Por Bons Maus Caminhos

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FÁTIMA POR

(BONS) MAUS CAMINHOS Carlos Matos,

2,3,4,5 e 6 de outubro de 2020 Peregrinar leva-nos a um lugar que nos chama, como a muitos outros antes de nós. Pode ser a Santiago, Guadalupe ou à Senhora da Saúde. Desta vez, foi a Fátima Mas, Peregrinar, não é apenas chegar a um destino. Mais que chegar, é ir pelos caminhos passando por eles e levando connosco algo. Contemplar e ver. Conhecer e conhecermo-nos. Ter dores, dúvidas, receios, alegrias e superação, respostas.

Neste percurso quisemos meter-nos conscientemente por (bons) maus caminhos. Afastados das estradas, mais suaves, mas falsamente cómodas e procurar nos terrenos ásperos, atalhos e os respetivos trabalhos. Experimentar neles a irregularidade das pedras do piso, tocar nos ramos, afastar arbustos, sentir os perfumes da natureza. Admirar marcas de atividades humanas, muitas delas desaparecidas. Encontrar e procurar pessoas.

Uma palavra especial aos Companheiros de peregrinação, José Manuel Boieiro e João Manuel Salvado. Verdadeiros parceiros de muitos bons momentos e alguns maus, superados com entreajuda, ajuda e presença. Também ao Miguel Matos, por ter descoberto num só dia, ser capaz. Aos Familiares e todos os Amigos que de uma maneira ou outra foram procurando saber de nós e nos tiveram em cuidados. Ao Carlos Filipe e ao Anselmo que nos proporcionaram um gesto de Pura Amizade em forma de um magnifico repasto a meio da etapa mais dura. Ao Ricardo que teve a amabilidade de nos trazer de regresso E, também ao Xquim Branco que sem ter podido ir, esteve sempre connosco.




Uma peregrinação começa sempre com a inevitável preparação. Para além de consultar os necessários mapas, agora com a comodidade digital, a preparação mais visível é o arrumo da mochila com as consequentes decisões e rejeições. O que levar? Que roupa? É suficiente? É adequada? Pesa Muito? Quantas peças? Todas as decisões, boas ou más refletem-se no peso que se leva às costas diariamente. Vamos caminhar em autonomia. O que precisamos vai connosco. O que não levamos temos de encontrar. Com tudo o necessário para 5 dias e com a intenção de se lavar a roupa ao fim do dia, depois de arrumada a mochila ficou com um peso simpático Nela, vai também um caderno em branco, preparado para recolher. O caderno, feito propositadamente para esta caminhada tem na sua capa uma interpretação pessoal de Corto Maltese. Corto Maltese, personagem criada por Hugo Pratt, é um espírito livre. Aventureiro, viajante, corajoso, que acredita fortemente na amizade e a pratica. Ninguém melhor que ele para, também, nos acompanhar



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PRIMEIRO DIA CASTELO BRANCO-SOBRAL FERNANDO 36 Km Saída cedo, de Castelo Branco, logo às 6 e 40. Com chuva, vento e frio que nos acompanhará o dia inteiro. A tempestade Alex, com o seu aviso laranja vem vindo contra nós. Ao longo do caminho vamos vendo a aproximação das suas sucessivas vagas. Umas acertam-nos em cheio, outras vão passando ao lado. Se não fossem as curtas mas empinadas subidas do caminho junto às estradas a23 e ip2 o percurso não teria mais dificuldades para além dos 34 km e o de ser a primeira etapa.

Também fica para a história do dia alguns atalhos e os consequentes trabalhos. Tivemos direito a três paragens. Nos Amarelos para um café e tigelada. Na Sarnadinha para almoçar (também para descansar as pernas pouco habituadas a tal andanças) e nas Portas de Almourão para o habitual desenho e lavagem de vistas naquela incrível paisagem. Todo o cansaço e desconforto que finda sempre nos momentos de chegada desapareceu, desta vez completamente, com o extraordinário acolhimento e hospitalidade que encontramos na Casa da Lena em Sobral Fernando. Ficam também registadas as notas da beleza e arrumo desta aldeia, das vistas para o vale do Ocresa, de três chás, do melhor vinho vendido nos arredores, do jantar que nos foi levado a casa e da fabulosa cesta que na mesa nos esperava para o pequeno almoço no dia seguinte. Não fosse o levantar a meio da noite, acordado pela chuva, para recolher a roupa que procurava secar depois da lavagem, tinha sido uma completa noite de descanso.







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SEGUNDO DIA SOBRAL FERNANDO-PROENÇA 26 Km Um dia que começa com um principesco pequeno almoço na Casa da Lena, mas principalmente marcado pela companhia do Miguel. A jornada foi de subidas e descidas pelo que resta do Pinhal Interior, uma paisagem enorme, áspera, como foram em tempos aqui os trabalhos. Perfumada pelos pinheiros, urze, esteva e orvalho. Uma combinação perfeita. Paragem técnica na Casa da Ti Augusta na aldeia de Figueira. Um sítio que sabe receber, com muita qualidade e simpatia. Cheio de vida e de gente que não vai ter apenas uma refeição, mas também uma lição de história e tradição. E alguns, maranhos para sobremesa. Ao fim do dia, uma acomodação que serviu para descansar o enorme cansaço já acumulado, e um jantar que salvou o alojamento





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Mais uma manifestação de amizade, com um magnifico pequeno almoço, que ontem nos vieram trazer. Como não podia deixar de ser, choveu PROENÇA-VILA DE REI ao sair de Proença, facto assinalado 30 Km com a Guardiã da Água de Yola Vale. Terreno muito irregular, subir e descer, subir e descer. Nos vales muitas estruturas agrícolas abandonadas. Algumas delas, ainda imponentes e que exigiram muito trabalho para as erguer, como alguns grossos muros, que seguram terras para lameiros e regulam as águas dos ribeiros. Abandono, despovoamento, desertificação verde. É a imagem deste dia. O que ainda não ardeu espera desordenadamente a sua vez A única arvore que aqui e ali ainda vai merecendo algum cuidado é a oliveira. Em Vila de Rei, depois de uma interminável subida aguardava-nos a também infindável avenida de laranjeiras.

TERCEIRO DIA

O Cobra renovou-se, e agora a sua qualidade e habitual simpatia permitiu um bom descanso e a recuperação necessária para a demolidora etapa de amanhã








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QUARTO DIA VILA DE REI-TOMAR 46 Km

O maior dia. Mesmo a saída mais cedo não lhe retira os infindáveis quilómetros. A noite foi bem dormida, confortável, mas com algumas incertezas e receios sobre o dia seguinte. A começar, uma paragem imposta num dos locais mais extraordinários do caminho: as cascatas do Escalvadouro. Dureza e beleza. Este dia fica marcado por opostos e contrastes. Paisagísticos e humanos. Do entusiasmo e boa disposição à tensão. Da fantástica e alegre prova de amizade que o Carlos e o Anselmo nos levaram a Ferreira do Zêzere em forma de almoço, ao desespero do cansaço do final da etapa em que os quilómetros não acabam e o caminhar é tudo menos simpático. Na parte final da etapa a paisagem tam-

bém muda radicalmente. A natureza, enorme dá lugar à incaracterística pressão urbanística, ao alcatrão e trânsito. As simpáticas aldeias encaixadas nas encostas das serras dão lugar a ruas intermináveis. Chegou-se tarde e esgotados. Mais uma vez a chegada a Tomar não deixa saudades. O Hostel 2030, muito acolhedor. Jantar, em chinelos, para cumprir calendário. No fim tudo se resumiu a um bom descanso. .








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QUINTO DIA TOMAR-FÁTIMA 30 Km

Peregrinar é ter dores, dúvidas, receios, alegrias e superação. Esta etapa, permite fazer as pazes com a paisagem. O terreno é verdadeiramente de bons, maus caminhos, mas paga-se um elevado custo em cansaço em troca da beleza. Quilómetros de Rolling Stones; Pedras Rolantes. Tudo isso é sintetizado na subida tibetana de Fungalvaz. Pedras, desníveis, rochas, calhaus, mato, veredas estreitas. Descidas subidas, numa paisagem soberba. Ao longe, sempre presente, o castelo de Ourém acompanha-nos e lembra-nos que estamos a chegar ao fim. Do caminho e das forças. Finalmente Fátima e o prazer ritualista de acender uma vela por aquilo que desejamos







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