O Menino Balão

Page 1



Para Anaís e João Pedro, que fazem de minha vida um conto de fadas com final feliz... Para as crianças todas da Biblioteca do Coque, que me sopraram estas e muitas outras histórias


Edição patrocinada pelo Funcultura2012 Governo do Estado de Pernambuco Título original: O Menino Balão Capa e projeto gráfico: Libório Melo Edição: CEPE - Companhia Editora de Pernambuco COELHO, Fabiana O Menino Balão / Fabiana Coelho; ilustrações: Libório Melo - Recife: CEPE, 2013; 1ª edição; 32p (Série Meninos de Cocal) 1. Literatura infantil I. Meninos de Cocal II Coelho, Fabiana III Título Literatura infantil 028.5


A

Vila de Cocal é uma ilha no meio do mundo. Não uma ilha igual às outras: cercada por água. É uma ilha cercada por gente, por prédios, carros, barulhos, buzinas, torres e pontes. Então, não é ilha – dirão vocês. E eu direi que a Vila de Cocal é uma ilha cercada pelo esquecimento. No meio da loucura da cidade, ela abriga gente que o mundo desaprendeu a ouvir. E todos, crianças, adultos e velhos, mulheres e homens, gente boa e gente ruim... cada um dos habitantes de Cocal tem muita história para contar. Esta é a primeira das histórias da série “Meninos de Cocal”. Outras virão.

05


06


E

sta é a história de Toninho. Eu a ouvi da boca de minha vó, que aprendeu com a bisavó... E de gente em gente, o conto foi se tecendo, se fazendo verdadeiro. Toninho é um menino de histórias, Mas fala da história de meninos reais.

07


T

oninho era magrinho, pretinho, olhos grandes e vivos. Um menino comum, como tantos da pequena vila de Cocal. Mas Toninho tinha uma diferença. Uma só. Cada vez que se punha nervoso, ele inchava como um balão. Uma raiva, uma irritação, chateação, aperreio... e ele já não era dono de si. Primeiro, mudava de cor: punha-se cada vez mais vermelho, até ficar igual a tomate bem maduro. Depois, começava a encher-se de ar. Como o peixe baiacu, sob ameaça. Como balão que se sopra. Toninho inchava, inchava, inchava, até ficar imenso e redondo. E era nessa hora, que todos corriam.

08


C

orriam de medo, que ele estourasse. Por que corria de boca em boca, na vila de Cocal, que ele punha-se a cuspir pedras, dar coices, soltar estrondos terríveis e destruir o que via à frente. Corriam de medo do que podia haver. Mas não se assombravam mais de vê-lo encher como balão. E até achavam graça nisso. Achavam graça, sim. E provocavam. Atiçavam sua raiva para vê-lo em agonia. Puxavam seu cabelo. Xingavam sua mãe. Davam-lhe os mais feios apelidos. Tudo isso para vê-lo inchado e vermelho, como tomate gigante.

09


N

a Escola Matricó estudavam todos os meninos de Cocal. Era uma escola grande, mas pobre e sem jeito, como tudo por lá. Havia professores poucos e tristes. Cadeiras quebradas, meninos sentados no chão. Mas tinha muito espaço e uma quadra grande para jogar bola. E tinha, também, a diretora Irani.

10


A

diretora Irani tinha cara de braba. Tinha jeito de braba. Alma de braba. Mas entendia, como ninguém, o coração das crianças. E tinha, por dentro daquele rosto de pedra, uma peninha leve que lhe fazia cócegas no nariz. (Digo isso porque ela mexia as narinas cada vez que se perturbava) E, ultimamente, ela vivia coçando a venta cada vez que olhava para o Toninho.

11


12


que ela, dona Irani, tinha lido a tristeza nos olhos do menino. Tinha visto a malvadeza dos meninos que o perturbavam. E dona Irani podia até ser braba. Podia até meter medo. Podia até não se dobrar às lágrimas e beicinhos diante da necessidade do castigo. Mas, se tinha uma coisa que ela não admitia era injustiça. Foi quando ela teve uma ideia. Ideia louca e perigosa, mas necessária. Dona Irani trancou as portas da quadra. E deixou lá os meninos todos da turma do Toninho.

É

13


C

omo de costume, tudo começou na brincadeira. E terminou em provocação. Toninho acertou, sem querer, a bola na Maria Rita. Maria Rita gritou, nervosa. Atirou-lhe a bola de volta, na cabeça. Toninho chiou. Leo respondeu. Lançou-lhe nomes feios. A turma inteira se juntou a ele. Toninho começou a inchar.

14


I

nchou. Inchou. Inchou. Vermelho claro. Escuro. Roxo. As crianças perceberam que era hora de correr. Correram. Mas o portão não abria. Estavam todos lá, trancados. E Toninho a um passo de explodir. Foi um desespero. Gente tentando escalar as grades. Gente trepando na cesta de basquete. Menino correndo pra todo lado, deitando no chão, tentando, em vão, uma escapatória. E o pequeno Toninho, já imenso. Roxo, quase preto. Olhos esbugalhados. Prestes a explodir.

15


Ahhhhhhhh F

oi quando veio o grito. Um grito imenso. Um estrondo. Um barulho ensurdecedor. Foi quando vieram as pedras. Pedras pequenas, grandes, de todos os tamanhos. Foi quando vieram os coices, os murros no chĂŁo, os chutes nas grades. Nunca, ninguĂŠm vira algo assim. Era assustador. E triste. Muito triste.

16


hhhhhhhhh hhhhhhhhh 17


E

ntão tudo cessou. As pedras. Os urros. Os coices. Toninho já não estava inchado. Murchara, como balão que estoura. Estava magro, branco, prostrado no chão como um resto de carne. Tudo cessou e fez-se um silêncio imenso. Um silêncio pesado. Um silêncio doído. E Toninho cuspiu no chão.

18


19


20


D

a boca do menino saiu um coração. Um coração ainda vivo, pulsando no meio da quadra. Enquanto Toninho se estendia, como saco vazio em um pedaço do chão, as crianças olhavam aquele coraçãozinho que batia, devagar, cada vez mais devagar. E o silêncio cobrava uma atitude.

21


Tum

Tum

22


A

titude que veio da menina menorzinha, a de óculos, franzina. A que sentava no canto da sala. A que ninguém percebia. A menina Adelaide. Ela caminhou lentamente até o coraçãozinho. Tomou-o na mão. Olhou para Toninho desfalecido, abriu-lhe a boca e enfiou lá dentro o coração que ainda batia.

23


P

ouco a pouco, Toninho foi abrindo os olhos. Olhou para a menina. Sorriu. Dona Irani esperava no portão. Observara tudo, escondida. E também ela abriu largo sorriso e deixou as chaves girarem no cadeado. Escancarou as portas, mas ninguém saiu. O silêncio ainda reinava. Só que agora não era pesado, mas leve como borboleta.

24


25


A

os pouquinhos, as crianças foram saindo. Mudas. Pensativas. Adelaide e Toninho sairam juntos, um de cada lado, mãos dadas com dona Irani. A partir daquele dia, nunca mais ele inchou. Ganhara coração renovado. Mandara embora os gritos que lhe habitavam. A partir daquele dia, a turma do Toninho tornou-se a mais amiga, a mais solidária, a mais tranquila de toda escola. A meninada aprendeu, todos eles, que havia, em cada um, uma alma que podia inchar de tristeza e dor.

26


27


28


E

u me chamo Fabiana e gosto de muitas coisas: de chocolate, de criança, de mar e de livros, por exemplo. Gosto tanto de histórias que achei que não deveria guardá-las só pra mim. Por isso, conto-as e leio-as para Anaís e João, meus filhos. E também para um montão de crianças na Biblioteca do Coque. Crianças que aprendi a amar e que hoje fazem parte de minha vida tanto quanto minhas histórias.

29


M

eu nome é Libório e acho que nunca deixei de ser criança. Uma criança peralta, que quer o tempo todo estar brincando. Quando pequenino, deram-me um lápis de cor. Desde então, nunca mais parei de pintar. Pintei o sete e outros números. Pintei também o livro da minha amiga Fabiana. É que gosto muito de histórias, sejam elas para adultos ou para crianças. Então, fiquei feliz por pintar este livro todinho, também.

30




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.