dinâmica de comunicação nas redes permite que muitos artistas, por exemplo, divulguem seus trabalhos sem depender da intermediação de veículos de comunicação de massa e que, algumas vezes, conquistem o reconhecimento do público sem que haja necessidade de grandes investimentos. Anderson explica que:
“(...) estamos deixando de ser apenas consumidores passivos para passar a atuar como produtores ativos. (...) O fenômeno se manifesta por toda parte – a extensão em que os blogs amadores estão disputando a atenção do público com a grande mídia, em que as pequenas bandas estão lançando músicas sem selo de gravadoras e em que colegas consumidores dominam as avaliações on-line de produtos e serviços é como se a configuração básica da produção tivesse mudado de Conquiste o direito de fazê-lo para O que o está impedindo de fazer?” 90
Com a democratização das produções e da distribuição de conteúdos, tem-se o ciberespaço como um território livre para o aumento constante do número de criações advindas de consumidores/produtores. A distribuição na nova cadeia produtiva é isenta de limites físicos, como o das prateleiras do mercado varejo, e de limites que separam o que é e o que não é economicamente viável, como acontece nos negócios da indústria fonográfica. A internet torna acessível uma enorme quantidade de produções, das mais variadas origens, gêneros e estilos, fazendo do ciberespaço um ambiente infinitamente mais rico, em termos de variedades e alternativas, que os meios de comunicação de massa. As redes favorecem a multiplicação de mercados voltados para uma enorme quantidade de novos perfis de consumidores, o que contraria a política centralizadora da indústria cultural massiva dispersando a atenção dos públicos para ambientes situados fora do âmbito do mainstream. Como explica Anderson: 89
SANTAELLA,Lúcia. Culturas e Artes Do Pós-Humano. Da Cultura Das Mídias à Cibercultura,. São Paulo, 2004, p. 57. 90 ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, p. 61.
54
“Pela primeira vez na história, os hits e os nichos estão em igualdade de condições econômicas, ambos não passam de arquivos em banco de dados, ambos com iguais custos de carregamento e a mesma rentabilidade. De repente, a popularidade não mais detém o monopólio da lucratividade. (...) Hoje, mais de 99% dos CDs existentes no mercado não estão à venda no Wal-Mart. Dos mais de 200 mil filmes, programas de televisão, documentários e outros vídeos que foram lançados comercialmente, uma loja Blockbuster oferece apenas três mil. O mesmo se aplica a outros importantes varejistas e praticamente qualquer outro produto, desde livros até artefatos de cozinha. A grande maioria não está disponível nas lojas. Por necessidade, a economia do varejo tradicional, movida a hits, limita as escolhas.” 91
Os consumidores enxergam a rede como um meio favorável às novas experiências. Mesmo os adeptos às produções da grande indústria sentem necessidade de vez ou outra, explorarem novos territórios, tendo em vista o grande volume de produções com alta qualidade técnica, livres de limites físicos e econômicos (já que grande parte do acervo digital pode ser acessado gratuitamente). Pessoas acabam por se identificar com conteúdos que não se enquadram ao grupo dos produtos economicamente viáveis para a indústria cultural. Na visão de Anderson “as preferências de todas as pessoas em certos pontos se afastam da tendência dominante. Quanto mais exploramos as alternativas, mais somos atraídos pelas variantes.” 92
Se na década de 1950 as massas se concentravam exclusivamente nas produções provenientes da grande indústria, hoje se voltam também para uma enorme gama de novas possibilidades, que chamam a atenção dos públicos principalmente pelo grande volume de conteúdos disponíveis on-line capazes de atender as mais variadas preferências. As redes, de um lado, promovem a interação entre pequenos grupos de indivíduos com interesses comuns. De outro, possibilitam o surgimento de produtores de conteúdos que se adéquam ao gosto desses pequenos grupos de preferências específicas, o que fragmenta o mercado cultural em inúmeros segmentos. Anderson afirma que:
“(...) a economia do entretenimento digital será radicalmente diferente da que caracterizava o mercado de massa. Se a indústria do 91
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, p. 23-24. Idem, Ibidem, p. 17.
92
55
entretenimento do século XX baseava-se em hits, a do século XXI se concentrará com a mesma intensidade em nichos.” 93
As repentinas alterações nas relações de poder entre produtores e consumidores resultam em um ambiente obscuro para a grande indústria cultural que, cercada de incertezas, iniciam uma busca pela continuidade do monopólio das atenções, alternando seus investimentos entre várias vertentes do mercado cultural e, ao mesmo tempo, concentrando as produções. Empresas que antes só atuavam no ramo das produções e gravações de mídias musicais ou nas produções cinematográficas, agora relacionam suas marcas a muitos outros tipos de produtos da indústria cultural. Segundo Jenkins:
“(...) por um lado, novas tecnologias reduziram os custos de produção e distribuição, expandiram o raio de ação dos canais de distribuição disponíveis e permitiram aos consumidores arquivar e comentar conteúdos, apropriar-se deles e colocá-los de volta em circulação de novas e poderosas formas. Por outro lado, tem ocorrido uma alarmante concentração de propriedade dos meios de comunicação comerciais, com um pequeno punhado de conglomerados dominando todos os setores da indústria do entretenimento. Ninguém parece capaz de definir as duas transformações ao mesmo tempo, muito menos de mostrar como uma impacta a outra. Alguns temem que os meios de comunicação fujam ao controle, outros temem que sejam controlados demais. (...) A convergência, como podemos ver, é tanto um processo corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de consumidor, de baixo para cima.” 94
Reestruturadas as cadeias de produção e as técnicas de comunicação, toda a economia
mundial
sofre
transformações
irreversíveis.
Um
exemplo
está
na
descentralização das produções musicais. A indústria fonográfica, que garantia a maior parte de seu faturamento intermediando artistas aos seus respectivos públicos através da centralização das produções, da divulgação e venda de mídias físicas, vêem a desmaterialização de conteúdos midiáticos, a segmentação dos mercados e a dinâmica cooperativista das redes do século XXI desmantelando parte de seus negócios.
93
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, p. 15. JENKINS, Henry.Cultura Da Convergência. São Paulo, Aleph, 2008, p. 46.
94
56
2.3 – O mp3, as redes p2p e a crise das majors
No Brasil, a música digital foi inserida na cultura de massa na metade dos anos 90 a partir da substituição das mídias musicais analógicas pelas digitais. Este processo foi mais impulsionado pelo desejo de consumo de inovação do que pelas músicas propriamente ditas. A tecnologia da mídia, a princípio, passa a ter um valor agregado maior do que o seu próprio conteúdo. O CD entrou no mercado com altos preços, apesar de o vinil ser fabricado com matéria prima mais cara. Porém, a curiosidade e a necessidade de se obter tecnologia de ponta fazem com que o consumidor se comporte em prol da substituição das mídias, tratando de se atualizar substituindo os álbuns que já tinham, no formato analógico, pelas mídias digitais. Dias explica que:
“Nos primeiros doze meses em que as vendas de CDs superaram as de LPs, metade dos títulos em CD eram relançamentos de antigos sucessos. O consumidor começa a buscar no mercado títulos em CD do que já possuía em vinil, e essa procura permite à indústria desenvolver uma estratégia de vendas altamente lucrativa, sem arcar com custos de produção. (...) o advento do CD é um fenômeno inteiramente característico da indústria cultural. Tornado símbolo de distinção, ancorado por suas reais e efetivas qualidades, seu consumo é sinônimo de modernidade. O formato tornou-se mais importante que o conteúdo.” 95
Além de regravar digitalmente antigos álbuns, a indústria fonográfica interfere no valor agregado das obras lançando coletâneas que, apesar de já existirem na década de 1980 em formatos de reprodução analógicos, começam ser produzidas em maior quantidade, tendo em vista o baixo custo de produção e as facilidades de se gravar utilizando recursos informáticos e dados digitalizados. As coletâneas carregam músicas de diferentes álbuns em uma única mídia, geralmente os principais hits da carreira de um ou mais artistas. Consistem em compilados de obras incompletas; em conjuntos de fragmentos destacados das “histórias” contadas através dos álbuns.
Os CDs de coletânea perderam bastante em relação aos conteúdos gráficos, como encartes com letras de músicas, fotos e fichas técnicas, - que também fazem parte da
95
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 113.
57
concepção do produto – devido à necessidade que as gravadoras tinham de baratear o produto no varejo, aumentando ainda mais o raio de abrangência do CD e a sua participação no mercado. Segundo Dias:
“Além dos discos já lançados em vinil, o mercado foi inundado por coleções (como os grandes mestres da música), coletâneas (O melhor de...) ou lançamentos do tipo “dois em um” que apresenta em um CD dois discos de determinado intérprete. O ganho para o consumidor seria grande, não fosse o fato de o produto ser oferecido, na grande maioria das vezes, sem a capa e encartes originais ou informações complementares sobre as obras, desconfigurando-as.” 96
Assim como as mídias musicais, os reprodutores e gravadores de música obviamente também acompanharam as novas tendências tecnológicas. A informática dos anos 90 promoveu a concentração de diversos recursos no computador, que passou a processar um maior número de dados e a oferecer mais facilidades no que se refere à manipulação e edição de obras musicais. Além de apostar tudo no CD, grandes conglomerados do entretenimento passaram a investir em tecnologias de gravação digital para uso doméstico. Empresas como a Sony e a Philips, que fazem parte dos grupos empresariais das majors, lançaram CDs graváveis e regraváveis (CD-R e CD-RW, respectivamente), aparelhos reprodutores e gravadores de formatos digitais. Os CDs graváveis e os gravadores digitais permitiram que consumidores de música cogitassem sobre a possibilidade da formatação de suas próprias mídias musicais.
Já existiam mídias graváveis analogicamente, – como as fitas cassete e VHS – porém as digitais oferecem maior capacidade de armazenamento e possibilita uma gravação rápida e de alta qualidade, praticamente a mesma da mídia original. Sobre essa questão, considera-se que a indústria fonográfica contribuiu para o início da enorme crise que abalou a estrutura de seu próprio modelo de negócio. A indústria apostou alto na tecnologia digital sem prever as inovações acerca de armazenamento, compactação e transmissão de dados que estariam por vir a partir da web 2.0 e das redes sociais. Segundo Vicente:
96
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 112.
58
“(...) ao lançar o CD gravável, a Philips parece ter demonstrado a existência de um importante tensionamento nessa dinâmica de concentração hardware/software, já que naquele momento seus interesses como produtora de equipamentos pareciam caminhar num sentido oposto aos de sua gravadora. Tanto que, no ano seguinte, essa última acabou vendida, tornando-se a base da Universal Music.” 97
Como visto anteriormente, as inovações tecnológicas da era digital provêm não somente das produções de grandes corporações, mas também da inteligência coletiva, originada pela interconexão generalizada no ciberespaço. Pelo compartilhamento da informação entre indivíduos e comunidades. Assim como nos movimentos contraculturais da década de 70, na rede surgem comunidades organizadas em prol da descentralização dos poderes de grandes empresas e da democratização do acesso ao conhecimento. Com explica Jenkins:
“A inteligência coletiva refere-se a essa capacidade das comunidades virtuais de alavancar a expertise combinada de seus membros. (...) a organização de espectadores (...) permite-lhes exercer maior poder agregado em suas negociações com produtores de mídia. (...) a inteligência coletiva irá, gradualmente, alterar o modo como a cultura de massa opera.” 98
Da mesma forma que são desenvolvidos programas de proteção para os dados gravados nas mídias formatadas pela indústria - ou, de acordo com Castro, DRM (Digital Right Manegement) 99 -, usuários da internet e estudiosos das tecnologias digitais trocam informações na rede e desenvolvem maneiras de burlar esses dispositivos de segurança. Através da interconexão generalizada, tornam-se populares programas que libertam a música de sua formatação original. Santini explica que: “(...) alguém compra um CD e grava as músicas em seu computador (...) usando softwares disponíveis gratuitamente na
97
VICENTE, Eduardo. “A questão dos suportes na indústria musical: concentração, substituição, desmaterialização” Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/resumos/R43120-1.pdf - Acesso em: 14/04/2011. 16:15h 98 JENKINS, Henry.Cultura Da Convergência. São Paulo, Aleph, 2008, p. 56. 99 CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva. “Música, juventude e tecnologia: Novas práticas de consumo na cibercultura” Disponível em: http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf – Acesso em 03/04/2011. 16:15h
59
internet, como por exemplo o AudioCatalyst (...) e pode distribuí-las para milhares de pessoas que não pagarão para ouvi-las.” 100 A partir da extração da música de sua formatação original, estruturam-se organizações criminosas, atuantes principalmente em países periféricos - como o Brasil -, especializadas na produção e distribuição de pirataria digital, que inclui a reprodução e venda ilegal de CDs de instalação de softwares, de músicas e DVDs. Segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), em 2010:
“(...) o Brasil figura entre os países que mais praticam a pirataria no mundo (está na categoria daqueles países em que a atuação ilegal já domina mais do que 50% do mercado), o que tem levado diversas entidades a se empenharem em minimizar esse quadro.” 101
Além da pirataria de mídias físicas e graças ao aumento da capacidade de processamento dos computadores, surgem novos formatos de compactação de arquivos digitais que podem facilmente ser disseminados no ciberespaço. O CD de áudio formatado pela indústria fonográfica, por exemplo, armazena músicas no formato WAV. (wave). Com o passar do tempo foram surgindo formas de compactação de arquivos de áudio, dentre elas o mp3, principal formato capaz de reproduzir uma música bem fiel a da formatada em WAV, porém ocupando muito menos espaço no Hard Disk dos computadores e reduzindo drasticamente o tempo de processamento dos downloads e uploads na rede. Segundo Sterne: “Um mp3 interpreta a qualidade de CD existente num arquivo digital de áudio e remove o máximo possível de dados contidos, contando com os corpos e cérebros dos ouvintes para compensar a diferença (...) Em essência, o arquivo é desenvolvido para distinguir o que não se ouvirá mesmo e descartar os dados dessa porção do som.” 102
100
SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 83. HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 64. 102 STERNE, Jonathan. “O mp3 como um artefato cultural” In: SÁ, Simone Pereira (org.). Rumos da Cultura da Música: Negócios, estéticas, linguagens e audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 75. 101
60
Hoje, com a web 2.0, qualquer pessoa de qualquer parte do mundo pode distribuir obras musicais, mesmo que protegidas por direitos autorais, sem que haja (fora casos extremos) intervenção de órgãos fiscalizadores. Apesar dos Estados e corporações trabalharem em prol da segurança na internet utilizando tecnologias de criptografia e de rastreamento de endereços IP para a identificação e punição de infratores, a aceleração do desenvolvimento de novas tecnologias e a mobilidade cada vez maior dos aparelhos conectados à rede apontam para uma liberdade crescente no fluxo de informações do ciberespaço. Uma prova disso é o sistema de compartilhamento utilizado pelas redes P2P (peer to peer).
As redes P2P (Peer to Peer - em português, Par a Par) consistem em redes de compartilhamento de arquivos digitais, principalmente músicas no formato mp3. Este sistema possui uma dinâmica de funcionamento que dispensa a existência de emissores centrais. Ao fazer o download de um programa P2P, o internauta, além de exercer o papel de usuário, passa atuar como servidor de conteúdo. Quando realizada uma busca através do nome de uma música, por exemplo, o sistema rastreia outros usuários que tenham a música “baixada” em suas máquinas e extrai fragmentos dos arquivos de cada um – desde que estejam conectados à rede – até que a música seja disponibilizada na íntegra para download e armazenamento no hard disc do computador de quem a buscou. A partir daí, este usuário passa a exercer o mesmo papel de servidor (como os outros usuários que já possuíam a música em seus computadores), já que fragmentos de sua música poderão ser copiados por outros usuários. Santini explica a dinâmica do P2P:
“(...) quando procurada uma música (...), o PC utilizado busca o arquivo em outros micros que tenham o mesmo programa instalado. Caso encontre a música que se está buscando, o software faz o download diretamente do(s) outro(s) usuário(s). Quanto mais usuários conectados compartilhem o mesmo arquivo, mais veloz o download.” 103
A primeira rede de compartilhamento P2P foi o Napster, criada em 1999 por Shawn Fanning, jovem programador norte-americano. Em 2001 a RIAA (Recording 103
SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 83-84.
61
Association of America), representando as majors, aciona judicialmente Fanning por promover a violação dos direitos autorais de obras musicais, obrigando o desligamento dos servidores do Napster em 2002, quando o grupo “Roxio” comprou a empresa e passou a comercializar músicas legalmente. Segundo Castro, “No auge de sua popularidade, o Napster chegou a ultrapassar impressionantes 30 milhões de usuários simultaneamente conectados, trocando músicas on-line.” 104
Apesar da breve atuação do Napster no que se refere a compartilhamento livre e gratuito de arquivos digitais, muitas outras redes P2P surgiram posteriormente, como o AudioGalaxy, Limewire, Kazaa, Gnutella, Freenet, Shereaza, eDonkey, entre outras. Muitas delas, assim como o Napster, foram igualmente desligadas após determinações judiciais, porém outras, como o BitTorrent, continuam operando. Segundo De Castro:
“O MP3 (...) se tornou a partir da década de 90 um formato popular para se compartilhar áudio através da internet (...) Programas de compartilhamento de arquivos como o Napster e AudioGalaxy ajudaram a difundir ainda mais o formato. Apesar de ambos os softwares terem sido banidos pelas companhias do disco, outros tantos começaram a pulular pela rede em velocidade espantosa.” 105
As leis constitucionais dos países democráticos, que garantem (ou garantiam) os direitos de propriedade intelectual (ou direito autoral), foram construídas com base em uma territorialidade, em um espaço físico dividido por Estados, separados por fronteiras e com diferentes realidades políticas, econômicas e sociais (culturais). Esta é uma das contrariedades entre o mundo físico e a virtualização do real. Torna-se difícil a aplicação de leis vigentes no espaço desterritorializado. No ciberespaço os territórios não são divididos por fronteiras geográficas, mas por comunidades virtuais. Suas leis não provêm de um poder central, mas dos idealizadores das comunidades, que “decretam” leis próprias e condizentes com ideologias e interesses comuns. Como Santini explica que:
104
CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva. “Música, juventude e tecnologia: Novas práticas de consumo na cibercultura” Disponível em: http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf – Acesso em 03/04/2011. 11:40 h. 105 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 29.
62
“A internet modifica certos conceitos de propriedade intelectual – atingindo conceitos éticos e morais tradicionais e dando origem a uma nova cultura baseada na “liberdade de informação” – que por suas características eminentemente imateriais, vem sofrendo um grande desafio na rede. Isto faz com que muitos especialistas discutam a sobrevivência do copyright.” 106
Pode-se considerar que o Napster marca o início de um processo de popularização dos arquivos mp3, o que “acabou por impulsionar o mercado de hardware com o surgimento de tocadores portáteis de arquivos digitais”
107
, além de colocar em “xeque” o
modelo de negócio sustentado pela indústria fonográfica, baseado na intermediação entre artistas e ouvintes através da apropriação de direitos autorais e da divulgação e venda de músicas formatadas em mídias físicas. Na reconfiguração da cadeia produtiva inclui-se o declínio do valor de mercado dos CDs. Segundo De Castro:
“(...) a fonografia com fins majoritariamente comerciais é posta em xeque neste novo contexto. Se por um lado o registro fonográfico se percebe em fase de ascensão devido à acessibilidade dos meios técnicos de produção e divulgação, por outro decai seu valor de produto.” 108
O mp3 e as redes P2P desencadearam repentinamente alterações radicais no mercado da música.
No que se refere às novas formas de produção, destacam-se a
democratização na distribuição de músicas, o aumento crescente de obras disponíveis na rede e a entrada de empresas de diferentes setores no mercado musical. Quanto às novas formas de consumo, tem-se a democratização do acesso às obras musicais e as mudanças de hábitos dos consumidores de música, principalmente devido à multiplicação crescente de conteúdos sonoros disponíveis para download e à interconexão entre diversas redes de indivíduos que compartilham músicas e recomendam preferências. Castro afirma que:
“Rapidamente adotado por fãs de música em todo o mundo, o padrão MP3 foi também adotado por músicos desejosos de distribuir sua produção de maneira eficiente e barata, via Internet. Redes P2P (peer to peer, ou par a par) reunindo especialmente jovens internautas 106
SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 100-111. DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010, p. 29. 108 Idem, Ibidem p. 123. 107
63
interessados em música, fossem eles músicos ou fãs, rapidamente fizeram do ciberespaço um reservatório de música diversificada e, acima de tudo, gratuita. Acessar e copiar essa música (...) tornou-se um must no começo dos anos 2000.” 109
O mp3 alterou o papel dos CDs nas cadeias de produção musical. Se nos anos 90 os CDs originais eram mídias para as massas, hoje são para nichos específicos. Para grupos reduzidos de colecionadores, que ainda valorizam os encartes com letras e fichas técnicas. Ricardo Alpendri, proprietário de uma loja de CDs em São Paulo, explica que:
“Para a loja ser viável agente tem que focar no colecionador. A loja tem que ser especializada. Mesmo que ela não seja especializada em um tipo de música, em uma vertente musical, ela tem que ser especializada em música de qualidade, porque quem consome o CD hoje em dia, é um público de colecionador (...) realmente interessado.”110
Já os reprodutores de mp3 e as redes sociais se popularizam, favorecendo a multiplicação de alternativas de acesso à música, a diversificação de gêneros e a democratização do consumo e da distribuição de músicas. Júnior e Nogueira dizem que:
“Se por um lado, parece não existir mais lugar para o surgimento de ídolos com índices de vendagem como Madonna, Michael Jackson, e os Beatles, por outro, nota-se a massificação da utilização de novas ferramentas no universo musical, sejam os portáteis de música, a utilização de programas de download ou mesmo os ringtones. Em nossa visão não seria equitativo classificar como “popular massivo” somente relações com os conteúdos musicais que circulam no ambiente comunicacional mainstream, pois também é “popular massivo” o ato de trocar arquivos, comentar e a produção musical contemporânea.” 111
109
CASTRO, Gisela Grangeiro da Silva. “Música, juventude e tecnologia: Novas práticas de consumo na cibercultura” Disponível em: http://www.logos.uerj.br/PDFS/26/04_GISELA%20_CASTRO.pdf – Acesso em 03/04/2011. 16:30 h. 110 Entrevista concedida ao programa Olhar Digital. Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/produtos/central_de_videos/o-cd-morreu - Publicado em 11/11/2007 Acesso em 03/04/2011. 16:15 h. 111 JUNIOR, Jeder Janotti; NOGUEIRA, Bruno Pedrosa. “Um museu de grandes novidades: crítica e jornalismo musical em tempos de internet” In: SÁ, Simone Pereira (org.). Rumos da Cultura da Música: Negócios, estéticas, linguagens e audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 221.
64
Segundo a IFPI, “entre 2004 e 2009, o mercado internacional de fonogramas retraiu aproximadamente 30%”
112
, o que configura uma crise do mercado das mídias
físicas. Herschmann diz que “a crise está relacionada com o crescimento da competição entre produtos culturais, com as limitações dadas pelo poder aquisitivo das populações (principalmente em países periféricos, como o Brasil) e o crescimento da pirataria” 113.
Analisando a atual conjuntura do mercado musical, percebe-se certa contradição entre a crise da indústria fonográfica e a grande fertilidade musical encontrada tanto em ambientes virtuais (como as redes sociais), quanto em ambientes físicos (como nos festivais de música alternativa). Segundo Herschman:
“É possível afirmar que jamais na história da música se produziu tanto e com tanta liberdade (...). Se por um lado, constantemente nos deparamos com matérias jornalísticas que nos lembram que há uma crise, por outro, é possível constatar sem muito esforço que a música ao vivo e a gravada estão onipresentes no cotidiano da sociedade contemporânea.” 114
Portanto, a crise também está relacionada à insistência de gestores na manutenção de um modelo de negócio que vai de encontro à atual conjuntura econômica estritamente afetada pelas novas tecnologias da informação, caracterizada pela segmentação dos mercados e pelas alterações nos hábitos de consumo dos públicos. Segundo Santini:
“Apesar da visão das empresas de que a pirataria e os serviços de troca de música digital são os grandes culpados pela crise, as análises imparciais feitas até então mostram que eles só existem pelo fato do modelo não estar adequado ao mercado atual.” 115
A nova economia provoca a emergência da criação de novas formas de intermediação entre públicos e produções musicais. Para a criação desses novos modelos de produção é fundamental considerar as necessidades do consumidor do século XXI, a importância da segmentação, as novas dinâmicas de acesso à música (que circundam as 112
HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p.84. 113 Idem, Ibidem, p.84. 114 Idem, Ibidem, p. 61. 115 SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 142.
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experiências em rede) e a intensificação do papel da música nas relações sociais. Herschman afirma que:
“(...) mais do que nunca hoje os processos exitosos de distribuição, divulgação e comercialização de um repertório musical estão cada vez mais voltados para um mercado de nichos e exigem estratégias de grande complexidade.” 116
Em meio às transformações nas cadeias de produção, enquanto as grandes gravadoras continuam buscando soluções para reaver o êxito do antigo modelo centralizador e altamente lucrativo baseado na posse sobre os direitos de reprodução da música massiva e industrializada, empresas sintonizadas com a nova economia criam formas alternativas de mediação entre artistas e seus respectivos públicos. Um exemplo é o modelo de intermediação implantado pela “Trama” (maior gravadora independente do Brasil) que harmoniza a gestão de negócios com a liberdade de acesso e distribuição da música, respeitando as tendências à segmentação do mercado musical e a importância da participação dos públicos no sistema produtivo.
116
HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 61.
66
3- Trama: um novo modelo de produção independente A gravadora independente Trama foi fundada em 1998 por João Marcello Bôscoli (músico e produtor) em parceria com os irmãos Cláudio e André Szajman, presidentes do grupo empresarial Szajman. Segundo o site da gravadora, João, Cláudio e André queriam “uma companhia que revelasse novos talentos da música brasileira e que resgatasse a carreira de artistas deixados de lado pela mídia; que ocupasse o vácuo cultural e mercadológico negligenciado pelas majors”.
117
Foi nesta mesma época, do surgimento da gravadora Trama, que a indústria da música começava a sentir os primeiros reflexos das mudanças econômicas provenientes do desenvolvimento das novas tecnologias da informação e comunicação. Segundo Herschmann:
“(...) desde 1997, assistimos a um processo de transição da indústria da música mundial: presenciamos mudanças na cadeia produtiva e constatamos com perplexidade ao desaparecimento e, ao mesmo tempo, o surgimento de novas produções articuladas a este setor, o qual se constitui em certo sentido em uma espécie de “laboratório” para observar as transformações que já estão começando a afetar diferentes setores das indústrias culturais.” 118
A Trama iniciou sua história baseada no contexto das produções horizontais e cooperativistas dos anos 90, mantendo parceria com a “Distribuidora Independente”, que se encarregava em distribuir os CDs da gravadora no mercado varejo. Porém, o início da crise dos suportes físicos, em meados de 2000, fez com que esta parceria se tornasse cada vez menos produtiva, terminando com o fechamento da distribuidora em 2007. Chegaram a circular rumores de que a Trama também iria fechar. Porém, desde seu surgimento, Bôscoli e os irmãos Szajman geriram seus negócios de forma harmônica às transformações ocorridas no mercado musical a partir do início do processo de transição entre a era industrial e a era digital.
117
Disponível em: http://trama.uol.com.br/institucional.jsp - Acessado em15/05/2011 - 19:07h HERSCHMANN, Micael. “Crescimento dos festivais independentes no Brasil” In: SÁ, Simone Pereira (org). Rumos da Cultura da Música: Negócios, Estéticas e Audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010, p. 273 118
67
3.1 – Trama Virtual: uma comunidade de música na internet
Percebendo o rumo que o mercado fonográfico independente tomava, os gestores da Trama criaram um modelo produção que, aos poucos, foi se libertando do mercado sustentado pela produção e venda de mídias físicas, se adaptando à cultura das redes de tal forma, que conseguiram converter a liberdade proporcionada pela dinâmica de comunicação “oferecida” pela internet (principal causa da crise da indústria fonográfica), em principal aliada, especialmente a partir da criação do site Trama Virtual em 2003. Herschmann afirma que:
“Estas mudanças e continuidades na indústria da música lançam desafios, transformando o regime de acumulação especialmente da grande indústria e provocando a emergência de novas formas de organização da produção e do consumo: novos modelos de negócio.” 119
A partir do site, implantou-se na gravadora um modelo de arrecadação similar ao utilizado pelos meios de comunicação de massa que, como as emissoras de rádio e os canais de TV aberta, são sustentados pelas audiências e oferecem programação gratuita. O faturamento vem dos anunciantes, não do espectador. A partir de 2007 a gravadora passou a apostar todas as fichas nesse modelo, extinguindo definitivamente a distribuição de CDs de seu sistema produtivo. Segundo Levy:
“No ciberespaço, é ainda mais evidente que são os movimentos da nossa atenção que dirigem tudo. Nem temos mais necessidade de comprar para orientar a economia, é suficiente dirigir nossa atenção para esta ou aquela zona do espírito coletivo. No limite, cada instante de consciência pessoal contribui para dirigir o mercado do mundo.” 120
Primeiramente, vale destacar que a exclusão das mídias físicas livra a Trama de um problema crucial: a distribuição. As mídias musicais físicas exigem a existência de toda 119
HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 70. 120 LÉVY, Pierre. “O Ciberespaço e a Economia da Atenção” In: PARENTE, André (org.). Tramas Da Rede. Porto Alegre. Editora Sulina, 2004, p.182.
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uma estrutura logística altamente dispendiosa e pouco viável para empresas que visam difundir a diversidade musical para um público segmentado e reduzido. Se as grandes gravadoras podem realizar uma distribuição focada nas grandes lojas de departamento, vendendo em uma só remessa uma grande quantidade de mídias, as gravadoras independentes precisam se limitar a pontos de venda menores e muito menos movimentados. Com a crise dos suportes físicos de música, o problema de distribuição aumentou demasiadamente, tendo em vista a crescente redução nos lucros obtidos pelas majors nos últimos anos.
O site Trama Virtual já disponibiliza gratuitamente 117 álbuns completos de nomes como Ed Motta, Leci Brandão, Tom Zé, Cansei de Ser Sexy, entre muitos outros. Com as tecnologias de gravação digital e a desmaterialização da música, difundir a diversidade musical se tornou muito menos dispendioso e totalmente favorável à manutenção das atenções do público interessado em música alternativa. Mesmo com a saída de artistas do casting da gravadora, suas obras podem continuar disponíveis para download, o que significa um aumento progressivo do número de músicas do acervo, que pode ser acessado e “baixado” através do site. Para quem não quiser “baixar” um álbum completo, também existe a opção de selecionar os fonogramas que se pretende gravar.
Além de gratuitas, as músicas disponibilizadas no Trama virtual também não possuem nenhum tipo de tecnologia DRM que impeça a sua reprodução e disseminação, como mostra matéria publicada no site Olhar Digital:
“O conteúdo disponibilizado gratuitamente pelo Álbum Virtual Trama não possui proteção (DRM), assim você pode deixar no computador, copiar em CD, pen-drive ou em qualquer outra mídia que desejar. Além disso, o pacote para download traz uma série de facilidades para quem quiser, por exemplo, transferir os arquivos direto para o seu player de preferência.” 121
Também é importante destacar a compatibilidade entre a proposta de difundir o livre acesso à diversidade musical e as tendências de mercado da nova economia, que
121
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/produtos/central_de_videos/o-cd-morreu Publicado em11/11/2007 - 15:30h
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circundam as experiências em rede, a grande variedade de perfis de consumidores, o interesse das empresas em anunciar suas marcas em espaços segmentados, a maior valorização dos serviços sobre os produtos e a customização dos bens de consumo. Se as características da nova economia apresentam inúmeras problemáticas para a continuidade dos processos de produção unidirecionais e centralizadores, baseados na velha economia industrial, destacam a internet como um importante meio de intermediação entre a música segmentada e os públicos. Herschmann afirma que:
“Se por um lado, os elos das “cadeias produtivas” da música são ainda importantes para explicar em boa medida a dinâmica das majors; por outro lado as “cenas” ou “circuitos” parecem dar mais conta (...) dos novos negócios emergentes (que estabelecem relações mais fluidas entre os atores sociais).” 122
Mesmo não produzindo mais CDs, a Trama continua sendo uma gravadora com estrutura física comum a todas as outras. Possui estúdios, mesa de som e todo aparato técnico necessário em produções musicais. São os artistas contratados que geralmente fazem uso de sua estrutura, seja para a gravação dos chamados “Álbuns Virtuais” (as músicas são gravadas em estúdio e convertidas para mp3 e disponibilizadas no site, sem formatação física) ou para ensaios filmados e exibidos em streaming através do Trama Virtual. Passam pelo casting da Trama, tanto bandas e artistas convidados (conhecidos, porém afastados do mainstream, como Cláudio Zoli, Nação Zumbi e Ed Motta), como também artistas novatos, algumas vezes “pinçados” entre os milhares de músicos registrados na rede de relacionamento que o site abriga. Este é um dos grandes diferenciais da gravadora: a democratização do espaço virtual, compartilhado tanto por artistas contratados quanto por artistas desconhecidos e sem vínculo com a gravadora. A popularização das tecnologias digitais possibilita que uma enorme quantidade de músicos grave suas performances e disponibilize arquivos mp3 de suas obras na internet. Ainda 2007, mais de 45 mil bandas já disponibilizavam suas músicas no site da Trama. Segundo Dias:
122
HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010, p. 40.
70
“A (...) redução de custos de instalação e operação de um estúdio de gravação corresponde (...) uma significativa redução também dos preços de produção dos trabalhos. Sob esse aspecto, é inegável que hoje a produção em estúdio seja mais acessível do que em qualquer época e que, por isso, tenha havido realmente uma ampliação das possibilidades de produção dos seus trabalhos para os artistas independentes.” 123
Uma vez registrados no site, músicos podem organizar perfis próprios onde podem publicar informações sobre a carreira musical, agenda de shows, fotos e músicas no formato mp3 que, depois de inseridas na plataforma, ficam disponíveis gratuitamente para que os demais usuários façam download. Por ser uma rede social, esses perfis podem ainda se tornar comunidades formadas por usuários que se identificam com as obras de seus donos, possibilitando ainda a formação de verdadeiras legiões de fãs em torno dos perfis. Segundo Santini:
“(...) um número crescente de analistas e observadores da nova economia sublinha a importância das comunidades de usuários como chave de sucesso de produtos e tecnologias. (...) Comunidades supões o compartilhamento de uma cultura, de certas habilidades técnicas e comportamentos. São comunidades de conhecimento. O que está em jogo na decisão aos padrões de comportamento é o grau de interferência do usuário sobre o sistema pelo qual opta. Fazer a gestão desse conhecimento passa a ser a principal estratégia de marketing dos produtores de tecnologias de informação (...).” 124
Mesmo com a gratuidade, a Trama remunera esses artistas com 50 reais para cada 1000 downloads que forem realizados de suas músicas. Trata-se de um modelo inovador denominado “Download Remunerado”, no qual empresas patrocinadoras disponibilizam todos os meses determinada quantia destinada exclusivamente para a divisão entre os artistas. Em troca, têm suas marcas divulgadas no site e em outros canais pertencentes à gravadora, que serão explicados mais adiante. De acordo com o site Trama Virtual, o “Download Remunerado” funciona da seguinte forma:
123
DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008, p. 133. 124 SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006, p. 188.
71
“Empresas amigas da música independente apóiam a inciativa, cedendo uma verba mensal a ser dividida entre todos os downloads realizados durante o período; No início de cada mês, a TramaVirtual anuncia neste espaço o valor a ser dividido; Ao final do mês, anunciamos a quantidade de downloads realizados no período e o quanto os artistas receberão por download; A partir do momento em que o artista acumular R$50,00, ele pode resgatar seu dinheiro. Isso será feito através de depósito em conta corrente.”125
Para fazer o upload de suas músicas no site, os músicos precisam estar de acordo com um termo de responsabilidade e regras de utilização do download remunerado, que resguarda a gravadora de possíveis problemas relacionados aos direitos autorais, que podem ser reclamados por profissionais que estejam direta ou indiretamente envolvidos nas produções de tais obras. O texto do contrato é iniciado da seguinte forma:
“Ao clicar aqui ratifico e afirmo que na qualidade de titular do material (fonogramas) enviado para a AYN Participações ltda. (doravante denominada simplesmente Trama), visando sua distribuição eletrônica na internet, que todos os direitos autorais conexos inclusive, mas não limitado a fotógrafos, artistas gráficos, modelos, músicos, arranjadores, intérpretes, coordenadores, produtores musicais, produtores fonográficos, produtores audiovisuais, autores, diretores, editoras, etc, foram integralmente satisfeitos e autorizados, me responsabilizando de forma irrevogável e irretratável perante quaisquer reclamações de terceiros, ficando claro que não me utilizei de samples, remixes, versões, citações, cover e quaisquer fragmentos de fonogramas ou obras lítero-musicais de terceiros não autorizados e imagens não autorizadas.” 126
Levando em consideração, principalmente, o comprometimento com a música, profissionais da gravadora podem selecionar artistas dentre os usuários da rede social, convidando-os para gravar uma demo no estúdio da Trama. Dependendo da performance desses músicos, podem ser contratados para fazerem parte do casting da gravadora. Bôscoli explica:
125
Disponível em: http://tramavirtual.uol.com.br/download_remunerado/# - Acessado em 18/05/2011 – 18:05 h. 126 Idem
72
“Nosso departamento artístico faz a seleção, levando em conta o perfil de cada artista e até mesmo quantos shows ele faz por mês, que é um bom termômetro do seu envolvimento com seu próprio trabalho. Mas contamos com o destino também. Afinal, a banda tem que estar disponível. No caso do Supercordas, por exemplo, vimos que o grupo tinha shows marcados em São Paulo e aproveitamos para agendar uma gravação. Dessa forma, temos programação fechada até o final de Novembro.” 127
Este novo modelo de produção musical viabiliza o fator que mais caracteriza as produções como independentes: a emancipação da criatividade artística. Diferente do que acontece nas majors, onde produtores e diretores precisam minimizar ao máximo o risco de investir em artistas que não despertem o interesse do grande público, na Trama os artistas não precisam seguir determinações que influenciem na criação e execução das obras, pois não há riscos. Como explica Anderson:
“Os agregadores puramente digitais armazenam seus estoques em discos rígidos e os entregam por meio de canais de banda larga. O custo marginal de fabricação, estocagem e distribuição é quase zero (...). Como os bens são digitais, eles podem ser clonados e entregues tantas vezes forem necessárias, de zero a bilhões. Um livro da lista dos mais vendidos e um livro da lista de devoluções aos editores são apenas dois arquivos num banco de dados; iguais em termos de tecnologia e de economia de armazenamento.” 128
Ao invés de apropriar dos direitos autorais, fazendo dessa posse uma de suas principais fontes de capital, a gravadora Trama libera a fita máster das gravações para que os artistas possam utilizá-la da forma que quiserem. Isso comprova a falta de representatividade do valor de mercado do fonograma para o modelo de negócio instituído pela Trama. Como explica Andy, vocalista e guitarrista da banda “Supercordas”:
“Foi uma experiência muito boa para a gente (...) Não apenas pelo contrato com aquele estúdio, que é ótimo, mas também por sairmos de lá com o vídeo e o áudio da apresentação debaixo do braço. E o melhor: podendo usar esse material livremente, em qualquer outro
127
Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/11/29/tv-trama-exibe-cara-da-musicaindependente-com-transmissoes-diarias-de-shows-ensaios-923139204.asp - Acesso em: 21/03/2011 - 22:00 h 128 ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, p. 94.
73
lugar. Uma coisa assim é muito rara para qualquer banda, ainda mais para as mais novas.” 129
O Trama virtual não se limita à oferta de música gratuita e de rede social. Partindo da importância que a música tem no diálogo entre diversos campos midiáticos, o que serve como justificativa para a formação dos conglomerados multinacionais do entretenimento, a gravadora Trama funciona como estrutura central de um grupo de empresas próprias, responsáveis pela difusão da música independente através de diferentes ambientes, tanto virtuais quanto físicos.
O site utiliza a convergência das mídias para oferecer uma rede integrada de programações voltadas para a divulgação e difusão da música independente. Além da gravadora Trama e do Trama Virtual, também fazem parte deste grupo a Trama Filmes e a Trama eventos.
3.2 – Outros canais da Trama
A Trama filmes é uma produtora de conteúdos áudio-visuais. Produz toda a programação exibida pela TV Trama, disponível em tecnologia streaming tanto no site da gravadora quanto em seu canal disponível no youtube (maior rede de vídeos em streaming da internet). Os conteúdos dessa programação variam entre entrevistas com músicos e bandas independentes, ensaios no estúdio da Trama e reportagens sobre festivais e feiras de música alternativa.
A Trama filmes ainda possibilita a extensão do cenário musical independente para canais mais abrangentes. Produz o programa Radiola, que faz parte da grade de programação de um canal de TV a cabo (Multishow) e um canal de TV aberta (TV Cultura), apresentado pelo próprio João Marcelo Bôscoli.
129
Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/11/29/tv-trama-exibe-cara-da-musicaindependente-com-transmissoes-diarias-de-shows-ensaios-923139204.asp - Acesso em: 21/03/2011 - 22:00 h
74
Através da TV Trama, é possível acompanhar pela internet gravações e ensaios realizados no estúdio da gravadora. O público ainda pode interagir com a banda, pedir músicas e escolher de que ângulo prefere assistir as performances:
“Diariamente, de segunda a sexta-feira, entre 16h e 18h, uma banda, geralmente iniciante, se exibe dali para todos os interessados, a qualquer clique de distância. O público conectado com a TV Trama – cerca de 35 mil pessoas diariamente, segundo a gravadora – pode também enviar recados, comentar, pedir uma música e até mesmo escolher o seu ângulo preferido entre quatro câmeras disponíveis.” 130
O site Trama Virtual disponibiliza um acervo de diversos videocasts das bandas que passam pelo estúdio. Os “videocasts” 131são vídeos de apresentação das bandas e músicos. Através deles é possível conhecer sobre a história dos grupos musicais e as vertentes que influenciam suas obras. Assim como os ensaios, entrevistas e gravações transmitidos pela TV Trama, os videoscasts servem para estimular a experimentação, que pode passar pelo link dos sites das bandas (muitas vezes divulgados no Trama Virtual), pelo download do álbum virtual e, finalmente, pela agenda de shows, principal fonte de receita para os músicos do cenário alternativo atual.
Além de produzir os conteúdos transmitidos pela TV Trama, a Trama filmes também produz DVDs de shows dos artistas de seu casting. Embora os DVDs não representem uma parcela muito significativa na geração de receita, são comercializados no próprio site da gravadora. É importante destacar que, apesar de se tratar de uma mídia física, a venda de DVDs no mercado fonográfico massivo evitou que a crise fosse ainda maior. Assim como nos shows, o DVD também carrega, embora em menor grau, o valor da experiência de assistir as performances ao vivo. Além disso, podem servir de souvenir, como no caso de indivíduos que vão ao show e compram o DVD posteriormente buscando “reviver” a experiência presencial.
130
Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/11/29/tv-trama-exibe-cara-da-musicaindependente-com-transmissoes-diarias-de-shows-ensaios-923139204.asp - Acesso em: 21/03/2011 - 22:00 h 131
Disponível em: http://tramavirtual.uol.com.br/noticia/2011/03/videocasts-tramavirtual - Acesso em: 21/03/2011 - 22:20
75
Considerando à atual supervalorização das performances ao vivo, a gravadora também possui o seu braço responsável pela produção de shows dos artistas e pela presença da gravadora nos principais festivais de música independente do país, a Trama Eventos. É na presença dos públicos nesses shows e festivais que se encontra o auge de todo processo de construção de laços entre a música e os ouvintes, já que é um resultado posterior às experimentações proporcionadas por toda a rede de canais virtuais disponibilizados no Trama virtual e nos programas produzidos para a TV.
Em toda a rede de canais que a gravadora utiliza, é constante a presença das logomarcas dos patrocinadores, que geram a maior parte da receita da Trama. No site, são utilizados banners e links para o site dos patrocinadores. Nos shows e nas apresentações transmitidas pela TV Trama, são utilizados grandes banners impressos que forram o fundo dos palcos. Já patrocinaram as produções da Trama empresas como Volkswagen, Petrobrás e Jack Daniels.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos das mudanças provenientes das tecnologias da informação e comunicação ainda são recentes. Boa parte dos mercados ainda está passando por um processo de adaptação às transformações, inclusive o mercado musical. Desta forma, tornase difícil saber quando e como todos os modelos de produção musical estarão devidamente posicionados aos conformes da nova economia.
Também é importante destacar que o aumento progressivo de informações que circulam e se alternam entre os fluxos das redes e as mídias, torna complexa a manutenção de uma constância no grau de atualização sobre os assuntos aqui abordados, o que desperta a emergência da observação continuada e do surgimento progressivo de novas pesquisas.
Vale destacar que, apesar de a indústria fonográfica ter sido surpreendida repentinamente com as redes P2P e a febre do mp3, hoje seus gestores estão mais atentos e concentrados na manutenção do controle sobre as obras dos artistas de seus castings, desenvolvendo novas tecnologias de DRM e criando mídias físicas que dificultam a pirataria, como o Blu-ray que, apesar de não ser uma mídia de música, é uma prova de que novidades referentes a suportes físicos podem surgir.
Muitos países também têm buscado adaptar suas leis constitucionais à era das redes, aumentando a pressão sobre os provedores e mantendo um maior controle dos fluxos de informações que circulam na internet, o que pode interferir na continuidade do fácil acesso à diversidade que as redes P2P oferecem.
É importante observar que a indústria fonográfica continua (e provavelmente continuará) investindo na música voltada às massas, assim como a atenção dos grandes públicos continuam passando pelos artistas do mainstream, mesmo que de forma mais dispersa e menos concentrada. A diferença é que os conglomerados investem cada vez menos em suas gravadoras e cada vez mais na utilização alternada e diversificada de outros meios de divulgação e difusão.
77
Com a supervalorização das apresentações ao vivo nos últimos anos, por exemplo, houve um considerável aumento da participação da grande indústria na arrecadação de capital gerado por megashows e grandes festivais de música massiva, como a apresentação do U2, realizada recentemente em São Paulo e o próximo Rock in Rio, com ingressos esgotados após a formação de filas quilométricas em torno dos pontos de venda.
Porém, também é preciso destacar que grande parte dos artistas de sucesso internacional iniciou suas carreiras antes da crise dos suportes físicos, o que gera dúvidas relacionadas aos níveis de concentração de públicos que os shows de bandas das próximas gerações conseguirão atingir.
Também é curioso observar que se torna cada vez mais difícil distinguir quais são os artistas contratados por grandes gravadoras e quais são independentes. Isto ocorre devido às instabilidades geradas pelo período de transição, o que faz com que os artistas se movimentem com mais frequência em busca dos ambientes mais favoráveis ao alcance de suas pretensões. Não hesitam em experimentar novos meios, se alternando entre as diversas novas possibilidades de contato com os públicos.
Os meios de comunicação de massa também contribuem para as dificuldades de distinção entre os contratados por majors e independentes. Assim como as redes são compartilhadas entre as duas categorias, os meios de comunicação de massa têm cedido cada vez mais espaço para a música alternativa.
Entre as rupturas e continuidades, mesmo que a grande indústria permaneça na busca de novos meios para concentrar as atenções e mesmo com o desenvolvimento de novas tecnologias que inibam a reprodução ilegal de músicas, conclui-se que as transformações nas culturas são irreversíveis. Nenhuma produção seria capaz de alcançar os níveis de concentração dos públicos de Elvis Presley e Michael Jackson. Isto significaria simplesmente o retrocesso evolutivo das sociedades.
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BIBLIOGRAFIA
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Reflexões Sobre A Internet, Os Negócios E A Sociedade. Rio de Janeiro, Zahar, 2003 DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo, Boitempo Editorial, 2008 DE CASTRO, Igor Garcia. O Lado B: A Produção Fonográfica Independente Brasileira. São Paulo. Anna Blume, 2010 FILHO, Clóvis de Barros; CASTRO Gisela (org). Comunicação e Práticas de Consumo. São Paulo, Editora Saraiva, 2007 HERSCHMANN, Micael. Indústria da Música em Transição. São Paulo. Estação das Letras e Cores, 2010 JENKINS, Henry.Cultura Da Convergência. São Paulo, Aleph, 2008 LEMOS, André; CUNHA, Paulo (org). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre, Sulina, 2003 LÉVY, Pierre. Cibercultura, São Paulo, Editora 34, 2007 MORIN, Edgard. Cultura de Massas no Século XX. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2007. PARENTE. André (org.). Tramas Da Rede. Porto Alegre. Editora Sulina, 2004. PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é Contracultura? São Paulo, Brasiliense, 1992 SÁ, Simone Pereira (org.). Rumos da Cultura da Música: Negócios, estéticas, linguagens e audibilidades. Porto Alegre. Sulina, 2010. SANTAELLA,Lúcia. Culturas e Artes Do Pós-Humano. Da Cultura Das Mídias à Cibercultura. São Paulo, 2004. SANTINI, Rose Marie. Admirável Chip Novo. Rio de Janeiro. E-papers, 2006
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BIBLIOGRAFIA ON-LINE
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Anexos
E.M.I / Sex Pistols Há um estoque ilimitado Não há uma razão porque Eu digo a você que tudo era uma armação Eles apenas fizeram-no por causa da fama Quem? E.M.I E.M.I E.M.I Muitas pessoas tem o ??? Muitas pessoas nos suportam Uma quantia ilimitada Muitas saídas dentro e fora Quem?E.M.I E.M.I E.M.I E senhor e amigos são crucificados Um dia eles desejaram que nós tivessemos morrido Nós somos uma soma Nós não somos comandados por ninguém Nunca, sempre, sempre E vocês acharam que estavámos fingindo Que nós todos só queriamos dinheiro Vocês não acreditam que somos pra valer Ou vocês perderiam sua atração barata? Não julgue um livro pela capa A não ser que você cubra apenas outro E aceitação cega é um sinal de trouxas que ficam na linha Como a.... E.M.I E.M.I E.M.I Edição ilimitada Com um estoque limitado Esta foi a única razão Para nós todos termos de dizer adeus Há um estoque ilimitado (EMI) Não há uma razão porque (EMI) Eu digo a você que tudo era uma armação (EMI) Eles apenas fizeram-no por causa da fama (EMI) Eu não preciso de pressão Eu não posso esperar os trouxas sem valor (EMI) Oi, EMI Tchau, A & M
Fonte: http://letras.terra.com.br/sex-pistols/35860/traducao.html 81
http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/08/663783gravadora+trama+vai+disponibilizar+todo+o+acervo+de+graca+na+internet.html
27/08/2010 - 14h33 - Atualizado em 27/08/2010 - 14h33 Acesso em 28/04/2001 16:53 Gravadora Trama vai disponibilizar todo o acervo de graça na internet "Até o final do ano, todos os discos da gravadora serão disponibilizados para download no novo canal", declara João Marcello Bôscoli, presidente da gravadora Amanda Monteiro - Da Redação Multimídia
Incentivando o download de músicas pela internet como forma legítima de divulgação de artistas, João Marcello Bôscoli, presidente da Trama, investe em novos canais no site da gravadora para facilitar esse processo para o público. Precursora no Brasil no mercado de música digital, a Trama Virtual conta com mais de 80 mil artistas e 1 milhão de usuários cadastrados. Atualmente, 150 títulos da gravadora estão disponíveis no Álbum Virtual, uma ideia pioneira que possibilita ouvir e baixar discos inteiros de maneira legal e gratuita. Até o final do ano, todos os discos da gravadora serão disponibilizados para download no novo canal. Nesta entrevista, João Marcello Bôscoli fala sobre o sistema de download gratuito e o lançamento, no segundo semestre, da TV Trama, com sistema pay-per-view de transmissão paga de shows. Quais são as novidades da Trama na web? Nesse momento, a TV Trama está fazendo 2 horas de transmissões diárias ao vivo direto dos Estúdios da Trama (de segunda à sexta, das 16h às 18h). São 20 novos artistas por mês. Além disso, acabamos de lançar a nova versão da Trama Virtual que conta com mais de 80 mil artistas e um milhão de usuários cadastrados. Por que disponibilizar os álbuns na web? Como surgiu essa iniciativa? Para começar, a maioria absoluta de nosso conteúdo já estava disponível na web havia anos, independentemente de nossa publicação. Nossas obras nunca possuíram nenhum tipo de controle de cópias, portanto os fãs sempre puderam fazer suas trocas de arquivos livremente. O que nos fez publicar em nosso ambiente no formato Álbum Virtual foi o 82
desejo de facilitar a vida do público, oferecer segurança antivírus, alta qualidade sonora e ter uma experiência de navegação intuitiva e divertida. Com muito conteúdo artístico exclusivo. Como é a receptividade do público? Tem muito acesso? Como é uma experiência gratuita que não exclui as outras possibilidades (file sharing, torrent e etc.), vem sendo muito bem recebida. Tem acontecido uma grande divulgação de nosso acervo através do público. Como fica a questão dos direitos autorais? Todas as obras disponíveis são da Trama ou licenciadas, respeitando todos os contratos vigentes. Os artistas concordam? Mais do que concordam, os artistas esperam que suas obras estejam vivas na rede, ainda mais quando as vendas físicas só diminuem. Todos os álbuns produzidos pela Trama vão ser oferecidos de graça pela internet? Sim. O álbum virtual funciona como um formato digital que complementa a obra física. Um formato alimenta ao outro. As gravadoras estão em risco? As gravadoras, em seu formato clássico, já não existem há anos. Acabaram aquelas empresas que viviam essencialmente da venda de dois ou três formatos físicos. Qual a sua opinião sobre o fã que baixa música de forma ilegal do seu artista preferido? Encaramos esse hábito como algo legítimo e contemporâneo. Aliás, contamos com esses fãs para divulgar nossas músicas. A TV Trama na web terá programação fixa? Além de uma programação diária ao vivo, temos programas semanais da revista Rolling Stone, agenda diária com o site Catraca Livre e nosso acervo com centenas de vídeos. No segundo semestre lançaremos o sistema pay-per-view, com transmissão paga de shows pela web. Os ensaios ao vivo vão ficar disponíveis para serem vistos depois, a qualquer hora? Sim, esses vídeos compõem nosso acervo. Como se ganha dinheiro oferecendo conteúdo gratuito na internet? Assim como rádio e TV abertas, damos conteúdo de graça, geramos audiência e, através de patrocinadores, somos remunerados. Já se pensa em disponilizar álbuns para celular? No nosso aplicativo da Trama, que pode ser baixado gratuitamente na application store da Apple, alguns álbuns já estão disponíveis. Cada dia esse fluxo de lançamento vai aumentar. Quais são os projetos futuros? O Pay-per-view de shows ao vivo na TV Trama 83
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