TFG - Trópicos Utópicos: uma poética da resistência nos espaços residuais

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Camila Matos sob orientação de Anna Lúcia dos Santos

Luna Lyra sob orientação de Clarissa Freitas





UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TECNOLOGIA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO Jan/2014

trópicos utópicos

Uma poética da resistência nos espaços residuais

Camila Matos Fontenele

sob orientação da profa. dra. Anna Lúcia dos Santos Vieira e Silva &

Luna Esmeraldo Gama Lyra

sob orientação da Profa. Dra. Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas



Camila Matos Fontenele Luna Esmeraldo Gama Lyra

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas

_______________________________________________ Anna Lúcia dos Santos Vieira e Silva

_______________________________________________ Carla Camila Girão Albuquerque

08 DE JANEIRO DE 2014



Aos que vir達o.



Como prova da impossibilidade de uma arquitetura individual, agradecemos Ao Canto, primeiro e derradeiro. À Isabel e à Ivoneide por nos terem aberto as portas e compartilhado as suas vozes. Ao Coletivo Urucum, particularmente à Talita Furtado e ao Leonardo Araújo, com quem compartilhamos tantos desejos de futuro. Ao movimento Quem Dera Ser um Peixe, primeiro elo entre nós e a Ponte e o Poço. À Rafaela Kalaffa e ao Tadinho, por terem motivado nosso feliz encontro com a Ivoneide. Ao LaboCart - UFC, especialmente à Profa. Adryanne, ao Otávio, à Priscila, ao Narcélio e ao Prof. Jörn. À Profa. Amíria, em quem reconhecemos uma viva esperança na conquista do direito à cidade. À Nayana, pela generosidade em compartilhar seu trabalho, que tanto tem em comum com o nosso. Ao Lucas Coelho e ao Victor Furtado, que nos emprestaram seus olhares e tão gentilmente nos cederam imagens de seus vídeos. À Fatinha, pela amizade e infinitas conversas de meio de tarde; ao Seu Lauro, que por seis anos nos deu, todos os dias, bom dia pelo nome — sempre tão doce e gentil; ao Zé, que com presteza nos confiou todas as chaves; à Luciene e à Eveline, força quase invisível que mantém habitáveis as nossas salas. Ao Seu Nogueira, presença breve e inspiradora. Ao professor Pedro Eymar, que nos apresentou Tecla, cidade invisível.

Às amigas Nagg, Taís, Mari, Cibele e Nat, pela força e pela fé. Camila e Luna.


Antes, aos calangos e vaga-lumes. Às pequenas luzes e às sombras de todas as mangueiras. Aos meus avós, Nieta e Raimundo. À Camila, que me inspira sempre e mais, desde o dia um, em que desenhamos Tecla, ao dia último, em que [nos] imaginamos Iracema. Que não seja último. Pelos cafunés, chás, cartas extraviadas, tahines, manuels, pensamentos flutuantes, cinco segundos de abraço e… Fiona, que foi um respiro nas horinhas de descuido. À Clarissa, minha orientadora, por quem tenho um carinho e uma admiração imensa. Pela generosidade com que me confiou seu idealismo no meu primeiro trabalho nessa faculdade e me emprestou um tanto mais de realidade nesse último. À Lilu, que foi uma alegria tardia regada a café, bolo e inspirações literárias e empíricas. Por me ter ensinado a desconfiar das aparências e me introduzido às parcerias inusitadas (sempre bem-vindas!). Também e principalmente pela generosidade com que compartilhou conhecimentos e sabedorias. À Camila Girão, quem primeiro me fez olhar a cidade, passo sem volta para um modo de enxergar o mundo. E ao Renato Pequeno, que me imbuiu de um tanto mais de crítica e profundidade ao pensar a cidade e as pessoas. Este trabalho carrega muito dessas lições. Ao Cacau, lugar de muitos amigos e acaloradas conversas, sempre no tom do vinil mais tropical. Ao Canto, que foi o primeiro lugar para exercitar uma voz coletiva, insurgente. E permanece sendo lugar de afetos e resistências. Um abraço a todos os amigos com quem pude compartilhar essa ideia e em especial aos que, depois, mantiveram a fé e a essência, Leo, Jess, Nat, Lessa, Jonas, Fred, Amanda, Júlia, Bárbara, Victor e tantos mais que virão. Ao Pablo, sem o qual o urbanismo e a cidade nunca haveriam cruzado meu caminho. Aos amigos porteños – Alex, Pedro, Diego e Olímpio, que me recuperaram a poesia e dividiram o sofá e os domingos longos. À Ms, por me apresentar a política como gesto poético – e a poesia como gesto político.


A Teu e Nat, pelas perguntas que desconsertam o óbvio e por sempre acreditarem em mim, apesar de mim. À Bruns, pela conversas densas e cumplicidade ao olhar o mundo, que é sempre um exercício de alteridade. Ao Felippe, pelas derivas, pelo apreço inabalável [em comum] em discutir, pela cumplicidade de desejos de mundo. À Taís (Lindi), por toda amizade sincera, alegria, intensidade, por ensinar sobre a arte de ser o que se é. À Ciba, amiga das horas improváveis, pela atenção afetuosa e por compartilhar uma formação engajada, pero sin perder la ternura. À Nat – de novo – por ter me dado uma casa e uma irmã mais, nas horas possíveis e nas impossíveis, principalmente. Amiga de filmes doces e confissões amargas. À Nagg, amiga de muitas noites insones e sonhos despertos. Pelos conselhos caros que não se acham em manuais de sobrevivência. Aos meus pais, que foram quem primeiro me permitiram ser, sem predicados. A minha casa – Jacqueline, Stélio, Bel, Teu, Vera – que me fez conhecer o sentido de Política e o amor incondicional ao diferente, tão vital a este trabalho e à vida. Por todos os momentos, de ruído e de silêncio. À Lóri, que me faz sempre pensar na nossa pequenice ante às estrelas. Luna.


Às minhas orientadoras, Lilu e Clarissa que tão pacientemente têm me incentivado e fornecido o suporte que ninguém mais poderia dar, por acreditarem e por verem além. Aos amigos do curso de arquitetura e urbanismo, maior patrimônio que carrego destes seis longos anos, por todas as peripécias vividas juntos, pelas caronas e pelas memórias inventadas que contarei aos meus netinhos. À Denise e à Fiorella, minhas talentosas companheiras que já bem antes disso tudo são a personificação do meu carinho, por me lembrarem que há vida lá fora, mesmo nos momentos de maior imersão. Ao Lucas, pela presença incondicional. Ao Gui, irmão de vidas passadas [e desta], que conheci do outro lado do mar, por me mostrar que a vida é leve e que tudo o que pesa deve ser reconsiderado; e ao Diego, que é a memória viva e presente de alguns dos meus melhores dias, pelos jantares juntos que reconstruíram uma família nas terras de lá. Ainda viajaremos este mundo inteiro. À Camila Girão, autora das primeiras provocações que tanto orientaram o meu percurso e que de alguma maneira vieram a dar neste trabalho. Ao Daniel Cardoso, que me ensinou a ver os padrões nas empenas e nas marés. Ao Renato Pequeno, pela sabedoria e serenidade, pelo constante apoio e pela cumplicidade no olhar o mundo. Aos amigos da Vila das Artes, que têm ampliado a minha percepção sobre a vida, a cidade e as artes. Pelos meus momentos mais inspirados neste trabalho e por tudo o que está por vir. Especialmente ao Hector, à Rafaela e ao Paulo Victor; e à Beatriz Furtado, ao Ernesto de Carvalho e à Graziela Kunsch, pelas valiosas lições de vida e generosidade com o conhecimento. Ao Canto, experiência mais intensa que vivi na universidade, por me ensinar a caminhar pela cidade e a me manter inquieta. Especialmente ao Leo e à Jéssica, que têm se mantido firmes mesmo nos momentos de tormenta; ao Jonas, entusiasmado e paciente; ao Lessa, curioso e persistente; Lívia, Victor, Amanda, Júlia, Bárbara e Fred. Aos amigos da Comunidade Lauro Vieira Chaves: Gabriel, Ivanildo, Samuel, José Maria, Cláudio, D. Marina, D. Eliane, D. Maria e D. Raimunda, pelos ensinamentos sobre união, força e resistência. À Luana, ainda que geograficamente distante, tão próxima de ideias e de coração.


Ao Felippe, cujas conversas, passeios à deriva, sugestões literárias e cinematográficas constituem parte tão importante desta trajetória. Por me ajudar a nadar para cima. À Taís, amizade imprevista e precisa, pela força com o trabalho e a alegria no convívio. Que eu possa retribuir tudo. À Bruna, pelos momentos em que compartilhamos o olhar, por tudo o que ainda me ensinará a ver. À Natália, cuja companhia tem me salvado da velhice, pelo abrigo, pelas tardes e por todas as poesias concretas que escreveremos um dia. À Nággila, que dentre nós é a que sabe por onde se deve ir, pelas palavras de sabedoria, pelo apoio e pelo carinho. À Cibele, pelas luas cheias e estrelas cadentes. Por tudo. À Luna, primeira companhia nesta travessia, leal aos nossos sonhos desde o primeiro dia e que inestimável contribuição criativa e afetiva tem prestado à minha vida desde o início. Este trabalho é um detalhe. À Fiona, que jamais lerá este agradecimento e talvez por isso mesmo o saiba por inteiro. À Helena e ao Fernando, que me deram de presente o mundo. Camila.



TRÓPICOS UTÓPICOS

Uma poética da resistência nos espaços residuais O nome Trópicos Utópicos põe em movimento pendular significados de ordens particulares e, à primeira leitura, opostos. O utópico toca o trópico ao deslocar um imaginário exotizante constituído pela imagem do lugar a que se deseja ir, mas que não se planeja ficar. É a fuga travestida de calor, areia, relações flexíveis e imediatas, sensualidade. Ao dar a qualidade de utopia ao trópico, revela-se a farsa que sustenta essa camada, torna-a translúcida, delineando uma imagem mais definida. É no entanto o olhar que se refina, busca, não a imagem que se reformula. Em contraponto, o trópico contamina um utópico que é de tradição modernista, marcado por uma ordem higienista, um excessivo zelo que impõe distância. Este utópico não permite contato, é apaziguado, frígido. O trópico, espaço banal, despe a utopia de sua cápsula: torna-a crua. Revela-se aí um movimento que é também nosso. Este trabalho, em todos os momentos, nos exigiu tomadas de posição, e nenhuma delas se bastava para aquilo a que nos propusemos: construir um olhar de prospecção que possa ressignificar o lugar desse trópico utópico. Este exercício se faz desafiador ao nos colocar em um conflito, por vezes agonizante, para nos mantermos coerentes: como impedir que a utopia se converta em fabulação — mentira — ao passo que o trópico, revelando-se frágil, não nos paralise? Um caminho possível que traçamos para nos colocarmos frente a esse conflito foi o gesto de desnaturalizar as palavras, os atos e os conceitos. Um segundo foi o de gerar complexidade nos processos, permitindo a inserção de outros agentes na construção do trabalho. Ele próprio já nasce orientado por este gesto, ao ser realizado em dupla. Foi uma opção em diminuir a distorção que um olhar individual promove sobre as coisas. A coletividade permite um ajuste, nos induz a um reposicionamento frente ao mundo. Este trabalho é sobre reconhecer as resistências que tendem a ser mascaradas pela violência da velocidade do urbano. Elas se dão quase sempre nas frestas, nos baixios de viaduto, por detrás dos muros que cercam os rios, em suma, nos espaços residuais.


SUMÁRIO preâmbulo 23

TRÓPICOS UTÓPICOS Uma poética da resistência nos espaços residuais.

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LISTA DE SIGLAS

28

LISTA DE IMAGENS

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LISTA DE DIAGRAMAS

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LISTA DE MAPAS

31

LISTA DE TABELAS

31

ANEXOS

32

LISTA DE PRANCHAS Plano

33

LISTA DE PRANCHAS Resistências

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BIBLIOGRAFIA

38

GLOSSÁRIO


44

Cap. 01 — A TERRITORIALIZAÇÃO DO ESPAÇO 45 As relações de poder; 50 O espaço residual.

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Cap. 02 — QUE CONTRADIÇÕES RESIDEM NUMA CIDADE SITIADA POR MUROS? 62 Interrupções; 66 Occupy Estelita; 71 Resistências.

processo 04

Cap. 03 — DO LUGAR 05 Contextualização sócio-espacial; 08 Projetos [espetaculares] ao longo da história; 16 Proibido Pular.

26

Cap. 04 — [RE]CONHECIMENTO 19 Incursões e Cartografia Social; 20 Canto; 25 Visões do presente e articulações possíveis.

DEVIR 06

Cap. 05 — PLANO 17 Propostas de investimento; 30 Propostas de regulação e gestão.

52

Cap. 06 — RESISTÊNCIAS 56 Terreno da antiga alfândega; 56 Prainha; 57 Ponte Metálica.


LISTA DE SIGLAS BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento BRS - Bus Rapid System CDMAC - Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura CEI - Centro de Educação Infantil CEP - Código de Endereço Postal CMFE - Centro Multifuncional de Feiras e Eventos CNEFE - Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos CSaF - Centro de Saúde da Família DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra a Seca ECL - Equipamento para Atividades Culturais e de Lazer EEFM - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio EIA - Estudo de Impacto Ambiental EMEIF - Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental FLACSo - Faculdad Latinoamericana de Ciencias Sociales IA - Índice de Aproveitamento IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INACE - Indústria Naval do Ceará S.A. IPECE - Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ITBI - Imposto sobre Transferência de Bens Imóveis LaboCart - Laboratório de Cartografia LEC - Laboratório de Estudos da Cidade LUOS - Lei de Uso e Ocupação do Solo ONG - Organização Não Governamental ONU-HABITAT - Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos

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OUC - Operação Urbana Consorciada PDP - Plano Diretor Participativo


PLHIS - Plano Local de Habitação de Interesse Social PPP - Parceria Público Privada PS - Prestação de Serviço PT - Partido dos Trabalhadores RIMA - Relatório de Impacto ao Meio Ambiente RMF - Região Metropolitana de Fortaleza RFFSA - Rede Ferroviária Federal S.A. SAL - Serviço de Alimentação e Lazer SEDUC - Secretaria da Educação do Ceará SEFIN - Secretaria Municipal de Finanças SeNEMAU - Seminário Nacional de Escritórios Modelo SESC - Serviço Social do Comércio SME - Secretaria Municipal de Educação SMS - Secretaria Municipal de Saúde SP - Serviço Pessoal TAZ - Temporary Autonomous Zone (Zona Autônoma Temporária) TCE - Tribunal de Contas do Estado TO - Taxa de Ocupação TP - Taxa de Permeabilidade UFC - Universidade Federal do Ceará UNIFOR - Universidade de Fortaleza URCA - Universidade Regional do Cariri ZEDUS - Zona Especial de Dinamização Urbanística e Socioeconômica ZEIS - Zona Especial de Interesse Social ZEPO - Zona Especial do Projeto Orla ZO - Zona de Orla ZOC - Zona de Ocupação Consolidada ZOP - Zona de Ocupação Prioritária

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ZPA - Zona de Proteção Ambiental


LISTA DE Imagens Todas as imagens de abertura de capítulos foram produzidas pelas autoras, em câmeras de celular, em Fortaleza, 2013.

PREÂMBULO Imagem 01 - viaduto da av. Pontes Vieira sobre av. Aguanambi. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013. Imagem 02 - cena do filme O Som ao Redor, direção de Kléber Medonça Filho. 2012. Imagem 03 - capa do Jornal Meia Hora, Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www. meiahora.ig.com.br>. Acessado em: 17/12/13. Imagem 04 - capa do sítio eletrônico do programa televisivo Cidade 190, Fortaleza. Disponível em: <http://www.tvcidadefortaleza.com.br/hotsites/?hot=cidade190>. Acessado em: 17/12/13. Imagem 05 - cena do vídeo Muros e Altos, realização de Pedro Diógenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012. Imagem 06 - cena do vídeo Muros e Altos, realização de Pedro Diógenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012. Imagem 07 - cena do vídeo Muros e Altos, realização de Pedro Diógenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012. Imagem 08 - cena do vídeo Muros e Altos, realização de Pedro Diógenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano. 2012. Imagem 09 - jovens rendidos em centro comercial. Fonte: Carta Capital, Vitória, 2013. Disponível em: <http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2013/12/02/shoppingvitoria-corpos-negros-no-lugar-errado/>. Acessado em: 17/12/13.

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Imagem 10 - outdoor nas imediações da Av. Engenheiro Santana Jr. Fonte: Nathália Coelho, Fortaleza, 2013. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo. php?fbid=10201438280412781&set=o.201115910042853&type=3&theater>. Acessado em: 17/12/13.


PROCESSO Imagem 11 - intervenções no tapume da obra do Acquário Ceará. Fonte: Autoras, Fortaleza, 2013. Imagem 12 - cena do vídeo Proibido Pular, realização de Lucas Coelho. 2012. Imagem 13 - cena do vídeo Proibido Pular, realização de Lucas Coelho. 2012. Imagem 14 - cena do vídeo Proibido Pular, realização de Lucas Coelho. 2012. Imagem 15 - imersão semestral do Canto. Fonte: acervo do Canto, Icaupuí, 2009. Imagem 16 - estudantes de diversos EMAUs do Brasil durante SeNEMAU 2012. Fonte: acervo do Canto, Fortaleza, 2012. Imagem 17 - estudantes e residentes da comunidade Lauro Vieira Chaves durante mutirão do SeNEMAU 2012. Fonte: acervo do Canto, Fortaleza, 2012. Imagem 18 - rua no interior da comunidade do Poço da Draga. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013. Imagem 19 - guarita de segurança no muro da INACE. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013. Imagem 20 - Ponte Metálica num dia de domingo. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013. Imagem 21 - intervenção artística nas ruínas do corpo original da Ponte Metálica. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013. Imagem 22 - placa da av. Alm. Tamandaré. Fonte: autoras, Fortaleza, 2013.

LISTA DE dIAGRAMAS PREÂMBULO Diagrama 01 - Tríade espaço, lugar e território

PROCESSO Diagrama 02 - Custos do Acquário Ceará Diagrama 03 - Atores sociais e projetos

Diagrama 04 - Valores anunciados para venda de imóveis nos bairros Praia de Iracema e Centro

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DEVIR


LISTA DE MAPAS PROCESSO Mapa 01 - Fortaleza VISÕES DO PRESENTE Mapa 02 - Zoneamento PDP-For/2009 1:75000 Mapa 03 - Macroestruturas, fragilidades ambientais e espaços residuais 1:5000 Mapa 04 - Distribuição de renda 2010 1:5000 Mapa 05 - Equipamentos e usuários 1:5000 Mapa 06 - Atendimento de escolas públicas municipais de ensino fundamental e infantil (EMEIF e CEI) 1:5000 Mapa 07 - Atendimento de escolas públicas federais e estaduais de ensino médio (EEFM) 1:5000 Mapa 08 - Atendimento de centros de saúde da família (CSaF) 1:5000 INTERRUPÇÕES E RESISTÊNCIAS Mapa 09 - Interrupções no tecido urbano 1:5000 Mapa 10 - Interrupções em mobilidade e acessibilidade 1:5000 Mapa 10.a - Interrupções em mobilidade e acessibilidade (fotografias) Mapa 11 - Interrupções no espaço público 1:5000 Mapa 12 - Resistências 1:5000 Mapa 13 - Barreiras 1:5000 ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS Mapa 14 - Usos no espaço público 1:2500

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Mapa 15 - Delimitação das áreas de intervenção e influência 1:5000


LISTA DE TABELAS PROCESSO Tabela 01 - Projetos (espetaculares) ao longo da história Tabela 02 - Incursões Tabela 03 - Interrupções e resistências

DEVIR Tabela 04 -Diretrizes gerais - Plano Tabela 05 - Tipo de atividade por setor censitário Tabela 06 - Alterações na cobrança do IPTU Tabela 07 - Parâmetros urbanísticos para ZEDUS - Arte Tabela 08 - Valores ITBI 2007-2010 Tabela 09 - Diretrizes gerais - Resistências

ANEXOS PROCESSO Anexo 1 - Mapa social da Comunidade Poço da Draga (feito pelas crianças), produzido em conjunto por Comunidade Poço da Draga, Coletivo Urucum e LaboCart-UFC, 2013.

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Anexo 2 - Mapa social da Comunidade Poço da Draga (documento final), produzido em conjunto por Comunidade Poço da Draga, Coletivo Urucum e LaboCart-UFC, 2013.


LISTA DE PRANCHAS DEVIR PLANO Prancha 01 - Diagrama de diretrizes gerais Prancha 02 - Plano geral de intervenção 1:5000 Prancha 03 - Plano geral de vias 1:2500 Prancha 04 - Plano de fluxos 1:2500 Prancha 05 - Vista aproximada 1:500 Prancha 06 - Cortes Prancha 07 - Cortes Prancha 08 - Análise de atividades por setor censitário

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Prancha 09 - Delimitação de ZEDUS - Arte 1:5000


LISTA DE PRANCHAS DEVIR RESISTÊNCIAS Prancha 01 - Diagrama de diretrizes gerais Prancha 02 - Plano geral de intervenção 1:2000 Prancha 03 - Módulos - Faixa de Praia Prancha 04 - Módulos - Faixa de Praia: Poço Soundsystem 1:25 Prancha 05 - Módulos - Faixa de Praia: Módulo Banho 1:25 Prancha 06 - Elementos comuns 1:20 Prancha 07 - Praça - Esquema geral Prancha 08 - Praça - Planta baixa 1:500 Prancha 09 - Ponte Metálica - Plano geral 1:2000 Prancha 10 - Ponte Metálica - Trecho 01 Prancha 11 - Ponte Metálica - Trecho 01 - Desenho técnico 1:75 Prancha 12 - Ponte Metálica - Trecho 02 Prancha 13 - Ponte Metálica - Trecho 02 - Desenho técnico 1:75 Prancha 14 - Ponte Metálica - Trecho 03

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Prancha 15 - Ponte Metálica - Trecho 03 - Desenho técnico 1:125 e 1:75


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GLOSSÁRIO Alteridade (francês altérité) substantivo feminino 1. Qualidade do que é outro ou do que é diferente. 2. [Filosofia] Caráter diferente, metafisicamente. Autonomia (grego autonomía, liberdade para usar leis próprias, independência) substantivo feminino 1. Faculdade de um país conquistado ou de uma região administrativa de se administrar por suas próprias leis. 2. Independência administrativa em relação a um poder central. 3. Liberdade moral ou intelectual. Cápsula substantivo feminino 1. [Botânica] Invólucro de certas sementes. 2. Membrana que envolve as articulações de certos vasos pequenos do corpo. Cidade (latim civitas, -atis, condição de cidadão, direito de cidadão, conjunto de cidadãos, cidade, estado, pátria) substantivo feminino 1. Povoação que corresponde a uma categoria administrativa (em Portugal, superior a vila), geralmente caracterizada por um número elevado de habitantes, por elevada densidade populacional e por determinadas infraestruturas, cuja maioria da população trabalha na indústria ou nos serviços.

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4. Vida urbana, por oposição à vida no campo. 5. [História] Território independente cujo governo era exercido por cidadãos livres, na Antiguidade grega.


Comum (latim communis, -e) adjetivo de dois gêneros 1. Do uso ou domínio de todos os de um lugar ou de uma coletividade. 2. Que acontece ou se encontra com frequência ou com facilidade. 3. Que tem características que se encontram em muitos exemplares. 6. [Gramática] Diz-se de substantivo que designa um elemento de uma classe ou categoria, não designando um indivíduo ou uma entidade única e específica, por oposição aos nomes próprios. 8. O que é considerado geral, habitual, normal. Contiguidade substantivo feminino 2. Proximidade, vizinhança. Derivar verbo intransitivo e pronominal 1. Proceder, vir, provir. 2. Desviar-se (do seu leito). 3. Correr (rios ou regatos). 4. Apartar-se (do rumo). 5. Manar, nascer, brotar. 6. Seguir-se, resultar. Devir (latim devenio, -ire) substantivo masculino 1. [Filosofia] Movimento pelo qual as coisas se transformam. verbo intransitivo

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2. Dar-se, suceder, acontecer, acabar por vir.


Dissenso (latim dissensio, -onis) substantivo masculino 1. Diversidade de opiniões. 2. Desavença, divergência; contraste. Escassez substantivo feminino 1. Qualidade daquilo que é escasso. 2. Falta. 3. Míngua. Espetáculo (latim spectaculum, -i, .aspecto, vista, maravilha, .espetáculo) substantivo masculino 2. Contemplação. 3. Cena ridícula ou censurável. 4. Representação teatral. 5. Divertimento público em circos. Fábula (latim fabula, -ae, conversa, lenda, conto, fábula) substantivo feminino 1. Composição, geralmente em verso, em que se narra um fato cuja verdade moral se oculta sob o véu da ficção. 2. Mitologia. 3. Mentira. 4. Ficção, falsidade.

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5. Sucesso inventado.


Hegemonia (grego hegemonía, -as) substantivo feminino Supremacia (entre cidades, nações, povos). Informal (in- + formal) adjetivo de dois gêneros 1. Que não é formal. 2. Que não observa formalidades. 3. Que é relativo a situações ou contextos em que há familiaridade ou descontração. 4. [Belas-Artes] Diz-se de uma forma de pintura assinalada pela ausência de composição organizada e que traduz na gestualidade da matéria a espontaneidade do artista. Interrupção (latim interruptio, -onis) substantivo feminino 1. Ato ou efeito de interromper ou interromper-se. 2. Descontinuação, suspensão. Lugar substantivo masculino 1. Espaço ocupado ou que pode ser ocupado por um corpo. 2. Ponto (em que está alguém). Medo substantivo masculino 1. Estado emocional resultante da consciência de perigo ou de ameaça, reais, hipotéticos ou imaginários.

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2. Ausência de coragem.


Plano (latim planus, -a, -um) adjetivo 1. Raso, liso, chão, que não tem desigualdades nem diferenças de nível. 2. [Figurado] Fácil, acessível, patente, claro, manifesto. substantivo masculino 5. Planta, traçado, desenho. 7. Projeto, desígnio, intenção, fito. Poder verbo intransitivo 6. Ter força, possibilidade, autoridade, influência para. Política (grego politiká, assuntos públicos, ciência política) substantivo feminino 5. [Figurado] Modo de haver-se, em assuntos particulares, a fim de obter o que se deseja. 7. Cerimônia, cortesia, civilidade, urbanidade. Projetar (latim projecto, -are, lançar para a frente) verbo transitivo 1. Atirar à distância; lançar de si. 2. Estender, cobrir com, fazer incidir. 3. Ter em projeto, fazer tenção de. Público (latim publicus, -a, -um) adjetivo 1. Relativo ou pertencente ao povo, à população.

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2. Que serve para uso de todos.


Residual adjetivo de dois gêneros 1. Que resta. Resistência substantivo feminino 1. Força por meio da qual um corpo reage contra a ação de outro corpo. Solidariedade (solidário + -edade) substantivo feminino 2. Dependência mútua.

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3. Reciprocidade de obrigações e interesses.


01.


a territorializaçao do espaço a. As relações de poder As primeiras inquietações que envolvem este trabalho relacionam-se diretamente com o questionamento das estruturas de poder em vigor na atualidade, mais especificamente no contexto de Fortaleza. Partimos então do esforço de compreender como se manifesta o poder e, como perspectiva, decidimos por observá-lo a partir das formas de resistência. Desviamos do exercício de entendê-lo como tal para buscar apreendê-lo através da sua posta em ação no espaço. Michel Foucault (2001) define o poder como uma ação sobre outras ações, de tal modo que o seu exercício consiste em guiar possibilidades de conduta, ordenando seus efeitos possíveis. Foucault trata a questão da liberdade como vital para compreender a constituição violência, escravidão ou o consenso não configuram em si estratégias de poder pois

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social do poder ao apontar que este só pode ser exercido sobre indivíduos livres. A


atuam diretamente sobre os indivíduos, atingindo níveis de constrangimento físico e limitando qualquer possibilidade de ação — podem advir de relações de poder, mas não as constituem propriamente. Estas não atuam direta ou indiretamente sobre os indivíduos, mas sobre suas possibilidades de ação — dão-se, portanto, a partir do enfrentamento contínuo. Historicamente, as relações de poder seguem uma ordem hierarquizada que confere privilégios a uma figura dominante específica, como por exemplo nos regimes monárquicos é o caso do Rei, cuja origem de poder provém de uma fonte transcendental, Deus. Esta configuração instaura bases que asseguram o poder do Rei e definem uma unidade social, onde todos têm clareza de seu papel e função social dentro da vida coletiva e pouca margem de mobilidade das expectativas estabelecidas. Essa relativa unidade social é possível pela constituição própria aos grupos sociais, em que o estabelecimento de um pacto coletivo impronunciado determina a vida em conjunto de forma mais ou menos alienante e opressora, a depender da posição onde cada um se encontra e da configuração mesma dessa estrutura social. Numa tentativa de revisão dessas relações de poder na contemporaneidade, recorremos aos conceitos de verticalidade e horizontalidade, desenvolvidos pelo geógrafo Milton Santos. O primeiro diz respeito à estrutura estabelecida e dominada por macroatores, a saber, “aqueles que de fora da área determinam as modalidades internas de ação” (SANTOS, 2008, p. 106). Dentro das relações de poder, os macroatores atuam de modo a regular e reger as configurações do espaço e portanto as vidas dos indivíduos. Tomada em consideração determinada área, o espaço de fluxos (verticalidades) tem o papel de integração com níveis econômicos e sociais mais abrangentes, tal integração, todavia, é vertical, dependente e alienadora, já que as decisões essenciais concernentes aos processos locais são estranhas ao lugar e obedecem a motivações distantes. (SANTOS, 2008, p. 106-107)

O que o autor revela é uma intrínseca relação entre macro e microatores, sem contudo permitir uma aproximação que se diferencie daquela instaurada pelas relações de poder, pelo enfrentamento. As verticalidades se dão enquanto espaços de fluxos, onde os atores se encontram distanciados no espaço, mas conectados por redes que são,

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em um exemplo, de informação, de produtos ou financeiras concomitantemente.


As horizontalidades seriam o espaço das vivências e do interesse comum, espaços de contiguidade, onde o que garante a sobrevivência dos diferentes atores é a possibilidade de se integrarem no processo da ação, ao se relacionarem a partir de uma interdependência — ou solidariedade — que é de ordem social, econômica, cultural e geográfica. Essa interdependência é constituinte das horizontalidades, uma vez que o espaço geográfico restrito onde todos os atores se encontram são a base e o âmbito de sua atuação — suas ações se dão através do espaço e a respeito do espaço. Não estão entretanto isoladas e homogêneas, são constantemente atravessadas por verticalidades. Mas diferentemente de ordens hierarquizadas e totalizantes, as ações das horizontalidades escapam ao pacto impronunciado e pré-estabelecido, como Santos coloca, A própria existência, adaptando-se a situações, cujo comando frequentemente escapa aos respectivos atores, acaba por exigir de cada qual um permanente estado de alerta, no sentido de apreender as mudanças e descobrir as soluções indispensáveis. (SANTOS, 2008, p. 110)

Podemos, então, fazer uma extensão do conceito de horizontalidade — que não necessariamente perpassa um regime político — para a discussão que a autora Rosalyn Deutsche (2001), a partir da revisão do pensamento de Claude Lefort, traz sobre a relação entre democracia e sua materialização enquanto espaço público. O gesto de criar relações entre esses diferentes conceitos tem sentido quando buscamos entender como se relacionam no espaço, que é nossa matéria de estudo no âmbito da arquitetura e do urbanismo. Pretendemos aqui elaborar um pensamento sobre como essas horizontalidades podem vir a configurar o espaço urbano, mais especificamente, o espaço público residual, que definiremos mais à frente. Para tanto, é necessário antes compreender a essência do espaço público e que relações de poder lhe determinam. A democracia, enquanto regime, se constrói imbuída de uma indeterminação a respeito das bases do poder. Diferencia-se das demais estruturas estatais ao deslocá-lo de uma referência externa: é uma forma de poder que emana da coletividade, atuando também sobre ela. Deutsche traz um relevante questionamento a respeito da democracia que

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culmina com a definição de espaço público:


A democracia abriga portanto uma dificuldade em seu seio. O poder emana do povo mas não pertence a ninguém. A democracia abole a referência externa do poder e referencia o poder à sociedade. Entretanto, o poder democrático, para afirmar sua autoridade, não pode se referir a um significado imanente ao social. Ao contrário, a invenção democrática inventa algo mais: o espaço público. O espaço público, seguindo a argumentação de Lefort, é o espaço social onde, dada a ausência de fundamentos, o significado e a unidade do social são negociados: ao mesmo tempo em que se constituem, se põem em risco. […] O espaço público implica uma institucionalização do conflito onde, mediante uma incessante declaração de direitos, o exercício do poder é questionado, o que, nas palavras de Lefort “tem como resultado uma contestação controlada das regras estabelecidas”. […] A democracia e seu corolário, o espaço público, chegam a existir, então, quando se abandona uma positividade: a ideia de que existe uma fundamentação substancial do social. A identidade social se torna um enigma e fica, portanto, aberta à disputa. (DEUTSCHE, 2008, p. 08 - grifos e livre tradução do espanhol feitos pelas autoras)

A democracia permite portanto uma reformulação das relações de poder totalizantes. Uma vez que não há uma ordem social unificada, pré-estabelecida, suas imbricações se dão a partir da revelação dos dissensos e são construídas e reconstruídas continuamente, de modo a possibilitar uma dinamização das relações de poder, antes enrijecidas, mas também configurações sociais alternativas ou autônomas àquelas hegemônicas. Essas zonas da contiguidade que tratamos aqui tendem a emergir em situações de maior apropriação, pelo domínio que elas podem estabelecer a partir do conhecimento e da proximidade com determinado território. Quanto mais próximo do lugar, mais forte será essa relação de identificação e interdependência — meio pelo qual se realizam as ações nas estruturas de horizontalidade. O espaço urbano, enquanto suporte para essas configurações sociais autônomas, pode ser interpretado por meio da tríade conceitual Espaço, Lugar e Território, distintas porém indissociáveis:

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Numa definição nossa, o Espaço é o conceito mais geral e ilimitado — é, em última análise, a dimensão física e inelutável, o suporte material —. O Lugar, por sua vez, representa o espaço em singularidade: é a porção do espaço significada, numa revisão da definição proposta por Fábio Duarte (2002)1 que diz respeito à identidade inerente 1 A definição proposta por Duarte (2002, p. 65) considera que lugar seja “[…] uma porção de espaço significada, ou seja, cujos fixos e fluxos são atribuídos signos e valores que refletem a cultura de uma pessoa ou grupo”..


àquele espaço, às características que o definem e que o distinguem de todos os outros. O Território se refere especificamente às relação sociais que se estabelecem no lugar — está associado à apropriação, à pertença. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais da vida, sobre os quais ele influi. (SANTOS, 2010, p. 96)

Destacamos a relação de indissociabilidade que estes três conceitos resguardam entre si. Implica ainda que, na condição de práticas sociais ocuparem o espaço, convertendo-o em território, o espaço apropriado seja indissociável do lugar do dissenso. Deutsche (2001) traz essa questão de maneira contundente: Não é que o conflito aconteça em um espaço urbano originalmente, ou potencialmente, harmonioso. É que o espaço urbano é produto do conflito. E isto é assim em diferentes, inumeráveis sentidos. Em primeiro lugar, a carência de fundamentos sociais absolutos — “o desaparecimento dos sinais de certeza” — faz do conflito um distintivo inextirpável de todo espaço social […]. (DEUTSCHE, 2008, p. 13-14, livre tradução do espanhol feita pelas autoras)

É então através do conflito que o espaço é transformado, converte-se em território. Ao longo do Preâmbulo, tencionamos abordar uma particularidade dos territórios urbanos que é o espaço residual, contentor de múltiplas territorialidades, ao mesmo tempo que nenhuma — no sentido em que nunca se constitui propriamente enquanto território, mas se realiza sempre segundo a ordem de um devir, uma territorialização.

TERRITÓRIO

LUGAR

ESPAÇO 41

Diagrama 01: tríade Espaço, Lugar e Território.


b. O Espaço Residual Em determinados momentos da história das cidades ocidentais, a estruturação física do espaço, bem como da vida em sociedade, tem o espaço público como elemento primordial em sua organização. Este é o caso das cidades coloniais, cujo traçado tem origem na delimitação da praça principal, da igreja e da casa de câmara e cadeia — espaços públicos — e somente a partir daí, define-se a localização das ruas e dos demais elementos urbanos de referência. Neste exemplo, revela-se o elo intrínseco entre as relações de poder e a configuração do espaço urbano. Mais recentemente, no contexto das cidades em situação de subdesenvolvimento, particularmente no caso das cidades latino-americanas, sua organização sócio-espacial resulta de consequentes conflitos sobre o solo e de estratégias de planejamento e gestão urbana menos comprometidas com o entendimento das dinâmicas locais do que com os interesses em inserir essas cidades nas macro dinâmicas de fluxos do capital. Esta ordem tende a orientar a produção dessas cidades distanciando-as do paradigma de um espaço público estruturante (caso das cidades coloniais, mas também da pólis grega). Fernando Carrión (2007) tem realizado amplo estudo sobre a produção dos espaços públicos e dos não lugares: De espaço estruturante, passa a ser um espaço estruturado, residual ou marginal ou, ainda, a desaparecer pela perda de suas atribuições ou pela substituição por outros espaços mais funcionais ao urbanismo atual (o centro comercial e o clube social). Também pode se dar uma mutação no sentido em que o espaço público passa a ser um não lugar. (CARRIÓN, 2007, p. 82 - livre tradução do espanhol feita pelas autoras)

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O espaço público nas cidades latino-americanas contemporâneas é primordialmente constituído pelo que resta de todas as outras funções da cidade, está relegado ao que sobra das dinâmicas de interesse e valorização do solo, o que lhe confere um caráter eminentemente residual. Mesmo as vias, que são espaços públicos livres inerentes a qualquer conformação urbana, não se constituem enquanto tal, por não serem pensadas segundo uma lógica de convívio e encontro. Estão subordinadas à mera função de conexão entre pontos distintos, o que configura um conceito do qual trataremos no capítulo a seguir deste trabalho, a experiência capsular. Buscamos aqui compreender como se configuram estes espaços residuais para além de sua dimensão física, entender os aspectos que envolvem as temporalidades que o atravessam; que tipo de atividades se desenvolvem aí e como se estruturam; bem como os grupos sociais que o compõem. Em muitos destes aspectos, os espaços


Imagem 01 - viaduto da av. Pontes Vieira sobre av. Aguanambi mostra apropriação do espaço residual como habitação.

residuais aproximam-se das zonas da contiguidade, horizontalidades, das quais trata Milton Santos.

Iniciar a TAZ pode envolver várias táticas de violência e defesa, mas seu grande trunfo está em sua invisibilidade — o Estado não pode reconhecê-la porque a História não a define. Assim que a TAZ é nomeada (representada, mediada), ela deve desaparecer. Ela vai desaparecer, deixando pra trás um invólucro vazio e brotará novamente em outro lugar, novamente invisível, porque é indefinível pelos termos do Espetáculo. Assim sendo, a TAZ é uma tática perfeita para uma época em que o Estado é onipresente e todo poderoso, mas, ao mesmo tempo, repleto de rachaduras e fendas. (BEY, 2004, p. 18)

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Os espaços residuais se estabelecem no tecido urbano enquanto Zonas Autônomas Temporárias (TAZ), conceito trazido pelo pseudônimo Hakim Bey (2004); esses espaços estão invisibilizados na paisagem da cidade, o que lhes confere determinado grau de autonomia frente às leis do Estado e às determinações do senso comum. São ainda temporários por serem quase sempre espaços da impermanência, constantemente reapropriados por grupos e indivíduos não necessariamente relacionados. A possibilidade de reunir temporalidades e modos de apropriação tão diversos dilata — ou relativiza — sua dimensão material, o que torna mais difícil o exercício de lhes atribuir uma identidade absoluta e permanente.


A própria incerteza de permanência do espaço residual, que está suscetível a todo momento a uma absorção pelo Estado, faz com que sua territorialidade esteja conectada antes a uma configuração-tipo, um arquétipo ou caráter imanente, do que a um lugar determinado por logradouros, CEP ou coordenadas geográficas. Desta maneira, o espaço residual reúne também múltiplas territorialidades: esta situação estabelece nesses espaços uma ética própria, pautada numa disputa direta que se dá na escala do corpo, negociações sem intermediários. Esta ética emerge da contiguidade, o que gera relações de vizinhança — onde todos os atores estão postos no espaço — que não são somente espaciais, mas também temporais. Porque os atores sociais estão todos postos em cena é que a disputa se faz mais clara. As relações de poder que se estabelecem se aproximam da interdependência e da solidariedade. Quando os macroatores entram nesse processo de disputa, eles desequilibram esse campo de forças de maneira totalizante, o que constrange as possibilidades de ação dentro de um sistema que antes se configurava no sentido de uma horizontalidade, induzindo-o a uma estrutura vertical. A presença dessas verticalidades produz tendências à fragmentação, com a constituição de alvéolos representativos de formas específicas de ser horizontal a partir das respectivas particularidades. (SANTOS, 2012, p. 110)

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A figura do alvéolo trazida por Santos (2010) nesta passagem aproxima-se da constituição dos espaços residuais. O autor não chega a desenvolver esta ideia ou considerá-la enquanto matéria espacial — mas da ordem das práticas sociais —, no entanto ela nos serve de suporte para pensar espacialmente as ações nos alvéolos.



02.


QUE CONTRADIÇOES RESIDEM NUMA CIDADE SITIADA POR MUROS? Oh senhor cidadão, eu quero saber com quantos quilos de medo se faz uma tradição? — Tom Zé

As fronteiras geradas na cidade resguardam porosidades indissolúveis. Seus habitantes são constantemente permeados pela iminência do conflito, potencializado onde há um contexto de profunda desigualdade social. Nesse sentido, as cidades latino-americanas

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A cidade como aglomerado heterogêneo de indivíduos possui uma essência ambivalente; uma vez que carrega em si o ensejo do encontro e da troca, é também suporte para o acirramento de diferenças a partir da expressão das individualidades. Decorre desta duplicidade um impulso de fuga do coletivo, ainda que não se possam dissolver completamente as teias sociais.


nos fornecem pistas para a identificação deste fenômeno. Destacamos o caso de Fortaleza, 2a cidade da América Latina no ranking mundial de desigualdade social (ONU-HABITAT, 2011) e 1a no ranking brasileiro em densidade populacional (IBGE, 2010). Sofre um forte processo de desintegração dos seus espaços de convivência e acirramento de conflitos entre grupos sociais na esfera das políticas públicas. Em certa medida, ao analisar essas questões, podemos colocar a cidade latino-americana como lugar eminentemente da disputa, em oposição ao discurso positivista que a define como espaço de oportunidades e encontro — e aqui nos interessa analisar sua conflitualidade a partir de uma ótica espacializada. A respeito deste assunto, Rosalyn Deutsche (2008) coloca o espaço urbano como o lugar primeiro da democracia, onde o exercício do poder é questionado. Contrapõeno à fabulação de uma conformação originalmente harmoniosa ao apontá-lo como lugar de imanente negociação, uma vez que o conflito faz parte de sua constituição fundamental e é inerente a qualquer espaço social. Adverte que “a ameaça surge quando se tenta suprimir o conflito, uma que vez que a esfera pública continua sendo democrática tão somente na medida em que suas opressões podem ser vistas e contestadas” (Deutsche, 2008, p.25 - tradução das autoras). Assim, entendemos que a construção do espaço urbano, e em última instância, o espaço público, é dissensual. Dá-se então a impossibilidade do isolamento total, em contraponto ao desejo reticente de constituir uma identidade através da individualização extrema. Uma contradição residiria então no colapso resultante da profunda desigualdade e suas práticas sociais agônicas que impossibilitam o exercício da alteridade colocado através do espaço público. Os conceitos de desigualdade e diferença distinguemse entre si: o primeiro se dá por uma delimitação socioeconômica e hierárquica que impõe um distanciamento — simbólico e físico — e o segundo alude às ideias de heterogeneidade e diversidade, pautando-se pela tolerância.

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A condição de desigualdade dissipa a ideia de espaço público como o lugar da convivência e negociação entre diferentes, uma vez que o distanciamento inerente à sua essência impulsiona um processo de alienação e aversão ao dissenso — este processo é inverso ao do conceito de política colocado por Rancière (2010) 1 e Deutsche (2008), que supõe a construção e constituição de uma esfera pública política através do embate, pela recolocação e pela transformação social contínuas. 1 Jacques Rancière (2010, p. 57) traz uma problematização sobre o papel político da arte, ou um “engajamento artístico”, que podemos estender para um entendimento similar de uma arquitetura e um planejamento socialmente comprometido: “O consenso é […] um modo de simbolização da comunidade que visa excluir aquilo que é o próprio cerne da política: o dissenso, o qual não é simplesmente o conflito de interesses ou de valores entre grupos, mas, mais profundamente, a possibilidade de opor um mundo comum a um outro. O consenso tende a transformar todo conflito político em problema que compete a um saber de especialista ou a uma técnica de governo. Ele tende a exaurir a invenção política das situações dissensuais.” Nesse sentido, propomos uma naturalização do dissenso como parte do espaço urbano e essência da política, de modo a se contrapor ao pensamento urbanístico apaziguador e higienizador durante o processo propositivo. Consideramos melhor esse impasse no item “Interrupções”.


As diferentes partes já não se sabem, já não guardam ou reconhecem semelhanças entre si. Esse estranhamento ratifica as fronteiras e constitui uma cultura do medo — do outro. Passa-se a erguer muros: a casa, o carro, o shopping, finalmente, os corpos. Em última instância, os muros são uma forma de contenção das interações, uma esperança de manter estática e homogênea uma ordem urbana que é essencialmente dinâmica, miscigenada.

Imagem 03: cena do filme “O som ao redor” do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, que aborda as relações de desigualdade que configuram o espaço urbano, onde a vida é, por vezes, mediada por grades e barreiras menos impermeáveis do que se tende a acreditar.

A cultura do medo que é utilizada para justificar essa separação se reforça pela alarmante violência urbana, mas também pela construção simbólica de uma fábula2, que se retroalimenta do discurso dominante na comunicação midiática. Isso é notável diante da ênfase cada vez mais detalhista que os jornais tem dado à veiculação de notícias relacionadas ao crime. Reforça-se ainda em uma produção cultural de massa que vulgariza e desumaniza a violência, provoca uma anestesia e desloca o cidadão para a condição passiva de espectador3 que demanda cenas cada vez mais realistas e dramáticas para ser sensibilizado.

3 Jacques Rancière (2010, p. 108) aprofunda esta condição: “[…]Ser um espectador significa olhar para um espetáculo. E olhar é uma coisa ruim, por duas razões. Primeiro, olhar é considerado o oposto de conhecer. Olhar significa estar diante de uma aparência sem conhecer as condições que produziram aquela aparência ou a realidade que está por trás dela. Segundo, olhar é considerado o oposto de agir. Aquele que olha para o espetáculo permanece imóvel na sua cadeira, desprovido de qualquer poder de intervenção. Ser um espectador significa ser passivo. O espectador está separado da capacidade de conhecer, assim como ele está separado da possibilidade de agir.”

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2 Utilizamos aqui o conceito de fábula segundo o entendimento de Milton Santos (2008), que coloca a fabulação como uma ferramenta de manipulação que compõe um sistema ideológico para justificar um determinado proceso, no caso, o processo de globalização, “ ajudando a considerá-lo o único caminho histórico” (SANTOS, 2008, p. 36), que permite manter uma determinada ordem social vigente. A violência da informação, que é determinada na apropriação das técnicas de informação por Estados e empresas, reside no aprodunfamento de desigualdades. Santos (2008, p. 39) coloca que essa fabulação de mundo é de tal modo presentificada que “a realidade e a ideologia se confundem na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se como coisa”. A fábula adquire portanto um caráter de dominação e alienação da realidade e das técnicas por um punhado de atores em função de seus próprios objetivos.


Imagens 04 e 05: exemplares onde a mídia aborda as questões do medo e da violência a partir de uma perspectiva reducionista e sensacionalista, imbuída de estereótipos — Capa do Jornal Meia Hora, do Rio de Janeiro; capa do sítio eletrônico do programa Cidade 190, veiculado por um canal da televisão de Fortaleza.

Essa fabulação do medo que coloca a violência como uma questão meramente policial e estratificada promove a ideia ingênua de que o isolamento é capaz de interromper o contato com a violência que lhe cerca e as teias sociais inerentes à vida urbana. Teresa Caldeira (2003), em seu trabalho Cidade de Muros, aborda os condomínios fechados em São Paulo e mostra essa dificuldade de imunizar-se dos conflitos da vida coletiva. A percepção simplificada do problema da violência sem considerar seu caráter societário se revela frágil quando analisamos o comentário sobre as entrevistas realizadas com vários moradores. A autora aponta que os problemas que os anúncios imobiliários prometem resolver se mimetizam em outra escala dentro do que ela chama de enclaves fortificados:

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Elas sentem que os condomínios de fato são seguros, se com isso se quer dizer que são capazes de evitar o crime e controlar interferências externas. No entanto, a vida entre iguais parece estar distante do ideal de harmonia que alguns anúncios querem construir. Igualdade social e uma comunidade de interesses não constituem automaticamente as bases para uma vida publica. (CALDEIRA, 2003, p. 275)


A ilusão da possibilidade de homogeneização induz a um estado de paranoia coletiva que se espacializa construtivamente em uma arquitetura ostensiva, ela própria indutora da violência que pretende apartar. Caldeira (2003) explicita essa contradição: Os enclaves são literais na sua criação de separação. São claramente demarcados por todos os tipos de barreiras físicas e artifícios de distanciamento, e sua presença no espaço da cidade é uma evidente afirmação de diferenciação social. Eles oferecem urna nova maneira de estabelecer fronteiras entre grupos sociais, criando novas hierarquias entre eles e, portanto, organizando explicitamente as diferenças como desigualdade. (CALDEIRA, 2003, p. 259)

Essa paranoia, cujo discurso tem base na microescala do cotidiano, é apropriada pelas macroestruturas, tais como as incorporadoras e o Estado, que passa a ditar as políticas públicas de produção do espaço e a exacerbação da vigilância. Essa apropriação em macroescala perpetua uma forma urbana que por si só é agressiva e geradora de violência. Alguns exemplos dessa apropriação em macroescala podem ser observados no âmbito privado: condomínios e bairros fechados com acesso restrito e provisão de equipamentos de lazer, educação e consumo; edifícios com gaiolas gradeadas em portarias de entrada; muros cegos em toda a extensão do edifício. No âmbito público, a questão de adoção de políticas públicas é igualmente preocupante. A mais abrangente tem sido os conjuntos habitacionais financiados pelo programa federal Minha Casa Minha Vida localizados primordialmente em espaços periféricos e murados, ratificando a aceitação da tipologia de bairro fechado4. No espaço urbano, a hierarquia das relações de poder citada por Caldeira se revela particularmente perversa no embate entre diferentes, que é inerente às práticas sociais. Ela se reforça quando aquele que exerce o poder nas disputas urbanas não se materializa propriamente no espaço, entretanto, o poder exercido por ele incide sobre o espaço e sobre os corpos. O que significa dizer que aquele que o exerce mantém-se numa macroescala, intangível, enquanto aquele sobre o qual o poder é exercido encontra-se na microescala, portanto frágil e suscetível. As relações de poder e sua representação no espaço manifestam-se segundo uma dialética entre o que chamamos de interrupções, interferência disfuncional macroestrutural; e resistências,

4 A Lei 6.766/79, Lei do parcelamento do solo, não prevê a tipologia de loteamento fechado, em discussão na revisão da lei, por considerarem a necessidade de regularização de vários loteamentos fechados que proliferaram nas grandes cidades do Brasil, principalmente, na última década. A lei original considera que o loteamento fechado é ilegal por privatizar um bem que deve ser comum após o parcelamento de glebas: as vias. A multiplicação desses bairros fechados pode ser extremamente prejudicial para o sentido de urbanidade e para as conexões da cidade, que pode se ver impedida de cruzar grande área de seu território. Para uma discussão mais aprofundada, ver a publicação A Perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão da lei do parcelamento do solo, organizada por Nelson Saule Jr.

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insurgências em microescala que se dão nos espaços rugosos.


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Imagens 06, 07, 08, 09: cenas do vídeo “Muros e Altos”, realizado em Fortaleza no ano de 2012 por Pedro Diógenes, Victor Furtado, Victor de Melo e Rodrigo Capistrano.


a. Interrupções Quando os espaços passam a ser construídos voltando-se para dentro, apartandose, o que está fora é sobra. Os espaços públicos se convertem em espaços residuais, disfuncionais à fruição, à deriva e à escala do corpo. A produção de espaços residuais é gerada, em um plano macroestrutural, pelo que nomeamos interrupções: processos urbanos que provocam um esgarçamento do tecido socioespacial. Essas interrupções na malha urbana se dão em vários âmbitos que se sobrepõem: relações sociais entre usuários e residentes; conexões viárias em escalas de quadra, bairro e região; produtividade econômica e densidade de usos; e são conformadas ao se promover a superposição de eixos viários de conexões moradiatrabalho-lazer entre grandes equipamentos públicos ou privados às malhas urbanas de seus entornos, ocasionando a interrupção da continuidade e das microescalas do tecido que compõem a cidade. Aqui nos deteremos sobre dois processos geradores dessas interrupções que consideramos estar mais presentes no contexto de Fortaleza, entretanto intrinsecamente relacionados em seus meios e objetivos. O primeiro, a produção da cidade-espetáculo, com intervenções sobre territórios ditos históricos que “utilizam a cultura como fachada tanto para a especulação imobiliária quanto para a propaganda política” (JACQUES, 2004, p. 25), buscando a atração de turistas em detrimento de usuários locais. O segundo processo se dá por meio da experiência capsular (SCHVARSBERG, 2012), onde “cápsulas” ou “arquiteturas fortificadas”5 e descontextualizadas de seu entorno tendem a comunicar-se somente entre si, numa rede de mobilidade igualmente enclausurada.

i. Cidade-espetáculo

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Em relação ao primeiro processo, observa-se que, ao se buscar criar uma imagem ultra atrativa e mercantilista da cidade, esta termina por se converter em simulacros de urbanidade e sociabilidade. Distam da realidade ao ponto de se tornarem alegorias caricaturais da cidade, uma vez que não se comunicam nem partem de nenhuma das práticas sociais que as envolvem. Esse distanciamento das realidades da cidade, sua substituição pelo espetáculo, definido por Guy Debord como “o capital (grifo no 5 O termo utilizado por Schvarsberg se assemelha àquele de “enclave fortificado” que Teresa Caldeira (2003) utiliza para apresentar os condomínios fechados. A partir de uma evolução dos pressupostos modernos de zoneamento urbano, onde se criar uma lógica de locomoção entre áreas de permanência apartadas (habitação, trabalho, ócio), na cidade contemporânea, elaboram-se essas cápsulas de maneira impenetrável, suplantando possibilidades de diversidade e contato. Ao abordar a o tema da privatização dos espaços públicos, o professor da FLACSo-Equador Fernando Carrión (2007) coloca a possibilidade de um urbanismo em trânsito para uma “cultura a domicílio”, onde se proliferam espaços fechados, monofuncionais e especializados, guardando similaridades ao conceito de experiência capsular.


original) a um tal grau de acumulação que se toma imagem” (DEBORD, 2003, aforisma 34), legitima-se na construção de diversos equipamentos vazios de significado social. São motivados por uma agenda globalizada que promove a especulação financeira segundo uma criação de demandas espaciais, como são os casos dos megaeventos esportivos que o Brasil tem sediado desde os Jogos Panamericanos 2007, na cidade do Rio de Janeiro; a Copa das Confederações 2013, em seis capitais6; e ainda não realizados Copa do Mundo 2014, em 12 capitais7; e Jogos Olímpicos, 2016, no Rio de Janeiro. Neste contexto, investimentos e projetos de infraestrutura urbana são planejados segundo as exigências e diretrizes das entidades privadas que promovem os megaeventos, assim como as datas limites para execução das obras, que divergem bastante daquelas necessárias ao planejamento participativo e voltado para as necessidades locais dos cidadãos. Os objetivos colocados se distanciam daqueles englobados pela noção de direito à cidade e se convertem em uma versão contemporânea daquilo que Debord já colocava em 1967, uma profusão de imagens que sustentam e estimulam a geração de capital privado a partir de investimentos públicos. […] o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita (grifo no original) na produção, e no seu corolário — o consumo. A forma e o conteúdo do espetáculo são a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. (DEBORD, 2003, aforisma 8)

Outros processos, para além dos megaeventos, tem seguido essa lógica, principalmente aqueles voltados para a renovação/ requalificação/ reabilitação/ revitalização dos centros históricos urbanos, de zonas portuárias e áreas degradadas bem infraestruturadas com interesse imobiliário. É o que Paola Berenstein Jacques denomina espetacularização urbana, que “seria indissociável dessas estratégias de marketing urbano, ditas de revitalização, que buscam construir uma nova imagem para a cidade que lhe garanta um lugar na nova geopolítica das redes internacionais” (JACQUES, 2004, p. 25). David Harvey (2012) também apresenta no livro Rebel Cities um conceito parecido de economia do espetáculo que, junto ao consumismo, turismo

7 As cidades-sede da Copa do Mundo 2014 são Manaus, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Brasília, Cuiabá, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre.

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6 As cidades-sede da Copa das Confederações 2013 foram Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.


e fomento da indústria cultural e do conhecimento, conformaram-se como aspectos primordiais da economia política urbana, ditando a qualidade de vida urbana como mais uma mercadoria acessível apenas para aqueles que detém o capital. A contradição desses processos reside na condução de políticas que induzem à gentrificação e ao desaparecimento de usos considerados divergentes ou inconciliáveis com a imagem asséptica que se deseja criar. São visões que pregam a adoção de características de espaços privados no âmbito público: vigilância, controle de comportamentos e indução ao consumo como atividade prioritária. Estas visões adquirem uma dimensão sintomática na multiplicação de Parcerias Público-Privadas (PPP) no âmbito do desenvolvimento urbano, principalmente quando há uma desvirtuação no uso de instrumentos que deveriam regular essas parcerias, como a Operação Urbana Consorciada (OUC). A experiência recente8 tem revelado um mau uso desse instrumento pelo parco resultado compensatório infraestrutural alcançado para a coletividade; pela gentrificação a que submete direta ou indiretamente essas áreas; e pela consequente homogeneização dos usos. Estas questões tem-se agravado pela falta de transparência na representação da sociedade civil no controle de gestão prevista quando da aplicação do instrumento; e pela legitimação do Estado de uma lógica de produção espacial mercantilista, distanciada do fomento a uma esfera pública e à coletividade. Em sua essência, as OUCs permitiriam a regularização e absorção pelo Estado da produção de mais valia possibilitada na flexibilização de índices construtivos nas PPPs, assim como garantiriam o envolvimento da sociedade civil no seu desenvolvimento pela determinação de conselhos gestores. Maricato e Ferreira (2002) colocam esta dificuldade de efetivar a participação pela abordagem genérica do Estatuto da Cidade (2001) pelo pouco amadurecimento democrático de nossas cidades:

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Muitas leis orgânicas municipais e Planos Diretores afirmam os conselhos gestores participativos mas eles raramente foram implementados. O que se entende por “representante da sociedade civil” também pode variar numa sociedade na qual a cidadania é restrita. Digamos que a lei abre a possibilidade da participação, e a gestão democrática dependerá então da correlação local de forças. (MARICATO, FERREIRA, 2002, p. 7)

8 Para compreender melhor o contexto das OUCs, indicamos ver os casos da formação de consenso no conselho da cidade de Belo Horizonte em COTA e FERREIRA (2007); OCUs Farias Lima e Água Espraiada em São Paulo em PESSOA e BÓGUS (2008).


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Dentro dessa perspectiva de correlação de forças para a efetiva garantia de participação e controle social, o fortalecimento dos conselhos gestores e conselhos da cidade pela ocupação da sociedade civil organizada faz-se extremamente relevante. De modo ainda mais urgente quando consideramos que a adoção de uma produção mercantilista do espaço não tem se restringido às PPPs e OUCs, mas alcança investimentos estatais massivos de caráter espetacular; e principalmente alcança os próprios espaços fiscalizadores e regulatórios que deveriam censurar iniciativas privadas com potenciais prejuízos ao interesse público.


OCCUPY ESTELITA: O CASO DA OUC DO NOVO RECIFE1 Um caso emblemático deste último ponto — do avanço dos interesse privados sobre os agentes que os deveriam regular — se dá em Recife, cidade que guarda muitas similaridades com Fortaleza por sua história e situação geográfica. O projeto Novo Recife pretende a revitalização da antiga área portuária da cidade em uma parceria público-privada que permitiria a construção de 12 torres de até 40 andares no antigo Cais José Estelita, às margens do Rio Capibaribe. O terreno da antiga RFFSA foi leiloado para um consórcio privado, que pede ao município a demolição de um viaduto e a possibilidade de transposição da linha férrea como compensação pela urbanização do Cais. Além de estar próxima a uma ZEIS, com potenciais repercussões na elevação do valor do solo; o projeto margeia o Centro Histórico da cidade, com baixa estatura e em grande parte tombado em nível federal, o que ocasionaria reais impactos na paisagem. O projeto ainda está em tramitação em várias instâncias de controle e gestão municipais, tendo sido aprovado de modo conturbado pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano, instância de controle social de caráter discursivo e deliberativo. Vários movimentos sociais se mostraram contra e pedem participação social efetiva para discutir os efeitos e benefícios do projeto à sociedade, de acordo com as diretrizes do Estatuto da Cidade. O principal argumento utilizado foi a falta de estudos de impacto de vizinhança e a inadequação do projeto em área histórica e estratégica em conexões para a cidade. O anúncio do empreendimento seguiu-se após diversas ações de restauro e reocupação do Centro pelo plano Recife-Olinda, que é parte de um projeto federal de reabilitação de centros históricos, que valorizaram a área. O projeto Novo Recife se traveste de urbanização, mas seu desenho urbano prega um isolamento e privatização da área de Cais e margem do rio ao não dar continuidade à malha viária e determinar apenas três acessos à área de espaço público e lazer em uma extensão de mais de 1km. As várias maquetes eletrônicas e propagandas veiculadas pelo consórcio se colocam na esteira do processo de espetacularização da cidade, promovendo imagens que não reconhecem a realidade preexistente ou mostrem o que será construído de fato. O que se revela é uma tendência de gentrificação e elitização de um bairro tradicional do Recife, sem que a população possa ter acesso ou voz no processo de mercantilização de sua paisagem.

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1 Os dados e informações colocados neste texto foram retirados do banco de conteúdos produzido pelo sítio eletrônico do grupo Direitos Urbanos – Recife, movimento ativista de questões relacionadas ao planejamento urbano e à efetivação do direito à cidade naquela cidade. Para um aprofundamento na questão, visitar: <http://direitosurbanos.wordpress.com>.


GENTRIFICAÇÃO, ELITIZAÇÃO E RACISMO — UM DESVIO BREVE Aqui consideramos uma diferença entre estes dois conceitos, onde gentrificação seria o processo de substituição de residentes de baixo poder aquisitivo devido à valorização do preço de terrenos e imóveis de modo a provocar uma pressão para vendas na perspectiva de um ganho imediato. A gentrificação pode vir a ser uma consequência de um processo maior de elitização, que é um fenômemo social que não perpassa somente a moradia, mas se estende para todos os espaços de convívio social; não se dá por uma restrição deliberada, mas por um constrangimento social albergado no status e no valor dos serviços e produtos disponíveis no espaço, embora também possa se dar por um constrangimento físico. É o caso da histeria coletiva provocada pela entrada de um conjunto de mais de 30 jovens negros a um shopping de alto padrão em Vitória-ES, fugidos de uma ação de repressão a um baile funk pela polícia militar em região próxima, no final de 2013. O medo dos presentes acionou a segurança privada e a polícia fazendo com que todos eles fossem abordados como suspeitos, muitos menores de idade, ajoelhados e rendidos no chão central do empreendimento. Nenhuma ocorrência de saque ou depredação foi registrada, apenas a afirmação de racismo e classismo declarado dos frequentadores e administradores do centro comercial.

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Imagem 09: jovens rendidos em centro comercial, enquanto clientes aplaudem e filmam, em Vitória - ES.


ii. Experiência Capsular As interrupções se dão também numa esfera subjetiva quando reforçam as barreiras que isolam os corpos de seu envoltório urbano, a cidade. Quando a rua deixa de abrigar a experiência cotidiana para servir de mera plataforma para o deslocamento dos habitantes entre elementos fixos no espaço — principalmente nos casos em que esse deslocamento se dá por meio do transporte individual — elimina-se muitas das possibilidades de interação humana, que são essencialmente constituintes da vida urbana. O arquiteto urbanista Gabriel Schvarsberg recorre ao conceito de experiência capsular9 para definir o fenômeno que se desenvolve na atual etapa do processo de globalização: […] onde um conjunto de objetos arquitetônicos implantados no tecido urbano, sem qualquer preocupação contextual e protegidos hermeticamente de seu exterior, forma o arquipélago que abriga um conjunto de dinâmicas “urbanas” (grifo no original) de acesso restrito, cujo passe de entrada é o poder de consumo de seus usuários. (SCHVARSBERG, 2012, p. 141)

Este fenômeno é fortemente impulsionado pela influência que o mercado imobiliário exerce na configuração da superfície urbana e se dá de forma particularmente perversa nas cidades latinoamericanas que tem sua origem vinculada à forma de organização capitalista10, promotora da segregação urbana baseada no capital. Nestes contextos, o valor da solo em uma região é regulado principalmente pela qualidade da infra estrutura urbana disponível — como vias automotivas, oferta de transporte público, saneamento, segurança, coleta seletiva e limpeza urbana; e pela proximidade de serviços básicos — como hospitais, postos de saúde, instituições de ensino, bancos, centros culturais e comércio. A lógica estruturada e reproduzida pelo mercado é indutora da especulação imobiliária que mantém habitações e terrenos vazios nas áreas centrais — favorecendo os investidores e principais detentores do capital; ao passo que expulsa para as periferias

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9 O filósofo belga Lieven De Cauter cunhou originalmente o termo civilização capsular em sua obra intitulada The capsular civilization: on the city in the age of fear. (CAUTER, 1994 apud SCHVARSBERG, 2012, p.140) 10 Apesar do modelo capitalista operar atualmente em uma abrangência de escala global, as diferentes cidades organizadas segundo este modelo resguardam particularidades entre si. No caso das cidades latinoamericanas, que tem sua origem vinculada a violentos processos de colonização, pode-se dizer que já surgem capitalistas ao mesmo tempo que inseridas em uma relação de subserviência aos países europeus e, posteriormente, aos Estados Unidos da América. (DIEHL; ROSA; MAZURA, 2009)


a população que não tem como arcar com os altos custos do valor da terra. Em uma situação onde a maior parcela da população das cidades habita distante de seus locais de trabalho e das ofertas de serviços básicos, há uma exponencial demanda por mobilidade urbana para o deslocamento de um volume cada vez maior de pessoas em percursos cada vez mais longos. Reside aí um dos elementos fundamentais da experiência capsular: a necessidade de cruzar enormes distâncias tende a eliminar a vivência cotidiana da rua, que passa a ser experienciada primordialmente através de automóveis (sejam coletivos ou particulares) e em alta velocidade11. A apreensão que se tem da cidade é então fragmentada, assim como são fragmentados os encontros e a própria constituição de uma coletividade por seus habitantes. Isto se agrava com o uso do transporte individual, que no caso dos automóveis constitui perfeitamente a ideia de cápsula que tratamos aqui. A mobilidade urbana assume portanto um papel importante no que diz respeito à experiência capsular. Aliado ao mercado imobiliário, o Estado é também promotor e reprodutor dessa sociedade capsular ao fornecer incentivos fiscais ou “mecanismos de endividamento que oneram grande parte do orçamento das famílias trabalhadoras” (DIEHL; ROSA; MAZURA, 2009) para a compra de automóveis particulares, bem como ao destinar volumosos recursos ao transporte individual através políticas rodoviaristas que beneficiam desproporcionalmente o uso do automóvel particular em detrimento de outras modalidades. Paralelamente, os custos de produção do transporte público12 — operado em boa parte do território brasileiro através de consórcios entre o Estado e empresas particulares — são divididos entre os usuários pagantes, o que diante das políticas públicas de incentivo ao transporte particular, tem o tornado cada vez mais oneroso, sem garantir qualquer melhoria na qualidade de seu funcionamento. A fórmula básica de cálculo dos custos totais do transporte público é elaborada pelo Ministério dos Transportes, o que traz à tona o questionamento a respeito de sua consistência enquanto serviço público ou prática deliberada de favorecimento ao patrimônio privado (DIEHL; ROSA; MAZURA, 2009).

12 Para maiores detalhes sobre os custos do transporte público urbano no Brasil, consultar a nota técnica Tarifação e financiamento de transporte público urbano publicada pelo IPEA (CARVALHO, Carlos Henrique Ribeiro de. et al, 2013).

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11 A crescente adesão ao transporte individual, bem como a má qualidade dos transportes públicos metropolitanos promovem uma desaceleração desses processos de deslocamento. A longa espera pelo próximo ônibus, trem ou metrô; assim como os complexos engarrafamentos, transformam essa ideia da metrópole como lugar dotado de velocidade em mera fábula, promovida pelo marketing.


Esta exposição mais aprofundada sobre a política de mobilidade urbana nas cidades brasileiras se justifica enquanto esforço por explicitar aspectos fundamentais de uma dinâmica controlada pelo Estado em parceria com a iniciativa privada. O atual processo de configuração urbana das cidades brasileiras não vive absolutamente uma situação de carência de planejamento, mas é orientado por um planejamento que opera a partir do favorecimento de interesses particulares em detrimento da coletividade.

Imagem 10: Outdoor nas imediações da Av. Engenheiro Santana Jr., em Fortaleza, onde atualmente está sendo construído um viaduto que invade os limites de um dos maiores parques urbanos da América Latina, o Parque do Cocó. A obra contraria uma grande mobilização popular que envolveu a ocupação do parque por dezenas de ativistas durante mais de dois meses; um concurso de projetos alternativos promovido por estudantes de Arquitetura e Urbanismo; e uma série de ações populares movidas na justiça pedindo o embargo da obra.

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Não se pode dissociar os mecanismos que produzem a experiência capsular daqueles que dão manutenção ao sistema de privilégios e exclusões baseado no poder de compra dos cidadãos, de tal modo que a democratização do direito à cidade perpassa a desconstrução deste modelo de estruturação do espaço. A conversão da rua — espaço originalmente relacionado à vivência pública, ao encontro com o diferente — em mera via para o deslocamento de automóveis, meio de conexão entre cápsulas é principalmente uma política de estado. A espetacularização, enquanto política de estado, tende a ser totalizante, hegemônica. Mas o seu caráter macroestrutural lhe confere uma particularidade: não lhe permite alcançar completamente as entranhas dos espaços e das relações sociais. Estas políticas logram criar cenários espetaculares viabilizados pela experiência capsular, mas que por não alcançarem todos espaços e todos os corpos, configuram-se somente enquanto interrupções. Assim, não controlam a geração de espaços residuais que se faz inerentemente aos processos de interrupção, quando lhes escapa a regulação das microescalas. Ao passo que a atuação do poder hegemônico se concentra em determinados espaços, aquelas zonas que não são diretamente tocadas por esse poder se colocam em uma condição de relativa autonomia ou autorregulação: as resistências.


b. Resistências i. Pequena e grande luz // Espaços opacos e luminosos O foco principal deste trabalho é compreender as resistências, como surgem e se corporificam a partir das práticas sociais que reconfiguram os espaços. Numa tentativa, buscaremos neste capítulo construir uma relação entre dois teóricos que desenvolvem ideias cuja base conceitual fundamenta-se na luz e sua incidência sobre o espaço, traçando um paralelo entre os espaços residuais e a cidade-espetáculo. O filósofo francês Georges Didi-Huberman traz em sua obra Sobrevivência dos Vagalumes uma reflexão acerca do que chama de pequenas e grandes luzes, a partir de escritos do cineasta do neorrealismo italiano, Pier Paolo Pasolini. Paralelamente, a teórica brasileira Ana Clara Torres Ribeiro aborda, a partir da obra do geógrafo Milton Santos, o conceito de espaços opacos e luminosos como forma de entender as relações de poder no contexto da informalidade. Didi-Huberman (2011) elabora uma análise sobre a resistência no período do Fascismo italiano, a partir de uma carta escrita por Pasolini a um amigo em 1941. Nesta carta, relata uma experiência vivida numa noite com amigos em um bosque de Pievo del Pino, onde as pequenas luzes de vagalumes irrompem na escuridão de modo semelhante à alegria inocente dos rapazes. Neste contexto político, o cerceamento das liberdades se dava por uma grande vigilância do Estado, em especial nos espaços públicos. Ao escalar uma colina, os rapazes encontram a luz de dois grandes refletores, “olhos mecânicos aos quais era impossível escapar”13, e fogem. A alegria, representada aqui pela pequena luz dos vagalumes, seria então uma exceção ao estado de culpa e vigília — impulsionado pelas manifestações do fascismo — representado pela grande luz dos refletores.

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PASOLINI, 1991, p.38, apud DIDI-HUBERMAN, 2011, p.21

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Assim, Didi-Huberman estabelece uma metáfora entre o poder totalizante e a grande luz dos refletores, que ofusca toda possibilidade de resistência dentro de seu espectro. Ao mesmo tempo, ela é seletiva: ilumina alguns espaços, relegando outros ao esmaecimento. E é nestas zonas de penumbra, que a grande luz não toca, onde se dá a ver os pequenos focos de resistência metaforizados pela pequena luz dos vagalumes. Há períodos na história em que a grande luz se faz mais presente e dificulta a sobrevivência dos vagalumes — ou das resistências — ao multiplicar seus focos.


[…] Não foi na noite que os vaga-lumes desapareceram, com efeito. Quando a noite é mais profunda, somos capazes de captar o mínimo clarão, e é a própria expiração da luz que nos é ainda mais visível em seu rastro, ainda que tênue. Não, os vaga-lumes desapareceram na ofuscante claridade dos “ferozes” projetores: projetores dos mirantes, dos shows políticos, dos estádios de futebol, dos palcos de televisão. (DIDI-HUBERMAN, 2011, p.30)

É possível construir uma relação entre a grande luz de Pasolini e os espaços luminosos que Ribeiro (2012) desenvolve a partir de Milton Santos, onde estes seriam […] produtos da razão que amplifica estrategicamente comandos da modernidade. Denotam a força da racionalização emanada do pensamento instrumental, que, ao selecionar o que tem ou não valor, é capaz de seduzir e convencer. […] O excesso de luz, produzido pela técnica e pela máquina, também traz cegueira. Este excesso, condutor das ações celebradas pela mídia hegemônica, impede a percepção de possibilidades de ação alternativa e, assim, de racionalidades alternativas. (RIBEIRO, 2012, p. 67)

O domínio da técnica permite a instrumentalização de projetos — macroprojetos. A macropolítica é sedutora quando não se dá a ver por inteiro. Detentora do domínio da técnica, formula um discurso que omite as consequências indesejáveis que ultrapassam o marketing e esconde o que não é espetacularizável. A coexistência com que o circunvizinha ou as impossibilidades legais de concretização são minimizadas, quando não suprimidas, pela repetição extensiva de imagens-simulacro que apaziguam a discussão. Há uma vocação totalizante desta racionalidade produzida pela macropolítica “desejosa de homogeneização e de unificação, […] que transforma a existência daqueles a quem subordina numa perspectiva de alienação” (SANTOS, 2010, p.126).

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A macropolítica pauta-se num ideário formulado por ela própria, ao qual os indivíduos tendem a desejar por não conseguirem apreendê-lo em sua totalidade. A força do discurso hegemônico contida nas impecáveis maquetes eletrônicas dos conjuntos habitacionais, nas obras viárias e equipamentos de entretenimento faraônicos escondem a complexidade dos conflitos, que não são passíveis de tradução em curtas manchetes de jornal.


Por não serem detentores da técnica, os microagentes não conseguem converter em imagens — ou em sedutores discursos — o seu modo de vida. Recorrendo às figuras conceituais de luz e sombra, pode-se dizer que os espaços e os corpos não espetacularizáveis são deslocados para uma zona de opacidade. Este processo tem consequências de natureza ambígua: uma vez que essas zonas pouco se beneficiam (são excluídas) dos macroprojetos, sua opacidade lhes confere certa autonomia e uma consequente possibilidade de resistência, forçando-lhes a um modo de vida mais inventivo e ativo.

ii. Experiência da escassez e táticas Esta condição se reforça no contexto das cidades latinoamericanas, em especial Fortaleza, onde ocorre uma intensificação da experiência da escassez (SANTOS, 2010). Ao confrontar-se a espetacularização com a profunda desigualdade social, revela-se a impossibilidade de homogeneização da condição de consumo14 e acesso ao que viria a ser o propagandeado pelo espetáculo. Portanto, aqueles que se veem excluídos deste processo — ou vivenciam uma condição de escassez — fazem-se potenciais promotores de novas práticas urbanas que se dão na escala do corpo e das negociações diretas. Esses modos de vida constituem em si uma outra forma de fazer política — distinta da política institucional, identificada conceitualmente na figura da grande luz — que se reinstaura cotidianamente. […] na convivência com a necessidades e com o outro, se elabora uma política, a política dos de baixo, constituída a partir das suas visões do mundo e dos lugares. Trata-se de uma política de novo tipo, que nada tem a ver com a política institucional. Esta última se funda na ideologia do crescimento, da globalização etc. A política dos pobres é baseada no cotidiano vivido por todos, pobres e não pobres, e é alimentada pela simples necessidade de continuar existindo. (SANTOS, 2010, p.132-133)

14 Aqui vale uma atualização sobre a experiência da escassez pós governos federais do PT (Lula e Dilma), uma vez que amplia-se a partir daí o acesso ao consumo, ainda que não de maneira absoluta, por programas de transferência direta de renda e microcrédito. O termo cunhado por Milton Santos, “perversamente incluídos” no capitalismo, ganha novo sentido no atual contexto de ascensão das camadas populares, que agora tem acesso ao mercado, mas se mantem alijadas da participação política. Configura-se um fortalecimento da figura social do consumidor, em detrimento daquela do cidadão.

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É nas porosidades dos espaços luminosos, onde a experiência da escassez se faz mais presente, que se constituem os espaços opacos, onde a resistência — sobrevivência — se faz como micropolítica: um conjunto de pequenas ações independentes e


imediatas. Por se darem em negociações específicas, regidas por necessidades diretas e locais, escapam aos desígnios de uma ordem superior e instauram uma estrutura de horizontalidade que nega as hierarquias. Essa recusa às hierarquias não se dá de maneira deliberada, mas compõe essencialmente a natureza desses agenciamentos; são configurações que escapam ao poder hegemônico e se utilizam do que Michel De Certeau (1998) nomeia tática. “Sem lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz como se fica no corpo a corpo sem distância, comandada pelos acasos do tempo, a tática é determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder. […]” (DE CERTEAU, 1998, p. 101)

E mais, “[…] O que ela (a tática) ganha não se conserva. Este não-lugar lhe permite sem dúvida mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no vôo as possibilidades oferecidas por um instante. Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. […] Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia. […] Em suma, a tática é a arte do fraco.” (DE CERTEAU, 1998, p. 100-101)

De Certeau traz a ideia de tática como um instrumento no contexto do indivíduo para que este realize a sua arte, mas é possível expandir este conceito para as coletividades. Por não possuir um próprio e portanto não incidir poder sobre nenhum território, é que a tática se apresenta funcional à horizontalidade: está sujeita a ocorrer em qualquer espaço, à medida em que este se torne opaco ao poder hegemônico15. Nos encontros que se dão nos espaços residuais, opacos, os indivíduos se reconhecem em desejos e lutas comuns — é através das alianças improváveis que ela pode se fazer coletiva.

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Quando colocamos o movimento de ocupações informais por moradia em terrenos baldios, frutos da especulação imobiliária, este é um modo de fazer tático, que se aproveita de um breve apagar dos refletores (a grande luz). Assim também o são as ocupações de feiras nos baixios dos viadutos, resíduos das interrupções; ainda as alianças entre distintos movimentos sociais que compõem focos de resistência, 15 O que convencionamos chamar de poder hegemônico, termo de Milton Santos, aproxima-se à ideia de poder proprietário, utilizada por De Certeau..


estruturando-se de maneira rizomática; e todos os possíveis não previstos e não regulados pela macropolítica. As resistências, em oposição às extravagancias da cidade espetáculo, não tencionam impor o seu modo de vida para além dele próprio.

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Cada um dos teóricos apresentados reconhece, à sua maneira, os modos de vida que se engendram nos espaços de resistência. Buscamos aqui encontrar pistas sobre como o planejamento urbano pode se imbuir destas táticas, colocando-se num plano de horizontalidade com as diversas forças com as quais opera. O que lançamos como provocação é o esforço por reconhecer que as resistências compõem em si um projeto de cidade, ainda que quem as faça não detenha a técnica para sistematizá-lo. As práticas e encontros que reinstauram a cidade são também projetos de cidade.





[…] Naquele império, a arte da cartografia alcançou tal perfeição que o mapa de uma única província ocupava toda uma cidade, e o mapa do império, toda uma província. Com o tempo, esses mapas desmesurados não foram satisfatórios e os colégios de cartógrafos levantaram um mapa do império, que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos afeitas ao estudo da cartografia, as gerações seguintes entenderam que esse dilatado mapa era Inútil e não sem impiedade o entregaram às inclemências do sol e dos invernos. Nos desertos do oeste perduram despedaçadas ruínas do mapa, habitadas por animais e por mendigos; emtodo o País não há outra relíquia das disciplinas geográficas. (BORGES, 1976)

Esta alegoria recuperada pelo escritor Jorge Luis Borges1 nos provoca uma inquietação a respeito da impossibilidade de apreensão de um processo que se dá no presente e que não é estático. O mapa de Borges só logra representar a cidade quando é incorporado por esta e passa a ser habitado por seus moradores. Há uma insensibilidade dos cartógrafos imaginados por Borges e de alguns de nossos atuais pensadores do espaço que, ao buscarem um controle total de compreensão e proposição, lhes escapa o próprio sentido de cartografar: perceber os palimpsestos de práticas sociais e culturas que se sobrepõem e interagem; escapa-lhes a possibilidade de haver cartografias, no plural, que possam apreender complexidades além do espaço, temporalidades que residem nas rugosidades a que o grande mapa — ou o grande plano — não adere. O ato de representar carrega consigo o potencial para a reinstauração. Para tal, é preciso ampliar a sua definição enquanto gesto puramente mimético, que ao tentar capturar um instante da realidade, revela-se defasado e impreciso. Uma vez constituída enquanto reiteração, a representação carrega em si um conjunto de possibilidades do real. É uma tentativa de atualizar o que está posto — arrisca-se assim ao descompasso —, que ao reinstaurar a realidade, a recoloca, não tal como é, mas como pode vir a ser. Ao chamar este capítulo de Processo, apontamos para tentativas de apreensão desta realidade a partir de seus devires, potenciais e hipotéticos; reconhecemos a impossibilidade de um planejamento absoluto, soberano, que desconheça os meandros das ruas e vidas que (re)apresenta; sobretudo, reiteramos a mutabilidade dos fluxos e

1 O poema “Do rigor científico”, de Jorge Luis Borges é ficcionalmente creditado ao personagem Suárez Miranda, que supostamente o teria publicado em Viajes de Varones Prudentes, livro quarto, cap. XLV, Lérida, 1658.

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dos fixos, em sua corporeidade imprevisível e criativa.


03.


[Praia de Iracema, 3o439.26S 33o3058.43W]

DO LUGAR

a. Contextualização sócio-espacial

Fortaleza tem cerca de 2 milhões e 500 mil habitantes, com uma densidade de 7.786,52 hab/km2 (IBGE, 2010), o que lhe confere o título de capital mais densa do país, à frente de São Paulo, Belo Horizonte e Recife. Ao longo dos últimos dez anos tem sofrido um processo de adensamento em toda a sua região metropolitana (RMF), impulsionado pela instalação do Complexo Industrial do Pecém; desenvolvimento do

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Ao construirmos o processo para este trabalho, fomos delineando recortes temáticos — um ponto de vista — para analisar os projetos de cidade e como estes se entrelaçam e se confrontam produzindo o espaço urbano. Escolhemos um primeiro: o espaço público, em geral, e o espaço residual, em específico. Ao observar este espaço segundo uma perspectiva das relações de poder e das possibilidades de interação entre macro e micropolítica, fomos conformando um microuniverso de análise e posterior intervenção que pudesse conter a complexidade necessária à representação de um todo por uma parte. Escolhemos um segundo recorte então: na cidade de Fortaleza-CE, o bairro Praia de Iracema, especificamente o entorno da comunidade Poço da Draga e da Ponte Metálica — antigo porto da cidade.


turismo nos municípios litorâneos; e atividades industriais e criação de infraestrutura em municípios ao sul de Fortaleza. Assim, a demanda por solo é altíssima, que, aliada à desregulamentação de absorção de mais-valia e falta de um plano de indução de ocupação, desencadeia um processo de especulação imobiliária forte e descontrolado, onde o preço médio dos imóveis mostram um aumento de 24% entre os anos de 2012 e 2013 (O POVO, 2013), atualmente em R$ 424 mil. Em uma cidade que ocupa o 2o lugar da América Latina em desigualdade social (ONU-HABITAT, 2011), este valor representa uma distância significativa entre a produção habitacional e o real acesso à moradia. Queremos aqui entretanto relevar uma outra face da pressão pelo uso do solo, que é a dificuldade de garantir o uso de áreas destinadas a espaços públicos, a proteção de fragilidades ambientais e a desapropriação para desenvolvimento de infraestrutura urbana. A pressão sobre o solo tem relegado muitos terrenos que deveriam compor o sistema de espaços livres, principalmente praças e parques, à construção de edifícios institucionais ou alargamento de vias, pela falta de capital, mas também de respeito aos planos diretores aprovados ao longo dos anos. Desde o primeiro correspondente a um plano diretor de Fortaleza, a municipalidade não conseguiu implementar integralmente nenhum de seus planejamentos. No total, foram propostos sete planos: Plano Silva Paulet de 1812; Plano Adolfo Herbster de 1875; Plano Sabóia Ribeiro de 1947; Plano Hélio Modesto de 1963; Plano Diretor de Fortaleza (PLANDIRF) de 1971; Plano Diretor Físico de 1975 e sua Lei de Uso e Ocupação (LUOS) de 1979; Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 1996 e sua LUOS de 1996; e o mais recente PDP-FOR de 2009, ainda sem regulamentação de seus instrumentos e sem atualização da LUOS.

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Fortaleza, portanto, não carece especificamente de planejamento, mas de ações integradas e efetivas de gestão que respeitem seus planos. Ao longo dos últimos 20 anos, a cidade fez diversos investimentos, inclusive com empréstimos e recursos de agências internacionais de incentivo ao desenvolvimento, mas com pouquíssima qualidade de informação técnica e foco estrutural de combate a problemas básicos (moradia, saneamento, saúde, mobilidade). Mais recentemente, após a aprovação do PDP-For, em 2009, houve avanços significativos em termos de produção de moradia para além da política de conjunto habitacionais periféricos, sem contudo implementar as ZEIS ou combater a especulação imobiliária diretamente. Entretanto,


a institucionalização do programa nacional Minha Casa, Minha Vida tem retomado rapidamente o processo de periferização1. Em termos ambientais, as conquistas foram talvez mais significativas, principalmente considerando a condição de Fortaleza em ser uma cidade limitada a oeste e sudeste por dois grandes rios, Ceará e Pacoti, e cortada ainda por dois mais, Maranguapinho e Cocó, o maior e mais importante. Todos com nascente em sua região metropolitana. Três ações de grande impacto podem ser citadas: a urbanização do rio Maranguapinho, ainda em execução; a proteção legal integral da mata ciliar do rio Cocó; e a criação de um parque de proteção às únicas dunas restantes de toda a orla da cidade, entre a região da Sabiaguaba e a foz do rio Pacoti. Apesar disso, é sistêmica a associação entre fragilidades ambientais e moradia precária como solução para a inserção urbana frente aos altos preços dos imóveis2. Atualmente, essa relação entre fragilidades ambientais e mobilidade encontra-se em um ponto de tensão, ao observar-se os vários projetos em execução ou prospecção que não seguem nenhum plano de mobilidade, mas a demandas imediatas de conexão e, mais recentemente, à demanda de mobilidade imposta pela FIFA (empresa internacional privada) para a realização da Copa do Mundo 2014 (evento esportivo de caráter mundial). Esse processo tem suscitado diversas manifestações contrárias por grupos sociais distintos, desde aqueles ligados à questão da moradia digna a ambientalistas e urbanistas. Nos últimos três anos, tem havido uma grande mobilização em prol de um debate mais amplo sobre a participação democrática na construção da cidade, a partir da pauta de remoções para obras da matriz da Copa e de mobilidade em áreas de proteção ambiental. Historicamente, esse conflito entre a necessidade de conectar a cidade e a de preservar o meio natural se coloca numa situação indissolúvel para a cidade, tendo em geral o primeiro interesse prevalecido. É o caso da canalização e parcial galerização do riacho Pajeú, berço da cidade, hoje invisibilizado; da canalização do curso d’água nas Avenidas Eduardo Girão e Aguanambi, causa de anuais enchentes e alagamentos; e do aterramento de diversas lagoas intermitentes em toda a extensão do território.

2 Há ainda uma questão em relação à tendência de flexibilização de parâmetros mínimos de urbanidade para a implementação de empreendimentos imobiliários de baixa renda do programa Minha Casa, Minha Vida, que permite a retomada de um processo de periferização, uma vez que se coloca a possibilidade de conjuntos habitacionais em áreas com baixos índices de adequação sanitária e ambiental. Também sobre essa questão, ver a referência do artigo Produção Habitacional na Região Metropolitana de Fortaleza na década de 2000: Avanços e Retrocessos, por FREITAS, C. F. S..; PEQUENO, L. R. B. (indicado na bibliografia).

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1 Para entender melhor esses processos, indicamos a leitura do artigo Produção Habitacional na Região Metropolitana de Fortaleza na década de 2000: Avanços e Retrocessos, por FREITAS, C. F. S..; PEQUENO, L. R. B. (indicado na bibliografia).


Atualmente, a pressão imobiliária, que tem definido de modo contundente os investimentos de infraestrutura, recai sobre a região leste da cidade, onde se localiza grande parte da área de parque do rio Cocó. Dois exemplos da política impositiva e aleatória que tem sido adotada são a construção de uma ponte próxima a sua foz que conecta duas áreas pouco adensadas de faixa litorânea, sem conter nenhuma calçada ou ciclovia; e o mais recente projeto de uma ponte estaiada próxima à primeira conectando duas áreas de interesse imobiliário, mas sem grande importância para o descongestionamento dos fluxos da cidade. Esses projetos, por possuírem uma macroescala totalizante, terminam por gerar diversos espaços a que chamamos residuais, espaços que sobram por diferirem bruscamente da escala do corpo e da urbanidade, representam a impossibilidade de integração entre duas lógicas distintas em refinamento escalar: a do grande projeto, automotivo e sem interesse no interstício que sobra entre os dois pontos que conecta; e a da cidade, que se constitui antes pelas pessoas e transações que se fazem no encontro. A macroescala e seus resíduos não podem comportar o encontro, são de outra ordem, capsulares e velozes. Fortaleza é, em certa medida, constituída desses pedaços residuais de espaço, que a compõem como um devir-cidade infindo, que nunca chega a se realizar. A fronteira entre o Centro e a Praia de Iracema é, como toda Fortaleza, em grande parte produto do embate dessas escalas, desses projetos de cidade: é o conflito entre se colocar como berço histórico industrial e naval, em contraponto à beleza cênica que guarda seu mar, antes vila de pescadores (Mapa 01). É o conflito entre a boemia, produção artística e a exploração sexual infantil por um turismo predatório que se coloca em décadas posteriores. E hoje, a pressão imobiliária por verticalização e requalificação e a resistência dos informais, marginais e artistas em preservar um a memória e um modo de vida. Os textos que seguem abordam essas contradições que guarda a Praia, ainda que seja necessária a ressalva de que não se pretende uma romantização daquilo a que nomeamos resistências, mas sim um esforço de colocar reverberação em vozes que agora permanecem abafadas, uma tentativa de igualar – planificar, colocar em um mesmo plano – as vozes dos que ali habitam e ali intervém.

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b. Projetos (espetaculares) ao longo da história A zona fronteiriça entre o Centro e a Praia de Iracema carrega uma importância estratégica na cidade. Desde a implementação do primeiro porto até os dias atuais, sempre despertou interesse de grupos os mais diversos, o que lhe conferiu significados muitas vezes opostos. Pescadores, trabalhadores da construção naval, boêmios,


PROJETOS (ESPETACULARIZANTES) AO LONGO DA HISTÓRIA PROJETO

OBJETIVOS/ PROPOSTAS

PROPONENTES

PERÍODO

Centro cívico da cidade

Implantação de Centro Cívico de referência para a cidade Dinamização e consolidação da Praia de Iracema e do Centro

Plano Diretor, Urbanista Hélio Modesto

1963

Expansão das atividades de construção naval Remoção de parte da vila de pescadores

Setor Privado

Déc. 1980

Rua 24 Horas

Revitalização da Praia de Iracema Atração de turistas e usos noturnos, com bares e restaurantes

Prefeitura

1994

Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura

Reabilitação de galpões industriais de antiga zona portuária Dinamização econômia e de usos do bairro

Governo Estadual

1998

Centro Multifuncional de Feiras e Eventos

Construção de centro de feiras em aterro no mar na antiga área de Indústria Naval Dinamização econômica e de usos do bairro Remoção de parte da comunidade Poço da Draga

Prefeitura e Governo Estadual

2001

Revitalização da Praia de Iracema

Reforma do calçadão da Praia de Iracema Reabilitação de edifícios tombados Colocação de iluminação pública

Prefeitura

2008-2012

Acquário

Construção de equipamento de entretenimento de grande porte para atração turística e revitalização da Praia de Iracema Dinamização econômica e de usos do bairro

Governo Estadual

2009-

Tabela 01: Projetos espetacularizantes ao longo da história

comerciantes, turistas, artistas, produtores culturais, ambulantes, empresários, prostitutas, estudantes. É possível encontrar todos estes personagens num bairro que possui apenas 0,16% do território da cidade (IBGE, 2010)3. Entretanto, para este trabalho, consideramos a análise de apenas sete projetos da história recente do bairro (50 anos), que se constituem como interrupções no espaço urbano e promovem a sua espetacularização. O primeiro projeto previsto para se instalar na área adjacente à Ponte Metálica era um centro cívico indicado no Plano Diretor de 1963, elaborado pelos urbanistas Hélio Modesto e Adina Mera. A proposta previa a modernização da área central da cidade, a partir do zoneamento funcional e da hierarquização de vias e avenidas; em suma, a criação de uma centralidade cívica (FARIAS FILHO, 2008). Entretanto, esta centralidade cívica que pretendia o fortalecimento da comunidade do bairro e da cidade implicaria o deslocamento de preexistências, ao ocupar o espaço da vila de pescadores do Poço 3 Segundo dados do Censo 2010 - IBGE, a área da Praia de Iracema é 0,512km2, a área de Fortaleza é 314,930km2.

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Estaleiro INACE


da Draga. Uma incoerência que residiria em tentar fortalecer uma vizinhança a partir da exclusão daqueles que compunham justo o cerne da cultura daquele lugar. A falta de continuidade das políticas públicas impediu a concretização do projeto de Hélio Modesto, mas revela um traço que permanece no histórico do urbanismo fortalezense. A socióloga Linda Gondim (2008) comenta este conflito entre planejadores e residentes da Praia de Iracema quando aborda a construção do centro cívico: […] tal proposta não se concretizou, mas a ameaça renovou-se várias vezes, evidenciando que o crescimento econômico, o mercado imobiliário e as próprias políticas públicas caminham na contramão do atendimento ao direito à cidade, em geral, e à habitação, em particular. (GONDIM, 2008, p.101)

Em sequência, duas décadas depois, uma nova proposta de cunho privado deveria expandir-se de modo bastante impactante: o estaleiro da INACE, cuja instalação remonta ao fim da década de 1960. Este equipamento determinaria por vários anos a utilização preferencialmente industrial do bairro, ao ocupar grande parte de sua orla — privatizando-a — e incentivar atividades complementares em seu entorno. A construção de galpões, hoje vazios ou ocupados por estacionamentos, configurou a paisagem da Praia de Iracema e se mantem como traço marcante no tecido urbano. Sua expansão teve como consequência a remoção de vários moradores do Poço da Draga, que, segundo Gondim (2008),

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“[…] compraram casas em outra parte do assentamento; outros foram removidos para o Conjunto Palmeiras, na periferia de Fortaleza. A ação da Inace, além de atingir várias habitações, dificultou o acesso à praia, prejudicando o lazer e interferindo na atividade de pesca, que na época constituía importante fonte de renda para a comunidade.” (GONDIM, 2008, p.101)

Assim, a comunidade que foi se constituindo junto com a própria história do bairro vai sendo sistematicamente ameaçada ao longo dos anos, bem como suas atividades laborais e de lazer. Parece-se indicar que a ideia de uma modernização do espaço urbano, segundo o poder público e o capital privado, perpassa necessariamente a supressão das diferentes temporalidades que o permeiam, aderindo à uma concepção asséptica e higienista de construção da cidade.


Diagrama 02: Custos do Acquário Ceará

Em 1994, a Prefeitura Municipal propõe a remoção novamente da comunidade, oferencendo uma permuta com outro terreno no próprio bairro (OLIVEIRA, 2006; GONDIM, 2008). A proposta Rua 24 horas tinha por objetivo requalificar a Praia de Iracema, tornando-a novamente um ponto de atração turística e de lazer. O projeto não se realizou, mas foi seguido de outras duas novas propostas não executadas de remoção para conjuntos habitacionais em 1996 e 1997 (OLIVEIRA, 2006). Ainda no final da década, em 1998, é construído o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), equipamento de porte metropolitano sob responsabilidade do governo estadual. O terreno onde foi implantado tinha vizinhança imediata com a passar dos anos, foram transformando-se em casas noturnas e bares. Em certa

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comunidade do Poço da Draga, assim como os vários galpões industriais, que, no


medida, o CDMAC trouxe uma possibilidade de geração de renda, dando estabilidade para muitos residentes da área, mas falha em possibilitar uma integração maior destes residentes enquanto usuários de suas atividades, para além do apoio logístico. Apesar do grande atrativo de pessoas e atividades, a influência do CDMAC vai pouco além das quadras adjacentes ao complexo, não impedindo o aumento da violência urbana e degradação nos quarteirões mais afastados. Uma inferência de causalidade que fazemos é a permanente desproporção de investimentos entre o CDMAC e o resto do bairro, um dos mais bem servidos em infraestrutura da cidade, em relação ao Poço da Draga, a menos de 100m de distância e ainda sem saneamento básico; assim também o é quando comparamos os espaços públicos salvaguardados pelo CDMAC e aqueles utilizados pelos residentes, como a Ponte Metálica, em deflagrado processo de desmoronamento e abandono, e a praia adjacente, que, por vezes, chega a ser utilizada como abrigo de entulho de obras da região. A atenção do Estado de maneiras tão discrepantes em regiões tão próximas parece dar pistas do porquê dos conflitos que vão apartando ainda mais o bairro, já tão diminuto. O que ignoram essas intervenções ao propagandear a requalificação do bairro pela criação de grandes equipamentos e espaços públicos é a preexistência de diversos espaços e usos resistentes, que vão sendo mantidos cotidianamente pelo improviso e viração, ao se verem ignorados e cerceados. A demanda por manutenção destes, de baixíssimo orçamento, prova-se muito mais eficaz em promover os objetivos que equipamentos como o CDMAC não conseguiu concretizar. Já após a consolidação do CDMAC, em 2001, um novo projeto que previa a remoção da comunidade é apresentado: o Centro Multifuncional de Feiras e Eventos (CMFE), também pelo governo estadual, em revisita à ideia do Centro Cívico de 1963. O projeto deveria aterrar 19 hectares de mar, com um custo aproximado de R$200 milhões, financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divididos em quatro consórcios — com a participação de 14 escritórios de arquitetura (OLIVEIRA, 2006). Em pesquisa realizada pela socióloga Linda Gondim (2008), constata-se uma tentativa de diálogo entre poder público e comunidade, incluindo sua participação de maneira bem próxima no processo de reassentamento. Revela, entrentanto, diversos

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conflitos e discordâncias em relação ao projeto de habitação, que não considerava as particularidades familiares e econômicas existentes entre os moradores. Apesar do


extenso processo de negociação, o projeto acabou sendo reformulado e construído na região sudeste da cidade, no bairro Edson Queiroz, finalizado em 2012. E o Poço permanenceu sem remoção — e sem urbanização. O mais recente grande projeto para requalificar a Praia de Iracema, ainda do governo estadual, é o Acquário Ceará, um aquário de 21,5 mil metros quadros e orçamento de mais de R$ 285,7 milhões. A obra, já em andamento desde 2010, ocupa o terreno do antigo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), prometido para inauguração antes da Copa do Mundo de 2014 (PÚBLICA, 2013). Pretende ser o terceiro maior aquário do mundo. Desde sua apresentação, tem ensejado diversas opiniões contrárias, o que instigou o surgimento do movimento Quem dera ser um peixe, grupo heterogêneo formado por cidadãos, artistas, moradores e usuários do bairro. O movimento questiona a necessidade e a demanda por uma obra com alto custo para o estado, ironicamente gasto com água, num período em que o Ceará vive uma das secas mais impactantes dos últimos tempos. Segundo informações do Tribunal de Contas do Estado (TCE) colhidas pelo Quem dera ser um peixe, o custo da obra é 42% maior do que aquele investido em 2012 no combate à seca pelo governo estadual. Seguiu-se a isso uma série de processos judiciais questionando desde a dispensa por licitações, os estudos de impacto ambiental e relatório de impacto ao meio ambiente (EIA/RIMA), até fonte dos recursos — que advém principalmente de empréstimo de banco estadunidense. Desde então, vem-se desenrolando uma discussão sobre sua execução e seu impacto não só para o meio ambiente, mas também na alta de preços do solo do bairro, influenciando diretamente a permanência da comunidade do Poço, que não conseguiu ainda a implementação de sua Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) — instrumento

Um questionamento à parte que se faz refere-se à qualidade do projeto, arquitetônica e urbanística. A grande área a ser ocupada pelo Acquário Ceará numa região que possui uma escala predominantemente de vizinhança tem um alto impacto na paisagem e nas relações entre corpo e cidade, importante para a dinâmica do bairro que se dá essencialmente pelo uso pedonal; além do tráfego e demanda por infraestrutura que gera, bastante limitado nas condições de uma área com influência de marés e ecossistema sensível.

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que garante a destinação de área delimitada para habitação de interesse social. Hoje, a obra segue em andamento, em paralelo aos oito processos que tramitam nos vários tribunais nas esferas municipal, estadual e federal.


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Questiona-se ainda o porte e a dificuldade de execução arquitetônica, que não se sustenta em um estado com baixa qualificação de mão-de-obra e disponibilidade de recursos; em especial, quando se confronta o projeto à inexistência de saneamento básico em um assentamento centenário — a comunidade Poço da Draga completou 107 anos de existência em 2013. Que prioridades estão a ser colocadas quando um governo privilegia obras espetacularizantes em detrimento de necessidades primárias — e históricas — de sua população? Também se questiona sua necessidade enquanto estruturante para o turismo, que ignora preexistências, relevâncias e interesses históricos e, principalmente, a integração de atividades entre equipamentos de formação e de lazer, que possibilitem colocar os usuários e residentes do bairro como atores daquele espaço.


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Imagem 11: intervenções no tapume da obra do Acquário Ceará protestam contra a sua construção enquanto moradores da região voltam de um banho de mar.


PROIBIDO PULAR, 3’10’’ Realização: Lucas Coelho. Fotografia: Ticiana Augusto Lima. O Governo do Estado do Ceará, através da construção do Acquário quer requalificar, tornar a dar qualidade à Praia de Iracema. Julga que as crianças, jovens e adultos que atualmente ocupam a região da Ponte Metálica não têm qualidade; não têm excelência, virtude ou talento; não têm caráter ou índole, têm um baixo grau de perfeição e precisão; e o principal, eles não estão em conformidade a um certo padrão. Em realidade, ao certo padrão, o padrão do turismo. Eles espantam os turistas porque moram em casas feias que poluem a paisagem; porque andam sem camisa e descalços; porque gritam, falam palavrões e gargalham alto; porque escutam rap e dançam funk ao som de pequenas caixas reprodutoras de mp3; e principalmente, porque eles pulam. Eles vivem, pulsam com veemência; eles se manifestam com grande alegria e eles transpõem; e, assim, eles provocam a diferença. E o turismo ao qual busca o Governo do Estado do Ceará não admite a diferença. A fachada do Acquário será como o Bethune, na Geórgia; a praça das águas, como a praça do Hotel Bellagio, em Las Vegas; os túneis subaquáticos, como os de Dubai, com espécies de animais antárticos como no Seaworld. A Praia de Iracema é só o terreno, o entorno, que deve ser limpo e homogeneizado para que o turista possa se sentir em um lugar qualquer do mundo onde a alegria pode ser comprada.

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[texto extraído do vídeo Proibido Pular, de Lucas Coelho.]


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Imagens 12, 13 e 14: imagens do vĂ­deo Proibido Pular, de Lucas Coelho. Fortaleza, 2012.


04.


[re]conhecimento a. Incursões e Cartografia Social Para amparar o processo de reconhecimento do lugar, fomos construindo uma metodologia guiadas por alguns princípios norteadores. Esse processo resultou numa série de incursões que buscavam, a partir dos microagentes atuantes naquele espaço, reconstituir uma memória dos vários projetos, intenções e afetos que guardam para a Praia de Iracema. Alguns se revelam conflitantes, outros, complementares. Um ponto focal nessa metodologia foi reconhecer quais eram esses microagentes. O primeiro contato com este universo se deu a partir do movimento Quem dera ser um peixe, durante a ocupação criativa #OcupeAcquário1, que se apropriou durante 24 horas dos espaços públicos adjacentes ao terreno do antigo DNOCS em protesto contra a construção do Acquário. Realizamos enquanto Canto2 três atividades para discutir o espaço urbano com os participantes da ocupação. Realizada em 12.07.2003.

2 O Canto, Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFC, realizou, durante o #OcupeAcquário, uma sessão de videos; uma aula pública sobre mobilidade urbana; e uma oficina de desenho colaborativa que tinha como suporte alguns elementos estrutrantes da paisagem da Praia de Iracema e que deveria ser preenchida com os desejos e projetos que os participantes tinham para aquele lugar.

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1


CANTO Fortaleza, Ceará. O Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo - EMAU - é um projeto de extensão idealizado pela Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil que busca assessorar movimentos sociais e trabalha pela consolidação do direito à cidade. Surgiu no início dos anos 90 e hoje conta com cerca de 19 EMAUs espalhados nas universidades do país. Ao longo de duas décadas de existência, os Escritórios Modelo elaboraram o Projeto de Orientação e a Carta de Definição a EMAUs, documentos de compilação das diretrizes gerais que visam facilitar e nortear o processo de criação e consolidação de novos Escritórios. Ao passo que ocorre a homogeneização dos principais valores, os EMAUs permanecem com autonomia para criar suas regras particulares de funcionamento e gestão. Criado em 2009 por estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo, o Canto - EMAU da Universidade Federal do Ceará - se propõe um eixo de interação entre a universidade e a sociedade e busca por em questão os papéis do arquiteto e do cidadão na produção da cidade. Pauta-se por uma organização coletiva, autogerida e não-hierárquica, onde os diferentes saberes acadêmicos e populares atuam de forma colaborativa, principalmente em espaços públicos e comunitários. Além de projetos de caráter arquitetônicos e urbanísticos, o Canto realiza ações experimentais nos campos do ensino e da extensão, com ênfase na relação direta entre arquiteto e comunidade, buscando potencializar no processo as estruturas sócio-espaciais preexistentes. A partir do entendimento de que grande parte da população não é assistida por profissionais da área de arquitetura e urbanismo, o Canto se dispõe a assessorar movimentos sociais, organizações não-governamentais, associações comunitárias e comunidades organizadas com a intenção de democratizar o acesso ao conhecimento arquitetônico e urbanístico. Desde sua formação, cerca de 40 estudantes e 10

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professores já contribuíram com o Canto; entretanto, permanece orientado pelo mesmo espírito de construção coletiva e aprendizagem crítica.


Imagem 15: imersão semestral do Canto em Icapuí - CE.

Imagem 17: estudantes e residentes da Comunidade Lauro Vieira Chaves durante mutirão do SeNEMAU Fortaleza.

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Imagem 16: estudantes de diversos EMAUs do Brasil desenvolvem projetos no SeNEMAU Fortaleza.


INCURSÕES TEMA

QUESTÕES ABORDADAS

DATA

01

#OcupeAcquario no entorno do Poço da Draga e Pavilhão Atlântico

Contato com o espaço da Praia de Iracema Escolha da área de estudo e intervenção do trabalho Contato com o movimento "Quem dera ser um peixe"

12/07/2013

02

Visita com Rafaela Kalaffa e Ivoneide, liderança da Comunidade Poço da Draga.

Contato com Ivoneide 1a visita à comunidade Poço da Draga

31/08/2013

03

Reunião com Coletivo Urucum

Contato com Urucum Apresentação do projeto de Cartografia Social Informações sobre o processo de urbanização e implementação da ZEIS

20/09/2013

04

Reunião com LaboCart - UFC

Contato com profa. Adryanne Gorayeb e bolsistas do laboratório Aproximação da metodolo ia de carto rafia social Acesso aos documentos da Cartografia Social do Poço da Draga

10/10/2013

05

Reunião do movimento "Quem dera ser um peixe”

Entendimento das questões judiciais e irregularidades que envolvem a construção doAcquario

24/10/2013

06

Visita com LaboCart e Prof. Jorn (URCA) ao Poço da Draga

2ª visita ao Poço da Draga Maior entendimento da dinâmica dos espaços públicos Levantamento e mapeamento de usos Apresentação da Catografia social por Ivoneide e Isabel, liderança e presidente da ONG Vela do Mar

27/10/2013

07

Entrevista com Isabel e profa. Amíria Brasil

Contato com Isabel Panorama atual das lutas do Poço da Dra a e histórico de atuação Informações sobre envolvimento da Prefeitura sobre a ZEIS e urbanização

30/10/2013

Tabela 02: Incursões.

Até este momento, pensávamos em tomar como área de intervenção uma série de pontos da cidade com características distintas, mas que exemplificavam determinada questão que gostaríamos de abordar. A partir da vivência que tivemos ali, reconhecemos naquele lugar muitas destas questões que nos vinham orientando ao longo da construção do referencial teórico. Aquele espaço é dotado de uma complexidade que ainda não havíamos encontrado concentrada desta maneira. A experiência da ocupação também nos colocou em contato com outros grupos que atuavam ali, o que deu seguimento às outras seis incursões. Num segundo momento, fizemos uma visita informal à comunidade3 do Poço da Draga acompanhadas pela Rafaela Kalaffa, uma amiga em comum a nós e a Ivoneide, líder comunitária lá. Durante esta conversa, foi possível obter mais informações a respeito dos conflitos entre a comunidade residente e o governo estadual, observar as transformações e as permanências pelas quais aquele espaço estava passando.

22

Adentramos pela primeira vez o espaço da comunidade e pudemos perceber a importância da praia e da orla para aquelas pessoas, para trabalho e lazer, assim como o grau de ameaça em que se encontravam diante dos projetos estruturantes previstos 3

Realizada em 31/08/2013.


ao longo das décadas para a região. Um ponto importante de descoberta foi a menção do projeto de Cartografia Social (ver Anexos 1 e 2) realizado pela comunidade junto ao Coletivo Urucum, grupo de assessoria em direitos humanos, e o LaboCart, laboratório de cartografia do Curso de Geografia da UFC. A terceira incursão4 foi então em busca de compreender como se deu esta aproximação e o processo da Cartografia Social junto à comunidade. Tivemos uma conversa com dois dos integrantes do Coletivo Urucum, Talita Furtado e Leornado Araújo. Vimos os mapas produzidos nas oficinas e como foram desenvolvidos. Esse momento foi muito importante no sentido de fornecer informações e pistas para um diagnóstico de usos, memórias e demandas. Seguiu-se a esta uma quarta incursão ao LaboCart5, para aprofundar as questões metodológicas do mapeamento. As informações levantadas aqui denunciavam um processo participativo importante e construído com grande autonomia pelos moradores da comunidade, o que o ratificava enquanto documento base para a intervenção proposta neste trabalho. A Cartografia Social é uma ferramenta de emancipação social que se dá através da apreensão do espaço, segundo o olhar e a memória de seus residentes — recoloca a cartografia, instrumento que está historicamente vinculado ao domínio da técnica, ao alcance e em posse daqueles que vivenciam mais diretamente o espaço cartografado e que também históricamente estiveram em condição de alienação e opressão em relação àqueles que detém a técnica. Distante das maquinais cartografias de satélite, sua imprecisão é traço de uma narrativa que é construída coletivamente e aí reside sua potência para a emancipação: insere a coletividade numa dinâmica de ampliação da consciência histórica e espacial, dando-lhe instrumentos que possibilitem e oficializem o exercício da prospecção de futuros possíveis. A quinta incursão se deu numa reunião do movimento Quem dera ser um peixe6,

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Realizada em 20/09/2013.

5

Realizada em 10/10/2013.

6

Realizada em 24/10/2013.

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na qual foi possível entender o histórico de luta contra a construção do Acquario e o andamento de oito processos judiciais abertos por irregularidades de licitação, contratação e construção. Desde 2010, ações vêm sendo realizadas pelo grupo para divulgar estas irregularidades na internet (com postagens em blog, jornais, redes sociais), nas ruas (junto à comunidade, com eventos lúdicos, protestos, panfletagem etc) e na justiça (junto aos ministérios públicos).


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Diagrama 03: Atores sociais e projetos.

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Relações de interesse

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DO

MA


A partir do contato feito com o LaboCart, fomos convidadas a participar de uma visita à comunidade Poço da Draga na companhia do prof. Jörn Seemann7 e alguns alunos do Curso de Geografia da Universidade Regional do Cariri (URCA). Éramos em torno de 50 pessoas, o que interferiu significativamente na naturalidade de adentrar um território ao qual não pertencíamos. Fomos guiados pelas líderes comunitárias Ivoneide e Isabel, esta, presidente da ONG Velaumar. A caminhada se encerrou no Pavilhão Atlântico, com a apresentação por elas do trabalho de Cartografia Social. Aí, vários dados mais sobre os projetos de “revitalização” da praia foram ficando claros, assim como a permanente omissão do poder público a incluir a comunidade como protagonista nesses processos. A mais recente e sétima incursão foi uma conversa com Isabel e a profa. Amíria Brasil8, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), no CDMAC, adjacente à comunidade Poço da Draga. Isabel falou sobre o andamento do projeto de habitação social e urbanização proposto pela prefeitura na gestão anterior. Sobre a falta de informações atualizadas e de consulta no processo de projeto, a que ninguém da comunidade teve acesso até hoje. Falamos também sobre a relação entre o CDMAC e a comunidade, que é primordialmente de trabalho, uma vez que eles sentem que há uma segregação velada em relação a um certo “tipo” de público promovida pela administração do Centro. Falou-se ainda sobre uma questão importante: o cansaço em resistir. Os movimento sociais, disse ela, estão hoje sem bandeira, muitos líderes atuando na própria máquina estatal não podem fazer oposição. A falta de diálogo e conquistas têm sido um desmotivador para a maior parte dos que lutam.

b. Visões do presente e articulações possíveis

7

Realizada em 27/10/2013.

8

Realizada em 30/10/2013.

25

Reunimos aqui diversos materiais, dados e informações que conseguimos coletar ao longo do processo de reconhecimento e apreensão da região da Praia de Iracema. Como ferramenta de sistematização, produzimos uma série de mapas com o objetivo de dar a ver espacialmente algumas das relações, conflitos e possibilidades de articulação que permeiam a área. Foi-nos muito útil, portanto, o contato com os mapas criados durante o projeto da Cartografia Social do Poço da Draga, levado a cabo numa parceria entre a comunidade, o Labocart (Geografia, UFC) e o Coletivo Urucum; uma


26

Imagem 18: rua no interior da Comunidade do Poรงo da Draga.


vez que as informações ali contidas trazem, desde a gênese, a memória e os anseios mais legítimos de quem, há gerações, vem resistindo naquele lugar. Para um primeiro conjunto de mapas, espacializamos dados estatísticos e legais num procedimento padrão da cartografia urbanística, necessário para revelar preexistências, incidências normativas e de gestão. No segundo conjunto, buscamos criar mapas com informações que revelassem práticas sociais, a partir também das incursões, utilizandose dos conceitos de interrupções e resistências, apresentados no decorrer do trabalho. Num esforço de dar forma ao imaterial, encontrar relações entre os diferentes atores que agem e produzem aquele território. Em um terceiro e último conjunto cartográfico, propomos articulações possíveis, onde se revelam potencialidades e problemáticas que direcionam as intervenções espaciais. Trabalhamos dois diferentes recortes nos conjuntos de mapas, ambos em escala de 1:5000, sendo um em formato A3 e outro em formato A4 – à excessão do Mapa 15, que possui escala de 1:2500. Estes recortes foram delimitados segundo alguns critérios de relevância e escala. Dentro do que consideramos para análise uma escala de vizinhança, escolhemos abranger o bairro Praia de Iracema e parcialmente bairros adjacentes; e estendemos ainda de modo a incluir alguns equipamentos importantes na dinâmica do espaço que não apareceriam no recorte inicial por seu distanciamento. Foram eles a linha férrea; o trecho a céu aberto do riacho Pajeú; o complexo hoteleiro Marina Park Hotel e o estaleiro da INACE; e a Av. Monsenhor Tabosa em toda sua extensão.

i. Primeiro conjunto de mapas: Visões do presente

O Mapa 02 evidencia algumas incoerências entre o que está planejado ou em fase de construção e o que é permitido pelos zoneamentos: um exemplo bastante ilustrativo trata da construção do Acquário Ceará numa ZPA 2, zona de proteção ambiental

27

A legislação urbanística incidente na região é apresentada pelo Mapa 02, utilizando dados do Plano Diretor Participativo (PDP) de 2009. No recorte específico que trabalhamos aqui, incidem seis tipos de zonas: Zona de Ocupação Consolidada (ZOC), Zona de Ocupação Prioritária (ZOP), Zona de Orla (ZO), Zona de Proteção Ambiental (ZPA), Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) e Zona Especial do Projeto Orla (ZEPO). Dentre as diferentes zonas regulatórias, são mais interessantes, pelo cerne deste trabalho, as ZPAs, destinada à preservação dos ecossistemas e dos recursos naturais; e as ZOs, cujas principais características estão relacionadas à sua proximidade com a faixa de praia e o decorrente potencial turístico.


específica para as faixas de praia, onde deve haver uma taxa de permeabilidade de 100%. O mapa revela também a força da influência do mercado imobiliário na conformação do tecido urbano, quando percebemos uma concentração de espaços residuais contíguos às ZPAs do tipo 1, que visa a proteção de recursos hídricos. Esta informação se reforça ao observarmos o Mapa 03, que relaciona a presença de espaços residuais nas proximidades de áreas ambientalmente frágeis e das macroestruturas urbanas. Sem valor para o mercado e não incorporadas aos planos do Estado, essas terras acabam sendo apropriadas pela informalidade, ao se conformarem como vazios não produzíveis e única possibilidade para aqueles sem acesso ao mercado formal. A urbanista Clarissa Freitas (2009) expõe a complexidade desta questão: Obviamente não se trata de coincidência o fato de que condições de precariedade social e urbana coexistem com ecossistemas de grande fragilidade ambiental. O quadro de insuficiência de política habitacional de baixa renda, a enorme pressão por moradia de baixo custo, o crescente valor de uma boa localização no contexto intra-urbano devido ao crescimento do trabalho informal e à baixa qualidade do transporte público, além da insuficiência do controle urbanístico e poder de polícia do Estado alimentam o processo de ocupação urbana de áreas ambientalmente frágeis e com vantagens locacionais se comparadas à periferia. O fator ilegalidade agrava a questão ambiental, pois ele impede a colocação de infra-estrutura urbana pelo poder público. (FREITAS, 2009, p. 48)

28

A condição de ilegalidade usada como discurso para a omissão do poder público é também aquela utilizada para não considerar os residentes informais enquanto usuários (cidadãos) do espaço público e a necessidade de urbanizar e produzir espaço público para estes. Ao analisarmos o Mapa 04, pode-se observar uma relação diretamente proporcional entre a qualidade de espaços públicos e a renda dos domicílios, e ainda a coincidência entre a presença de fragilidades ambientais (Mapas 02 e 03) e a incidência de menores faixas de renda consideradas pelo Censo 2010 (IBGE, 2010). Um ponto a relevar é a incapacidade de um equipamento como o CDMAC, após 15 anos de atuação, de diminuir a desigualdade de renda ou promover a requalificação que almejava o governo estadual à época de sua construção. Ele não compõe em si uma política urbana de solo, de cultura ou de habitação, mas se faz espetacular e luminoso — os grandes holofotes — em meio a um vazio de políticas públicas que sejam integradas e efetivas.


Para entender a complexidade de usuários desse espaço público, é preciso considerar que a região da Praia de Iracema possui uma rica diversidade de equipamentos, os quais classificamos de acordo com o tipo de uso; a natureza dos usuários, se residentes, espontâneos ou pessoas a trabalho; e, finalmente, de acordo com a amplitude de sua influência. O Mapa 05 revela três principais vocações da região: a cultura, o turismo e o lazer noturno. Há uma considerável presença de equipamentos culturais de abrangência metropolitana, bem como uma concentração de hotéis nas proximidades da faixa de praia e uma grande diversidade de bares e pubs. Essa vocação termina por atrair usuários que são, em sua maioria, espontâneos e advindos de outras localidades, mas principalmente que divergem em interesses, renda e formação.

ii. Segundo conjunto de mapas: Interrupções e Resistências A conformação socioespacial da região da Praia de Iracema é resultado de sequenciais processos de esgarçamento do tecido urbano, interrupções; e consequentes reconfigurações espaciais que se dão por meio das resistências. Estas duas figuras conceituais têm amparado nosso esforço em compreender as dinâmicas que se dão no embate entre o macroplanejamento e o modo de viver e resistir dos microagentes. Mais uma vez fazemos uso desses conceitos, agora com o intuito de traçar uma cartografia deste embate no recorte delimitado. Desenhamos uma série de mapas que revelam espacialmente algumas das interrupções: a respeito dos serviços de educação e saúde públicos (Mapas 06 a 08); no tecido urbano (Mapa 09); na mobilidade e acessibilidade (Mapa 10); no espaço público (Mapa 11). A seguir, traçamos um único mapa que espacializa, no âmbito das resistências (Mapa 12), as mesmas diferentes camadas que abordamos nos mapas das interrupções, com o acréscimo da catalogação de um conjunto de bens patrimoniais que resistem na região.

29

Uma primeira questão que colocamos como interrupção é a falta de equipamentos sociais de serviços básicos públicos. E embora não se constituam como espaços abertos, são de domínio público e têm íntima relação com o espaço público de seu entorno ao determinarem de modo cotidiano a impossibilidade de sobrevivência e direito à cidade; contrasta com a forte presença do estado em equipamentos elitizados (CDMAC, Acquário Ceará) e que favorecem o uso privado (vias estruturadas essencialmente para automóveis particulares), mas ausente em garantir direitos fundamentais.


INTERRUPÇÕES

INTERRUPÇÕES E RESISTÊNCIAS NA PRAIA DE IRACEMA TECIDO URBANO E MORFOLOGIA

ESPAÇO PÚBLICO

Descontinuidade de malha viária

Ponte Metálica em de radação

Irre ularidade de faixa de praia

Construção de aquário em ZPA

Vias arteriais conflitantes com escala local

Persistência de vazios [públicos e privados]

Gradeamento do CDMAC

Falta de se urança e equipamentos de apoio ao transporte coletivo

Muros e edificações herméticas

Cerceamento de faixa de praia pela INACE

Falta de ciclovias e calçadas acessíveis

Ocupação informal Poço da Draga RESISTÊNCIAS

Campinho de futebol em frente à INACE Uso de calçadão de faixa de praia para prática de esportes radicais

SERVIÇOS

Con estionamento por uso inapropiado Falta de atendimento de vias com de saúde básica estacionamento

Usos da Ponte Metálica

Usos da faixa de praia

Feira semanal da Catedral

MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE

Falta de integração de equipamentos de formação artística e educação básica Falta de atendimento de transporte coletivo

ONG Vela ao Mar

Ocupação de rua — feira semanal da Catedral

Pavilhão Atlântico

Bens patrimoniais e de interesse histórico

Tabela 03: Interrupções e resistências

30

Os Mapas 06 e 07 mostram o atendimento de educação formal infantil, fundamental e média. Os raios de atendimento aplicados são aqueles considerados no Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), finalizado em 2013. Embora haja um amplo espectro de atenção no que concerne à educação média – ainda que nenhum equipamento esteja dentro do recorte delimitado; crianças e pré-adolescentes têm uma única possibilidade: a escola São Rafael, hoje ameaçada de desativação pelas obras do Acquário Ceará, segundo relatos de moradores do Poço da Draga. Com relação à saúde (Mapa 08), o quadro é mais crítico. Nenhum Centro de Saúde da Família (CSaF) encontra-se dentro do recorte delimitado, estando o bairro Praia de Iracema quase completamente desassistido. No que diz respeito ao tecido urbano (Mapa 09), a Praia de Iracema apresenta uma série de muros e fachadas herméticas que funcionam como barreiras e transformam


as ruas que os circundam em hostis vias de circulação de automóveis, ao passo que isolam alguns dos espaços residuais, escondendo e apartando os que ali residem e seus modos de vida. Este isolamento se dá também por meio de descontinuidades na malha viária, que, associadas à forte presença de terrenos e edificações vazias, conformam um espaço desértico, labiríntico e agônico. A fragmentação do espaço é disfuncional à escala do pedestre, o que se reforça pela presença das vias arteriais. Devido a sua dimensão e velocidade, atravessá-las é uma experiência arriscada, sofrida e inacessível a pessoas em situação de mobilidade reduzida. À escala do automóvel, também pode-se perceber a presença das interrupções (Mapa 10): a precária e ineficiente oferta de transportes públicos que conectam a Praia de Iracema às demais regiões da cidade é um dos principais impulsionadores do uso extensivo de automóveis particulares. Apesar de constatadamente (ver Mapa 05) haver um grande número de estacionamentos particulares na região, os altos preços e a pouca regulação aliada à ausência de fiscalização fazem com que muitas vias convertam-se parcialmente em estacionamentos. Ainda assim, é comum a lotação dos espaços de estacionamento, sejam particulares ou públicos, principalmente nas noites de fim de semana. A busca por “vagas” e a grande concentração de carros reduzem o ritmo do trânsito e geram congestionamento. Isto é ainda mais problemático quando consideramos que uma das avenidas principais, a av. Pessoa Anta, é ligação entre os dois portos do estado, Mucuripe e Pecém. Esta função de conexão entre dois pontos determina muito da dinâmica do bairro, ao ser cortado ao meio por uma avenida de escala metropolitana. Entretanto, essa dinâmica não impede que outras identidades resistam. Muito do que mantém a Praia de Iracema viva deriva da relação de memória e afeto que as várias gerações vêm constituindo ao longo do tempo. Assim, seus edifícios e corpos imprimem marcas uns nos outros numa relação dialética que elabora novas memórias. Os novos projetos que foram e são propostos para o bairro ignoram as diferentes temporalidades que coexistem em simbiose, quando o potencial de resistência do novo está justo na sua capacidade de se relacionar com o preexistente.

31

Numa tentativa de mapear as histórias do lugar, evidenciamos espaços e edificações que guardam um interesse patrimonial (Mapa 12), que são em si uma resistência num contexto de cidade que considera apenas duas diminutas zonas de interesse histórico em toda sua extensão. Insistimos na possibilidade de reconhecer não só a arquitetura por arquitetos que desenhou o Estoril, a Igreja São Pedro ou o edifício-barco São Pedro; mas ainda a comunidade centenária do Poço da Draga, que em sua invisibilidade e autonomia produziu e produz, num uso hábil de táticas, um registro caro de um modo de fazer (De Certeau, 1998) – e viver – que


Talvez respondam a uma arte imemorial, que não apenas atravessou

as

instituições

de

ordens

sócio-políticas

sucessivas, mas remonta bem mais acima que nossas histórias e liga com estranhas solidariedades o que fica aquém das fronteiras da humanidade. […] Os procedimentos desta arte se encontram nas regiões mais remotas do ser vivo, como se vencessem não apenas as divisões estratégicas das instituições históricas mas também o corte instaurado pela própria instituição da consciência. Garantem continuidades formais e a permanência de uma memória sem linguagem, do fundo dos mares até as ruas de nossas megalópoles. (DE CERTEAU, 1998, p. 104)

Há situações em que as interrupções se presentificam no espaço público, (Mapa 11) muitas delas se apresentam ambíguas aos primeiros olhares, quando constatamos que não são totais. Um caso emblemático é o da Ponte Metálica, que, em seu estado avançado de degradação física, apresenta terríveis patologias estruturais com suas amarrações de aço enferrujado expostas à maresia e a toda sorte de intempéries; precariedades de infra estrutura básica com seus guarda-corpos em ruínas; rombos no piso ao longo de toda a sua extensão que dão a ver os efeitos do tempo e o mar. A sua figura sozinha já seria suficientemente forte para materializar o que conceituamos aqui como resistência, mas ao aproximarmo-nos, revela-se uma nova face: o corpo. A apropriação da ponte, principalmente pelos moradores da comunidade do Poço da Draga, mantém-na viva, em pulsação — não é a ponte que resiste, mas os corpos que a ressignificam de ruína a espaço de lazer, de pesca, de contato com o mar. Outra ambivalência diz respeito à faixa de praia, que ao longo das décadas vem sendo cerceada para os moradores tradicionais, por exemplo, com a implementação — e posterior diminuição de atividades — do estaleiro da INACE (Mapa 11), que até 2009 ainda prolongava a extensão de seus muros até tocar o mar, interrompendo um contato que é fundante para os moradores do Poço. O que sobra livre é ocupado, especialmente aos domingos, por corpos que comem, dançam, saltam, jogam bola, experienciam a faixa de praia à exaustão. As interrupções, os rompimentos ali não são totais: abrem também fissuras onde é possível sobreviver, ocupar, resistir.

32

iii. Terceiro conjunto de mapas: Articulações possíveis O Mapa 13 apresenta as edificações que se relacionam diretamente com o espaço público do bairro, objeto de estudo deste trabalho. O que se observa é principalmente a baixa integração entre grandes equipamentos e os espaços públicos, que se dá ora por questões institucionais e de gestão, que encerram suas atividades em si ou vetam usuários específicos; ora por barreiras visuais que são agravadas pela baixa conexão


Imagem 20: Ponte Metálica num dia de domingo, exemplo de ocupação e resistência em espaço residual.

33

Imagem 19: guarita de segurança no muro da INACE — construída após o início das obras do Acquário Ceará.


de vias, o que impacta na sensação de segurança e caminhabilidade entre edifícios que se encontram a poucas quadras de distância. Um ponto crítico é a invisibilidade da comunidade Poço da Draga, que possui relação afetiva com a Prainha — como chamam a área de praia entre a Ponte Metálica e a Ponte dos Ingleses. Ele aponta também para dois pontos críticos de acessibilidade que impedem a fluidez do pedestre e a integração entre os espaços públicos, principalmente no que se refere ao acesso à Ponte Metálica e à própria estrutura desta. Ademais, revela a inadequabilidade de escala e uso do estaleiro INACE e do Acquário Ceará.

34

Apesar dessas impossibilidades, inadequabilidades, muitos usos resistem. Ao longo das incursões, foi possível observar alguns deles, seja nas falas de entrevistados ou nas constatações em campo. O Mapa 14 mostra onde se dão estes usos, primordialmente nos finais de semana. Alguns usos, pela falta de infraestrutura apresentada no mapa anterior, dão-se de modo precário ou conflitante com outras atividades. É o caso dos carros que acessam a faixa de praia e a utilização de sons de carro nos domingos. Apesar de queixas sobre o depósito de entulhos das obras do Acquário Ceará na

Imagem 21: intervenção artística nas ruínas do guarda corpo original da Ponte Metálica.


prainha, ela continua sendo utilizada para banho, com risco de acidentes. Também é ariscada a prática de saltos na água próximo às ferragens expostas da Ponte Metálica. A partir dessas variáveis que foram colocadas, delineou-se uma possibilidade clara de intervenção enquanto resistência, desde que proposta onde a luz dos grandes holofotes, da qual trata Didi-Huberman (2008), não alcança, mas também de modo fortalecer os que ali já habitam e coexistem, vagalumes. O último mapa deste processo dá a ver essas articulações possíveis e por quais meandros se constituem — e podem vir a se constituir.

Imagem 22: placa na Rua Almirante Tamandaré sinaliza pontos turísticos da região da Praia de Iracema, todos em direção oposta à Comunidade do Poço da Draga.

35

O Mapa 15 delimita duas esferas de intervenção, dividas entre as duas autoras: Plano e Insurgências, que trabalham respectivamente a partir dos macroatores e das interrupções (Luna Lyra); e dos microatores e das resistências (Camila Matos). Definimos uma zona geral de influência a partir de duas zonas de intervenção, uma para cada esfera — considerando que toda ação no espaço é capaz de transcender seus limites físicos, afetando também as práticas sociais de seu entorno, numa espécie de reação que pode ser de ordem normativa, mas também espontânea.



1. FORTALEZA

LEGENDA: Bairros da área de intervenção Limites das Regionais Administrativas

SER I 1

2

SER CE

1

Centro

2

Praia de Iracema

SER II

SER III

SER IV

SER V SER VI

.75

3km



2. ZONEAMENTO PDP-FOR/2009 Visões do Presente

LEGENDA: ZOC

ZPA 2 - Faixa de Praia

ZOP 1

ZPA 1

ZO 4

ZEIS 1 - Ocupação

ZO 3

ZEIS 3 - Vazio

ZO 2

ZEPO

Fonte: PDP-For, 2009.

50

200m



3. MACROESTRUTURAS, FRAGILIDADES AMBIENTAIS E ESPAÇOS RESIDUAIS Visões do Presente

LEGENDA: Macroestruturas Fragilidades Ambientais Resíduos Fonte: Autoras.

50

200m



4. DISTRIBUIÇÃO DE RENDA 2010 Visões do Presente

LEGENDA: 0 a 1 SM

5 a 10 SM

1 a 3 SM

mais de 10 SM

3 a 5 SM Fonte: Censo IBGE - 2010.

50

200m



E

45

E

T

Visões do Presente

E

R

5. EQUIPAMENTOS E USUÁRIOS

E E

E

E

E

E

R

E

E

E E E E

E E

E

E

Praia de Iracema Centro

E

E

E

E

E

E

E E

E E

Trabalho

T

T

Espontâneos

E

R

Residentes

R

E

[majoritariamente]

Usuários

LEGENDA:

E

T

T

E

E

Praia de Iracema Centro

E

E E

E E E

E

E E

Esporte/ Lazer

Hotéis

Estacionamentos

Instituições públicas

Comércio/ Distribuição

Arte/ Cultura

Bares/ Pubs

Equipamentos

E

E

50

T

E

E

Metropolitana

[proporcionalmente]

Influência

E

200m

E

E R

Fonte: Autoras.

Regional

Vizinhança

E



Visões do Presente

6. ATENDIMENTO DE ESCOLAS PÚBLICA MUNICIPAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL E INFANTIL (EMEIF E CEI)

Praia de Iracema Centro Praia de Iracema Centro

50

200m

Fonte: SME-For; IPECE; PLHIS-For.

EMEIF e CEI Raio de Influência: 0,8km (referência: PLHIS-For, 2011)

LEGENDA:



Visões do Presente

7. ATENDIMENTO DE ESCOLAS PÚBLICAS FEDERAIS E ESTADUAIS DE ENSINO MÉDIO (EEFM)

Praia de Iracema Centro Praia de Iracema Centro

50

200m

Fonte: SEDUC-CE; IPECE; PLHIS-For.

Escolas federais e EEFM Raio de Influência: 1,6km (referência: PLHIS)

LEGENDA:



Visões do Presente

8. ATENDIMENTO DE CENTROS DE SAÚDE DA FAMÍLIA (CSaF)

Praia de Iracema Centro Praia de Iracema Centro

50

Fonte: SMS-For; PLHIS-For.

200m

CSaF - Centro de Saúde da Família Raio de Influência: 0,7km (referência: PLHIS)

LEGENDA:



Interrupções e Resistências

9. INTERRUPÇÕES NO TECIDO URBANO

Praia de Iracema Centro Praia de Iracema Centro

50

Fonte: Autoras.

Vazios urbanos

200m

Descontinuidade da malha viária

Muros e edificações herméticas

LEGENDA:



Interrupções e Resistências

7

6

5

10. INTERRUPÇÕES EM MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE

4

3

1 2

Praia de Iracema Centro Praia de Iracema Centro

50

8

Fonte: Autoras.

200m

Calçadas inacessíveis/ degradadas (em estado crítico)

Vias arteriais conflitantes com escala local

Congestionamento por uso inapropiado para estacionamento

LEGENDA:



Interrupções e Resistências

4

5

6

1

2

3

10.a. INTERRUPÇÕES EM MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE (FOTOGRAFIAS)

8

7



Interrupções e Resistências

11. INTERRUPÇÕES NO ESPAÇO PÚBLICO

Praia de Iracema Centro Praia de Iracema Centro

50

Fonte: Autoras.

200m

gradeamento do CDMAC

construção de aquário em ZPA

cerceamento de faixa de praia pela INACE

Degradação da Ponte Metálica

LEGENDA:



Interrupções e Resistências

12. RESISTÊNCIAS

5

1

Praia de Iracema Centro

4

3

6

2

Praia de Iracema Centro

7

Estoril (tombado)

7

50

Fonte: Autoras.

200m

8

Igreja de São Pedro (tombada)

EMEIF São Rafael

6 8

Comunidade Poço da Draga 5

Teatro das Marias

3

Alpendre das Artes (fechado)

Teatro Boca Rica

2 4

Pavilhão Atlântico

1

Resistências/ Serviços:

Resistências/ Tecido urbano

Resistências/ Espaço público

LEGENDA:



1

Interrupções e Resistências

13. BARREIRAS

10

7

8

2

9

6

11

Praia de Iracema Centro

3 5

Praia de Iracema Centro

4

Terreno privado sem uso Acquário [em obras]

2 3

Escola [E.E.F. São Rafael] Porto Iracema das Artes Centro Cultural Dragão do Mar Caixa Cultural Pavilhão Atlântico

5 6 7 8 9

50

200m

Residencial Vila Iracema 11

Fonte: Autoras.

Comunidade Poço da Draga 10

Habitação

Estoril 4

Equipamentos Culturais/ Educacionais

INACE

1

Macroestruturas

Baixa integração/ Barreira visual

Baixa acessibilidade/ Conexão interrompida

LEGENDA:



Articulações Possíveis

14. USOS NO ESPAÇO PÚBLICO

Uso cívico

Praia de Iracema Centro

.25

Fonte: Autoras.

Alimentação

Banho de mar

Corrida

Skate

Ciclismo

Futebol

Música

Pescaria

Pulo na água

.75km

Eixo de atividades

Tráfego de carros e motos

LEGENDA:



Articulações Possíveis

15. DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE INTERVENÇÃO E INFLUÊNCIA

Praia de Iracema Centro Praia de Iracema Centro

Zoneamento: Zonas de Arte - ZA

Área de intervenção

50

Fonte: Autoras.

200m

Área de intervenção

Resistências

Plano

Área de Influência

LEGENDA:



*produzido em conjunto por moradores do Poço da Draga, Coletivo Urucum, LabCart.

ANEXOS 1. MAPA SOCIAL DA COMUNIDADE POÇO DA DRAGA (realizado em oficina com crianças)* 2. MAPA SOCIAL DA COMUNIDADE POÇO DA DRAGA (versão final do documento)*



1.



2.







de·vir1

(latim devenio, -ire) substantivo masculino 1. [Filosofia] Movimento pelo qual as coisas se transformam. verbo intransitivo 2. Dar-se, suceder, acontecer, acabar por vir.

As práticas e encontros que reinstauram a cidade são também projetos de cidade. Este trabalho nasce imbuído de alguns incômodos e questões: como incorporar no projeto os usuários do espaço como sujeitos de transformação em uma coletividade? Como inserir a prática projetual reservada ao arquiteto urbanista em uma relação de horizontalidade com esses usuários? Como desenvolver proposições cuja prática deve se dar de forma autogerida? De que maneira pode o arquiteto urbanista integrarse a um devir coletivo e reconhecer-se parte deste para além do espanto diante da sua incapacidade de prever ou controlar as ressignificações possíveis desse espaço por ele projetado? O principal esforço deste trabalho reside em formular estas perguntas e manterse em constante reflexão sobre si mesmo, seus objetivos e métodos — assumir a natureza errante das possíveis respostas é de certa maneira um elogio ao processo. Questionamos então o significado de projeto. Projetar é lançar de si um próprio em busca de alcançar uma distância, não apenas para dispersar. Dá-se também na temporalidade, é da ordem da esperança, do desejo de futuro, é um gesto carregado de intenção. Quando falamos de um projeto de sociedade (cidade), que se dá coletivamente, é preciso que os diversos sujeitos envolvidos se identifiquem no sentido de constituírem um sistema coeso e horizontal — que é a coletividade mesma. Para pensar portanto um devir projetual coletivo não se pode prescindir de pensar a construção de uma coletividade realizada na recolocação contínua de questionamentos, em contraposição à adesão a uma resposta absoluta (o grande plano), fundamentalmente autocrática e

1 “devir”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam. pt/DLPO/devir [consultado em 18-10-2013].

3

individual.


O projeto, enquanto meio de prospecção sobre novas realidades possíveis, deve estar ao alcance de todos os sujeitos de uma coletividade. Mais do que o desenho de uma nova realidade, é a própria reflexão coletiva sobre novas realidades possíveis. É no processo de projetar que se dá o movimento — o produto é mero horizonte. Nem sempre a transformação da realidade perpassa uma intervenção física ou arquitetônica no espaço, mas certamente envolve o exercício coletivo de imaginação e desejo. Neste ponto, o projeto, reconhecido como um suporte e não mais como fim, não é e nem pode ser matéria exclusiva do arquiteto urbanista. Este engaja-se então em uma estrutura horizontal e pode, a partir daí, integrar-se ao devir de uma coletividade como mais um sujeito dentro de um conjunto de atores. Optamos por nomear a terceira parte deste trabalho de devir numa tentativa de desconstruir a concepção de projeto no âmbito da Arquitetura e Urbanismo para, durante esse processo, extrair dela novos significados. Reaproximar a ideia de projeto da experiência cotidiana de vivenciar e pensar a cidade, ao reconhecer nesta prática

4

sua potência para a reinstauração.



05. 04.


plano

[luna lyra]

Propomos antes, ao pensar criticamente o Plano1, desconstruí-lo de sua concepção tradicional de grandeza — e, contemporaneamente, de espetáculo. Destituí-lo de todo ensejo totalizante e unificador, ainda que com a consciência de que um ensejo é sempre e também um processo contínuo, infindo — ainda que dinâmico. Pensar o que é este devir-plano a partir da discussão teórica que delineamos perpassa antes a ressignificação da própria palavra, que ao apontar linhas guias de futuros possíveis, pode também ser a abstração de uma coletividade que se faz horizontal, dentro de um mesmo plano. Quando passamos a pensar o plano como um suporte de práticas sociais horizontais, podemos começar a tatear uma perspectiva distinta do significado de plano como resposta absoluta e pensamento único. Colocar esta possibilidade não é negar que toda relação de poder é desigual e portanto, hierárquica, mas tecer nós

7

1 Para o processo de investigação e determinação dos elementos da proposta, foram utilizados em grande medida como base os trabalhos Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos, do autor Marcelo Lopes de Souza (2009); Caderno de desenho: ciclovias, da autora Mônica Fiúza Gondim; e ampla literatura sobre a produção contemporânea de coletivos de arquitetura e urbanismo.


que conectem distâncias e possibilitem resistências, conflitos que virão a reinstaurar um projeto de cidade. Milton Santos (2010, p. 106) traz um reflexão importante sobre a atuação dos macroatores — primordialmente, aqueles que farão e executarão planos —, segundo a qual estes seriam “aqueles que de fora determinam as modalidades internas de ação. É a esses macroatores que, em última análise, cabe direta ou indiretamente a tarefa de organizar o trabalho de todos os outros, os quais de uma forma ou de outra dependem da sua regulação”. É porém o modo como aqueles se comportem ante a determinação de sua inerente condição de poder e organizadora de comportamentos, ao se permitirem estar em um plano aberto para a discussão e a possibilidade de reconfigurações de atribuições e expectativas, que determinará a liberação da condição dos macroatores como reprodutores de verticalidades e descontinuidades — sociais e espaciais. Como então constituir um devir coletivo de cidade segundo uma ordem complexa e heterogênea, um plano que se faça tática, desespacializado e dinâmico? O estímulo à diversidade é uma premissa, sim. Mas para além de questões de objetivo, são questões de metodologia que devemos rever, revisitar. Aqui fazemos uma incursão possível. Que elementos podem vir a constituir um plano-tática ou um projeto-processual? Durante o decorrer do trabalho, delineou-se uma ideia central: o projeto enquanto suporte para um processo, um questionamento. Um instrumento a ser manuseado, riscado, remontado inúmeras vezes por essa coletividade: desmaterializar o projeto é fazê-lo tático, horizontal. É necessário para tanto que este plano seja realizado dentro de uma escala do corpo e a partir de preexistências, memórias; para que possua vínculo com aqueles que o [des]construirão. É distanciá-lo da dimensão regional e da centralização impositora que constantemente carrega. Considerar ainda dentro dessa metodologia duas questões: dar espaço a e conectar espaços por onde. Os usos, encontros, dissensos, todos eles são feitos fora da ordem de qualquer plano, são autônomos e contínuos: não esperam, acontecem.

8

Assim, o plano-tática seria aquele que viabiliza a autonomia e criatividade dos que vivenciam o espaço. Marcelo Lopes de Souza, em Mudar a Cidade (2002, p. 48), fala sobre essa impossível predição de futuro, onde “construir cenários significa (ou deveria significar) apenas simular desdobramentos, sem a preocupação de quantificar probabilidades e sem se restringir a identificar um único desdobramento esperado, tido como a tendência mais plausível.” Os cenários possíveis são múltiplos e não passíveis


de determinação pelo Estado, planejar precisa ser a consideração do mutável e do espontâneo. Todas as propostas e possibilidades apontadas aqui possuem esta natureza nodal, que faz e desfaz barreiras, para permitir sobrevivências e temporalidades distintas em um mesmo espaço. Foram definidas segundo um critério de prioridade: repensar as ações dos macroatores segundo o imaginário que construímos até este ponto, colocando-se como um plano contra-hegemônico. Que ações seriam essas? Consideramos a atuação dos macroatores, Estado e iniciativa privada, dentro de duas esferas: investimento e regulação/ gestão; as quais utilizamos para ordenar as revisões e novas propostas de intervenção macroestruturais (ver Tabela 04 - Diretrizes Gerais). Em um primeiro eixo de investimento em mobilidade/ acessibilidade: a desconectividade espacial que, junto à questão da violência urbana, impede uma maior vida urbana nos

9

espaços públicos, em especial, na rua (Sistema viário e espaços de permanência); Em um segundo eixo de investimento em espaço público: a construção sem discussão ou consenso de um megaprojeto estruturante (Acquário Ceará); e em um terceiro e último eixo de regulação/ gestão de uso e ocupação/ zoneamento: as barreiras mantidas por uma legislação que não estimula potencialidades locais e a instalação de microatores (PDP-For, LUOS e IPTU).


Como estas questões se fazem projeto? (ver Tabela 04 – Diretrizes Gerais, Prancha 01 – Diagrama de Diretrizes Gerais e 02 - Plano Geral de Intervenção) INVESTIMENTO - Mobilidade/ Acessibilidade – Integrar os espaços de lazer e arte para o pedestre/ciclista. – Conectar espaços públicos existentes e áreas residenciais em diversos horários do dia. – Tornar acessíveis e caminháveis as ruas, principalmente as secundárias. – Criar espaços de permanência em ruas secundárias. INVESTIMENTO - Espaço Público – Repensar a intervenção do Acquário Ceará, a partir das possibilidades de uso: ócio, formação e criação; e das possibilidades de metodologia de projeto: modulação e flexibilidade. – Fortalecer e integrar o atendimento de serviços básicos para residentes do bairro. REGULAÇÃO E GESTÃO - Uso e ocupação/ Zoneamento – Induzir uma densificação [dinamização] de usos e ocupação relacionados à arte para potencializar a utilização de infraestrutura e aproveitar a vocação do bairro. – Conter a verticalização do bairro, mantendo a escala e relação usuário-rua ativa.

10

– Induzir ao uso misto e ao aumento de espaços compartilhados nas edificações; gerar relações de vizinhança.


TABELA 1 – DIRETRIZES GERAIS TEMAS

DESCRIÇÃO DA AÇÃO

EFEITOS ESPERADOS

GRUPOS SOCIAIS ENVOLVIDOS

MOBILIDADE/ ACESSIBILIDADE

Integração de áreas comerciais e corredores culturais

Reordenamento de fluxos de automóveis motorizados, não motorizados e pedonal

Diminuição de congestionamentos e melhoria de fluxos viários Estímulo ao uso do espaço público e à mobilidade sustentável

Trabalhadores do entorno

Usuários espontâneos Turistas

Trabalhadores do entorno ESPAÇOS PÚBLICOS

INVESTIMENTOS

Integração de faixa de praia Diversificação e intensificação de usos durante vários períodos do dia Melhoria da segurança pública

EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS USO E OCUPAÇÃO ZONEAMENTO ESPECIAL

Delimitação de zona de estímulo à implantação de ateliers e serviços relacionados à arte, cultura e criação

Incentivo fiscal à ocupação permitida para o bairro por atividade criativas

Parque-praça de prática de esportes radicais

Residentes do entorno Usuários espontâneos

Anfiteatro para apresentações e eventos ao ar livre

Turistas Espaço de apoio desmontável para atividades de equipamentos culturaiseducacionais do bairro

Supressão de carência relacionada ao atendimento básico de saúde da região

Trabalhadores do entorno

Indicação de implementação de Centro de Saúde da Família

Reversão de gastos para demandas da população local

Trabalhadores do entorno

Recuperação ambiental da faixa de praia Consolidação de pólo artístico-cultural

USO E OCUPAÇÃO

REGULAÇÃO GESTÃO

Revisão de projetos especiais em desrespeito ao PDP-For

Traffic calming e reordenamento de usos nas ruas Boris e José Avelino e av. Pessoa Anta

Estudantes e artistas

Integração de atividades culturais-educacionais do bairro

Desapropriação de edifício para implantação de equipamento de saúde

Circuito de traffic calming com bonde elétrico e ciclofaixa

Residentes do entorno

Diminuição de poluição sonora e atmosférica

Destinação de espaço público de orla para atividades de formação artístico-cultural, lazer e práticas esportivas no terreno de construção do Acquário Ceará

PROJETOS URBANÍSTICOS

Densificação e ocupação de terrenos vazios Dinamização de atividades socioeconômicas e estímulo ao uso do espaço público Consolidação de pólo artístico-cultural Densificação e ocupação de terrenos vazios

Residentes do entorno

Residentes do entorno Usuários espontâneos

Interrupção da construção do Acquário Ceará

População de Fortaleza Trabalhadores do entorno Residentes do entorno Usuários espontâneos Turistas Artistas, produtores culturais e cadeia de serviços criativos População de Fortaleza Trabalhadores do entorno Residentes do entorno Artistas, produtores culturais e cadeia de serviços criativos População de Fortaleza

Delimitação de Zona Especial de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS) - Arte Definição de parâmetros urbanísticos e construtivos para a ZEDUS - Arte

Regulamentação de instrumentos aplicáveis à ZEDUS - Arte

Isenção ou incentivo fiscal para serviços relacionados à arte e criação Aplicação de IPTU progressivo no tempo para imóveis vazios ou subutilizados do bairro

Tabela 04: Diretrizes Gerais

11

EIXO



DIAGRAMA DE DIRETRIZES PROJETUAIS – PLANO

III. devir: plano.

diagrama de diretrizes projetuais

INTEGRAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS FOMENTO A ATIVIDADES DE FORMAÇÃO ARTÍSTICA

REORDENAMENTO DE FLUXOS VEÍCULOS MOTORIZADOS, NÃO MOTORIZADOS E PEDONAIS

CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE CUMPRIMENTO DO ZONEAMENTO AMBIENTAL FOMENTO À FORMAÇÃO DE POLO ARTÍSTICO CULTURAL

>>> >>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>> >>> >>>

>>>

>>>

OBJETIVOS

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

>>>

SERVIÇOS

0%

>>>

>>>

>>>

TECIDO URBANO | MORFOLOGIA

MOBILIDADE | ACESSIBILIDADE

>>>

ESPAÇOS PÚBLICOS

SUPRIMENTO DE CARÊNCIA DE SERVIÇO BÁSICO DE SAÚDE

SOLUÇÃO URBANA

m 0,7k

PRAÇA-PARQUE DE ESPORTES RADICAIS ANFITEATRO PÚBLICO EDIFICAÇÃO DESMONTÁVEL DE APOIO A ATIVIDADES DE FORMAÇÃO ARTÍSTICA

CIRCUITO DE BONDE ELÉTRICO, CICLÍSTICO E PEDONAL REORDENAMENTO DE FLUXOS DE VIAS ARTERIAIS IMPLANTAÇÃO DE TRAFFIC CALMING EM VIAS LOCAIS

ZONEAMENTO ESPECIAL: ZONA DE ARTE E CULTURA + ZEIS 3 / VAZIO (PDP-FOR) INTERRUPÇÃO DA CONSTRUÇÃO DO ACQUÁRIO CEARÁ

IMPLANTAÇÃO DE CENTRO DE SAÚDE DA FAMÍLIA (CSaF)

EFEITOS

m 0,7k

FORTALECIMENTO DE CORREDOR ARTÍSTICO CULTURAL DEMOCRATIZAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS E DAS ATIVIDADES PÚBLICAS DE FORMAÇÃO DIVERSIFICAÇÃO DE USOS AO LONGO DO DIA

ACESSIBILIDADE PEDONAL DIMINUIÇÃO DE CONGESTIONAMENTOS INTEGRAÇÃO DE CORREDORES COMERCIAIS E CULTURAIS DIMINUIÇÃO DE POLUIÇÃO SONORA E ATMOSFÉRICA

INDUÇÃO À OCUPAÇÃO DE VAZIOS DINAMIZAÇÃO DA MORFOLOGIA URBANA E DA PAISAGEM DIMINUIÇÃO DOS EFEITOS DA VIOLÊNCIA URBANA

MELHORIA NO ATENDIMENTO DE SAÚDE PÚBLICA DO BAIRRO MELHORIA DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA DIMINUIÇÃO DE DESLOCAMENTO E CONGESTIONAMENTO EM OUTROS CSaF

01



III. devir: plano.

plano geral de intervençao A proposta para o Plano se propõe como intervenção sobre a atuação dos macroatores identificados no Preâmbulo e no Processo. Colocam-se duas esferas de atuação: Investimento (mobilidade/ acessiblidade, espaço público e equipamentos e serviços públicos); Regulação e Gestão (uso e ocupação e zoneamento especial) – (Ver Tabela 1 Diretrizes Gerais).

plano geral de intervençao

Intervenção - Investimento (Mobilidade/ Acessibilidade)

circuito ciclístico-pedonal e de bonde elétrico

terreno destinado à praça da prainha

zoneamento especial (zedus - arte)

Intervenção - Investimento (Espaço Público e Equipamentos e Serviços Públicos) Intervenção - Regulação e Gestão (Zoneamento especial/ Tributação diferenciada por zona)

terreno destinado ao cENTRO DE SAÚDE DA FAMÍLIA

50

1

200m

Mobilidade/ Acessibilidade Reordenamento de vias, possibilitando acessibilidade, usos por diversos modais e usuários. Proposta de circuito ciclístico-pedonal e de bonde elétrico como elemento integrador das atividades e equipamentos do bairro.

3

2

Uso e ocupação e Zoneamento especial Incentivo à ocupação de imóveis vazios com usos criativos, para artistas, coletivos e produtores autônomos, a partir de tributação especial e estabelecimento de parâmetros urbanísticos indutores.

2

3 1

Praça da prainha e Equipamento de saúde Interrupção da obra do Acquário Ceará e proposição de construção de projeto autogerido para praça popular junto à equipemanento de saúde.

02



a. Propostas de Investimento i. Mobilidade/ Acessibilidade A mobilidade e a acessibilidade são, dentro desta proposta, um eixo de grande importância por consideramos que sem a adequação do espaço livre mais básico e primordial da cidade — a rua — todas as transações, atividades, encontros próprias ao urbano não se realizam. São interrompidas, inviabilizadas. É também por entender que a rua é por essência o espaço onde se instaura a democracia dentro da cidade: lugar de dissenso, do plural, das diferentes temporalidades que se confrontam e coabitam em simbiose. A rua que é interrupção tem tanto mais potencial para impedir que se instaure relações de vizinhança e solidariedade, no sentido em que propomos no Glossário: é preciso criar conexões para que relações de confiança, proximidade e interdependência aflorem. A partir dessas relações, o urbano tende a ser mais público, coletivo, menos privado, apavorado. Uma rua que considera em seu desenho as diversas temporalidades e velocidades será mais segura e atrativa, num ciclo virtuoso. O Plano prevê uma reformulação do desenho urbano de um conjunto de vias que compõem um circuito transporte público, ciclístico e pedonal semi-periférico dentro do recorte estudado, numa tentativa de integrar os eixos de entrada e saída da área, mas também de conectar áreas de intensa atividade artística e cultural, possibilitando seu uso até 2h da manhã com garantia de transporte público (ver Pranchas 03 a 07). A combinação entre ciclofaixa e bonde garante flexibilidade e possibilidade de descongestionar as vias para o melhor fluxo de ônibus e táxis em trajetos curtos.

17

A proposta é a criação de um trilho com bonde elétrico e ciclofaixa de 2,1km e 2,3km, respectivamente, que percorram as ruas José Avelino, das Tabajaras, Dragão do Mar, dos Arariús e as avenidas Alm. Tamandaré, cruzando a av. Alm. Barroso em duas pontas do bairro. A proximidade com a av. Monsenhor Tabosa, centro comercial da área, o Mercado Central e o início da av. Beira Mar permitem uma integração do bonde com outros modais de transporte de massa (Ônibus e Topics), além do uso combinado entre carro/bicicleta/táxi e bonde, utilizando-se de estacionamentos públicos e privados no entorno da zona. Um ponto a levantar é possibilidade de integração com a linha de bonde prevista para a av. Beira Mar, que tem projeto de requalificação em execução, o que possibilitaria conectar quase 5km de orla.


Todo o trecho de intervenção do circuito deve ser em nível, à altura da calçada, colocando o pedestre como prioridade e aumentando a acessibilidade. A sinalização por cores no piso, balisadores e canteiros de vegetação devem ser organizadores de fluxos e manter a segurança para os usuários. Uma outra proposta incentivadora do pedestre é o aumentos e regularização das calçadas, que possibilita a implantação de mobiliário urbano básico e de permanência (ver Pranchas 05 - Vista aproximada e 06 e 07 - Cortes). Algumas mudanças de fluxo são propostas como forma de melhorara o congestionamento de veículos e diminuir a velocidade do trânsito em áreas com prioridade de pedestres (ver Prancha 04 - Plano de fluxos). Duas são mais importantes, uma a conversão da av. Historiador Raimundo Girão em mão única no sentido oesteleste e a av. Beira Mar, a partir do aterro, no sentido leste-oeste; criando um binário que se encontra na av. Almirante Barroso, que é uma avenida arterial de mão dupla, com amplas caixas que possibilitam a implementação futura de BRS. Essa conexão, que é importante para conectar os dois portos do estado e toda a zona norte da cidade, hoje encontra-se estrangulada com apenas uma faixa para cada sentido da via, sem canteiro central. A segunda é a inversão de fluxo da r. das Tabajaras, que segue o fluxo advindo da av. Beira Mar e da r. dos Arariús.

18

Apesar da restrição da caixa de via de algumas ruas pelas quais passa o circuito, a faixa do bonde elétrico não é exclusiva e permite o uso compartilhado com automóveis. A proposta do circuito em ser feito em ruas secundárias (locais) ou de menor tráfego mostra a tentativa de conciliar diversos modais sem inviabilizar o trânsito da região, que é encontro de fluxos para diversas zonas da cidade. É também um manifesto gesto de democratizar a rua, ao colocar em espaço de igual prioridade carro, bicicleta e pessoas.


DIAGRAMA DE DIRETRIZES PROJETUAIS – PLANO

0. proposta de integraçao para a praia de iracema

III. devir: plano.

Para conectar o bairro e seus pólos de arte e cultura às áreas residenciais, propõe-se repensar os fluxos viários, pensando fluxos não motorizados a partir de vias secundárias [locais]. A criação de um circuito utilizando um bonde elétrico, que compartilha a via com outros veículos, e uma ciclofaixa que o acompanha, possibilita aumentas a permeabilidade de fluxos no bairro.

investimentos - mobilidade/ acessibilidade - plano geral de vias

Propõe-se ainda pensar a rua como espaço de permanência, a partir de suas dimensões e conexões, seus materiais e mobiliário; intensificando seu uso e a sensação de segurança. A mudança e conversão de sentido permite repensar as vias do circuito criado prevendo diversos modais. Os estacionamentos privados foram marcados também, mostrando a grande disponibilidade de vagas e possível integração entre modais: bonde elétrico + carro.

1. circuito bonde elétrico + ciclofaixa O circuito integra o perímetro do bairro, conectando atividades artísticas e culturais às quadras residenciais; passa por ruas locais, diminui congestão de tráfego em vias arteriais e irriga a área intrabairro de movimento e circulação de pessoas.

2. estacionamentos

Bonde elétrico: 2.1km

R. DAS T A

E

Disponibilidade de estacionamento privado

Ciclofaixa: 2.3km

BAJARA S

25

E

E

fluxo entrada/ saída beiramar/ orla leste

R. DAS TABAJA R

R. DOS T REMEMB ÉS

R. DOS C ARIRIS

Mantém-se a principal via arterial que corta o bairro – e conecta os portos do Mucuripe e do Pecém – como uma via rápida, porém com acessibilidade e segurança para pedestres e com possibilidade de implementação de um BRS; e um canteiro central regular, amplo, com espaço para arborização.

AV. ALM. TAMANDARÉ

3. av. pessoa anta/ alm. barroso

fluxo entrada/ saída zona oeste/ pecém intrabairro V. PESSOA ARROSO [A B . M L A . V A

ANTA]

E

SSOA SO [AV. PE O R R A B . M AV. AL

fluxo entrada/ saída zona leste/ sul - intrabairro

AV. HIS. RAIMUNDO GI

ANTA]

RÃO

fluxo entrada/ saída zona leste/ sul

4. calçadas e traffic calming E

R. JOSÉ AVELINO

R. DRAGÃO DO MAR

R. BORIS

E

fluxo entrada/ saída centro/ zona oeste - intrrabairro E

E

E E

E

E

E

R. PACAJ ÚS

AS

As vias que integram o circuito, ademais a r. Boris, foram reordenadas e tornadas acessíveis. A proposta prevê a implementação de traffic calming com toda as caixas de via em nível junto às calçadas. Prevê ainda um plano de arborização, com a previsão de espaço não conflitante para serviços, mobiliário e vegetação; e espaços de “vaga verde”, com incentivo à permanência.

5. canteiros e vagas verdes As vias que integram o circuito, ademais a r. Boris, foram reordenadas e tornadas acessíveis. A proposta prevê a implementação de traffic calming com toda as caixas de via em nível junto às calçadas. Além de um plano de arborização, com a previsão de espaço não conflitante para serviços, mobiliário e vegetação; e espaços de “vaga verde”, com mobiliário permanência, que pode ser apropriado por cafés e bares e pela população residente.

IÚS

E

100m

ARAR

Vagas no circuito: 145.

R. DOS

Com a implementação do circuito de conexão, a proposta prevê uma redução na demanda por uso de veículos motorizados; reordena os espaços públicos destinados a estacionamento, colocando-os em trechos mais movimentados.

R. JOSÉ AVELINO R. JOSÉ AVELINO

desapropriaçao de terreno vazio para abertura de via

03



DIAGRAMA DE DIRETRIZES PROJETUAIS – PLANO

III. devir: plano.

mudança de fluxos As mudanças de fluxos privilegiam as conexões a partir da escala do corpo, pelo pedestre, ciclista e veículo coletivo lento [bonde]; permitem um reordenamento de faixas e estacionamentos, principalmente na av. Alm. Barroso, aumentando a fluidez, ao diminuir conversões de retorno e inventivar o uso de vias secundárias. Duas mudanças são importantes ressaltar: a inversão de sentido da r. das Tabajaras e a unificação de sentido da av. Hist. Raimundo Girão.

investimentos - mobilidade/ acessibilidade - plano de fluxos

Cruzamento com semáforo para bonde; pedestre; e ciclista (quando acionado). Cruzamento com semáforo

Indicação de via não preferencial

Cruzamento com inversão de preferencial Cruzamento sem alterações

25

R. DAS T A

BAJARA S

Inversao de

100m

sentido R. DAS TABAJA R

SSOA SO [AV. PE O R R A B . M AV. AL

R. PACAJ ÚS

R. DOS C ARIRIS

AV. ALM. TAMANDARÉ

ANTA]

AV. HIS. RAIMUNDO GI

ANTA]

RÃO

R. DOS

ARAR

IÚS

R. DRAGÃO DO MAR

ABERTURA DE via restrita

R. BORIS

V. PESSOA ARROSO [A B . M L A . V A

R. JOSÉ AVELINO

R. DOS T REMEMB ÉS

AS

Abertura de via R. JOSÉ AVELINO

R. JOSÉ AVELINO

04



III. devir: plano.

modelo de desenho urbano O recorte apresentado foi escolhido para uma vista aproximada por conter uma grande complexidade de interação entre modais, usos pedonais e desenho urbano, podendo mostrar as diversas soluções apresentadas no plano geral de vias e de fluxos; e posteriormente, nos cortes transversais das vias do circuito.

investimentos - mobilidade/ acessibilidade - vista aproximada 1/500

5

20m

quadra poliesportiva

traffic calming exclusivo para ciclofaixa e bonde elétrico

PLANTA DE LOCALIZAÇaO

porto iracema das artes

centro dragao do mar de arte e cultura

rampa de acesso ao circuito em nível [calçamento]

praça verde mobiliário urbano estacionamento público com pavimentaçao calçamento em de alta permeabilidade bloco intertravado de concreto (alta permeabilidade)

espaço para atividades de permanência

via prioritária para bonde elétrico balisadores para proteçao do pedestre

bonde elétrico ciclofaixa entrada de estacionamento

cruzamento com sinal acionado para bonde elétrico, ciclovia e pedestres

05



DIAGRAMA DE DIRETRIZES PROJETUAIS – PLANO

III. devir: plano.

investimentos - mobilidade/ acessibilidade - cortes 1 r. boris - 9.8m

4 R. JOSÉ AVELINO [3] - 12.7

6 1 2

1.5

2.0

2.7

2.7

.9

p c m mobiliário básico

2 r. josé avelino [1] - 14.25m

1.5

2.0

4

2.5

3.3

2,8

.6

5

3

p c m b mobiliário básico

PLANTA DE LOCALIZAÇaO

1. modais e materiais

5 R. dos acariús [1] - 12.45m

p

PEDONAL Bloco intertravado

m

MOTORIZADO Bloco intertravado em nível - exceto Av. Alm. Barroso

e

ESTACIONAMENTO Concregrama em nível

c

CICLISTA Placa de concretro em destaque vermelho

b

BONDE ELÉTRICO Bloco intertravado em destaque vermelho em nível

d

DESEMBARQUE Bloco intertravado em nível

o

FAIXA EXCLUSIVA DE ÔNIBUS Possível implementação futura

2. mobiliário urbano 2.5

p c m e mobiliário básico mobiliário de permanência

1.5 .9

3.1

2.3

2.4

1.5

.6

2.25

2.5

p

c m b e mobiliário básico mobiliário de permanência vaga verde

3.85

3 r. josé avelino [2] - 14.35m

3.3

Básico Permanência Vaga verde Lixeiras; Bancos; Conjunto mesa + cadeiras; Iluminação; Vegetação alta bilateral; Sombreamento permanente; Balisadores; Parada de ônibus coberta Vegetação alta de sombra. Vegetação alta unilateral. Bicicletário.

3. Diretrizes para caixa de vias Vias locais em nível com calçadas; exceto Av. Alm. Barroso, por ser arterial. Prioriadade a modais não-motorizados ou de massa; Arborização nativa, contínua.

5 R. dos acariús [2] - 11.7m

Largura mínimas*: Calçadas mínimas: 2.0m** Bonde elétrico: 3.3m Ciclofaixas: 1.5m

Estacionamento: 2.25m Faixa direita: 2.3m Faixa esquerda: 2.7m

Arborização: Vegetação alta, separando ciclofaixas de carros; Variação de largura entre 0.3m - 0.9m.

2.5

1.5

.9

2.9

3.3

3.25

p c m b mobiliário básico mobiliário de permanência

2.0

1.5 .3

2.6

3.3

2.0

p c m b mobiliário básico

*Referência: GONDIM, Mônica F. Caderno de desenho de ciclovias. Rio de Janeiro: COPPE-UFRJ, 2010. **Exceto trecho da R. das Tabajaras, quando completa 2.7 somada à ciclofaixa integrada.

06



DIAGRAMA DE DIRETRIZES PROJETUAIS – PLANO

III. devir: plano.

investimentos - mobilidade/ acessibilidade - cortes 7 r. das tabajaras [1] - 10.10m

10 av. alm. tamandaré - 25.4m 9

10

8 13

7

12 2.7

2.0

1.5 .6

2.0

4.0

p c m mobiliário básico

8 r. das tabajaras [2] - 10.10m

4.3

1.5 .3

6.7

2.2 2.4

2.3

5.0

11

3.0

p

c m b e mobiliário básico mobiliário de permanência

PLANTA DE LOCALIZAÇaO

11 R. dragao do mar - 15.7m

13 av. alm. barroso [2] - 21m 2.25 1.5

p

c m b d mobiliário básico

1.2 1.5

2.0

3.3

2.0

1.5 .9

3.75

2.5

3.3

3.75

p

c m b e mobiliário básico mobiliário de permanência

3.0

9 r. das tabajaras [3] - 13.20m

12 av. alm. barroso [1] - 21m

6.6

3.6

p m e o mobiliário básico mobiliário de permanência c/ diferença de nível

2.5

1.5

.9

2.5

3.3

2.5

p c m b mobiliário básico mobiliário de permanência

3.0

p m o mobiliário básico mobiliário de permanência c/ diferença de nível

3.6

3.3

1.2 3.3

3.6

3.0

3.3

1.2

3.3

3.6 3.0

07



ii. Espaço Público A intervenção em um espaço público de permanência é colocada aqui de dupla maneira: pelo indicativo de interrupção da construção do Acquário Ceará, a partir das considerações feitas durante o Preâmbulo e o Processo; e pela diretriz de reformulação da intervenção no terreno do antigo DNOCS, que perpasse a possibilidade de participação real dos usuários da faixa de praia, residentes ou espontâneos. A Praça da Prainha, como propomos nomear este espaço, é um reconhecimento da identidade que a praia em frente ao terreno possui para a população da comunidade do Poço da Draga, principal usuária desta. Esta diretriz considera em muito as questões que colocamos ao longo deste trabalho, enquanto ferramenta de discussão e construção de uma coletividade. Repensar a forma e metodologia de criação de um projeto feito para uma comunidade (usuários da Praia de Iracema) é urgente, portanto colocamos esta diretriz de intervenção antes com uma metodologia de projetação. Uma consideração cabe aqui ser feita a partir de um quadro sobre níveis de participação sintetizado por Sherry Arnstein e atualizado por Marcelo Lopes de Souza (2002). O envolvimento popular dentro do planejamento e do projeto urbanísticos, segundo os autores, perpassa três estágios: não-participação (1), pseudoparticipação (2) e participação autêntica (3), que se subdividem em Coerção e Manipulação (1); Informação, Consulta e Cooptação (2); e Parceria, Delegação de poder e Autogestão (3).

O programa da praça deve ser calcado em três fundamentos: ócio, formação e criação, que são funções programáticas que podem se relacionar com os equipamentos

29

Souza (2002, p. 206) coloca que somente a partir das últimas três subdivisões é que “se pode, efetivamente, ter a esperança de que as soluções de planejamento e gestão possam ser encontradas de modo fortemente democrático e sobre os alicerces do emprego da racionalidade e do agir comunicativos.” Adiciona ainda que a coerção e a manipulação “representam a arrogância do ‘discurso competente’ (grifo no original) em sua forma pura”. Essa discussão é relevante quando colocamos a intensa disputa que se gerou a partir da construção do Acquário, pelo governo estadual, como baluarte de uma política de turismo e dinamização da economia. O que pretende essa proposta é o esforço de colocar um espaço hoje totalizante e autocrático como suporte para a construção de uma emancipação, onde o Estado possa abdicar de uma gama de atribuições em favor da sociedade civil — que neste momento demanda uma reformulação na relação de representação e autonomia estatal para decidir sobre seus espaços materializada na construção do Acquário.


formativos e educacionais do bairro (ver Prancha 01 - Diagrama de Diretrizes Gerais), potencializando a ação da ZEDUS - Arte (descrita mais à frente) e conectando a orla da av. Beira Mar até a comunidade do Poço da Draga. Um programa inicial direcional contempla a criação de espaço para práticas esportivas e passeio; apresentações musicais e performáticas em colaboração com o Estoril; e abrigo para aulas e oficinas de equipamentos próximos (CDMAC, Porto Iracema das Artes, Escola São Rafael); de modo a relacionar diversos usuários e usos em turnos distintos do dia. É portanto ainda mais vital o gesto de colocar a Praça da Prainha como alternativa metodológica e ideológica daquela perseguida pelo projeto em construção. Propõemse duas diretrizes para o projeto a ser realizado: – O uso de módulos elevados do solo, contemplando a necessidade de 100% de permeabilidade; – E a necessidade de uma construção coletiva e flexível que considere a complexidade de atores e usos ao longo do tempo, que permita a discussão sobre a composição da praça durante oficinas a serem realizadas para sua execução reunindo os diversos atores afetados e envolvidos pelo projeto. Opta-se assim por indicar uma estrutura modular, elevada do solo e de encaixe rápido e temporário.

b. Propostas de Regulação e Gestão

30

Dentro do cerne do trabalho, que se ocupa dos espaços livres públicos, há uma aparente fuga ao se trabalhar o uso e ocupação ou o zoneamento especial, que incide sobre o espaço construído privado. Aparente porque não deve ignorar que o contexto onde se insere o espaço comum é também influente e constitutivo deste, na medida em que o circunda e o recoloca — muros ou portas? — com maior ou menor sentido de urbanidade, vitalidade. Também porque quem ocupa o espaço público mora ao lado, no espaço privado, e por sua morfologia urbano, pode ou não fazer melhor uso daquele. Tendo isto em conta, o Plano considera duas intervenções de natureza regulatória: a criação de uma Zona Especial de Dinamização Urbanística e Sócioeconômica (ZEDUS) – Arte, voltada para o estímulo à consolidação do pólo artístico-cultural da Praia de Iracema; e o respeito à Zona de Proteção Ambiental (ZPA) – Faixa de Praia, que é conflitante com a construção do projeto Acquário Ceará. E uma de natureza de gestão:


a aplicação dos instrumentos de Parcelamento, edificação e utilização compulsórios; IPTU progressivo no tempo; e Desapropriação por títulos da dívida pública dentro da ZEDUS – Arte, voltados para o incentivo ao desenvolvimento urbano.

i. Zoneamento especial A partir das Articulações Possíveis reveladas no Processo, que revela grande número de terrenos e imóveis vazios, mas também intensa atividade artística, consideramos que um zoneamento especial que estimule artistas, produtores e prestadores de serviços de criação pode ter grande impacto na consolidação de um pólo de artes já em processo há algumas décadas. O alto custo da terra e a espera do mercado imobiliário para verticalizar a área dificulta o acesso de profissionais autônomos e pequenas empresas. Para compreender as várias barreiras que dificultam esse acesso e delinear um perímetro de atuação da zona, foram utilizados três fontes de dados: – Pesquisa quantitativa e qualitativa sobre tipos de atividade em imóveis não residenciais, de serviço de saúde e educação da área (outras finalidades), a partir de banco de dados do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do IBGE. – Pesquisa de valores de terrenos e imóveis do banco de dados do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e do classificados online ZAP Imóveis de preços de imóveis anunciados. – Zoneamento do PDP-For, principalmente limites da ZPA – Faixa de Orla e ZEIS 3 (Vazio).

31

A definição de um zoneamento de solo que proponha um uso específico como prioritário traz à luz algumas considerações que devem ser discutidas de modo a afastar um possível viés excludente ou demasiado restritivo. A tradição do urbanismo modernista advogava por um zoneamento funcionalista, com forte caráter segregacionista. Souza (2002) traz uma colocação, entretanto, de que é preciso observar que a exclusão ou o estímulo a alguns usos do solo não necessariamente determinam uma segregação residencial, ou seja, de grupos sociais, como são casos de ZEIS e zonas de proteção ao patrimônio histórico. O caráter prejudicialmente funcionalista pode ser combatido evitando-se uma excessiva rigidez e exclusividade. Distanciamo-nos aqui portanto do pensamento urbanístico que corrobora com uma visão monofuncional de cidade.


[…] o fato de essa visão de planejamento ser notoriamente tecnocrática e ter horror a conflitos sociais, trabalhando com um ideal de progresso e harmonia sociais a serem alcançados graças às reestruturações espaciais […], mostra que, também do ponto de vista sociológico, está-se diante de um pensamento funcionalista. O caráter “funcionalista” do zoneamento convencional incorpora e acoberta a sua dimensão socialmente excludente e conservadora, […].” (SOUZA, 2002, p. 256)

A combinação de instrumentos é uma das ferramentas para estimular a diversidade e a uma cidade mais eficiente e includente, potencializando o zoneamento de uso do solo. Souza (2002) utiliza uma classificação para instrumentos de acordo com seu nível restritivo no que tange a influenciar ações de atores modeladores dos espaços urbanos: informativos, estimuladores, inibidores, coercitivos e outros. Para o zoneamento especial que propomos, utilizaremos de três destes: estimuladores, com incentivos fiscais; inibidores, com aplicação de utilização compulsória, IPTU progressivo no tempo e desapropriação; e coercitivos, com alterações nos índices e parâmetros construtivos.

32

A definição do tipo de zona foi feita a partir dos objetivos em comum avaliados no Processo e nas possíveis zonas especiais previstas no PDP-For, o que resultou na especificação da ZEDUS empregando um caráter de incentivo às artes, devido à vocação já mencionada da região. A definição do PDP-For (2009) para a ZEDUS fala que Art. 149 - As Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS) são porções do território destinadas à implantação e/ou intensificação de atividades sociais e econômicas, com respeito à diversidade local, e visando ao atendimento do princípio da sustentabilidade. Art. 150 - São objetivos das Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS): I - promover a requalificação urbanística e a dinamização socioeconômica; II - promover a utilização de terrenos ou glebas considerados não utilizados ou subutilizados para a instalação de atividades econômicas em áreas com condições adequadas de infraestrutura urbana e de mobilidade; III - evitar os conflitos de usos e incômodos de vizinhança; IV - elaborar planos e projetos urbanísticos de desenvolvimento socioeconômico, propondo usos e ocupações do solo e intervenções urbanísticas com o objetivo de melhorar as condições de mobilidade e acessibilidade da zona. Art. 151 - As Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS) são as constantes do Anexo 4, Mapa 4, desta Lei Complementar. Parágrafo Único - A instituição de novas ZEDUS deverá ser feita


através de lei municipal específica, respeitando os critérios estabelecidos nesta Lei. Art. 152 - Serão aplicados nas Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS), especialmente, os seguintes instrumentos: I parcelamento, edificação e utilização compulsórios; II - IPTU progressivo no tempo; III - desapropriação com títulos da dívida pública; IV - estudo de impacto de vizinhança (EIV); V - estudo ambiental (EA); VI - instrumentos de regularização fundiária; VII - direito de preempção; VIII - direito de superfície; IX - operação urbana consorciada; X - consórcio imobiliário; XI - outorga onerosa do direito de construir. (FORTALEZA, 2009, arts. 149-152)

Para a especificação de uma ZEDUS – Arte no bairro da Praia de Iracema, voltada para atividades de criação, acrescemos à definição acima: – Serão consideradas atividades de criação e usos criativos: criação, produção e prestação de serviços nas áreas de artes audiovisuais; visuais; gráficas; cênicas; de dança; de música; design industrial; de moda; arquitetura; publicidade e propaganda; bares, casas noturnas e serviços de alimentação que produza alguma das atividades supracitadas. Devendo constar dentro das categorias definidas pela LUOS 7987/ 96: SP - Serviço Pessoal; PS - Prestação de Serviço; SAL - Serviço de Alimentação e Lazer; ECL Equipamento para atividades Culturais e de Lazer. A proposta da ZEDUS – Arte não se coloca como restritiva ou excludente, mas incentivadora de uma ocupação de pequenos proprietários com uso artístico, sem no entanto impedir usos outros preestabelecidos ou futuros. Além do zoneamento especial do PDP-For já apresentado para a área, foi realizada uma consideração sobre os usos existentes e sua interseção com as atividades descritas acima para a ZEDUS

A partir de dados do CNEFE, foram espacializados os usos de acordo com cada setor censitário do recorte estudado, destacando usos criativos (ver Tabela 05 – Tipo de atividade por setor censitário e Prancha 08 - Análise de atividades por setor censitário). O que se observou foi uma incidência desses usos em alguns setores censitários, contrastando com usos comerciais ou de apoio à atividade industrial em outros. Um dado interessante é sobre o uso misto (residência e outra finalidade), feito a partir da subtração entre os valores totais de imóveis e a somatória entre usos residenciais e outras finalidades. O setor com maior incidência de uso misto (A) é aquele que envolve o entorno industrial do recorte e a comunidade do Poço da Draga, que contém

33

– Arte.


TABELA 2 – TIPO DE ATIVIDADE POR SETOR CENSITÁRIO TOTAL DE IMÓVEIS POR TIPO

SETOR (A)

SETOR (B)

SETOR (C)

SETOR (D)

SETOR (E)

SETOR (F)

SETOR (G)

TOTAL

ENDEREÇOS

360

359

306

410

266

368

417

2486

DOMICÍLIOS

318

261

237

360

212

209

322

1919

ESTABELECIMENTOS DE OUTRAS FINALIDADES*

60

95

69

56

52

158

96

586

USO MISTO**

18

6

1

25

TIPO DE USO PARA OUTRAS FINALIDADES Uso criativo ***

Uso criativo ***

Uso criativo ***

Uso criativo ***

Uso criativo ***

TOTAL 142

SERVIÇOS/ ESCRITÓRIOS

10

23

5

28

2

10

9

2

26

2

BAR/ CASA NOTURNA

7

20

3

4

1

9

4

8

5

4

2

52

INSTITUCIONAL/ CULTURAL

6

12

1

11

4

44

ATELIÊ DE ARTE

HOSPEDAGEM

2

COMÉRCIO

13

ALIMENTAÇÃO

4

2

2

7

5

3

3

14

1

2

11

4

31

5

19

13

INDUSTRIAL

1

ESTACIONAMENTO

1

DEPÓSITO/ GALPÃO VAZIO/ DESOCUPADO****

1

1

36

4

1

1

21

22

92

22

195

4

5

3

5

54

1

2

5

9

4

1

3

4

1

13

17

4

4

6

9

40

3

6

2

11

* Estabelecimentos que possuem uso diferente de domicílio, educação, saúde ou a ropecuário. ** Cálculo realizado pela autora a partir da sobreposição de domicílios e outras finalidades em relação ao total de endereços [ = ENDEREÇOS (DOMICÍLIOS + OUTRAS FINALIDADES)]. *** O uso criativo se refere à ativadades identificadas como relacionadas às artes, cultura e criação, definidas detalhadamente no texto. **** Estima-se que o baixo valor se dá principalmente pela desconsideração de domicílios; pela consideração de al uns vazios como estacionamentos, depósitos ou fundos de lote. OBS.: (A) SETOR 230440005080075; (B) SETOR 230440005080352; (C) SETOR 230440005080353; (D) SETOR 230440005081025; (E) SETOR 230440005081026; (F) SETOR 230440005080351; (G) SETOR 230440005080076. . Fonte: CNEFE - IBGE: Censo, 2010.

34

Tabela 05: Tipo de atividade por setor censitário


DIAGRAMA DE DIRETRIZES PROJETUAIS – PLANO

III. devir: plano.

reconhecimento de demandas e vocaçoes artísticas Para delinear uma proposta de zoneamento que potencialize a produção e formação artística no bairro da Praia de Iracema, realizou-se uma pesquisa quantitativa e qualitativa de edificações com outras finalidades, definidas pelo Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) com dados dos setores censitários do Censo 2010 (IBGE). Outras finalidades consideram essencialmente comércio e serviço, excluindo uso residencial, educacional e de saúde. A intenção da pesquisa era observar a ocorrência de usos desta natureza que tivessem foco em produção e formação artística, evidenciando um possível perímetro para o zoneamento que pudesse fomentar a multiplicação desses estabelecimentos (Para apreensão de outras possíveis relações, observar a Tabela 02 Tipo de atividade por setor censitário).

REGULAÇAO E GESTAO - zoneamento especial/ uso e ocupaçao - análise de usos por setor censitário

Escritório/ Serviço

Hospedagem

Bar/ Casa Noturna

Comercial

Déposito/ Galpão

Institucional/ Cultural

Alimentação

Vazio/ Sem uso

Atelier de arte

Industrial

Setores não estudados [fora da área de interesse]

23 20 10 7

13

6

17 5

1

7

E Estacionamento

Setores com usos relacionas à arte

25

11 4

2

1

E

100m

4 28

E

14

SETOR [B]

SETOR [A]

No de imóveis Proporção quantitativa Proporção de imóveis relacionados à arte

Setores sem usos relacionados à arte [declarados]

19

12

10

4

4

13 4

1

1

E

SETOR [C]

22 9 9

2

5

2

3 31

E

SETOR [E]

10

2

2

4

92

36

11 1

3

E

SETOR [D]

22 4

4

1

5

5

9 1

2

E

SETOR [G] 8

7

26 3

1

3

2

4

E

SETOR [F]

6

6

08



alto índice de mercearias e pequenos comércios de alimentação, dando indícios de uma fonte de renda da população residente no setor. Entretanto, o uso misto pode ser estimulado também dentro dos limites estabelecidos para a ZEDUS - Arte, por ser bastante positivo quando da tipologia residência unifamiliar–atelier de arte, que favorece pequenos artistas empreendedores. A delimitação do perímetro (ver Prancha 09 - Delimitação de ZEDUS - Arte) se deu dentro dos setores censitários identificados com usos criativos, considerando quadras com imóveis particulares subutilizados ou vazios, excluindo-se o limite da ZEIS 3 e da ZPA – Faixa de Praia presentes no recorte de estudo.

ii. Parâmetros urbanísticos para ZEDUS – Arte Elaboramos aqui as diretrizes indicadas no início deste texto, que nortearam a definição dos parâmetros urbanísticos de natureza coercitiva (SOUZA, 2002) para regulamentação da ZEDUS – Arte. Os índices alterados podem ser divididos em dois, aqueles definidos pelo PDP-For para zonas especiais: taxa de ocupação e gabarito; e aqueles definidos pela LUOS para parâmetros construtivos: lote mínimo, remembramento, uso adequado por porte da edificação (permissão de uso misto), recuos e número mínimo de vagas para automóveis. Os últimos foram definidos principalmente pela referência de empreendimento de pequeno e médio porte (até 250m2) determinados na LUOS,

Uma questão que emerge na criação de um zoneamento que estimule a dinamização sócioeconômica de uma região da cidade é sobre a possibilidade de gentrificação, que seria a expulsão induzida pela valorização do preço de terrenos e imóveis, dificultando a permanência de grupos com baixo poder aquisitivo. A gentrificação é um efeito esperado quando há o reordenamento territorial de uma região ou conjunto de intervenções urbanísticas, principalmente àquelas com relação ao turismo e comércio. O estímulo às artes em uma área como a Praia de Iracema, que possui mais de um assentamento precário consolidado e uma ZEIS vazio, deve perpassar a necessidade

37

principal tipologia incentivada no Plano; e pela necessidade de estimular o modal pedonal, com a diminuição do número de vagas exigidas, a indução à doação de área para calçada, aproximação das edificações da rua — e consequente redução de incidência de edificações muradas. O conjunto de índices alterados em sentido mais permissivo de ocupação busca uma compensação para imóveis que abriguem usos criativos, reforçando o pólo artístico do bairro. (ver Tabela 06 – Parâmetros urbanísticos para ZEDUS – Arte e Prancha 09 - Delimitação de ZEDUS - Arte).


de respeito às preexistências e à diversidade; e o cuidado em compor instrumentos urbanísticos que garantam o direito à cidade para residentes já estabelecidos. O Plano foi composto em seus parâmetros urbanísticos segundo o estímulo a manutenção de lotes menores, com incentivo ao uso misto e restrição de remembramento, o que corrobora a manutenção e produção de imóveis com valores mais acessíveis e sem interesse de construção de grandes empreendimentos residenciais e comerciais. É uma escolha deliberada em manter uma escala próxima, mas também em garantir a redução dos valores do solo edificado, atualmente em uma média entre R$ 4 mil e R$ 6 mil (ver Diagrama 04 - Valores anunciados para venda de imóveis). Outra diretriz importante no sentido de combater a especulação imobiliária após a implementação da ZEDUS - Arte foi a consideração de perímetros distintos entre ZEIS Vazio e ZEDUS - Arte.

38

Esta ação revela uma preocupação na não sobreposição de índices ou no estímulo à especulação de terrenos que deveriam ser destinados prioritariamente à habitação social ao convertê-los em potenciais comércios e serviços. É de certa maneira uma decisão política em reconhecer a importância, validade e urgência da ZEIS Vazio, assim como em possibilitar sua expansão simbólica para a ZEDUS - Arte com a permissão de uso misto e delimitar um lote mínimo de 80m2, distante 45m2 do atual determinado pela LUOS.


TABELA 4 – PARÂMETROS URBANÍSTICOS PARA ZEDUS-ARTE ÍNDICES/ PARÂMETROS URBANÍSTICOS

ATUAL LUOS

PROPOSTA LUOS para ZEDUS-ARTE

Atividades artísticas e criativas dentro das cate orias SP; PS; SAL; ECL;* e uso Misto (residencial + cate orias acima)

80m2 ** testada mínima de 5m

125m2

LOTE MÍNIMO

TESTADA MÁXIMA

ÁREA MÁXIMA

TESTADA MÁXIMA

ÁREA MÁXIMA

20m

650m 2

10m

250m2

PORTE

CLASSE 1 [até 80m2]

CLASSE 2 [até 250m2]

CLASSE 1 [até 80m2]

CLASSE 2 [até 250m2]

USO ADEQUADO

Variável

Variável

Lateral Fundo Frente A depender da classe e uso 1,5 3 7 – – – 1,5 3 7

Lateral

Frente

Frente

3 – 3

3 – 3

–***

REMEMBRAMENTO

RECUOS [vias locais]

USOS

Frente

Misto ECL Outros

3 – 5

SIM Lateral Fundo Frente Lateral Para todos os usos acima

1,5

3

–***

2

Fundo

3

Para lotes com testada de até 8m, são descontados recuos laterais. Para lotes com testada de até 12m, são descontados recuos laterais térreos.

NO MÍNIMO DE VAGAS

ÍNDICES/ PARÂMETROS URBANÍSTICOS TO

1 [facultativa em vias locais] 1 [facultativa em vias locais]

1/50m2 de Área útil

Exceto uso Misto multiresidencial, que deve ser calculado se undo cada uso, de acordo com atual LUOS. PROPOSTA ZEDUS-ARTE

ATUAL ZONA DE ORLA 3

Atividades artísticas e criativas dentro das cate orias SP; PS; SAL; ECL.*

60%

70%

TP

25%

IA BÁSICO

2

IA MÁXIMO

2

IA MÍNIMO

0,25

TO SUBSOLO

60%

GABARITO MÁXIMO

48m

12m

*

**Valor adotado a partir das classes de porte da LUOS 7987/96, podendo ser posto em discussão quando uma pesquisa aprofundada sobre tamanho médio de lotes da área, valor da terra e habitabilidade. *** Em caso negativo, o recuo frontal deve ser de 3m.

39

Tabela 06: Parâmetros urbanísticos para ZEDUS - Arte



III. devir: plano.

proposta de regulaçao e gestao do solo pelo zoneamento e tribuçao A partir de análise produzida sobre usos existentes, demandas e potencialidades, delimitou-se uma Zona Especial de Dinamização Urbanística e Socioeconômica voltada para impulsionar atividades de produção e formação artística [ZEDUS-Arte]. Para tanto, buscou-se regulamentar parâmetros e índices urbanísticos e valores de tributação diferenciados de IPTU que pudessem consolidar a área de estudo como um pólo de artes. Alguns fatores relevantes para a construção do limite da zona foram o estudo de atividades por setor censitário; a consideração da existência de uma ZEIS 3 [Vazia] adjacente ao limite; e as questões identificadas durante o Processo. Em conjunto com a ZEIS 3, a ZEDUS-Arte visa garantir o acesso à terra, o combate à gentrificação e a diversidade de usos e pessoas (Observar Tabela 3 e 4, para índices e valores).

REGULAÇAO E GESTAO - zoneamento especial/ uso e ocupaçao - delimitaçao

lote de 80m2 [proposto] lote mínimo

lote de 125m2 [atual luos] lote mínimo

Limite proposto para ZEDUS-Arte

50

200m

lote de 80m2 [atual luos]

incentivo à vaga de carro relaçao rua-edifício baixa variaçao morfológica baixa [implantaçao blocada] uso de recuo maior do que permitido pela taxa de ocupaçao restrita

lote de 80m2 [proposto] 1m a mais de calçada relaçao rua-edifício variaçao morfológica sombreamento da calçada

incentivo à vaga de carro relaçao rua-edifício baixa variaçao morfológica baixa [implantaçao blocada]

1m a mais de calçada relaçao rua-edifício variaçao morfológica

Praia de Iracema Centro

lote de 250m2 [atual]

lote de 250m2 [proposto]

lote de 250m2

área total zedus-arte: 20,7ha lote de 80m2

lote mínimo proposto para zedus-arte= 80m2

lote máximo de remembramento proposto para zedus-arte= 250m2

16m

5m

lote máximo de remembramento atual [luos 7987/96] = 650m2

25

m

possibilidade de remembramento 250m2 possibilidade de remembramento 190m2

10m 32

,5m

20m

09



iii. Incentivos fiscais e tributação indutora de desenvolvimento urbano Os instrumentos de tributação, ademais a função de arrecadação de recursos, possuem o que o Souza (2002) denomina extrafiscalidade, a possibilidade de induzir o desenvolvimento urbano segundo os preceitos definidos pelo Estatuto da Cidade e pelos planos diretores locais, pela “promoção de redistribuição indireta de renda”, pelo “disciplinamento da expansão urbana” ou ainda pelo “incentivo a determinadas atividades” (SOUZA, 2002, p. 226). O uso do IPTU, dentro dessa perspectiva, não deve se restringir à cobrança progressiva no tempo, mas a uma diferenciação espacial por zonas, uma vez que a produção do espaço urbano é desigual e assim também o preço do solo nas diversas regiões da cidade. Souza advoga por uma alíquota diferenciada segundo o status do bairro ou limite de referência adotado, determinado pelos valores da Planta Genérica de Valores. Aqui, colocamos como possibilidade aliar o objetivo de redistribuição de renda proposto pelo autor com o incentivo à um uso específico (artístico), que tem uma tendência — ou ainda, necessidade — de concentração espacial para multiplicação e apoio mútuo, mas de grande dificuldade de incentivo e sobrevivência em Fortaleza. A previsão de orçamento para o ano de 2014 em processo votação na câmara municipal é de R$ 22.663.913, 38% a menos que 2013, e voltado principalmente para obras de reforma de imóveis públicos, relegando a segundo plano patrocínios a projetos e obras de artistas e coletivos. A proposta do Plano prevê o uso de incentivo fiscal, instrumento estimulador, a partir da cobrança diferenciada de IPTU para atividades classificadas dentro dos usos criativos, definidos anteriormente, dentro do perímetro da ZEDUS – Arte (ver Tabela 07 - Alterações na cobrança do IPTU).

região da cidade, mas por um par de alíquotas de aumento padrão para todos os imóveis segundo faixas de valores fixos, elevando todos os valores igualmente e desconsiderando os ganhos possíveis por infraestrutura e outros fatores. A introdução do fator de verticalização, adicional de 0,5% no valor venal do imóvel por andar em edificações com elevador, é um avanço importante que permitirá o retorno necessário para investimentos em infraestrutura em áreas com alta densidade, se aprovada a

43

Ao final do ano de 2013, uma proposta de atualização dos valores da Planta Geral de Valores utilizada como base para tributação de imóveis está em discussão na Câmara de Vereadores de Fortaleza, além de alguns elementos novos de cobrança, como o fator de verticalização — explicado mais à frente. O texto em discussão para o aumento não foi proposto todavia segundo um estudo de valorização do metro quadrado por


TABELA 3 – ALTERAÇÕES NA COBRANÇA DE IPTU FAIXAS

IPTU PROPOSTO [para a área de intervenção proposta]

IPTU [em processo de aprovação]

IPTU [Lei Complementar nº 033/2006)]

RESIDENCIAL Até R$ 26.383,85

até R$ 58.600

0,6%

0,6%

até R$ 210.600

0,8%

0,8%

> R$ 210.600

1,4%

1,4%

0,5% fator de verticalização

até R$ 52,000

até R$ 52,000

0,6%

1% fator de verticalização

ISENÇÃO

0,8% 1,4%

NÃO RESIDENCIAL

ZEDUS ARTE*

até R$ 210.600

1%

1%

1%

0,5%

> R$ 210.600

2%

2%

2%

1%

até R$ 500.000

1%

> R$ 500.000

2%

VAZIO Sem infraestrutura

1%

1%

1%

Com infraestrutura

2%

2%

2%**

* Zona Especial de Dinamização Urbanística e Socioeconômica - Arte **Aplica-se aliquota de 3% ao ano, cumulativo até 15% (após 5 anos) para imóveis ou glebas aonde já houver ocorrido notificação de Parcelamento, edificação e utilização compulsórios da terra, instrumento do PDP-For 2009. Fonte: Sefin-For/ Autora. Tabela 07: Alterações na cobrança de IPTU

44

matéria. A partir dos antigos valores e do projeto em discussão atualmente, propôsse os valores da Tabela 3: Alterações na cobrança do IPTU, que modifica as alíquotas incidentes dentro da ZEDUS – Arte para usos criativos, sem restringir — ou incentivar — outros usos. Os valores propostos para incentivo fiscal em imóveis não residenciais foram baseados em pesquisa realizada no banco de dados do ITBI durante o período de 2007-2010, que tem informações sobre terrenos vazios; e dados do classificado online ZAP Imóveis sobre valores do metro quadrado por bairro para imóveis anunciados, durante


o período de 2010-2013. O que se observa é uma diferença significativa entre o valor do solo edificado e daquele vazio, variando em média entre 700 a 4000 reais. Os valores do classificado ZAP Imóveis consideram também casas e apartamentos, pela possibilidade de serem convertidos em espaço de trabalho ou uso misto (ver Tabela 08 – Valores ITBI 2007-2010 e Diagrama 04 – Valores anunciados para venda de imóveis). O valor máximo determinado, de até R$ 500 mil, para incentivo fiscal por redução do IPTU foi estimado segundo os valores da Tabela 07 e do Diagrama 04. Alguns exemplos exemplo dos valores de m2 da pesquisa realizada aplicados aos tamanhos de lote estabelecidos na regulamentação da LUOS para a ZEDUS - Arte mostra a viabilidade da proposta: – 80m2 (lote mínimo para toda a zona) x R$ 4.286 (valor médio do m2 em nov/2013 para imóveis comerciais) = R$ 342.880 (valor final de imóvel hipotético com uso comercial) – 80m2 (lote mínimo para toda a zona) x R$ 724 (valor médio do m2 em 2010 para terrenos vazios) = R$ 57.920 (valor final de imóvel hipotético com uso comercial) – 250m2 (lote máximo para incentivo de uso criativo) x R$ 4.286 (valor médio do m2 em nov/2013 para imóveis comerciais) = R$ 1.071.500 (valor final de imóvel hipotético com uso comercial) — valor acima do considerado. Importante ressaltar que a amostra de valor médio foi de apenas 1 imóveis, sendo imprecisa ou podendo ser fruto de proprietário sem intenção de venda real. – 250m2 (lote máximo para incentivo de uso criativo) x R$ 724 (valor médio do m2 em 2010 para terrenos vazios) = R$ 181.000 (valor final de imóvel hipotético com uso comercial)

Uma ressalva que se faz sobre os bancos de dados utilizados é o limite da acuidade de informação, uma vez que a prefeitura tem sua Planta de Valores com grande defasagem

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É preciso considerar a existência de lotes menores que 80m2 e também de que a localização intra-ZEDUS - Arte pode aumentar ou diminuir o valor do imóvel de maneira drástica, se considerarmos a proximidade da faixa de praia ou ainda da av. Alm. Barroso, fatores de valorização.


DIAGRAMA DE VALORES ANUNCIADOS PARA VENDA DE IMÓVEIS BAIRROS PRAIA DE IRACEMA/ CENTRO

PREÇO POR m2

COMERCIAL/ INDUSTRIAL R$6 mil

R$ 4 mil

R$ 2 mil

jul jan jul jan 10 11 11 12 Valor médio m2 (nov/2013) Praia de Iracema - R$ 4.286 (1 imóvel) Centro - 0 (nenhum imóvel registrado no perído)

jul 12

jan 13

jul 13

PREÇO POR m2

CASA R$ 15 mil

R$ 10 mil

R$ 5 mil

jul 10

jan 11

jul 11

jan 12

jul 12

jan 13

jul 13

jul jan jul 10 11 11 Valor médio m² (nov/2013) Praia de Iracema - R$ 5.756 (23 imóveis) Centro - R$ 5.039 (9 imóveis)

jan 12

jul 12

jan 13

jul 13

Valor médio m2 (nov/2013) Praia de Iracema - R$ 10.169 (1 imóvel) Centro - R$ 3.750 (1 imóvel)

APARTAMENTO PREÇO POR m²

R$ 8 mil R$ 6 mil R$ 4 mil R$ 2 mil

Valores para Bairro Praia de Iracema Valores para Bairro Centro

46

Fonte: ZAP Imóveis.

Diagrama 04: Valores anunciados para venda de imóveis nos bairros Centro e Praia de Iracema


TABELA DE VALORES ITBI NÚMERO DE OCORRÊNCIAS

MÉDIA DO PREÇO DO M2 POR QUADRA (EM REAIS)

1

238,65

1

350,94

1

179,54

1

103,25

1

631,71

1

280,75

2007

ANO

TOTAL/ MÉDIA

2008

6 1

586,31

1

717,22

1

260,58

1

60,43

TOTAL/ MÉDIA

2009

297,47

4

406,13

1

121,04

1

296,65

2

711,95

1

474,63

1

356,03

2010

TOTAL/ MÉDIA

6

392,06

1

844,33

1

844,31

1

1206,23

TOTAL/ 3 724,00 MÉDIA Dados de comercialização de terrenos, retirando aqueles relativos às edificações tanto habitacionais como comerciais. Tabela 08: Valores de ITBI

47

Fonte: ITBI/ Sefin-For.


em relação ao mercado; o classificado considerar apenas o valor anunciado — não o de conclusão da venda, como é o caso do ITBI; e o ITBI só considerar terrenos vazios, inviabilizando uma comparação entre terrenos edificados. É possível dizer que a limitação de acesso à informação compromete a determinação de um valor máximo de cobrança de IPTU para imóveis não residenciais com usos criativos que esteja dentro do perfil traçado: pequeno porte e autônomo. Uma segunda proposta em tributação, como instrumento de gestão inibidor, é a aplicação dos três primeiros instrumentos previstos para a ZEDUS pelo PDP-For: parcelamento, edificação e utilização compulsórios; IPTU progressivo no tempo; e desapropriação com títulos da dívida pública.

48

O PDP-For prevê Art. 208 - São passíveis de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, nos termos do art. 182 da Constituição da República e dos art. 5o e 6o da Lei Federal no 10.257, de 2001, os imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados, localizados em todas as zonas da Macrozona de Ocupação Urbana, exceto na Zona de Ocupação Restrita (ZOR). § 1o - Nas Zonas Especiais de Interesse Social 3 (ZEIS 3), deverá ser aplicado o instrumento de que trata o caput deste artigo, independente da zona em que está situada, desde que esta seja dotada de infraestrutura urbana. § 2o - Nas Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS) deverá ser aplicado o instrumento de que trata o caput deste artigo. Art. 209 - Para fins desta Lei, consideramse: I - solo urbano não edificado: os terrenos ou glebas com área igual ou superior a 400m2 (quatrocentos metros quadrados), quando o índice de aproveitamento utilizado for igual a zero; II - imóveis subutilizados: imóveis edificados, com área igual ou superior a 400m2 (quatrocentos metros quadrados), cujos índices de aproveitamento não atinjam o mínimo definido para zona ou que apresentem mais de 60% (sessenta por cento) da área construída da edificação ou do conjunto de edificações sem uso há mais de 5 (cinco) anos; III - imóveis não utilizados: terrenos ou glebas edificados cujas áreas construídas não sejam utilizadas há mais de cinco anos. Parágrafo Único - Excluem-se da classificação os imóveis que estejam desocupados em virtude de litígio judicial, desde que comprovada a impossibilidade de utilização do mesmo. Art. 210. Ficam excluídos da obrigação estabelecida no art. 208 desta Lei somente os imóveis que: I - exercem função ambiental essencial, tecnicamente comprovada pelo órgão municipal competente; II - são de interesse histórico-cultural. Art. 211 - Os proprietários dos imóveis considerados não edificados, subutilizados ou não utilizados serão notificados pelo Município, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis. Art. 212 - A notificação far-se-á: I - por


funcionário do órgão competente do Município ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administrativa; II - por edital, quando frustrada, por 3 (três) vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I. Art. 213 - Os proprietários notificados deverão, no prazo máximo de 1 (um) ano, a partir do recebimento da notificação, protocolar pedido de aprovação e execução de projeto para parcelamento do solo ou edificação. § 1o - O prazo para cumprimento da obrigação será de 2 (dois) anos para os imóveis inseridos na Zona de Requalificação Urbana (ZRU). § 2o - Os parcelamentos e edificações deverão ser iniciados no prazo máximo de 2 (dois) anos a contar da aprovação do projeto. § 3o - Em empreendimentos geradores de impacto, desde que o projeto seja aprovado na íntegra, será admitida, excepcionalmente, a execução em etapas, em prazo superior aos previstos, obser- vado o prazo máximo de 4 (quatro) anos. § 4o - Para a obrigação de utilizar o imóvel, o prazo será de, no máximo, 1 (um) ano, a partir do recebimento da notificação. Art. 214 - A transmissão do imóvel, por ato intervivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, previstas nesta seção, sem interrupção de quaisquer prazos. Art. 215 - Faculta-se aos proprietários dos imóveis notificados para urbanização compulsória propor ao Município o estabelecimento de consórcio imobiliário, como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel. (FORTALEZA, 2009, arts. 208-215)

O índice mínimo de aproveitamento mantido para a ZEDUS – Arte é de 25% (ver Tabela 07 - Parâmetros urbanísticos para ZEDUS - Arte), colocando vários terrenos utilizados como estacionamento em possibilidade de notificação para edificação compulsória. Além de terrenos vazios, há muitos imóveis subutilizados que devem ser catalogados para notificação de utilização compulsória. O instrumento não possui nenhuma indefinição que demande regulamentação posterior e pode ser aplicado de imediato.

Art. 216 - Em caso de descumprimento das obrigações, etapas e prazos estabelecidos no art. 213 desta Lei, o Município deverá aplicar nessas propriedades alíquotas progressivas do IPTU, majoradas anualmente, pelo prazo de 5 (cinco) anos consecutivos, e até que o proprietário cumpra com a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar, conforme determinação de lei específica. § 1o - O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado em lei específica e não excederá a 2 (duas) vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de 15% (quinze por cento). § 2o - O Município manterá

49

Para os instrumentos de IPTU progressivo no tempo e desapropriação em títulos da dívida pública, o PDP-For estabelece


a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa de proceder à desapropriação do imóvel, mediante pagamento em títulos da dívida pública. § 3o - É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo. Art. 217 - Decorridos 5 (cinco) anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. § 1o - Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até 10 (dez) anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de 6 (seis por cento) ao ano. § 2o - O valor real da indenização: I - refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público, na área onde o mesmo se localiza, após a notificação de que trata o art. 212 desta Lei; II - não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios. § 3o - Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos. § 4o - O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de 5 (cinco) anos, contados a partir de sua incorporação ao patrimônio público. § 5o - O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório. § 6o - Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do parágrafo anterior as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 208 desta Lei. § 7o - Não cumprindo o adquirente a obrigação do parágrafo anterior no prazo de 5 (cinco) anos, o Município poderá desapropriar o imóvel nos termos do caput. (FORTALEZA, 2009, arts. 216-217)

50

Determina portanto que após vencido o prazo de um ano de notificação para parcelamento, edificação e utilização compulsórios, inicie a cobrança de IPTU progressivo no tempo, donde definimos a alíquota anual cumulativa de 3% do valor venal do imóvel somada ao valor venal original (ver Tabela 06 – Alterações na cobrança de IPTU); e posterior desapropriação com títulos da dívida pública, instrumento também já regulamentado e passível de aplicação imediata.



06. 04.


resistências

[camila matos]

Este projeto se constitui enquanto tentativa de conciliação entre inquietações de diversas naturezas. Parte do reconhecimento das preexistências do lugar (espaços públicos ajacentes à Comunidade do Poço da Draga, no bairro da Praia de Iracema); perpassa a vontade e as demandas dos seus moradores e usuários espontâneos; ao mesmo tempo em que toca, durante todo o seu processo de formulação, questões pessoais que têm nos movido durante a trajetória acadêmica. Formular suas premissas é tentarmos nos manter leal a essas inquietações, é aceitar que não podem jamais ser apaziguadas e é, acima de tudo, persistir neste exercício de buscar respostas e de construí-las coletivamente.

53

A premissa mais forte deste projeto é a que lhe dá nome: operar junto às resistências. Ajustar o olhar e delinear um programa que atenda às necessidades locais: reconhecêlas como universais, na medida em que se busca desenvolver um projeto de justiça social; e perceber o valor de suas especificidades, abrir espaço, fornecer uma infraestrutura básica para que se possam sustentar.


Uma segunda premissa diz respeito a trabalhar a memória local a partir das narrativas locais — cuidando, em cada traço, para que a proposta não se converta em mera estratégia de marketing urbano — para que encontre força em sua própria identidade. O espaço deve constituir-se enquanto suporte para esta memória e para as diversas temporalidades que nele coexistem, onde passado e presente sejam considerados como elementos igualmente fundamentais. A identidade se fortalece quando a comunidade e seus espaços públicos adjacentes tornam-se visíveis, permeáveis, podendo assim, num caminho de mão dupla, ver e acessar os espaços dos quais vão sendo cerceados ao longo dos anos. Há ainda uma terceira premissa que se relaciona diretamente ao referencial teórico deste trabalho: a microescala. O projeto é composto de pequenas intervenções que se preocupam em respeitar as dinâmicas locais preexistentes, em não violar os modos de viver da comunidade e dos usuários espontâneos. Buscou-se aqui um fazer arquitetônico que se pauta nas demandas genuinamente locais. Um esforço em escapar — como têm escapado os que ali habitam — ao poder hegemônico e totalizante que, ao longo da história, tem desviado o olhar dessas pessoas, colocandoas no perverso lugar de empecilho ao progresso e de marco indesejado na paisagem.

54

O programa de necessidades visa criar um corredor de integração entre os diversos espaços públicos adjacentes à comunidade, atendendo a algumas das demandas identificadas a partir das diversas incursões. Os materiais utilizados nos projetos arquitetônicos assemelham-se aos que compõem os principais elementos da paisagem, como o calçadão e a Ponte Metálica — concreto, aço e madeiral naval. Esta opção se justifica por estabelecer uma unidade de linguagem com o local, bem como pelo fato de que estes são materiais robustos e populares, o que viabiliza economicamente a intervenção, pela disponibilidade de mão de obra e os baixos custos com construção e manutenção dessas estruturas.


PROGRAMA DE NECESSIDADES — RESISTÊNCIAS TEMAS

DESCRIÇÃO DA AÇÃO

EFEITOS ESPERADOS

MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE

Acessibilidade pedonal Reordenamento do fluxos de automóveis motorizados, não motorizados e pedestres.

GRUPOS SOCIAIS ENVOLVIDOS

PROJETOS URBANOS

Trabalhadores do entorno

Residentes do entorno Diminuição do risco de acidentes

Implantação de balizadores que limitem o acesso motorizado à faixa de praia

Usuários espontâneos Dinamização dos percursos feitos por pedestres

Turistas

Implantação de projeto luminotécnico Diminuição do risco de acidentes

Residentes do entorno

Readequação dos trechos fisicamente de radados do uarda corpo Recuperação do piso nos trechos fisicamente de radados Definição de projeto paisa ístico com ve etação apropriada

Recuperação da ponte metálica

Res ate e fortalecimento da identidade local

Usuários espontâneos

Instalação de mobiliário se uindo o ordenamento a forma ori inal da ponte Reabilitação da construção anexa para pesca artesanal

ESPAÇO PÚBLICO

Criar conexão entre ponte e anexo através de passarela Diversificação e intensificação de usos ao lon o do dia

Instalação de plataformas de apoio à prática de salto na á ua

Turistas

Reforma na faixa de praia entre a Ponte Metálica e a Ponte dos In leses

Desapropriação de terreno adjacente à comunidade do Poço da Dra a para a criação de espaço público

Melhoria da infraestrutura para as atividades de lazer na faixa de praia

Residentes do entorno

Ampliação do calçadão adjacente à faixa de praia

Inte ração da faixa de praia e equipamentos adjacentes

Usuários espontâneos

Implantação de módulos de apoio às atividades na faixa de praia

Diminuição da poluição ambiental e sonora

Turistas

Instalação de saídas de áudio com volume de som limitado na faixa de praia

Res ate e fortalecimento da identidade local

Residentes do entorno

Criação de espaço de praça com horta comunitária

Diversificação dos espaços públicos de convivência, festividade e reunião

Usuários espontâneos

Estrutura para cinema ao ar livre e comércio ambulante de alimentos

Melhoria na se urança pública

Estudantes e artistas

Intervenções na pa inação do piso que façam referência ao anti o trilho

Tabela 09: Diretrizes Gerais – Resistências

55

Restauro da coberta


a. Terreno da Antiga Alfândega A permeabilidade dos espaços públicos, diretriz fundante deste projeto, encontra-se em relação conflituosa com o terreno da antiga alfândega de Fortaleza, onde há dois edifícios em estado de abandono e uma área livre de cerca 6858m2, atualmente cercada por muros. Sugerimos, portanto, para a implementação de uma praça, a subtração dos muros e um desenho que parte das preexistências para preservar a memória do lugar e atender às demandas da atualidade. A reabilitação do Edifício 01 o reconfigura como o Centro de Saúde da Família da Praia de Iracema, demanda identificada em uma etapa anterior deste trabalho. Já o Edifício 02 tem sua fachada exterior aberta, conectando a Rua Almirante Tamandaré à Praça. É também convertido no Memorial do Poço da Draga, que deve abrigar um arquivo de documentos, fotografias e objetos do passado e do presente que contam a história da comunidade mais antiga de Fortaleza. Ainda no Edifício 02, uma área fica reservada para apoiar o cinema ao ar livre “CineQuermesse”; atividade idealizada a partir do reconhecimento de um núcleo de produção audiovisual composto por moradores do Poço da Draga e que deve contribuir para a formação de público e exibição da produção local. As sessões, abertas ao público, devem atrair o comércio ambulante de alimentos, atividade profissional de parte dos residentes na comunidade. A pavimentação, em determinada altura, integra-se à da rua, o que coloca a praça no mesmo nível do percurso pedonal proposto para a área — neste mesmo trecho propomos a implementação de uma horta comunitária, seguindo os desenhos circulares das ruínas que os residentes da Comunidade do Poço da Draga identificam como sendo dos barris de óleo de mamona que existiam à época de funcionamento do porto. Em outros trechos, utiliza-se placas cimentícias, apropriadas à prática de esportes como o ciclismo e o skate. Reconstituímos, através da paginação do piso, o percurso do antigo trilho, presente nos relatos e na memória dos moradores e desenhado no projeto da Cartografia Social, levado à cabo pelo LaboCart e pelo Coletivo Urucum.

56

b. Prainha A segunda área de intervenção se dá na faixa de praia entre a Ponte Metálica e a Ponte dos Ingleses, popularmente conhecida como Prainha; onde, atualmente há um intenso uso vinculado ao lazer e atividades lúdicas. Propõe-se para esta área a ampliação de


um trecho do calçadão existente; o limite ao acesso motorizado à faixa de praia; e a implantação de dois módulos que visam fornecer amparo a estas atividades.

i. Poço Soundsystem O primeiro módulo, Poço Soundsystem, é uma estrutura em concreto dotada de cobertura, banco, uma bancada e um dispositivo com saída de áudio e entradas de cabos USB e P2. Este módulo é projetado com o intuito de fornecer a infraestrutura que se perde ao limitar o acesso motorizado à faixa de praia — o carro, para além de meio de locomoção, neste contexto, funcionava como base para descanso; reprodução de som eletrônico; e local de armazenamento de alimentos e sacolas. Uma outra função do Poço Soundsystem é o limite do volume de som a um raio restrito, o que diminui a poluição sonora do ambiente.

ii. Módulo Banho O segundo módulo, Banho, é também uma estrutura em concreto com dois chuveiros e um banco. Visa amparar às atividades relacionadas ao banho de mar.

c. Ponte Metálica Provavelmente o elemento mais forte na paisagem do entorno da Comunidade do Poço da Draga, a Ponte Metálica foi erguida em 1906, em estrutura de aço e chamada de Viaduto Moreira da Rocha. Tinha a função de levar o trem até o cais do porto para descarga dos navios. Em 1928, uma reforma substitui sua estrutura por uma de concreto — nesta época também foi erguida a cobertura que hoje se encontra em avançado estado de degradação.

Apesar das condições precárias, a ponte é ponto de encontro para muitas pessoas residentes no entorno e advindas de outras regiões da cidade. O uso é intenso,

57

Atualmente, a Ponte Metálica necessita de vários reparos e manutenção — seu guarda corpo original está em ruínas; há diversas perfurações no piso, que, ao mesmo tempo em que dão a ver o mar, apresentam riscos a quem caminha por lá; os antigos dormentes do trilho demarcam o caminho que era feito pelo trem, mas em muitos casos a madeira já não está mais lá, restando apenas concavidades no piso e alguma vegetação espontânea; a cobertura em concreto armado apresenta graves patologias estruturais e, em quase toda a sua extensão, a armação em aço encontra-se exposta às intempéries do tempo, do sol e da maresia.


principalmente nos finais de semana, quando converte-se em uma enorme área de lazer (cerca de 2442m²), onde as pessoas caminham, observam o skyline de arranha céus à beira mar e os golfinhos que vez por outra aparecem, ouvem música e dançam, comem e saltam no mar. A proposta de intervenção na Ponte Metálica busca, nos vestígios da história e na atual relação dos usuários com este presente histórico, contemplar uma identidade constituída e outra em permanente estado de construção. Está detalhada aqui em três trechos: 1. Plataforma para salto no mar; 2. Área de permanência para fruição do espaço; 3. Coberta e bancada para apoio à atividade de pesca. Uma série de quatro elementos comuns foi projetada para implantação nos diferentes trechos da Ponte, todos possuem iluminação acoplada, constituindo também o projeto luminotécnico para o local. Os elementos comuns seguem a paginação de piso sugerida pelos dormentes do trilho que havia na Ponte à época em que funcionava como porto. São eles: Banco vagalume, em concreto e madeira; Perfuração, uma placa de vidro presa a uma estrutura de concreto; Jardineira, em concreto; e o Guarda corpo, em aço e vidro, que deve se localizar nos trechos onde há ausência do guarda corpo original. Uma chapa de aço deve perpassar todo o guarda corpo original, com o intuito de criar uma unidade na linguagem do projeto.

i. Trecho 01 No primeiro trecho deve ser construída uma plataforma com estrutura de aço e madeira naval para fornecer suporte à atividade de salto no mar.

ii. Trecho 02 O segundo trecho corresponde a uma área de permanência e fruição da paisagem, onde devem ser implantados os elementos de mobiliário urbano: Banco vagalume, Perfuração e Jardineira.

58

iii. Trecho 03 O terceiro trecho se dá numa área de ruínas, adjacente à Ponte Metálica, mas atualmente sem qualquer integração física com ela e que se encontra em pior estado de degradação. É proposta aqui uma passarela com estrutura em aço e madeira naval e a construção de uma área de apoio às atividades relacionadas à pesca. Sugere-se para tal a implantação de estruturas de sombreamento, dotadas de uma bancada. Além disso, é indicado também no projeto a implantação de um platô de madeira, para permanência e fruição do espaço.




III. devir: RESISTÊNCIAS. DIAGRAMA DE DIRETRIZES gerais MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE

TECIDO URBANO E MORFOLOGIA

OBJETIVOS

ESPAÇO PÚBLICO

SOLUÇÃO URBANA

INTEGRAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS EXISTENTES

INCENTIVO AO USO PEDONAL

INTEGRAÇÃO VISUAL ENTRE AS QUADRAS

ATENDIMENTO DE DEMANDAS RELACIONADAS À SAÚDE

AMPLIAÇÃO DO CALÇADÃO DA “PRAINHA”

PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA DO LOCAL

ADAPTAÇÃO DA MORFOLOGIA URBANA À ESCALA DO CORPO

CRIAÇÃO DE ESPAÇOS DE ENCONTRO E FORMAÇÃO

PROPOSIÇÃO DE ATIVIDADES PÚBLICAS EM ESPAÇO ABERTO CRIAÇÃO DE PRAÇA EM VAZIO URBANO REABILITAÇÃO DE VAZIOS URBANOS

CRIAR ACESSOS E ABERTURAS EM EDIFÍCIOS HERMÉTICOS DA VIZINHANÇA

IMPLANTAÇÃO DE MOBILIÁRIO NA FAIXA DE PRAIA RECUPERAÇÃO DA PONTE METÁLICA

EFEITOS ESPERADOS

SERVIÇOS

LIMITAÇÃO DO ACESSO MOTORIZADO À FAIXA DE PRAIA

RETIRADA DE MUROS ADJACENTES ÀS VIAS

REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS ABANDONADOS CRIAÇÃO DO MEMORIAL DO POÇO DA DRAGA IMPLANTAÇÃO DE CENTRO DE SAÚDE DA FAMÍLIA

DIVERSIFICAÇÃO DE USOS AO LONGO DO DIA

DIVERSIFICAÇÃO DE USOS AO LONGO DO DIA FORTALECIMENTO DA IDENTIDADE LOCAL

DIMINUIÇÃO DO RISCO DE ACIDENTES

DINAMIZAÇÃO DOS PERCURSOS PEDONAIS

REABILITAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS ATRAVÉS DOS NOVOS USOS

FAVORECER A PERMEABILIDADE DOS USOS DOS ESPAÇOS

DINAMIZAÇÃO DOS PERCURSOS PEDONAIS

INTEGRAÇÃO VISUAL DOS ESPAÇOS

FORTALECIMENTO DA IDENTIDADE LOCAL

01



III. devir: RESISTÊNCIAS. PLANO GERAL 1

Criação da praça Desapropriação do terreno adjacente à Comunidade do Poço da Draga e retirada de seus muros. Implementação de um cinema ao ar livre, o “Cine-Quermesse”. Reabilitação dos edifícios da antiga alfândega, em atual estado de abandono para a implementação de um Centro de Saúde da Família; criação do Memorial do Poço da Draga; e estrutura de apoio ao cinema ao Cine-Quermesse.

2 Reforma na faixa de praia

3

Remodelação do calçadão ente a Ponte Metálica e Ponte dos Ingleses, trecho conhecido pelos moradores da Comunidade do Poço da Draga como “Prainha”. Implantação de módulos de apoio às atividades desenvolvidas atualmente no lugar.

2 3

LEGENDA: 1

Áreas de intervenção Reabilitação da Ponte Metálica

Fotografias Limite ao acesso mobilizado [balizadores] Módulo: Poço Soundsystem Módulo: Banho

.20

.60km

Projeto de restauro para a Ponte Metálica, considerando sua relevância histórica ao criar uma estrutura que dê suporte às atividades lá desenvolvidas atualmente.

02



III. devir: RESISTÊNCIAS. MÓDULOS - FAIXA DE PRAIA

F1

POÇO SOUNDSYSTEM

0,40

0,90

2,40

C1

MÓDULO BANHO

03



III. devir: RESISTÊNCIAS. MÓDULOS - FAIXA DE PRAIA: POÇO SOUNDSYSTEM

Tubo para captação de águas pluviais Concreto

F1

Lâmpada

C1

C1

C1

Bancada [madeira naval]

Banco vagalume semi círculo [Concreto e madeira]

0,40

0,90

C1

2,40

F1

Saída de áudio com entrada USB/ cabo P2

1,03

0,48

0,07

0,14

2,40

0,29

0,40

0,90

1,00

3,88

0,29

1,03

0,48

0,07

0,14 3,90

ESC.: 1:25

Saída de águas pluviais: Ligação à rede de drenagem

04



III. devir: RESISTÊNCIAS.

0,15 1,00

0,80

C3

MÓDULOS - FAIXA DE PRAIA: módulo banho

4,25

Tubulação do chuveiro

0,80 1,50

4,25

0,15

0,80

0,80

Chuveiro [Concreto]

1,50 0,40 0,25

1,00

0,10

0,35

Banco vagalume [Concreto e madeira]

0,25

2,00

0,25

0,40

ESC.: 1:25

0,25

0,25

2,00 2,50

C3

1,00

0,10

C3

0,35

2,50

0,25

05



III. devir: RESISTÊNCIAS. elementos comuns Concreto

Abertura: Inspeção

0,20

JARDINEIRA

0,20

BANCO VAGALUME

0,15

1,00

0,59

1:20

0,30

0,15

0,15

0,20

1:20

0,05

0,30

0,30

0,95

0,95

0,05 0,20

0,05

0,40

0,59 1,00

0,20

1,00

0,59

0,10

0,05

0,05

Concreto

0,30

0,30

Tampo em madeira

0,20

Lâmpada

A1Elementos A1Elementos comuns comuns #01 1:20 #01 1:20

Lâmpada

0,30

0,30

0,15

0,15

0,10 0,70

0,20

1,00

1,00

Vidro

0,59

0,05 0,59 0,20

1,00

0,04

Concreto

0,05

Vidro

Chapa de aço

0,10 0,10

Lâmpada

A1

1:20

PERFURAÇÃO

1:20

GUARDA CORPO

06



III. devir: resistências. 2. ANTIGA ALFÂNDEGA - EDIFÍCIO 01

PRAÇA - ESQUEMA GERAL

Restauro do prédio.

1. antigos barris de óleo de mamona Reconstituição da implantação dos barris através de círculos na paginação do piso. Uso de quatro círculos para implementação de uma horta comunitária gerida pelos moradores da Comunidade do Poço da Draga.

Readequação para abrigar o Centro de Saúde da Família da Praia de Iracema.

3. ANTIGA ALFÂNDEGA - EDIFÍCIO 02 Restauro do prédio e abertura das fachadas externa e interna. Readequação para abrigar o Memorial do Poço da Draga e sala de apoio ao “Cine-Quermesse”. Utilização de trecho cego da fachada interna para suporte de projeção no “Cine-Quermesse”

Folha de Trabalho Esquema Praça 1:750

4.antigo trilho Reconstituição do caminho do trem através da paginação do piso.

07



III. devir: RESISTÊNCIAS. PRAÇA - PLANTA BAIXA 64,20

48,60

38,58

20,46

MOBILIÁRIO: BANCO VAGALUME + MÓDULO DE SOMBREAMENTO

EDIFÍCIO 01

QUADRO DE ÁREAS: 4836,22

Pavimento em concreto intertravado

2021,80

Anti a alfânde a [Edifício 01]

1071,44

Anti a alfânde a [Edifício 02]

423,53

Área livre total

6858,02

Total

14675,29

LEGENDA: Massa edificada Pavimento em concreto intertravado 29,21

ÁREA (m²)

Pavimento em placas cimentícias

RUA ALMIRANTE TAMANDARÉ

28,55

38,57

106,36

TRECHO

29,21

10,46

EDIFÍCIO 02

33,44

Pavimento em placas cimentícias

A PRAÇA A primeira área de intervenção se dá no terreno da antiga alfândega de Fortaleza, onde há dois edifícios em estado de abandono e uma área livre de cerca 6858m², atualmente cercada por muros. A proposta de intevenção neste espaço sugere a remoção desses muros e a reabilitação dos edifícios, onde um deles deve abrigar o Centro de Saúde da Família da Praia de Iracema e o outro, o Memorial do Poço da Draga e um núcleo de apoio à atividade proposta para a área livre do terreno: o Cine-Quermesse — cinema ao ar livre aberto ao público que deve atrair o comércio ambulante de alimentos. Este segundo edifício deve possuir aberturas em sua fachada externa que o atravessem até a fachada interna. O terreno deve, então, converter-se em praça, recuperando a permeabilidade física e visual entre a Comunidade do Poço da Draga e a faixa de praia. Para a área livre, além do Cine-Quermesse, sugerimos a implantação de uma horta comunitária, seguindo as ruínas circulares que os moradores da comunidade identificam como sendo dos antigos barris de óleo de mamona que haviam ali à época de funcionamento do porto.

Pavimento em placas cimentícias [vermelhas]

05

150m

08



III. devir: RESISTÊNCIAS. PONTE METÁLICA - PLANO GERAL

0,50

0,25 0,25

2,00

0,25

0,25

TRECHO 03

MODULAÇÃO DO MOBILIÁRIO

TRECHO 02

A PONTE METÁLICA Provavelmente o elemento mais forte na paisagem do entorno da Comunidade do Poço da Draga, a Ponte Metálica foi erguida em 1906, em estrutura de aço e chamada de Viaduto Moreira da Rocha. Tinha a função de levar o trem até o cais do porto para descarga dos navios. Em 1928, uma reforma substitui sua estrutura por uma de concreto — nesta época também foi erguida a cobertura que hoje se encontra em avançado estado de degradação e apresenta uma variedade de patologias estruturais devido à ação do tempo e da maresia.

TRECHO 01

O projeto desenvolvido aqui para a Ponte Metálica busca, nos vestígios da história e na atual relação dos usuários com este “presente histórico”, contemplar uma identidade constituída e outra em permanente estado de construção. Formalmente, é orientado pela modulação dos antigos dormentes do trilho, bem como pelas ruínas do guarda-corpo em concreto.

LEGENDA: Guarda corpo original Trechos do detalhamento Restauro da cobertura Limite ao acesso mobilizado [balizadores]

RESTAURO DA COBERTURA

Módulo: Poço Soundsystem .20

.60km

Módulo: Banho

09



III. devir: RESISTÊNCIAS. PONTE METÁLICA - TRECHO 01

Guarda corpo original [Concreto] Paginação diferenciada [Pintura — vermelho]

Guarda corpo novo [Aço e vidro]

Escada para retorno à plataforma [Aço]

TRECHO 01 Plataforma para salto na água [Madeira naval e estrutura em aço]

10



*Escala alterada para versão digital. Originalmente em formato A2.

III. devir: RESISTÊNCIAS. 5,00

C1

PONTE METÁLICA - TRECHO 01 [DESENHO TÉCNICO]

7,05

5,00 0,20

1,00

0,25 0,25

1,50

0,25

1,00

0,25 0,25

1,75

5,00 1,00

1,30

0,20

C1

10,00

1,30

0,25 0,25

5,00 0,20

1,00

1,50

0,25 0,25

1,00

0,25

0,25 0,25

1,75

5,00 1,00

1,30

0,20

0,10

5,00

0,20

C2

C2

Trecho 1

1:75

2,50

1,00

2,50

1,00

3,00

0,35

1,15

2,00

0,10

C1

Trecho 1

0,20

10,00

C2 1:75

ESC.: 1:75

7,95

P1

1,00

11,00

C2

CORTE: C1 Trecho 1 1:75

0,10

2,15

4,35

0,35

1,00

C1

7,95

1,00

1,00 0,10

10,00

0,90

0,94

10,00

0,65

C2

1,00

7,05

4,35

1,00

10,00

7,95

7,05

10,00

5,00

1,30

0,25 0,25

1,00

2,50

1,00

0,35

3,00

0,20 0,94 0,10

1,00

CORTE: C2 Trecho 1 1:75 ESC.: 1:75

C1

2,00

Trecho 1

1:75

PONTE METÁLICA: P1 TRECHO Trecho 01 1 C1

ESC.: 1:75 0,35

3,00

1,00 0,10

11,00

0,35

0,10

1,00

1,15

C2

0,90

2,50

1:75

1,00 0,10

0,65

C1 2,15

C2

0,90

C2

0,35

Trecho 1

1,00

4,35

0,65

C2

1:75

2,00

C1

11



III. devir: RESISTÊNCIAS. PONTE METÁLICA - TRECHO 02 Perfuração [Concreto e vidro] Guarda corpo novo [Aço e vidro] Paginação diferenciada [Pintura — vermelho]

Jardineira [Concreto] Banco vagalume [Concreto e madeira]

Guarda corpo original [Concreto]

TRECHO 02

12



*Escala alterada para versão digital. Originalmente em formato A2.

III. devir: RESISTÊNCIAS.

1,00

2,75

0,50 1,00

C2

1,15

0,25

1,00

0,25

1,50 2,50

0,25

1,00

1,30

1,00

1,15

1,00 1,25

1:75

1,00

Trecho 2

0,50

0,90

0,50

1,25

2,50

0,20 0,35

C2

C2

1,00

1,00

0,25

C21,50

11,00

C2

1,00

1,00 1,25

1,50

11,78

1,00

0,25

2,75

C2

1,00

1,00

1,50

2,00

1,00 0,10

1,30

1,50

1,00

0,35

4,49 2,00

1,00

1,00

0,20

0,50

11,78

3,51 2,75

0,50

1,50

1,25

1,25

C1

1,00

1,00

1,22

1,00

1,00

1,00

2,75

2,75

6,50

1,00

3,50

6,50

2,75

1,00

C2

1,00

1,00

1,25 1,00

6,50

1,00

0,50

6,50

11,78

1,00

1,00

0,50

1,25

1,00

0,50

1,00

1,00

C1

2,75

PONTE METÁLICA - TRECHO 02 [DESENHO TÉCNICO]

C1 Trecho 2

1:75

Trecho 2

CORTE:1:75 C1 ESC.: 1:75

1,00

1,22

C2

C1 2,75 0,20 0,35

1,30 1,15

4,49 2,00

1,00 1,00

0,25

0,25

1,50 2,50

1,50 0,25

1,50 1,00

1,50

2,00 0,25

1,50 2,50

0,35

0,90

3,51

1,15

2,75 0,25

1,25 1,00

1,30 1,15

1,30

0,25

0,25

0,20

1,00

0,35

1,50 2,50

1,50 0,25

1,50 1,00

2,00 0,25

1,50 2,50

ESC.: 1:75

1:75

1,50 2,75 0,25

1,25 1,00

1,30 1,15

0,20 0,35

11,00

P2

11,00

P2

Trecho 2

4,49 2,00

1,00

1,00 0,10

1,50

2,75 0,20

C2

3,51

0,90

1,50

Trecho 2 1:75 CORTE: C2

1,00 0,10

C1

1,22

1,00

1,00

1,00

1,00

1,00

3,50

3,50

P2

PONTE METÁLICA: TRECHO 02 1:75

Trecho 2

ESC.: 1:75

Trecho 2

1:75 C1

Trecho 2

1:75

13



III. devir: RESISTÊNCIAS. PONTE METÁLICA - TRECHO 03 Cobertura [Concreto e madeira] Banco vagalume [Concreto e madeira]

TRECHO 03

Guarda corpo [Concreto]

Platô [Madeira]

14



*Escala alterada para versão digital. Originalmente em formato A2.

III. devir: RESISTÊNCIAS. C2

PONTE METÁLICA - TRECHO 02 [DESENHO TÉCNICO] 13,00

C2

25,40

25,40

13,00

13,00

C1

C1

C1

C1

C1

C1

C2

20,00

20,00

20,00

25,40

38,4 2,00 0,35 1,60

5,33

0,15

2,50

0,15 16,00

2,50

0,15

2,50

C2

38,77 0,15

2,50

0,15

20,35 20,40

0,35

38,4 2,00 0,35 1,60

5,33

0,15

2,50

0,15 16,00

2,50

0,15

2,50

C2

38,77 0,15

2,50

0,15

20,35 20,40

38,4

0,35

P3

38,77 2,00 0,35 1,60

5,33

0,15

2,50

0,15 16,00

2,50

0,15

2,50

0,15

2,50

0,15

20,35 20,40

1:125

0,35

P3

Trecho 3

1:125

0,30

ESC.: 1:125

0,30 0,30

1:125

1,00

0,30

0,30

0,90

0,30 0,30

0,90

0,30 0,30 0,30 0,30

0,90

1,50

1,00 1,50 1,00 1,00 1,00

Trecho 3

0,30

1,50

PONTE METÁLICA: TRECHO 02 P3

1,00

Trecho 3

C1

CORTE: C1 Trecho 3 1:75

0,07

ESC.: 1:75

0,40

CORTE: C2 0,40

1,00 1,00

Trecho 3 Trecho 3

1:75 1:75

0,40

C1

1,00 1,40 1,00

1,00 0,07 1,40

0,07

1,40

C1

C2

Trecho ESC.:31:751:75

15





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