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BOOK BY THE
Edições Especiais, lda
Rua das Pedreiras, 16-4º
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1400-271 Lisboa
T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt
Nota do editor
Este livro reúne as crónicas “Triagem”, da autora Ana Rita Cavaco, publicadas na revista Sábado, entre Janeiro de 2020 e Janeiro de 2023. Respeitou-se a decisão dos autores de optarem, ou não, pelo actual acordo ortográfico.
Um agradecimento ao Pedro Renca pela criatividade, da qual nasceu a ilustração da capa.
Prefácio
Crónicas de Ana Rita Cavaco…
11 Com chá e bolos...
13 E a inquietação?
15 Hora de Confiar
17 Primeiro a vitória, depois a revolução
19 A ver passar aviões
21 Os Homens também choram
25 Não se deixem distrair
27 Mal pagos, sim!
29 Tudo pelo Ar
31 Vacina, Amor e Democracia
33 Não vacinem chicos-espertos
35 Sinais de liderança
37 Alerta Global
39 É só bola
41 Uma Vacina, Dois Mundos
43 Ordens para Calar
45 Perigo Absoluto
47 Um Governo para o PS
49 As Escusas e a Gestão
51 A Estupidificação dos Cidadãos
53 O Silêncio Mata
57 A Democracia é uma chatice
59 É mesmo preciso “uma ajudinha”
61 Dado e desperdiçado
63 Tragam a Taça que importa
65 Goleados pela Roménia
67 Vamos terminar isto com dignidade!
69 Quem volta ao sítio onde não pode ser feliz?
71 No País dos pequenos poderes
73 Sonho de Natal
75 2023: uma certeza entre tantas dúvidas
77 Quando o adeus é uma forma de luta
79 Obrigada, Dra. Graça!
81 Professores de gente livre
LEONOR BELEZA
…com o olhar de:
HÊRNANI CARVALHO
MANUELA MOURA GUEDES
ANTÓNIO LACERDA SALES
JOSÉ EDUARDO MONIZ
CAMILO LOURENÇO
ANA PAULA MARTINS
ROSA VALENTE MATOS
NUNO FREITAS
RUI RIO
GRAÇA FREITAS
MIGUEL GOULÃO
CARLOS MOEDAS
MARIA DE BELÉM ROSEIRA
LUÍS GOMES
FRANCISCO GEORGE
JOSÉ MANUEL SILVA
LUÍS MARQUES MENDES
PEDRO SANTANA LOPES
ANTÓNIO GARCIA PEREIRA
JOSÉ EDUARDO MARTINS
ÓSCAR GASPAR
NUNO TIAGO PINTO
FILIPE MENDONÇA
PAULO DUARTE
VERA ARREIGOSO
ALEXANDRE FONSECA
MIGUEL RELVAS
ANDRÉ FIGUEIREDO
LUÍS BARREIRA
MARCO ANTÓNIO COSTA
JORGE MOREIRA DA SILVA
JOÃO ALMEIDA LOPES
MANUEL DELGADO
RUI PATRÍCIO
Aceitei escrever estas linhas em torno deste livro de Ana Rita Cavaco como uma homenagem aos enfermeiros e à sua Ordem, que eu vi nascer.
Os trinta e três textos que o livro contém foram publicados na “Sábado”. São textos fortes, intensamente políticos, que identificam a Autora, e que sucessivamente nos trazem de volta, quando os lemos agora, muito do dia a dia que vivemos nos últimos tempos.
Muitos temas de atualidade passam pela pena mordaz da Autora. Mas tudo gira em torno da política e da saúde – se é que esta última pode ser desligada daquela.
Será natural que a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros faça uso do seu talento de intervenção para exaltar e defender os seus representados. E eles, muito claramente, merecem-no.
Eu sou dos que julgam que o nosso sistema de saúde assenta nos enfermeiros de uma forma determinante, e de certa maneira algo desequilibrada.
Os enfermeiros não são apenas os que cuidam, entre a vida e a saúde, da prevenção ao remédio final – como tão bem os retrata Ana Rita Cavaco no texto em que relata as últimas palavras do Papa Bento XVI, ditas ao enfermeiro que o cuidava.
Também são, nunca percebi bem se por efeitos da sua formação se por menor presença dos outros, quem gere os meios e os espaços, quem guarda a “casa” e administra as suas componentes.
Julgo mesmo que vi, sob os meus olhos, essa responsabilidade formar-se e crescer, sem ter sido decidida ou determinada por ninguém. Como se, da responsabilidade base de cuidar das pessoas se desenvolvesse, e destacasse, a de velar pelos processos e pelos elementos.
Eu sei que os enfermeiros conquistaram o lugar que ocupam. E sei que, por muito que dependam também do que outros fazem, eles constituem um pilar indispensável do nosso sistema de cuidados. E sei, também, que temos sido incapazes de confiar-lhes um espaço ainda maior de responsabilidades no cuidado dos doentes, espaço que estão em condições de ocupar.
E não me conformo com a dificuldade de perdermos tantos enfermeiros que soubemos formar mas não conseguimos reter, quando tanto precisamos deles. Essa questão está neste livro colocada de forma bem dramática – e provavelmente realista.
Não é, no entanto, só dos enfermeiros que cuida a Autora. Nos textos que se seguem, muitos outros temas da saúde são aflorados e discutidos.
A abordagem desses temas é feita na perspetiva que é a sua – a da enfermeira orgulhosa da sua condição, que aos meus olhos enforma a sua maneira de ver a realidade e os acontecimentos.
E assim a saúde é abordada em contraposição ao resto – o que se dedica ao resto, o que se gasta no resto, não acomoda suficientemente nem favorece a saúde. A TAP, os bancos, e as suas necessidades vorazes, ou até o futebol, por exemplo. Provavelmente, muitos outros também verão as coisas assim. E a Covid, como tão bem resulta dos textos, devia ter-nos tornado bem mais sensíveis a estas escolhas.
A pandemia, aliás, como não podia deixar de ser, ocupa um espaço privilegiado. Pelas exigências dela decorrentes, pelo esforço gigantesco pedido aos profissionais de saúde, pelas peripécias das vacinas, pelos êxitos e pelas derrotas na mobilização que determinou. Em torno da pandemia giram dois dos textos mais interessantes: o elogio à dedicação solitária da Diretora-Geral Graça Freitas e o registo da emoção incontida do então Secretário de Estado, Lacerda Sales, no primeiro dia sem mortes.
Nada neste livro passa ao lado justamente das emoções. Expressamente invocadas, tratadas então como alavanca da atenção e da disponibilidade dos meios, ao lado e em conjunto com a empatia e a solidariedade, marcas da intervenção dos enfermeiros, são tratadas como indispensáveis em quem toma as decisões.
A intervenção política marca o que neste livro está escrito. A crítica a quem governa é contundente, seja na área da saúde, seja no contexto geral da administração, transmitindo uma opinião muito pessimista. É a saúde a perder em atenção no confronto com o resto, a “bola” a sugar todas as atenções, a resposta em palavras ou em meios que não chegam quando é preciso, ou o País a ser ultrapassado, a desperdiçar meios ou a desprezar quem mais precisa.
A Bastonária sai assim claramente da sua zona de conforto, e assume uma intervenção política que lhe é reconhecida, bem para além deste livro.
Ana Rita Cavaco não se limita para não incomodar, nem se sujeita à aceitação de modos conformistas. Concilia a sua inserção numa profissão tradicionalmente feminina com uma atuação desafiadora.
Não posso senão regozijar-me quando vejo mulheres mais jovens arriscar o conforto e a tranquilidade por uma intervenção na vida pública e política, e quando expressam de forma tão clara o seu inconformismo e o seu desejo de mudança.
Leonor Beleza
Ministra da Saúde (1985-1990), Presidente da Fundação Champalimaud, Conselheira de Estado
E os Enfermeiros?
Seja qual for a orientação ideológica que queiram outorgar ao Serviço Nacional de Saúde, com ou sem taxas moderadoras, com ou sem hospitais EPE, com ou sem operadores oriundos da economia social, não se falará da promoção e vigilância da saúde, da prevenção da doença, enfim, do tratamento de doentes, sem enfermeiros! Não há Cuidados Paliativos, Vacinação, Prevenção ou Natalidade, entre outros, sem enfermeiros. Quem cai na cama de um hospital percebe cedo que quem tira o número em que nos transformamos e nos devolve dignidade são os enfermeiros! Mas quanto a dignidade, direitos ou garantias de segurança no exercício de funções, os enfermeiros continuam a ser deixados para trás. Muitos fogem de agressões, do desinteresse político e da ausência de dignidade profissional. Fogem e voam para os braços de quem os reconhece e dignifica. Outros tantos ficam, mas a bem da Verdade, isto já não vai lá com palmas...
HÊRNANI CARVALHO Jornalista
A crescente onda de violência contra os profissionais de saúde é o sinal evidente de que temos um SNS cada vez mais doente. Os doentes procuram encontrar nos enfermeiros as respostas que deveriam ser dadas, de forma natural e inequívoca, por parte do sistema. A verdade é que as pessoas habituaram-se a ver nos profissionais de saúde os braços e o coração do SNS, sendo difícil distinguir, agora que as deficiências estruturais afectam cada vez mais as rotinas, onde acabam as competências dos enfermeiros e começa a inoperância do Serviço Nacional de Saúde.
Aos olhos dos doentes, são os profissionais que mantêm o SNS vivo. E são. Aos olhos de quem espera, e desespera, é aos enfermeiros que compete dar resposta para tanta coisa que não tem explicação. O problema é que à falta de enfermeiros, meios e organização do SNS, soma-se um enquadramento legislativo que não protege devidamente quem dá a cara por este pilar vital da vida das pessoas e, agora mais do que nunca, tem a sua integridade física em risco. Pode até ser com bolos que se enganam os tolos, mas não deixa de ser quase patético que o Governo acredite que é melhorando as condições das salas de espera que se resolve o problema das agressões contra os profissionais. Não deixa de ser paradigmático que os responsáveis do sector prefiram a maquilhagem ao tratamento. É a política do faz de conta. Faz de conta que se resolvem os problemas, criam-se grupos de trabalho, distribuem-se bolos, dá-se de beber um cházinho e, por milagre, passamos a ter doentes que não se importam de esperar oito horas numa sala de espera, ver os seus familiares amontoados em corredores, ou terem um hospital onde não há água quente. Para este Governo, o problema não é um SNS repleto de deficiências, mas sim a forma como os doentes olham para tais fragilidades. A verdade é que o Ministério da Saúde, depois de abandonar os doentes, parece agora apostado em deixar os profissionais cada vez mais sozinhos, entregues à sua sorte. E não estamos a falar de remuneração, ou motivação, mas de segurança, dignidade para poderem cumprir a sua missão.
Inquietação
Inquietação? Não chega. Indignação? Sim. Ficamos naturalmente inquietos perante o sofrimento. A não ser que sejamos patologicamente diferentes, a dor de alguém entra em nós mesmo sem querermos. E essa inquietação que sentimos, que é interior, só nossa, podemos silenciá-la e deixá-la quieta ou dar-lhe voz e deixá-la vir cá para fora à procura de outras inquietações com voz. Isto é indignação. É isto que mostra a força de um povo quando está farto de sofrimento, farto de esperar, quando exige mudanças. Portugal, quer na Saúde como na Educação, na Habitação… tem sido um país de múltiplas inquietações caladas, um país resignado a carregar um fado triste. Para mudar o andamento: Indignação, precisa-se!
MANUELA MOURA GUEDES
Jornalista
Enquanto o país debatia a eutanásia, Rogério morria à espera. Não foi uma morte escolhida, reflectida, reiterada. Foi uma partida inesperada, sem escolha, totalmente avessa à sua vontade. Rogério morreu no Hospital de Beja, enquanto esperava para ser atendido, com uma pulseira amarela presa ao pulso.
De Rogério ficou o silêncio, como se tivéssemos perdido a capacidade de nos inquietarmos. Uma espécie de inevitabilidade madrasta de quem, sem outra opção, fica sujeito ao abandono numa sala de espera, lá longe, no país onde se esquecem as pessoas e desprezam os contribuintes.
Vivemos presos à espuma dos dias, dos debates impostos pela agenda das redes sociais. Criamos clãs de revolta, vestimos a camisola, fingimos andar indignados, agitados, mas não nos inquietamos. Inquietar, como cantava José Mário Branco, é já não saber fazer as pazes. E há coisas com as quais não podemos fazer as pazes, enquanto decidirmos não abandonar o combate.
Depois de Rogério, outro português, de 65 anos, também morreu agarrado à esperança da espera na urgência do Hospital de Lamego. Dois casos em menos de um mês. Duas vidas, únicas e irrepetíveis, que nos fazem pensar sobre as prioridades do debate público sobre o sector da Saúde.
Há mortes evitáveis nos hospitais do SNS todos os dias e ninguém se inquieta. Enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde são brutalmente agredidos e ninguém se inquieta. Discutimos insultos no futebol e toda a classe política vem rasgar as vestes, mas pela vida de todos nós, silêncio. Ausência total de inquietação. Silêncio cúmplice de quem ignora este crescente egoísmo colectivo. Indiferença. Cada vez maior indiferença num mundo de gente descartável. E quando as luzes se apagarem, cantaremos em murmúrio: “Cá dentro inquietação, inquietação, só inquietação, inquietação”.
Um tempo para gritar e outro para confiar.
Foi este o paradigma de lealdade, frontalidade, responsabilidade e respeito mútuo, da minha relação institucional e pessoal com a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, nos últimos três anos. Tive oportunidade de estar na sua tomada de posse, enquanto governante na altura. Estávamos a 13/12/2019, numa sala repleta de enfermeiros entusiastas, onde nos confrontamos sobre se o copo estaria meio vazio ou meio cheio. A preocupação legítima versus a esperança necessária. Lembro-me de como terminei a minha intervenção, falando àqueles com quem sempre trabalhei: “É muito mais o que nos une, do que aquilo que nos separa”. Estávamos então a três meses do início da pandemia e nunca imaginei a força do prenúncio daquela frase. Há, de facto, um tempo para gritar e um tempo para confiar e nem todos têm capacidade para perceber os tempos para cada um deste tempo. Em março de 2020 iniciava-se um tempo de confiança mútua. Entre 2020 e 2021, foram introduzidos no Sistema mais 5000 enfermeiros, que reforçaram unidades de cuidados intensivos, serviços de urgência, unidades de testagem, centros de vacinação. Os enfermeiros nunca viraram as costas ao país, num empenho total, permanente e abnegado à causa pública. Há também o tempo de agradecer. De crises como estas, muitas vezes o que fica não é o que foi feito, mas a forma como o fizemos e como nos tratámos. Este é o tempo de lhe/s voltar a dizer obrigado!
Ant Nio Lacerda Sales
Secretário de Estado da Saúde (2019-2020), Secretário de Estado Adjunto e da Saúde (2020-2022), Deputado do Partido Socialista, Médico Ortopedista
Durante os últimos quatro anos fui intransigente na denúncia, na exigência e no confronto. Não me refugiei em silêncios cúmplices e repeti, vezes sem conta, que vivíamos tempos particularmente difíceis no Serviço Nacional de Saúde. Ninguém me pode acusar de ter varrido o lixo para debaixo do tapete. Foi público o meu confronto com a actual Ministra da Saúde. São notórias, e continuarão a ser, as nossas divergências. Discordamos no diagnóstico e na visão que temos para o futuro do sector.
A verdade é que a vida faz-se de tempos de combate e horas de trégua. A pandemia do Covid-19 não me faz esquecer as debilidades que denunciei. Sim, faltam enfermeiros no SNS. Sim, falta investimento, organização e motivação. É verdade que temos estruturas antigas e a precisar de urgente modernização. Não fizemos o suficiente nos últimos anos para cuidar do SNS, mas é ele que nos vai salvar. Serão os profissionais de saúde que ajudarão o país a sair desta situação complexa e ainda desconhecida em que o mundo mergulhou. Serão os nossos enfermeiros, médicos, técnicos e auxiliares. Serão os nossos hospitais.
É hora de confiar em quem cuida de nós. Temos dos melhores enfermeiros do mundo. Gente altamente capacitada, profissional, altruísta, apaixonada pelo que faz e pela noção de serviço público. Portugal sabe que pode confiar nos enfermeiros porque se recorda de quem nunca lhe falhou nos tempos difíceis. É hora de acreditar em quem sabe, respeitar todas as recomendações da DGS e manter a calma. Se há profissionais de saúde altamente treinados, habituados a trabalhar no limite, com meios escassos e em condições particularmente difíceis, esses profissionais são aqueles que todos os dias dão a cara pelo SNS.
Foi por um imperativo de consciência que nunca calei a minha revolta perante as fragilidades do sistema, mas quando me perguntam se o nosso SNS está preparado para lidar com esta pandemia, prefiro perguntar: Algum está? Não contem comigo para fazer política com a vida das pessoas. Há um tempo para gritar e outro para confiar. Quando tudo passar, contem comigo para voltar à denúncia e ao confronto. Até lá, peço-vos que confiem. Não há outra alternativa. Não há melhor vacina contra o medo.
“Vamos deixar de salvar bancos para salvar vidas.” É uma frase panfletária, mas que se ajusta às circunstâncias de um País cheio de remendos por todos os lados. Na Segurança, no Ensino, nos Transportes ou na Saúde, os portugueses vivem em permanente adiamento. Enchem-nos de promessas, insuflam-nos de esperança, mas invariavelmente mergulham-nos em frustração. É bom haver vozes que não tenham medo de sacudir uma sociedade acomodada, em especial, quem manda. Eleito ou não.
JOSÉ EDUARDO MONIZ
Director-Geral da TVI