A Liberdade de andar a pé

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A L I B E R DA D E D E A N DA R A P É CA I O L E O N A R D O R O D R I G U E S P E R E I R A O R I E N TAÇ ÃO P R O F. D R . LU Í S A N TÔ N I O J O R G E

T R A B A L H O F I N A L D E G R A D U AÇ ÃO FAC U L DA D E D E A R Q U I T E T U R A E U R B A N I S M O U N I V E R S I DA D E D E S ÃO PA U LO J U N H O D E 2014



para a Selma, por todo o nosso percurso



AG R A D E C I M E N TO S

ao professor Luís Antônio Jorge, pelas valiosas orientações e pela disposição para encontrar regularmente seus orientandos, mesmo durante licença-prêmio; aos meus pais e irmão, por todo o apoio durante a graduação, tendo aguardado ansiosamente por este momento; ao Bernardo Loureiro, André Kavakama e Estêvão Sabatier pela assessoria durante o final deste trabalho; ao Cruz, Tamires e Estêvão pelos raros almoços nos calçadões paulistanos; ao Kim, Raísa, Ane, Leo, Kavakama, Leila, Bernardo e Selma pelas boas reuniões quase semanais e pela Reunião de Críticas aos TFGs; ao João Miguel, Thaís, Gabriel e Victor pelos tempos de graduação na fauusp; ao Eduardo Pompeo, que contribuiu para os rumos e resultados deste trabalho; à Selma em especial, pela companhia, amizade, presença e pelo intenso acompanhamento deste trabalho final, desde o início.



ÍNDICE 9

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

15

ESPAÇO PÚBLICO

23

Espaços públicos na cidade de São Paulo

30

O pedestre na cidade de São Paulo

37

RUAS DE PEDESTRES

41

Projetos de referência para ruas de pedestres

48

Considerações

51

CALÇADÃO DO CENTRO DE SÃO PAULO

55

A implantação do projeto

58

Intervenções

62

Decadência da área central

69

SELEÇÃO DO LOCAL PARA A INTERVENÇÃO

71

Alternativas de intervenção projetual

72

Parâmetros para seleção do local

77

Locais elegíveis para a intervenção

79

A Liberdade

89

O PROJETO

104

Leitura da área

111

Desenhos e imagens do projeto

170

CONCLUSÃO

172

BIBLIOGRAFIA

175

ÍNDICE DE IMAGENS

7



CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este trabalho surgiu da vontade de estudar as dinâmicas dos calçadões do centro de São Paulo, essas notáveis áreas da cidade em que o automóvel dá lugar ao pedestre, principal ator nesse espaço de movimento intenso. Quase todos os dias durante o período em que trabalhei na região do Centro Velho, entre 2013 e 2014, chegava ao centro da cidade às 8h30 da manhã na estação República, Linha Amarela do metrô, e caminhava até o Edifício Martinelli1 por meio dos calçadões. Em vez de fazer o mesmo caminho todos os dias, eu tinha 4 ou 5 percursos preferidos para chegar ao meu destino, variando de acordo com a minha vontade no dia. Em média, todos esses percursos tem algo em torno de um quilômetro de extensão, o que leva entre 10 a 15 minutos a pé, dependendo do passo. Algumas condições influenciavam meu trajeto, como sol, chuva, vontade de tomar um café em determinado lugar, atravessar uma galeria ou outra, ou simplesmente caminhar por alguma rua específica por conta da própria paisagem. A variedade de trajetos possíveis e a variedade de usos presentes fazem com que o passeio pelo calçadão não se torne cansativo, desgastante ou monótono. Um dos motivos para o passeio no local ser agradável é a quase completa ausência de veículos motorizados. Sem precisar parar em mais que dois ou três semáforos, cruza-se o centro da cidade a pé. Assim, o pedestre consegue se deslocar de forma bastante livre nos calçadões, desde que cuide por onde anda, pois a Vista da rua São Bento, a partir do Ed. Martinelli Acervo pessoal, 2014

1 Localizado no centro velho de São Paulo, edifício no cruzamento da avenida São João com a rua Líbero Badaró. 9


área se encontra em mau estado de conservação, com buracos e interferências diversas no passeio, além de viaturas passando vez ou outra. Em raríssimas ocasiões preferi fazer a baldeação da linha amarela do metrô para a linha azul, para então desembarcar na estação São Bento, que fica a menos de cento e cinquenta metros do Martinelli. Acredito que esse percurso pelo subsolo também não agrade a muita gente, apesar de ser um pouco mais direto e protegido das intempéries. Ainda longe de ser um espaço público ideal, os calçadões do centro apresentam baixíssima quantidade e qualidade de mobiliário urbano, fazendo com que grande parte do público que o frequenta seja de pessoas apenas passando pelo local, de um ponto a outro. Quem quiser sentar, que leve seu próprio banco. Em um espaço público ideal e de boa qualidade, os cidadãos se sentem a vontade no local, realizando diferentes atividades que não o mero deslocamento. Nem todos os estabelecimentos comerciais estão abertos logo de manhã, mas o movimento de pessoas indo trabalhar já é de certa forma intenso. Já durante a hora de almoço, a sensação é a de que todos os trabalhadores do centro da cidade estão na rua ao mesmo tempo e é o período em que as ruas aparentemente recebem seu maior movimento, apresentando pessoas dos mais diferentes 10

Percursos diários metrô — trabalho


Barão de Itapetininga pela manhã Acervo pessoal, 2014

grupos, classes, interesses e ocupações, o que é para mim uma característica marcante da região. Essas dinâmicas sociais presentes nos calçadões, aliadas à forte importância que o espaço público teve durante minha graduação na FAU USP, me levaram a pesquisar mais a fundo sobre o que ele é de fato e qual a sua importância para a cidade e para a sociedade, em tempos de aparente crise de representação e de uso das ruas. Ao parar para pensar, o ponto de partida deste trabalho foi mesmo o espaço público, vindo logo em seguida o estudo sobre as áreas pedestrianizadas. A partir do estudo sobre calçadões do centro de São Paulo surgiu a ideia de projetar uma intervenção também baseada na restrição do automóvel particular em benefício do pedestre. A intenção é criar não apenas uma área meramente proibida para os automóveis, mas uma área de qualidade ambiental para seus usuários, que tenha a capacidade de estimular o uso ativo da área pelos cidadãos, sem limitá-los ao mero deslocamento de um ponto a outro, como ocorre hoje. Considerei essencial para realizar um bom projeto de intervenção o estudo de outros exemplos de ruas pedestrianizadas e suas características, somando novos parâmetros à pesquisa, e que certamente influenciaram de forma positiva o resultado final do projeto. Constam também no capítulo de estudo das áreas 11


pedestrianizadas algumas análises sobre o rodoviarismo e suas consequências, pois uma delas foi justamente o processo de restrição aos automóveis em centros históricos, quando o carro se tornou um problema maior, originando as áreas voltadas aos pedestres. Um dos capítulos deste trabalho se refere à busca por um local ideal para o projeto de intervenção. Minha intenção inicial era a de aplicar algumas estratégias utilizadas na pedestrianização de ruas, sem dispor de uma área pré-estabelecida para isso. Para me ajudar nessa minuciosa busca por uma área, reuni uma série de parâmetros que o local deveria apresentar para que o projeto tivesse maiores chances de sucesso, como movimento pré-existente de pedestres e proximidade a eixos de transporte de massa. O projeto de intervenção foi realizado no bairro da Liberdade, zona central de São Paulo, próximos aos calçadões do Centro Velho. Reforço que a área escolhida serviu principalmente como suporte para demonstração de alternativas para a implantação de ambientes de maior qualidade para pedestres, baseado nas condições existentes do bairro, propícias para a intervenção. A intervenção se utiliza de diferentes escalas para criar ambientes mais favoráveis ao estar de seus visitantes. O projeto como um todo não se completa com somente a alteração do viário e da pavimentação do local, precisando de outros elementos de apoio, como mobiliário urbano, vegetação, marquises, paraciclos, entre outros, para garantir que a área não se torne simplesmente um local de passagem, mas de permanência. Em tempo, grande parte das análises contidas neste trabalho se baseiam em observações pessoais de como eu enxergo e avalio a cidade de São Paulo, apesar de contar com dados oficiais e fontes bibliográficas em muitas delas. Além disso, 12


algumas palavras que soam mal para os ouvidos foram utilizadas diversas vezes, como pedestrianização, pedestrianizado ou até mesmo calçadão. Não pude evitar.

Barão de Itapetininga pela manhã Acervo pessoal, 2014

13



E S PAÇ O P Ú B L I C O Ao descrever brevemente como seria a cidade medieval, Jacques Le Goff, historiador francês, cita uma sociedade abundante, concentrada em um pequeno espaço, sendo um lugar de produção e de trocas, em que se mesclam o artesanato e o comércio alimentados por uma economia monetária. O historiador afirma ainda que a cidade medieval é o local em que surge um novo sistema de valores, nascido da prática laboriosa e criadora do trabalho, do gosto pelo negócio e pelo dinheiro2. Durante a Idade Média, viver em cidades era uma maneira de a população se libertar das obrigações rurais da vida servil feudal, vivendo em comunidade. As cidades eram em muitos casos propriedade de um Senhor laico ou de membros da Igreja Católica, assim como os próprios feudos, não sendo portanto comunidades livres de hierarquia horizontal, mas ainda serviam como defesa e forma de sustento de seus cidadãos. Nesse período, as cidades oferecem proteção a seus cidadãos contra forasteiros e contra o mundo externo, se valendo inicialmente de muralhas, penetráveis apenas por aqueles que se relacionassem com a cidade ou seus cidadãos de maneira benéfica e lucrativa. A cidade descrita por Jacques Le Goff não é completamente diferente das grandes cidades em que vivemos hoje. Com o perdão de uma generalização simplificadora e tendo em mente a evolução da técnica e da sociedade, a cidade genérica de hoje é bastante semelhante à cidade medieval, que é sua origem. Temos grande quantidade de habitantes ocupando pequenas áreas, movidos pelos negócios e pelo dinheiro, por meio do trabalho. Boulevard São João Acervo pessoal, 2013

2 LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades: Conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Fundação Ed UNESP, 1998. 15


Hoje as cidades já não funcionam mais como proteção do cidadão em seu interior contra os perigos do mundo exterior. A divisão entre a inclusão e a exclusão de algo se dá em outros termos e em outra escala. Ainda há muralhas físicas dentro das cidades, como proteção de lotes privados e até mesmo públicos, mas há também muralhas invisíveis que fazem com que determinadas camadas da sociedade sejam excluídas de espaços de convívio por razões sociais, raciais ou tantas outras, por mais que a população de uma cidade grande como São Paulo seja de modo geral socialmente heterogênea, como sempre foi. As cidades como conhecemos hoje parecem ter crescido quase que exclusivamente para a realização de trocas econômicas, fazendo com que por muito tempo se esquecesse de seus papéis sociais. Para Richard Sennett, “A cidade é esse estabelecimento humano no qual estranhos devem provavelmente se encontrar”3.

Espaço público, democracia e interiorização da vida pública A partir do século XIX ocorre um progressivo estreitamento da esfera pública, motivada pelo alargamento e interiorização da vida privada. As classes mais altas passam a frequentar determinados locais, como cafés, restaurantes e clubes, voltados para seus semelhantes, evitando assim, conviver com pessoas ou grupos diferentes4. Isso traz consequências para o modo como a cidade é ocupada pelos cidadãos e como eles se relacionam entre conhecidos e desconhecidos. A relação entre os cidadãos é o motivo básico para a existência das cidades, daí a 3 SENNETT, Richard. O declínio do homem público: As tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1976. 4

16

Idem.


Pieter Bruegel, o Velho

Kinderspelen, 1560 imagem 06

17


preocupação quanto ao espaço comum público e democrático, frequentado por todos. Desde fins do século XIX, a distinção entre o público e o privado tem sido uma questão importante para planejadores urbanos. Segundo Manuel de Solà-Morales5, arquiteto espanhol responsável por diversas transformações em Barcelona durante as décadas de 1980 e 1990, fortalecer a distinção entre o público do privado é importante, pois possibilita o aumento da proporção de espaço público em relação ao privado. Distinguir espaços privados de espaços públicos, no entanto não é uma tarefa imediatamente simples, até mesmo pelas limitações do vocabulário em relação ao tema, em que as palavras público e privado têm múltiplos significados e profundidades possíveis. A permeabilidade física de um espaço qualquer não define automaticamente que este é um espaço público por si só, assim como o inverso também é verdadeiro. Espaços públicos não se referem apenas a espaços abertos, assim como espaços privados não se referem apenas aos fechados. Tampouco espaços privados são necessariamente os de propriedade privada e os públicos, de propriedade pública. Há diversas formas de gradação do espaço quanto a sua privacidade ou publicidade. Espaços privados podem ser relacionados a propriedades privadas, mas abertos à população em geral, como é o caso de restaurantes ou shopping centers, assim como podem também ser fechados, restritos, como residências, condomínios ou clubes. Espaços públicos podem ser abertos aos cidadãos, como parques e praças, ou então fechados, como os edifícios institucionais. Há também uma quantidade sem fim de gradientes de publicidade ou privacidade, que depende de diversos fatores. 5 18

SOLÀ-MORALES, Manuel de. A Matter of Things. Rotterdam: NAI, 2008.


O espaço público, como espaço democrático onde as diversas camadas sociais de uma sociedade convivem é fundamental para as cidades, pois os espaços comuns são o motivo da vida das cidades de antigamente e também o serão no futuro6. A relação entre democracia e espaço público é constantemente ameaçada pela hegemonia econômica e política do neoliberalismo, ainda dominante, e também pela estrutura autoritária e hierarquizada da nossa sociedade, marcada pelo predomínio do espaço privado sobre o público7. O espaço público vem a ser fundamental para o resgate da cidade democrática contemporânea, que é “seriamente ameaçada pela dissolução, fragmentação e privatização de seus espaços”8, sendo que a contrapartida, a transferência de espaços privados para espaços públicos, é raramente válida, ainda que ocorra de tempos em tempos. Para utilizar um exemplo paulistano, o chamado Projeto Nova Luz, projeto de renovação urbana da região da Luz, bairro central de São Paulo, foi em parte cedido para a iniciativa privada por meio do uso da concessão urbanística, fazendo com que o poder público municipal tivesse papel menor nas decisões de como se dariam as intervenções ali. O consórcio formado pelas empresas que interviriam na área receberia remuneração sobre a exploração dos terrenos e edifícios resultantes das desapropriações, com o agravamento de que seria o próprio consórcio a decidir quais os terrenos que seriam desapropriados. Ainda que o projeto tenha sido cancelado após a mudança do prefeito da cidade, é um claro exemplo de como o interesse privado avança sobre o interesse 6

SOLÀ-MORALES, 2008.

7

ABRAHÃO, Sérgio Luís. Espaço público: do urbano ao político. São Paulo: Annablume, 2008.

8

BORJA, Jordi. In: Seminário Internacional Centro XXI. São Paulo: 1995. 19


público em uma enorme área da cidade construída, com consentimento do próprio poder público. A mera existência de espaços privados em que os frequentadores são apenas cidadãos pré-determinados e de certa forma escolhidos não é algo necessariamente negativo. A própria vida em sociedade demanda espaços restritos e privacidade, pelos mais diferentes motivos. O problema, no entanto, ocorre quando a distinção de quem pode ou não frequentar determinados espaços se dê de forma antidemocrática e sob forma de conceitos duvidosos. Na cidade de São Paulo não é raro que espaços privados mas abertos ao público, usem de certos preconceitos para restringir seu espaço a determinadas camadas da população, mantendo afastadas geralmente as camadas mais pobres. Tomo como exemplo acontecimentos recentes e recorrentes na cidade de São Paulo, em que jovens de periferia foram expulsos de shopping centers, muitas vezes pela própria força da Polícia Militar, pelo fato de serem estranhos àqueles espaços, apesar de estarem em busca de espaços de consumo e lazer, como os demais usuários do local. Para o arquiteto inglês David Gosling9, shopping centers estabelecem fronteiras de classe, restringindo seu acesso a poucos selecionados. Esses centros de compras tem muitas vezes configurações arquitetônicas que desestimulam seu acesso de outra maneira que não por meio de automóveis. Dessa forma se tornam lugares para que seus usuários participem voluntariamente de uma vida pública restrita entre seus iguais, de forma homogênea, negando outras opções de sociabilidade. 9 GOSLING, David. “Atributos do espaço público no downtown”. In: Os centros das metrópoles: reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI. São Paulo: Associação Viva o Centro, 2001. 20


Novamente de acordo com Sennett, “Quanto mais estreito for o escopo de uma comunidade formada pela personalidade coletiva, mais destrutiva se tornará a e experiência do sentimento fraterno. Forasteiros, desconhecidos, dessemelhantes tornam-se criaturas a serem evitadas.” 10 Dessa forma, às classes inferiores, excluídas e marginais e cidadãos de menor poder aquisitivo, restariam os espaços públicos urbanos como alternativa para socialização e vida pública. Isso gera um forte círculo vicioso de exclusão de uns e de união de outros, “contribuindo com o desaparecimento dos fóruns tradicionais de troca de opiniões e de um jeito civilizado de liberar as tensões de classe”11. Com essa situação, as tensões da sociedade são liberadas de outras maneiras, geralmente com maior atrito. Os shopping centers e outros espaços privados de consumo e lazer, entretanto, não acabaram com a existência dos espaços públicos comuns, mas causaram considerável redução da diversidade e heterogeneidade dos espaços comuns de interação social, fazendo com que eles sejam menos plurais e menos utilizados, gradativamente. De acordo com Regina Meyer, os condomínios fechados e shopping centers são exemplos emblemáticos da nova organização física das atividades urbanas que tiram da rua pública suas funções inerentes e seus papéis. Isso teria causado o surgimento de ruas abrigadas, protegidas e guardadas, o que corresponde a uma nova concepção de cidade12. Esse modelo de cidade de alguns, protegida, se fortalece na década final do século XX e início do século XXI. Nota-se no entanto 10

SENNETT, 1976.

11

GOSLING, 2001.

12

ABRAHÃO, 2008. 21


que com recente ascensão, expansão e maior poder aquisitivo das classes C e D no Brasil, uma maior fatia da população passa a frequentar esses locais privados, de maneira crescente. Os grandes centros de compra e lazer fazem com que o tradicional comércio de bairro perca sua importância, criando outro círculo vicioso, em que quanto maior o número de shopping centers, menor a quantidade e variedade de comércio de bairro ou lojas de rua. Isso faz com que gradativamente haja menos movimento nas ruas, que é trazido em grande parte pelo comércio e serviços, ao mesmo tempo em que o movimento nos centros de compra privados e fechados aumenta. A diminuição do movimento nas ruas resulta também da maior oferta e procura não apenas pelo comércio dentro dos shopping centers13, mas também pela busca por lazer nesses espaços fechados e isolados do mundo exterior. Como demonstração da força de crescimento do setor, segundo a ABRASCE, Associação Brasileira de Shopping Centers14, a cidade de São Paulo alcançou a marca de 53 desses estabelecimentos no final do ano de 2013. Causada principalmente pela interiorização da vida em sociedade, buscada pelas classe média e alta, a tradicional função do espaço público como local de encontro foi reduzida15. Se faz urgente reforçar a função social do espaço como lugar de encontro e como lugar de apropriação pela sociedade, pois se pode dizer que é no espaço público que um indivíduo se torna cidadão, sendo por exemplo mero consumidor nos shopping centers frequentados de forma homogênea por segmentos da população. 13

ABRAHÃO, 2008..

14

ABRASCE. Números do setor. Associação Brasileira de Shopping Centers, 2013

15

GEHL, Jan. Cidades Para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013.

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Herman Hertzberger16 afirma que quanto maior a responsabilidade que os usuários tem sobre uma área, mais estão preparados para cuidar dela. Ele também afirma que “quanto mais uma área for destinada para usos específicos, mais a população vai se apropriar dela, tornando seus usuários, assim, habitantes”. Essas ideias reforçam a teoria de que para promover maior movimento nas ruas, já deve haver previamente movimento nas ruas, de modo que atraia cada vez mais pessoas. Se a população em geral se sentir contemplada pelo espaço público comum, de alguma maneira ela tende a se apropriar deste espaço, cuidando dele diretamente e se fazendo presente. Espaços demasiadamente especializados, por outro lado, podem não servir como atrativo para a população como um todo. A cidade deve oferecer também espaços flexíveis, facilmente cambiáveis para receber diferentes eventos e grupos de variadas idades, classes e com objetivos diferentes entre si.

ESPAÇOS PÚBLICOS NA CIDADE DE SÃO PAULO Apesar da gigantesca quantidade de habitantes da cidade — mais de onze milhões de pessoas17, grande parte das ruas e bairros da cidade de São Paulo sofre com baixo movimento de pedestres, tanto em seus bairros mais próximos do centro quanto nos mais afastados, em diversos períodos do dia. Em uma volta pelo centro da cidade, por exemplo, é extremamente rara hoje a presença de bancos para sentar ou deitar. Esse item básico do mobiliário urbano é fundamental para a manutenção da presença de pedestres no espaço público, 16

HERTZBERGER, Herman. The Public Realm. In: A+U Extra, Abril de 1991.

17

Fonte IBGE. Síntese das informações do município de São Paulo, 2012.

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pois é uma das poucas formas de fazer com que os cidadãos troquem o mero fluxo de um ponto a outro pelo estar. A atividade de estar, assim como de ir e vir a pé, é um indicativo da vitalidade e qualidade do ambiente público. Pessoas paradas, sentadas, encostadas na fachada de um edifício ou dentro de um café olhando para a rua, estão contribuindo de forma decisiva para o bom funcionamento das ruas como local do pedestre e de atividade, evitando que este se torne um espaço sem vida e inseguro. É clara a maneira como o espaço público é tratado de forma secundária e de menor importância na cidade, sendo visível o desincentivo ao seu uso pela população, como no exemplo da ausência de bancos públicos ou de locais cobertos para proteção contra sol e chuva nas calçadas. Na cidade de São Paulo há grande quantidade de vias com movimento de intensidade aparentemente ideal, assim como ruas com movimento de pedestres muito mais intenso do que comportariam confortavelmente. Esses casos ocorrem geralmente em regiões de comércio e serviços intensos. Nos parágrafos a seguir, apresento algumas avaliações pessoais de alguns prováveis motivos da falta de movimento de pedestres na cidade de São Paulo. Essas avaliações são em grande parte fruto de experiências pessoais em alguns bairros da cidade, com foco, obviamente, nos locais em que senti que há o problema da falta de movimento. Apesar de avaliar esses ambientes de baixo movimento pedestre como uma forte imagem da cidade de São Paulo, ela não é uma regra sem exceções. A insegurança afeta a todos os bairros da cidade, tanto das classes mais baixas, geralmente nas periferias da cidade e da metrópole, quanto nos bairros de

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classes mais altas localizados geralmente em áreas centrais, mas também afastados do centro. Por conta do medo, seja da violência ou simplesmente aversão ao diferente, grande parte da população deixa de usar suas ruas, recorrendo ao transporte particular para se locomover em qualquer horário do dia, evitando viagens tanto de transporte público quanto a pé. São Paulo se expandiu com foco no transporte particular, utilizado até mesmo para vencer pequenas distâncias, o que colabora para o esvaziamento e baixa vitalidade das calçadas. Para se ter uma ideia do uso das ruas, aproximadamente 1/3 das viagens na cidade é feita com veículo motorizado particular, assim como 1/3 é realizado por transporte público, e o outro 1/3, viagens a pé18. 18

Companhia do Metropolitano de São Paulo. Pesquisa de Mobilidade Urbana 2012. São Paulo, 2012.

Lentidão na Marginal Tietê, São Paulo imagem 07

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A baixa densidade populacional em grande parte dos bairros, também tem o poder de tornar as ruas esvaziadas e sem vida. A baixa densidade é causada pelo modelo dominante de habitações unifamiliares e também pela grande quantidade de edifícios-condomínio em grandes lotes, com baixa ocupação da área do lote. Esses condomínios têm áreas comuns que simulam espaços públicos, mas protegidos por muros, sem a presença de diferentes classes. Esses são fatores que contribuem de forma decisiva para a diluição e espraiamento da cidade, assim como a diluição da vida nas ruas. No espaço público comum ideal, grupos sociais heterogêneos e homogêneos entram em contato e se relacionam uns com os outros. O histórico espraiamento da cidade prejudica os espaços públicos da cidade de forma clara. Uma coisa é a expansão urbana, que pode ser algo saudável e esperado, e outra coisa é uma expansão recheada de vazios urbanos, com bairros configurados para afastar cada vez mais os novos bairros a serem construídos, em nome de baixíssima densidade habitacional e uma teórica vida mais tranquila na cidade. Ocupando locais cada vez mais distantes do centro, por diversos motivos, a população da cidade vai se tornando rarefeita nesses locais, gerando ruas pouco movimentadas e inseguras. Os shopping centers, conforme já tratado neste trabalho, são também culpados da baixa quantidade de movimento na cidade. Eles podem tanto causar o fechamento de comércios menores e mais frágeis, de bairro, que atraem pessoas para as ruas, quanto fazer diretamente com que as pessoas os frequentem e por consequência deixem de frequentar ruas públicas por diversos motivos, como maior disponibilidade de vagas de estacionamento de automóveis, sensação de segurança, proteção contra as intempéries, grande quantidade de lojas variadas próximas entre si, lazer e para se relacionar com seus semelhantes. 26


Condomínios de edifício no

Condomínios de edifício no

bairro Real Parque

bairro de Interlagos

imagem 08

imagem 10

Rua residencial no

Rua residencial no

bairro do Morumbi

bairro de Interlagos

imagem 09

imagem 11


Em São Paulo há também grande quantidade de ruas sem variedade de usos, monotemáticas, o que as torna inseguras e esvaziadas em determinados períodos do dia, quando não durante todo o dia. Bairros com zoneamento estritamente residencial (ZER) apresentam geralmente baixo movimento de pedestres, justamente pela inexistência de usos variados. Novamente, a ausência de pedestres causa sensação de insegurança por parte dos moradores ou usuários do bairro, fazendo com que de fato não se utilize a rua como espaço público ou nem mesmo como passagem. A presença de comércio ou serviços no térreo de edifícios é um componente importante para o movimento de pedestres na rua. São estabelecimentos que atraem usuários, que aumentam a sensação de segurança e de vitalidade das vias em que se encontram. Na cidade de São Paulo, infelizmente, não é um costume que vem sendo seguido na construção de novos edifícios ou reconfigurações de

Fila para entrar em loja de shopping de SP imagem 12

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edifícios existentes, havendo algumas exceções. O uso misto é essencial para uma boa proporção entre habitação, comércio e serviços em uma cidade ou bairro, que é por sua vez, essencial para a presença de pessoas e coisas acontecendo nas ruas. São Paulo não é uma cidade amigável para com o pedestre ou o ciclista, que são os usuários dos meios de transporte mais lentos e mais próximos das edificações, em relação a motoristas ou usuários de transporte público. Por conta dessa maior proximidade com as fachadas dos edifícios, são os grupos que mais tendem a eventualmente parar para olhar vitrines em comércios no térreo, restaurantes ou cafés, sentar em bancos ou praças ou simplesmente passar seu tempo livre em um espaço público aberto, trazendo de alguma forma movimento para as ruas e por consequência, maior sensação de segurança e sensação de que algo ocorre. Segundo o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, planejador de espaços urbanos e consultor de qualidade urbana, a vida na cidade é um processo de auto-reforço: algo acontece porque algo acontece porque algo acontece e por aí vai.19 Essa maneira de enxergar a questão da vitalidade dos espaços públicos parece valer para grande parte das questões aqui elencadas sobre os motivos de algumas ruas das cidades terem pouco movimento, ou melhor, menos movimento do que o necessário para espaços públicos saudáveis. Falta algo acontecendo nas ruas para incentivar que algo aconteça. No geral, a cidade de São Paulo tem espaços públicos de baixa qualidade, e como forma de fruição, de estar nas ruas para simplesmente caminhar ou se sentar, em baixa quantidade, o que é uma importante causa para o fraco movimento de pedestres. 19

GEHL, Jan. Cidades Para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013 29


A falta de qualidade no uso das ruas não é necessariamente causada pela população, sendo muitas vezes resultado de décadas de descaso com o espaço público

Calçada da Avenida Paulista imagem 13

e pela forma como a cidade é construída e utilizada. Isso se dá por diversos

Rua Oscar Freire

motivos, que são em grande parte círculos viciosos, em que quanto menos movi-

imagem 14

mento há nas ruas, menos movimento poderá vir a receber. A população utiliza as ruas de São Paulo meramente como forma de passagem, e não de estar, como não poderia deixar de ser, devido à qualidade atual. Qualificar esses espaços com melhores condições para o pedestre não de maneira pontual, mas de maneira integrada, é fundamental para um movimento saudável nas ruas. O PEDESTRE NA CIDADE DE SÃO PAULO A metrópole de São Paulo cresceu de maneira desordenada durante os séculos XX e XXI, com base no transporte automotivo particular, que permite o transporte de porta a porta por longas distâncias. Apesar da sensação de modernidade que essa alternativa de transporte traz, ela exige extensas áreas da cidade meramente para existir e funcionar. A relação entre o automóvel particular e o desenvolvimento / espraiamento da cidade faz com que praticamente tudo o que venha a ser construído esteja cada vez mais longe do centro, de uma maneira que poderia ser evitada e retardada 30


por algumas décadas se houvesse planejamento de ocupação do solo diferente. O automóvel, porém, não castiga a cidade de São Paulo apenas com o afastamento da cidade. Suas dimensões exageradas para transportar poucas ou apenas uma pessoa por viagem fazem com que o congestionamento causado por milhares deles todos os dias seja um grande problema para a vida dos cidadãos. A faixa da rua destinada ao transporte motorizado é geralmente utilizada de forma exclusiva e dominante por parte dos motoristas de automóveis particulares. Com exceção das vias em que há corredores exclusivos de ônibus ou até mesmo faixas à direita reservadas ao transporte coletivo, os automóveis particulares dominam quase a totalidade da área das vias urbanas. Ciclistas e motociclistas se aventuram entre os corredores formados pelos automóveis quando Avenida Radial Leste imagem 15

o espaço na pista lhes é negado pelos motoristas. Logicamente, aos pedestres restam as calçadas, geralmente estreitas.

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Nessa virada de década percebem-se entretanto algumas mudanças de mentalidade do paulistano em relação ao transporte automotivo e sua relação com a cidade e com os outros meios de transporte, como o transporte público e os transportes não-motorizados, como bicicletas e viagens a pé. Grande parte das avenidas da cidade receberam ou irão receber faixas de ônibus onde até então o espaço era compartilhado entre automóveis particulares e o transporte público, não havendo prioridade ao transporte público, que tem maior capacidade de transporte de passageiros e ocupa menos espaço físico para tanto. Como exemplo da mudança de priorização em relação a meios de transporte, a Prefeitura de São Paulo implantou entre Janeiro de 2013 a Abril de 2014, cerca de 327 quilômetros de faixas exclusivas de ônibus20, e pretende retirar até 40 mil vagas de estacionamento de automóveis pela cidade para implantar 400 quilômetros de vias cicláveis até o final de 201621. Claro que a perda de espaço do automóvel particular na cidade faz com que medidas prioritárias ao transporte público sejam impopulares entre boa parte da população, que hoje tem maior acesso a automóveis, mas a esperança é de que com o tempo, parte da população que hoje se locomove apenas de carro passe a utilizar o transporte público por conveniência e maior velocidade. Na cidade de São Paulo não é comum que pedestres desfrutem de suas ruas como espaço público de estar e permanecer. Esse fraco uso das calçadas se deve 20 FOLHA DE SÃO PAULO. Faixas elevam velocidade de ônibus, mas prejudicam carros em SP. Cotidiano. Folha de São Paulo, 14/06/2014. 21 FOLHA DE SÃO PAULO. SP vai retirar até 40 mil vagas de estacionamento para fazer ciclovias. Cotidiano. Folha de São Paulo, 04/05/2014. 32


à própria falta de movimento nelas, à falta de mesas e cadeiras nas calçadas, à situação física das calçadas, à sua estreiteza que impede o uso, grande quantidade de interferências no passeio, à falta de atividades no espaço público, entre outros motivos. As atividades realizadas por pedestres na cidade, de modo geral se resumem a meras necessidades dos cidadãos; ao dever de ir ao trabalho e voltar para casa, transportar bens e produtos, passear com o cachorro. Há, obviamente, o uso ativo e saudável das calçadas também, com ou sem objetivos, tanto pelo mero passeio por si, quanto para frequentar bares, restaurantes, reuniões de grupos ou o que for, mas esse modo me parece ser uma utilização tanto menor e menos frequente do espaço público, da rua, da calçada.

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Mesas na calçada em

Mesas na calçada em

bares no bairro Vila Madalena

bares no bairro Vila Madalena

imagem 16

imagem 17

Mostra de Cinema Internacional exibição ao ar livre sob vão do MASP imagem 18

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Artista no calçadão do Centro Novo Acervo pessoal, 2014

Minhocão aos domingos Raísa Drummond, 2013

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RUAS DE PEDESTRES “Atualmente, experimentamos uma facilidade de movimentação desconhecida de qualquer civilização urbana anterior à nossa e, no entanto a movimentação se tornou a atividade diária mais carregada de ansiedade. A ansiedade provém do fato de que consideramos a movimentação sem restrições do individuo como um direito absoluto. O automóvel particular é o instrumento lógico para o exercício desse direito, e o efeito que isso provoca no espaço público, especialmente no espaço da rua urbana, é que o espaço se torna sem sentido, até mesmo endoidecedor, a não ser que possa ser subordinado ao movimento livre.”22 As ruas são os elementos fundamentais e lógicos para a retomada da escala humana das cidades, que sofreu e foi perdida com o surgimento e proliferação dos automóveis. Os primeiros automóveis chegam em São Paulo logo no início do século XX, sendo apenas importados até os anos 1920, quando a Ford e a General Motors instalam fábricas no estado, fazendo com que os automóveis passassem a ser também montados no país. A quantidade de automóveis no Brasil cresceu acentuadamente, porém, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial com a volta a certo estado de normalidade no mundo após o conflito e retomada da intensidade das exportações e importações. O sistema de bondes sobre trilhos passou a ser instalado na cidade de São Paulo a partir do ano de 1872, ainda movidos por tração animal, com o propósito do transporte urbano de passageiros. Apenas no ano de 1900 seriam inaugurados Calçadão Centro Velho Acervo pessoal, 2014

22

SENNETT, 1976. 37


os primeiros bondes elétricos, administrados e implantados pela São Paulo Light, chegando em seu auge à marca de 353 quilômetros de trilhos pela cidade. A partir dos anos 1920, o bonde passa a dividir seus usuários com o sistema de ônibus urbanos, que tem a vantagem de não ter a necessidade de seguir trilhos pré-estabelecidos, sendo um sistema de transportes mais flexível.23 Por conta da soma de diversos motivos, a malha de bondes de São Paulo foi sendo progressivamente desativada, até que o último bonde da cidade foi desativado em 1968. Em relação ao transporte público urbano, o fim desse sistema provocou a supremacia absoluta do ônibus, segundo Fernando de Mello Franco. Com isso, “mais uma limitação para o crescimento extensivo e de baixa densidade havia sido superada em São Paulo”. Os padrões de transportes urbanos foram alterados drasticamente com sua base sobre o transporte por automóveis e ônibus, influenciando completamente como a cidade viria a ser estabelecida. Com o transporte automotivo particular pode-se ir mais rapidamente a lugares mais distantes, o que é bastante conveniente. O automóvel inicia uma nova etapa de construção da autonomia do ser humano em relação às formas de estar no espaço, sendo um passo importante para a construção de uma condição de independência.24 Por outro lado, paralelamente ao sistema de ônibus, o automóvel permitiu e induziu o crescimento de cidades ou metrópoles de dimensões descontroladas e sem precedentes até então, em que grande parte da população deve atravessar diversos bairros para chegar a seus empregos ou outros destinos finais. 23 FRANCO, Fernando de Mello. A Construção do Caminho: A estruturação da metrópole pela conformação técnica das várzeas e planícies fluviais da Bacia de São Paulo. São Paulo, USP. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, 2005. 24 38

Idem.


Ainda que não necessariamente se utilizem do transporte particular para suas viagens entre casa e trabalho, os usuários de transporte público estão sujeitos à lógica de cidade imposta pelo transporte motorizado, pois de qualquer forma, as cidades já tem suas dimensões baseadas na possibilidade de longas viagens diárias de ida e volta. Em tempos de vontade e esforço pela reocupação das ruas da cidade de São Paulo por seus moradores e debates sobre quais as melhores formas de transporte para os cidadãos, é de primeira importância a discussão da volta das ruas para os pedestres, em detrimento do transporte motorizado. O tráfego pesado de carros não coexiste pacificamente com os usos da cidade como lugar de encontro e comércio25. Tendo em vista as consequências do modelo rodoviarista para a configuração da cidade contemporânea, como o espraiamento da malha urbana e a destinação de grande parte da cidade física para o mero deslocamento da população, algumas cidades, sentindo a urgência de combater essa lógica, propuseram limites para a circulação do automóvel em seus centros históricos. A conversão de ruas destinadas aos automóveis em ruas voltadas exclusivamente para pedestres nos centros históricos ou regiões de comércio intenso começa nos anos 1960 e é fortalecida durante os anos 1970. Cidades europeias interessadas em proteger seu patrimônio edificado dos desgastes decorrentes do tráfego constante de automóveis passam a implantar essas vias exclusivas e a restringir o tráfego automotivo em seus centros. A poluição trazida pelos automóveis deteriora a fachada de edifícios, e nos centros históricos isso é certamente um problema. As vias dos centros dessas cidades são geralmente estreitas por conta do próprio 25

GEHL, Jan; GEMZØE, Lars. Novos espaços urbanos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002. 39


desenvolvimento do centro ter ocorrido em épocas em que o transporte era baseado em tração animal e viagens a pé, e passaram a ser tomadas pelos automóveis a partir do início do século XX, gerando competição entre pedestres e carros, dificultando sua utilização por pedestres, que são no fundo quem utiliza ativamente os edifícios e espaços públicos das cidades. Com as intervenções pedestrianizadoras, essas cidades tinham como objetivo claro, levar seus cidadãos a frequentar e consumir em seus centros históricos, oferecendo melhores condições e conforto aos pedestres, seus usuários.

Estoque da produção de automóveis em Bristol, UK imagem 22

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Rua Strøget Copenhagen, Dinamarca imagem 23 e 24

PROJETOS DE REFERÊNCIA PARA RUAS DE PEDESTRES Neste tópico seguem alguns exemplos de calçadões implantados em centros históricos e comerciais de cidades pelo mundo, anteriores à implantação dos calçadões para pedestres na cidade de São Paulo. Grande parte desses exemplos foi utilizada como referência para o projeto em São Paulo, influenciando a implantação desse modelo de ruas na cidade. Rua Strøget O calçadão da rua Strøget, principal rua antiga de comércio de Copenhagen, Dinamarca, foi implantado em 1962 e viu seu número de pedestres crescer 35% em apenas um ano, sendo seu uso crescente desde então. De início a população havia sido contrária à restrição aos automóveis no local, argumentando que o dinamarquês não tem tradição de vida pública. Apesar do atrito inicial, a utilização intensa da área pela população prova que para haver espaços públicos movimentados e saudáveis para cidade, é necessário fornecer condições para isso26. 26

GEHL, GEMZØE, 2002.

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Se o espaço fornecido à população tiver qualidade e for interessante, é bastante provável que a população vá utilizá-lo. O sucesso da intervenção mostra que apesar das condições climáticas severas do país, a população ainda vai às ruas vivenciar o espaço público e realizar atividades não-obrigatórias. Durante as quatro décadas seguintes, diversas ruas do entorno foram também convertidas em calçadões e liberadas do uso automotivo, como uma rede de vias pedestrianizadas. O centro da cidade teve seus estacionamentos e vagas de carros nas ruas limitados, como forma de evitar e desestimular seu uso na região. Ao mesmo tempo em que se criaram melhores situações para os pedestres, houve forte política para as bicicletas, que hoje tem presença constante na área, assim como os pedestres. Munique O calçadão de Munique, Alemanha, foi construído durante os anos 1967 e 1972, nas principais ruas comerciais do centro da cidade. O crescimento dos negócios no centro comercial durante os anos 1960 levou à melhoria dos acessos e à atração de novos negócios ao centro, o que também atrai o tráfego automotivo, que gerou grandes congestionamentos no centro da cidade. Por conta dessas condições adversas, algumas empresas trocavam o centro da cidade por áreas mais afastadas, fazendo com que o centro passasse a ficar abandonado, servindo basicamente como conexão entre bairros. Com essa situação em vista, optou-se por criar um anel de circulação para os automóveis, ao redor da cidade antiga, fazendo com que o centro da cidade voltasse a ser destinado aos pedestres, com restrições ao transporte automotivo. 42


A logística das mercadorias foi resolvida por meio das ruas auxiliares e horários alternativos. O comércio presente na área pedestrianizada teve logo de início aumento de aproximadamente 20% nos negócios, enquanto as ruas vizinhas, em que ainda era permitido o tráfego automotivo, perderam 20%. Essa relação demonstra como a criação de melhores condições para pedestres funcionam como incentivo para o comércio local e que um maior movimento de pedestres nas ruas tem consequências diretas no êxito dos negócios. Com a implantação de melhores condições ambientais para quem trabalha, passeia ou compra, o movimento de pedestres no centro da cidade cresceu de 72000 pessoas por um período de 12 horas em 1966, para 120000 pessoas Calçadão de Munique imagem 25 e 26

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durante o mesmo período em 1972. Havia inicialmente certa apreensão quanto a capacidade de que ruas tão largas pudessem ser preenchidas pela população, o

Calçadão do centro de Curitiba André Kavakama, 2011

que se provou possível com a implantação de um ambiente com qualidade e que atrai usuários por conta de suas atividades. O projeto foi utilizado como referência direta para a construção dos calçadões do centro de São Paulo, tanto como conceito quanto aos materiais, sendo que o próprio Secretário de Planejamento da Municipalidade de Munique, Walter Ulrich Jäger, esteve no Seminário de Revitalização de Áreas Centrais, de 1975, em São Paulo, em que diversos planejadores urbanos, técnicos e políticos realizaram palestras sobre o a revitalização de áreas centrais27.

27 COGEP. Seminário Revitalização das áreas centrais. Coordenadoria Geral de Planejamento. São Paulo, 1975.

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Centro de Curitiba imagem 28


Curitiba Curitiba passava durante os anos 1960 e 1970 por problemas semelhantes a diversas cidades pelo mundo em relação ao uso excessivo de automóveis particulares e perda da qualidade do centro da cidade, com a fuga da população para áreas mais distantes. Com base em experiências internacionais, a municipalidade decidiu testar a solução que algumas cidades estavam implantando para tentar resolver esses problemas. A pedestrianização e restrição automotiva foi implantada pelo arquiteto então prefeito da cidade Jaime Lerner, que era na época prefeito biônico da ditadura militar no país. Primeiro calçadão implantado no país, em 1972, a Rua XV de Novembro tem um trecho de cerca de 650 metros de extensão voltado exclusivamente para o pedestre, cortado de quando em quando por ruas automotivas transversais. A rua já era na época um importante eixo comercial na cidade, e sua proibição ao tráfego automotivo fez com que posteriormente algumas outra ruas na região recebessem o mesmo tratamento, pois a experiência foi bastante positiva. O calçadão de Curitiba também influenciou a implantação da mesma estratégia para espaços públicos no centro de São Paulo, sendo que o próprio Jaime Lerner também compareceu ao Seminário realizado pela COGEP (Coordenadoria Geral Planejamento), em São Paulo, para tratar da pedestrianização de ruas na cidade28.

28 COGEP. Seminário Revitalização das áreas centrais. Coordenadoria Geral de Planejamento. São Paulo, 1975. 45


Alternativas para projetar cidades mais favoráveis ao pedestre Em grande parte da cidade de São Paulo, as vias urbanas tem baixa qualidade por mera propagação do modelo de cidade em que não importa como a rua ou avenida será utilizada, desde que se priorize o transporte motorizado individual acima de todo o resto. Com a substituição deste modelo por outro em que as prioridades sejam trocadas, os cidadãos tem muito a ganhar. Para isso, não é necessária a demolição da cidade existente, mas algumas intervenções localizadas podem ser úteis. Intervenções de menor escala e complexidade podem ajudar as cidades na construção de ambientes com maior qualidade e segurança para os pedestres. Para citar alguns exemplos: vias largas com muitas faixas para automóveis podem ter sua largura diminuída em cruzamentos com ruas de movimento intenso de pedestres, para facilitar a travessia dos pedestres. Vagas para automóveis nas ruas podem ser desativadas em lugares estratégicos para combater sua poluição visual e espacial, fornecendo inclusive área maior de calçada. Avenidas podem ter mais faixas de travessia de pedestres com semáforos, onde forem necessárias. Quanto maior o raio de curvatura de uma calçada em esquina, maior a velocidade que o automóvel consegue desenvolver para virar à direita, por exemplo. Neste caso, a calçada da esquina poderia ser avançada em direção à pista, diminuindo seu raio de curvatura, e obrigando o automóvel a baixar sua velocidade, com menos risco de atropelamentos de pedestres. Calle Florida, Buenos Aires Acervo pessoal, 2010 Times Square, NYC imagem 30 La Rambla, Barcelona imagem 31

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CONSIDERAÇÕES A destinação de áreas da cidade para determinado tipo de transporte influencia de forma direta a intensidade de seu uso no local. Tomando como base o que afirma Jan Gehl sobre o tema em seu livro Cidades Para Pessoas29, melhores condições para motoristas atraem mais motoristas; melhores condições para ciclistas, atraem mais ciclistas; logo, melhores condições para pedestres atraem mais pedestres. Creio que essa matemática faça sentido, pois a sociedade costuma responder a esses estímulos da maneira esperada, por exemplo no caso da construção de ciclovias na cidade de São Paulo na Marginal Pinheiros ou na avenida Eliseu de Almeida, ou até mesmo nas ciclofaixas de fins-de-semana: onde antes o movimento de ciclistas era pequeno porém existente, com a implantação dessas medidas é visível o aumento no uso dessas vias por parte dos ciclistas. Com a re-inauguração da Praça Roosevelt, no Centro de São Paulo, o local se tornou um ponto de encontro para skatistas, que agora frequentam em peso a praça, vindo de toda a metrópole para isso. Essa nova vocação da praça se deu pela melhoria das condições para a prática do esporte, por conta da pavimentação lisa, localização central na cidade e também por conta dos bares e restaurantes que geram bastante movimento nas redondezas. As áreas reservadas aos pedestres devem ter extensão compatível com o movimento e fluxo de pedestres na região. Se o movimento real for aquém do necessário ou do esperado, essas áreas perdem o caráter de instrumento de revitalização do local em que são implantadas30, podendo vir a criar áreas inseguras e meramente limitadas aos automóveis, sem necessariamente prover maior 29

GEHL, Jan. Cidades Para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013

30 SCARINGELLA, Roberto. In: LEME, Mônica Bueno. O calçadão em questão: 20 anos de experiência do calçadão paulistano. São Paulo: Belas Artes, 2000. 48


qualidade do passeio para os cidadãos. Esse tipo de intervenção faria com que essa ferramenta utilizada para melhorar a qualidade ambiental para os pedestres se tornasse um mero objetivo encerrado em si mesmo, o que não é benéfico nem para pedestres, nem para motoristas Já áreas com intenso movimento de pedestres nas ruas, com comércio e serviços atrativos são boas áreas para a restrição dos automóveis, ainda mais em situações em que já haja certa rivalidade entre motoristas e a intensa passagem de pedestres atravessando as ruas e caminhando ao longo delas, entre os automóveis. As áreas pedestrianizadas devem estar localizadas idealmente próximas a eixos de transporte de massa, que tem o poder de trazer maior movimento à região, sem a necessidade do uso de automóveis particulares. Deve haver preferencialmente nessas áreas locais para passear tranquilamente, descansar, sentar e mover-se sem meta precisa, atraindo a população e fornecendo subsídios para que os cidadãos passem seu tempo ali, assistindo ao movimento, consumindo, se relacionando-se publicamente e ocupando suas ruas.

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CA LÇA DÃO D O C E N T R O D E S ÃO PA U LO

O centro de São Paulo já enfrentava as dificuldades de uma metrópole de país em desenvolvimento durante os anos 1960 e 1970. O trânsito automotivo passou a se intensificar, gerando congestionamentos, a criminalidade crescia, assim como a quantidade de moradores de rua, que já habitavam as ruas centrais. Havia também o aumento da quantidade de cortiços na região. Esses e outros fatores fizeram com que boa parte da população paulistana se afastasse do centro, procurando locais afastados em que ainda não houvesse esse tipo de problemas às portas de suas casas e trabalhos, vivendo de preferência estritamente entre seus iguais. O calçadão do centro de São Paulo é implantado a partir de 1974, como solução para os conflitos diários entre automóveis e pedestres na região, aliando a isso uma tentativa de valorização da área central, proporcionando melhor qualidade ambiental para seus usuários, para com isso atrair maior movimento de pedestres. Na época, um dos grandes vilões responsável pela deterioração do centro da cidade era o trânsito de veículos, não apenas em São Paulo, mas em diversas cidades pelo mundo. O traçado irregular das estreitas ruas do centro segue a malha inicial da cidade, prevista para atender as necessidades de uma então pequena cidade que usa a carroça como meio de locomoção. O automóvel, já mais disseminado pela população, necessita de mais espaço, fazendo com que boa parte das vias seja destinada estritamente a esse meio de transporte. Vista para calçadão no centro de São Paulo Acervo pessoal, 2014

A cidade vê a quantidade de carros crescer rapidamente a partir dos anos 1950, sem conseguir proporcionar a infraestrutura necessária para esse novo problema 51


Congestionamento no Centro de São Paulo, 1969 imagem 33 Ruas comerciais no Centro de São Paulo, 1976 imagem 34

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urbano de maneira satisfatória, mas já cedendo enormes extensões do espaço urbano para esse meio de transporte. O espaço dos pedestres se tornou bastante reduzido em relação ao espaço destinado aos automóveis e esse modelo de urbanismo foi aplicado em toda a metrópole de São Paulo, que viria a sofrer durante muito tempo com essa opção urbanística, até os dias de hoje. O tráfego intenso de automóveis não trazia necessariamente mais consumidores e trabalhadores ao centro da cidade, que poderiam vir a ocupar suas ruas não apenas como meios de passagem, mas como fruição. O centro da cidade de São Paulo era também seu centro geográfico, que realiza as conexões entre os bairros, fazendo com que grande parte do tráfego ali presente fosse meramente como forma de passagem de um bairro para outro, o que foi ganhando intensidade conforme a cidade se expandia e se afastava do centro, atingindo cada vez mais áreas mais distantes. A solução óbvia para essa questão seria aproveitar a então futura chegada do metrô ao centro da cidade para desestimular o uso do automóvel particular. A primeira estação de metrô a funcionar no centro da cidade foi a estação Liberdade, inaugurada em 1975, seguida pela estação da Sé, em 1978, mas suas obras já eram realizadas desde o final dos anos 1960. Ao restringir o tráfego de automóveis nas ruas do centro da cidade, elas receberiam condições ambientais requalificadas31. De acordo com a COGEP (Coordenadoria Geral de Planejamento32), seria fundamental para o sucesso do projeto a restituição do lazer no centro da cidade, através de medidas de curto, médio e longo prazo. Haveria incentivo à instalação de bares, cafés, restaurantes e 31 LEFÈVRE, José Eduardo de Assis. In: LEME, Mônica Bueno. O calçadão em questão: 20 anos de experiência do calçadão paulistano. São Paulo: Belas Artes, 2000. 32

COGEP, 1975. 53


Execução do piso de granito

livrarias para as pessoas se encontrarem e se relacionarem, principalmente ao ar livre, nas novas calçadas, aproveitando a vida na cidade. A implantação do calçadão do centro da cidade fazia parte de uma série de melhorias a serem implantadas na região central, reunidas na chamada Operação Centro, desenvolvida conjuntamente pela então SEMPLA, EMURB e CET, órgãos da Prefeitura Municipal de São Paulo. O traçado da área pedestrianizada tem como eixo estruturador a conexão entre três dos mais importantes espaços abertos da área central, unindo a Praça da República à Praça da Sé, passando pelo Vale do Anhangabaú, criando uma área pedestrianizada de aproximadamente 60 mil metros quadrados. Na época o Vale ainda não havia sido re-transformado em parque, sendo então cortado por vias expressas. Essas vias expressas seriam enterradas apenas na década de 1990 e o parque construído como uma grande laje sobre as vias, reforçando novamente a união dos dois lados do centro de São Paulo, também com restrição aos automóveis. 54

imagem 35 Execução do piso de mosaico português imagem 36


A IMPLANTAÇÃO DO PROJETO A região central de São Paulo passou a ser palco de testes de proibição do tráfego de veículos em 1974, em algumas de suas ruas consideradas estratégicas para a operação, como as ruas Marconi, Dom José de Barros e 24 de Maio, no centro novo da cidade33. Esses testes já causavam certa apreensão nos lojistas dessas ruas, preocupados com seu público e com seu lucro. Um outro problema seria a dificuldade de se receber as mercadorias, pois haveria horários específicos para isso, entre as 21 e 06 horas. A carga e descarga do comércio seria realizada de forma controlada, em ruas pré-determinadas, logicamente fora da área pedestrianizada. A população usuária do centro da cidade e proprietários de lojas na região ficou dividida quanto a intervenção a ser realizada. A municipalidade tentava ainda argumentar com os lojistas que a intenção das intervenções não era prejudicá-los, mas ao contrário, criar condições para que mais pessoas frequentassem o centro da cidade. Alguns lojistas aceitavam bem a pedestrianização, mas outros eram bastante contrários, como este proprietário, em entrevista para o jornal Estado de São Paulo, em 1974: “Esse pedestre que passa por aqui não é nosso consumidor. Nosso freguês habitual vinha para a cidade de carro e não tem mais onde estacionar. Antes das autoridades pensarem em construir um bulevar deveriam pensar em construir garagens para estacionamentos. Nosso movimento caiu 40% e agora em lugar dos automóveis, só existem cavalos na rua.”34

33 COGEP. Diário de São Paulo, 11 de maio de 74. In: Ruas de Pedestres, Coordenadoria Geral de Planejamento, PMSP. São Paulo, 1975. 34

Idem. 55


Os calçadões foram implantados sobre as vias previamente existentes nos centros velho e novo, em ruas que já eram compartilhadas entre automóveis

Imagens dos calçadões do centro de São Paulo após inauguração, década de 70

e pedestres. A pavimentação foi realizada em placas de granito cinza azulado entremeadas por pedra portuguesa branca, em um padrão bastante flexível. As placas de granito são dispostas em formações quadradas compostas por quatro placas, totalizando noventa centímetros de lado. O mosaico português age

Vista para calçadão rua Barão de Itapetininga imagem 37 Serviço na rua

no conjunto como preenchimento das lacunas entre os conjuntos de granito,

Barão de Itapetininga

assentando o pavimento de forma mais orgânica como um todo no terreno. Em

imagem 38

alguns locais esse padrão é diferente, como na rua Barão de Itapetininga, no eixo

Uso dos bancos da

principal entre a Praça da República e a Praça do Patriarca, em que as placas de

rua Quintino Bocaiúva

granito são dispostas em faixas transversais em relação à via.

imagem 39 Mobiliario do calçadão da

O sistema de drenagem das águas pluviais é de modo geral realizado por duas calhas enterradas que correm de modo longitudinal em relação às vias, cujo corte transversal é geralmente feito em quatro águas, fazendo com que a rua seja mais alta em seu eixo e junto às fachadas, de modo que não entrasse água nos estabelecimentos. A fiação elétrica na região dos calçadões foi instalada sob a pavimentação, não sendo aparente no alto de postes como na grande maioria das ruas da cidade. Essa opção foi importante para a criação de um ambiente com qualidade, pois a presença de postes enfileirados nas vias do calçadão já seria um obstáculo onipresente para os pedestres. Já a poluição visual causada pela grande quantidade de fios que estes viriam a receber é algo a se considerar, principalmente no centro da cidade, em que boa parte dos edifícios e ruas tem sua importância histórica, arquitetônica e urbanística. Foram também instalados vasos para vegetação e em algumas vias foram plantadas árvores de grande porte, como na própria Rua Barão de Itapetininga, como 56

Rua Dom José de Barros imagem 40


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uma demonstração de que não há a menor hipótese de se voltar atrás quanto à pedestrianização das ruas e sua restrição aos automóveis. Grande quantidade de variados itens de mobiliário foi instalada na região dos calçadões, criando faixas de remanso, onde o pedestre poderia parar sem obstruir o intenso fluxo de pessoas, além de criar locais separados do eventual tráfego automotivo, que ainda teria certo espaço para viaturas e veículos previamente autorizados, mas não para veículos de passeio. Com a restrição aos automóveis em algumas das principais ruas do centro da cidade, o fluxo de veículos como carros particulares e ônibus urbanos foi desviado por ruas alternativas, frequentemente aumentando seus percursos e fazendo com que tivessem que dar grandes voltas ao redor dessas áreas. Com isso, algumas ruas do centro da cidade dentro da região dos calçadões ficaram de certa forma distantes de suas bordas. Isso fez com que diversos usuários do centro da cidade tivessem que estacionar seus carros em garagens distantes de seus destinos e tivessem de andar a pé até eles, assim como usuários do sistema de transporte público, que desceriam em estações de metrô ou pontos de ônibus relativamente distantes de seus destinos. Essa questão foi objeto de intensas críticas quanto à restrição automotiva, pois o automóvel particular é teoricamente um meio de transporte rápido e independente, que deixa seu condutor na porta de seus destinos, o que passou a não ocorrer mais na região.

INTERVENÇÕES A gestão do espaço, centralizada, garantiu que as primeiras administrações municipais mantivessem a área com a qualidade planejada, como a iluminação pública, vegetação, mobiliário urbano e sua própria pavimentação. 58


Havia inicialmente três tipos de luminárias implantadas na área. Uma delas era Luminárias baixas na rua 24 de Maio imagem 41 Luminária pendente e luminária geral na

composta por postes metálicos de 2,5 a 3 metros de altura, com difusor esférico acrílico, em que eram instaladas lâmpadas incandescentes. Essas luminárias eram instaladas tanto em grupo quanto em fileiras longitudinais em relação às ruas, e por serem de certa forma baixas, se relacionavam com a escala humana. O segun-

rua Sen. Paulo Egydio

do tipo de luminária é o modelo antigo utilizado pela São Paulo Light, revisado

imagem 42

e ampliado, destinado à iluminação geral, evocando uma época da cidade que já havia passado. O terceiro tipo é composto por luminárias pendentes presas por tirantes e cabos de aço às fachadas dos edifícios próximos, utilizada em ruas cuja largura não permitia a implantação dos outros tipos de luminárias.35 Os dois últimos modelos ainda coexistem hoje nas ruas do centro da cidade, enquanto o primeiro só existiu enquanto a Emurb realizou a manutenção da área. Talvez por terem sido o modelo mais próximo do pedestre, feito com materiais mais frágeis e esbeltos, tenham sido depredados em massa ou mesmo destruídos por acidentes. Os resquícios desses postes ainda podem ser vistos no pavimento do calçadão, junto com outras ex-infraestruturas. Simultaneamente à implantação do calçadão, foram instalados em seus limites diversos itens de mobiliário urbano. Na publicação realizada pela EMURB em 35

LEFÈVRE. In: LEME, 2000. 59


1978 sobre a intervenção na área há alguns números da quantidade de cada item instalado. Foram implantadas 1210 floreiras, 600 luminárias e postes, 220 bancos, 15 caixas de correio, 300 lixeiras e 65 orelhões36. Hoje já não há mais bancos nem floreiras nos calçadões da cidade. Absolutamente todos foram retirados e não foram sequer substituídos, como se bancos fossem itens dispensáveis em locais públicos. Esses bancos foram provavelmente retirados das ruas por servirem como cama ou abrigo a moradores de rua e outros excluídos da sociedade, como também devem ter sido alvo de vandalismo, sem que a Prefeitura da cidade se preocupasse em substituí-los. Sem ter onde permanecer nos calçadões, os excluídos teriam menos motivos para perambular pela área, da mesma forma como os outros cidadãos. A não-substituição dos bancos por parte da Prefeitura de São Paulo foi uma medida bastante prejudicial para os cidadãos e para o próprio centro da cidade, pois quase não resta outra opção de atividade nos calçadões, que não seja o mero fluxo, em vez de atividades estacionárias, fazendo com que a presença de pedestres seja diminuída. Assim como o mobiliário, a pavimentação original do calçadão também foi descaracterizada. Décadas de intervenções não-integradas da infraestrutura localizada sob o pavimento como eletricidade, drenagem de águas pluviais, esgoto, telefonia, entre outros, fizeram com que os calçadões fossem permeados por milhares de tampas, grelhas e poços de visita, resultado da falta de cuidado e da falta de monitoramento das empresas concessionárias. Essas intervenções são também responsáveis pela imensa quantidade de reparos realizados na pavimentação, muitas vezes sem o devido cuidado de utilização dos mesmos materiais originais na reconstrução do piso. O tráfego de veículos pesados como carros fortes e outras viaturas também faz com que a pavimentação sofra alterações 36 60

EMURB. Ruas de pedestres. Empresa Municipal de Urbanização, PMSP. São Paulo, 1978.


Mobiliário no calçadão imagem 43 e 44

indesejadas, como depressões nas áreas de mosaico português e pedras de granito quebradas. A pavimentação que temos hoje nos calçadões é preocupante. Há um número sem fim de depressões no piso e falta de pedras no mosaico português, causando poças d’água em toda a extensão dos calçadões, que tem sua drenagem bastante deficiente. Além disso, tanto o mosaico português quanto as placas de granito são materiais extremamente escorregadios quando molhados, ainda mais por serem materiais já desgastados após tantos anos, perdendo seu coeficiente de atrito original. Quanto à questão estética, ao se repor o mosaico português não é levada em conta aparentemente a coloração do material, que em poucos metros pode ser encontrado desde amarelado, passando pelo cinza até o branco puro, da mesma forma que seu rejunte, fazendo com que o calçadão apresente aspecto de descuidado. Durante a segunda metade da década de 2000, em prol de uma melhor circulação automotiva e sob o mesmo discurso da revitalização do centro, algumas vias dos 61


calçadões do centro de São Paulo foram reconvertidas em vias compartilhadas entre automóveis e pedestres, como a Rua 24 de Maio e trecho da Rua Dom José de Barros, que receberam asfaltamento sobre a pavimentação do calçadão. Dessa forma, em vez de pista automotiva ser mais baixa que as calçadas, protegendo de certa forma o pedestre, ela é pouco mais alta que a calçada resultante e não há degrau entre pista e calçada. De acordo com José Eduardo Lefèvre, então chefe do Departamento de Operações Urbanas da EMURB em 1998, outro aspecto que foi deteriorado com o passar do tempo é o dos espaços livres de obstáculos para a circulação de veículos de serviço. Foi prevista no projeto original uma faixa desimpedida de mobiliário e equipamentos para a circulação desses veículos, mas a retirada dos elementos originais e substituição por elementos fora do padrão levou à obstrução da circulação dos veículos e dos próprios pedestres, pois os veículos não possuíam mais a faixa livre, fazendo com que o conflito existente entre veículos e pedestres fosse acirrado. Para o arquiteto, junto com a perda da qualidade ambiental original dos calçadões, perdeu-se também seu sentido de existência.

DECADÊNCIA DA ÁREA CENTRAL Ainda de acordo com José Eduardo Lefèvre37, houve implantação excessiva dos calçadões, baseado nos anos subsequentes, pois o estrato superior da população, que tem condições de escolher os locais de suas atividades, aumentou e a produção imobiliária se encarregou de fornecer em grande quantidade locais para escritórios, residências, comércio e lazer em outras áreas, preferencialmente afastadas do centro da cidade, que na época estava em decadência. 37 62

LEFÈVRE. In: LEME, 2000.


Grande parte dos escritórios acabou se instalando nas avenidas Paulista e Faria Lima e posteriormente nas avenidas Nações Unidas e Luís Carlos Berrini. Isso acabou por fazer gradativamente o centro da cidade se tornar um espaço voltado para o restante da população, fazendo tanto com que o comércio e serviços voltados para as classes mais altas as acompanhasse na fuga do centro da cidade, quanto fazendo com que usos mais populares ocupassem o centro da cidade, o que também reforçou a evasão das classes mais altas. No centro velho da cidade, onde sempre predominaram atividades bancárias, o calçadão se tornava deserto já no final da tarde, com o fim do horário comercial, resultando em áreas inseguras à noite e em finais de semana. Esse problema é visível ainda hoje, sendo que do outro lado do Anhangabaú, no centro novo, onde há maior concentração de atividades diversificadas, a sensação de insegurança nos mesmos horários é um pouco menor, pois há maior quantidade de pessoas nas ruas, por conta de sua aparente maior variedade de usos. O calçadão do centro de São Paulo apresenta hoje intenso movimento durante o horário comercial, tanto no centro velho quanto no centro novo da cidade, em dias de semana e também aos sábados. À noite e aos domingos o movimento de pedestres nas ruas do calçadão é mais baixo, quase escasso, por conta de o comércio não abrir suas portas e pela falta de atividades que atraiam a população e encham suas ruas. O comércio nesses locais não abre por conta justamente da falta de movimento. Esse esvaziamento das ruas, porém, não se dá apenas porque a área é pedestrianizada com restrição aos automóveis, pois outros locais da cidade onde os carros são admitidos também apresentam menos movimento aos domingos e à noite. Shopping centers fogem um pouco a essa regra, pois costumam atrair

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compradores também nesses períodos, por conta das facilidades que apresenta, além da teórica segurança dos que ali estão protegidos. O movimento intenso nas ruas dos calçadões do centro não significa necessariamente que a área está imune a roubos, furtos ou outros problemas semelhantes na região. A região da Sé, onde está localizado o calçadão, apresenta média bastante alta de furtos e roubos em relação ao resto da cidade38. Por conta da alta concentração de pessoas na região dos calçadões e também por conta dessas ocorrências, além das bases comuns da polícia, há algumas bases móveis da instituição estrategicamente colocadas em algumas praças dos calçadões para garantir a segurança. Em uma volta pelos calçadões do centro encontram-se geralmente veículos estacionados ou percorrendo as vias, em pequena quantidade em relação ao número de pedestres, mas que chegam a atrapalhar o fluxo. Desses veículos, grande parte é de viaturas de polícia, CET e carros oficiais, além de carros-fortes, de transporte de valores. É possível encontrar com frequência viaturas de concessionárias fazendo reparos ou manutenção nas caixas e poços de visita da área. Automóveis particulares não costumam atingir a área dos calçadões, tanto pela dificuldade física de fazê-lo por conta de balizadores e calçadas altas, quanto pelo respeito à área restrita. Há em alguns pontos do calçadão cancelas com agentes para fiscalização da atividade automotiva na área, como no Vale do Anhangabaú, cujos edifícios ainda possuem garagens, sendo aparentemente necessária essa forma de controle de acesso. O transporte dos produtos que abastecem o comércio e serviços da região dos calçadões é geralmente realizado por meio de caminhões ou vans, que estacionam 38 66

Secretaria de Segurança Publica. Estatísticas mensais da SSP, 2013.

Avenida São João Acervo pessoal, 2013


nas bordas da área pedestrianizada e levam seus produtos com carrinhos de mão até as lojas ou restaurantes. Não é provavelmente o modo ideal de realizar a carga e descarga em áreas pedestrianizadas, mas é como é feito. Os calçadões do centro de São Paulo ainda seguem hoje com poucas opções para fruição do espaço. Não há bancos públicos para descansar, não há remansos em que se possa parar nas vias sem obstruir o fluxo de passagem dos outros pedestres, não há locais para o simples descanso ou para acompanhar o movimento da rua protegido contra as intempéries. Raros são os estabelecimentos no centro novo que se aproveitam das notáveis largas calçadas para nelas colocar suas mesas. No centro velho há boa quantidade de restaurantes ou bares que tem essa prática, mas não raramente colocam pequenas cercas que separam sua área particular na via pública. Tanto em um caso quanto no outro, há enriquecimento da vida pública nesses locais pelo fato de haver pessoas utilizando ativamente as ruas, e por consequência, atraindo maior quantidade de pessoas a fazer o mesmo, mantendo olhos para as ruas. No centro novo da cidade há grande quantidade de galerias comerciais e de serviços que fazem a ligação pública entre ruas paralelas e perpendiculares entre si, com térreo público e, por vezes, com seus andares superiores públicos também. São edifícios que fazem com que a área de fachadas ativas da cidade cresça, por conta de seus usos internos, variados, e em alguns casos, especializados. As galerias são também utilizadas como mera forma de travessia pelo meio das quadras, protegidas contra o sol e chuva, sendo tão frequentes na região que em muitos casos, umas abrem na direção das outras, propiciando interessantes conexões ininterruptas para os pedestres, através dos calçadões.

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S E L E Ç ÃO D O LO CA L PA R A A I N T E R V E N Ç ÃO Acredito que os projetos arquitetônicos e urbanísticos aconteçam geralmente na seguinte sequência: Parte-se de uma área. Nessa área há um problema a ser resolvido, seja um edifício habitacional a ser construído, uma zona portuária a revitalizar ou uma praça abandonada onde se queira atrair mais público. A partir daí, com base na bagagem cultural e arquitetônica do(s) autor(es), aliadas a eventuais novas referências, propõe-se a intervenção. Essa intervenção visa responder à questão inicial da área por meio do projeto. Este projeto, no entanto, começou de outra maneira. O objetivo inicial era aplicar algumas estratégias projetuais de intervenção em locais públicos. Logo surgiram duas opções: aplicar essas estratégias de projeto em situações genéricas, como quem faz um manual, ou aplicar essas estratégias em uma região existente na cidade de São Paulo, tendo outras dificuldades em relação às questões locais. Determinei que o projeto resultante seria muito mais interessante e factível se estivesse imerso em um contexto, portanto optei pela intervenção em uma área existente. A partir daí embarquei na busca pela área ideal para aplicação de estratégias projetuais urbanas que visam tornar a cidade mais agradável àqueles que fazem a cidade ter sentido, os pedestres. Portanto, este trabalho se aproveita de uma área minuciosamente escolhida por Eixo da Av. São João

meio de uma leitura da cidade de São Paulo, como forma de explicitar algumas

vista a partir do

estratégias de projeto para espaço público, voltadas para a qualidade da vida

Edifício Martinelli Acervo pessoal, 2014

urbana e pública de seus cidadãos. 69


Vista da Galeria Nova Barão para a rua Barão de Itapetininga Acervo pessoal, 2014 Rua Marconi Acervo pessoal, 2014


ALTERNATIVAS DE INTERVENÇÃO PROJETUAL No momento de decisão de qual seria a intervenção a ser realizada na cidade, defini quatro cenários possíveis de intervenção projetual, em que um seria escolhido de acordo com a relevância para a cidade e para o trabalho como um todo. Obviamente a intervenção escolhida deveria ser realista e possível. As alternativas a que me propus foram: a

Projeto de intervenção no calçadão do centro novo.

b

Projeto de extensão dos calçadões do centro

c

Busca por locais interessantes a receberem intervenção de pequena

extensão voltada para pedestres d

Projeto de calçadão em vias que já possuam movimento intenso de

pedestres e que haja conflitos entre automóveis e pedestres. A alternativa a foi abandonada pois corria o risco de se tornar mera repaginação dos calçadões já existentes do centro de São Paulo, sendo um projeto menos interessante que as outras opções. Uma das maiores críticas aos calçadões do centro hoje existentes é sua extensão, que faz com que o comércio tenha dificuldades em efetuar carga e descarga de seus produtos. As distâncias a serem percorridas entre os estacionamentos nas proximidades e os locais de trabalho também são algo a ser levado em conta, ainda que o transporte de massa esteja presente em diversos pontos do centro velho e novo da cidade. A alternativa b, de extensão dos calçadões existentes, portanto, foi também abandonada. 71


A alternativa c era uma das mais favoráveis a serem escolhidas para o projeto, por ser algo visivelmente necessário para a cidade como um todo e com possibilidade de resultados interessantes, mas foi preterida em relação à alternativa d, a selecionada como modo de intervenção. A alternativa d compreende uma área de intervenção de média escala, que se dará com a seleção de vias a serem fechadas para automóveis comuns, privilegiando o pedestre.

PARÂMETROS PARA SELEÇÃO DO LOCAL A partir de leituras durante o estudo teórico sobre espaço público e com base nos projetos de referência e de leitura da própria cidade e de seus espaços, foram definidos alguns parâmetros para a seleção do local da intervenção, como forma de incluir e excluir possibilidades. A eventual presença ou ausência de determinados parâmetros a seguir não foi julgada como imprescindível para a seleção do local, tendo sido esta uma escolha ponderada com base na importância de cada item e relevância para o trabalho. localização no centro de São Paulo A área a receber a intervenção deve preferencialmente estar localizada no centro da cidade, pois é uma área bastante irrigada por transporte público, com trânsito intenso de pessoas, forte presença de comércio e serviços, e a intervenção tem a possibilidade de se relacionar de alguma forma com os calçadões do Centro Velho e Novo da cidade, podendo vir a ser implantada sistematicamente em outros casos no futuro. 72


proximidade a eixos de transporte de massa Julguei bastante importante para uma intervenção que tira espaço dos automóveis e o entrega aos pedestres a proximidade de eixos de transporte de massa, preferencialmente estações de metrô. Uma vez que a intervenção será baseada na retirada de automóveis das vias em questão, faz sentido que os usuários da região tenham facilidade em chegar e também em partir, utilizando de preferência o transporte público, não recorrendo aos automóveis para isso. baixa quantidade de garagens Áreas com grande quantidade de garagens existentes seriam uma questão difícil de se resolver. Havendo edifícios com entradas de garagem na área a ser pedestrianizada, ou os usuários dos edifícios seriam prejudicados por perderem o acesso às suas garagens no caso da proibição total de automóveis na área do calçadão, ou então a própria população usuária das calçadas seria prejudicada, cruzando com automóveis em uma área voltada para pedestres. Nesse caso, quanto maior a quantidade de garagens presentes, menos efetiva seria a intervenção, pois os pedestres deverão continuar a ter cautela ao andar no próprio espaço destinado a eles. movimento diurno e noturno de pedestres Um espaço público saudável tem pessoas presentes em diferentes períodos do dia, exercendo atividades variadas de lazer, trabalho e circulação. Um projeto de calçadão em uma área que não tenha intenso movimento de pedestres dificilmente conseguirá atrair o movimento desejado somente pelo projeto em si. Alguma atividade ou característica do local deve atrair o movimento. O uso misto é o que garante que o local seja frequentado por pessoas com objetivos diversos, e o que faz o próprio comércio e outras atividades funcionarem. 73


Áreas com movimento apenas no horário comercial, como ruas de escritório ou então ruas exclusivamente residenciais não são recomendáveis para esse tipo de intervenção, pois a falta de movimento noturno e em outros horários cria ambientes sem uso, e por isso inseguros. Regiões sem movimento ou com movimento escasso, são bastante presentes no cenário da cidade de São Paulo por conta da forma como a cidade se desenvolveu no século XX. Nesses casos, até mesmo a presença de automóveis pode ser benéfica, pois ainda que não haja pedestres, sempre há a possibilidade da passagem eventual de automóveis, trazendo por um breve momento, olhos para a rua. Ao procurar um local para realizar a intervenção, o movimento inerente à área foi um aspecto bastante importante levado em conta. O local a intervir deve ter como característica o movimento de pedestres em variados horários e dias, exercendo diferentes atividades. Por fim, um projeto de intervenção em áreas com boa quantidade de movimento nas ruas é mais interessante e tem mais chances de criar ambientes urbanos mais utilizados e saudáveis, que atraiam a população para usufruir da área, em contraposição a ruas vazias e monótonas. motoristas versus pedestres A cidade de São Paulo apresenta diversos cruzamentos de vias em que ocorre o encontro constante de grande número de pedestres com o objetivo de atravessar as ruas e automóveis tentando cruzar essas ruas para diversos lados, gerando conflitos em que geralmente o mais fraco sai perdendo. Essa situação pode ser vista em qualquer cruzamento da Avenida Paulista, por exemplo, em que o semáforo que autoriza o pedestre a atravessar a rua é de ciclo 74


demorado, e quando autoriza sua travessia, dura pouco tempo em comparação com o semáforo dos automóveis. Isso faz com que muitos pedestres atravessem as ruas enquanto o farol ainda está vermelho, o que costuma atrapalhar tanto automóveis quanto os próprios pedestres e pode causar acidentes. Um outro exemplo dessa situação é na Rua 25 de Março, em que automóveis ainda são autorizados a atravessar em meio a multidões de pedestres, causando conflitos entre esses dois grupos. Seria interessante para a intervenção que o local contenha algumas das vias em que ocorram constantes conflitos entre automóveis e grande número de pedestres, de modo que se consiga assim resolver essa questão em um exemplo real e localizado. calçadas estreitas demais para o fluxo atual de pedestres Grande parte das vias da cidade de São Paulo possui calçadas irregulares e subdimensionadas. A PMSP define que a faixa livre de calçadas deve ter 1,20m de largura mínima39, porém isso é questionável e depende de diversos fatores, como a relação entre faixa livre e o fluxo de pedestres na via. Calçadas que recebem grande fluxo de pedestres, não tendo dimensões adequadas para isso, fazem com que as pessoas invadam a pista automotiva ou que o próprio fluxo de pedestres seja um empecilho para ele próprio. Além de esta não ser uma situação ideal, pode ainda causar acidentes graves, já que não raramente automóveis andam em alta velocidade, com motoristas despreocupados em relação ao que ocorre fora do automóvel. 39

LEI MUNICIPAL 15.442/11. Legislação sobre calçadas. Prefeitura Municipal de São Paulo, PMSP 2011. 75


Avenida Paulista com a rua Augusta imagem 49 Rua 25 de Março imagem 50

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LOCAIS ELEGÍVEIS PARA A INTERVENÇÃO A partir dos critérios elencados para a seleção da área a receber a intervenção, encontrei quatro áreas possíveis, que respondem a boa parte dos parâmetros, mas dificilmente a todos ao mesmo tempo. Foi uma etapa do trabalho de certa forma complicada, pois é uma tarefa bastante difícil encontrar áreas que contemplem grande parte dos parâmetros propostos em uma cidade como São Paulo. A área deveria, em linhas gerais, ser localizada no centro de São Paulo, estar localizada próxima ou conter estações de metrô em seu perímetro, apresentar pouca ou nenhuma quantidade de garagens de grandes dimensões, ter uso misto, fazendo com que a área tenha movimento diurno e noturno, assim como em fins de semana, recebendo atividades variadas. Com o objetivo de resolver um problema real, áreas que apresentarem algum tipo de conflito entre pedestres e motoristas, além de ter calçadas problemáticas e subdimensionadas, teriam preferência durante a seleção. As áreas consideradas para possível intervenção foram a rua 25 de Março e região, rua Santa Ifigênia e região, Avenida Ipiranga com a Avenida São Luís e a Praça da Liberdade com algumas ruas do entorno. A Rua 25 de Março é famosa pela enorme quantidade de pessoas que passam por ela em todos os dias da semana e em todos os horários, frequentando suas lojas em toda a extensão da rua e em algumas transversais e paralelas. Tendo em vista a dimensão do comércio ali presente e a forma como a população ocupa as vias, por conta das calçadas estreitas e enorme fluxo, é curioso pensar que a região toda ainda é permitida para automóveis de passeio, e não apenas aos que abastecem o comércio. Não é uma região que apresenta habitações em quantidade considerável. 77


A Rua Santa Ifigênia apresenta algumas características de ocupação semelhantes às da Rua 25 de Março, porém com comércio um pouco mais especializado, com a temática dependendo de cada microrregião da rua e do entorno. Está localizada entre a estação do metrô República e Luz. Durante o dia é grande o fluxo de pessoas, que frequentam a rua pelo comércio e serviços ali presentes. Assim como na Rua 25 de Março, as calçadas são estreitas e os pedestres são muitos, fazendo com que eles se apropriem também da pista de automóveis. À noite, porém, com o comércio já fechado, a rua apresenta certo esvaziamento e falta de movimento, pois também é uma região que não apresenta quantidade considerável de habitações. As avenidas Ipiranga e São Luís são duas avenidas unidas fisicamente. Para a possível intervenção seria levada em conta apenas a região entre a Praça da República e a Avenida da Consolação, sendo uma distância facilmente percorrível a pé. Esta região apresenta uso misto, em seus edifícios residenciais e escritórios, intenso movimento diurno de pedestres e certo movimento noturno, alavancado inclusive pela estação de metrô República. A Avenida Ipiranga parece bastante larga no trecho da Praça da República em relação ao fluxo de automóveis e ônibus que passam por ali, sendo que grande parte dos carros é obrigada a desviar do trecho pelo lado oposto da praça. Já a Avenida São Luís, dividida em duas pistas de mão única com canteiro central, tem de ambos os lados calçadas amplas e bem dimensionadas, apresentando no entanto diversas entradas de garagens do lado oposto à Praça Dom José Gaspar. Por eliminação das demais e por ser aparentemente a alternativa com maiores chances de sucesso para o projeto por conta de suas características inerentes, a Praça da Liberdade foi selecionada como o local mais apto a receber a intervenção. Descrição mais aprofundada dos motivos para a escolha da área estão no tópico a seguir. 78


Rua Santa Ifigênia imagem 51

A LIBERDADE

A Liberdade é um bairro localizado no centro da cidade, com certa proximidade aos calçadões originais. Possui algumas estações de metrô em seu entorno, assim como grande quantidade de comércio e serviços. De escala média, a área selecionada compreende a Praça da Liberdade e algumas vias do entorno com grande fluxo de pedestres:Rua Galvão Bueno com o viaduto Cidade de Osaka, Rua dos Estudantes e Rua dos Aflitos, que apesar de ser uma rua sem saída e não apresentar fluxo intenso de pedestres, está incluída na área a ser restrita a automóveis pois sua única via de acesso também está.


A Praça da Liberdade apresenta dentro de seu perímetro a estação Liberdade, que faz parte da linha azul do metrô. Estão localizadas nas proximidades também a estação da Sé, quinhentos metros ao Norte, que une as linhas Azul e Vermelha de Metrô, e a estação São Joaquim, que também faz parte da linha azul, a cerca de oitocentos metros ao Sul. Na área para a intervenção na Liberdade há dois locais com concentração de garagens. Um deles é na própria praça da Liberdade, sob um edifício de aproximadamente 25 andares. Esse edifício possui garagem subterrânea e logo no edifício vizinho há outra entrada de garagem também subterrânea. Essas duas garagens são acessíveis hoje por meio de uma via compartilhada, que atravessa a praça no eixo da Rua Galvão Bueno. A outra rua com garagens é a Rua dos Aflitos, onde se encontra a Igreja dos Aflitos. Essa é uma rua aparentemente de

Avenida Ipiranga imagem 52 Mapa locais elegíveis para intervenção



fundo de lotes, onde é provavelmente realizada a carga e descarga dos edifícios da Rua da Glória e da Rua Galvão Bueno. Há quatro entradas de garagens nessa rua, concentradas em duas pequenas regiões, uma de cada lado da rua. A área selecionada para a intervenção é bastante movimentada durante a semana por conta de seus restaurantes, faculdades no entorno, edifícios institucionais e principalmente pelo comércio e serviços presentes na região, que atraem grande quantidade de usuários, além de certa quantidade de edifícios residenciais nas imediações, que também ajudam a garantir constância de movimento nas ruas. Durante os fins de semana, apesar da ausência dos universitários e trabalhadores dos escritórios do entorno, milhares de pessoas visitam o bairro por conta de seu caráter turístico: há restaurantes, comércio e tradicional feira de artesanato e alimentação. É uma região amplamente utilizada nos períodos diurno e noturno em todos os dias da semana. A Rua Galvão Bueno é uma via que concentra conflitos entre pedestres e motoristas. Durante os fins de semana, em que o fluxo de pedestres e automóveis é mais intenso, as calçadas tradicionalmente estreitas ficam tomadas por pedestres e diversos andam pela pista, dos automóveis. As calçadas da rua possuem diversas interferências, como postes, bancas de jornal, pequenas árvores, banners, entre outros, fazendo com que se torne um terreno de difícil uso. A pista automotiva na Rua Galvão Bueno compreende entre duas e três faixas, sendo que a faixa da esquerda é reservada para estacionamento e as duas outras como pista de rolagem , sendo esta no entanto bastante estreita, fazendo com que passe apenas um carro por vez em alguns pontos. Essas situações criam diversos pontos de conflito entre motoristas e pedestres em grande parte da extensão da rua, principalmente em seus cruzamentos. 82

Rua Galvão Bueno Selma Shimura, 2014.


Como não há semáforo em grande extensão da rua, por não haver cruzamentos em quase 180 metros, a travessia dos pedestres de um lado para outro da rua se dá com dificuldades, fazendo com que eles tenham que desviar de diversos automóveis, ainda que em baixa velocidade. A grande quantidade de pedestres que o bairro recebe todos os dias faz com que muitas de suas ruas e a Praça da Liberdade tenham movimento intenso. Boa parte dessa presença de pedestres, entretanto, limita-se em se locomover pelo bairro, de um ponto a outro, usando o espaço público como mera forma de passagem entre o ponto de partida e o seu destino. Também por conta das restritas dimensões das calçadas do bairro, o pedestre não encontra áreas de descanso ou de remanso onde possa ficar simplesmente parado. Encostar-se nas fachadas, que é uma das alternativas mais comumente utilizadas para se ficar parado em uma rua, é bastante difícil frente ao movimento em algumas ruas da região, mas também por conta de suas péssimas condições físicas e largura diminuta. A feira de artesanato e alimentação, que ocorre junto à Praça da Liberdade durante os finais de semana, atrai grande quantidade de pessoas ao local, garantindo movimento enquanto estiver funcionando. Há também junto à praça, do lado oposto da Rua dos Estudantes, alguns bares e restaurantes que mantém uma pequena quantidade de mesas e cadeiras na própria calçada, atraindo pessoas

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que queiram aproveitar a vida na cidade, no espaço público comum que esta oferece. Há também os próprios consumidores das barracas de alimentação, que consomem os produtos muitas vezes em pé ou na parte externa da estação do metrô, ao ar livre, que é onde conseguem encontrar locais para sentar, como alguns canteiros de jardim ou até mesmo em degraus das escadas, que servem de banco na ausência de mobiliário urbano real. A pavimentação das calçadas da região foi feita de modo geral em ladrilho hidráulico preto e branco instalados aleatoriamente, intercalados vez ou outra por ladrilhos com desenhos simétricos radiais, estando de modo geral em mau estado de conservação. Os típicos postes de iluminação do Bairro da Liberdade são alguns dos elementos que mais chamam a atenção e que mais caracterizam a relação que o bairro tem com sua história como bairro em que se instalaram os imigrantes orientais durante o século XX. Os postes de seis metros de altura são compostos por um perfil de aço de seção circular que parte do solo perpendicularmente, sendo levemente inclinado a partir dos 2,5 metros de altura e inclinado novamente em angulo mais fechado aos 5 metros de altura, alongando-se por quase 3 metros em direção à rua. Seus três difusores acrílicos de aproximadamente 50 centímetros de diâmetro, em conjunto com seu suporte na parte superior do poste, Cruzamento rua Galvão Bueno com rua dos Estudantes Selma Shimura, 2014

tem formato que remete a algum período clássico japonês, assim como a cor vermelha no poste, bastante presente no bairro e componente importante para seu imaginário e memória. 85


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O P R OJ E TO Este projeto tem a intenção de apresentar soluções possíveis para a melhoria da qualidade do ambiente urbano para seus cidadãos, que sofrem em todos os bairros da cidade com calçadas estreitas, impedidas, com degraus ou defeituosas, além de frequentar ruas monótonas ou então ruas em que os automóveis tenham as melhores condições para a circulação, restando ao pedestre o espaço residual. As ruas selecionadas para essa intervenção já recebem intenso fluxo de pedestres, contando com grandes extensões de fachadas ativas, fachadas em que há comércio, serviços ou outras atividades em edifícios junto à rua, em oposição a fachadas compostas por muros, cercas, galpões, etc. Este projeto de calçadão para o bairro da Liberdade foi concebido inicialmente com base na restrição ao tráfego automotivo na Rua Galvão Bueno, rua paralela à Avenida da Liberdade. Essa rua recebe intenso fluxo de pedestres tanto em dias úteis quanto nos finais-de-semana, quando o fluxo de pedestre toma boa parte das estreitas calçadas e invade a pista, fazendo com que haja disputa por espaço entre automóveis e pedestres. Os motoristas enfrentam os costumeiros congestionamentos na rua, causados em parte pela ineficiência dos semáforos na tentativa de organização do trânsito pedestre com o trânsito automotivo, e os pedestres acabam escapando para a pista, à procura de espaço para caminhar, quando as estreitas calçadas estão muito cheias ou obstruídas, causando conflitos entre esses dois grupos.

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A Avenida Radial-Leste corre sob a Rua Galvão Bueno, o que faz com que a rua passe a ser um viaduto nesse ponto de encontro, por cerca de 50 metros. A escavação para a passagem da Radial-Leste sob o bairro dividiu a Liberdade em duas partes, que são costuradas por quatro pontes, distantes entre si por cerca de 100 metros. Esse distanciamento faz com que as ruas que cruzam o vale formado pela avenida tenham cerca de 180 metros de extensão sem cruzar com outras ruas em nível. Ao observar o movimento de pessoas inerente à região, decidi logo de início pela restrição da Rua Galvão Bueno para automóveis. O ponto de partida dessa restrição fica ao Sul do vale criado pela Avenida Radial-Leste, no cruzamento da Galvão Bueno com a Rua Américo de Campos, que é uma rua bastante estreita e onde a ampliação das calçadas não foi possível, pois restaria apenas uma pista para automóveis, o que seria bastante inconveniente. O ponto de encontro dessas duas ruas será elevado em quinze centímetros, fazendo com que as esquinas ao redor fiquem em nível em relação à pista, de modo que o calçadão não termine em seu lado da rua, mas se estenda para a calçada seguinte, fazendo com que o fluxo do pedestre seja mais direto. Os carros chegam a esse patamar elevado por meio de pequenas rampas, que fazem com que o motorista diminua sua velocidade, dando vez ao pedestre. Além disso, os raios de curvatura nessas duas esquinas foram reduzidos, de modo que os motoristas sejam obrigados a reduzir ainda mais a velocidade ao fazer essas curvas. A restrição aos automóveis foi pensada de modo que viaturas de polícia, bomBairro da Liberdade

beiros, ambulâncias e caminhões de coleta de lixo consigam atravessar facilmente

num fim de semana

as vias. Optei pela não utilização de balizadores com controle remoto, pois esse

Acervo pessoal, 2014

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mecanismo garante o acesso a determinadas pessoas, o que se torna complexo em se tratando de veículos de emergência. Penso que o controle de tráfego nesse caso se dará por meio de câmeras de trânsito que registrarem a possível infração do motorista invasor, não precisando de guaritas, como as usadas no Vale do Anhangabaú, por exemplo. A restrição ao automóvel particular se dá basicamente por meio de balizadores fixos, e os calçadões são criados por meio de calçada única entre as ruas escolhidas para a intervenção. Defini três tipos de calçadas, o que acabou por definir o desenho da pavimentação. O primeiro é a calçada comum, exclusiva para o pedestre. O segundo tipo é implantado nas vias compartilhadas entre automóveis e pedestres, em que o pedestre ainda tem a preferência. Já o terceiro é uma pavimentação que age ao redor de toda a área, unindo-a como um todo, indicando a região em que o pedestre não precisa cruzar ruas entre os automóveis, pois as calçadas estão todas em um mesmo plano. Para prosseguir com a intenção de criar áreas de melhor qualidade para o pedestre, notei que seria inevitável unir a área pedestrianizada da Galvão Bueno à Praça da Liberdade, que recebe quantidade igualmente grande de pedestres, tanto pela sua estação de Metrô quanto pelo comércio a toda a sua volta, que também atrai movimento para a praça. Para unir a Praça da Liberdade à Rua Galvão Bueno, no entanto, parece ser também obrigatório restringir igualmente o início da Rua dos Estudantes, que parte da Avenida da Liberdade e passa rente à praça em direção à Rua da Glória. Sendo assim, ao restringir o início da Rua dos Estudantes aos automóveis, faz sentido que se mantenha a via restrita até seu encontro com a Rua da Glória, passando pela Rua dos Aflitos, rua sem saída onde se encontra a Igreja dos Aflitos, uma das mais antigas da cidade. 92


Proposta para o cruzamento entre a Rua dos Estudantes e Rua da Glória

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No encontro da Rua Galvão Bueno com a Praça da Liberdade, há uma via em cul-de-sac, compartilhada entre pedestres e motoristas, que segue rente à praça até Edifício Regente Feijó, o mais alto da região. Essa rua compartilhada existe para fornecer acesso a esse edifício e a outro estacionamento subterrâneo ao lado. Com a proposta de restrição aos automóveis, essa rua compartilhada foi deslocada para o lado da Avenida da Liberdade, diminuindo de certa forma a sensação de que a praça seja dividida por uma via automotiva. Para que essa via seja realizada sem desnível entre a via compartilhada e o restante da praça, optei pelo recurso de balizadores de automóveis em vez de degrau entre calçada e rua compartilhada. A área da Avenida da Liberdade junto à praça tem uma faixa de motocicletas à esquerda, duas faixas de automóveis, sendo uma delas compartilhada com ônibus e há inclusive espaço para o ponto de ônibus, além de ponto de táxi, mais a frente. Mantive as faixas automotivas como já são hoje, mas incluí um recuo para as paradas de ônibus avançando a praça sobre a avenida, deixando este espaço para os ônibus. Mais a frente, próximo ao fim do largo da praça e depois da entrada da rua compartilhada, onde já havia um ponto de táxi, propus outro recuo como o da parada de ônibus para os táxis. A intenção dessas modificações viárias foi deixar

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Cruzamento das ruas Galvão Bueno e Américo de Campos em um sábado Acervo pessoal, 2014


o perímetro da praça livre da presença de automóveis, permitindo que apenas ônibus parem junto a ela, e os táxis, um pouco mais a frente. Para o transporte individual, logo onde a praça termina, nos sentidos Norte e Sul, há locais para estacionamento junto à calçada. Rua dos Aflitos, com entradas de garagens e área de carga e descarga Acervo pessoal, 2014

A Rua dos Aflitos é aparentemente uma rua de fundo de lote, onde há cerca de cinco entradas de garagem, além de ser rua de carga e descarga, provavelmente dos edifícios das suas ruas paralelas, que não tem entradas de garagens. Esse fato não poderia ser ignorado ao se restringir o uso automotivo das vias da região. Por conta das entradas de garagem optei novamente pela utilização de via compartilhada entre motoristas e pedestres. Essa rua compartilhada parte da Rua da Glória e termina próximo ao fim da Rua dos Aflitos, em frente à igreja. Em vez de terminar a rua junto à fachada da igreja, como é atualmente, preferi criar uma praça-remanso, distanciando os automóveis deste que é um bem cultural a ser preservado. As áreas da calçada na Rua dos Aflitos que são exclusivas dos pedestres continuam de certa forma estreitas, mas com a proibição do estacionamento na rua, creio que uma possível disputa por espaço não viria a ser um problema a ser enfrentado. A calçada no encontro da Rua da Glória com a Rua dos Estudantes também foi avançada em direção à rua, criando um remanso e diminuindo a distância a ser 95


Proposta para o cruzamento entre a Rua Galvão Bueno e a Rua Américo de Campos

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percorrida pelo pedestre para atravessá-la, que antes possuía quatro faixas de carros, contando com apenas três no projeto, além de faixas de pedestre. As duas esquinas do lado oposto da Rua da Glória também tiveram seus raios de curvatura reduzidos, fazendo com que os motoristas reduzam sua velocidade ao realizar curvas. O ponto de táxi ali presente foi recuado para criar essa nova área de proteção ao pedestre. É nesse encontro de ruas que está a entrada para a rua compartilhada que leva à Rua dos Aflitos, contando com balizadores em todo o percurso, exceto na curva, para que os veículos de emergência e de coleta de lixo possam atravessar facilmente em direção à praça. A parte externa da estação do metrô da Liberdade é bastante recortada no nível da praça, com diversos canteiros de vegetação e formas geométricas fortes. Por conta de sua geometria, seu perímetro é extenso. Para ir de um lado da estação para o outro, o pedestre deve dar uma volta de distância considerável. Para reduzir a necessidade dessa volta e como forma de união mais próxima das duas partes do bairro separadas pela Avenida da Liberdade, propus uma ponte leve metálica que atravessa a parte externa da estação de metrô em nível com a praça. A ponte se insere de forma contrastante em relação à materialidade da estação existente, em concreto, e da intervenção, em aço, vidro e madeira. O tabuleiro da ponte é composto por chapas de aço corten, sustentado por perfis em aço, com forro da parte inferior em madeira, que conta ainda com iluminação embutida. O guarda corpo da ponte é composto por perfis de aço e painéis de vidro. Os perfis em aço são pintados de preto, garantindo sobriedade à intervenção.

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Rua compartilhada na Praça da Liberdade Acervo pessoal, 2014

Junto a essa ponte, em locais visíveis, mas fora de eixos de circulação, proponho alguns paraciclos em U invertido. Avaliei como um dos melhores locais de toda a área de projeto para prender as bicicletas, por estar em local sempre movimentado e próximo à estação do metrô. A Praça da Liberdade recebe aos sábados e domingos a feira de artesanato e de alimentação, preenchendo o espaço da praça com consumidores e tendas para o comércio dos produtos. A organização espacial das tendas na praça é de certa forma feita sem muito cuidado aparente, pois há grande quantidade delas e os corredores formados por suas configurações se tornam estreitos em alguns casos. Por meio de foto aérea obtive a configuração espacial da praça em uma ocasião, e proponho uma nova para a instalação dessas tendas temporárias durante os finais de semana, garantindo que eixos importantes de passagem se mantenham abertos. 98


Ainda na praça, há alguns restaurantes e bares próximos ao cruzamento da Rua Galvão Bueno com a Rua dos Estudantes que mantém mesas e cadeiras na rua de maneira bastante agradável, com vista para a praça e de certa maneira protegidas do sol. Aproveitando a pré-existência desse tipo de uso, determinei uma pequena área junto a esses restaurantes, propondo mesas, cadeiras e alguma vegetação, incentivando a tomada do espaço para este fim. A Rua Galvão Bueno recebeu em toda sua extensão desde a Rua Américo de Campos até a Praça da Liberdade, onze módulos mistos de mobiliário e vegetação, modulados de 15 em 15 metros, todos distintos entre si, por terem propósitos levemente diferentes, mas contando com as dimensões de 2x6 metros em planta, com bancos em alturas entre 40 e 50 centímetros de altura, por conta da declividade da rua. Do lado sul da rua antes de atravessar o vale, esses módulos são bancos em concreto, não permeáveis de um lado para outro, contando com canteiros para árvores de copa alta. Já durante o viaduto, esses módulos são apenas bancos ou, em dois casos, pequenos arbustos, pois não seria possível o plantio de árvores grandes. Do outro lado do viaduto, já do lado da praça, o desenho dos bancos e canteiros é mais flexível e eles são mais permeáveis em relação aos bancos do lado oposto, por conta da maior concentração de pessoas nessa parte da rua. O eixo longitudinal de implantação desses módulos foi deslocado em relação ao eixo natural da rua, cedendo uma faixa livre para os veículos que precisem cruzar a área, tais como os de emergência e os de coleta de lixo. Os dois lados do viaduto da Rua Galvão Bueno propiciam vistas sobre a Avenida Radial Leste, que está a cerca de doze metros abaixo, tendo como primeiro plano na vista outros viadutos, a cerca de cem metros de distância. Apesar de

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serem vistas a princípio não muito interessantes, a configuração e o relevo da

Eixo da Avenida Radial-Leste, a

área fazem com que o eixo visual e a distância que se consegue enxergar a partir

Acervo pessoal, 2014

do viaduto sejam bastante interessantes. O High Line em New York, projeto de DIller Scofidio + Renfro, com paisagismo de Piet Oudolf, compreende um parque linear construído sobre a antiga estrutura ferroviária elevada em Manhattan, que já havia sido desativada nos anos 1980. Além do paisagismo da área, que foi de certa forma inspiração para este projeto no Viaduto da Rua Galvão Bueno, o High Line apresenta em alguns pontos estruturas em forma de palco ou de degraus, em que os usuários do parque podem se sentar para simplesmente assistir o movimento dos automóveis passando sob a estrutura.

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partir do viaduto


High Line Park Selma Shimura, 2014

A partir dessa referência projetual, propus dois mirantes no viaduto, um para cada lado. De desenho bastante simples, eles compreendem cobertura com iluminação, estrutura em arquibancada, avançando em direção à avenida, além de, é claro, guarda corpo. O desenho dos mirantes apresenta simetria, mas suas coberturas são desencontradas. Optei por não cobrir toda a extensão dos mirantes, dando a escolha de utilizar a cobertura ou não aos próprios usuários. A parte horizontal das coberturas é estruturada por perfis de aço tubulares e sua cobertura é feita em chapa de aço. Os pilares tem seção circular e além de suportar a cobertura, servem como tubo de queda para a água coletada pelas chapas de aço. O forro é igualmente construído em madeira, como na ponte sobre a estação de metrô e a iluminação é igualmente embutida no forro. Já a estrutura em arquibancada dos mirantes é feita em chapas de aço corten, compreendendo três alturas de degraus, que 101


servem com assentos. O guarda corpo é também semelhante ao da ponte, com estrutura em perfis de aço e painéis de vidro, garantindo bons eixos visuais a partir de qualquer ponto entre os dois mirantes. Toda a estrutura metálica com

Croquis de redesenho do tradicional poste da Liberdade Acervo pessoal, 2014

exceção das chapas em aço corten, é pintada de preto, garantindo novamente sobriedade ao conjunto, e coesão em relação ao projeto da ponte. Uma das principais características do Bairro da Liberdade e cuja imagem remete imediatamente ao bairro são as luminárias com inspiração oriental penduradas em postes vermelhos. Esses postes são colocados em ambos os lados da rua, uns de frente para os outros, criando interessantes e de certa forma lúdicos eixos visuais, reforçando a identidade do bairro como local onde se fixaram as primeiras famílias de japoneses que chegaram a São Paulo.

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Poste de iluminação pública da Liberdade Acervo pessoal, 2014


Para este projeto, no entanto, se faziam necessárias outras configurações de luminárias de rua, pois há ruas bastante estreitas, como a Rua dos Estudantes e Rua dos Aflitos, assim como locais em que faz muito mais sentido a instalação de postes únicos modulados, em vez de dois em dois, como na Rua Galvão Bueno. No dilema entre acabar com essa fortíssima identidade do bairro, definindo outro tipo de luminária ou um novo desenho de luminária inspirado no original, acabei optando pelo redesenho com linhas mais atuais e de maior simplicidade Croqui da distinção das faixas de uso sobre o viaduto

construtiva. Dentre diversas possiblidades, optei por um poste sem curvas, facilitando sua fabricação. O novo poste tem seção circular e 5.5 metros de altura. Há uma

Croqui de opção para desenho

peça em aço em formato semelhante a uma asa de avião, um perfil metálico que

do mirante a ser instalado

se afina levemente em direção às pontas, de seção retangular, abrindo para dois

sobre o viaduto

lados opostos do poste. Os difusores da luminária são formas semelhantes a esferas, sutilmente quadradas, em acrílico branco. Há três deles em cada lado da ‘asa’. Essa luminária foi utilizada nas situações em que se necessitavam luminárias em eixos centrais das ruas. A partir desse modelo, bastou retirar um dos lados da ‘asa’ para obter um novo modelo, a ser aplicado ao redor da praça, pois ficam próximos às paredes, locais não ideais para a instalação do poste duplo. 103


Ainda assim, em algumas ruas estreitas como a Rua dos Aflitos e a via compartilhada na Rua dos Estudantes, a instalação de postes com base no solo também não seria ideal. Recorri nesses casos a luminárias penduradas por cabos de aço, pairando sobre essas ruas, aproveitando dos outros modelos de luminária apenas o difusor em acrílico, que é o mesmo nos três casos. Assim como nos postes, a luminária pendurada é composta por três esferas sutilmente cúbicas de acrílico. Os bancos implantados pelo projeto são todos construídos em concreto armado, teoricamente um material construtivo resistente para espaços públicos, assim como os balizadores utilizados para a restrição dos automóveis. A vegetação utilizada é composta por árvores de copa alta e tronco esbelto, que não impedem a visão na altura dos olhos do pedestre, e fornecem certa proteção contra as intempéries, além de pequenos arbustos de baixa altura sobre o viaduto da Rua Galvão Bueno, pelo mesmo motivo de não interromper a visão do pedestre.

LEITURA DA ÁREA Com base em levantamentos da área realizados por meio de fotografias aéreas, plantas digitais da cidade, visita à área e memória de visitas anteriores, elaborei alguns diagramas com o que acontece pela região da intervenção e algumas informações das quais seria interessante tomar partido. Esses diagramas me auxiliaram no momento de projeto e embasam alguns argumentos pela pedestrianização das ruas envolvidas.

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Estes diagramas mostram a porcentagem de uso da área do entorno da intervençao junto à praça, apenas a título de comparação entre as áreas. Quadras prediais ocupam 54% do total. O espaço destinado aos automóveis é exatamente o dobro do espaço reservado ao pedestre neste caso, com 26 e 13% de área ocupada, respectivamente.

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O diagrama à esquerda mostra o principal eixo de transporte público que chega próximo à Praça da Liberdade, de ônibus municipais. Há também a indicação das duas entradas para a estação Liberdade do metrô. Há uma entrada em cada lado da avenida. Já o diagrama à direita mostra os principais eixos de tráfego de pedestres pela região. Tanto a Rua Galvão Bueno ,que vai de Norte a Sul, quanto a Rua dos Estudantes, a que vai de Leste a Oeste, possuem intenso movimento de pedestres. a área cinza mostra os principais locais de concentração de pedestres, baseado em visitas à área. 106


No diagrama à esquerda, a área pintada de cinza concentra os locais em que há tráfego intenso de automóveis, que ocupa principalmente as ruas Galvão Bueno, dos Estudantes e Americo de Campos. Há cruzamentos de ruas que considerei críticos quanto à segurança do pedestre e por serem travessias incômodas tanto para pedestres quanto para motoristas. O diagrama à direita apresenta algumas visuais que julguei interessantes para tomar partido para alguns elementos do projeto, como os mirantes sobre o viaduto, a ponte sobre a estação e algumas vistas para as ruas.


Cruzamento rua Galvão Bueno com rua dos Estudantes

Vista a partir do viaduto

Acervo pessoal, 2014

Cidade de Osaka Acervo pessoal, 2014

Cruzamento rua Galvão Bueno com rua Américo de Campos

Igreja dos Aflitos

Acervo pessoal, 2014

Acervo pessoal, 2014


O diagrama à esquerda faz parte de um levantamento feito de edifício em edifício para encontrar as fachadas ativas e as fachadas cegas ou sem atividades. As ativas estão em vermelho. É interessante notar como em boa parte dessa região há a presença ininterrupta de atividades ao nível do solo, partindo dos edifícios. Esse gráfico mostra porque o bairro tem movimento. Há também as entradas de garagens que foram levadas em consideração para a proposta de ruas compartilhadas. O diagrama à direita mostra boa parte das atuais intervenções físicas nas calçadas do bairro, tais como árvores, postes de iluminação, semáforos, etc.

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Interferências nas calçadas ao longo da rua Galvão Bueno Selma Shimura, 2014


DESENHOS E IMAGENS DO PROJETO

O projeto realizado para o bairro da Liberdade será apresentado nas próximas páginas em forma de desenhos e fotomontagens. Por ser uma intervenção em área extensa, com diversas intervenções pontuais, escolhi apresentar a grande maioria dos casos em sequência de antes e depois, partindo da planta ou do corte mais geral e amplo, para chegar posteriormente a detalhes mais aproximados.

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PLANTA GERAL

EXISTENTE


PLANTA GERAL

PROJETO

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CORTE LONGITUDINAL PRAÇA

PROJETO

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PLANTA PRAÇA

EXISTENTE


PLANTA PRAÇA

PROJETO

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CORTE TRANSVERSAL PRAÇA

EXISTENTE

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CORTE TRANSVERSAL PRAÇA

PROJETO

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CORTE LONGITUDINAL RUA GALVÃO BUENO

EXISTENTE

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CORTE LONGITUDINAL RUA GALVÃO BUENO

PROJETO

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CORTE DETALHE GALVÃO BUENO COM RUA DOS ESTUDANTES

EXISTENTE

CORTE DETALHE GALVÃO BUENO COM RUA DOS ESTUDANTES

PROJETO

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CORTE DETALHE GALVÃO BUENO COM RUA AMERICO DE CAMPOS

EXISTENTE

CORTE DETALHE GALVÃO BUENO COM RUA AMERICO DE CAMPOS

PROJETO

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PLANTA RUA GALVÃO BUENO

EXISTENTE

PLANTA RUA GALVÃO BUENO

PROJETO

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CORTE GERAL RUA DOS ESTUDANTES

EXISTENTE

CORTE GERAL RUA DOS ESTUDANTES

PROJETO

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CORTE DETALHE RUA DOS ESTUDANTES COM RUA DA GLÓRIA

EXISTENTE

CORTE DETALHE RUA DOS ESTUDANTES COM RUA DA GLÓRIA

PROJETO

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CORTE DETALHE RUA DOS ESTUDANTES COM RUA DOS AFLITOS

EXISTENTE

CORTE DETALHE RUA DOS ESTUDANTES COM RUA DOS AFLITOS

PROJETO

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CORTE DETALHE RUA DOS ESTUDANTES COM GALVÃO BUENO

EXISTENTE

CORTE DETALHE RUA DOS ESTUDANTES COM GALVÃO BUENO

PROJETO

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PLANTA RUA DOS ESTUDANTES COM RUA DA GLÓRIA

EXISTENTE


PLANTA RUA DOS ESTUDANTES COM RUA DA GLÓRIA

PROJETO

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PLANTA PONTE SOBRE METRÔ

EXISTENTE


PLANTA PONTE SOBRE METRÔ

PROJETO

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CORTE LONGITUDINAL PONTE SOBRE METRÔ

EXISTENTE


CORTE LONGITUDINAL PONTE SOBRE METRÔ

PROJETO

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PERSPECTIVA EXPLODIDA PONTE SOBRE METRÔ


ISOMÉTRICA EM CORTE COM DETALHES CONSTRUTIVOS

ISOMÉTRICA PONTE SOBRE METRÔ

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PLANTA VIADUTO RUA GALVÃO BUENO

PROJETO


PLANTA VIADUTO RUA GALVÃO BUENO

PROJETO

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CORTE TRANSVERSAL VIADUTO RUA GALVÃO BUENO

EXISTENTE

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CORTE TRANSVERSAL VIADUTO RUA GALVÃO BUENO

PROJETO

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VISTA VIADUTO RUA GALVÃO BUENO

PROJETO

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CORTE TRANSVERSAL VIADUTO RUA GALVÃO BUENO

EXISTENTE


CORTE TRANSVERSAL VIADUTO RUA GALVÃO BUENO

PROJETO

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PERSPECTIVA ISOMÉTRICA MIRANTES SOBRE VIADUTO 158 VISTA DE BAIXO PARA CIMA


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PERSPECTIVA ISOMÉTRICA 161 MIRANTES SOBRE VIADUTO


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DETALHE EM CORTE DO MIRANTE

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PERSPECTIVA A PARTIR DO MIRANTE

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PERSPECTIVA ISOMÉTRICA DA 167 PRAÇA DA LIBERDADE


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MÓDULOS DOS CANTEIROS E BANCOS PROPOSTOS PARA A RUA GALVÃO BUENO


ISOMÉTRICA PROJETO DOS NOVOS POSTES

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C O N C LU S ÃO

Ao projetar essas intervenções pelo Bairro da Liberdade, tive a intenção de demonstrar algumas maneiras de aproveitar o movimento já existente de pedestres em uma área para aprimorar suas qualidades ambientais e as qualidades do passeio. Como explicitei neste trabalho em capítulos anteriores, a falta de mobiliário urbano é uma das causas da baixa utilização do espaço público como forma de fruição. Com a ausência de elementos básicos no espaço público como bancos, lixeiras, vitrines, pessoas passando, não restam alternativas que não o simples ir e vir. Por esse motivo, proponho generosa implantação de bancos pelas ruas da intervenção. Por meio de pequenas obras de alteração viária, como a expansão das calçadas em direção à rua, consegue-se encurtar a distância para a travessia dos pedestres. Isso pode ser realizado sem afetar a circulação automotiva nessas áreas, por serem geralmente localizadas entre vagas de estacionamento junto às calçadas. Diminuir a travessia de ruas é bastante importante em vias de trânsito intenso automotivo e com forte presença de pedestres, pois com menor quantidade de faixas automotivas, o pedestre tem maior segurança para atravessar a rua. A implantação da ponte metálica sobre a estação do metrô teve o objetivo de realizar a conexão dos dois lados afastados pela barreira da distância. Ainda que a intervenção não vença distância quilométrica, funciona como indicativo de como pequenas intervenções podem elevar a qualidade do ambiente urbano já construído, favorecendo o pedestre. 170


A implantação dos mirantes foi mais uma ação com a intenção de aprimorar a experiência dos usuários da área, fornecendo cobertura, iluminação e assentos, fazendo com que os pedestres parem para observar sua cidade, sem objetivos diretos, pela simples contemplação do horizonte, dos automóveis passando ou do movimento das pessoas nas pontes próximas. Isso já ocorre nesses viadutos, sem haver condições ideais de conforto. Todas as intervenções deste projeto na Liberdade são integradas entre si por meio da pavimentação única, que tem essa capacidade visual e material de causar em seus usuários a identificação do local por meio da onipresença do elemento. Fornecer melhores condições para o passeio do pedestre pode fazer com que áreas hoje ocupadas em grande parte por carros recebam usuários que utilizem a rua de fato para outras atividades que não apenas a passagem de um ponto a outro. É urgente na cidade de São Paulo a transferência de parte do espaço destinado ao automóvel particular para o passeio público, uma vez que as ruas já estão construídas e oferecem geralmente calçadas estreitas para os pedestres. Essa é uma das poucas alternativas viáveis, se não a única, para aumentar o espaço das calçadas. Essas intervenções, no entanto, não devem se limitar à transferência de espaço dos motoristas para os pedestres e a pavimentação de calçadas. A rua deve ser interessante e apresentar atrativos para que o pedestre se interesse em passar seu tempo no espaço público comum. Como indicado neste projeto, são diversas as maneiras de atração de usuários para áreas públicas. É necessário, porém, que a população como um todo, sem distinção, se utilize desses espaços, fazendo com que cada vez mais o pedestre reconquiste seu espaço na cidade, perdido na era do automóvel.

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dentes na Paulista, diz especialista. Jovem Pan, 22/10/2013. Visitado em 19/06/2014. In: <http://www.mobilize.org.br 50 A nossa rua em sp. 25 de Março: Um shopping a céu aberto. 06/10/2010. Visitado em 18/06/2014. In: <http://anossaruaemsp.blogspot.com.br/> 52 Google Maps. In: maps.google.com

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