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As dinâmicas das subopressões
dossier feminismos e emancipação AS DINÂMICAS DAS SUBOPRESSÕES 1
Joice Berth Arquiteta e escritora. Ministrou a aula “Subalternidade e luta de classes: uma perspectiva a partir do feminismo negro” no mini-curso “Feminismos e Emancipação: as lutas das mulheres em perspectiva” organizado pela SESUNILA em 2019.
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Falo de milhões de homens em quem deliberadamente inculcaram o medo, o complexo de inferioridade, o tremor, a prostração, o desespero, o servilismo. — Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo
Oargumento que sempre salta nas discussões sobre machismo e racismo é: Negros são racistas entre eles mesmos. Mulheres são mais machistas que os homens. Estamos em um período da história onde a impaciência em se debruçar com mais critério sobre os assuntos mais complexos e se aprofundar antes de emitir opiniões ou formar argumentos, acaba por gerar conflitos e entendimentos duvidosos e incompletos, que impossibilitam a coerência em assuntos onde ela é fundamental e abre as portas para as manipulações lamentáveis que se consolidaram como modus operandi de nossos meios de comunicação.
1 Adaptado de publicação anterior no portal Justificando..
Devemos considerar que essas afirmações, na verdade derivam de percepções que acabam por se apresentar nas nossas (com)vivências cotidianas, embora tenha uma linha de pensamento técnico e teórico que a princípio desmente essas conclusões. Elas definitivamente não estão certas. Mas também estão longe de serem erradas. Oprimidos também oprimem. Mas é inegável que quando uma pessoa diz isso está no mínimo mal intencionada. Um erro não justifica outro, ainda que isso fosse uma verdade absoluta não poderia jamais ser usada como álibi para machistas e racistas. Por definição prática e sucinta, racismo é o conjunto de práticas sociopolíticas e culturais que visam manter a supremacia de uma raça em detrimento de outra. Sendo assim, no sistema racista temos alguma raça que explora e outra que é explorada e uma gama de atitudes e comportamentos que possibilitam essa dinâmica. Tivemos quase quatro séculos de escravização de pessoas negras e um pós-abolição bastante desonesto. Logo, racismo é essencialmente dirigido ao negro (e ao indígena também historicamente explorado e extorquido dentro de seu próprio território de origem). O machismo é em teoria, muito parecido com o racismo só que aplica-se a supremacia no assunto gênero, tendo o homem a garantia de todos os benefícios e segurança que o mundo pode proporcionar em detrimento da mulher. A exploração por motivação de gênero se dá por outros meios, equivalentes, porém diferentes do racismo, mas tão eficazes na alienação e subjugo de indivíduos de outras representações de gênero.
Chamamos de opressão pois, uma vez estabelecidos, esses mecanismos segregam, excluem, limitam, humilham, corrompem, cerceiam a permanência das pessoas que não estão em situação de domínio e não permitem que esses atuem nas decisões e articulações que influem nos rumos de nossa sociedade. Em ambos sistemas de opressão dessa natureza encontramos a possibilidade de estabelecer uma hierarquia social entre pessoas, sendo que no sistema machista ser um homem negro possibilita alguma vantagem com relação a mulher de qualquer etnia, sobretudo quando aliado a ascensão social se elevando a classes mais altas. Por sua vez, no sistema racista, ser uma mulher branca, principalmente de classes mais altas estabelece privilégios que a distanciam de mulheres de outras etnias e na maioria das vezes, do próprio homem negro. Reparem que assim se desenha uma base na pirâmide social, onde encontramos mulheres negras e outros componentes sociais como indígenas, transexuais (homens e mulheres) por exemplo. Um homem negro que corrobora com a condição de preterimento da mulher negra e se une a uma mulher branca está sendo opressor com ambas, pois objetifica a mulher branca tratando como status e rejeita a mulher de sua raça em uma atitude clara de racismo internalizado (auto ódio velado). Ao passo em que uma mulher branca oprime uma mulher negra em diversas situações, envolvendo classe ou não, como no ambiente de trabalho por exemplo mantendo as escolhas focadas na “boa aparência” ou explorando a empregada doméstica ao delegar múltiplas funções independente da remuneração paga.
As duas opressões, racismo e machismo, são estruturantes sociais. São elas que delimitam o lugar social, as oportunidades de ascensão, a valorização de pessoas e traça os caminhos que a sociedade segue e ainda constitui as bases institucionais, sendo observado sem muito esforço os seus mecanismos de atuação nos meios de comunicação, dentro das famílias, no mercado de trabalho, na política, nos hospitais, nas artes, etc. Nesse aspecto, todos os grupos oprimidos estão em desvantagem. Mas, como essas estruturas estão naturalizadas e perpetuadas pela atuação brilhante dos mecanismos de manipulação, muitas pessoas que pertencem a esses grupos acabam por internalizar os conceitos negativos acerca de si mesmo. De mesmo modo em que muitas vezes a classe trabalhadora apoia medidas e políticas que a prejudica. É como se desenvolvessem uma espécie de repulsa a tudo que possa lembrar quem realmente são. E agem da mesma maneira que os grupos sociais dominantes agem com pessoas que passam pelas mesmas situações de opressão que ela. Elas se acostumam com o lugar de inferioridade e seu subconsciente passa a ser conduzido por uma distorção sobre quem ela é e que papel e lugar social lhe foi imposto. E a maneira mais espontânea de se expressar isso é a rejeição a tudo que remete a imagem negativa que a pessoa tem si mesmo e a maneira (quase sempre) agressiva com que se opõe a tudo que possa lembrar de sua identificação com aquele grupo e com aquelas vivencias. Com o tempo, acabam por esquecer completamente seu lugar social e quanto mais almejam se distanciar de suas próprias realidades, mas agressivos e descaracterizados ficam.
As subopressões não são estruturantes sociais, uma vez que seus atores não possuem poder político que os beneficiem plenamente. Entretanto, elas são um facilitador e servem a manutenção das opressões estruturais ao se abster das posturas de combate aos efeitos nocivos e reforçarem os sistemas machistas e racistas fornecendo um poderoso escudo: a culpabilização do oprimido. Há poucos anos tivemos um texto publicado na Folha de São Paulo, na coluna “Agora que são elas”, um bom exemplo disso, pelos escritos equivocados de uma atriz global de grande projeção. Ela afirmou categoricamente que o machismo não a incomoda, chamou feministas de vitimistas e elogiou o comportamento opressor de algumas figuras masculinas que fizeram parte de sua vida, definindo as respectivas atitudes machistas como charme (“charmosos até nos preconceitos”). O mesmo se observa na postura alienada de mulheres brancas, feministas ou não, que fecham os olhos para os problemas enfrentados por mulheres não brancas e/ou de classe social inferior à sua, como as patroas que defendem o trabalho doméstico ignorando a impossibilidade de suas empregadas de ter acesso as escolhas que ela teve. Evidentemente, nenhuma mulher é obrigada a abraçar a causa feminista. Mas também não tem porque demonstrar uma oposição tão incisiva a quem se posiciona como feminista. Qual seria o motivo da repulsa cega e sem o menor embasamento lógico que justifique essa atitude? Por que mulheres não feministas em geral se sentem tão incomodadas com mulheres que lutam por assuntos que atingem a todas? O mesmo se dá quando encontramos uma pessoa negra,
que assim como um dos nossos grandes talentos do futebol, se declara como “moreninho” por ser um negro de pele mais clara e demonstra, como muitos outros homens negros, uma aversão a relacionamentos com mulheres de sua própria raça, deixando nítido uma repulsa por si mesmo e por tudo que o lembre de sua negritude. Mulheres como a atriz que escreveu esses equívocos (e que se desculpou depois) e pessoas negras de pele mais clara (e até mesmo muitos de pele escura como Pelé, por exemplo) nos levam a estabelecer uma divisão importante resultante da internalização do machismo e racismo que podemos denominar de sub-opressões. Elas derivam de opressões históricas e estruturantes da nossa formação social, como uma espécie de efeito colateral, porque estão internalizadas, ou seja, a mulher crê que o machismo não existe ou não a prejudica ao passo que o negro acha que racismo é algo que não existe ou que não lhe atinge e ao mesmo tempo, reproduz essas opressões com seus semelhantes. Isso ocorre principalmente quando essas pessoas estão em vantagem econômica e/ou destaque social, não apresentando as mesmas vivências e as mesmas relações cotidianas que outras pessoas que também se encaixam nos grupos oprimidos. E não para na simples negação dos problemas a que estão sujeitos, vai além, porque os transforma em reprodutores dessas opressões e de seus mecanismos de exclusão e segregação social, facilitadas pela posição socioeconômica mais confortável. Ou seja, quanto mais alta a classe social a que ascendem, maior a execução desses mecanismos para com os seus correspondentes na pirâmide social.
Mas essa vantagem em algum momento não será suficiente para livrá-los dos inconvenientes de pertencer ao grupo dos oprimidos. Uma mulher rica, ainda é subjugada pela supremacia masculina. Uma grande atriz tem uma significância profissional claramente inferior a um grande ator. Na cerimônia de entrega do Oscar, em 2015, atrizes denunciaram publicamente o quanto a indústria hollywoodiana é machista, limitando a atuação e a remuneração de mulheres. Nunca houve uma mulher cineasta ou atriz com o mesmo prestígio e destaque que cineastas e atores homens. Até nas entrevistas, as perguntas dirigidas as atrizes são fúteis e demonstram um desinteresse e até desrespeito pelo trabalho que elas produzem. Isso é machismo. Esse mesmo brilhante jogador “moreninho” teve seu pai barrado em um hotel de luxo, sem explicação satisfatória, segundo foi noticiado em alguns jornais escritos. Negros conscientes sabem os motivos. Muitos outros dos nossos jogadores e outros negros de destaque, apesar da fama e prestígio que alcançaram em suas admiráveis carreiras, são alvos constantes de ofensas e xingamentos de cunho racista, dentro e fora de seu ambiente de trabalho, não importa quão ricos sejam. Mas essas pessoas, embora vítimas dos efeitos da estrutura que oprime por raça e gênero (mas não só), não oprimem quando reproduzem com seus funcionários as mesmas atitudes, como no caso da atriz que tem uma doméstica “mulata” que ela carinhosamente chama de mãe social, ou quando esses jogadores “moreninhos” humilham e segregam mulheres de sua própria raça em detrimento
de brancas preferencialmente loiras? Claro que sim. Cabe salientar que quanto maior o auto ódio internalizado da sua raça e/ou gênero, mais veemente será a reprodução do comportamento opressor. Essas opressões acontecem com frequência. Mas elas não estruturam a sociedade, porque vem de pessoas que sendo parte do grupo oprimido não tem poder político para ter isenção das manifestações racistas ou machistas que reproduzem. Por isso são sub, porque estão abaixo, sem poder estruturante, embora sirvam de braço forte fundamental que ampara e consolida essas estruturas. Em geral, as classes sociais são um bom parâmetro para definir o potencial de sub-opressão, pois, quanto maior o poder socioeconômico, mais estarão preservados de muitos dos problemas causados pelo machismo e/ou racismo. Mulheres brancas ricas, estão muito distantes da realidade de mulheres negras ou pobres, portanto, o assédio é muito diferente e o acesso a informação aliado ao poder de compra do conhecimento irá preservá-la, na maioria das vezes, dos perigos de andar pelas ruas com roupas curtas, da violência doméstica em determinado nível, da permanência dentro de relacionamentos abusivos, possibilitam tratamento para o emocional abalado pela exposição a alguma violência psicológica, entre outros inúmeros privilégios. Mas no seu nicho social o machismo estará presente também. Ser rica e famosa não livrou Luana Piovani de ser agredida pelo seu ex-namorado. Daniela Perez foi vítima de feminicídio mesmo sendo filha de influente personalidade global e ela própria uma das estrelas em ascensão da emissora.
A classe social e poder financeiro atenuam as manifestações de racismo e machismo em um determinado meio de convivência, porém não as anula totalmente. Daí, muitas vezes feministas acham que devem sororidade com mulheres que reproduzem comportamento e ideias machistas, ignorando o fato de que podem estar diante de sub opressoras, que em seu reduto social causam estragos legítimos, apoiando abusos e cerceando a autonomia de outras mulheres, quando muito atuando conscientemente na perpetuação da condição de subalternidade de mulheres de classes sociais inferiores, agindo como verdadeiras sinhás contemporâneas de atuação aparentemente passiva, como o faz Dona Bárbara, a patroa do filme ‘Que horas ela volta’, sem empatia para com a condição de mulher pobre e não branca, alvos certeiros dos efeitos do machismo que atua livremente na camada social a que essas mulheres pertencem. E o que dizer de um certo militante neoliberal do principal partido direitista da política nacional, que desmerece por completo todas as conquistas do Movimento Negro, persegue ativistas negros de outras vertentes políticas e insulta negros cotistas, servindo com frequência ao deboche velado de brancos que o usam de escudo para reafirmar suas opiniões racistas, com a desculpa de que ele seria um negro não vitimista? Causa igualmente repulsa e compaixão, estranhamento e deboche, mas devemos ter o entendimento de que são produtos de um sistema muito bem articulado que necessita de oprimidos cordatos que possam contribuir para naturalização de suas ideias criminosas.
Me gritaron negra, 1978. Poeta Victoria Santa Cruz.
São mentes colonizadas por ideias e ideais racistas e machistas, seriamente comprometidas e demandam muita paciência e tato para que acordem para a realidade que os cercam e enxergam seu lugar de oprimido. E são também, um dos maiores obstáculos para a eficiência das lutas sociais, pois, com frequência servem de álibi para machistas e racistas mal intencionados e que dificilmente irão mudar de postura, atuando firmemente como mantedores das estruturas que também os vitimam, às vezes de forma fatal.
A PARIDADE DE GÊNERO NA CONSTRUÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA SOCIALISTA
Qelli Rocha - ADUFMAT Assistente social, doutoranda em Política Social. 1ª vice-presidenta do Andes-SN.
indiscutivelmente, o estudo aprofundado da categoria gênero tem se tornado indispensável não apenas para a compreensão imediata da realidade concreta, como também do conjunto de determinações que incidem sobre a dinâmica de funcionamento da sociedade em que vivemos. No entanto, os estudos sobre gênero datam de um período recente da história, desde o início da década de 1960. Essa categoria possibilita a compreensão das origens de identidade de homens e mulheres e, segundo cientista política Cristina Buarque, há uma a dicotomia existente entre o sexo (relacionado ao corpo biológico) e gênero (relacionado à cultura, às formas de ser), portanto, trazendo elementos importantes para uma discussão atual sobre as manifestações da exploração, expropriação e opressão capitalista sobretudo, sua incidência sobre as mulheres.
Desta forma, pensar os campos de atuação e a ocupação das mulheres e dos homens na sociedade capitalista, é pensar a construção social das identidades destes sujeitos. Além disso, é também evidenciar como nos processos de exploração instaurados pelo modo de produção capitalista, às mulheres foram e ainda hoje são atribuídos papeis reservados à esfera privada, enquanto historicamente aos homens os espaços públicos. Dentro desse sistema que explora a força do trabalho feminino existe “a divisão sexual do trabalho que resulta de um sistema patriarcal/capitalista que por meio da hierarquização entre os sexos, confere às mulheres salários baixos e as submetem aos trabalhos mais precarizados e desvalorizados”, como aponta Mirla Cisne em seu livro “Gênero, divisão sexual do trabalho e serviço social”. Cabe salientar que, não foi a sociedade capitalista que criou o sistema patriarcal, mas fora esta que ao lançar mão sobre aquela simbioticamente articulou os dois sistemas (patriarcal-capitalista) de forma consubstancial, inscrevendo materialmente a primeira divisão do trabalho, que forjou as bases e a gênese para que, como afirmou Engels, o primeiro antagonismo de classe na história coincidisse com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia e a primeira opressão de classe coincidisse com a opressão do sexo feminino pelo sexo masculino. Assim, sequestrada em sua condição de “procriadora” a mulher foi rebaixada, reduzida e circunscrita à natureza fisiológica de reprodutora biológica, ao mesmo tempo, tendo nesta condição, dualizada sua identidade, ou seja, ora sendo sacralizada, ora sendo coisificada. A apropriação
capitalista desta condição fisiológica, reduzida ao campo da natureza, impôs a mulher à condição inata de cuidadora, neste sentido, passamos muito tempo sozinhas, responsáveis pelo cuidado com as crianças, mais velhos e incapazes. Refletindo numa sociabilidade ceifada, incompleta e incapacitante, na medida em que outros múltiplos aspectos de nossa vida foram irrestritamente negados, amputados, negligenciados, quando não efetivamente proibidos.
Ora, se todas as tarefas por nós assumidas, foram escamoteadas a uma natureza, antinatural, porque totalmente desenvolvida socialmente, a quem serviu e a quem serve nossa amputação? Os donos dos meios de produção- brancosheterossexuais - imperialistas, são eles, pois, quem lucram com o trabalho de cuidado atribuído às mulheres. Marina Machado Gouveia, membra do grupo de trabalho crise e economia mundial do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais – CLASCO, aponta que a subtração dos trabalhos domésticos e relacionados aos cuidados executados por mulheres, contribui para nossa exploração e possibilita os baixos salários de toda a classe trabalhadora. Segundo ela, ao não se contabilizar o dispêndio de tempo destinado aos trabalhos domésticos, o valor pago ao salário em sua modalidade mínima, para recomposição da força de trabalho e reprodução das vidas dos trabalhadores/as, expressa-se num duplo movimento de desvalorização deste trabalho. Primeiro porque não é visto como trabalho, segundo que por assim ser visto, não lhe é atribuído um valor, exemplo evidente é dificuldade ainda hoje de regulamentação no Brasil do trabalho domésticos.
Mas o que a paridade de gênero tem a ver com isto? Tem a ver, que o impacto da simbiose, patriarcado/ capitalismo sobre a vida das mulheres não múltiplos, embora nem todas as mulheres os sintam da mesma forma, o pertencimento à classe social, ao grupo étnico, racial e de orientação sexual não heteronormativa, reproduz essas opressões de formas particulares. Por serem concretas, as relações sociais patriarcais de gênero, raça e sexualidade manifestam as contradições do sistema de exploração que é universal de forma acentuada sobre estes sujeitos sociais, seja na apropriação privada de seus corpos, na objetificação, ou mercantilização de suas vidas. Por estar baseada numa série de valores sociais, morais e políticos, o capitalismo consegue agir sob a consciência dos sujeitos sociais, de modo “autônomo”, fazendo-os crer que suas ideias individuais correspondam à soma das partes, ou seja, que a cidadania advinda das revoluções burguesas, personifica o Homem, na ideia universal do proprietário, homem, branco, heterossexual. Além disto, um dos elementos que identifica de maneira mais evidente o atraso na organização social, político partidária e sindical é a incipiência da consciência de classe do trabalhador e trabalhadora brasileira, em função do Estado autocrático, violento, patriarcal, machista, sexista, racista e misógino, nossa taxa de sindicalização é uma das mais baixas do mundo. Dos 91,4 milhões de pessoas ocupadas em 2017 no Brasil apenas 14,4% eram associadas a algum sindicato. Se analisarmos a sindicalização por grupamentos
da atividade na economia, veremos que os empregados e empregadas na Administração Pública apresentam o maior grau de sindicalização, seguidos pelos trabalhadores e trabalhadoras na agropecuária, os empregados e empregadas nos transportes armazenagem e correios, na indústria em geral e na área de comunicação, atividades financeiras e imobiliárias. Ainda, o menor nível de sindicalização, está entre os trabalhadores e trabalhadoras domésticas, apenas 3,1% domésticos, são sindicalizados/as. Ao contrário do que pontuam os pós-modernos, no Brasil, assim como no mundo, o Trabalho é uma categoria central, neste sentido, não há luta de classe que não perpasse esta contradição. Neste sentido, construir novas relações sociais de gênero, raça e sexualidade, dentro ou a partir do sindicato, é romper com engodo que historicamente construiu justificativas para a inferiorização das mulheres em relação aos homens. É claro que, a paridade de gênero não rompe com um sistema que se fundamenta na desigualdade e iniquidade, mas os sindicatos são importantes espaços de organização e luta das classes trabalhadoras, neles podemos lutar para elevar o nível de organização e consciência das massas, contribuir para o enfrentamento desta conjuntura reacionária, conservadora que ora se manifesta de modo ainda mais acirrado com o governo protofascista. Por serem espaços plurais, politico e ideologicamente, podem dar vazão à construção contra-hegemônica socialista e feminista.
Neste sentido, a conquista da paridade de gênero na diretoria nacional do Andes-SN é significativa, pois demonstra internamente à nossa categoria profissional, como também aos técnicos e discentes das universidades públicas, a necessidade de combater as opressões atreladas, consubstancialmente, às lutas anti-capitalista e antiimperialista.
Perfomance Anónimo 1, 1981. Artista María Evelia Marmolejo.
Assim, o Andes-SN busca, por meio do limite corporativista desta instância sindical corroborar para ampliação e visibilidade da luta das mulheres instituindo, organicamente e qualitativamente, sua participação nas instâncias deliberativas e executivas do nosso sindicato e, portanto, contribuindo significativamente para reconstrução social e cultural dos lugares por nós ocupados.