As Casas da Rua Sinimbu: Habitação Social e Intervenção na Preexistência

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Habitação Social e Intervenção na Preexistência:

As Casas da Rua Sinimbu Caio Lucio de Benedetto Moreira



Trabalho Final de Graduação

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo

Habitação Social e Intervenção na Preexistência: As Casas da Rua Sinimbu

Caio Lucio de Benedetto Moreira

Orientadora: Flávia Brito do Nascimento

São Paulo | 2018


Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

e-mail: caio.lucio.moreira@usp.br

Catalogação na Publicação Serviço Técnico de Biblioteca Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Moreira, Caio Lucio de Benedetto Habitação Social e Intervenção na Preexistência: As Casas da Rua Sinimbu / Caio Lucio de Benedetto Moreira; orientadora Flávia Brito do Nascimento. - São Paulo, 2018. 188 p. Trabalho Final de Graduação (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1. Cortiço. 2. Patrimônio. 3. Habitação Social. 4. Glicério. I. Nascimento, Flávia Brito do, orient. II. Título.

Elaborada eletronicamente através do formulário disponível em: <http://www.fau.usp.br/fichacatalografica/>


pre.e.xis.tên.ci.a (pre- + existência) existência anterior


“Produzir habitação é, na verdade, produzir cidade, e é nesse contexto que se insere a questão da habitação, hoje, no centro de São Paulo. [...] trata-se de uma proposta para a cidade, na perspectiva de reduzir as desigualdades urbanas e a segregação social.” [BONDUKI, 2001, p. 4]


resumo Este TFG tem como intuito abordar, relacionar e interpretar a questão da habitação social e da preservação do patrimônio, mais especificamente, no uso e ocupação de edifícios históricos em situação de cortiço, com o objetivo de promover um projeto de reabilitação do imóvel para cumprir a função de moradia social com boas condições de habitabilidade. O projeto de intervenção está localizado na Baixada do Glicério, distrito da Liberdade, centro de São Paulo e, é caracterizado por um conjunto de sobrados do início do século XX que apresentam situação atual de encortiçado e arruinamento em algumas partes.

palavras-chave key words

abstract This TFG is intended to approach, relate and interpret the issue of social housing and heritage preservation, more specifically, in the use and occupation of historic buildings in a tenement situation, promoting as target, a rehabilitation project to comply the social housing function with good living conditions. The intervention project is located in Baixada do Glicério, in the Liberdade district, in downtown São Paulo, and represented by some houses from the beginning of the 20th century that have a current situation of corking and ruining in some parts.

Arquitetura, Cortiço, Habitação Social, Patrimônio, Preexistência, Liberdade, Glicério. Architecture, Tenement, Social Housing, Heritage, Liberdade, Glicério.



Agradeço _À Flávia Brito, pela orientação, carinho, conselhos e conversas que estruturaram este trabalho e o tornaram cada vez mais interessante, além da troca de conhecimento nas disciplinas e trabalhos que fiz durante os meus anos na FAU; _A todos os professores que construiram o arquiteto, urbanista e design que há em mim deixo um eterno agradecimento, em especial, para a Karina Leitão que nos últimos anos da faculdade foi uma professora excelente dentro e fora da sala de aula. Também deixo um forte agradecimento à minha primeira professora na FAU, Myrna Nascimento, muito obrigado pelos ensinamentos na disciplina de fundamentos de projeto; _Aos meus pais e a minha família pelo apoio dado aos estudos desde o ensino fundamental; _Ao Junior por toda a parceria, carinho e compreensão, muito obrigado pelo apoio de suma importância; _Aos FAUmigos que fiz e levarei para toda a vida, obrigado de coração por todo o carinho, discussões nos trabalhos, conversas aleatórias e muitas risadas; À Debora, Fabiana, Renata, Júlia e Heloísa pelo carinho, ideias e conselhos nas conversas informais sobre o TFG e projetos; _À Thaís, pela parceria e total apoio no estágio, muito obrigado. _À Nique por todo o carinho, preocupação, companhia e risadas; À Mariana pela alegria e motivação, obrigado; _À Larissa e ao Caio pelo ânimo nesta reta final; _Ao professor Gelson, Dona Lucy e a todos os integrantes do CDT deixo um forte obrigado pelo destino traçado; _Aos companheiros de Rotary e Rotaract que sempre estiveram à disposição para apoiar, obrigado.


Relato Princípio

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São Paulo e o Glicério _O bairro da Liberdade na história de São Paulo O Glicério Questão Habitacional

Sumário

_Modos de Morar Cortiço Casa Operária Popular Casas de Classe Média para cima Sobradinhos

_A Imigração e Migração A chegada dos orientais Ondas migratórias e imigratórias

16 41 61 65 84 88 92 97 100 105

_Programas de Intervenção e Projetos Programa de Atuação em Cortiços – PAC/ CDHU

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Programa de Atuação em Cortiços – SEHAB Programa Novas Alternativas – Morando no Centro Edifício Labor

111 111 118

_Políticas de Habitação e Preservação IGEPAC-Liberdade PRIH-Glicério ZEIS e ZEPEC Plano Municipal de Habitação

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As Casas da Rua Sinimbu 132 Análise de interferências físicas e danos 149

_O Casario

Intervenção: Uma proposta de habitação social

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Remate

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Referências Bibliográficas

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Se o senhor não tá lembrado Dá licença de contá Que aqui onde agora está Esse adifício arto Era uma casa véia Um palacete assobradado [Saudosa Maloca, 1951, Adoniran Barbosa]

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Relato Cá estou, próximo ao término de uma excelente e longa jornada que a FAU e suas relações me ofereceram. O ingresso em Arquitetura foi difícil, mas gratificante, com certeza. O suporte de conteúdo e, claro, de amizade oferecido pela faculdade foi um diferencial enorme que levo comigo para a vida pessoal e profissional. Na origem de escola pública, com todo o suporte fornecido por várias pessoas, chego ao título de arquiteto e urbanista com muita felicidade de poder colocar em prática algo em que eu acredito que possa fazer a diferença na vida do próximo. Presto este relato as minhas duas avós que estão presentes neste trabalho pela experiência de vida e, proximidade com o tema trabalhado. Há alguns anos atrás, ainda no Ensino Fundamental, tive a oportunidade de visitar um edifício fruto de ocupação por movimento de moradia que tinha acabado de ser comprado pela CAIXA. Entre buracos na parede, no chão e pó, fiquei maravilhado com aquele pé-direito duplo e a corrente de ar que despreza a presença de um ar-condicionado. Este prédio, alguns anos depois seria a próxima residência fixa da minha vó paterna, Rozilda, que aposentada ainda morava em uma pequena casa sublocada no bairro de Pedra Branca, zona norte, uma das minhas muitas raízes nessa cidade. Eu não tinha noção da experiência que tive na convivência de rotinas do Edifício Labor, localizado na Rua Brigadeiro Tobias, antes de minha entrada na FAU. Entre muitas conversas de família sempre escutei que meus avós maternos, Selma e José de Benedetto, e minhas tiasavós moraram no Glicério antes de se estabelecerem na Vila Isolina Mazzei, zona norte. Comprovei este fato por relatos e memórias que trazem bons momentos. São relatos que olhados separadamente podem não produzir uma significância, mas quando alinhados por um motivo central tornam-se precisos na formação objetiva e subjetiva deste trabalho. Por estas memórias e nostalgias, me faço presente, em busca do interesse na história da cidade e no desenvolvimento de uma arquitetura consciente que promova e considere a préexistência.

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José [vô] segurando sua filha, Adriana [mãe], na antiga Vila Sarzedas, Liberdade, 1970 Foto: Selma Carvalho de Benedetto

Selma [vó] em seu vestido de noiva na festa de seu casamento realizada na antiga Vila Sarzedas, Liberdade, 1967 Foto: Selma Carvalho de Benedetto

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Princípio Este TFG parte do pressuposto de aproveitarmos o que já existe e é negligenciado ou ignorado por motivos sociais ou econômicos no desenvolvimentos das cidades e da construção. O foco do trabalho se divide na pesquisa histórica para formular um embasamento sólido acerca do desenvolvimento do local de atuação nos seus mais diferentes contextos que serão impactados e impactarão nesta relação simbiótica constituída pela sociedade. Com essa fundação de conhecimento formada procurou-se atentar ao projeto com um olhar criterioso em busca do aproveitamento ao máximo do programa de habitação social para população originada de cortiços. Manteve-se, também, um certo discernimento no percurso traçado para preservar a preexistência do conjunto de casas nas diretrizes de projeto. Como morador do centro de São Paulo por cinco anos, tive a oportunidade de conviver próximo ao progresso de diferentes épocas que se encontram do lado direito e esquerdo do Vale do Anhangabaú, bem como aproveitar de toda a infraestrutura presente no alcance do passo. A escolha do local de estudo ocorreu pela confluência de diversos fatores, entre eles, a ligação que eu tive com o desenvolvimento da disciplina de PLANURB 4 (Planejamento Urbano) onde fizemos um estudo urbano da área do glicério e tive a surpresa de encontrar este casario em um levantamento e estudo da área. No entanto, o laço com a Baixada do Glicério e a Liberdade vem de cedo e, de outra geração, onde meus familiares maternos tiveram suas casas, inclusive minha vó, Selma, que teve a oportunidade de casar em uma das casas, estabelecendo esta memória à sua vida e à arquitetura do bairro e do edifício. Ademais, este trabalho preconiza a importância da memória e do patrimônio no crescimento das cidades de modo sustentável e preservacionista em um sentido amplo na escala da conservação. O meu olhar para o anterior/antigo/existente sempre foi fascinado pela estrutura do edifício e, pelas histórias registradas naquele espaço. No entanto, a preexistência é descartada, sobretudo no município de São Paulo onde muitos

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espaços estão abandonados e em ruínas, os quais são lentamente reabilitados com grande “proporção” pelo poder público [para uso institucional] e com uma pequena proporção pela iniciativa privada que realiza este ato, em muitos casos, apenas quando o bem já está protegido pelas leis vigentes de preservação. O interesse pela temática e incremento da visão técnica foram permeados pela participação em disciplinas que apurassem a escala crítica do assunto com a busca de sempre aliar teoria à prática resultando em um aprendizado completo. Porém, mesmo com todos os conceitos teóricos e estudos de caso vistos na faculdade não foi possível participar de uma disciplina completa que aliasse projeto e patrimônio. Uma aproximação do assunto foi realizada na disciplina de Subsídios Investigativos, mas incipiente, principalmente no estudo prévio do objeto de intervenção. Com isso, procurou-se trabalhar neste projeto o embasamento de suas reminiscências e procedimentos necessários para efetivar a intervenção em um edifício com valor histórico, tombado ou não. Este é o princípio de um trabalho que não tem fim, mas sim, um remate.

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São Paulo e o Glicério As Casas da Rua Sinimbu

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O bairro da Liberdade na história de São Paulo A urbanização do bairro da Liberdade se dá por volta do final do século XIX, devido às condições topográficas da área e as cheias periódicas do Rio Tamanduateí. Antes da efetiva ocupação, a área urbana tinha uma linha tênue com a rural, sendo o centro daquele momento concentrado na colina histórica, articulada pelos três edifícios religiosos de destaque, na época: franciscanos [Igreja e Convento São Francisco], beneditinos [Mosteiro e Convento de São Bento] e carmelitas [Igreja e Convento do Carmo]. As conexões do núcleo urbano eram feitas por caminhos que levavam às aldeias indígenas, precursoras de bairros paulistanos, e também, a outras vilas que mantinham uma relação comercial com a Vila de Piratininga. [IGEPAC-Liberdade, 1984] Dois dos caminhos que realizavam a conexão da Vila foram de suma importância para o povoamento e desenvolvimento da região que constitui o bairro da Liberdade, atualmente, sendo eles: Caminho do Mar e Caminho para o Ibirapuera. O percurso destes caminhos era formado por chácaras em áreas mais afastadas e um pequeno adensamento de edificações próximo ao núcleo colonizador. Os caminhos no antigo núcleo urbano da vila tiveram fundamental importância na atividade econômica desenvolvida em São Paulo e nas regiões vizinhas com o fornecimento de gado. O transporte destas cargas ao longo do planalto e localidades próximas necessitava de vias de acesso com pousos e pastagens para a consolidação desta atividade econômica. “A existência do “Caminho do Carro para Santo Amaro” e do “Caminho para o Mar” foram determinantes para a ocupação do atual bairro da Liberdade. No entanto, durante todo o século XVII a região entre eles compreendida permaneceu semi-despovoada.” [IGEPAC-Liberdade, 1984, p. 14]

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São Paulo de Piratininga em seus primórdios. A colina histórica e seus principais templos religiosos. Fonte: MOURA, 1954

Liberdade

localização aproximada

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Ainda na transição do século XVII para o século XVIII, o bairro da Liberdade apresentava um registro de Rocio, ou seja, tinha o caráter de situação periférica, quando comparado com o centro da Vila São Paulo de Piratininga. Além disso, outros fatores construídos expressam esta situação, como a localização da Forca e da Casa da Pólvora, símbolos representativos da tortura e do armamento. "A Forca, transferida da Rua Tabatinguera em 1604, teve seu nome associado à praça onde esteve erguida até aproximadamente 1891, época em que o largo passou a ser denominado Praça da Liberdade. A Casa da Pólvora, construída em 1754 no atual Largo da Pólvora, explica o fato de que até o século XIX o bairro fosse conhecido como "Bairro da Pólvora". [IGEPAC-Liberdade, 1984, p. 15]

Além disso, na região de estudo foi instalado, em 1779, o primeiro cemitério público de São Paulo [Cemitério da Glória], destinado a pessoas de poucas posses ou negligenciadas da época. O espaço estava delimitado pelas atuais Rua da Glória e Galvão Bueno, na altura da Rua do Estudantes, tendo funcionado até 1858, quando foi inaugurado o Cemitério da Consolação. A capela do referido cemitério ainda permanece no mesmo local, Beco dos Aflitos, sendo construída em 1774, tornando-se um dos modelos remanescentes da arquitetura eclesiástica do período colonial. A década de 1820 registrava um pequeno surto de crescimento e aumento populacional considerável em São Paulo. Levantamento cartográfico realizado em 1810 demonstrava início de pequenas expansões para o Sul, ocasionando a formação de regiões rurais ou semi-rurais de campos, sítio e chácaras. Durante este período foram concedidas terras, vendas, revendas e partilhas de sítios existentes no futuro bairro, ainda considerado afastado do centro urbano. “As inúmeras chácaras que rodeavam São Paulo facilitavam o abastecimento e contando com nascentes e cursos d’água apresentavam vantagens sobre o casario urbano que se abastecia das poucas fontes existentes.” [IGEPAC-Liberdade, p. 17]

Mapa esquemático com a delimitação dos antigos Caminho do Ibirapuera e Caminho do Mar. Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

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Ilustração do Largo da Forca e imediações durante o século XIX Fonte: Revista São Paulo, 2014

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Praรงa da Liberdade em 2013 [antigo Largo da Forca] Foto: CORDEIRO, 2013 / SPTuris

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Beco e Capela dos Aflitos Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

A ocupação das chácaras era distinta, analisando-se do ponto de vista social e econômico, pois encontravam-se famílias em que este espaço era uma opção de moradia, tendo uma casa urbana somente para negócios e festejos, além de gerar excedentes de produção para comercialização. E, concomitantemente, em outras chácaras menores, conviviam aquelas famílias que só produziam pouco mais que o suficiente para alimentação própria, constituindo sua única fonte de subsistência.

Até mais ou menos o final do século 19, o Mar-

co da Meia Légua que assinalava os limites do

Durante a década de 1850, os proprietários destas terras, muitas vezes não aproveitadas totalmente, começaram a sofrer pressão por parte do poder municipal para que promovessem a abertura de ruas, alamedas e largos,

Rocio da cidade era bem conhecido. Na direção leste ele ficava na altura da Rua Catumbi, próximo a atual Av. Celso Garcia no Belenzinho. Na direção sul, o marco ficava na atual rua França Pinto na Vila Mariana. Na direção sudeste

pelo menos até o marco de meia légua Rocio , resultando em arruamentos e

na atual rua Silva Bueno. No norte, em lugar

loteamentos sem nenhum planejamento urbanístico. Datam do final do século XIX

incerto próximo à Rua Voluntários da Pátria.

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as principais ruas presentes ainda hoje na Liberdade, sendo: a Rua Conselheiro

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[Programa Lembranças de São Paulo por José Roberto Walker, Rádio Cultura FM]

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Furtado, Conde de Sarzedas e Tamandaré. Com isso, a partir de 1868 verificam-se diversos eixos de expansão da cidade, chegando até a área das chácaras, que deram lugar a loteamentos e arruamentos vizinhos à zona central ou lindeiros aos caminhos tradicionais, mas ainda sem edificações, convivendo com pastagens e campos. Instalam-se na área várias repúblicas de estudantes, a Santa Casa de Misericórdia e algumas residências de pequeno porte, quase sempre térreas, já alinhadas, sendo importante destacar que até a última década do século XIX eram raros os estabelecimentos comerciais. Por volta de 1883, com a instalação do Curso Jurídico em São Paulo, pode-se constatar a existência de pensões estudantis no bairro, devido à presença dos estudantes, principalmente na Rua dos Estudantes. Logo, pode-se separar a expansão urbana do distrito da Liberdade como um todo em quatro momentos, um primeiro configurado pelo caminho de carro para o Ibirapuera, nas proximidades da atual Praça João Mendes, um segundo momento ao longo do caminho do mar, próximo ao largo São Paulo, atual Praça Almeida Júnior, onde foi instalado o Mercado de Carnes [e, posteriormente, o Theatro São Paulo], um terceiro momento ocupando o Glicério e a região da Tamandaré, e um quarto momento, por volta de 1897, ocupando a região da Rua Conde de Sarzedas. Durante o início do século XX, o bairro da Liberdade era ainda tipicamente residencial, mas agora apontado como de camadas médias e, em algumas ruas, encontravam-se algumas residências mais abastadas. Dados do Anuário Estatístico de São Paulo [presentes no Caderno IGEPAC 2: Liberdade], de meados de 1900-1910, referente aos nascimentos indicou a origem dos moradores do atual distrito, evidenciando-se a presença do imigrante italiano, que dedicavam-se ao comércio, como proprietários de padarias, empórios, carpinteiros e empregados das indústrias locais.

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Rio Tamanduateí Hospital | Santa Casa Liberdade [área aproximada]

Cemitério [da Glória]

Área de intervenção

Casa da Pólvora

Planta da Cidade de São Paulo, 1810. Fonte: Acervo Biblioteca Mário de Andrade


Área de intervenção Liberdade [área aproximada]

Chácara do Tabatinguera | Dona Ana Machado

Chácara de Caetano Ferreira Balthar

Chácara dos Ingleses

Chácara do Sertório

Chácara Streib

Chácara do Barão de Limeira Chácara do “Quebra-Bunda 2”

Planta da Cidade de São Paulo, 1868. Fonte: Acervo Biblioteca Mário de Andrade


Área de intervenção Liberdade [área aproximada]

O mapa da cidade de São Paulo, desenhado por Jules Martin, em 1881, apresenta a região da Liberdade com suas novas quadras definidas e a ilustração de edifícios na área de intervenção deste trabalho, sem a denominação de Rua da Fábrica ainda.

Planta da Cidade de São Paulo, 1881. Fonte: Acervo Biblioteca Mário de Andrade


Rua da Glória em direção ao Cambuci, 1860 Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

Rua da Glória em direção ao Cambuci, 2018 Fonte: MOREIRA, 2018

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Área de intervenção Liberdade [área aproximada]

O mapa da cidade de São Paulo, editado por Hugo Bonvieini, em 1895, caracteriza a região do bairro da Liberdade com mais quadras e arruamentos definidos, a existência da Várzea do Glicério e áreas alagadiças. Este é o primeiro mapa da série histórica em que aparece o nome da rua onde está inserido o conjunto de casas [Rua da Fábrica], atual R. Sinimbu. Planta da Cidade de São Paulo, 1895. Fonte: Acervo Biblioteca Mário de Andrade


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A Chácara recebia esta denominação por nela

O desenvolvimento industrial verificado no começo do século XX e a

ser executado o açoite dos escravos, o que não

localização das indústrias junto ao traçado das vias férreas sobre o município

era oficializado. A utilização da Chácara do “Quebra-Bunda” como centro disciplinador de

determinaram a aglutinação das residências proletárias numa nova direção

escravos recebeu oposição acirrada do proprie-

(Brás, Mooca e bairros vizinhos) enquanto as classes burguesas se afastaram

tário da Chácara do Capão, Mariano Antonio Vieira, que acobertava os escravos fugitivos

das faixas paralelas à ferrovias, localizando-se em direção aos bairros de

em suas terras. Talvez este fato histórico seja

Campos Elíseos, Santa Ifigênia, Consolação, Higienópolis e região da Avenida

indicador da presença até os tempos atuais de

Paulista [Cerqueira César]. As duas primeiras indústrias de porte, na região

agremiações sócio-culturais de cidadãos negros que atuam nos bairros da Liberdade e Bela

do Glicério, eram a Sudam, fábrica de cigarros, e a Penteado Indústria Têxtil.

Vista. [IGEPAC-Liberdade, p. 20]

Nos terrenos mais baixos e desvalorizados, nas proximidades destas duas fábricas ergueram-se as vilas operárias, como a antiga Vila Suissa, posteriormente denominada Vila dos Estudantes. Nesse período foram construídas as inúmeras casas operárias, principalmente para abrigar o contingente de trabalhadores. O Glicério ganha a feição operária, com estrutura espacial e social homogênea, traduzida nas relações de vizinhança existentes. Data dessa época a maioria das vilas. Em 1928 foi relatado registro de algumas indústrias de pequeno e médio porte, com atuação no bairro, sendo: artefatos de couro, artefatos de ferro [bronze e latão], doces [balas, bombons, chocolates], caixas de papelão, calçados, carpintarias, chapéus, cigarros, cordas, espelhos, ferragens, móveis de madeira, produtos químicos e farmacêuticos, tecidos de malha, tijolos, telhas, ladrilhos, tintas, vernizes, tipografias, entre outras. Com isso, observa-se que a diversidade de serviços industriais do local era ampla, fato advindo principalmente por causa da imigração que trouxe e desenvolveu diferentes ofícios como forma de trabalho e subsistência. Em 1930, a partir de leituras efetuadas no Mapa “SARA-Brasil”, nota-se que a trama foi complementada seguindo as tendências observadas em mapeamentos do século XIX, resultando em traçado quadriculado e reticulado

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Várzea do Rio Tamanduateí após cheia e Indústrias Penteado ao fundo, início do século XX Fonte: Arquivo DPH

Vila dos Estudante, 1984 Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

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Área de intervenção

Planta Geral da Cidade de São Paulo com indicação de fábricas, 1914. Fonte: Acervo EMPLASA


Área de intervenção

Mapa Topográfico do município de São Paulo | SARA-Brasil, 1930. Fonte: Acervo CESAD - FAUUSP


em áreas de declividade, gerando ladeiras pronunciadas, observadas, por exemplo nos arredores da Praça Almeida Junior. No entanto, em outras áreas, próximas à Rua Vergueiro na direção do Paraíso apresentam pequenos morros e depressões que são superados por traçados de forma mais irregular, de maneira obrigatória. Com o aterro da várzea do Tamanduateí e a abertura da Avenida do Estado, começou-se a ocupar sistematicamente a Várzea do Glicério. A ocupação do núcleo inicial é marcada pela existência de grande número de espaços amplos, largos e praças, formados na malha viária próximos uns dos outros por meio da irradiação de caminhos. Entretanto, esta situação é oposta durante a década de 1930 com a pouca presença e dispersão de praças ou largos no modelo de trama retilínea e o mais perpendicular possível. Ainda no “SARA-Brasil”, observa-se uma razoável variação nos tamanhos e taxas de ocupação dos espaços intra quadras na área analisada formada pelas ruas Conde de Sarzedas, Glicério, São Paulo e Conselheiro Furtado. Ocupada, inicialmente, por galpões industriais, vilas e agrupamentos de casas geminadas, construídas com o fim de abrigar mão-de-obra operárias das instalações localizadas na baixada do Glicério e na Rua Lavapés. Por volta do ano de 1963 houve um incremento da migração coreana, que imigraram diante da ameaça comunista na península coreana. Mais recentemente, os nordestinos e posteriormente os peruanos, atraídos pelos baixos aluguéis, pela proximidade do comércio na área central e, principalmente, pela ausência de políticas públicas direcionadas à inclusão social e habitação participaram de um quadro com diferenciação cultural e social, que poderia ser positivo se não acabasse por configurar uma fragmentação no bairro, fomentada pela característica transitória dos residentes, principalmente devido a predominância de aluguéis.

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Área de intervenção

Mapa Topográfico do município de São Paulo | VASP-Cruzeiro, 1954. Fonte: Acervo CESAD - FAUUSP


Durante a década de 1960 é construído o elevado João Goulart (Radial Leste Oeste) com o intuito de ligar as regiões leste e oeste da cidade, seccionando diversas quadras e separando o Glicério do restante da Liberdade, provocando ainda mais sérios problemas de poluição atmosférica, visual e sonora. Para viabilizar sua implantação, um grande número de edificações foram demolidas, além da antiga Praça São Paulo e de seu teatro (Theatro São Paulo), originando um corte intransponível em toda a extensão do bairro, quebrando sua continuidade e integração. Com isso, gerou-se uma escassez de conexões da Conselheiro Furtado em direção à Várzea do Glicério, formando uma realidade profundamente deteriorada e lúgubre, levando ao fomento do encortiçamento das edificações. O rompimento não foi completo pois viadutos foram construídos na Avenida Liberdade, na Rua Galvão Bueno, na Rua da Glória e na Rua Conselheiro Furtado para manter a ligação das duas partes, nesta área, propiciando uma continuidade da paisagem e da vitalidade. Porém, caminhando após a Rua Conselheiro Furtado em direção à várzea do Tamanduateí fica clara cisão por ruas que acabam abruptamente em um paredão, viaduto ou “diretamente” na via expressa, colaborando com o alto grau de degradação. A posterior implantação da rodoviária do Glicério [demolida] sob o elevado, operando com ônibus do norte e nordeste do país, veio a se tornar outro pólo de deterioração do local por influenciar o aparecimento de um comércio desestruturado e improvisado para atender a demanda. Com isso, a abertura das grandes vias de circulação e a proximidade do centro histórico deram ao bairro o caráter de corredor de passagem de tráfego metropolitano, reforçado pela presença do Metrô, implantado na década de 1970. Tais características, conferem ao local de estudo situações espaciais e funcionais específicas que moldam uma paisagem acentuadamente marcada por um sistema de viadutos de transposição e interligação [construída no

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Comparação da área demolida [ocupada pela Praça São Paulo] em favor da construção da Radial Leste-Oeste, na década de 1960 Fonte: Geoportal via Blog Quando a Cidade era mais Gentil

2 Registro de demolição do Theatro São Paulo em 1969 Fonte: Arquivo Histórico Municipal

Viaduto Conselheiro Furtado em obras para a abertura da Ligação Leste-Oeste em direção ao Brás, 1972 Fonte: Arquivo Histórico Municipal

3 Praça São Paulo e Theatro São Paulo antes da demolição pela construção da Radial Leste-Oeste

Fonte: Casa da Imagem via Blog Quando a Cidade era mais Gentil

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governo Faria Lima, em 1968] e por atividades que normalmente deveriam estar situadas perifericamente, como o terminal de ônibus do Parque Dom Pedro II e o comércio atacadista. O bairro caracteriza-se por ser uma zona de passagem, transição e forte presença da habitação de classe baixa formada por casas de aluguel barato, pensões e cortiços. No entanto, a região da Baixada do Glicério demonstra grande potencial de aproveitamento paisagístico e habitacional com uma maior salubridade e estrutura. Na última década o bairro vem passando por uma verticalização crescente impulsionada pela especulação imobiliária, que ameaça a descaracterização do bairro e a demolição das edificações com interesse histórico e de patrimônio, para remembramento de lotes e construção de grandes edifícios, em sua maioria habitacionais, destinados à classe média, como ocorreu na área de projeto, recortada pelas ruas Sinimbu e Barão de Iguape, onde um conjunto de casas foi demolido em 1982 para dar lugar a um grande prédio habitacional para a classe média.

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Radial Leste-Oeste Viaduto [R. Conselheiro Furtado] Viaduto Mie Ken [R. da Glória] Viaduto Cidade de Osaka [R. da Galvão Bueno]

Mapa Topográfico da cidade de São Paulo | GEGRAN, 1970. Fonte: Acervo CESAD - FAUUSP

Área de intervenção


Área de intervenção

Foto aérea, 2000. Fonte: Acervo CESAD - FAUUSP


O Glicério A região do Glicério situa-se na escarpa que desce a partir da colina central em direção à Várzea do Carmo (localizada na bacia do Rio Tamanduateí) sendo sempre caracterizada como zona de difícil apropriação, principalmente devido às cheias, pois suas áreas alagadiças representavam um obstáculo físico à expansão da cidade em direção à zona leste. O Glicério, não identificado como bairro pela cartografia e legislação da cidade, mas como um território culturalmente constituído está inserido em três distritos, Sé, Liberdade e Cambuci, próximo ao Centro Histórico, Avenida do Estado e Viaduto do Glicério. Em algumas áreas da localidade o ambiente ainda apresenta uma característica interiorana, mas sua infraestrutura e posição próxima ao centro a favorece com grande potencial para habitação e circulação de pessoas. No entanto, ainda hoje a região é segregada geograficamente pela Rua Conselheiro Furtado, que divide a área com menor poder econômico (Baixada do Glicério) da área com maior poder econômico (Liberdade) que é formada por uma economica forte composta de restaurantes, bares, lojas e mercados, registrando uma grande e importante presença de turistas. “Segundo o Diagnóstico de potencialidades locais, organizada pela Fundação Orsa, a maior parte dos entrevistados, 62% dos agentes sociais e 64% da comunidade, percebem o Glicério como um bairro. Houve uma percepção dos entrevistadores de que há uma imagem muito depreciada do Glicério no imaginário das pessoas. Em decorrência deste estigma, muitos moradores o negam, alegando morar na Liberdade. Esses moradores argumentam que Glicério é apenas o nome de uma rua. Essa percepção representa 18% das respostas da comunidade. Já para os agentes sociais, a percepção mais relevante após bairro, é o Glicério como uma região da cidade, 24%.” [KIM, 2009, página 14]

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Bom Retiro Santa Cecília República

Consolação

Bela Vista

Cambuci Liberdade

MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

BASE: GOOGLE EARTH, 2018 42

PREFEITURA REGIONAL DA SÉ REGIÃO DO GLICÉRIO

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Mapa da Baixada do Glicério em 1890. Detalhe para o Rio Tamanduateí antes da retificação, no canto superior direito da imagem Fonte: Mapa desenhado por Jules Martins

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Mapa da Baixada do Glicério em 1930. Detalhe para a retificação do Rio Tamanduateí e desenvolvimento do arrumento que permaneceria até a construção da Radial Leste-Oeste Fonte: Mapa Cadastral da PMSP

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Mapa da Baixada do Glicério em 1954. Destaque para a massificação das construções e adensamento Fonte: Mapa cadastral da PMSP

Mapa de evolução histórica e transformações urbanas na região do Glicério. Redesenho por MOREIRA, 2018. Fonte: IGEPAC–Liberdade, 1984

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Área de Intervenção 44

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1841/1868 1881 1890 1897 Novas Alternativas [até 1984] Conjunto de casas

Mapa de evolução histórica do traçado viário na região do Glicério. Redesenho por MOREIRA, 2018. Fonte: IGEPAC–Liberdade, 1984. Fonte: IGEPAC–Liberdade, 1984

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Questão habitacional A historiografia habitacional e demográfica do bairro presente em diversas publicações como o IGEPAC-Liberdade (1984), na publicação PAC/CDHU (2012) e no livro Cortiços: A Experiência de São Paulo (2010) registra a ocupação desta área por famílias de baixa renda, notando-se gradativamente a subutilização dos terrenos. Estes possuem grande profundidade, em média 60 metros, que receberam, além da construção principal alinhada a rua, diversas outras construções menores, locadas para outras famílias. Este processo, denominado de encortiçamento, apresentou primeiros registros por volta da década de 1920, abrangendo inclusive os casarões tradicionais quando sua manutenção começou a ser tornar complexa e alocada para segundo plano, impulsionando a transformação da residência unifamiliar em pensão e, posteriormente, em cortiço, como visto atualmente. No entanto, a região apresenta uma diversidade de tipologias residenciais, inclusive de camadas médias e médias-altas. O casario da Rua Sinimbu com a Rua São Paulo representa um estilo de vida de classe média com um programa bem definido nos três eixos: de estar, social e íntimo e; com detalhes significantes trabalhados nas fachadas do conjunto. O bairro da Liberdade ainda hoje possui outros exemplares que congregam o programa de classe média / média alta da primeira metade do século XX como o casarão que pertenceu à Francisco Ramos de Azevedo, mais conhecido apenas como o Arquiteto Ramos de Azevendo. O edifício construído em 1891 apresenta em sua arquitetura traços da pujança cafeeira por meio do uso de materiais metálicos, telhas de ardósia e sua aparência é semelhante a de um palacete. “Da ocupação residencial de baixa renda muitos são os vestígios encontrados até hoje, embora o morador já não seja o operário e sim o encortiçado, repartindo espaço com o comércio de artigos religiosos.” [IGEPAC-Liberdade, 1984, p. 41]

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Detalhe do ano de construção do palacete fixado no topo do telhado, do jardim frontal e da varanda de recepção Fonte: PARIZOTTO / Site São Paulo Antiga

Casarão do Arquiteto Ramos de Azevedo localizado a R. Pirapitingui, na Liberdade, 2017 Fonte: PARIZOTTO / Site São Paulo Antiga

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O termo encortiçado designa o espaço de habitação originalmente construído com o programa unifamiliar sendo atualmente ocupado de maneira plurifamiliar. Com isso, apresenta uma diferença em relação aos cortiços concebidos desde o início com a proposta do coletivo/plurifamiliar, de baixo custo/aluguel. Situação esta pode ser observada em algumas construções originalmente previstas para sublocação nas proximidades do “Riacho do Quebra-Bunda”, delimitado atualmente pelas ruas Taguá, Siqueira Campos, Tamandaré [em um de seus lados], região onde os terrenos apresentavam grandes declives, obrigando o seu aproveitamento em patamares que ficavam no subsolo. A instalação de pensões acompanhou o desenvolvimento do bairro desde fins do século XIX com a abertura do curso de Direito no Largo São Francisco que trouxe uma nova população de estudantes para a cidade, os quais encontraram morada nas “repúblicas” durante o período letivo. Na década de 1980 ainda existiam diversas pensões para estudantes na região que apresentavam instalações improvisadas que modificaram aspectos das antigas construções em casas de cômodos, com uma escala de deterioração ampliada. O distrito da Liberdade, na questão habitacional, também apresenta uma tônica similar ao que acontece na cidade São Paulo, promovendo a existência de habitações maiores e com mais infraestrutura de salubridade na tecitura urbana plana em cotas mais altas e, próximas às baixadas, habitações menores, vilas, cortiços e pensões construídos verticalmente do nível da rua para baixo, se beneficiando do declive onde o terreno está instalado. “Lá tem uma Vila chamada “Vilinha Suíça” é uma pequena cidade sem dúvida e a maioria dos moradores do passado, eram pessoas que tinham um bom trabalho, alguma formação ou até mesmo formados, mas que ao longo do tempo se debandaram dali. As crianças, brincavam em uma pracinha que ficava no final da Rua Helena Zerrener com a Rua Oscar Cintra Gordinho, tinha gangorra, trepa-trepa, tanque de areia, mães, filhos, bolas, cachorros e uma banca de jornal onde comprávamos figurinhas.” [Página São Paulo, Minha Cidade, Crônica Baixada do Glicério - Áurea Regina Dias Amaral]

Delimitação atual do declive na região do antigo “Riacho do Quebra-Bunda” Mapa: MOREIRA, 2018. Base: Google Earth

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BASE: GOOGLE EARTH, 2018.

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Rua Siqueira Campos, fundos de casas, 1984 Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

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Vista geral da confluência das Ruas Taguá e Siqueira Campos, 1984 Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

Vila Suiça, 1984 Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

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Na década de 1950 ocorrem grandes transformações no bairro, tanto físicas quanto sociais. Até então a característica básica do bairro era a horizontalidade: casas baixas, assobradadas, de implantação irregular, mas mantendo escala e densidade que corroboravam com um aspecto agradável ao bairro. No entanto o desenvolvimento do setor terciário no centro durante a década de 1950 acaba por influenciar diretamente o espaço. Em 1957 foi construído um conjunto de vinte edifícios pelo Instituto de Previdência dos Comerciários, com dez a vinte pavimentos nas ruas Oscar Cintra Gordinho e Helena Zerrener, popularmente conhecidos como “os pombais”, com finalidade especulativa, comprometendo irremediavelmente a estrutura urbana existente. As unidades destes edifícios são kitchenettes de 60m2, sem área de serviço e com sérios problemas de ventilação e insolação. Os projetos desses conjuntos foram submetidos à prefeitura de São Paulo se apropriando de legislação antiga e inoperante para construir sem recuos frontais ou laterais, sem áreas livres para recreação e sem estacionamento. Nos últimos anos, de acordo com a base dados de lançamentos imobiliários residenciais na RMSP 3 entre 1985 e 2013 produzida pelo Centro de Estudos da

Métropole

(CEM-FFLCH)

pode-se

notar

uma

grande

expansão

de

empreendimentos na área central, principalmente nos últimos oito anos.

3

Região Metropolitana de São Paulo

A região do Glicério já foi impactada, mas não tanto quando comparada com a região da Luz, por exemplo. Em 2013 foi lançado um condomínio situado à Rua do Glicério, 345 com programa destinado à classe média e com o gabarito destacável quando relacionado com o seu entorno. O impulsionamento da verticalização em áreas dotadas de infraestrutura urbana, sobretudo voltada à HIS/HMP não é um ponto negativo para a cidade desde que não descarte a preexistência do lote e sua relação com o entorno, pois a construção tem sérias consequências na ambiência do bairro. Mais

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Vista para a Radial Leste-Oeste em direção ao Brás com destaque para o conjunto de edifícios [“os pombais”], ao fundo e, à direita, o condomínio NEWWAY Fonte: MOREIRA, 2018.

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Empreendimento NEWWAY situado na Rua do Glicério ao lado do antigo Largo Conde de Sarzedas (atual Pça. Dr.º Maria Margarido) lançado em 2013 Fonte: Google Street View, 2018

Situação anterior à construção do empreendimento com a presença de um galpão industrial utilizado como centro de serviços de uma concessionária em 2010 Fonte: Google Street View, 2010

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Reportagem Jornal Estadão, 01 de Setembro de 2016 Fonte: Portal Estadão

recentemente a gleba ocupada outrora pelas Oficinas do Cambuci (da antiga concessionária Light) com mais de 100.000 m2 entrou na discussão de dinâmica urbana e patrimônio industrial quando todos os edifícios inseridos no lote foram demolidos sumariamente (depois de formalizar consulta ao CONPRESP, em abril de 2013, sobre a possível existência de proteção legal para o imóvel) após a venda do espaço que pertencia à AES Eletropaulo para a construtora GTIS Patéo do Cambuci. O empreendimento denominado Pátio Central do Cambuci prevê a inserção de 35 torres (5.500 unidades) na área que pode ser comparada a mais de dois estádios do Pacaembu. A divisão da gleba em condomínios, prevista em Lei, diminui o choque urbano com a cidade, mas ainda permenece a sensação de produção de áreas semi-públicas.

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Oficinas da Light, 1917 Fonte: FPHESP

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Imagem tirada do Morro do Piolho, no Cambuci. Em primeiro plano, as casas da Rua Lavapés e ao fundo o conjunto da Light, sem data Fonte: Acervo Casa da Imagem / DPH

Demolição em andamento, 2014, com visão geral dos vários galpões totalmente demolidos Fonte: André de Oliveira Tourinho / Walter Pires

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Encarte publicitário sobre proximidades de lazer, comércio e cultura ao empreendimento Fonte: Site Pátio Central Cambuci

Perspectiva prévia do complexo de edifícios na antiga gleba Fonte: Jornal Estadão, 2018

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Modos de morar O avanço da urbanização no município de São Paulo nas últimas décadas do século XIX deu nova formação ao tecido urbano com o loteamento de antigas chácaras, o desenvolvimento e solidificação do núcleo primitivo e expansão da mancha urbana para terras antes desocupadas. Com isso, a escala urbana interferiu imediatamente na transformação e no desenvolvimento da escala arquitetônica, sobretudo, na tipologia residencial que é entendida com significados sociais diversos ao longo do tempo e exemplar da aplicação e registro de inovações técnicas de materiais e programas de necessidades / habitalidade.

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Aldo Rossi. Arquitetura da Cidade, 1995, p. 80.

“A residência, como tipologia e obejto arquitetônico, tem sido importante documento para a história da arquitetura, percorrendo, com mais ou menos ênfase, as narrativas de todos os períodos – da Pré-história à contemporaneidade – e incentivando os arquitetos a especular formas, trabalhar programas e testar materiais e técnicas...., a casa é, como bem explorou Aldo Rossi 4, a tipologia determinante da paisagem urbana: “A cidade sempre foi amplamente caracterizada pela residência. Pode-se dizer que não existem ou não existiram cidades em que não estivesse presente o aspecto residencial”. [CAMARGO, 2018, p. 9]

O poderio econômico exportado pelo café promoveu de modo direto uma nova diferenciação de estética arquitetônica externa e interna, além de novos equipamentos no cotidiano das residências no município de São Paulo, com isso, estabelecendo diferenças qualitativas onde antes estas eram somente quantitativas, expressadas no tamanho das casas. O desempenho técnico construtivo (taipa de pilão) e o nível de detalhes na construção era o mesmo em camadas sociais distintas, bem como a caixilharia utilizada, com a ausência do vidro que foi incorporado mais tarde pelo café. Carlos Lemos, em Alvenaria Burguesa, expõe que no período colonial (anterior a era cafeeira) o grande sobrado caracterizava a morada rica e a casa térrea a morada da classe média, ambas levantadas com a mesma taipa de pilão e protegidas pelas mesmas telhas.

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“O breve dinheiro do açucar, que lhe antecedeu, não teve tempo de adornar as casas dos enricados --- só as igrejas é que guarneceram melhor por essa época antecessora do ciclo do ouro verde.” [LEMOS, 1985, p. 12]

Durante o início do século XX, a cidade de São Paulo registrou uma multiplicidade de soluções arquitetônicas originárias das situações sociais.. As construções projetadas e construídas neste período sempre objetivaram evidente intenção imitativa correspondente ao desejo de ascensão social desta camada, porém limitadas a uma caracterização menor e aquém quando comparadas com os modelos ricos e eruditos. Em meio a tantas novidades, o café promoveu o surgimento das construções de alvenaria de tijolos, sistema construtivo este que promoveu uma nova etapa na rotina paulistana formada economicamente pelo cultivo do café no interior e pela industrialização na capital. “O tijolo de barro foi popularizado pelo cultivo do café mesmo antes de ser aplicado como estrutura e vedação nas construções. Ele começou a ser utilizado como material de calçamento dos terreiros de secagem dos grãos nas fazendas e dos muros de arrimo para a sua construção, ou seja, em obras diretamente relacionadas com o beneficiamento dos grãos de café. [MUNIZ, 2013, p. 34]

Os imigrantes europeus que se instalaram em São Paulo tiveram grande participação na popularização do uso de tijolos de barro nas edificações e na adoção em larga escala. A presença dos “capomastri” 5 foi essencial para o ritmo vertiginoso do crescimento urbano e uso dos tijolos na cidade, que abrigariam

5

Mestres de obras italianos, quase sempre autodidatas.

novas massas de imigrantes europeus que não paravam de chegar. O avanço industrial promoveu a entrada de novos equipamentos e tecnologias, além da alvenaria de tijolos, como calhas e condutores de cobres que possibilitaram novos desenhos para os telhados, antes limitados às duas águas. A entrada de novas composições das coberturas beneficiou o aparecimento de novos partidos

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arquitetônicos e o afastamento entre edificações e divisa de lotes. No entanto, apesar de tantas modificações e inovações tecnológicas que permitiram uma maior liberdade construtiva, os bairros populares e operários registravam plantas simples e semelhantes entre si. Grande parte das casas eram articuladas por um corredor lateral descoberto que daria acesso à casa, seguida por uma fileira de quartos e, uma cozinha ao final sucedida por um quintal descoberto com uma latrina. O corredor lateral proporcionava ventilação e iluminação natural aos cômodos localizados no meio da residência, quase sempre quartos e salas. De modo geral, as casas possuíam quintais que ocupavam os fundos e, em alguns casos, as lateriais do lote. Além disso eram projetadas e construídas com um porão, de no mínimo, 50 (cinquenta) centímetros de altura a fim de proteger o assoalho de madeira e melhorar as condições de salubridade do imóvel afastando-o da umidade presente no solo. E, na cobertura, apresentavam telhados arremetados com platimbandas, descartando a presença de beirais. Schneck categorizou as tipologias residenciais construídas no final do século XIX e início do século XX em São Paulo da seguinte maneira: _ Casas simples: casas térreas e sobrados destinados exclusivamente à moradia, com fachada voltada para a rua. _Casas de fundos: também podiam ser térreas ou sobrados, instaladas nos fundos do lote. _Casas em série: muitas vezes geminadas, podendo contar com duas ou mais moradias; havia circulação interna em todas as unidades. _Vilas: casas em série construídas no interior de lotes maiores com rua interna. Sobrados com dupla residência: uma residência instalada no pavimento térreo e outra no superior. _Casas de uso misto: edificações planejadas e construídas com a finalidade de abrigarem residências e atividades comerciais.

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A industrialização e o avanço da mancha urbana caracterizou também o movimento da especulação imobiliária onde grandes investidores e ricos paulistanos empregavam o seu dinheiro e mão de obra em construções e loteamentos com estética detalhista destinados à classe média por meio do aluguel. Estas casas foram construídas entre vilas, residências operárias e frabriquetas, exemplo visto no conjunto de casas da Rua Sinimbu. “As casas de aluguel merecem nossa atenção pois a fisionomia de cidade do ecletismo muito deveu a elas, aos seus conjuntos tão uniformes que surgiram de um dia para o outro nas ruas novas. Os ricos, depois de terem providenciado os seus próprios palacetes, trataram de construir agrupamentos de casa de aluguel de variados tipos...Chegamos mesmo a pensar que era elegante morar em boas casas alugadas, porque sempre bem situadas, perto dos ricos e da condução farta.” [LEMOS, 1985, p. 16] “Veio a especulação imobiliária, logo agravada pela desesperante falta de moradias. O ritmo de construções não acompanhava, no começo principalmente, o crescimento progressivo da população.” [LEMOS, 1985, p. 55]

Com a crescente indústria e o café, os programas de necessidades das residências apresentaram modelos interessantes e importantes do ponto de vista sociológico e, claro, arquitetônico, onde a cidade tomou nova fisionomia e outras aspectos dimensionais nos novos bairros residenciais, segundo Lemos. Além disso, surgiram novas classificações como “casa operária”, que se incorporou a rotina comum designando uma moradia simples de poucos cômodos, porém enquadrada nos critérios de construção arquitetônico do ponto de vista material e do uso. Os mesmos critérios também auxiliaram na construção de um novo programa para a época: o cortiço.

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Cortiço Historicamente, vários sinônimos, pejorativos ou não, foram incorporados ao termo “cortiço”: “casa de cômodo”, “estalagem”, “cabeça-de-porco”, “estância”, “pensão”, “zungu”, “hotel”, “hospedaria”, “vila”, “quintal”. No caso do termo “pensão” utilizado atualmente em alguns casos, por exemplo, havia e ainda há uma característica familiar na interpretação subjetiva dos aspectos do habitar. Ademais, as pensões conotam um estado passageiro na permanência do morador, embora não seja difícil encontrar pessoas que vivem por décadas nessa situação. Com relação as condições sanitárias e de salubridade quase sempre são iguais ou piores que a dos cortiços, mas a mudança do termo, de alguma maneira, modifica o status e a qualidade subjetiva do modo de morar. Ainda hoje a conceituação do termo “cortiço” é permeada por uma multiplicidade de significados e interpretações por diferentes estudiosos, órgãos públicos e legislações. Elenco abaixo algumas definições e leituras sobre: “A palavra cortiço, originariamente, designava (e ainda pode designar) a casa das abelhas que é justamente caracterizada por um grande aglomerado de células, de alvéolos todos idênticos entre si. Por catacrese, foi dado o nome de cortiço à construção compostade inúmeros cubículos iguais entre si e destinada à habitação coletiva, sendo que as instalações sanitárias e os tanques de lavagem de roupas eram de uso comum.” [LEMOS, 1985, p. 64] “o conceito de cortiço não é consensual; (...) tem como caráter predominante para sua definição ser ‘habitação precária de aluguel, onde existe congestionamento e cohabitação’. (...) Pela definição do Censo Demográfico de 1980, configura-se como ‘habitação precária de aluguel, com instalações sanitárias em comum. Também conceitua o domicílio de cortiço: cômodo ou quarto ocupado pelo ‘household’ (família censitária – conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco ou de dependência doméstica).” [PASTERNAK, 2004, p. 6]

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“imóvel destinado à locação residencial com mais de uma unidade habitacional, que em geral apresenta condições precárias de habitabilidade com risco para a saúde ou de vida. Os cortiços também são habitações irregulares em razão da precariedade da relação de locação entre o proprietário ou locador do imóvel e os moradores”. [SAULE, 2002, p. 82] “Co-habitação de várias famílias em imóveis geralmente sem conservação e que podem ser de diferentes tipos – casarões, porões, cômodos de quintal e também casas, apartamentos, etc”. (...) “Evidente insuficiência de recursos hidráulicos, levando ao uso compartilhado entre vizinhos não-familiares dos equipamentos sanitários (pia de cozinha e/ou tanque de lavar roupas e/ou banheiro)”. “(...) Existência, com base em observação, de características de cortiço, como superlotação, deterioração geral, lixo exposto, instalações elétricas precárias, janelas quebradas, varal exposto, etc (...)”. [CDHU – PAC, 2012] Os cortiços são moradias multifamiliares, subdivididas em cômodos alugados informalmente, situados em áreas urbanas dotadas de infraestrutura completa, e que apresentam condições físicas precárias, uso coletivo das instalações sanitárias e sobreposição de funções sem qualquer privacidade. [CDHU – PAC, 2012, p. 5] “Considera-se para os efeitos desta lei, habitação coletiva de aluguel, a edificação alugada no todo ou em parte, utilizada como moradia coletiva multifamiliar, com acesso aos cômodos habitados e instalações sanitárias comuns.” [Lei Orgânica do Município de São Paulo, 1990, Art. 171] “Cortiços são assentamentos precários que se caracterizam como habitações coletivas precárias de aluguel, e que frequentemente apresentam instalações sanitárias compartilhadas entre várias famílias, alta densidade de ocupação, circulação e infraestrutura precárias, acesso e uso comum dos espaços não edificados ou altos valores de aluguel por m² edificado.” [Plano Municipal de Habitação, 2016, Prefeitura de São Paulo

As classificações postas caracterizam o cortiço como uma unidade precária formada

por

instalações

perigosas,

ilegais,

ausência

de

salubridade,

principalmente no tocante à higiene onde ambientes como cozinha e banheiros

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são de uso comum e muitas vezes sem a presença de uma manutenção constante. Ademais, uma característica recorrente desta ocupação é a maximização do aproveitamento do espaço em relação ao número de ocupantes bem como do custo deste espaço. É importante destacar a diferença entre “cortiço” e “encortiçado”, sobretudo do ponto de vista prático onde este é representado por uma construção que teve seu projeto pautado por uma ocupação unifamiliar e, posteriormente foi adaptado para um uso multifamiliar. E, aquele foi concebido desde o início com o objetivo de uso multifamiliar. Segundo Piccini, por volta da década de 1870 ocorreram registros dos primeiros cortiços nos bairros centrais da cidade de São Paulo, nas regiões da Sé, Santa Efigênia, Bela Vista e, nos bairros operários, do Brás e da Moóca. O surgimento desta tipologia habitacional direcionada à classe trabalhadora foi originado pelas atividades de produção imobiliária na capital que transformavam a materialidade da região central. Pode-se dizer que a modernização de São Paulo trouxe consigo fatores de segregação social e formas de morar, sendo que o grande contingente de trabalhadores sofreu com a ausência de oferta habitacional que não acompanhou o ritmo acelerado de crescimento. “A produção imobiliária urbana no desenvolvimento capitalista da construção, combinando exploração do trabalho de construir e espoliação do morador despossuído, através da propriedade imóvel, como mer cadoria, se constituiu em instrumento de enriquecimento e reserva de riqueza. De maneira que nas desigualdades da modernização de São Paulo, desde o início, estão presentes as fortes tensões sociais do desenvolvimento capitalista na produção e apropriação do espaço da cidade: a nova arquitetura materializava e reificava estas desigualdades e tensões.” [PEREIRA, 1998, p. 62]

O aumento das habitações de cortiço nos bairros populares e em áreas abandonadas pela elite começou a preoucupar e chamar a atenção do poder público municipal, o qual não estava objetivando o fim da desigualdade social,

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mas sim evitar e promover a contenção dos focos de doenças e epidemias, situação estigmatizada que os cortiços sofriam por parte da municipalidade e elite local. Segundo LEMOS, em 1885, essa tipologia já era malvista e seus projetos dificilmente eram aprovados pela Prefeitura que, por falta de legislação específica, gozava-se de critérios pessoais de fiscais. Logo, nesta presente época o “urbanismo sanitarista” ganha foco em busca do combate à falta de higiene e promiscuidade nesta forma de moradia. “Com o crescimento dos cortiços, no início do século [XX] foi criada a Polícia Sanitária, que se apoiava na ideia de combate às epidemias que tomavam conta da cidade para fiscalizar os ‘ninhos de tuberculose’, que se desenvolviam nos ‘tugúrios’ da cidade, e atuar comoforma de controle social. Invadia-se, assim, a privacidade dos moradores para a desinfecção dos focos de epidemia (...)” [PICCINI, 2004, p. 27]

No entanto, algumas contradições já pairavam a legislação e a Câmara Municipal que em 6/10/1886 promulgou o Código de Posturas do Município de São Paulo, estipulando que os cortiços deveriam ter seus terrenos com mais de 15 (quinze) metros de largura; entre as fileiras de cômodos, o afastamento mínimo deveria ser de 5 (cinco) metros; a área mínima de cada unidade deveria ser de 5,50 metros quadrados; o pé-direito, variar de 4 a 4,50 metros e; os assoalhos deveriam estar afastados 20 centímetros do solo. Com essas descrições mínimas e regulamentação, o Código de Posturas aceitava a presença dos cortiços na cidade, mesmo contraindo a opinião de técnicos. Em 1894 é elaborado o Código Sanitário alegando a proibição da construção de cortiços e a demolição dos existentes na zona urbana de São Paulo. No entanto, esta ação não ocorreu e os cortiços cresceram largamente, sendo que em 1911, o Decreto nº 2.141 obrigava os donos e os moradores das habitações de aluguel a executarem reparos obrigatórios nos imóveis com o intuito de estabelecer os bons modos de higiene e salubridade, sob pena de multa ou interdições.

Cortiço na tipologia quintal, no bairro do Brás, por volta de 1942 Fonte: FERREIRA / Acervo Museu da Cidade

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Cópia do Código de Posturas do Munício de São Paulo promulgado em Outubro de 1886 Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP)

Posto isso, entre 1911 e 1914, o prefeito Raymundo Duprat executou uma série de demolições de grandes quarteirões onde existiam concentração de cortiços, sob a justificativa do embelezamento e saneamento da cidade.

“Antigos casarões e sobrados transformados em cortiços deverão progressivamente ser destruídos, sendo proibida a construção de novos cortiços nessa zona central, área privilegiada pelo Poder Público no fornecimento de infraestrutura básica e reservada à elite urbana.” [SOUZA, 2011, p. 56]

SOUZA define em sua dissertação de mestrado uma classificação tipológica acerca dos cortiços muito interessante: _Cortiço de quintal: ocupava uma área no miolo dos quarteirões. O acesso era feito por meio de um corredor comprido e muito estreito, e os quartos eram

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distribuídos um ao lado do outro, enfileirados, ao redor de um pátio com três ou quatro metros de largura. Raramente cada quarto tinha mais de três metros de largura, cinco a seis metros de comprimento e pé direito de três metros. Não havia outro sistema de ventilação no interior dos quartos além da janela e da porta, que dava para o pátio estreito. _Cortiço casinha: era uma casa em lote independente, de frente para a rua, com ocupação de cortiço. Os cômodos pequenos e ainda subdivididos por biombos praticamente não recebiam iluminação natural, eram muito escuros. No fundo do lote havia uma área mal ladrilhada ou cimentada com um ralo para esgoto e uma latrina, que em muitos casos não recebia cobertura. A cozinha, quando não estava instalada ao lado da latrina, era colocada junto ao aposento de dormir. _Casa de cômodo: antigos sobrados foram convertidos em cortiços por meio de divisões e subdivisões dos aposentos originais. Alguns cômodos de uso comum eram adicionados, como por exemplo uma sala com vários fogões improvisados, além de latrinas “pessimamente instaladas” e compridos corredores com iluminação insufi ciente. _Cortiço improvisado: salões comerciais e “vendas” recebiam aposentos para aluguel nos cômodos do fundo, totalmente improvisados e superlotados. Podiam ser depósitos, oficinas, cocheiras e es tábulos, feitos de madeira e cobertos de zinco. _Hotel cortiço: era uma espécie de restaurante que tinha função comercial durante o dia e à noite recebia muitas pessoas para dormir. Os cômodos eram muito pequenos, muitos apresentavam 2,5 metros de frente e 3 metros de comprimento. Em 1929 foi promulgado o Código de Obras Arthur Saboya que não faz menção alguma sobre cortiços, deixando claro que as únicas habitações coletivas regulares no município de acordo com o Código são hotéis e edifícios de apartamentos unifamiliares. Além disso, a lei deixa explícita a proibição de adaptações em antigos casarões que eram subdivididos em cômodos para

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aluguel e, naquela época, já estavam dispersos por toda a cidade, segundo Piccini (2004). A partir deste decreto, não se viu nem ouviu nenhum texto do legislativo municipal discorrer sobre cortiço a favor ou não de políticas públicas para esta categoria de moradia. Com isso, o número de cortiços em São Paulo cresceu vertiginosamente, principalmente entre a classe trabalhadora que não conseguia ter acesso aos preços oferecidos pelo mercado imobiliário de aluguel, casa própria e, que desejavam permanecer nas áreas centrais próximos ao mercado de trabalho e aos equipamentos de saúde, educação e lazer. Em meados de 1980 e início de 1990 o assunto é retomado pelo poder público por meio de publicação da SEMPLA (Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão) intitulada Cortiços: frente e verso de 1986 onde estimou que a população encortiçada se aproximava de 1,7 milhões de pessoas e, MUNIZ, em seu trabalho, por meio de (MOREIRA, LEME, NARUTO, PASTERNAK, 2006, página 16) observou que a população em 2006 já seria de 2,75 milhões de pessoas. Este estudo também apontou que os bairros que mais apresentavam cortiços por Km2 seriam a Bela Vista e a Liberdade. Ademais, em sua análise, a publicação dividiu os edifícios identificados como cortiços em duas categorias, segundo PICCINI [2004]: _Imóveis adaptados para cortiços construídos originalmente para uso residencial familiar, multifamiliar ou misto. São edificações de um ou dois pavimentos, eventualmente apresentando porão e quintal, com divisão precária dos cômodos originais em cubículos com áreas que podiam variar entre 4 e 10m2. Poderiam contar com superlotação de até sete pessoas por cômodo, com serviços sanitários coletivos externos, podendo alcançar uma média de cinquenta pessoas para cada um ou dois banheiros e tanques. São, geralmente, antigos casarões e sobrados que tiveram seus aposentos originais subdivididos diversas vezes.

Cortiço de quintal, de 1894 Fonte: Acervo Museu da Cidade

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_Imóveis

concebidos

como

cortiços

desde

o

princípio,

construídos

especialmente para fins de locação. São lotes com edificações diferenciadas do tipo vilas de cômodos, horizontais ou assobradadas, mais precisamente fileiras de quartos no fundo de lotes de uma residência unifamiliar. Em 1991 é promulgada a primeira lei exclusiva sobre cortiços - a Lei Moura (Lei nº 10.928 de 1991) - sancionada na prefeitura de Luiza Erundina, cuja gestão ficou conhecida pela preocupação com a questão habitacional. A promulgação e ratificação desta lei beneficiou a exatidão do que seria um cortiço e quais seriam as condições mínimas de habitabilidade. Segundo a Lei Moura, cortiço é constituído por uma ou mais edificações construídas em lote urbano subdivididas em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título com várias funções exercidas no mesmo cômodo. Além disso, possui acesso e uso comum dos espaços não edificados e instalações sanitárias, bem como, circulação e infraestrutura, no geral precárias e, superlotação de pessoas. Ademais, na Lei são encontradas condições mínimas de habitabilidade de suma importância para os moradores de cortiços, servindo como parâmetro e diretriz para fiscalização municipal nestas moradias, sendo elas: - Área mínima do cômodo ou divisão não inferior a 5 m², com sua menor dimensão não inferior a 2 metros. - Adensamento máximo de duas pessoas por 8 m², considerando toda a área Manchete da reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 13 de novembro de 1977 Fonte: SOUZA, 2011

construída da edificação, vedado o revezamento. - Banheiro revestido de piso lavável e de barra impermeável até 2 metros de altura. - Os banheiros devem ser dotados, pelo menos, de vaso sanitário, lavatório e chuveiro em funcionamento, compartimentados, sempre que possível, de forma

Cortiço situado à R. Oscar Freire, 1938. “O cortiço visto dos fundos. O aproveitamento do espaço é notável. Varais repletos de roupas cruzam-se em todos os sentidos”

independente, com abertura para o exterior.

Fonte: DUARTE / Acervo Museu da Cidade

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- Haverá no mínimo um tanque, uma pia e um banheiro para cada grupo de vinte moradores. - O pé direito será de, no mínimo, 2,30 metros. - As escadas e corredores de circulação terão, pelo menos, 80 centímetros de largura. - Quando as condições físicas e de habitabilidade do cortiço evidenciarem grave risco à vida dos moradores, a autoridade municipal poderá interditá-lo. Os pontos explicitados pela Lei Moura na questão de habitabilidade serviram de diretriz máxima incorporada na solução de projeto do presente Trabalho Final de Graduação que se preocupa com a intervenção no patrimônio, mas ao mesmo tempo busca uma inserção a favor da salubridade e habitação social de forma digna. Posteriormente, o legislativo municipal registra a entrada de mais dois instrumentos ligados diretamente à moradia em cortiços, o CIRC e a Lei Gouveia. O Conselho de Intervenção e Recuperação dos Cortiços (CIRC) seria um órgão responsável pela fiscalização das condições de habitabilidade dos cortiços explanadas pela Lei Moura, tomando como base a organização de informações colhidas sobre os aspectos físicos e jurídicos dos imóveis vistoriados. O órgão seria composto por quinze membros, com representação mista, da administração pública municipal e por moradores de cortiços. A Lei Roberto Gouveia (Lei nº 9.142 de 1994) trata detalhadamente sobre questão do financiamento para programas habitacionais destinados à população de baixa renda. De modo geral, a lei propõe que os recursos existentes no Fundo de Financiamento e Investimento para o Desenvolvimento Habitacional e Urbano e os provenientes da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sejam investidos em programas habitacionais sociais. “Se de fato a primeira, a Lei Moura, é de difícil aplicação prática, é importante por ser

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o início da ideologia urbano jurídica de aceitação dos cortiços como parte do problema habitacional da cidade. A segunda, o CIRC, procura dar ideia de uma estrutura legalizada administrativa do problema, e a última, a Lei Gouveia, define a quantia a ser utilizada nesse tipo de intervenção nos programas de Habitação de Interesse Social e assegura a variável econômica também para intervenções em cortiços.” [PICCINI, 2004, p. 88]

Paralelamente à esta trilogia de leis foram criadas, também no município de São Paulo, em 1991, as ZEIS 4, Zonas Especiais de Interesse Social, caracterizada por uma alta concentração de habitação coletiva precária de aluguel com potencialidade para receber programas habitacionais destinados à população de baixa renda que resida nesta região. Posteriormente, as ZEIS 4 foram incorporadas nos planos diretores de 1992, 2004 e 2014. Com isso, conclui-se que os cortiços são habitações precárias coletivas de aluguel com ocupação demasiada de pessoas com sobreposição de atividades nos cômodos, alugados a preços não compensatórios, onde os sanitários são uso comum, assim como cozinha, tanques de lavar roupa e espaços externos, devendo-se ressaltar a precariedade de instalações elétricas, hidráulicas e de esgoto, colaborando para uma situação propensa a acidentes e incêndios. “A qualidade dos cortiços em geral é caracterizada por falta de manutenção do edifício, com infiltrações de água de chuva, de esgoto (...) curtos circuitos na rede elétrica (...) falta de iluminação e ventilação naturais nos cômodos. (...) os tornam locais insalubres e perigosos e, do ponto de vista social, verificamos a coabitação forçada, involuntária e sem privacidade.” [PICCINI, 2004, p. 26]

Os cortiços são parte da história da cidade de São Paulo. Possuem expressões vivas na obra O Cortiço, de Aluísio de Azevedo com expressão máxima do

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Naturalismo Brasileiro, descrevendo condições de vida de uma camada marginalizada da sociedade no início crescimento industrial do país. Essa forma de moradia é relembrada, também, na poesia de Adoniran Barbosa, principalmente nas canções “Trem das Onze” e “Saudosa Maloca”, sendo que na segunda o compositor descreve com maestria, humildade e esperança a cena de um despejo provocado pelo “progresso” que ocasionaria a demolição do “palacete assobrado”, possível Antigo Hotel Albion, localizado na região da Luz, conforme descrito na publicação Cortiços: A Experiência de São Paulo. Exemplos de fiação elétrica exposta, decomposição do assoalho e ausência de piso lavável e barra impermeável no banheiro em um cortiço vistoriado pela Prefeitura Municipal de São Paulo Fonte: KNOOLL / Cortiços: A Experiência de São Paulo

Retrato das condições sanitárias, de ventilação e iluminação encontradas um cortiço da região central de São Paulo, 2010 Fonte: KNOOLL / Cortiços: A Experiência de São Paulo

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BASE: GOOGLE EARTH, 2018


Cortiços [Habisp - 2010] Glicério [delimitação aproximada]


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Casa Operária Popular A cidade de São Paulo foi dividida oficialmente, na década de 1930 em quatro zonas: central, urbana, suburbana e rural; sendo que a instalação de cortiços no centro foi novamente proibida, mas não erradicada. A capital continuava o seu período de intensa expansão que seria exemplificado pela migração de muitas indústrias para bairros mais afastados do núcleo central, como Santana, em direção à zona norte e, Santo Amaro, em direção à zona sul. E, para favorecer ainda mais o avanço da mancha urbana, o poder público, por volta de 1920, concedeu isenção de alvará para a construção de casas populares e vila operárias na zona suburbana da cidade. Proprietários de fábricas e indústrias iniciaram a construção de vilas operárias em meados de 1900 – 1910 com o objetivo de garantir moradia a funcionários e suas famílias, que pode ser visto também como uma forma controladora por parte dos proprietários, mas não adentraremos nesta discussão aqui. Localizada no bairro do Belém, a Vila Maria Zélia é considerada a primeira vila operária paulistana, equipada com habitação e equipamentos de saúde, educação e lazer. A autoconstrução em lotes periféricos, nas décadas seguintes, se tornou uma das principais opções de moradia da classe operária que obteve incentivos públicos para constituírem imóvel próprio nos novos bairros que se estruturavam. O avanço suburbano foi corroborado pela implantação do ônibus como transporte coletivo que suprimiu o uso do bonde, facilitando o deslocamento das pessoas entre os bairros distantes e a zona central. No início as casas populares construídas de modo autônomo eram facilmente confundidas com cortiços pela fiscalização municipal, pois começaram a aparecer em ruas que estavam recém-abertas ou não e, cada casa tinha a sua

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identidade com diferentes tamanhos, isoladas e agrupadas. Segundo LEMOS , as casas foram “...erguidas segundo as necessidades e possibilidades de seus humildes proprietários, quase sempre destituídos de informações maiores, principalmente por serem, em sua grande maioria, imigrantes estrangeiros.”

Para controlar esta situação, o poder público municipal começou a fornecer normativas com relação à alinhamento, gabaritos, altura de portas e janelas, desvio de águas pluviais por condutores, entre outros aspectos. O Código de 1886 também elabora parâmetros para as “Casas de Operários e Cubículos”, sendo alguns: - Jardim frontal de 30 m 2 (exigência descartada para imóveis que se localizavam em lotes dentro do “perímetro urbano”); - 1 (uma) torneira ou 1 (um) poço de água do tanque de lavar roupas (um para cada grupo de seis casas); - 1 (uma) latrina para cada duas habitações; - Pé direito de 4,00 metros (térreo) e, se assobradadas, seria tolerado 3,50 metros de altura para o pavimento superior. - Cada habitação deveria possuir, pelo menos, 3 (três) cômodos, todos com abertura para o exterior; - Os assoalhos deveriam ser afastados, no mínimo, 0,50 metro do solo por causa da umidade gerada pelo lençol freático; - A área mínima de cada dependência deveria ser de 10 m 2. Entre legislações e normativas algumas edificações foram se adequando e, outras não, mas o crescimento urbano não cessou, sendo que o sistema de autoconstrução se popularizou, formando vários bairros que envolvem o núcleo histórico. Seu auge foi na década de 1970 com a vinda de migrantes do Norte e

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Nordeste que, muitas vezes, chegavam sem condições de moradia. Assim que conseguiam juntar uma pouca quantia foram para as franjas da cidade construir sua casa em áreas regulares e irregulares.

Antiga Vila Operária que se localizava na região do Brás, 6 de julho de 1938 Fonte: Acervo Museu da Cidade de São Paulo / DPH

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Projeto de casa prรณpria de imigrante apresentado para a Prefeitura Municipal de Sรฃo Paulo em 14.3.1913 Fonte: Arquivo Histรณrico Municipal

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Casas de Classe Média As moradias de classe média para cima já registravam, a partir de 1890, o quarto da “criada” dentro de casa, próximo da cozinha, o que não era visto na tipologia anterior de alcovas centrais, onde os escravos/criados dormiam nos quintais, porões ou em cima dos forros das cozinhas ou das áreas de serviço. Além disso, percebe-se a aparição da copa, despensa e quarto de engomar, programas estes representam a rotina da empregada fixa residindo com os patrões. Tornou-se evidente, também, a importação de modos, programas e costumes dos modelos parisienses e dos manuais de hábitos e decoração famosos na virada do século XIX/XX marcando a presença da Belle Époque. A formação dos novos ambientes marcavam o luxo, nem sempre vindo de riqueza e, de certo modo, a busca da casa ideal por esta casta da sociedade que se formava ou se adaptava a novos rumos, seja a senhora ou o senhor. Entre as novidades suscitadas estão: sala da senhora, jardim de inverno, sala de bilhares, gabinete e a cocheira. Este aprofundamento teórico acerca dos costumes foi possível a partir da participação na disciplina Estudos em História da Arquitetura e do Urbanismo: Cidade, Arquitetura e Domesticidade Moderna ministrada pela professora Joana Mello de Carvalho e Silva. Os projetos de início do século XX mostram de modo criterioso o programa de necessidades com relação ao serviços da área externa, tendo como epicentro a garagem que era acompanhada de maneira geral pela “edícula”, segundo LEMOS [1985], “(construção de serviço separada da casa e no fundo do quintal)”. Talvez “seja invenção brasileira, pelo menos paulista, nascida junto com o automóvel particular. Os velhos projetos de residências ricas do início do século, estão aí mostando, nos fundos dos lotes e acessíveis por passagens laterais, as variadas formas assumidas pelas edículas; muito

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assobradadas, possuindo no térreo a garagem par aum ou dois carros, o quartinho para guardar gasolina (os postos de serviço praticamente não existiam), óleos lubrificantes e ferramentas, uma instalação sanitária, o galinheiro, a lavanderia, isto é, um recinto para o tanque de roupas.”

A apropriação destes espaços somado com um programa interno de palacete/ casarão, canil, estufa de plantas e jardim externo pode ser analisado na residência projetada por Ramos de Azevedo para o Sr.º Ernesto Dias de Castro, atual Casa das Rosas, na avenida Paulista.

Folheto publicitário editado por volta de 1914/15, o qual descreve as vantagens e bônus do conjunto residencial construído pela mútua Economizadora Paulista às margens, na época alagadiço, Rio Tamanduateí, próximo à Estação da Luz também. Possivelmente o projeto arquitetônico seja de autoria do arquiteto italiano Sachetti, pois seu nome aparece em uma das perspectivas Fonte: Alvenaria Burguesa, 1985

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Implantação Casa das Rosas, de 1934/1935 Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP / Seção Escritório Técnico “Ramos de Azevedo” Severo e Villares

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Fachadas principais da Casa das Rosas, sem data Fonte: Severo-Villares

“Edícula” - Edifício anexo da antiga Garagem e da casa do motorista no primeiro piso Fonte: Portal de Jornalismo ESPM – SP via Flickr - CC

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Sobradinhos A arquitetura de tijolos trouxe outro programa consigo, o referente ao “sobradinho” que surgiu devido à carência de habitações à classe média por volta de 1914/18 quando ocorreu paralisação repentina de construções e, porque as casas térreas gastavam razoáveis áreas de terrenos, problema este resolvido pelos sobrados de pequena testada, servindo de solução para o adensamento populacional dos bairros burgueses que percorriam as linhas de bondes. “Temos a impressão de que os pioneiros desses sobrados foram aqueles do Brás e Luz, nas proximidades de fábricas de tecidos e construídos em pequenas glebas que os industriais aproveitavam para suas “vilas operárias”. Eram sobrados geminados em grupos até de dez ou doze unidades. (...) Por esse tempo, já começaram a aparecer, também, sobrados relativamente grandes construídos aos pares, com amplos jardins laterais ou fronteiros, que também serviram de matriz a outras construções de menor área.” [LEMOS, 1985, p. 76]

A década de 1920 consolidou o “sobradinho ford”, apelido importado da fabricação em série fordista em assimilação a tantos os conjuntos que foram construídos em tão pouco tempo até meados da década de 1940, no auge do art-déco. Ademais, essas edificações também possuíram edículas, no fundo do quintal, sem garagem, compostas de pequeno dormitório, mínima instalação sanitária [apenas uma latrina, muitas vezes] e alpendre para o tanque de roupas.

O sistema de circulação das casas de classe média, próprias ou de aluguel, modificaram a forma de interação dentro da residência, pois em muitos casos o corredor foi suprimido e o passeio interno na casa se dava pelos ambientes, até 1918. O banheiro, quando existente, ficava no fundo casa, junto à cozinha, com o intuito de economizar a tubulação de ferro galvanizado que era importada, bem como os aparelhos sanitários, torneiras, banheiras, pias, registros.

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Sobradinho da Vila Boyes, na regiรฃo do Brรกs, atual bairro da Quarta Parada Fonte: Arquiteta Dalva Thomaz Silva. In Alvenaria Burguesa, 1985

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Plantas dos sobrados da vila operária executada pelo industrial Simeon Boyes, no início do século XX, no Brás Fonte: Levantamento da arquiteta Dalva Thomaz Silva. In Alvenaria Burguesa, 1985

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Planta de casas de aluguel situadas na Rua Tabatinguera, que resume o partido generalizado da casa de classe média da época com a varanda no fim dos corredores, interno e externo, o porão não aproveitado (com grades de ventilação) e as fachadas ricas em detalhes. Sem data. É válido ressaltar que esta tipologia e programa residencial assemelha-se ao conjunto de casas que é analisado neste trabalho. Fonte: Alvenaria Burguesa, 1985

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Após a Primeira Grande Guerra definiu-se mais um tipo de circulação que dispensaria o corredor ou o utilizaria de modo restrito mais a aparição do hall, vestíbulo de distribuição que permitiu passeios independentes, com isso concretizando um ótimo conforto nas casas que possuíam bem definidas as três zonas: de serviço, de estar e de repouso. Geralmente, o hall ficava próximo à escada de ligação com os quartos, nos exemplos de casarões assobradados.

Sobrados geminados de 1914/18 com, no mínimo, três dormitórios, localizados na Rua Benjamim Oliveira, no Brás. Construção de Ramos de Azevedo Fonte: Alvenaria Burguesa, 1985

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A Imigração e Migração A presença de rica diversidade de povos, como consequência, diferentes culturas e hábitos, construiu, desenvolveu e definiu a região que sempre conviveu com o termo transformação na sua rotina, aplicado de forma social ou física. A instalação de imigrantes, primeiro italianos, seguidos de portugueses, orientais e mais recentemente de refugiados [do Haiti e do continente Africano], provocou profundas transformações. No entanto, antes da chegada dos imigrantes e refugiados, a região da Liberdade congrega em sua história forte presença negra, principalmente, originada da população de ex-escravos, que deixou marcas que podem ser verificadas no extinto [em 1985] clube e agremiação “Paulistano da Glória”, que reuniu grandes bailes e festividades. “Ah! Meus amigos, quantas lembranças do salão do paulistano na rua da glória! O maestro “bem” executando sambas, boleros, mambos e os casais rodopiando no salão previamente salpicado com parafina em flocos para facilitar os movimentos dos pares, os cavalheiros dançavam com um lenço nas mãos para que o suor não manchasse os vestidos das damas, um imenso globo espelhado girava no teto iluminado por holofotes, o mestre-sala circulava pelo salão e caso algum casal saísse do sério era logo advertido com um simples olhar, os desentendimentos quase não existiam e quando ocorriam eram prontamente abafados pelos próprios freqüentadores, os briguentos eram levados para o saguão de entrada, ouviam um “sermão” dos dirigentes da casa e, se não se comportassem eram colocados para fora. No mês de setembro ocorria o “baile da primavera”, as damas todas vestidas de cor rosa ofereciam um espetáculo maravilhoso, não sei se ainda existe esse salão, mas que deixou saudade com certeza deixou, para mim e para aqueles que tiveram a felicidade de gozar os bons momentos.” [Página São Paulo, Minha Cidade, Crônica Os bailes do paulistano da rua da glória, Leonello Tesser] Ademais, existem referências datadas da década de 1920 de mais dois clubes, o “Clube de Negros Brasil”, localizada na Rua Conselheiro Furtado e, o “Clube Palmares”, na Rua Lavapés, que oferecia além de atividades recreativas aos seus associados, palestras e conferências sobre temas referentes a cultura africana e à situação do negro no Brasil.

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Enredo: Destino marcado (1979) – GRES Paulisanos da Glória Um preto velho contou, o Brasil era imperial Surgiu na colina da glória o primeiro bloco de carnaval No esplendor de uma festa, de um figurão da cidade O bando carnavalesco, zuavos da liberdade E no teatro São Paulo no palco a luz reluzia Atores, cantores em cena, divertindo a burguesia Depois findou-se o Império, acabou-se a primazia Mas no humilde porão, na roda de gente bamba Nossa madrinha Euníce, cultiva a semente do samba Falou da nossa gente, do paulistano cordão Juca, Vitucho, Moraquebem, sublime recordação A semente da folia germinou Seu raiado espalhou-se no asfalto Hoje é o samba do negro, o canto do povo Que fala mais alto Rua da Glória, canto, amor, poesia E o destino marcado é o corredor da alegria.

Registro de notícia em jornal impresso da festa que contagiou o desfile da escola de samba “Lavapés”, no Carnaval de 1968 Fonte: Escola de Samba Lavapés

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O símbolo da baiana homenageia a participação de mulheres na consolidação do Carnaval paulistano Fonte: Samba em Rede

Grupo de foliões mirins da Escola de Samba do Lavapés. Sem data Fonte: Samba em Rede

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A chegada dos orientais Desde a década de 1910 notou-se também a presença de imigrantes japoneses que tiveram protagonismo aparente com a caracterização do “bairro oriental”, cenário e repertório criado e enfatizado pela Sociedade de Lojistas da Liberdade. A primeira leva, 1908, chegou ao Brasil com o intuito de trabalhar nas fazendas de café, porém não houve adaptação às condições impostas nestas fazendas [insalubridade, trabalho escravo, assédio, entre outras situações], fazendo com que fugissem para os centros urbanos, com destaque para São Paulo. No comércio e serviço local se dedicaram à carpintaria, marcenaria, pintura de edifícios, trabalhos domésticos, taxistas ou operários. “...dos 10 que aqui permaneceram, 1 era marceneiro, 1 ferreiro, 1 costureiro e outros dois começaram o plantio de verduras. Um casal empregou-se como empregado doméstico; uma outra pessoa empregou-se na filial da Imin Kaisha. Além destes ficaram ainda na cidade um marceneiro do navio que fugira e Uetsuka Shuhei que veio na qualidade de representante da Imin Kaisha trabalhar em São Paulo.” [NOGUEIRA, p. 103, nota 56]

A primeira aglomeração de destaque aconteceu na Rua Conde de Sarzedas, por volta de 1912, em porões sublocados, sendo que anteriormente estavam espalhados pelas proximidades. Alguns pontos referenciais demarcavam a presença japonesa como, a Sociedade Japonesa de Imigração, na Rua Rodrigo Silva e, na Rua São Paulo, esquina com a Rua Sinimbu, onde funcionários de uma empresa importadora de alimentos abriram uma pensão que tinha como cozinheiros um casal de japoneses. Esta pensão, localizada no edifício de estudo deste Trabalho Final de Graduação, como outras, notabilizou-se como meio de fixação urbana dos imigrantes orientais.

Em meados da 2ª Guerra Mundial, por volta de 1942, o governo federal de Getúlio Vargas rompe as relações diplomáticas com o Japão e decreta a expulsão dos japoneses que moravam na Ruas Conde de Sarzedas e Estudantes.

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Em 1920 havia cerca de 300 japoneses residindo na Rua Conde de Sarzedas e nos finais os alojamentos “alki” (sic) existentes chegavam a receber até 50 pessoas vindas do interior. Já haviam criado em 1914, uma escola primária, mantida pela colônia. Surgiram fábricas de “tofu” e de doces. As hospedarias serviam refeições japonesas e ofereciam mesas de ‘snooker’ para atraírem grande número de pessoas. A partir de 1916 começaram a jogar ‘baseball’ no campo da fábrica Sudam, no final da ladeira da Conde de Sarzedas. [IGEPAC-Liberdade, 1984, p.29]

O bairro da Liberdade ainda concentra grande contingente de coreanos, provenientes da Coreia do Sul, que iniciarem o fluxo migratório para o Brasil por volta de 1963, instalando-se na baixada do Glicério devido as facilidades oferecidas às construções nesta região e, pela proximidade ao antigo “Parque Xangai”, desativado em 1968 por causa do progresso viário e rodoviarista, cedendo lugar a um complexo de pontes e viadutos que integrariam a Zona Leste ao Centro de São Paulo. O parque de diversões foi um símbolo de entretenimento e memórias alegres para a cidade e para o povo coreano, pois a propriedade pertencia a um casal de coreanos. Ademais, a população coreano dedicaram-se, em sua maioria, ao comércio. “Cedendo ao progresso, o Parque Shangai encerrou suas funções”. [Glaucia Garcia, Relato Histórico, Site São Paulo Antiga]

Complementando o perfil do imigrante oriental estabelecido na região da Liberdade é destacada a presença dos chineses, que se dedicam principalmente a restaurantes especializados na culinária chinesa atualmente, mas por volta da década de 1980 o povo chinês estava presente na comunicação e literatura do bairro. “Também os chineses se concentraram no bairro. Entre os integrantes da colônia chinesa circula o “Jornal Chinês do Brasil “, editado à Rua Barão de Iguape, nº 123, Caixa Postal n.o 3735. cujo diretor responsável é o senhor Goro Sekiva e seu editor o senhor Wang Ze. Em sua redação funciona ainda u um atelier fotográfico especializado em reportagens fotográficas.” [GUIMARÃES, 1979, p. 109]

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O jornal foi fundado em 1960, sendo redigido em caracteres chineses, com algumas notícias no idioma nacional. Além disso, na década de 1980 existiam inúmeras livrarias chinesas, onde junto com a venda geral de livros existiam muitas publicações especializadas em cursos de idiomas, sobretudo chinês, japonês e coreano.

Rua Conde de Sarzedas em direção a Rua do Glicerio, 1970 Fonte: FERREIRA / Acervo Museu da Cidade

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O Parque Shangai também era palco de feiras e eventos ao ar livre conforme exposto neste recorte do jornal Correio Paulistano da década de 1940 Fonte: Site São Paulo Antiga

Localização do Parque Shangai, na década de 1950 Fonte: Geoportal via Site São Paulo Antiga

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Situação do local, em 2012, onde estava instalado o Parque Shangai Fonte: Site São Paulo Antiga

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Ondas migratórias e imigratórias A década de 1960 trouxe muitas modificações drásticas para o bairro, principalmente em 1968 com o início da construção da Radial Leste-Oeste e a construção da primeira linha de metrô da cidade, a linha 1-azul, ocasionando o fechamento de parcial do comércio das Ruas Galvão Bueno, Glória, Conselheiro Furtado, Tomás de Lima e da Avenida Liberdade.

Durante a década de 1970 e 1980, a região começou a receber uma parcela de população migrante, com destaque para pessoas advindas do Norte e Nordeste, que chegavam pela primeira vez na capital ou já residiam no município, no entanto, nas franjas da cidade. Os cortiços apareceram como uma alternativa para essa população de migrantes que escolheram ficar na região central com o propósito de não ter que morar na periferia da cidade. Ademais, a infraestrutura, a economia com transporte e o tempo de locomoção fizeram os migrantes se sujeitarem às precárias condições de moradia.

Desde a década de 1970, a Paróquia Nossa Senhora da Paz, no Glicério, é a sede da Missão Paz, instituição pastoral conhecida por abrigar estrangeiros e refugiados que chegam à capital e, que ultimamente voltou aos jornais com a grande onda de refugiados do Haiti e continente africano. A característica de acolhimento e prestação de serviços para ondas migratórias nasceu quando, nos anos 1930, o local se tornou um dos principais pontos de encontro da comunidade italiana em São Paulo. Naquele momento, padres do Norte da Itália acompanhavam os conterrâneos em atividades pelo bairro. Esta vocação acabou passando para os sacerdotes que servem até hoje no templo que já recebeu coreanos, chilenos, peruanos, bolivianos e, mais recentemente, africanos. “A Missão Paz de São Paulo acolhe os migrantes, imigrantes e refugiados, entendendo suas histórias, respeitando suas identidades e celebrando, com alegria, a interculturalidade presente”. [Site Missão Paz de São Paulo, 2018]

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Vista externa da Rodoviária da Luz, em 1970, por onde chegou grande parte da população migrante do Norte e Nordeste Fonte: Site São Paulo Antiga

Em 1977 era inaugurado o Terminal provisório do Glicério, debaixo do viaduto (retratado na foto de 2007) do mesmo nome para atender às linhas oriundas do Nordeste devido a larga demanda e deficiência da Rodoviária da Luz que seria fechada com a inauguração da Rodoviária do Tietê em 1982 Fonte: Renato Targa via Flickr - CC

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“O Glicério é um lugar que se tornou a esperança, durante toda a sua história, de estrangeiros italianos, portugueses, japoneses e também brasileiros, vindos do Norte e Nordeste do país. Recentemente, os bolivianos também entraram nesse quadro. Todos com o sonho de uma vida melhor. Hoje, o bairro convive com toda essa riqueza cultural, mas também com muitos moradores em situação de risco. Atualmente convivem lado a lado, no Glicério, cortiços, grandes edifícios e indústrias de pequeno porte.” [Guia do Glicério e da Região Central de São Paulo, 2007, p. 9] O distrito da Liberdade possui uma grande parcela de população flutuante, caracterizada pelo seu comércio de artigos orientais, bares e restaurantes temáticos que atraem moradores paulistanos e turistas de outras regiões. Além disso, a região concentra uma riqueza de templos e casas de culto de diferentes correntes religiosas.

Refugiados e imigrantes aguardando atendimento na Casa do Migrante mantida pela Missão Paz localizado na baixada do Glicério, em 2017 Fonte: BAIRROS /Fotoarena

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Programas de Intervenção e Projetos Programa de Atuação em Cortiços - PAC | CDHU O Programa de Atuação em Cortiços [PAC], da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo [CDHU], teve duração de 8 anos, com início em 2002 e, entregou 1.605 unidades habitacionais até 2012. O Programa contou com a construção de novos edifícios em terrenos desapropriados para atender à demanda das famílias que viviam em situação precária de moradia em cortiço. O principal objetivo desta política foi focar no problema bruto do déficit habitacional na região central de São Paulo. Além disso, ele obteve importantes parcerias para a viabilização dos projetos habitacionais, principalmente com a Prefeitura de São Paulo e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID].

Projeto do empreendimento “Santos I” Fonte: Relatório PAC / CDHU, 2010

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Implantação do empreendimento “Santos I” Fonte: Relatório PAC / CDHU, 2010

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Analisando o aspecto geral de cada projeto habitacional desevolvido pelo PAC/ CDHU no município de São Paulo e alguns na baixada Santista percebe-se que a observância e permanência da preexistência atual antes da implantação do empreendimento é pouca ou nula. Os projetos que suprem o déficit habitacional, , mas desconsideram o contexto urbano existente. Esta desconsideração é freada quando parte do lote e/ou imóvel está sob proteção legal dos órgãos de preservação por meio do instrumento de tombamento, caso que ocorre no Conjunto “Santos I” em que houve a preservação da fachada. . Um proposta foi elaborada

pelo PAC/CDHU para o conjunto em estudo no

Glicério, porém ela descarta a caracterização do casario, aproveitando a fachada do núcleo frontal e descaracterizando o apêndice e os fundos os lotes. A disposição e áreas das unidades parece satisfatório, mas a construção do todo parece descaracterizar a memória da arquitetura.

Planta geral do Térreo da proposta do Programa de Atuação em Cortiços no conjunto da Rua Sinimbu com a Rua São Paulo Fonte: PAC / CDHU, sem data

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Planta geral do Primeiro Pavimento da proposta do Programa de Atuação em Cortiços Fonte: PAC / CDHU, sem data

Planta geral do Segundo Pavimento da proposta do Programa de Atuação em Cortiços Fonte: PAC / CDHU, sem data

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Programa de Cortiços – SEHAB [Prefeitura Municipal de São Paulo] O Programa de Cortiços da SEHAB foi uma complementação do trabalho feito no PAC/CDHU com relação ao atendimento da população que vivia e vive em cortiços no município de São Paulo. Além disso, este programa consolidou uma política de orientação e requalificação dos cortiços existentes na busca de prover adaptações e melhorias de habitabilidade. A equipe técnica elaborou uma classificação de cortiços de acordo com quatro pontos principais, sendo: salubridade, estrutura, instalações e segurança contra incêndios. Os dados levantados nas visitas técnicas são submetidos ao sistema da Divisão Técnica (Habi-Centro), desde 2005. E, a partir de 2008, as informações começaram a ser transferidas para o sistema Habisp, que congrega outras formas de habitações precárias além dos cortiços.

Programa Novas Alternativas – Morando no Centro [Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro] O programa é sustentado pelos objetivos de formular, propor e estimular a realização de projetos habitacionais em regiões consolidades da cidade, promovendo a recuperação e reaproveitamento de imóveis deteriorados, sub utilizados, em ruínas e lotes vazios. As diretrizes principais para que isso ocorra e quebre o quadro de estagnação e degradação de áreas importantes para a cidade do Rio de Janeiro são: - Otimização do grande número de sobrados antigos; - Desenvolvimento de novas soluções arquitetônicas; - Valorização do patrimônio arquitetônico e cultural;

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- Oferecimento de moradia em bairros centrais ricos em infraestrutura. A preocupação com o patrimônio em seu material institucional é evidente,

6

principalmente quando o poder público se preocupa com as APACs e destaca 6

Cultural na cidade do Rio de Janeiro. 7

a importância de projetos deste âmbito na zona central da cidade. Em 2008 tinham 226 bens tombados pelo patrimônio histórico, nas três esferas [IPHAN 7, INEPAC 8 e SEDREPAHC 9].

Áreas de Proteção do Ambiente Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional 8

Instituto Estadual do Patrimônio Cultural 9

Secretaria Extraordinária de Promoção,

Defesa, Desenvolvimento e Revitalização do

O programa estabeleceu algumas metas para que a viabilização dos projetos

Patrimônio e da Memória Histórico-Cultural

fosse possível, sendo elas: - Financiamento e subsídio para atendimento a famílias de 1 a 3 salários mínimos; - Operação em imóveis já habitados (cortiços / casa de cômodos) - Participação da iniciativa privada (proprietários / construtores / arquitetos) - Parcerias com os órgãos de preservação (estadual e federal) - Equação das dívidas com as concessionárias de serviços público: água, esgoto e luz elétrica. - Viabilização dos imóveis das entidades religiosas. Em 1996 teve início o Projeto de Reabilitação de Cortiços no munícipio do Rio de Janeiro com foco na população solteira, aposentada e formada por casais sem filhos. O projeto se estruturou na atuação sobre imóveis em mal-estado de conservação com a possibilidade de realizar intervenções de baixo custo que gerasse melhores condições de habitabilidade, conforto e higiene. Além disso propunha também, a formação de condomínio, na pós-ocupação, com o intuito de melhorar a integração às normas e procedimentos da cidade e, o atendimento à população residente, possibilitando o seu retorno após a ação do programa.

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Exemplo de solução para composição de fachada e uso de materiais adequados proposta pela APAC Fonte: Programa Morando no Centro, 2008

Um dos parâmentros de protenção do patrimônio cultural na cidade do Rio de Janeiro é a composição da fachada de modo que respeite o conjunto histórico existente Fonte: Programa Morando no Centro, 2008

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Rua Sacadura Cabral, 295 – Gamboa (recuperado em 1998) 16 unidades + 1 loja | Área total construída: 413,29 m2

Travessa do Mosqueira, 20 – Lapa (recuperado em 1998) 9 unidades | Área total construída: 289,17 m 2

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Rua Cunha Barbosa, 39 – Gamboa (recuperado em 1998) 24 unidades + 1 loja | Área média da unidade – 11 m 2 | Área total construída: 446,57 m 2

Rua Senador Pompeu, 34 – Central (Cortiço tombado pelo Patrimônio Histórico Cultural) 1º PAR em Sítios Históricos do Brasil | 23 unidades + 2 lojas | Área média da unidade: 20 m 2 | Área total construída: 1.040 m 2

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Rua Francisco Muratori, 38 – Santa Teresa 11 unidades | Área média da unidade: 26 m 2 | Área total construída: 432 m 2

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Rua do Livramento, 145 – Gamboa 5 unidades + 1 loja | Área média da unidade: 33 m 2 | Área total construída: 315,88 m 2

Rua do Livramento, 147 – Gamboa 5 unidades | Área média da unidade: 28 m 2 | Área total construída: 183,90 m 2

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Os projetos expostos aqui são de carácter regional, do Rio de Janeiro, mas a experiência de habitação social nas áreas centrais com o objetivo de reabilitar espaços que apresentem uma subutilidade ou condições precárias de habitabilidade são essenciais e cada vez mais presentes nas grandes cidades. O Novas Alternativas marcou um grande passo na história com a comprovação da possibilidade de praticar uma renovação urbana sem edifícios de grandes gabaritos e promover habitação social em locais estruturados por linhas de crédito acessíveis. Todas as fotografias apresentadas constituem fonte comum: Relatório Programa Morando no Centro de 2008.

Edifício Labor Reabilitação de edifício construído para uso comercial que estava abandonado e foi ocupado por movimentos de moradia (MSTC 10 e ULC 11 ) em 1997. Após muitas negociações, o edifício foi adquirido pela CAIXA, em 2002 e, integrou o programa

10

SEM TETO DO CENTRO (MSTC) atua na mobilização e organização de famílias sem teto que estão na luta por moradia digna. 11

Morar no Centro 12 e PAR (Programa de Arrendamento Residencial). O edifício ocupa um terreno de 1.040,50 m 2 localizado na rua Brigadeiro Tobias, região da

Fundado em 2001, o MOVIMENTO

Unificação das Lutas de Cortiços -

Em dia 15 de Junho de 1991, nasce a entidade no processo de luta de permanência na região

Luz. Além disso, possui 4.593,10 m de área construída distribuída pelos 9 (nove)

central e começa o processo de resistência ,

andares, térreo e mezanino. Colocou-se em prática um total de 84 unidades com

principalmente nos bairros separados como

2

área útil média de 34 m 2, sendo todos conjugados. Este projeto foi referenciado

Belém, Mooca, Santa Cecília e Ipiranga. 12

Programa de reabilitação residencial

neste trabalho devido o seu registro de reabilitação, flexibilidade do programa

na região central da capital paulista

de necessidades e, também, por causa de sua significância pessoal, conforme

realizado na gestão Marta Suplicy, 2001-04.

posto na apresentação deste TFG.

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Elevação do edifício Labor com algumas aberturas inexistentes antes da reabilitação Fonte: BARRETO, Menna. LABHAB, 2008

Planta pavimento-tipo do projeto original feito em 2002. É válido dizer que na implantação atual do projeto algumas decisões de layout diferem das expostas nesse desenho Fonte: BARRETO, Menna. LABHAB, 2008

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Modelo de layout observado em uma das unidades do Edifício Labor Foto: MOREIRA, 2018

Lavanderia coletiva para quatro unidades no Edifício Labor Foto: MOREIRA, 2018

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Programas de Intervenção e Projetos O distrito da Liberdade conforme estudos postos neste caderno apresenta uma formação urbana intensa a partir de fins do século XIX e início do século XX com a presença massiva de imigrantes que trouxeram seus costumes e hábitos que se difundiram pelo bairro, principalmente nas tipologias dos edifícios. A riqueza cultural presente na região é pautada por diversos conflitos de identidade devido à concentração de extensa diversidade onde alguns povos acabam se sobrassaindo sobre outros. “O cosmopolitismo que haveria de caracterizar a cidade, vai criando concentrações étnicas: sírios, libaneses. armênios, na região da Rua Vinte e Cinco de Março; judeus, no Bom Retiro; italianos, no Brás, Mooca e Bela Vista e japoneses, na Liberdade, principalmente nas ruas Conde de Sarzedas e Galvão Bueno, enquanto outros estrangeiros afortunados, se instalam nos jardins, Vila Mariana e Santo Amaro. [GUIMARÃES, 1979, p. 49]

Além da sobreposição de hábitos e costumes, a região da Liberdade bem como a região do Glicério sofreu com grandes intervenções urbanas que abalaram a estrutura e convivência do bairro, sendo que em algumas localidades provocouse uma verdadeira cisão, que pode ser exemplificada nas ruas Mituto Mizumoto e Dr. Tomaz de Lima, cortadas pela Ligação Leste-Oeste. As grandes transformações de carácter urbano que impactaram a cidade a partir da década de 1970 alertaram o órgão de preservação do poder municipal (DPH – Departamento do Patrimônio Histórico) sobre regiões que sofreram ou poderiam sofrer intervenções e não tinham nenhum levantamento sobre a 13

Inventário Geral do Patrimônio Ambiental

história e registro atual daquelas localidades. Neste contexto surge o IGEPAC 13 -SP que tinha como premissa principal o reconhecimento básico do patrimônio cultural e ambiental de cada bairro, partindo do centro e encaminhando-se até a periferia, concebendo uma documentação deste patrimônio e elaboração de propostas de preservação.

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Rua Mituto Mizumoto em direção à Ligação Leste Oeste em 2018 Fonte: MOREIRA, 2018

Rua Dr. Tomaz de Lima em direção à Ligação Leste-Oeste em 2018 Fonte: MOREIRA, 2018

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IGEPAC-Liberdade A metodologia do IGEPAC foi criada e estabelecida entre os anos de 1982 e 1983, sendo que o primeiro bairro que recebeu o inventário foi a Liberdade, em 1983, 14

Conselho Municipal de Preservação do

mas sem uma proposta efetiva de preservação, principalmente porque na época

Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da

o Conpresp 14 não havia sido criado, iniciando sua atuação alguns anos depois,

Cidade de São Paulo

em 1988. No entanto, mesmo sem ações efetivas na época, o inventário foi um interessante registro de bens e de alguns estudos sociológicos do bairro. “A área da Liberdade foi a primeira escolhida para a elaboração do IGEPAC-SP dada a sua importância no contexto da cidade. Podemos destacar: carácter da ocupação relativa ao território e sucessivas fases de urbanização; resultados urbanísticos decorrentes dos tipos de ocupação que se dão em toda a área, ou seja, alargamentos e abertura de avenidas, mas também permanências de traçados históricos e de edifícios que, segundo cremos, devem ser evidenciados.” [IGEPAC-Liberdade, 1983, p. 9]

O trabalho gerou uma subdivisão de subáreas para facilitação de estudos e coleta de dados, os quais geraram o conceito de “manchas” que foram áreas identificadas por seu carácter próprio, determinando a identidade da mancha como um todo. E, logo após, foram elaboradas propostas de preservação que consideraram perspectivas possíveis de transformação e verticalização da Liberdade. O casario que é objeto de estudo deste Trabalho Final de Graduação está localizado na subárea 2 do IGEPAC-Liberdade que foi caracterizada pelos técnicos do DPH na época como uma área de grande permanência arquitetônica onde os imóveis eram originalmente residenciais de classe média e operária que com o tempo tornaram-se encortiçados ou moradias unifamiliares com o aluguel barato. “As ruas onde encontramos maior permanência arquitetônica são Sinimbu e a Tomás de Lima e, numa menor escala, a Rua Barão de Iguape e Rua São Paulo. Atualmente esta permanência arquitetônica está

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ameaçada pela crescente tendência à verticalização que significa uma especulação sobre os imóveis desta área. Ao longo da Rua Barão de Iguape, por exemplo, algumas casas já foram demolidas, dando lugar à construção de edifícios residenciais destinados à classe média.” [IGEPAC-Liberdade, 1983, p. 91]

O inventário elencou os imóveis da Rua Sinimbu, de número 5 até a esquina com Zona de preservação de imóveis de caráter

a Rua Lins e os da Rua São Paulo de número 158/168 como proposta para a Z8-

histórico, artístico, cultural e paisagístico. Em

200 15 com carácter de nível de preservação 2 [P2]. Além disso, em maio de 1984

15

1975, através da Lei nº 8.328, decidiu-se utilizar o zoneamento como instrumento de preservação

estudos do IGEPAC-Liberdade recomendaram que o casario da Rua Sinimbu

de bens culturais. Criou-se, assim, a Z8-200,

mantivesse as suas feições externas preservadas no caso de futura intervenção.

que estendeu o zoneamento à preservação de

Infelizmente não foi possível acessar a ficha de inventário específica do imóvel,

imóveis de caráter histórico, artístico, cultural e paisagístico. Este instrumento permitiu ao

mas o relatório alegou nos dados gerais e por meio dos mapas da pesquisa que

Município definir como bens culturais uma

na década de 1980 o conjunto já estava sob situação de encortiçado.

série de imóveis de grande valor histórico para a cidade, na intenção de preservar a memória de

PRIH-Glicério

sua evolução. [SEMPLA, 2018]

Durante a gestão de Marta Suplicy (2001-04) foram concebidos os PRIHs – Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat que consistiam em um programa de intervenção em áreas abandonadas com alta presença de cortiços, que seriam objeto de intervenção integrada. O PRIH-Glicério entrou na etapa de projeto piloto sendo uma tentativa de construção de uma nova intervenção e gestão urbana participativa de áreas centrais. A experiência consistiu na instalação de escritórios locais como extensão do poder público em regiões delimitadas, que tinham como um dos objetivos a elaboração de linhas de financiamento de acordo com o perfil da população que se pretendia atingir com os empreendimentos em projeto ou planejados.

Por meio de algumas oficinas com a população local, a equipe do PRIH-Glicério formulou algumas propostas para o plano de melhoramentos da região, sendo:

Mapa de subáreas do IGEPAC-Liberdade com destaque para a subárea 2 – Glicério Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

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- Valorização da escadaria que conecta as ruas Conde de Sarzedas e Anita Ferraz; - Requalificação de uma pequena “área de lazer” situada numa das esquinas da rua Anita Ferraz; - Tratamento da faixa de “área verde” junto à rua Dr. Lund, que separa as ruas locais do trânsito de passagem junto ao viaduto. Esta faixa, embora estreita, parece ser estratégica para a delimitação do espaço do bairro e para a sua ambientação, além de registrar-se ali uma apropriação incipiente; - Anexação de uma faixa de rolamento da rua Junqueira Freire, sub utilizada, ao passeio de pedestres, integrando-se ao espaço já apropriado pelo público, junto a um bar, numa das esquinas da rua; - Implantação de área de lazer no trecho sem saída da rua Cesário Ramalho; - Ampliação e arborização do passeio da rua Teixeira Mendes,junto ao Pólo da Terceira Idade, que é uma importante referência no bairro; - Reformulação das praças José Luís de Mello Malheiros e Nina Rodrigues, hoje praticamente inacessíveis aos moradores por estarem ilhadas pelo tráfego de veículos. Contudo, na reunião de propostas não foi mencionada nenhuma política específica sobre habitação para o território analisado, em atuação de cortiços ou não.

ZEIS e ZEPEC O plano diretor estratégico de 2016 redefiniu alguns parâmetros da legislação urbana que entraram em conflito com a legislação de preservação (tombamento) em algumas localidades. A Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo foi uma das legislações revisitadas e atualizadas de acordo com propostas que favoreçam o desenvolvimento da cidade pela participação ativa dos poderes público, privado e do terceiro setor. As ZEIS são Zonas Especiais de Interesse Social que priorizam a inserção e produção de

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habitação social nas áreas demarcadas.

A área do casario de estudo está sob uma área marcada por ZEIS 5 que caracteriza lotes ou conjunto de lotes, preferencialmente vazios ou subutilizados, situados em áreas dotadas de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas. No entanto, esta definição e demarcação da lei no lote da Rua Sinimbu pode desconsiderar a importância da préexistência que o conjunto de casas enquanto edifício representa no contexto urbano do território, promovendo a especulação e interesse de construtoras para a concepção de edifícios verticais destinados à HMP [Habitação de Mercado Popular].

O caderno de propostas regionais elenca para a região do Glicério vários objetivos necessários para o plano de melhoramentos de infraestruturas, habitação, saúde e lazer, sendo alguns:

- Atendimento a demanda por equipamentos e serviços públicos sociais de saúde, de educação, de assistência social, de cultura e de lazer e esportes; - Atendimento a população em situação de vulnerabilidade social, a população em situação de rua, a população usuárias de drogas e a população em área de risco; - Qualificação de espaços livres públicos vinculados aos equipamentos públicos, comércio e transporte; - Atendimento a demanda por espaços livres púlicos de lazer e esporte; - Solução dos problemas de saneamento ambiental, esgotamento sanitário e gestão de resíduos sólidos de acordo com o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de São Pulo – PGIRS; - Melhora da acessibilidade e mobilidade local; Promoção do atendimento habitacional e a regularização fundiária de acordo com as diretrizes do Plano Municipal de Habitação – PMH;

Outra legislação de suma importância para a referência cultural na cidade é a ZEPEC (Zona Especial de Preservação Cultural) que demarca áreas do município destinadas

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Mapa com estudo urbano para a área do Glicério sendo de interesse destacar as quadras demarcadas como ZEIS Fonte: Caderno de Propostas dos Planos Regionais das Subprefeituras – Sé, 2016.

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à preservação, valorização e proteção de espaços culturais, afetivos e simbólicos, de grande importância para a memória, identidade e vida cultural da cidade. No PDE 16 foram definidas 4 categorias de ZEPEC, sendo elas:

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Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, 2016.

- Bens Imóveis Representativos (BIR); - Áreas de Urbanização Especial (AUE); - Áreas de Proteção Paisagística (APPa); - Áreas de Proteção Cultural (APC).

Na região do Glicério não foi proposta nenhuma ZEPEC na última revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, em 2016, no entanto este território urbano apresenta diversos locais físicos e não-físicos que emanam a cultura popular paulistana e que estão colocados no Guia do Glicério criado pelo Escritório Social em 2007 da ONG Nós do Centro. “A Baixada do Glicério, cuja história se confunde com a formação de São Paulo, abrigou a esperança de imigrantes italianos, portugueses e japoneses que aportaram por aqui em busca de uma vida mais digna, deixando para trás suas terras, mas não suas tradições e costumes. Mais recentemente, acolheu bolivianos e migrantes do Norte e Nordeste do País. Hoje, cenário da mais antiga escola de samba em atividade, a Lavapés, com 70 carnavais vividos desde 1973, e da União dos Cantadores Repentistas e Apologistas do Nordeste, fundada em 1988, é um caldeirão cultural cravado no coração da maior metrópole do Brasil.” [Guia do Glicério, 2007, p. 9]

Plano Municipal de Habitação O Plano Municipal de Habitação criado em 2016 implementa algumas diretrizes para a habitação social com o Programa de Intervenção em Cortiços que consiste em ações voltadas diretamente à melhoria física dos imóveis, visando a sua adaptabilidade para oferta de moradias em aluguel social privado em condições dignas, e ações voltadas ao atendimento à população moradora nesta condição. O plano estabaleceu a meta de intervenção em 3.200 domícilios em situação de cortiços/encortiçados junto aos proprietários e famílias moradoras.

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O Casario O conjunto arquitetônico é formado por 8 [oito] casas dividas em três tipologias de planta e apresenta características do estilo art nouveau. O seu projeto data de 1913, quando o pedido de construção subtido à prefeitura . As casas fazem parte de um loteamento maior que abrangia a Rua São Paulo, Rua da Fábrica [atual Rua Sinimbu], Rua particular [atual Rua Lins] e Rua Barão de Iguape que objetivava construir 43 casas no local. O terreno pertencia ao senhor Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, que foi Presidente do Estado de São Paulo durante o período de 1908 a 1912 e tinha como formação a carreira de advogado, além de ter sido lavrador também, no interior de Alagoas. A sua entrada na política foi possível por meio de seu casamento com Helena de Sousa Queirós, filha do Senador do Império, o Barão de Sousa Queirós, onde tornou-se fazendeiro, capitalista e teve oito filhos: Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, José de Albuquerque Lins, Antônio de Albuquerque Lins, Carlos de Albuquerque Lins, Ana de Albuquerque Lins, Helena de Albuquerque Lins, Álvaro de Albuquerque Lins e Maria de Albuquerque Lins. O construtor e empreiteiro responsável por esta obra e por outras de Alburqueque Lins e pessoas influentes da época era Manuel Asson, de nacionalidade italiana, com registro entre 1884 e 1904 e período de atuação entre 1906 e 1915, conforme documentos disponíveis no Arquivo Histórico Municipal. Entre suas obras catalogadas está um projeto de galpão na rua Formosa [no Anhangabaú] de1911, casa de comércio da rua São Bento de 1908, residências na Rua Barão de Iguape e o Palacete Santa Helena de 1925 que se localizava na Sé [demolido]. “O palacete projetado pelos arquitetos Corberi e José Sacchetti havia sido concebido para ser o “edifício mais bonito da cidade”. Assim contava o seu proprietário, o tradicional político e ex-presidente do Estado de São Paulo, Manuel Joaquim de Albuquerque Lins. O nome era uma homenagem à sua esposa Helena, o “Santa” foi acrescentado devido à proximidade com a Catedral da

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Prancha de 1913 constando planta baixa de alguns imóveis e implantação do loteamento situado à R. São Paulo, R. Da Fábrica e R. Barão de Iguape Fonte: Arquito Histórico Municipal

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Prancha de 1913 constando planta baixa de 4 [quatro] tipologias dos imรณveis situados no loteamento Fonte: Arquivo Histรณrico Municipal

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Prancha de 1913 constando elevações de 4 [quatro] tipologias de imóveis inseridos no loteamento de Albuquerque Lins Fonte: Arquivo Histórico Municipal

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Sé. O sucesso da noite de inauguração ficou por conta da estreia da comédia “Ideal Prohibido”, muito apreciada pela audiência como mostrou matéria do Estado” [Site Acervo Estadão, 2015]

Retrato de Albuquerque Lins, sem data Fonte: Site Cultura e Viagem

Palacete Santa Helena em construção na década de 20 Fonte: Site São Paulo In Foco

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Prancha de 1911 contendo projeto de barracão sob responsabilidade de Manuel Asson e propriedade de Senador Henrique Sertório Foto: Arquivo Histórico Municipal

O Santa Helena em fase final de construção, por volta de 1924/1925 e a Catedral da Sé [à direita] com suas obras em andamento Foto: São Paulo In Foco

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Prancha de 1908 com detalhamento de planta e fachada de um imóvel destinado à Casa de Comércio na Rua São Bento sob propriedade de Albuquerque Lins Fonte: Arquivo Histórico Municipal

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Prancha de 1913 com projeto simples de residência na Rua Barão de Iguape de propriedade de Albuquerque Lins Fonte: Arquivo Histórico Municipal

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Obras da companhia Light na Rua São Paulo, em 1929. Destaque para o conjunto de casas já construído, à direita da imagem Fonte: Acervo Eletropaulo

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Conjunto de casas do loteamento original entre as ruas Sinimbu e Barão de Iguape em demolição, 1984 Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

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Detalhe da demolição do conjunto espelhado, 1984 Fonte: IGEPAC-Liberdade, 1984

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As edificações foram inventariadas pelo IGEPAC-Liberdade em 1984, inclusive por registro de fotos, mas até o momento não ocorreu nenhuma medida protetiva por parte do poder público e, na época do inventário, o conjunto espelhado que ficava de esquina com a rua Barão de Iguape estava em demolição (com aparência de bom estado) para ceder lugar a um condomínio vertical de classe média. Os imóveis de número 07, 13, 15, 27, 39, 41 e 47 apresentam a mesma tipologia com 3 (três) pavimentos, sendo um porão/subsolo rebaixado quase 2 (dois) metros do nível da calçada (R. Sinimbu); o térreo possui um pé-direito alto e permite acesso ao fundo por meio de um terraço que interliga com o quintal e; o terceiro pavimento com pé-direito alto também. A situação atual das edificações é constituída por subdivisões dos espaços em vários quartos e a conservação geral das edificações é regular/péssima com algumas janelas quebradas e outras que foram substituídas por esquadrias que não respeitam o desenho original da abertura. O reboco da maioria das casas foi alterado, exceto da casa 29 que está com a sua alvenaria totalmente exposta e a 48 que está com a alvenaria exposta e parcialmente em ruínas, porém ambas são possíveis de restaurar. De modo geral, o telhado precisa ser refeito por causa de seu estado de conservação e porque ocorreu substituição das telhas originais por telhas de zinco. A estrutura da habitação, a príncipio, aparentar ser de alvenaria autoportante em todo o grupo de casas. O imóvel de número 47 apresenta uma tipologia semelhante ao conjunto na parte frontal, mas com o seu apêndice de área molhada distinto (inexistente, atualmente). O estado de deterioração deste imóvel é o pior entre o casario, pois apenas resta a casca do edifício, sem telhado e laje intermediária, coberta por grafites e pixações. O edifício de esquina com assobradado número 5 para a rua Sinimbu e comércio

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Casario com fachada para a Rua Sinimbu Fonte: PAC/CDHU, sem data

Situação do casario em 2003, momento da criação e atuação do PRIH Glicério Fonte: PRIH Glicério

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de número 158 é composto por 3 [três pavimentos], sendo que o porão/subsolo é rebaixado quase 60 centímetros em relação ao nível da calçada [Rua Sinimbu]; o térreo e o primeiro pavimento apresentam pé-direito alto e estão subdivididos em quartos e um comércio. O estado de conservação é regular/péssimo, mas a esquina aparenta ter sido reformada com renovação da pintura [fora das normativas de restauro] há pouco tempo.

Detalhe do estado de um apêndice do conjunto com parte das telhas substituídas e da construção de cômodos de madeira no espaço do quintal – Foto: ENDRIGHI, 2011

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Situação interna com exposição irregular de instalação hidráulica Fonte: ENDRIGHI, 2011

Detalhe para o acesso da parte frontal aos fundos [quintal, varanda e porão/subsolo] Fonte: ENDRIGHI, 2011

146

As Casas da Rua Sinimbu


Detalhe para demolição na fachada da casa 27 que rompe com o desenho da abertura Fonte: MOREIRA, 2018 Situação externa da fachada para a Rua Sinimbu em 2018 Fonte: MOREIRA, 2018

As Casas da Rua Sinimbu

147


Adaptação de local para varal de roupas Fonte: ENDRIGHI, 2011

148

Vista do subsolo com forte umidade nas paredes e piso irregular

Detalhe para o par de casas localizado na esquina da Rua Sinimbu com a Rua Lins, em ruínas

Fonte: ENDRIGHI, 2011

Fonte: ENDRIGHI, 2011

As Casas da Rua Sinimbu


Análise de interferências físicas e danos Com o objetivo de uniformizar a análise do edifício perante o seu diagnóstico atual de intervenções foi elaborado um Mapeamento de Danos das fachadas externas (Rua São Paulo, Rua Sinimbu e Rua Lins) que auxiliou na capacitação do partido de projeto que dentre muitas premissas, considera e incorpora a préexistência como solução para o problema apresentado. Além disso, o levantamento e mapeamento das alterações apontadas nos edifícios promoveu o estudo e o acréscimo de conhecimento sobre a instrumentalização do parecer de patologias na arquitetura.

Fachada Rua São Paulo - Projeto Original [1910/1911] Redesenho MOREIRA, 2018

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Fachada Rua São Paulo - Mapeamento de danos Fonte: MOREIRA, 2018

150

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Fachada Rua Lins - Projeto Original [1910/1911] Redesenho MOREIRA, 2018

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Fachada Rua Lins - Mapeamento de danos Fonte: MOREIRA, 2018

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Fachada Rua Sinimbu - Projeto Original [1910/1911] Fonte: MOREIRA, 2018

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Fachada Rua Sinimbu - Mapeamento de danos Redesenho MOREIRA, 2018

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158

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Intervenção:

uma proposta de habitação social As Casas da Rua Sinimbu

159


AV. 23 DE MAIO

ESTAÇÃO LIBERDADE

LIGA PRAÇA ALMEIDA JR

CA

AV LIBERDADE

BASE: GOOGLE EARTH, 2018.

160

As Casas da Rua Sinimbu


RIO TAMANDUATEÍ CANALIZADO E TAMPONADO

AV DO ESTADO EXPRESSO TIRADENTES

AÇÃO LESTE-OESTE

ASARIO

RUA DO GLICÉRIO

IAPI VÁRZEA DO CARMO

N GLEBA ELETROUPAULO As Casas da Rua Sinimbu

161


_2002

162

_2005

_2010

As Casas da Rua Sinimbu


0

_2014

_2016

_2018

Detalhe do incĂŞndio ocorrido em 2014 nas casas de nÂş 27 e 39

1

2

As Casas da Rua Sinimbu

163


Partido de Projeto O estudo da preexistência interna constituído por levantamentos técnicos

1 Fonte: G1 / Globo, 2014

exatos e coleta de informações de moradores não foi possível, infelizmente,

2 Fonte: Brazil Photo Press, 2014

pela permanência de tráfico de drogas no interior do edifício. Com base em visitas externas e em trabalhos que estudaram o local foi possível formar um repertório de intervenção para o conjunto. Ademais, foram feitos redesenhos do projeto original, estudos de “as built” realizado em 2011 e análise externa da condição atual. Estes fatores entrelaçados permitiram uma intervenção que considerasse a preexistência e aplicasse novas diretrizes para a promoção de uma habitabilidade salubre. O desenvolvimento do projeto foi constituído por algumas etapas, principalmente no momento de definição da implantação das unidades que poderiam manter a individualidade das casas ou romper com a circulação atual e formar um médio conjunto integrado. Com isso, a decisão final deste diálogo foi composta pelos dois métodos que, unidos, mantiveram a individualidade do casario na fachada externa, que manteve as aberturas existentes e promoveu a conexão entre os apartamentos por uma nova circulação horizontal e vertical de uso comum. A atuação no conjunto foi trabalhada com cautela e praticidade para que existisse a preservação do maior número de estruturas preexistentes e, ao mesmo tempo, o máximo aproveitamento do espaço para inserção do maior número de unidades possível. O projeto é formado por três pavimentos [subsolo, térreo, primeiro andar] que mesclam usos de habitação, comércio e serviço privativo [do conjunto]. Além disso, as premissas expostas no projeto contemplam a Lei Moura como parâmetro principal para a concepção dos espaços na questão da iluminação, ventilação, área e usos.

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rua são paulo

rua sinimbu

Escala 1:200 Implantação - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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A intervenção apresentada foi marcada por algumas decisões rígidas, sendo: - Rompimento/demolição dos muros que dividiam os lotes, nos fundos; - Abertura de corredor central, no primeiro piso, para unificar e interligar os novos caminhos internos do edifício; - Constituição de uma nova circulação vertical para uso do sistema condominial divida em duas escadas, localizadas em cada extremidade do prédio; - Ativação do subsolo para uso coletivo [lavanderia, salão, espaço multiuso, depósito, jardim e horta]; - Conversão da casa de esquina com a Rua Lins (ruína) em espaço de recepção e acesso principal para o primeiro piso e área externa nos fundos. A restauração das fachadas foi baseada no levantamento atual e nos desenhos de projeto da década de 1910 com o retorno dos detalhes nas aberturas e acabamento da platibanda. A única exceção ocorreu na casa 47 [em ruínas] onde permaneceu a alvenaria visível devido ao grau de desplacamento do reboco e pelo estado de permanência na mesma situação por mais 30 anos, pois registros de 1984 indicam que o imóvel já tinha sofrido um incêndio e, até hoje, não apresentou nenhum gênero de reforma. Além disso, a marcação desta esquina representa o acesso principal do conjunto. As casas foram unificadas, mas mantiveram seus acessos e aberturas previstas no projeto de 1910/1911. A reformulação do layout interno resultou em: - 32 unidades com área variável, de 22 m 2 a 36 m 2, em média, divididas em dois andares e 10 tipologias; - 19 unidades no térreo e 15 unidades no primeiro andar; - 2 espaços destinados para comércio; - Espaços de uso comum [lavanderia, depósito para lixo, salões e área externa com jardim e horta]

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Quintal Quintal Cozinha

Quintal

Quintal

Quintal

D

Dispensa

Quintal

Quintal

Dispensa

Dispensa

Dispensa

D

D

Dispensa

Dispensa

D

D

Dispensa

D

D

Varanda Cozinha

Cozinha

Cozinha

Cozinha

Cozinha

Cozinha

W.C

D

Área

Quarto

W.C

D

Copa

W.CeBanho

Terraço

Quarto

W.C

D

Copa

Sala de Jantar

Terraço

Sala de Jantar

W.C

D

W.C

Copa

Terraço

D

Copa

Sala de Jantar

Terraço

Sala de Jantar

W.C

D

W.C

Copa

Terraço

D

Copa

Sala de Jantar

Terraço

Copa

Cozinha

Sala de Jantar

Sala de Jantar

S

S

S

S

Vestíbulo

Vestíbulo

S

Vestíbulo

Vestíbulo

S

S

S

Vestíbulo

Vestíbulo

Armazém

Sala de Visita S

Sala de Visita S

S

Sala de Visita

Sala de Visita S

S

Sala de Visita

Sala de Visita S

S

Sala de Visita S

Escala 1:200 Planta Térreo -Nível 733.63 - Projeto Original [1910/1911] Redesenho MOREIRA, 2018

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As unidades possuem conceito aberto com sugestão de quarto/sala e individualização da cozinha e do banheiro, fator requisitado por grande parte dos moradores em situação de cortiço e premissa principal para viabilização deste projeto. A lavanderia é alocada no subsolo e formada por 12 núcleos com três tanques [cada um], espaços para máquinas e acesso controlado. As esquadrias e ferragens foram renovadas mantendo uma linha conceitual próxima ao projeto original, apenas diferenciando o material por questão de custo, resistência e tecnologia. O fechamento das aberturas proposto é formado por janelas de aço anodizado [na cor branca] com vidro e venezianas externas. As escadas implantadas são de aço com degrau vazado para facilitar a transparência da ambiência interna e o processo de reforma. A divisão do novo layout é constituída por paredes de gesso acartonado [drywall], com espessura de 0,16 cm, que foram empregadas devido ao rápido processo de aplicação e eficiência térmica e acústica. Além disso, as linhas das novas paredes seguem, de modo geral, o alinhamento interno existente no conjunto e, os banheiros, foram empregados em um sistema único no corpo central para aproveitar a mesma rede hidráulica. Os custos para viabilizar a reforma do edifício podem vir por linhas de crédito de bancos públicos, suporte governamental na aplicação de políticas habitacionais e parcerias com órgãos públicos e privados.

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Dispensa

Cozinha

Varanda

Terraço

Quarto

W.C e Banho

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

D

Quarto

Quarto

Quarto

Quarto

Banho

W.C e Banho

W.C e Banho

D

W.C e Banho

W.C e Banho

W.C e Banho

W.C e Banho

D

Quarto

D

Quarto

D

Gabinete

D

Sala

D

D

Quarto

Quarto

Escala 1:200 Planta Primeiro Pavimento - Nível 737,23 - Projeto Original [1910/1911] Redesenho MOREIRA, 2018

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Processo de projeto MOREIRA, 2018

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Escala 1:200 Planta Térreo - Nível 733,63 - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Detalhe Lavanderia

Piso do jardim em pedrisco

Horta

Escala 1:200 Planta Subsolo - Nível 731,67 - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Escada de aço vazada

Escala 1:200 Planta Primeiro Pavimento - Nível 737,23 - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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174

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Escala 1:100 Corte Longitudinal - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Escala 1:100 Corte Transversal - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Escala 1:100 Fachada Rua São Paulo - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Portรฃo de aรงo anodizado na cor preta

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Esquadria de aço anodizado na cor branca com vidro e veneziana

Alvenaria aparente

Escala 1:100 Fachada Rua Sinimbu - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Escala 1:100 Fachada Rua Lins - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Construir Demolir

Escala 1:200 Planta Demolir-Construir | Térreo - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Construir Demolir

Escala 1:200 Planta Demolir-Construir | Primeiro Pavimento - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Tipologia B

Tipologia D

Tipologia C

Tipologia E

28,24 m2

Tipologia A 59,62 m2

29,92 m2

23,27 m2

24,73 m2

A B

D

C

E

Escala 1:100 Tipologias | Térreo - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Tipologia F 22,03 m2

Tipologia G

Tipologia K

26,87 m2

30,58 m2

1º Piso

K

Térreo

G

F

Escala 1:100 Tipologias | Térreo e 1º Piso - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Tipologia H

Tipologia I

Tipologia L

Tipologia J

26,02 m2

34,46 m2

22,54 m2

36, m2

L H J

I

Escala 1:100 Tipologias | 1º Piso - Projeto de Intervenção MOREIRA, 2018

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Remate

As considerações colocadas aqui refletem indagações e reflexões acerca do processo desenvolvido por este Trabalho Final de Graduação e pela temática desenvolvida no projeto de intervenção. A solução apresentada não é definitiva, sobretudo para todos os casos de encortiçados na cidade de São Paulo, sendo que em certas situações o uso de métodos alternativos para a reforma e promoção da habitabilidade salubre pode auxiliar na melhora dos padrões mínimos, de acordo com a Lei Moura. No entanto, o aporte e aplicação de políticas públicas direcionadas para a reabilitação de cortiços instalados em edifícios históricos é de grande importância para a preservação da memória do edifício e de que o ocupou, bem como do uso de mão de obra técnica para as obras de restauro e intervenção. A realização deste projeto e de semelhantes é um desafio habitacional, de fato, como apontado pelo programa Novas Alternativas no Rio de Janeiro, mas necessário. A viabilização de soluções deste gênero necessita do trabalho conjunto entre as Secretarias de Habitação e da Cultura, além de parceiras externas, principalmente na questão dos custos. Os gastos ocasionados nestas intervenções superam o orçamento de uma obra nova, mas são explicados a médio e longo prazo pelas consequências urbanas geradas na construção da memória e reforço da sustentabilidade na construção pelo aproveitamento de preexistências. A complexidade da temática exige um processo longo embasado em estudos empíricos e sociológicos para que haja uma execução completa que beneficie o bairro e os moradores do conjunto.

186

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A forma de gestão, posterior à entrega dos edifícios, nos projetos habitacionais de baixa renda localizados no centro de São Paulo impacta em resultados mais e menos proveitosos para a comunidade moradora dependendo do 17

O programa de Locação Social oferta unidades

habitacionais a valores acessíveis de aluguel para o atendimento prioritário e da população

acompanhamento técnico existente. Com isso, analisando o Plano Municipal de Habitação, estudos de caso no município e o carácter de transitoriedade

de baixa renda. Atualmente, o parque público

da população de cortiço e do bairro previu-se que a coordenação do espaço

de Locação Social existente conta com 903

fosse feita pelo programa de Locação Social 17, o qual assegura o imóvel ao poder

unidades habitacionais distribuídas entre 6 empreendimentos, todos localizados em áreas

público, garantindo manutenção contínua e proporcionando a prática de um

próximas a região central da cidade.

aluguel baixo para a ocupação da unidade.

[Prefeitura de São Paulo]

Constatou-se também, por meio de depoimentos e pesquisas audiovisuais, que a relação de vizinhança existente no cortiço é significante, mesmo com todos os problemas e insalubridade encontrada nas habitações. Esta forma de morar existe há mais de um século e, não apresenta um desfecho próximo. Posto isso, toda a iniciativa [pública ou não] que favoreça a habitabilidade salubre e preconize a intervenção adequada deve ser incentivada e colocada em prática. O caminhar desenvolvido neste trabalho constituiu um remate para a vida acadêmica e pessoal que elucidou, de maneira geral, os desafios empregados no ofício do Arquiteto e Urbanista na questão do meio técnico, histórico e social. Analisando o trabalho, percebeu-se que poderia existir uma presença maior da participação de pessoas que seriam impactadas pelo projeto de intervenção para reunião de experiência, memórias e sugestões. Contudo, o objetivo e a busca pela habitação social aliada ao patrimônio no centro de São Paulo continuará para que propostas similares saiam da prancheta e viabilizem uma política digna de moradia.

As Casas da Rua Sinimbu

187


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Acervos | Arquivos Arquivo Histórico Municipal Washington Luiz Fundo Prefeitura Municipal de São Paulo Série Obras Particulares Acervo Biblioteca Nacional | Biblioteca Municipal Mário de Andrade Acervo Museu da Cidade de São Paulo

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Fontes Barlow | Karmina Papel Offset 120g/m2 ImpressĂŁo Digital




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