Daqui a 15 anos - Livro para o 9º ano de 2017

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daqui a 15 anos CARTAS AO 9ยบ ANO 2017 ESCOLA CAMINHO ABERTO


Direção pedagógica: Jôse Moser Coordenação pedagógica (Ensino Fundamental II): Regina Krotti Assistente de coordenação: Karlla Nascimento Projeto gráfico: iMhP Estúdio Daqui a 15 anos: cartas Ensino Fundamental II – 9º ano. Daqui a 15 anos: contos. São Paulo: Escola Caminho Aberto. Dezembro, 2017. 56p. Professor de português: Helio Ponciano Direitos reservados aos alunos do 9º ano 2017 da Escola Caminho Aberto São Paulo-SP A reprodução dos textos está autorizada desde que citada a fonte.


Ă?ndice Ler para sempre..................................................................7 Helio Ponciano Prezada Aline.....................................................................11 Para Aline Maria SilvĂŠrio Botton Ribeiro Prezado Bruno...................................................................13 Para Bruno Roncoli Ferraz Prezada Clarisse.................................................................16 Para Clarisse de Moura Ramos Rossi Prezado Diogo....................................................................18 Para Diogo Carvalho Bernardini Prezado Eduardo................................................................20 Para Eduardo Inocentini Teixeira Prezado Ernesto.................................................................23 Para Ernesto Brodella Sampaio Prezado Felipe....................................................................26 Para Felipe Macchia Yahn Prezada Fernanda..............................................................28 Para Fernanda Oda Kushida Prezado Gabriel Bartoly.....................................................30 Para Gabriel Bartoly Rosa Thuller


Prezado Henrique..............................................................32 Para Henrique Abe Watanabe Prezado João Gabriel.........................................................34 Para João Gabriel Fava de Almeida Prezada Júlia Martins ........................................................36 Para Julia Martins Teixeira Martinez Prezada Laís........................................................................38 Para Lais Thomé de Souza Pereira Prezada Laura Rettori........................................................40 Para Laura Giongo Rettori Prezada Laura Tabuse........................................................42 Para Laura Souto Ribeiro Tabuse Prezado Lorenzo.................................................................44 Para Lorenzo Martini Bonacchi Degola Prezado Lucas.....................................................................46 Para Lucas Pulhez Gonçalves de Medeiros Prezado Rafael Gomes.......................................................48 Para Rafael Gomes Cortes Prezado Rafael Faria..........................................................50 Para Rafael Marcolini Baisi Faria Prezada Thaís.....................................................................53 Para Thaís Pailo de Carvalho


Ler para sempre O conjunto de cartas que poderão ser lidas nas próximas páginas nasceu de uma situação de sala de aula em 2015, quando a turma que agora se forma me pediu que escrevesse textos para cada um dos alunos. Inicialmente, a ideia era a composição de poemas. No ano passado, a escrita de crônicas. Finalmente, no meu prazo derradeiro para cumprir com a promessa, opto por seguir o modelo do poeta Rainer Maria Rilke na obra lida pela classe, em minha disciplina, nos meses de agosto e setembro deste ano. A escolha desse tipo de texto me pareceu mais acertada para não deixar de lado meu compromisso com a produção escrita, tarefa muito valorizada nas atividades que compartilhamos ao longo de quatro anos. Se eu optasse pela ficção ou pela poesia, um trabalho ainda mais pretensioso se daria, e o caminho da conversa mais direta com os alunos ficaria impraticável em vinte composições diferentes ou diluído na narração ou em estrofes.

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Já o título deste livro surgiu da lembrança de uma peça vista por mim em 2005, “Daqui a 200 anos”, de um grupo de teatro de Curitiba inspirado no russo Anton Tchekhov. A força do nome do espetáculo me impelia a conectar uma perspectiva de vida com o espírito das cartas. Para todos os alunos a que se endereça esta coletânea, asseguro que cada texto “comenta sobre uma pequena parcela do seu presente, tenta destacar o que há de potencial na sua relação com a escola e o conhecimento. Não tenta determinar nada, assegurar nada, afirmar categoricamente nada para o futuro”. E parafraseando o mesmo texto de onde saíram essas aspas: daqui a 15 anos, se houver como relembrar este livro, que ele tenha lançado um sopro de entusiasmo em cada talento. Helio Ponciano dezembro de 2017

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DAQUI A 15 ANOS



Aline Prezada Aline A sua questão tem sido tão frequente que eu não posso deixar de respondê-la mais longamente. Do fundo da sala, vejo sempre disparar-se uma voz que almeja ler o texto, o livro, os professores, a escola, o mundo: “Posso ler?”. Agora sou eu que indago: a pergunta vem em forma de sentença, de uma cobrança de direito adquirido? Ao mesmo tempo em que certos olhos crescem vivos para os quatro cantos da sala e tomam as paredes, o chão, a mesa, o projetor, a lousa e mais uma vez todos ouvem: “Posso ler?”, o silêncio das cabeças não deixa dúvida de que ninguém pode, ninguém deveria ultrapassar o limite daquele pedido feito para ser atendido naquele exato instante. Não se trata de poder ler ou de deixar ler, não é exatamente desse ponto que eu gostaria de falar. Muitos professores ficariam gratos por ter em uma sala ao menos uma pessoa, uma com toda segurança que se manifestasse para expressar com sua voz o que está nas páginas dos livros fechados, abertos com muito esforço e convencimento. Ler em voz alta expõe toda a pessoa ao público que a ouve. E mais: não somente ela fica em julgamento; o texto, se desconhecido, passa a depender totalmente da leitura feita, da

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vida que ganhará pela interpretação, entonação, pausas, ênfases e tantas outras qualidades que podemos imprimir na nossa apresentação para os outros. Tal responsabilidade é que justamente afasta os alunos do próprio momento de ler? Ou seria o medo do próprio eu aberto a toda uma classe? Estou dizendo que uma grande qualidade sua seguirá com você ensino médio adentro, e assim eu espero. A partir do ano que vem, torço para que uma nova compreensão tome conta de sua rotina na escola e que isso se expanda para toda a vida. Mais ainda do que você exercita agora, a literatura precisará ser vista em suas identidades – ou dos autores, ou das escolas, movimentos a que pertencem. Sua leitura não poderá ser mais sua exposição, a da aluna, mas sim a da obra. Esta, em primeiro plano, deve estar acima de nossas necessidades e ser representada como ela foi pensada. Mesmo que a atualizemos, será em nome do tempo presente e não de nossa mera vontade. Ler em voz alta, seu exercício de quase todas as aulas, valeu e vale por uma experiência das mais valiosas. Trouxe um prêmio literário neste 2017. Traz os fundamentos para que o próximo ano seja a passagem para a sua maturidade. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano 12


Bruno Prezado Bruno Quero agradecer as indicações de músicas, de grupos e de rappers que representam o seu tempo. Claro que eu poderia dizer nosso tempo uma vez que estamos vivendo hoje simultaneamente a mesma época, mas prefiro nesta carta separar nossas gerações – por mais que essa ideia possa ser questionada e até contradiga meus pensamentos mais recentes. Simplifico o começo desta carta nesta afirmação: suas músicas levaram-me a me lembrar muito de meu tempo. No meio dos anos de 1980 – e lá se vão 30 anos –, chegava ao Brasil ou eu começava a ouvir o som do break dance. Esse gênero marcou minha adolescência, eu ficava fascinado com esse som. Até hoje ouço esse tipo de música, e isso não surpreende, é claro. Se eu não descobrir nada que desmereça ouvir break dance, continuarei curtindo e rememorando os momentos em que eu ficava tentando gravar em fita cassete o que as rádios tocavam. Ficava em casa, aos sábados de noite, com rádio ligado, esperando a hora certa para registrar algum trecho que fosse. Explico: eu ouvia muito a rádio Jovem Pan FM e o programa do DJ Iraí Campos, e, como você sabe melhor do que ninguém, a sequência que o DJ prepara sempre deve ser uma surpresa. Se você está questionando ou estranhando o meu modo de obter música, lembre-se: os aparelhos que temos hoje no bolso e suas

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conexões eram um futuro nem sequer imaginado por mim e minha geração. Já a sua geração pode conectar-se e descobrir em segundos quem é DJ Iraí Campos, sua história. Eu próprio, escrevendo esta carta, pesquisando, encontrei entrevista com o DJ Iraí Campos que não imaginava já terem sido feitas. E neste momento não posso mais separar nossas gerações chamando uma de sua e outra de minha. E por quê? Em sala, você fala, canta, reverencia Jorge Ben Jor, Tim Maia, e recomenda para mim grupos de rap como Baco Exu do Blues e Oriente. Eu os ouvi e descobri sangue novo, tendência diferente do que eu ouvia. Desconhecia completamente esse estilo ou estética mais agressiva feita nesta década. Na segunda metade dos anos 80, Thaíde (este você deve ter visto no programa “A Liga”, da TV Bandeirantes) e DJ Hum lançaram músicas de ataque aberto a alguns problemas, a algumas instituições. Por exemplo, a polícia. Procure por “Homens da Lei” e outras canções. Na década seguinte, os Racionais MC’s mandariam seu recado. Vejo que as letras das canções e as melodias fascinam você. O som de trilhas sonoras também. A música mexe com sua sensibilidade. Esse é o caminho para que você aprecie o que podemos ler, o que devemos apreciar. Digo isso para que você, eu espero, quebre a resistência contra a literatura. Essa barreira não foi escolhida, não vem sendo erguida por você. Ela vem 14


da natureza de um longo histórico que pode ser modificado. Quero relembrar o feliz momento em que sua família comprou para você e por você livros no sebo preparado neste ano por sua classe. Gostaria que você memorizasse isto: muitos, muitos, muitos jovens de sua idade não têm esse privilégio de uma família ao lado não propriamente com recursos materiais, mas com apoio intelectual e moral. E isso é tudo. É um fundamento para que o próximo ano seja a passagem para a sua maturidade. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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PrezadaClarisse Clarisse A dança pode elevar qualquer um a alturas inimagináveis. Entro muito diretamente em um ponto que parece imprevisível , mas prefiro esse tipo de surpresa ao trivial. É claro que o ponto de vista do leitor deve pautar o que é comum e o que é extraordinário, e essa obviedade faz muitos torcerem o nariz para muitas expressões pessoais e criações artísticas as mais sinceras sem pensar duas vezes se estão a ceifar mais um talento, mais uma promessa com muito o que desenvolver. Não foram poucas as vezes que você, em passos de bailarina, mergulhava em uma cena num palco imaginado, não sei se somente seu, e alongava-se ou estirava-se ou esticava-se fazendo qualquer um em seu entorno – com um mínimo de atenção para a arte – acompanhar o princípio e o meio de um movimento. Não me pergunte se entendi onde se daria o fim: tenho a impressão de que nem mesmo seus ensaios tinham pressa em ter essa resposta. Se eu tenho a permissão de destacar um pequeno dado de sua vida de estudante com zelo e a melhor das intenções, digo que o desempenho, a medida desse conceito, não pode ser sua meta na escola. A performance que você procura está justamente não em um conceito estático, mas no movimento que você elogia na prática da dança, nos passos sutis a ensaiar longas cenas, coreografias inteiras para a plateia do próprio... Do próprio eu? Talvez não. Suas amizades mostram como se expande em vez de se recolher.

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Cada passo dado por você nesses quatros anos contém um sentido (calculado ou cheio de intuição) do fim da infância para a plena adolescência. No 6º ano, você – com en dehors – movia-se para além de si, girava para ampliar seu palco. A série seguinte assistiu a adagios bem espaçados, à leveza de quem flutuava com segurança sobre os desafios crescentes da idade e da escola. Se me perguntassem o que marcou o 8º ano, acredito que o grand battement foi o movimento-chave dessa parte de seu trajeto, que pedia mais intensidade e firmeza em manter o equilíbrio em um caminho de muitas dificuldades. E, neste momento, o que aqueles que a acompanham percebem de mais destacável? O grand jeté. Sim, o nome já nos diz tudo! Um grande salto para adiante pode ser percebido. E fazê-lo faz parte do seu dia a dia, na verdade, desde idos tempos. Tenho de finalizar a carta com um agradecimento em especial. Sua polidez em receber um professor com um bom-dia, independentemente da turbulência ou da calmaria de um início ou troca de aula, ficará em minha memória como uma lição de civilidade e aposta em melhores tempos. É o que eu poderia reter de melhor de sua postura de aluna. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Diogo Prezado Diogo Quando todos os desenhos tiverem sido pensados e feitos por você na escola, meu caro, quais serão os livros a publicar? Que personagens de sua fabulação incessante serão conhecidos por todo o mundo? Quais seres engraçados e estranhamente admiráveis vão povoar prateleiras, tablets, computadores, notebooks, livrarias, mesas de centro? Tenho na memória, mas como se acontecessem agora diante de mim, as cenas em que você me mostrava seus personagens. Sim, você contava com uma bem-humorada competição com uma colega de sala; isso instigava o surgimento de mais e mais tipos, todos os dias quase. Das páginas dos cadernos e blocos de cada um saíam criaturas indecifráveis, que precisavam da descrição por parte dos dois autores – feita com gargalhadas, não é mesmo? Caro Diogo, a imaginação sustenta suas andanças. Sem ela, os dias ficariam sem viço, não teriam a alegria que o mantém ligado na criação, na transformação do mais ínfimo detalhe do seu mundo interior na face real de desenhos. Quem me dera ter um pouco de sua engenhosidade para converter os apelos de sua mente na imagem concreta sobre um papel! Não posso deixar de mencionar nesta oportunidade única o episódio da caneta Faber Castel. Você me perguntou onde 18


estaria o material que eu tinha pedido emprestado e não teria devolvido. Minha memória tem me traído em alguns momentos. Acredito que não em razão da idade, mas do “excesso de atividades e obrigações em série”, uma após uma, sem interrupção. Nessa enxurrada de atos contínuos, devo ter até entregue a caneta para outra pessoa… Deixo de lado o pequeno problema para falar da óbvia solução: comprei outra simplesmente e entregarei em mãos a você. Quando você estiver lendo esta carta, certamente já estará entre seus pertences, salva e segura. Devo agradecer a você pelo alerta dado a mim. Preciso reduzir em algum grau a velocidade dos meus dias. Ou focalizar com mais intensidade cada minúscula ação. Obrigado. Veja como se mostra saudável a convivência de gerações. Quando os indivíduos se ouvem e acolhem a voz alheia – com a bem-vinda exposição de ideias impulsionando a mudança, a autocrítica e a coeducação –, o progresso se opera, naturalmente, como consequência lógica. Meu agradecimento por todo o humor que construiu, linha a linha, cor a cor, traço após traço, nos desenhos cômicos de sua autoria, que espero que se tornem uma marca sua, inclusive comercial, como já conversamos. Sucesso! Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Eduardo

Prezado Eduardo

A literatura tomou conta de sua vida de aluno no ano passado. Trabalhávamos com crônicas, e seu primeiro texto no gênero teve nota máxima. Era a chegada, ou melhor, a partida numa corrida de longa distância. O triunfo de um dez não valeu pelo número em si mesmo, mas, antes, pelo indício nítido do pelotão em que você passaria a correr. Não estranhe essa maneira de comparar, não rejeite essa analogia. O exercício da escrita exige esforço, dedicação, entrega, disciplina, envolvimento, regularidade, objetivos. Obviamente você encontrará quem vá dar de ombros para o que eu afirmo aqui. Se tivesse a oportunidade, eu contraargumentaria perguntando se o genial criador que lhe estaria na mente não passou em algum momento da vida a experienciar este roteiro, e eu repito: esforço, dedicação, entrega, disciplina, envolvimento, regularidade, objetivos. Busque na biografia dos gigantes da literatura se houve ou não preparo ou condições para que sua obra se impusesse – mais cedo ou mais tarde – com sua devida força. Estender-me sobre esses polêmicos tópicos pouco contribuirá agora, neste momento preciso de sua maratona, para seu foco. O importante está na regularidade, na aproximação 20


permanente da literatura, do que você precisa ler e escrever. Não faltam ideias na sua engenhosa produção mental, nas conversas que você vem tendo comigo e, diga-se logo tudo, vão rareando… E por que se perdeu a frequência desses diálogos tão proveitosos – pelo menos para mim? Simplesmente em razão do foco não alcançado. Da dispersão de intenções tão bem articuladas oralmente. Tenho bastante otimismo ao pensar no seu ensino médio. A maturidade de autores obrigados a você conhecer na nova etapa escolar trará benefícios imensos. A literatura brasileira e a portuguesa trará luz e estrutura para você pensar no próprio caminho na maratona. A depender da escola, outras culturas literárias também farão parte do seu repertório. Dispensável dizer como os modelos importam tanto para serem seguidos quanto para serem contestados? Não partimos do nada, do zero, do lugar nenhum. Inseridos estamos todos em um sistema de referências e histórias diversas da arte. Chegará – terá de chegar – a hora em que seu lugar será construído com sua singularidade e maestria. Caro Eduardo, a adolescência impõe um turbilhão de sentimentos e sensações cruéis para compreender e dominar ao mesmo tempo. Carreiras literárias, livros que começam a ganhar contornos, toda uma arte pode se dissipar – permita-me repetir,

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insistir e aconselhar mais uma vez – se a regularidade não se impuser como parte de sua vida. Que a literatura – ler e escrever – não se dissipe do seu íntimo. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Ernesto Prezado Ernesto Quero começar esta carta com uma expressão simples, direta e objetiva: parabéns! Alegra-me muito ver hoje a sua sociabilização, a alegria compartilhada com colegas da sala, a amizade saudável e bem-humorada, todos esses bem-vindos sinais de integração com um grupo que acolhe você e recebe de volta as mesmas efusões positivas. A vida escolar, todos sabemos e confirmamos dia a dia, não se constitui somente de tarefas, avaliações e aulas sucessivas. A integração social demanda de cada um o esforço ou a naturalidade de pertencimento. Para alguns uma luta, para outros um movimento automático; fazer amizades sinceras e positivas deve ser um cuidado diário de qualquer aluno. Tudo isso significa que meio caminho está trilhado. A outra metade é composta de estudos e esforço. Lamento mudar bruscamente de perspectiva, inverter a direção de minha carta. É minha obrigação alertar para armadilhas que não se pode perceber quando a alegria parece preencher todos os espaços e momentos vividos. Se nada parecer mais importante que a diversão, se esta for posta no ponto mais elevado das necessidades em um ambiente de formação humana, técnica, biológica, científica, creio que conceitos devam ser revistos.

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Certamente eu o deixo chocado neste ponto da carta. Apontei dois lados? Sim, de uma mesma moeda! Ora, se assim fiz, eu apresentei possibilidades amplas, uma riqueza de entradas e saídas para que você perceba que a variação não é alternância neste caso, é amplitude. Há simultaneidade entre amizade e aplicação no estudo, entre diversão e empenho, entre riso e sacrifício. O ensino médio se aproxima em grande velocidade enquanto escrevo esta carta no início do mês de novembro. Entendo, e espero que você acredite que eu compreendo, a passagem vivida nas últimas semanas desta etapa de sua vida escolar. Nove anos se passaram e mais três o aguardam antes de outros tantos a depender das intenções que o moveram a cada ano, a cada fase. Que eu poderia reforçar na minha mensagem que ousa querer ter valor hoje, amanhã e daqui a 15 anos? Eu insistiria na necessidade de observar o amadurecimento próprio, na obrigação de entender que prazeres e dores não se excluem – e eu jamais diria que se complementam. Na verdade, fazem parte de um mesmo conjunto. Elementos distintos, dissociáveis, mas não irremediavelmente opostos e sem conciliação. Caro Ernesto, seus progressos têm sido imensos e é deles que falei o tempo todo. Cada frase destas linhas tem única e 24


exclusivamente o propósito de tratar de evolução, de um caminho para adiante, de uma aprendizagem permanente e compartilhada entre indivíduos que se ouvem e se preocupam uns com os outros. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Felipe

Prezado Felipe

O que faz da pessoa uma figura excêntrica? Hipótese: o seu comportamento em desajuste com as expectativas. Espera-se o comportamento padronizado da maioria das pessoas, e é talvez justamente a fuga das ações triviais que não apenas chama a atenção, mas também causa certa admiração de quem vê uma pessoa nada trivial. Essas palavras iniciais, meu caro Felipe, têm sentido que você obviamente vai me dispensar de detalhar. O comportamento que um aluno escolhe ou permite que se apodere dele parece uma roupa ou uma marca da qual ele nunca se separa. Nosso corpo, nossa postura diz muito da nossa personalidade. Nesta altura desta carta, uma provável pergunta deve ter sido gerada em sua mente: “Afinal, o que isso me importa?”. O ano de 2018 trará desafios nada pequenos para quem iniciará o ensino médio. Todo o conforto sentido em quatro anos de ensino fundamental 2 não estará presente no próximo ciclo de estudo. Não quero dizer que nenhuma paz será encontrada, que somente um “caminho de pedras” se desenhará em sua frente, quero alertar para a necessidade de uma nova ação para que haja uma harmonia mínima entre você e sua nova escola.

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Não importa agora o nome dessa instituição. Seja qual for, você deve ter, previamente, a sua postura, a sua integridade de estudante em primeiro plano, sem perder a sintonia com o ambiente, com os valores que nele se defendem. Sua chegada não acontecerá ao acaso, a escolha dessa escola não vem a ser produto de mera sorte. Toda uma história e um conjunto de necessidades o conduzem até ali. Caro Felipe, seu potencial já foi muitas vezes motivo de debate entre colegas seus. Você tem a felicidade de, “ouvindo uma vez”, como se diz, entender a explicação do professor, compreender o debate da sala, acompanhar a leitura de uma obra literária, responder aos exercícios solicitados para serem feitos imediatamente. Acabo de tecer elogios a você que nada mais são do que a expressão sincera de como percebo uma inteligência a ser explorada de modo melhor, mais produtivo e enérgico no próximo ano. Não será possível deixar-se dominar por sentimentos de baixa vontade, por sensações que encaminhem para o sentido contrário das suas melhores virtudes. Sua inteligência certamente corresponderá à mensagem que aqui deixo. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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PrezadaFernanda Fernanda Faz quatro anos que conheci a timidez que tomava conta de uma aluna. Lembro-me de uma gravação trabalhada nos primeiros dias de aula, com toda a sala, dividida em pequenos grupos. Sua voz mal saía no vídeo. O que teria mudado ao longo de todo o tempo de ensino fundamental 2? A adolescência tem desafios para todos nós. Um dos maiores, você vai concordar comigo, é situar-se entre os outros sem – ou com? – o receio de não sermos aprovados. Esse medo inibe nossas ações, diminui nossa voz, leva-nos a esconderijos inventados com muita habilidade e rapidez. Somos capazes das mais incríveis proezas para sumir da visão alheia. É claro que, desde o 6º ano, você cresceu e superou barreiras que antes pareciam altas demais para sua compreensão. O teatro, apesar de parecer – e de ser mesmo – uma exigência de exposição muito mais intensa, pode ser um caminho de conhecimento mais profundo de sua relação com a imagem que construímos para todos que nos assistem. Sim, assistir. Dia a dia, atuamos em prol de uma imagem de que geralmente mal temos a ideia de como formamos ou de como formaram para nós.

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Ainda devo ressaltar que a timidez, ou a suposta timidez, não ofereceu obstáculo para as suas amizades, a alegria em sala, as conversas sobre o que é interior e exterior à escola. No contato com os mais próximos, a sua performance mostrou-se, mesmo dentro da margem de certa discrição e de uma voz comedida, bastante eficiente. Acredito que você tenha conseguido ouvir e ser ouvida em quatro anos por diferentes colegas. Lembro-me das oficinas das tardes de terça-feira, durante o 8º ano, quando reuníamos um grupo animado que ficava no período oposto. Estávamos em um momento privilegiado se comparado às aulas no período padrão, de manhã. Não era uma nota que se buscava, eram a mobilização dos alunos para um trabalho audiovisual e o desenvolvimento de algumas habilidades muito importantes para outras demandas da escola. Fecho esta carta louvando – sim, louvando – a sua inteligência e quanto você pode render – sim, render – no ensino médio. A virtude de ter foco está ao seu lado. Não deixe de cuidar dela e extrair o que há de melhor nessa proximidade. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Gabriel Bartoly

Prezado Gabriel Bartoly

O assunto que abre esta carta, eu espero, vai deixá-lo um pouco surpreso. É que voltarei a um tema motivador de estranhamento ou incredulidade de sua parte quando eu lhe anunciei em sala de aula. Refiro-me a seu talento para a instalação, para um tipo de arte contemporânea que aguça os sentidos ou os provoca intensamente por quebrar certas convenções. Posso imaginar sua risada neste momento ou até sua incredulidade com que eu vou retomar: a sua criação de uma borracha escavada com recipiente para farelo de borracha em forma de envelope com a inscrição “borracha”. Falo com toda a sinceridade do impacto que até este momento a imagem me causa e causará sem nenhuma dúvida. Conversamos sobre o meu entusiasmo, e espero que você realmente acreditasse nele. Deixar aqui registrado, em outras palavras de exato mesmo sentido, o que falei para você parece-me conveniente e importante. O senhor Gabriel sabe desarranjar contextos, inverter posições habituais, brincar com os padrões. Voltemos à borracha: aquele material de tamanho médio com uma grande cova, ainda não vazado, e tudo o que se retirou dali foi para o envelope em que você escreveu “borracha”. Meus hemisférios esquerdo e direito do cérebro sentem uma revitalização com 30


essa obra, ficam em estado de euforia com o desafio criado. Como eu gostaria de entender as suas motivações para esse trabalho! Nem só de subversões intelectuais vive você, meu caro Gabriel. Este ano que termina trouxe um aluno bastante determinado em participar de debates e expor suas ideias. Vi esse movimento principalmente no último trimestre, e meu elogio marcou de modo pontual e preciso uma de suas intervenções mais certeiras e inteligentes em sala. E agora o ensino médio se impõe com seu desafio maior de transição. Creio que, para você, isso será enfrentado com naturalidade e sucesso. A evolução que presenciei desde o 6º ano tem um caminho muito nítido: dos momentos distraídos para os momentos concentrados, longos passos foram dados e obstáculos suprimidos. Siga em frente! Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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PrezadoHenrique Henrique Inicio minhas palavras com uma frase curta, definidora, sem rodeios: o silêncio é uma forma de sabedoria. Exponho uma ideia que talvez tenha tirado a voz de muitas pessoas inteligentes, potenciais

debatedores

comedidos

nestes

tempos

de

extremistas do pensamento... Foram quatro anos de convivência, e quase sempre presenciei sua quietude, sua maneira cautelosa de expor o que pensa ou sente. Até certo ponto, desde que não seja impedida a sua livre expressão – algo solicitado nas nossas escolas –, essa postura será uma virtude. Assim, meu caro, o silêncio deve ser conveniente até determinado limite. Concentração, foco, disciplina, determinação, metas, resultados. Essas palavras são bem-vindas, não devem ser motivo de repúdio, de indignação. Pelo contrário. São conceitos que fazem bem ao ambiente escolar. Há quem defenda os conceitos opostos, talvez acreditando em uma libertação. Isso não passa de desconhecimento sobre os seus benefícios. Contudo repito a ideia: são salutares até um grau tolerável. O ensino médio, senhor Henrique, não tenha dúvida disso, vai ser inevitavelmente esclarecedor sobre o que eu afirmo. A 32


interação entre os alunos pedirá que você expresse a professores e colegas pelo menos um pouco mais de seus interesses, dúvidas e aptidões. Sabendo-se isso, devo palpitar: não tenha receio de falar. Exercite essa habilidade, aos poucos, em etapas, sem se aborrecer. Procure descontrair a sua mente, permita que ela libere o pensamento para ser dividido. Eu acredito que compreendo a sua postura tão educada. Seus valores falam alto – e devem prevalecer sim, sem dúvida –, e alguns conflitos tornam-se inevitáveis em sua idade. O contexto escolar que compartilhamos com toda a sua turma permite a livre expressão, aceita o posicionamento crítico, até mesmo reivindica a aparição pública. Então caberá a você refletir: o novo ambiente, o de 2018, vai permitir, aceitar e reivindicar o quê? Gostaria de ter conseguido conversar mais com o senhor, ouvi-lo sobre preferências. Talvez eu tenha captado algo sobre games e as sessões travadas com colegas de sala. Eis aí, caro Henrique, um tema para você explorar na nova escola em conversas com todos que você vier a conhecer. Desejo-lhe isto: sucesso! Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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João Gabriel

Prezado João Gabriel

Vou dispensar a mim próprio de descrever a evolução que presenciei ao longo de quatro anos de estudos e de uma convivência que, com toda a sinceridade e para minha parte, teve um valor relevante. Não vou detalhar o que você precisava atingir quando estava no 6º ano e o que você realiza hoje, prestes a começar um novo segmento de ensino. O detalhamento desse caminho seria um valioso depoimento para a história de nossa instituição. Contaria sobre superação pessoal, excelente relação entre família e escola e intervenção de um grupo de professores. Por mais que eu me esforçasse para recuperar todas essas informações, seria uma visão parcial e incompleta. Sua bela história como aluno de ensino fundamental 2 precisa de mais cuidado para ser recuperada. Quero fazer nesta carta o que me é possível: saudar sua trajetória como aluno de português. Essa tarefa está ao meu alcance mesmo que evidentemente eu não tenha acesso a todas as variáveis implicadas no seu desenvolvimento intelectual. Sim, desenvolvimento intelectual. É disso que trato aqui, caro João. Estou pincelando quanto mudaram suas atitudes e a maneira de pensar.

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Lembro-me do ano passado, no 8º ano, quando exercitamos a produção de crônicas. Foi animador o salto que você deu na direção de um texto mais maduro, reflexivo, de pontuação cuidadosa e um vocabulário escolhido com cálculo. Os modelos certos foram seguidos, e a qualidade de sua escrita respondeu à altura para tudo que você passou a ler. Eis uma lição valiosa: os autores clássicos, essenciais, ensinam muito, mesmo que os rejeitemos depois com nosso próprio estilo e ideias novas. O ensino médio vai lhe oferecer uma infinidade de autores-modelo, e será a hora mais importante – mesmo que não definitiva – para sua formação humanística. Digo-lhe por experiência própria: construir um bom repertório no ensino médio ajudará no desempenho na sua faculdade, na formação que lhe caberá no futuro, não importa a área que você abraçar. Leia o máximo que puder, nunca deixe dominar-se pelo descaso com obras literárias, faça delas suas maiores aliadas. Não preciso, felizmente, aconselhar sobre dedicação. A maturidade e a autonomia já fazem parte de sua constituição de estudante, e essas virtudes são aquelas que mais desejamos ver em nossos alunos. O seu sucesso no ensino médio deverá ser consequência natural das conquistas nestes quatro últimos anos. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Júlia Martins

Prezada Júlia Martins

Sua jornada no grupo do qual você se despede, pelo menos no convívio diário na nossa escola, começou no 7º ano. A identificação com a sua roda de colegas tem sido tamanha que parece mais longa a sua vivência nesta turma. A facilidade de estabelecer amizades faz bem. Todos nós convivemos melhor com parte de um grupo do que com outro, nos identificamos mais diretamente com aqueles em quem detectamos afinidades. Tenho de recordar o acantonamento de 2015, no seu primeiro ano com sua turma. Produzimos videopoemas, e você o fez em parceria. Título: “Fauna e flora da hora...”. Publicamos o resultado total no Youtube, no meu canal de professor (pode ser encontrado como “Videopoemas: visões de Cananeia”). Serei sincero para afirmar que o melhor de sua participação, neste caso bem específico, começa aos 9min30s dessa edição. Fiz questão de deixar registrado uma parte do making of, o momento em que você conversa com uma colega sobre a gravação que queria fazer. O desprendimento daquela fala ajustava-se ao espírito do trabalho e à irreverência do grupo. Com a poesia, você harmonizou-se com força. Um ano depois desse trabalho, você escreveu algo em que o seu amadurecimento fica nítido, o poema “Nós plantamos o que 36


colhemos”. O texto, você se recorda, representou sua classe na festa junina do ano passado, foi lido para toda a escola e tinha, sim, um significado amplo e louvável, muito digno dos seus pensamentos dos 13 anos e em plena sintonia com os valores da Caminho Aberto. E outra instituição de ensino fará parte de sua trajetória no ano que vem. Independentemente do nome, tenho certeza de que vai oferecer a você o contato com poetas das literaturas de Brasil e Portugal. Logo nos primeiros meses. Faz parte do currículo básico. Aproveite com a dedicação não apenas de estudante, mas também a de quem pode e deve escrever poemas. Os modelos estarão à sua disposição, leia mais do que será pedido, permita-se o prazer de conhecer mais a fundo os autores que serão, no plano escolar, obrigatoriedade. Se insisto mais uma vez; se novamente abordo o assunto produção de literatura, acredite, não estou jogando palavras fora, tecendo elogios ao acaso. A criação a aguarda. Rilke a incentivaria. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Laís

Prezada Laís

Um dos termos mais empregados hoje por escolas que prezam uma educação moderna é “conquista”. As conquistas dos alunos. Escolhi essa palavra porque ela reflete, no seu caso, exatamente um processo longo, contínuo, acompanhado de perto por toda uma equipe e compartilhada com sua família. Existe obviamente o efeito natural e esperado do desenvolvimento com o qual todos nos beneficiamos com a idade. Trato, porém, aqui de outro. A superação de uma grande timidez com reflexos no convívio social, na produção escrita, no vídeo que gravamos em novembro, reedição do primeiro que gravei com sua turma, em 2014. Pensemos naquele 6º ano, vejamos o vídeo em que brincamos e trabalhamos sobre o internetês. Vejamos a nova versão, a atual, a deste 9º ano. No making of, você brincou, fez sons engraçados, descontraiu. Essa alegria de gravar em grupo, no seu caso um trio, não poderia deixar de ser vista como uma conquista. Mesmo sem eleger categoricamente um progresso como superior ao outro, preciso chamar a atenção para um que me reconforta e se combina com o que já disse. Suas produções de texto em sala, no momento de preparar uma versão de base, apresentaram desde o ano passado uma evolução, sem 38


dúvida, notável. Destacar esse aspecto do seu trabalho com a disciplina de português, eu faço questão para agora aconselhar algo para os próximos anos – se você me permite. Comece seu ensino médio com a mesma alegria com que encerra seu ciclo no ensino fundamental 2. Haverá muitos desafios novos para vários colegas em 2018, permita-se rir disso e superar em conjunto, em integração, os obstáculos normais e tranquilos na ambientação. A etapa seguinte, que me caberia comentar, refere-se à leitura e à escrita. Desde as primeiras lições, leia tudo o que for pedido e ainda mais o que puder. Nada deverá ser deixado de lado nenhum autor, nenhuma obra, nenhum resumo de biografia, nenhuma criação recente – contemporânea – que se inspire, reproduza ou adapte a produção literária que você vai conhecer. Meus votos são de que a espiral siga em frente, para o alto, avante, abrangendo tudo o que significar para você aquela ideia da abertura desta carta: conquistas. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Laura Rettori

Prezada Laura Rettori

Quando você começou sua vivência na turma que agora se despede pelo menos da convivência diária, eu não sabia que você estudava teatro, praticava artes cênicas fora da nossa escola. Se começou em 2017, também não sabia, fui tomar conhecimento dessa sensacional iniciativa já neste segundo semestre. Não vou conter meu entusiasmo com essa propensão que você vai alimentando desde agora, a adolescência, para desenvolver até uma idade mais madura. Em diferentes oportunidades, pude ver sua expansão dramática na nossa escola. Em diferentes disciplinas, estava lá você confortavelmente atuando. A voz saindo com clareza e força; os movimentos sucedendo-se com naturalidade – mesmo que à espera de técnicas futuras, fruto de muitos exercícios de cursos que virão. Investir em arte dramática deveria ser uma meta sua. Há em São Paulo escolas de primeira linha, centros de formação respeitáveis por ter tanto os nomes certos que formam como também os exemplos promissores formados. Talvez você própria tenha me contado sobre o curso que você já fez, primeiro passo antes dos 15 anos para o teatro. Permita-me falar de um

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segundo, que jamais poderá deixar de fazer parte de sua rotina. Jamais. Assistir a espetáculos passa a ser um dever. Uma obrigação. Uma forma de alimentar-se. Uma sessão rotineira sem a qual você se sentiria mais vazia, diminuída, oca, carente de cenas, diálogos, movimentos. Morar em um centro – nossa cidade – em que o teatro é exibido e produzido intensamente favorece, é claro, o seu caminho. Vá ao teatro, viva o teatro, reúna-se com quem ama o teatro, frequente os lugares que apoiam o teatro, compareça a eventos que discutam o teatro. Esta carta comenta sobre uma pequena parcela do seu presente, tenta destacar o que há de potencial na sua relação com a escola e o conhecimento. Não tenta determinar nada, assegurar nada, afirmar categoricamente nada para o futuro. Meu manifesto, quem sabe, simplesmente pensa com otimismo em um tempo bem mais adiante. Daqui a 15 anos, se houver como relembrar esta carta, que ela tenha lançado um sopro de entusiasmo em seu talento. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Laura Tabuse

Prezada Laura Tabuse

Quanta força devemos ter para entender os desafios do mundo? Eu poderia ter escrito suportar, contudo decidi-me por outro verbo. Serei cuidadoso com as palavras, uma vez que me dirijo a uma escritora que cuida delas, maneja cada uma como quem faz uma combinação intrincada, em que talvez qualquer pequena peça fora de lugar comprometa a estrutura planejada. Já faz muito tempo, mesmo assim me lembro bem desse mesmo momento meu de dúvidas, incerteza, aflição. Preparava-me para o primeiro ano do então segundo grau, hoje ensino médio, eu estava prestes a entrar ou já estava de férias. Preocupações com o futuro, a qualidade da escola, o preparo para o vestibular… Sim, eu me afligia com a perspectiva de anos adiante, e tinha meus motivos reais, práticos e os compreensíveis em tal idade para sentir-me assim. Chego a mais uma palavra: sentimentos. Difícil controlá-los, tarefa maiúscula dar conta do que nos causam, exercício para toda uma vida entendê-los. A sensibilidade e o raciocínio sagaz típico seus captaram a esta altura as intenções – boas, eu espero – desta carta. Falar do embate entre razão e emoção, por mais que se discorde de separá-los, distingui-los, auxilia a pensar

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sobre quem deve governar, e não ser governado. Não se trata, de forma nenhuma, de banalidade o que debatemos aqui. Estamos refletindo sobre o que é universal, e a literatura e as artes mais diversas trabalham e retomam sem cessar. Lembro-me de nossa leitura de Rilke, de suas cartas a um aspirante a poeta, Kappus, e dos temas variados e profundos ali reunidos. Acredito, sinceramente, ser um livro para você reler sempre. Não necessariamente na íntegra, mas aquelas passagens assinaladas, destacadas por você como de maior interesse. As posições desse autor falam muito de sua época, de uma arte de sua época, de uma maneira de criar de sua época. O ensino médio ensinará você a entender o que move Rilke em suas afirmações. Neste momento, cabe entender o que ele descreve sobre a paciência. Talvez algumas das páginas da literatura mais simbólicas de seu momento, minha cara, esteja nesses textos de Rilke. Revisite-os. Interprete-os. Incorpore-os. A escrita encontra-se por você dominada para mais tarde, na hora adequada, transformar-se em obra para o espanto e a admiração não somente de professores de português, mas também de leitores à procura do conflito entre razão e emoção. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Lorenzo Prezado Lorenzo O bom humor molda o caráter. Aliado ao respeito, torna o indivíduo uma pessoa admirável. Este início elogioso e, obviamente, dirigido a você não exagera em nada nem fica a dever no que tenho de mais essencial para destacar no nosso convívio desde 2014. Essa percepção não se construiu apenas baseada no que vi. Colegas meus nesse percurso compartilharam impressões que me levam a reforçar suas virtudes. Quantas vezes entrei em sala, e sua recepção educada, aberta, sem máscaras, deu-me mais um pouco de ânimo para a luta diária. Ação e reação. Energias vitais voltadas para a coeducação. A lição de um para o outro. Essas qualidades manifestas por você não se sobrepuseram aos deveres de aluno, ao que a obrigação exige de mais trabalhoso, demorado e persistente. Lições de sala foram motivos de piada entre seus colegas mais próximos. Associo novamente essa postura ao bom humor. Sua tarefa não deixava de ser feita, mesmo você sendo procurado para o riso e procurando a descontração; as regras centrais eram seguidas, a tarefa era cumprida e apresentada ao professor. Foram inúmeros os momentos em que seu caderno era levado até minha mesa para ver ou vistar o que tinha sido feito. Um exemplo bem recente do que eu expresso com insistência 44


nesta carta foi sua procura pela melhora da redação do conto escrito para o terceiro trimestre. O empenho em apresentar o rascunho do caderno, em ouvir um parecer, em corrigir o que era necessário, em receber instruções para aperfeiçoar a escrita não pode ser visto por mim como mera obrigação de quem está concluindo o ensino fundamental. Creio que há na sua postura mais do que isso. Você se integra à escola e age em sintonia com esse meio quando assim procede. Ação e reação. Esse espírito de entrega, meu caro Lorenzo, precisa ser conduzido ensino médio adiante. O próximo ano vai demandar de todos os novos alunos muito esforço de adaptação. Mais professores, mais materiais, mais atividades, mais será a palavra de ordem, e você estará pronto para tal desafio se não retroceder nenhum milímetro em suas atitudes e, pelo contrário, fortalecer-se na busca por conhecimento e integração com o meio. Aproveite as oportunidades que lhe forem dadas, jamais desista diante de qualquer dificuldade, procure por ajuda como já o fazia na escola que você deixa agora. Torço para que o amadurecimento já em pleno processo se concilie com a outra instituição de ensino e os benefícios naturais se manifestem para você e seu novo ambiente. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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PrezadoLucas Lucas Nossos dois anos de convivência me ensinaram muitos pontos de vista sobre sala de aula e relações com alunos e entre alunos. Tenho de selecionar um ou dois para atingir minhas modestas intenções nesta carta. O que eu pude aprender de melhor na troca de ideias que tivemos se liga ao desenho e à noção de justiça, de reivindicá-la. Você tem prazer em desenhar, e não foram poucas as folhas de caderno que recebi com sua arte. Cenas minhas na sala bem caracterizadas, seres imaginados ou o escritor Rodrigo Lacerda, nada escapou de sua descrição em linguagem não verbal. Há um estilo bem próprio definido na suas linhas. Quando revejo sua produção em meus materiais, talvez eu já me dispense de ver a assinatura. Você está ali naquela criação; as formas e o tema são nitidamente de um mesmo autor. É importante criar uma assinatura, quero dizer, uma maneira particular de representação inconfundível, um conjunto de sinais que acendam na mente do apreciador o seu nome. Exatamente como tenho feito nas cartas que também escrevo para colegas seus, tento destacar o que me parece de mais notável em tudo que vejo, percebo e posso intuir sobre as aptidões de cada um de vocês. Nada é definitivo, nada é inalterável, eu sei, mas elogiar virtudes não deixa de ser um reconhecimento, desde já, de um potencial.

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Se fosse apenas essa a sua qualidade que eu poderia destacar, já seria mais do que suficiente e motivo de felicitação. Uma possível vocação direcionada para a arte vale, na minha particular e humilde perspectiva, investimento e incentivo. No entanto, meu caro Lucas, há outra qualidade que me vem à mente constantemente. É o seu apego à noção de justiça. Recordo-me da primeira vez que me deparei com essa preocupação sua. Na produção de uma crônica, no ano passado, em que você escreveu em letras grandes: “Vida longa à justiça”. Esse, digamos, lema acompanha seus passos a todo instante. Estou enganado? A coerência de todos os atos e pessoas e regras que o cercam são checadas minuto a minuto por você, que não tolera em nenhuma hipótese uma suposta quebra do acordo ou da regra estabelecida. Importante que eu diga aqui algo essencial para sua nova escola, suas futuras relações pessoais: o contexto faz parte do julgamento do que vem a ser justo ou injusto, apropriado ou não, adequado ou inconveniente. Em cada momento, há variantes que revelam as intenções e a pertinência de algumas atitudes. Peço, com toda a preocupação e boas intenções, que analise sempre o contexto. O ensino médio abrirá novos desafios tanto para sua criação artística como para julgar situações justas ou injustas. Tenha calma. Sucesso! Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Rafael Gomes

Prezado Rafael Gomes

Eu preciso pedir a você todas as licenças possíveis para jogar nesta carta com metáforas mesmo que não sejam em nada grosseiras. É que vivemos em tempos de politicamente correto, em que se torna inevitável o autocontrole a fim de não sofrermos com a crítica feroz ou desmedida. Não o faço por medo, mas por cuidado com a sua pessoa. Vindo de mim, esse pedido se faz necessário, e você vai entender em instantes por quê. Eu quero dizer que, nos últimos anos, você cresceu muito. A afirmação que faço sobre sua pessoa tem duplo sentido, obviamente, e nenhum tom desrespeitoso porque parte de alguém que tem 1,96m, ou tinha fazia alguns anos. Minha brincadeira trata de muitos desenvolvimentos percebidos em você como adolescente, de uma expansão elogiável sim para as questões importantes numa vivência em escola. Pense no que eu digo: não houve, sobretudo no decorrer do 9º ano, um progresso de sua percepção sobre as barreiras a serem superadas e a importância da harmonia com seu meio social? Ter consciência, meu caro, de quanto devemos aprender e persistir na superação de dificuldades é requisito para todo e qualquer aluno, e você, eu bem acredito, parte para o ensino médio em sintonia com as 48


exigência que virão – que não serão poucas. Desde os primeiros meses da nossa relação professor-aluno, percebi que a ponte família-escola estava com trânsito propício para oferecer a você o cuidado necessário para seu progresso. Peço que você, nos próximos três anos, nunca deixe de lado essas conexões muito valiosas: as com os seus professores e a da sua família com a escola. Sempre você ganhará com essas combinações. Prevejo que, no ensino médio, o seu cavalheirismo será um grande aliado nas convivências diárias. Nunca abra mão disso. Como dever, preciso aconselhá-lo a empenhar-se com extrema disciplina nas leituras as mais diversas que se apresentarão a você e colegas de série. A demanda poderá ser assustadora inicialmente, mas a persistência e o desejo de conseguir ler lhe darão os resultados almejados. Este pedido em nada difere do que venho dizendo a todos os meus alunos, independentemente da série. Busque companhias para a leitura, imite o que fizemos ao longo de todo o ensino fundamental: a leitura em grupo, dramatizando, dividindo os personagens, cuidando de dar vida à narração. Todos esses passos valerão a pena. Se digo tudo isso, é porque uma última palavra sempre pode ser dita a alunos que conhecem as noções de respeito e de boa convivência em um ambiente escolar saudável. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Rafael Faria

Prezado Rafael Faria

Foram longos e produtivos quatro anos! Apesar de parecer hoje, de acordo com aquelas ideias tão triviais e com nossa percepção incompleta, que tudo passou rápido, na verdade fizemos todo o possível no tempo necessário, no ritmo que nos cabia. Sou sincero em dizer que você foi um dos que passaram por mais transformações neste ciclo que agora se encerra. Concorde comigo: muitas transformações precisam ser celebradas, as naturais e as conquistadas pelo seu esforço e dedicação. A postura ativa e participante foi característica sua desde o 6º ano. A peça montada com o grupo, em que você fazia o papel de Homero, somente pôde ter uma continuidade no ano seguinte porque houve de sua parte empenho, interesse, disposição para seguir em frente. Perceba os efeitos positivos de sua vontade: sua iniciativa moveu direta ou indiretamente colegas e professores, conectou-se a interesses e habilidades de outros, formando mais um círculo de ações e conhecimentos construídos em grupo. Comento elogiosamente esses fatos, meu caro Rafael Faria, com base na repercussão e consequência do que você realizou. Trago dados, elementos, lembranças, pormenores do simples e 50


eficiente binômio ação e reação. Você moveu pessoas. Se me recordo bem, recebi pedidos seus para que a peça do 6º ano – nossa adaptação de “Sonho de uma noite de verão” – tivesse continuidade e concretizássemos o que tínhamos pensado em planejar para seu personagem. Deu certo graças ao trabalho dos professores Natália e Caio, que dirigiram e criaram com vocês. Dou um salto para nosso presente a fim de unir o começo com o fim de nossa relação professor-aluno. Quero recordar uma cena que se deu na atual sala do 6º ano, ironicamente a série de que acabamos de falar e para a qual, involuntariamente, você deixou um exemplo. Recorde: você me procurou quando eu estava ali, queria saber a nota de sua prova sobre o livro “O fazedor de velhos”, de Rodrigo Lacerda. Sua nota de interpretação foi 10,0! Você recebeu aplausos, incentivados por mim, daqueles alunos jovenzinhos, que viam a sua expressão perplexa diante da nota, como se não fosse possível aquilo: receber a pontuação máxima pelo que tinha feito. Não se esqueça de quem foi, como você mesmo tinha dito para sua própria turma, o primeiro a terminar a leitura desse livro. Não se esqueça da sua participação em sala, procurando-me para falar da obra, tirar dúvidas a respeito de passagens da narrativa. O esforço, meu caro, mobiliza conhecimentos, atua na nossa memória. Que mais eu poderia recomendar para quem inicia o ensino

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médio com o mesmo comprometimento que você? Que persista com essa dedicação e faça dos dicionários seus maiores aliados. Impressos ou on-line, não importa, volte-se para eles como seus melhores amigos, e eu digo isso sem exagero. O vocabulário é a porta da compreensão. Esse caminho é que eu desejaria que você trilhasse. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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Thaís

Prezada Thaís

Muitas cenas engraçadas marcaram o ensino fundamental 2. Sim, momentos cômicos, que fizeram você rir muito e compartilhar a piada, o non sense de uma situação. Busque na sua memória quantos momentos em sala, em atividades pela escola e até fora dela renderam boas gargalhadas. Se você me permitir, quero recordar de um na vizinhança da nossa unidade de ensino. A escola de música que você frequenta foi visitada por mim numa tarde, eu pensava em talvez começar a estudar piano ali. Em uma das salas, quando quem me recebeu abriu uma das portas, estava ali você, estudando seu instrumento. Sua expressão de espanto, a serenidade de uma colega sua na outra sala, tudo isso foi comentado por você depois, como uma cena inexplicável, irreal, devaneio de uma criação sem nexo. Nas tardes de segunda-feira, diga-se com todas as letras, recebi muitas vezes sua simpática visita na sala tradicional do 8º ano. Antes de sua aula de música, você passava em nossa unidade para buscar seu instrumento e me via trabalhando e dirigia-se até a sala para me cumprimentar e falar algo de seu dia. Agradeço pelos gestos de polidez. Manifesto meu “muito obrigado” também pelo empenho em

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todas as atividades propostas para seu grupo e cumpridas com excelência por você. Pelos desenhos feitos em sala e em concorrência com os de colegas que também adoram criar figuras estranhas, surreais, surpreendentes. Toda vez que esses seres apareciam, havia uma explicação espantosa sobre sua natureza, seus hábitos, suas intenções. Se eu elogio a sua criatividade como desenhista, devo fazer o mesmo para seu potencial para leitura e escrita. Os acertos e a excelência de compreensão e produção nos últimos quatro anos seguirão ensino médio adentro. Peço que se dedique a estudar com afinco, desde o começo, os autores que se sucederão todos os semestres. Não os veja como coisas do passado, examine-os como as bases que prepararam o terreno para outros artistas na sequência. A maturidade será seu trunfo nesse exercício. Nunca conversamos sobre a possibilidade de você levar adiante a escrita de textos como uma atividade literária. Creio que é chegado o tempo em que isso possa ser uma realidade, e – sem desmerecer suas virtudes – não apenas um exercício de escola. Com todo o respeito e admiração Prof. Helio Ponciano

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ESCOLA CAMINHO ABERTO dezembro, 2017




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