TFG Fauusp | A relação entre o espaço urbano e os índices de criminalidade em São Paulo.

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A relação entre o desenho do espaço urbano e os índices de criminalidade na cidade de São Paulo



A relação entre o desenho do espaço urbano e os índices de criminalidade na cidade de São Paulo. (Uma metodologia comparada na cidade formal)


Universidade de São Paulo | Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação novembro de 2013

Camila de Andrade Kfouri Orientador: João Sette Whitaker Ferreira

Banca João Sette Whitaker Ferreira Karina Oliveira Leitão Maria Camila Loffredo D’Ottaviano


Aos meus pais.



Agradecimentos Primeiramente, agradeço aos meus pais pelo incentivo, apoio, motivação e por tudo que fizeram por mim até hoje, pois sem as bases por eles oferecidas, não teria sido possível alcançar esta graduação. Devo à eles, minha eterna gratidão.

Agradeço ao professor João Sette, por suas orientações e ensinamentos indispensáveis para a elaboração

deste trabalho e pela paciência ao longo deste período de convivência. À professora Camila D’Ottaviano, por sua atenção e principalmente por sua contribuição para a melhoria deste estudo. Também agradeço à professora Ka� ��� rina Leitão por aceitar o convite de participação da banca. Agradeço ao meu namorado, Rodrigo, pelo seu companheirismo, incentivo e apoio constante oferecidos a cada dia.

À minha irmã e ao meu cunhado pelo carinho e pelas noites em que me apoiaram quando fiquei até tarde

fazendo trabalhos da faculdade.

Aos meus amigos de longa data, pois são a família que me permitiram escolher e, apesar de não estarem

presentes no meu dia a dia da faculdade, compartilharam comigo a ansiedade deste ano.

Agradeço aos amigos que fizeram parte desta minha jornada na FAU, principalmente à Elissa, Letícia, Mika,

Taissa e Thais, pois sem eles não teria sido possível aprender a trabalhar em grupo, compartilhar angústias nas vésperas de entregas, dar risadas nas tardes de projeto, aproveitar happy hour, Equador, interFAU e com certeza a faculdade não teria sido a mesma.

Por fim, agradeço àqueles que, de alguma forma, me ajudaram e apoiaram na elaboração deste caderno.



Sumário objetivo 8 introdução 10 o crescimento da violência na periferia 16 sensação de insegurança e medo 26 a mídia e a violência 32 novo modelo de organização espacial 36 metodologia comparada 48 parâmetros | Fluxos 56 parâmetros | Diversidade social 59 parâmetros | Diversidade de usos 63 parâmetros | Infraestrutura 79 parâmetros | Índices de criminalidade 113 conclusão 117 bibliografia 124


objetivo


O presente trabalho tem como objetivo investigar as relações entre usuários e o ambiente construído, envolvendo os processos de percepção ambiental como instrumento no planejamento e construção do espaço urbano. Analisar o efeito de características físico-espaciais definidoras da estética e qualidade urbana, níveis de territorialidade, segurança e acessibilidade sobre as atitudes e comportamentos dos indivíduos. E, por fim, desenvolver análises empíricas através de uma metodo� logia comparada de avaliação da ocupação e métodos de descrição e análise espacial.

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introdução


Fatos violentos parecem cada vez menos distantes e im� prováveis de acontecer na vida das pessoas que vivem nas grandes ci� dades. Diariamente notícias sobre violência são veiculadas na impren� sa, e é possível notar que alguns cenários se repetem. Em bairros bem servidos por infraestrutura e serviços urbanos, cidadãos procedentes das classes alta e média da sociedade são vítimas de furtos, assaltos e arrombamentos de residências e veículos. Nos bairros da periferia ur� bana, o palco é constituído pela ação do crime organizado, batalha en� tre traficantes e policiais, tiroteios e disputas entre “chefes” de morro. É difícil definir uma fonte de dados para formar uma base con� creta de números que possam medir a taxa de homicídios no país, uma vez que mortes causadas pela polícia não são computadas nas delega� cias como homicídio, mas como “roubo tentado” ou “resistência”, ou porque chacinas são registradas apenas como uma ocorrência com óbi� to, mesmo correspondendo a mais de uma morte. Os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade da Secretaria de vigilância em saúde permitem analisar o crescimento das taxas de homicídio no Brasil en� tre os anos de 1980 e 2010. Nota-se que o país passou de um índice de 11,7 homicídios em 100 mil habitantes em 1980 para um índice de 26,2 em 2010. É evidente notar uma quebra na série a partir de 2003, até esse ano as taxas crescem cerca de 4% ao ano, mas entre 2003 e 2010 o página | 13


crescimento passa a ser negativo, apresentando algumas oscilações de aumento e queda. Algumas ações federais, como a campanha de desarmamento em 2005, contribuíram para essas oscilações, no entanto, no espaço de 30 anos, o país teve um aumento real de 124%. Isso significa que nesse período o país ultrapassou a casa de um milhão de vítimas por homicídio, número de tal magnitude que fica difícil construir uma ima� gem mental para assimilar ou entender o seu significado, já que esses números superam, em alguns casos, os números de vítimas em muitos enfrentamentos armados no mundo. Segundo Sérgio Adorno, em “São Paulo sem medo: um diagnóstico da violência urbana”, nos últimos 20 anos, nossa sociedade teria transitado de uma crônica do crime como excepcionalidade para uma crônica do crime como cotidianidade. O fato é que não há mais vítimas preferenciais, qualquer cidadão, indepen� dente de sua condição de gênero, idade, naturalidade, etnia ou origem de classe, pode ser alvo de agressão criminal. Enquanto as classes média e alta da sociedade estão sobressaltadas com o medo de sequestros e assaltos no farol, os moradores da periferia, com frequência, se defrontam com corpos atravessados nas sinuosas vielas das precárias habitações. Nesse contexto, não podemos deixar de considerar o impacto que essa questão tem sobre o cotidi� ano das pessoas, incluindo formas de locomoção, formas de diversão e até cuidados e temores que são ex� perimentados diariamente ao sair de casa. De uma forma ou de outra, a população, em absoluta maioria, se tornou vítima passiva de uma ou outra manifestação de violência. O presente trabalho analisa de que maneira o desenho urbano pode influenciar no comportamento página | 14


Evolução das taxas de homicídio no Brasil, 1980 – 2010. Fonte: Sistema de Informação sobre Mortalidade (Secretaria de vigilância em saúde).

Mortalidade em conflitos armadas no mundo. Fonte: www.mapadaviolencia.org.br

Taxas de homicídios a cada 100.000 hab.

30

2003: 28,9

28 26 2010: 26,2

24 22 20 18 16 14 12 1980: 11,7

10

1980

1985

1990

1995

2000

2005

2010

País/Conflito

Natureza do conflito

Ano

Nº de mortos

Brasil

Homicídios

1980 -2010

1.091.125

Etiópia

Disputa territorial

1998 - 2000

50.000

Guatemala

Guerra civil

1970 - 1994

400.000

Guerra do Golfo

Disputa territorial

1990 - 1991

10.000

Timor Leste

Independência

1974 - 2000

100.000

Israel - Palestina

Disputa territorial/religiosa

1947 - 2000

125.000

Colômbia

Guerra civil/guerrilha

1964 - 2000

45.000

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dos cidadãos, tanto naqueles que cometem a ação criminosa, quanto naqueles que são vítimas dessas ações. O espaço pode dificultar a ocorrência do crime nos espaços públicos, agindo contra o medo e a sensação de insegurança da população, através de uma simples iluminação pública ou de uma ampliação do campo de visão dos pedestres. Além disso, a melhoria de infraestrutura e das condições precárias de habitação nas periferias podem influenciar no comportamento de revolta de uma população excluída social e espacialmente. É evidente que o desenho do espaço não constitui a única forma de incentivo à violência urbana, havendo fatores políticos e econômicos que geram desequilíbrios sociais e influenciam essa questão. A precariedade de políticas públicas, a ineficiência da educação, as taxas de desemprego e a desigualdade socioeconômica da população são questões bastante consideráveis quando o assunto é violência. Segundo Sérgio Adorno em “A gestão urbana do medo e da insegurança”, as políticas públicas de segurança, justiça e penitenciárias também não têm contido o crescimento dos crimes, uma vez que o crescimento dos delitos não foi acompanhado de uma elevação proporcional do número de inquéritos e processos penais instaurados. O ano de 2006, por exemplo, vai ficar marcado na história da cidade de São Paulo. O sistema penitenciário foi abalado por rebeliões, mas foram as ações fora do sistema que mais impressionaram: policiais e agentes penitenciários foram mortos, prédios públicos, bases de policiamento comunitário e delegacias foram alvos de bombas, granadas e tiros. Os atentados foram organizados pelo Primeiro Comando da Capital, um comando criminoso de dentro das prisões do Estado de São Paulo que conseguiu um controle sobre boa parte da massa carcerária. O fortalecimento desse grupo, entre outros fatores, estava ligado a um sistema de justiça criminal que atua sem integração entre suas instituições e pela incapacidade de modernização para atender as necessidades da sociedade. Além disso, o descumprimento da Lei de Execução Penal por parte do Estado acabou submetendo milhares de presos a condições subumanas associadas às péssimas condições de encarceramento a

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que são submetidos. A impunidade dos agentes públicos também é um aspecto forte para compreender o fato que ocor� reu naquele ano, já que policiais e agentes penitenciários viabilizam fugas, entradas de celulares nas prisões e muitas vezes acobertam crimes, cedendo armas para bandidos. O trabalho consiste em analisar de que forma o espaço urbano pode contribuir, atrelado às mudanças políticas e econômicas, para a queda dos índices de criminalidade. Para tanto, em um primeiro momento, foi necessária uma aproxima� ção com os diversos enfoques que a violência urbana pode ter, assim, o estudo inicial foi focado em três frentes. O primeiro passo foi entender o crescimento da violência nas zonas periféricas da cidade, onde há um esquecimento da população por parte do Estado. Depois, foi importante entender como esse crescimento da criminalidade gera uma sensação de insegu� rança e medo cada vez maior na população. E, por fim, o resultado disso é o surgimento de um novo modelo de organização espacial, constituído de ambientes fragmentados e isolados. O resultado do trabalho foi elaborar uma metodologia comparada entre quatro regiões da cidade de São Paulo: Con� solação, Morumbi, Pinheiros e São Mateus. O objetivo é poder analisar diferentes contextos sociais e geográficos com os índices de criminalidade do local e, para isso, foi necessário definir alguns parâmetros que se relacionam com a insegurança, como fluxo de pedestres e automóveis, infraestrutura e manutenção pública, distribuição de renda e uso do solo. O estudo, portanto, foi baseado em um levantamento de dados e informações públicas, visitas de campo em dife� rentes dias e horários e entrevistas qualitativas com residentes e trabalhadores em cada uma das regiões. Dessa forma, foi possível estabelecer comparações entre a dinâmica do espaço urbano, a sensação de medo e insegurança e os índices de criminalidade da região.

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o crescimento da violĂŞncia na periferia pĂĄgina | 18


Favela da Rocinha, Rio de Janeiro. Bruno Senna, 2003.

“Para dominar o espaço, o crime precisa desorganizar a comunidade e fazer com que o vazio deixado pelo Estado seja preenchido por sua ordem e seus valores.” (Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAUUSP, 2003).

Segundo Alba Zaluar em “Da revolta ao crime S.A.”, a rapidez do crescimento da urbanização a partir da década de 50 fez surgir grandes regiões metropoli� tanas e muitas cidades médias no interior do país. Com isso, os problemas das grandes concentrações urba� nas relativos à habitação, trabalho, saúde e educação começaram a coexistir com os de controle social e de vigilância policial eficazes. Após o grande crescimento econômico durante o regime militar, em que a riqueza do Estado nunca chegou a ser distribuída entre a popu� lação, o país retornou às práticas da democracia em um quadro de crise econômica e de inflação acelerada. A violência pertence a uma cadeia de causas e efeitos entrecruzados, que não podem ser descartados. O problema da criminalidade nas cidades brasileiras se relaciona diretamente com o desemprego e a macro página | 19


política econômica, sendo decorrência também dos desequilíbrios sociais gerados pela estrutura histórica da sociedade do país e pelas políticas de alinhamento ao modelo econômico da globalização neoliberal, adotadas nos últimos 15 anos. Se a crise econômi� ca afeta a qualidade de vida de imensas populações urbanas, sobretudo dos segmentos pauperizados e de baixa renda, a crise também afeta a capacidade do Estado de aplicar as leis e garantir a segurança da população. As regiões que sofrem exclusão sócio-espacial e que, consequentemente, são marcadas pela ausência do Estado estão diariamente mais sujeitas a situações de violência. Isso se dá tanto pela precariedade da qualidade do espaço, que apresenta uma conexão entre espacialidade urbana e estratégia de sobrevivência concretizada nesse ambiente, quanto pela ação do crime orga� nizado, que encontra nos espaços vazios deixados pelo Estado um local propício para sua atuação. O centro de organização e o raio de atuação do crime organizado vão além dos limites dos bairros, e para praticar a venda de drogas ele precisa obter um controle de território e garantir o monopólio da violência. Dessa forma, a prática de crimes no espaço ou contra os habitantes que ali vivem torna-se uma forma de dominação. E, para garantir esse monopólio, o tráfico acaba tomando do Estado o poder da polícia, presa a um ciclo fatal entre a brutalidade e a corrupção endêmica. Essa territorialização do tráfico pode ser pouco sentida pelo Estado devido à escassez de sua atuação e de interesse nestes locais, onde a presença de terrenos ermos, sem uso e sem nenhum tipo de policiamento, favorece a proliferação das áreas de escape e de execução do crime organizado. Por outro lado, o crime organizado se constitui uma das mais atraentes atividades econômicas locais, pois atrai aliados, em sua maioria jovens carentes de trabalho, que buscam uma fonte de renda infinitamente maior do que aquela que o mercado de trabalho formal pode oferecer. Alba Zaluar comenta sobre como a baixa capacitação desses jovens para o mercado de trabalho formal tende a levá-los a buscar o sucesso financeiro no tráfico de drogas. O uso de armas de fogo dentro das escolas, onde já ocorreram várias mortes, tem levado os alunos a se transferirem de uma escola para outra, de um bairro para outro, o que é prejudicial ao rendimento escolar, ou então tem sido responsável pelas faltas repetidas na mesma escola. Por fim, a relação com o professor e com as de� mais figuras de autoridade ficou afetada pelo uso cada vez mais comum dessas armas. A mera existência de opções informais do mercado ilegal de drogas e demais crimes contra a pessoa e contra o patrimônio minou a perspectiva da profissionalização e da educação como saídas para a pobreza. página | 20


O resultado dessa cadeia de fatos é a crise de valores e o enfraquecimento dos laços de lealdade, bem como o enfraqueci� mento de seus correspondentes conceitos de viver em sociedade e respeitar o próximo, que não foram compensados pelo apare� cimento de um novo mapa para guiar os caminhos dos jovens. Falta, portanto, nessa ideologia a noção de direitos, que implica a aceitação da palavra, do argumento, da vontade dos outros. Trata-se então, da visão do indivíduo isolado, atomizado, sem vínculos sociais com seus iguais. Nessa ideologia, cada um luta sozinho para defender-se de todos. Por isso mesmo, a guerra é um tema constante na fala desses jovens e uma realidade tão trágica em suas vidas. Vale lembrar ainda que a questão da violência deve ser tratada com o cuidado necessário em relação às especificidades locais, já que as configurações espaciais e urbanas variam de região para região. Nem todo distrito periférico, pobre e abandonado pelo Estado é necessariamente violento, mas a violência e a criminalidade tendem a ocorrer preferencialmente em ambientes onde há o desconforto da habitação e a ausência de mobilidade e lazer. Dada a complexidade do tema e o grau de consolidação de alguns fatores motivadores da violência, é evidente que o con� trole do crime organizado não se dará somente por meio de intervenções no espaço urbano, mas também pelo envolvimento de políticas públicas muito mais abrangentes que transpassem ações federais, estaduais e municipais, capazes de enfrentar situações estruturais de desequilíbrio sócio econômico. No entanto, essas políticas podem ter uma maior efetividade se forem acompanha� das de uma melhoria do ambiente construído. Um exemplo de envolvimento de políticas públicas no combate à violência é o caso do município de Diadema no estado de São Paulo. Nos anos 90, a cidade ostentava uma das maiores taxas de homicídios do Brasil e um conjunto de políticas públicas, que tinham como principal foco o fechamento de bares às 23 horas, diminuiu gradativamente o número de casos. O trabalho que visava a diminuição da criminalidade na cidade começou em 2001, quando houve um mapeamento para identificar a principal causa para os altos índices de homicídios na região. Foi feito um levantamento, no qual foi identificado que 60% dos homicídios estavam direta e indiretamente ligados aos bares e que ocorriam entre 23 horas e 6 horas. A cidade tinha, em 1999 uma taxa de 102,8 homicídios dolosos por grupo de 100 mil habitantes. Em 2011, esse número caiu para 9,52, o que significa uma redução de 90,74%, o menor índice do período. Segundo o comandante da guarda civil metropolitana da cidade, em 2011, o sucesso da lei, entre outros fatores, está no trabalho de fiscalização e punição dos que descumprem a determinação. página | 21


Além disso, várias outras ações foram desenvolvidas pela Prefeitura de Di� adema para reduzir os índices de criminalidade na cidade. Alguns exemplos foram a integração das polícias Civil e Militar e da Guarda Civil Municipal, a mediação de conflitos entre a população, além de campanhas pelo desarmamento. Há também o caso do bairro do Jardim Ângela, na zona sul da cidade de São Paulo, que em 1996, chegou a ser considerado o mais perigoso do mundo pela Or� ganização das Nações Unidas, com 116 mortes por 100.000 habitantes, de acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública. Através de ações para o combate desta violência, o índice de homicídios no bairro caiu para 15,7 mortes por 100.000 habitantes em 2009. O governo estadual atribui o resultado à ações policiais, como apreensão de armas ilegais, prisão de criminosos, inteligência para resolver delitos e investimento em viaturas e helicópteros. No entanto, ativistas sociais, como o padre Jaime Crowe, também atribuíram à Cultura de Paz a queda no número de mortes violentas. Os princípios dessa cultura baseiam-se na rejeição à violência, no respeito à vida e na construção da paz por meio da educação, cooperação e diálogo. O padre Crowe, que realizava diariamente os enterros no cemitério público São Luiz e que já chegou a rezar em seis enterros de jovens em uma única manhã, teve importante papel na disseminação dessa cultura. Quando chegou ao bairro Jardim Ângela, em 1987, ele encontrou alguns problemas como, desemprego, cres� cimento urbano desordenado, falta de serviços públicos e a consequente violência. Juntamente com a comunidade, em 1988, ele criou a Sociedade Santos Mártires, cujo objetivo era suprir a ausência de equipamentos públicos, como a criação de creches infantis, na região. Quando a UNESCO conferiu ao Jardim Ângela o título de região mais violenta do mundo, o pároco percebeu que era preciso fazer mais. Foi página | 22


Moradores do Jardim Ângela participam da 18ª Caminhada pela Vida e pela Paz. Fonte: Marcelo Camargo, novembro, 2013.

então que ele acionou presidentes de associações de moradores, pastores evangélicos, diretores de escolas e comerciantes. Em seguida, foi criado o Fórum em Defesa da Vida, que até hoje reúne mensalmente representantes da comunidade em busca de soluções para os problemas locais. Além disso, o governo estadual implantou cinco bases de polícia comunitária, promovendo mais integração entre as autoridades de segurança e a população local. A Sociedade Santos Mártires também ampliou suas atividades, implantando uma clínica de reabilitação de dependentes quími� cos, além de um programa de reiniciação de adolescentes infratores, que passam por cursos profissionalizantes e depois são empregados pelo comércio local. Como exemplo internacional, Bogotá, também no início dos anos 90, era uma cidade mar� cada pela corrupção, violência, altos índices de criminalidade e condições de tráfico inaceitáveis. A vida urbana em Bogotá era moldada por uma guerrilha contínua na Colômbia, problemas com os poderosos cartéis de drogas e altos níveis de impunidade e de corrupção policial. Tanto a vida pública quanto a vida privada eram extremamente inseguras. O quadro se reverteu a partir de 1995, quando o prefeito da cidade, Antanas Mockus, iniciou uma campanha de Cultura cidadã. A campanha era composta por três pilares: as leis do Estado, a moral dos indivíduos e a cultura da sociedade. Consistiu em um conjunto de medidas que geravam na população uma sensação de pertencimento à comunidade, de forma que as pessoas passassem para um estado de direito como uma forma de autogoverno. Além disso, esse método foi utilizado como ferramenta políti� ca para alcançar a mudança cultural que era necessária antes que as leis pudessem dar margem a qualquer resultado real, significativo e positivo. Uma das ideias para encorajar uma mudança tanto individual quanto social foi estabelecer atos públicos em torno de esquemas específicos de opressão. O teatro de mímicos na rua foi uti� lizado para mostrar a opressão mascarada e torná-la visível, indicando publicamente o que havia página | 23


Mímicos auxiliando na educação de trânsito em Bogotá, 1997. Fonte: news.harvard.edu

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de errado com o comportamento de um determinado cidadão. Por exemplo, um mímico podia imitar um motorista que tinha parado sobre a faixa de pedestres, obstruindo a passagem, e incitar o público a gozar dele. Indivíduos jogando lixo na rua seriam identificados por mímicos que o seguiriam e o ridicularizariam. Da mesma forma, quando uma boa ação fosse identificada, por exemplo, um pedestre ajudando uma pessoa de idade a cruzar a rua, o mímico iria imitar a pessoa e estimular o público a aplaudir a ação. Ao ridicularizar publicamente os indivíduos que desobedecessem as regras e expor isso ao grupo, Mockus degradou a posição social dos mesmos e incentivou a conscientização social da população. O policiamento comunitário buscou aproximar o policial à comunidade e propiciar uma cultura de segurança cidadã no bairro, através da integração da administração local, da polícia e da comunidade. O programa desenvolveu processos de conscientização na comunidade, gerando compromisso, diálogo e confiança, trabalhando na prevenção e redução do delito. A reestruturação dos membros da polícia também foi essencial, pois até a reforma de 1995 a polícia colombiana carregava a marca da corrupção e da conivência com o narcotráfico. A ideia da aproximação entre polícia e sociedade, de integração como forma de geração de confiança foi central. Diversas outras políticas públicas também foram implantadas, como a criação do boletim de violência e de� linquência, que, ao publicar mensalmente a evolução dos delitos em bairros específicos, aproximava a população de informações realistas. Também houve a intervenção no abuso de álcool, pois a Lei Zanahoria impôs o fechamento de estabelecimentos noturnos que vendiam bebidas à uma hora da madrugada. Em 1997 houve a proibição do porte de armas e um incentivo ao desarmamento voluntário, onde a entrega de munições era vinculada à troca de bônus. O programa de renovação urbana, a partir da “Teoria das janelas quebradas”, buscou fortalecer os laços entre o cidadão e o seu entorno comunitário. Através da recuperação de espaços públicos, Mockus incentivou a convivência da população em praças através de shows musicais e peças teatrais. A “Teoria das janelas quebradas”, publicada em 1982 por James Wilson e George Kelling, estabelecia uma re�

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lação de causalidade entre desordem e criminalidade. Os autores usaram a imagem das janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminali� dade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a consequente queda da qualidade de vida. Se uma janela fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas concluiriam que não há autoridade responsável pela manutenção da ordem naquele local e logo outras janelas poderiam ser quebradas tam� bém, iniciando um processo de decadência do ambiente. Pequenas desor� dens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime. Por outro lado, se uma janela fosse quebrada e imediatamente fosse reparada, a ideia de se manter a ordem naquele local seria mais absorvida pela população. O estudo ficou conhecido como “Broken Windows” e veio a ser um dos fundamentos da moderna política criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada em Nova Iorque, sob o nome de “Tolerân� cia zero”. Rudolph Giuliani iniciou seu mandato na prefeitura de Nova Iorque em 1993 e foi um dos responsáveis por instaurar a política de tolerância zero na cidade. Pequenos delitos como pichação ou pular a catraca do metrô eram considerados “janelas quebradas” e, consequentemente, sofriam punições severas, incluindo prisão. Ele acreditava que nem todo aquele indivíduo que pratica um delito pequeno pode ser considerado capaz de cometer um delito grave, no entanto, alguns cometerão se não encontrarem nenhuma repressão àquele delito menor. página | 26


Nova Iorque também sofreu uma profunda reestruturação do Departamento de Polícia e implan� tou o policiamento comunitário. Áreas com maiores índices de criminalidade e desordem receberam um maior número de policiais, que poderiam identificar as preocupações da comunidade e, algumas vezes, prevenir o crime simplesmente com a sua presença. É importante lembrar que políticas públicas devem ser elaboradas e aplicadas de acordo com a situação social e econômica de cada região. Segundo Sergio Adorno, a política de tolerância zero até pode� ria ser aplicada no Brasil, mas não seria suficiente, porque não basta ser intolerante com todos os tipos de crime, mas é necessário investigar e indiciar para se chegar a uma condenação apropriada. Além disso, essa política aumentaria as taxas de encarceramento por delitos leves e o o sistema carcerário do país já é ineficiente e não comporta a quantidade de pessoas que deveria suportar. O desenho do espaço urbano não pode atuar diretamente contra o crime, mas pode agir, através da vinculação com políticas públicas efetivas, a favor da comunidade e dos serviços públicos de tal for� ma que dificulte sua reprodução e expansão. Oscar Newman, em Defensible Space – Crime prevention through urban design, comenta sobre maneiras de bloquear as oportunidades para que ocorra a violência, onde algumas ações precisam ter a garantia de que vão reprimir fisicamente sua vítima. As modificações devem restringir o deslocamento dos criminosos ou ampliar os deslocamentos das vítimas, permitir maior visibilidade dos pedestres e iluminar os espaços. Um exemplo é a intervenção viária de maior porte em regiões de acessibilidade restrita controladas pelo tráfico, aumentando os fluxos de pedestres e veículos e desestruturando as situações de controle. É comum ver praças e parques abandonados se tornarem lo� cais de ponto de tráfico ou até causarem sensações de insegurança pela falta de uso, fato que poderia ser revertido através da retomada da ação do poder público na gestão desses espaços.

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sensação de insegurança e medo página | 28


Cadeado, corrente e grade na Av. Luis Carlos Berrini. São Paulo. Ligia Lupo, 2011.

“É difícil preocupar-se com ameaças que não se pode nomear e muito menos enfrentar. As fontes da insegurança estão ocultas e não aparecem nos mapas, de modo que não podemos situá-las com precisão. Mas as ameaças, essas substâncias estranhas que botamos na boca, ou os estranhos que passam, sem ser convidados, pelas ruas conhecidas por onde andamos, são bem visíveis. Estão todos, por assim dizer, ao nosso alcance, e assim podemos pensar que podemos afastá-los ou “desintoxicar-nos”. (Zygmunt Bauman. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, 2001). Em um primeiro momento é importante analisar a diferença que existe entre sentir medo e sentir-se inse� guro. O medo se refere a uma reação justa contra uma ameaça física ou concreta. É o caso de sofrer um assalto à mão armada, no momento da ocorrência existe o senti� mento de medo de que um tiro seja disparado, mas quan� do a ação termina e percebe-se que não houve disparo, surge o alívio de estar salvo e o medo passa. Já a sensa� ção de insegurança é um sentimento difuso de algo que não se tem certeza. É o caso de parar de carro em um semáforo de uma avenida mal iluminada, não se sabe ao página | 29


certo o que pode acontecer, mas o fato de ter ouvido falar de casos de assalto nesse tipo de situação e a falta de movimento de pessoas ao redor fazem com que o indivíduo se sinta ameaçado e inseguro. Uma pesquisa da Datafolha, realizada no dia 22 de novembro de 2012 na cidade de São Paulo, teve como objetivo consultar a percepção do paulistano sobre segurança pública, violência e imagem dos policiais. O medo de que a onda de violência que atinge São Paulo atinja a si próprio ou a alguém da família é difundida entre 92% dos paulistanos. À noite, a sensação de insegurança é ainda maior: 78% afirmam se sentir inseguros ao andar pelo bairro onde moram nesse período do dia. Nos distritos da Zona Norte, mais distantes do Centro, como Pirituba, Freguesia do Ó e Perus, a taxa de insegurança ao caminhar a noite é ainda mais alta (84%). Em alguns distritos da Zona Leste, como Mooca, Vila Carrão e Tatuapé, entre outros, o mesmo índice fica em 83%. Ainda nessa mesma pesquisa, para a maioria dos paulistanos, a polícia de São Paulo é pouco ou nada efi� ciente, e pelo menos metade da população da capital tem mais medo do que confiança na polícia. Isso ocorre, sobretudo, porque as forças policiais frequentemente agem fora dos limites da lei, cometendo abusos e execu� tando suspeitos. Além disso, as dificuldades da reforma da polícia e a deslegitimação do sistema judiciário do país generalizam essa descrença. Segundo Zygmunt Bauman, em “Confiança e medo na cidade”, a forte tendência a sentir medo e a ob� sessão por segurança fizeram a mais espetacular das carreiras. A crescente indústria do medo, altamente lucra� tiva, tem um papel fundamental na percepção que a população tem sobre a violência. Os índices de criminalidade de fato existem, mas eles podem parecer mais assustadores quando são alimentados pelas promessas de que novos métodos de enclausuramento, tais como cercas elétricas e carros blindados, sejam a solução para a garan� tia de segurança. Além disso, a contratação de seguranças privados tornou-se bastante comum, já que promete página | 30


“Nas últimas décadas , a segurança tornou-se um serviço que pode ser comprado e vendido no mercado, alimentando uma indústria altamente lucrativa”. (Teresa Caldeira, Cidade de muros, 2000) substituir a efetividade de uma polícia com imagem de corrupção e incapacidade de garantir a ordem. As estressantes sensações de insegurança e medo que atormentam qualquer cidadão de uma grande ci� dade, desde parar no semáforo de uma avenida deserta e mal iluminada até os cuidados e temores que sentem ao sair de casa diariamente, vêm demonstrando como a violência tem alterado o padrão de comportamento da população. Bauman afirma ainda que compartilhar um espaço com estranhos, viver com eles por perto, desagradáveis e invisíveis como são, é uma condição da qual os cidadãos consideram difícil, se não impossível, escapar. A desori� entadora variedade do ambiente urbano é fonte de medo, em especial entre aqueles que perderam seus modos de vida habituais e foram jogados num estado de grave incerteza pelos processos desestabilizados da crescente onda de violência. No entanto, a vizinhança dos desconhecidos é um modo de viver que os cidadãos terão de experimentar, que deverão ensaiar com confiança para, enfim, instituí-lo, se quiserem tornar a convivência agradável, e a vida vivível. A arte de viver pacífica e alegremente com as diferenças e de extrair benefícios dessa variedade de estímu� los e oportunidades está se transformando na mais importante das aptidões que um cidadão precisa aprender e exercitar. Arquitetos e planejadores urbanos podem fazer muito para favorecer o crescimento da mixofilia e reduzir as ocasiões de reação mixofóbica diante dos desafios da vida urbana. Ou seja, a cidade pode ser planejada de for� ma a exercitar o convívio de pessoas de diferentes etnias e classes sociais, e, ao mesmo tempo, diminuir o medo que a população tem de conviver com os estranhos. No entanto, ao que tudo indica, o planejamento urbano tam� bém pode fazer muito para favorecer o efeito oposto. página | 31


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Praรงa Corveta Camacuรฃ. Camila Kfouri, 2013.


Se a segregação é oferecida e entendida como solução radical para o perigo representado pelos desconhecidos, a convivência com eles irá se tornar cada dia mais difícil. Reduzir ao mínimo as atividades co� merciais dos bairros e dificultar a comunicação entre eles é uma solução que fortalece a tendência a excluir e a segregar. A uniformidade do espaço social, acentuada pelo isolamento espacial dos moradores, diminui a tolerância à diferença, e multiplica, assim, as ocasiões de reação mixofóbica, fazendo a vida na cidade parecer mais propensa ao perigo, e, portanto, mais angustiante, em vez de mostrá-la mais segura. Seria mais favorável à proteção e ao cultivo de sentimentos mixófilos, no âmbito do planejamento ur� bano, a estratégia oposta, ou seja, a difusão de espaços públicos abertos, convidativos, acolhedores, que todo tipo de cidadão teria vontade de frequentar assiduamente e compartilhar voluntariamente, sem passar pela estressante sensação de insegurança. Na verdade, a segurança é, muitas vezes, garantida pelo espaço público ocupado. Quanto mais gente na rua, mais segura ela parece, uma das chaves da segurança e do prazer da vida urbana, portanto, é recuperar o espaço público para o uso dos cidadãos. A ordem não é mantida essencialmente pela polícia, sem com isso negar sua necessidade, mas é mantida fundamentalmente pela rede intrincada, quase que inconsciente, de padrões de comportamentos espontâneos dos cidadãos e por eles aplicados. Segundo Jane Jacobs em “Morte e vida de grandes cidades”, a diversidade de usos, de nível sócio econômico da população, de tipologia das edificações e de raças é muito importante para que uma cidade seja eficiente e segura. Mais importante do que a figura do policial, para garantir a segurança de um determinado bairro, por exemplo, é o trânsito ininterrupto de usuários, além da existência do que a autora chama de “pro� prietários naturais da rua”. Donos dos estabelecimentos comerciais são os “olhos atentos”, muitas vezes, mais eficazes do que a iluminação pública. Trata-se da figura pública autonomeada, a quem os moradores podem recorrer para deixar um recado, uma chave, uma encomenda, desse modo, a vida pública informal impulsiona a vida pública formal e associativa. A autogestão democrática é que garante o sucesso dos bairros e distritos que apresentam maior vitalidade e segurança. página | 33


a mídia e a violência página | 34


Charge sobre a cultura da violência no Brasil. História viva, 2010.

A influência que os meios de comunicação exercem na vida das pessoas é muito grande. É por meio de seus sons, palavras e imagens que tomamos conheci� mento de situações e problemas que acontecem no mundo. As mensagens recebidas modelam nossa imaginação e nossos pensamentos, direcionando nossas ações para aquilo que recebemos de dados. No entanto, esse acesso às informações é contro� lado, de maneira que elas são selecionadas, produzidas e organizadas por pequenos grupos de pessoas que definem o que, como e quando serão repassadas. Mais do que isso, as informações são fragmentadas, embora possam passar a sensação de totalidade. Na televisão, por exemplo, tudo é muito rápido, as imagens se sobrepõem, anúncios, tragédias, filmes, notícias e documentários. Dessa forma, fica difícil saber ao certo qual o grau de relevância de cada uma dessas informações, uma vez que anúncios sobre uma nova marca de margarina ou um escândalo no Congresso, as lutas entre traficantes ou o campeonato de futebol, se misturam na hora de serem repassadas. As cenas da televisão podem nos levar a transformar o mundo em uma “grande tela”, no cenário de muitos espetáculos, onde qualquer personagem tem a possibilidade de entrar em cena e onde tudo pode acontecer. A cidade e o mundo se transformam em um espaço ilusório em que a nossa imaginação pode antecipar tanto as experiências que desejamos como algumas que tememos, mas considera� mos inevitáveis, como medo, amor, violência e liberdade. página | 35


Notícia sobre os ataques do PCC. Folha de São Paulo, 2006.

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Dessa forma, esses meios de comunicação são como uma espécie de sombras, que apesar de nos falarem do mundo e do que acontece nele, às vezes, nos afastam das coisas que estão realmente acontecendo. Muitos estudiosos afirmam que a sensação de insegurança que afeta as pessoas é sempre muito maior do que o contato real que tiveram com ela. Na verdade, aprendemos a temer e a identificar situações violentas muito antes de passar pela experiência. Além disso, é possível analisar uma relação entre a criminalidade e o tipo de mensagem que recebemos dos meios de comunicação. Tanto a criminalidade quanto os noticiários, filmes e novelas chamam a nossa atenção porque evocam situações sensacionais e extraordinárias, que rompem com tudo aquilo que estamos acostumados a considerar normal ou esperado. Eles nos remetem para o mundo da exceção, visto que, em geral, se referem à situações sobre as quais não exercemos nenhum controle. A repetição das mensagens acaba transformando o extraordinário em normalidade, o que faz com que, nos nossos pensamentos, os acontecimentos inesperados e incontroláveis se transformem em situações pos� síveis, inevitáveis e até esperadas. Esse é um dos maiores motivos de nosso imaginário sobre a violência ser bem maior do que as nossas experiências com ela. Os meios de comunicação constroem as personagens de suas notícias, apresentando-as como “estranhas fora da lei” e, por isso, não merecedoras de respeito. Isso nos impede de compreender o que há por trás de cada uma dessas personagens, que espaço ocupam na cidade, quais seus problemas, que papeis realmente desem� penham e, principalmente, de que processos políticos, econômicos, sociais e culturais são resultado. O mecanismo para isso é o mesmo que é verificado para as notícias sobre a violência. Retira-se a história das notícias e ela se torna apenas um fato. Retira-se esse fato de um contexto mais amplo, que seja capaz de explicá-lo, e se concentra toda a força da mensagem no estranho modo de agir dessas exóticas personagens, sendo muito difícil, para o receptor dessas informações, negar a verdade de algo tão objetivo quanto um fato. O efeito que se observa disso tudo é que as mensagens dissolvem e escondem muitos dos problemas e injustiças da sociedade atrás das “desordens da natureza”, “desordens de cada um” ou em grandes imagens que associam a violência somente à criminalidade. página | 37


novo modelo de organização espacial página | 38


Câmeras de segurança na Av. Luis Carlos Berrini. São Paulo. Ligia Lupo, 2011.

“No entanto, as formas de exclusão e encerramento sob as quais as atuais transformações espaciais ocorrem são tão generalizadas que se pode tratá-las como parte de uma fórmula que elites em todo o mundo vêm adotando para reconfigurar a segregação espacial de suas cidades.” (Teresa Caldeira. Cidade de muros, 2000). Segundo Teresa Caldeira em “Cidade de muros”, uma série de processos afetou profundamente a or� ganização espacial da sociedade brasileira nas últimas décadas do século passado. A democratização política, a inflação, a recessão econômica e a exaustão de um modelo de desenvolvimento baseado em nacionalismo, substituição de importações, protecionismo e na acen� tuada intervenção do Estado na economia, demarcam as mudanças da sociedade. Na cidade de São Paulo, ao longo do século XX, a segregação social teve pelo menos três formas dife� rentes de expressão no espaço urbano. A primeira se estendeu do final do século XIX até os anos de 1940 e foi caracterizada por uma cidade concentrada, onde os diferentes grupos sociais se misturavam em uma área página | 39


urbana pequena e estavam segregados principalmente pelos tipos de moradia. No entanto, é interessante notar que, já naquela época, a elite paulistana diagnosticou as desordens sociais da cidade em termos de doença, sujeira e promiscuidade, ideais logo associadas ao crime. Temendo epidemias, assim como temem o crime atualmente, e vinculando os pobres e suas condições de vida à doenças e epidemias, parte da elite começou a se mudar dessas áreas densamente povoadas. A segunda forma de expressão no espaço urbano ficou conhecida como “centro-periferia” e ocorreu entre os anos 40 e 80. Nela, diferentes grupos sociais estavam separados por grandes distâncias: as classes média e alta se concentravam nos bairros centrais com boa infraestrutura e os pobres viviam nas precárias e distantes periferias. E, por fim, uma terceira forma se caracterizou nas últimas décadas. Sobrepostas ao padrão “centro-periferia”, as transformações recen� tes estão gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão separados por muros e tecnologias de segurança, tendendo a não circular ou interagir em áreas comuns. A principal justificativa desse novo modelo é o medo do crime violento. O crescimento do crime em São Paulo, desde meados dos anos 80, gerou medo e provocou a for� tificação da cidade e uma série de novas estratégias de proteção e reação, dentre as quais a construção dos muros é a mais emblemática. Tanto simbólica quanto materialmente, essas estratégias funcionam de maneira semelhante, estabelecendo diferenças, impondo divisões, incentivando a exclusão e restringindo os movimentos. Desse modo, a privatização da segurança e a reclusão de alguns grupos em enclaves forti� ficados têm mudado as noções de público e de espaço público. Esse novo padrão de espaço público não mais se relaciona ao ideal moderno de universalidade, pelo contrário, ele promove a separação e a ideia de que os grupos sociais devem de fato viver em enclaves ho� mogêneos, isolados daqueles percebidos como diferentes. Consequentemente ele acaba servindo de base página | 40


para um novo tipo de esfera pública que acentua as diferenças de classe e as estratégias de separação. Os enclaves privatizam, fecham e monitoram os locais de residência, trabalho, serviços e lazer. Ainda que esses espaços tenham um uso coletivo e semi público, eles contradizem diretamente com os ideais de heteroge� neidade, acessibilidade e igualdade que ajudaram a organizar o espaço público moderno. Teresa Caldeira, ainda em “Cidade de Muros”, comenta como uma intensa incorporação imobiliária para as classes mais altas em regiões com infraestrutura precária, combinada com a proliferação de fave� las, gerou uma heterogeneidade na distribuição de renda de alguns locais. O bairro do Morumbi exibe um quadro impressionante de desigualdade social, onde empreendimentos imobiliários para pessoas com ren� das mais altas estão localizados ao lado de imensas favelas. A construção intensa de acordo com os interesses dos incorporadores imobiliários e com pouco planejamento ou controle por parte do Estado, além de transformar completamente a paisagem, criou um espaço caótico. Edifícios imensos foram construídos um após o outro em ruas estreitas e com infraestrutura inadequada. Todas as redes de eletricidade, água, esgoto e asfalto foram fornecidas pelos incorporadores imobiliários, que tinham interesse apenas em urbanizar a parte que lhes era conveniente. A intenção de manter distantes as pessoas que não têm automóvel fez com que tráfegos intensos e congestionamentos se tornassem uma rotina. Apesar de altos investimentos e da construção de pontes e vias expressas ligando o Morumbi ao centro da cidade, as vias de acesso são insuficientes e o transporte público é simplesmente ruim. Isso dificulta o cotidiano dos mais pobres, mas também é inconveniente para as classes médias e altas, já que o abastecimento de alimentos e serviços requer um automóvel. No entanto, ao que tudo indica, to� das essas inconveniências parecem ser compensadas pela sensação de segurança que se ganha atrás dos muros, vivendo exclusivamente entre iguais. página | 41


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Foto aérea da divisa do bairro do Morumbi com a favela Paraisópolis. Google Earth, 2008.


No contexto desse crescente medo do crime e de preocupação com a decadência social, os moradores se mostram intolerantes em relação às pessoas de diferentes grupos sociais e não parecem ter interesse em encontrar soluções comuns para seus problemas urbanos. Pelo contrário, em vez disso, eles adotam técnicas cada vez mais sofisticadas de distanciamento e divisão social. Assim, os enclaves fortificados constituem um instrumento para organizar a segregação, a discriminação social e a reestruturação econômica em São Paulo. Em algumas áreas, diferentes classes sociais vivem próximas umas das outras, mas ao mesmo tempo, são mantidas separadas por barreiras físicas que não permitem a convivência social. Teresa Caldeira cita um trecho do romance “Estorvo” de Chico Buarque, de 1991, que apreende a ex� periência de viver atrás de muros vigiados por seguranças. Um homem que anda a pé ao invés de guiar um automóvel torna-se suspeito pelo simples fato de usar o espaço público da cidade de uma maneira que os moradores do condomínio rejeitam. Os enclaves fortificados, incluindo conjuntos residenciais, escritórios, shopping centers, partilham al� gumas características básicas. Em sua maioria, são propriedades privadas para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito ao mesmo tempo em que desvalorizam o que é público e aberto na cidade. Isso ocorre porque esses empreendimentos são voltados para o interior e não em direção à rua, rejeitando a vida pública. página | 43


“(...) O vigia na guarita fortificada é novo no serviço, e tem a obrigação de me barrar no condomínio. Pergunta meu nome e destino, observando os meus sapatos. Interfona para a casa 16 e diz que há um cidadão dizendo que é irmão da dona da casa. A casa 16 responde alguma coisa que o vigia não gosta e faz “hum”. O portão de grades de ferro verde e argolões dourados abre-se aos pequenos trancos, como que relutando em me dar passagem. O vigia me vê subindo a ladeira, repara nas minhas solas, e acredita que eu seja o primeiro pedestre autorizado a transpor aquele portão. A casa 16, no final do condomínio, tem outro interfone, outro portão eletrônico e dois seguranças armados. (...)” (Chico Buarque, Estorvo. 1991). página | 44


Além disso, esse modelo de organização espacial cultiva um relacionamento de negação e ruptura com o restante da cidade, transformando a natureza do espaço público e a qualidade das interações públi� cas cada vez mais marcadas por suspeita e restrição. Para as classes média e alta da sociedade esse con� ceito de moradia articula elementos como segurança, isolamento, homogeneidade social, equipamentos e serviços, como se pudessem se refugiar em uma ilha e escapar da cidade para encontrar um local exclusivo entre iguais. Os enclaves são, portanto, opostos à cidade, representada como um mundo deteriorado no qual não há apenas poluição e barulho, mas confusão e mistura, isto é, heterogeneidade social. É interessante notar que mesmo antes de o crime violento aumentar e se tornar uma das principais preocupações dos moradores de São Paulo, a insegurança da cidade já estava sendo construída nas ima� gens dos empreendedores imobiliários para justificar um novo tipo de empreendimento urbano de investi� mento. Isolamento e distância da intensa vida urbana já eram tidos como condições para um estilo de vida melhor. Em 4 de Setembro de 1975, o jornal O Estado de São Paulo exibia o anúncio de um empreendimento no Morumbi com uma série de ilustrações mostrando o que seria a vida de seus moradores hora a hora do dia. Pessoas eram mostradas na piscina, na sala de exercícios, na sauna, no playground e caminhando nos jardins. O texto principal dizia: “Aqui todo dia é domingo. Construtora Alfredo Mathias. Playground, quadras, centro médico. Passeio ao ar livre a qualquer hora do dia e da noite volta a ser um prazer plenamente possível e absolutamente seguro no Portal do Morumbi. Policiamento 24 horas por dia. Segurança perfeita na crescente insegurança da cidade.” (O Estado de São Paulo, quatro de setembro de 1975)

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Anúncio do empreendimento no jornal O Estado de São Paulo, 4 de Setembro de 1975.


O anúncio mostra a capacidade que o mercado imobiliário e a indústria do medo têm de manipular a crescente sensação de insegurança da população, desde aquela época. Segurança e controle são mostra� dos como condições para manter os indesejados do lado de fora e manter uma ordem entre os iguais. Relacionar a segurança exclusivamente ao crime é ignorar todos seus outros significados. Esses sistemas de segurança oferecem proteção contra o crime, mas também criam espaços segregados nos quais a ex� clusão é cuidadosa e rigorosamente praticada. Embora esses empreendimentos valorizem o universo privado e rejeitem a cidade e seus espaços públicos, organizar a vida em comum dentro dos muros dessas áreas residenciais coletivas tem se mostra� do bastante complicado. Muitas pessoas se sentem mais seguras e capazes de evitar o crime e controlar interferências externas, no entanto, a vida entre iguais parece estar distante do ideal de harmonia que alguns anúncios contemplam. Igualdade social e uma comunidade de interesses não constituem automati� camente as bases para uma vida pública. Concordar a respeito de regras comuns parece ser um dos mais difíceis aspectos da vida cotidiana nas residências coletivas. A liberdade é vista como ausência de regras e responsabilidades em relação aos vizinhos e funcionar como uma sociedade com algum tipo de vida pública acaba se tornando um problema, já que dentro desses universos privados as noções de responsabi� lidade pública se enfraquecem. página | 47


A necessidade de cercar e fechar afetou tanto moradores ricos quanto os pobres, transformando a maneira de viver e a qualidade das interações públicas na cidade. Casas familiares independentes ou edifícios de apartamentos, todos os tipos de moradia das grandes cidades passaram por processos de enclausuramento em resposta ao medo do crime. Viver no isolamento tornou-se uma rotina para os cidadãos e o sentimento de aprisionamento estraga o prazer de viver em sociedade. Por fim, na medida em que as pessoas se retiram para suas moradias apri� sionadas, o espaço público torna-se abandonado e sem uso. Ao transformar a paisa� gem urbana, as estratégias de segurança também afetam os padrões de circula� ção, trajetos diários, hábitos e gestos relacionados ao uso das ruas, do transporte público e dos parques. A ideia de sair para um passeio a pé e cruzar naturalmente com estranhos pelas calçadas fica comprometida numa sociedade obcecada por segurança. página | 48


Bairro do Morumbi, Sรฃo Paulo. Ligia Lupo, 2011.

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metodologia comparada pรกgina | 50


A elaboração de uma metodologia comparada surgiu com a ideia de entender a relação entre a dinâmi� ca do espaço e seus índices de criminalidade. É interessante ressaltar que, antes de qualquer definição, foi importante estabelecer se essa comparação seria feita na cidade formal, aquela que possui grandes investi� mentos de infraestrutura e cresce na legalidade, ou na cidade informal, aquela que possui precariedade de investimentos na infraestrutura e cresce na ilegalidade urbana, sem atributos de urbanidade. A escolha da cidade formal partiu do princípio de que o problema da violência presente nas favelas está ligado a uma rede intrínseca de fatores políticos, econômicos e sociais, que vão muito além da questão do espaço urbano. Dessa forma, analisar esses fatores na periferia da cidade enfraqueceria a influência dos determinantes urbanísticos que me interessam nessa pesquisa e focaria o trabalho mais para uma reurbaniza� ção de favela do que para uma análise sobre a questão da insegurança e o espaço urbano. Além disso, também foi importante definir que tipo de crime estaria associado à dinâmica da cidade formal, uma vez que se trata de uma definição bastante abrangente e de longo alcance. Atualmente, a con� cepção de ato violento é bastante ampla, indo além da noção tradicional que o vincula à existência de dano físico. Somos sensíveis a diversos tipos de violência, de maneira direta ou indireta, atingindo tanto o corpo dos indivíduos e seus bens quanto sua integridade moral. Dessa forma, a escolha das taxas de homicídio e dos números de roubos foi essencial para compor o cenário de insegurança e medo de uma população que está cada vez mais assustada com a cotidianidade desse tipo de ocorrência.

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O método para a elaboração desse comparativo partiu da re� lação entre alguns levantamentos de dados, visitas de campo em horários diversos, tanto durante a semana quanto nos fins de se� mana e tanto durante o dia quanto no período da noite, e também através de algumas entrevistas qualitativas que pudessem mostrar o que alguns moradores e trabalhadores de cada região sentem ao andar pelas ruas. A junção desses três fatores foi bastante importante para compor um cenário mais realista, que pudesse mostrar uma visão ampla, com detalhes que vão além de uma percepção pessoal como usuária das regiões. As entrevistas buscaram entender de que forma os pedestres de cada bairro enxergam aquele espaço, tanto para quem reside quanto para quem trabalha no local. As visitas de campo tiveram como objetivo analisar a infraestrutura e manuten� ção do espaço público da cidade e de que forma isso influencia na percepção de insegurança dos usuários. E, por fim, os levantamen� tos de dados serviram para embasar a pesquisa com informações teóricas e dados estatísticos que pudessem concretizar o estudo.

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Levantamento de dados parâmetros urbanísticos

Visitas de campo seg. sex. | sab. dom. dia | noite

Entrevistas qualitativas residentes flutuantes


Fluxos DIversidade

Usos

Infraestrutura

Pedestres Veículos Mobilidade

Pesquisa OD (Origem Destino)

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano

2007

2010

Social

IBGE

2010

Transporte público Espaços livres e praças

SPTrans

2013

Planos Regionais Estratégicos

2006

Em um segundo momento, foi importante es� colher quais parâmetros urbanísticos estariam relacio� nados à atuação do crime na cidade formal. Para isso foram levados em consideração os fluxos de pedestres e veículos, a infraestrutura e manutenção pública e a diversidade social e de usos do solo, pois, conforme dicutido nos capítulos anteriores, são fatores que têm grande influência no dinamismo de uma cidade. É importante destacar a dificuldade de compati� bilização desses dados, uma vez que, algumas informa� ções estão disponíveis por distrito, outras por bairro e algumas por zonas especificas, como é o caso da Pes� quisa Origem e Destino de 2007. Além disso, buscou-se concretizar o levantamento com as fontes mais recen� tes possíveis, entretanto, muitas não são do mesmo ano de pesquisa, o que dificulta a correlação entre elas, mas que, ainda assim, é possível estabelecer compara� ções.

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A escolha das regiões a serem comparadas partiu de uma percepção como usuária da cidade e também buscou comparar parâmetros que fossem divergentes entre si. A escolha do Morumbi, por exemplo, partiu do princípio de que este é um bairro que possui uma grande con� centração de residências de alto padrão, com muros muito altos que extinguem a vida pública e pela sensação de insegurança constante ao andar pelas ruas, tanto no período do dia quanto no da noite. Já em Pinheiros, apesar de também concentrar classes com rendas média e alta da sociedade, o dinamismo de usos diurnos e noturnos faz com que a sensação de insegurança seja muito menor, consequência da quantidade de pessoas que circula pelas ruas. A região da Consolação no sentido do Centro, em contrapartida, possui um alto fluxo de pessoas durante o dia, mas durante a noite permanece quase que deserta, pois ela funciona com muitas atividades comerciais que ao fecharem tornam o espaço abandonado e sem uso. No entanto, os três bairros acima citados ainda pertenciam a uma região central da ci� dade de São Paulo e concentravam uma população de rendas média e alta da sociedade, o que não permitia comparar alguns fatores de maneira tão antagônica. Desse modo, surgiu a opção de estudar São Mateus, que é um bairro afastado da principal rede de infraestrutura da cidade e concentra uma população de renda mais baixa que as outras áreas. página | 54


Mapa dos distritos da cidade de SĂŁo Paulo.

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Consolação Morumbi

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Pinheiros Sรฃo Mateus

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Parâmetros | Fluxos A questão dos fluxos existentes dentro de cada região escolhida foi bas� tante importante para a avaliação de sensação de insegurança, uma vez que o trân� sito ininterrupto de usuários pode ser muito mais eficaz para a segurança do que a própria figura do policial. Segundo Jane Jacobs, em “Morte e vida de grandes cidades”, os propri� etários naturais da rua, os donos dos estabelecimentos comerciais, são os “olhos atentos” muitas vezes mais eficazes do que um posto policial ou uma boa ilumi� nação pública. A autogestão democrática é o que garante o sucesso dos bairros e distritos que apresentam maior vitalidade e segurança. Caminhar pelas ruas da maioria dos bairros de São Paulo, atividade habitual de milhares de pessoas, deixou de ser algo tranquilo, seguro e confortável, tornan� do-se uma espécie de disputa entre os pedestres, veículos e ciclistas. Para tanto, os fluxos de viagens realizadas por modo, ou seja, a pé, de ônibus, de metrô e de bicicleta, foram analisados através da pesquisa de Origem e Destino de 2007. Como a pesquisa possui uma divisão própria de regiões, buscou-se agrupar os bairros de maneira a abranger da melhor forma possível cada uma das áreas escolhidas.

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Consolação Ônibus

Morumbi

60.392

Ônibus

63.800

Automóvel

51.360

Bicicleta A pé

Automóvel Metrô

Pinheiros

São Mateus

40.450

Ônibus

85.915

Ônibus 76.252

40.734

Automóvel

114.136

Automóvel

6.164

Metrô 5.456

Metrô

22.119

Metrô

12.962

917

Bicicleta 138

Bicicleta 748

Bicicleta

3.292

62.317

A pé 14.508

A pé

A pé 114.112

46.405

Fluxos | Viagens diárias produzidas por modo Fonte: Pesquisa OD 2007 página | 59


É possível notar que a região de Pinheiros possui a maior quantidade de viagens em número absoluto em relação às outras regiões. Além disso, a contagem de viagens feitas por automóveis é predominante, em torno de 40%, seguido do número de viagens feitas de ôni� bus (30%), o que mostra que as estações de metrô existentes ainda não são capazes de suportar o volume de viagens feitas para o local. Já a região do Morumbi, em contrapartida, possui o menor número de quantidade de viagens diárias produzidas, sendo quase que 80% são feitas de automóveis ou ônibus, devido à falta de infraestrutura de linhas do metrô na região. Isso caracteriza o bairro com um trânsito caótico nas suas principais vias de acesso, onde congestionamentos estressantes tomam conta do bairro durante quase todo o dia. A Consolação é a segunda região com maior fluxos dentre as analisadas, sendo 20% das viagens realizadas de metrô, 25% de ônibus e 27% de automóvel, o que mostra que o uso do transporte público na região supera o uso do automóvel particular. As viagens realizadas a pé também são bastante consideráveis na Consolação, em torno de 25%, o que mostra um alto fluxo de pedestres nas ruas do bairro. A região de São Mateus , por outro lado, possui mais de 50% de suas viagens diárias produzidas realizadas a pé, e é a região que possui o maior número de viagens realizadas de bicicleta, o que mostra que muito da dinâmica do bairro se resolve dentro dele mesmo. Logo em seguida, vem a quantidade de viagens realizadas de ônibus, cerca de 35% da população utiliza esse transporte público para se locomover, pois a existência do terminal oferece suporte à essa população. Dessa forma, é possível notar que as viagens por automóvel ainda são predominantes em regiões onde há uma população com renda média e alta, o que mostra uma infraestrutura de transporte público falha, que ainda não suporta todo o fluxo que as regiões pro� duzem e recebem diariamente. Já a região que possui uma parcela da sociedade com renda mais baixa, pelo fato de sua população não possuir automóveis, tenta resolver a dinâmica dentro dela mesma através de viagens realizadas a pé ou de bicicleta. De maneira geral, muitos paulistanos sabem da precariedade do transporte coletivo na capital, o que constituiu um grande desafio para os governantes municipais, com enormes filas nos terminais e ao longo do percurso, ônibus super lotados, preço de passagens cada vez mais caro em proporção ao salário da grande maioria dos usuários. O trânsito quase sempre tumultuado e às vezes ouve-se a dizer que o transporte coletivo em São Paulo é um caos, originando-se as reprováveis depredações e outros atos não justificáveis, que, porém, podem encontrar explicações num extravasamento de necessidades reprimidas e insatisfeitas, pois isso é sem dúvida alguma o que dá a nota para o vivenciar da grande maioria da população paulistana, principalmente na periferia onde emerge em maior grau a necessidade do uso do transporte coletivo. página | 60


Parâmetros | Diversidade social A análise sobre a diversidade social de cada região em estudo foi importante para com� preender os mecanismos sociais que transformam as diferenças em desigualdade e, portanto, impedem que essa pluralidade seja compreendida como um valor. Como comentado no capítulo sobre Sensação de insegurança e medo, segundo Bau� man, compartilhar um espaço com estranhos é uma condição da qual os cidadãos consideram difícil, se não impossível, escapar. A desorientadora variedade do ambiente urbano é fonte de medo, em especial entre aqueles que perderam seus modos de vida habituais e foram jogados num estado de grave incerteza pelos processos desestabilizados da crescente onda de violên� cia. No entanto, a vizinhança dos desconhecidos é um modo de viver que os cidadãos terão de experimentar com confiança para, enfim, instituí-lo, se quiserem tornar a convivência agradável, e a vida vivível. A arte de viver pacificamente com as diferenças e de extrair benefí� cios dessa variedade está se transformando na mais importante das aptidões que um cidadão precisa aprender e exercitar.

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Consolação Até 1/2 SM De 1/2 a 1 SM De 1 a 2 SM De 2 a 5 SM De 5 a 10 SM De 10 a 20 SM Mais de 20 SM

1,1% 2,8% 11,5% 21,9% 20,0% 12,3% 7,6%

Morumbi Até 1/2 SM De 1/2 a 1 SM De 1 a 2 SM De 2 a 5 SM De 5 a 10 SM De 10 a 20 SM Mais de 20 SM

0,4% 5,0% 14,0% 13,4% 12,9% 9,9% 11,0%

Pinheiros Até 1/2 SM De 1/2 a 1 SM De 1 a 2 SM De 2 a 5 SM De 5 a 10 SM De 10 a 20 SM Mais de 20 SM

São Mateus 0,5% 3,6% 10,5% 18,9% 18,7% 13,1% 8,5%

Até 1/2 SM De 1/2 a 1 SM De 1 a 2 SM De 2 a 5 SM De 5 a 10 SM De 10 a 20 SM Mais de 20 SM

1,0% 12,8% 25,5% 16,7% 3,4% 0,4% 0,1%

Diversidade social | Faixa de renda em salários mínimos Fonte: IBGE 2010 ( salário mínimo utilizado R$510,00) página | 62

Classe baixa

Classe Média

Classe alta


Município de São Paulo Até 1/2 SM De 1/2 a 1 SM De 1 a 2 SM De 2 a 5 SM De 5 a 10 SM De 10 a 20 SM Mais de 20 SM

1,1% 11,4% 23,9% 16,9% 6,9% 3,0% 1,3%

Em um primeiro momento foi importante analisar cada bairro isoladamente, fazendo comparações entre as rendas dentro de cada um deles. A região da Consola� ção possui 15% de sua população dentro da classe de renda baixa, mais de 50% dentro da classe média e apenas 7,6% dentro da classe alta. Enquanto que o Morumbi possui quase 20% de sua população dentro da classe baixa, cerca de 30% na classe média e 11% na classe alta. Pinheiros, assim como a Consolação, também possui cerca de 15% de sua população distribuída na classe baixa, mais de 40% dentro da classe média e 8,5% na classe alta. Apesar de algumas diferenças entre esses números, é possível notar que a comparação de distribuição de renda entre essas regiões é bastante parecida. Já São Mateus, destoa do grupo em análise, pois possui cerca de 40% de sua população den� tro da classe baixa, 20% na classe média e apenas 0,1% de classe alta. Isso mostra uma enorme diferença entre este bairro e os outros acima comparados, pois enquanto Consolação, Morumbi e Pinheiros possuem a maior parcela de seus residentes dis� tribuídos nas classes médias, São Mateus possui a maior parte de seus moradores dentro da classe baixa.

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Consolação Classe baixa Classe média Classe alta

15% 50% 7,6%

Morumbi Classe baixa Classe média Classe alta

20% 30% 11%

Pinheiros Classe baixa Classe média Classe alta

15% 40% 8,5%

São Mateus Classe baixa Classe média Classe alta

Em um segundo momento buscou-se fazer a comparação entre a distribuição de renda de cada bairro com a do município de São Paulo. É possível notar que a região da Consolação possui uma população com baixa renda abaixo da média do município, enquanto que a sua população de média e alta renda está acima da calculada para São Paulo. Isso também ocorre para as regiões do Morumbi e de Pinheiros, sendo que o Morumbi apresenta a maior diferença de classe alta em relação a média do município. Já em São Mateus ocorre exatamente o oposto, pois o bairro possui uma porcentagem de classe baixa acima da calculada para o município e a distribuição das classes média e alta está abaixo da cidade inteira de São Paulo.

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40% 20% 0,1%

Até 1 SM De 1 a 2 SM De 3 a 5 SM

Município de São Paulo Classe baixa 36,4% Classe média 26,8% Classe alta 1,3%

Miserável Baixa Média baixa

De 6 a 10 SM

Média

De 11 a 19 SM

Média alta

Mais de 20 SM

Alta


Parâmetros | Diversidade de usos A diversidade de usos de um bairro é de extrema importância para que os espaços públi� cos apresentem vida de forma variada e dinâmica, convidando o usuário a utilizar as ruas e as praças em diferentes períodos do dia e impedindo que a região caia em um ciclo de desuso. Na verdade, a segurança é, muitas vezes, garantida pelo espaço público ocupado. Quanto mais gente na rua, mais segura ela aparenta ser para o pedestre, dessa forma, torna-se impor� tante recuperar o espaço público para o uso dos cidadãos. Segundo Jane Jacobs, em “Morte e vida das grandes cidades”, a ordem pública não é mantida essencialmente pela polícia, sem com isso negar sua necessidade, mas é mantida fundamentalmente pela rede de padrões de compor� tamentos espontâneos dos cidadãos e por eles aplicados. A diversidade de usos de um determinado local tem muito para acrescentar no sentido de manter esse espaço público ocupado, pois diferentes atividades ocorrem ao longo do dia no cotidiano do cidadão paulistano. Bairros que concentram diferentes tipos desses usos tendem a ter suas ruas mais movimentadas do que bairros que concentram apenas um tipo de uso.

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Residencial horizontal médio/alto padrão Residencial + Comércio/serviços Residencial vertical médio/alto padrão Comércio/serviços

Diversidade de usos | Consolação Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (2010) página | 67


Atualmente, o bairro da Consolação concentra bares, lanchonetes, restaurantes, serviços bancários, comércio local variado, rede de hotéis, hospitais, colégios e faculdades. Além disso, também conta com equipamentos culturais e de lazer, como a Biblioteca Mário de Andrade, a igreja Nossa Sen� hora da Consolação e a praça Franklin Roosevelt. Para analisar o uso e a ocupação do solo na região da Consolação optou-se por estudar o perí� metro compreendido entre as ruas Augusta, Paulista, Consolação e 7 de abril. É possível notar que a região em estudo possui a maior parte das suas quadras ocupada por comércio, serviços e residências, muitas vezes misturados em uma mesma edificação, que contém um tipo de uso no térreo e outro nos andares superiores. Também é possível notar que há quadras onde predominam o uso residencial verti� cal de médio ou alto padrão, o que se relaciona diretamente com a distribuição de renda analisada no capítulo anterior. A grande variedade de usos da região faz com que ela seja dinâmica na maior parte do dia. Há pes� soas circulando pelas ruas desde as primeiras horas da manhã até altas horas da madrugada. Isso ocorre porque há pessoas que moram, trabalham, estudam e, até mesmo, simplesmente cruzam a região no seu caminho do dia a dia. Claro que nem todas as ruas possuem movimento até altas horas da noite, isso ocorre principalmente na região da Augusta, onde há uma maior concentração de bares. No entanto, a existência de restaurantes, faculdades e hotéis faz com que as pessoas circulem pelas ruas mesmo após o horário de funcionamento comercial. Segundo entrevistados que moram ou trabalham no bairro, a sensação de segurança é garantida pela quantidade de pessoas que circulam pelas ruas, mesmo que a iluminação pública não seja sufici� ente. No entanto, essa movimentação de pedestres ocorre nas quadras mais próximas da Avenida Pau� lista, onde há essa maior diversidade de usos. Nas quadras mais próximas ao centro da cidade, onde há uma predominância de serviços, entrevistados afirmaram se sentir inseguros pela falta de fluxo depois do horário comercial. página | 68


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Residencial horizontal médio/alto padrão Residencial + Comércio/serviços Residencial vertical médio/alto padrão Comércio/serviços

Diversidade de usos | Morumbi Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (2010) página | 71


A região do Morumbi é o resultado do loteamento de chácaras e pequenas fazendas, onde grandes lotes foram colocados à venda e muitas famílias ricas da cidade de São Paulo passaram a se instalar nas sinuosas ruas do bairro, a partir dos anos 40. Atualmente a região é predominantemente residencial, mas também possui equipamentos de lazer, como o parque Alfredo Volpi e a praça Vinicius de Moraes, grandes colégios particulares, importantes hospitais privados, além do Estádio Cícero Pompeu de Toledo. Para analisar o uso e a ocupação do solo na região do Morumbi optou-se por estudar o entorno da Avenida Jorge João Saad, desde o Estádio Cícero Pompeu de Toledo até a Avenida Francisco Morato, incluindo algumas quadras do seu entorno. É possível notar que o polígono em estudo tem predominân� cia do uso residencial horizontal de médio e alto padrão, além do residencial vertical também de médio e alto padrão. O fato é que, apesar da existência de alguns equipamentos e serviços importantes no bairro, ele ainda não possui uma dinâmica capaz de manter um fluxo constante de pedestres nas ruas. O local ainda é um bairro que gira em torno da rotina de pessoas que saem de suas casas pela manhã e voltam no fim da tarde, na maioria das vezes de transporte privado, o que não permite que o espaço público seja utilizado de maneira dinâmica. Dentro da diversidade de usos que se misturam e valorizam o espaço público, o comércio pode se destacar como uma das mais importantes. Muitas vezes, uma rua estritamente residencial com um ponto representativo de comércio se diferencia completamente de uma outra rua do mesmo bairro com as mesmas características, porém sem esse local comercial. Isso mostra a força que alguns equipamentos podem exercer no meio urbano capazes de gerar fluxos que estimulam a vida cotidiana para fora de suas residências.

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Residencial horizontal médio/alto padrão Residencial + Comércio/serviços Residencial vertical médio/alto padrão Comércio/serviços

Diversidade de usos | Pinheiros Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (2010) página | 75


A região de Pinheiros, atualmente, é um dos lugares mais sofisticados de São Paulo, apresentando uma grande rede comercial e uma intensa vida cultural. Biblioteca, como a Alceu Amoroso Lima, feiras de artes e antiguidades, como as que ocorrem na Praça Benedito Calixto, livrarias, restaurantes e bares noturnos fazem do bairro um local bastante dinâmico. Além disso, concentra equipamentos como o Hos� pital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, o Instituto Tomie Ohtake e o Mercado Municipal de Pinheiros. Para analisar o uso e a ocupação do solo na região de Pinheiros, optou-se por estudar o perímetro compreendido entre a Rua dos Pinheiros, Brigadeiro Faria Lima, Fradique Coutinho e Cardeal Arcoverde. É possível notar que na região há uma predominância do uso de comércio e serviços, edifícios mistos com uso residencial e comercial, além do residencial vertical de médio e alto padrão. Isso mostra que o bairro concentra grande parte da população de altas rendas da cidade de São Paulo. É importante ressaltar que o bairro possui uma vida noturna bastante dinâmica, da mesma forma que a Rua Augusta também possui na região da Consolação. No entanto, há uma maior quantidade de uso residencial em Pinheiros do que no centro da cidade, o que gera um fluxo de pessoas muito mais in� tenso em diferentes horários do dia. Entrevistados afirmaram se sentir seguros pelas ruas do bairro tanto durante o dia quanto no período da noite, não importando o dia da semana, pois devido à sua grande quantidade de atividades culturais e de lazer, o bairro não cai no desuso nos fins de semana. Ao mesmo tempo, esses mesmos entrevistados afirmaram frequentar a região da Consolação e disseram se sentir inseguros em determinadas ruas no período da noite, devido à falta de fluxo e iluminação pública.

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Residencial horizontal médio/alto padrão Residencial + Comércio/serviços Residencial vertical médio/alto padrão Comércio/serviços

Diversidade de usos | São Mateus Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (2010) página | 79


Atualmente, a região de São Mateus possui uma grande diversidade de usos, como bancos, co� mércio variado, indústrias e setores de prestação de serviços. No entanto, há uma grande quantidade de camelôs pelas ruas da região central do bairro. Em atividade há 25 anos, a feira do rolo acontecia na rua Forte do Leme com cerca de 900 barracas e oferecia vários produtos, quase todos sem procedên� cia, outros, objetos de roubo e furto de automóveis, além de contrabandos. O bairro é servido pela sua maioria por equipamentos públicos, como escolas municipais e postos de saúde. Para analisar a infraestrutura na região de São Mateus, optou-se por estudar a Avenida Adélia Chohfi, desde a Avenida Sapopemba até a Avenida Presidente Artur da Costa e Silva, abrangendo algu� mas quadras ao redor. É possível notar que a predominância de usos no polígono em estudo é de resi� dencial horizontal de baixo padrão e de comércios e serviços. A região possui um grande movimento de pessoas ao longo do dia, pois o Terminal de Ônibus de São Mateus concentra grande parte dos fluxos de saída e chegada do bairro. Além disso, o comércio informal que se aglomera ao redor do terminal também tem importância para essa movimentação de pessoas durante o dia. O fato é que esse terminal gera um grande fluxo de pessoas durante a semana, mas nos fins de semana, a região se torna quase que deserta, o que acarreta na ausência do comércio ambulante tam� bém, uma vez que não há demanda para os produtos que os camelôs têm a oferecer. Entrevistados afirmaram se sentir seguros pelas ruas de São Mateus durante a semana no período do dia, mas durante a noite e nos fins de semana os moradores se sentem inseguros pela falta de pessoas circulando pelas ruas.

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Parâmetros | Infraestrutura Em um segundo momento, analisar a infraestrutura urbana e sua manutenção também foi bastante importante para a questão de sensação de insegurança dos usuários da rua. A “Teoria das janelas quebra� das”, como citado anteriormente, estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Se uma janela fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas concluiriam que não há au� toridade responsável pela manutenção da ordem naquele local e logo outras janelas poderiam ser quebra� das também, iniciando um processo de decadência do ambiente. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime. Por outro lado, se uma janela fosse quebrada e imediatamente fosse reparada, a ideia de se manter a ordem naquele local seria mais absorvida pela população. Na escolha de seu caminho o pedestre tem muitos condicionantes que podem fazê-lo mudar de di� reção e tomar um caminho que não seja simplesmente o mais curto metricamente. As características físicas das calçadas, a iluminação pública e a quantidade de praças, podem determinar ou afetar o fluxo desses pedestres. Entender as causas geradoras destes fluxos é importante para o planejamento urbano de nossas cidades para assim poder inferir as melhores localizações para os equipamentos urbanos. Dessa forma, buscou-se analisar a qualidade das calçadas, a iluminação pública existente, a quan� tidade de praças, de infraestrutura para o transporte público e suas respectivas manutenções em apenas algumas quadras principais de cada bairro, uma vez que o objetivo do estudo era aprofundar essa análise em alguns itens específicos. Lembrando que este capítulo se relaciona diretamente com os capítulos ante� riores, pois os fluxos se relacionam com a qualidade do transporte público, com a diversidade social, com a diversidade de usos e com a forma de ocupar o espaço da cidade.

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o Prad Caio

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Linhas de ônibus Estação de metrô Limite da área de estudo

Infraestrutura | Consolação página | 83


Conforme citado no capitulo anterior, para analisar a infraestrutura na região da Consolação optouse por estudar o perímetro compreendido entre as ruas Augusta, Paulista, Consolação e 7 de abril. Nota-se que a área possui uma grande quantidade de linhas de ônibus circulando e, além disso, as três estações de metrô, Consolação – linha verde, Paulista - linha amarela e Anhangabaú – linha vermelha, concentram um grande fluxo de pedestres no local. A quantidade de infraestrutura pública, tais como linhas de ônibus e metrô e a iluminação foram pontos importantes a serem analisados nessa área. A questão da iluminação pública durante a noite foi es� sencial na análise de infraestrutura contra a insegurança, pois lugares pouco movimentados e com pouca iluminação estão mais propensos a causarem a sensação de insegurança nos pedestres. É interessante notar que a região em estudo pode ser dividida em duas zonas de análise: a zona acima da Rua Caio Prado e a zona abaixo dela. O fato é que a parte mais próxima da Av. Paulista possui um grande fluxo de pedestres durante o dia todo. A diversidade de usos e a grande concentração de co� mércio, serviços, restaurantes e bares faz com que haja movimento no local desde as primeiras horas da manhã até a madrugada, inclusive porque alguns desses estabelecimentos funcionam 24 horas por dia. Alguns pedestres entrevistados no local afirmaram que apesar de não achar que a iluminação pública nos arredores seja eficiente, eles se sentem seguros, tanto durante o dia quanto no período da noite, pela grande quantidade de pessoas que circulam na rua. Muito da iluminação dessas ruas é feita pelos próprios estabelecimentos que funcionam até tarde da noite, pois, em muitos casos, a iluminação pública não é suficiente.

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Movimento da estação Paulista na Consolação, durante a semana.

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Rua Augusta, fim de semana.

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Rua da Consolação, durante a semana.


Rua da Consolação esquina com a Rua Martins Fontes, fim de semana.

Rua da Consolação esquina com a Rua Antonio Carlos, durante a semana.

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Falta de iluminação pública na Consolação, durante a semana.


Por outro lado, a zona abaixo da Rua Caio Prado já compreende uma área que possui grande movimento ao longo do dia, mas que durante a noite torna-se um local sem uso e que causa sensação de insegurança nas pessoas. Alguns entrevistados que trabalham no local disseram sentir-se inseguros durante a noite, não só pela falta de iluminação pública, mas também porque a região fica vazia quando os estabelecimentos comerciais fecham, realçando o sentimento de insegurança pela quantidade de assaltados que ocorrem no local. É interessante notar também que, apesar do esvaziamento das ruas após o período comercial, as regiões ao redor das estações de metrô continuam com grande movimento durante a semana, o que faz com que al� guns estabelecimentos por perto continuem funcionando até mais tarde. A questão que fica é: os estabeleci� mentos fecham pela falta de fluxo no local ou a falta de fluxo é causada pelo fechamento dos estabelecimen� tos? Tendo em vista que as ruas próximas às estações de metrô continuam com um grande movimento de pedestres até mais tarde, é possível afirmar que, na cidade de São Paulo, as pessoas possuem diversas ativi� dades ao longo do dia. Alguns entrevistados durante a noite na região do metrô afirmaram que após o expedi� ente de trabalho eles fazem algum tipo de curso extra ou frequentam a academia, e outros preferem esperar o horário de alto fluxo do trânsito e do metrô conversando com os amigos em algum bar. Isso prova que, não só a iluminação é suficiente para manter a sensação de segurança nos pedestres, mas também o fluxo contínuo de pessoas faz com que os pedestres se sintam vigiados. Regiões que possuem uma boa iluminação pública mas que não possuem fluxo de pessoas causa insegurança. Enquanto que algumas ruas com pouca iluminação, mas com alto fluxo de pessoas, causam uma sensação de conforto maior para o pedestre.

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Linhas de ônibus Estação de metrô Limite da área de estudo

Infraestrutura | Morumbi página | 91


Para analisar a infraestrutura na região do Morumbi optou-se por estudar o entorno da Avenida Jorge João Saad, desde o Estádio Cícero Pompeu de Toledo até a Avenida Francisco Morato, incluindo algumas quadras do seu entorno. Em um primeiro momento, foi importante identificar a infraestrutura de transporte público da região, com muito menos linhas de ônibus que a Consolação, o bairro também não possui infraestrutura suficiente de linhas de metrô, o que acaba sobrecarregando o trânsito de carros. O alto fluxo de carros em uma região também pode ser visto como um fator determinante para a sensação de insegurança, tanto para quem está dentro do carro quanto para o pedestre que caminha pela área. Isso ocorre, pois o trânsito intenso de veículos não permite que as pessoas tenham livre deslocamento pela cidade e, tendo sua vítima presa em uma situação, o criminoso se vê mais confiante para agir. Na região do Morumbi foi importante analisar também a qualidade das calçadas, a iluminação públi� ca e a quantidade de praças e suas respectivas manutenções, uma vez que esses fatores influenciam de maneira direta no deslocamento dos pedestres, e notou-se que esse fluxo era razoavelmente baixo nas ruas do bairro. Dessa forma, uma das grandes questões levantadas sobre a área foi a ausência de pedestres nas ruas do bairro. A maioria das pessoas se locomove através de automóveis particulares e, portanto, não frequentam os espaços públicos. Além disso, a precariedade na manutenção das praças e calçadas deixa muito a desejar quando o intuito é convidar o pedestre para participar da rua. Existem algumas praças onde seria possível instalar alguns equipamentos e melhorar a qualidade do espaço de convívio, como é o caso da Praça Flora Rica, localizada na Rua Corveta Camacuã, no entanto a falta de infraestrutura faz com que esses espaços acabem ficando abandonados e sem uso.

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Falta de infraestrutura na Praรงa Flora Rica .

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Falta de pedestres e movimento de carros no Morumbi, fim de semana.

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Av. Giovanni Gronchi, durante a semana.


Falta de iluminação pública na Rua José Ferreira Guimarães no Morumbi, fim de semana.

Rua Guihei Vatanabe no Morumbi, durante a semana.

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Passagem criada por pedestres no Morumbi.


Outro ponto importante é o fato de que muitos empreendimentos do bairro possuem uma área de lazer completa dentro de seus muros e isso faz com que a vida pública deixe de fazer parte da rotina das pessoas, mesmo que haja infraestrutura e manutenção dessas praças. Além disso, na maioria dos casos, as calçadas externas a esses muros são bastante estreitas e pouco convidam o pedestre. E ai a questão que surge é: não há manutenção desse espaço público porque não há uso frequente ou as pes� soas deixam de usar esse espaço porque não há manutenção suficiente? Alguns entrevistados na região disseram sentir-se inseguros durante o dia pelas ruas do Morum� bi, pois muitos já foram assaltados pelo bairro. Além disso, praças abandonadas acabam se tornando ponto de uso de drogas tanto durante o dia quanto durante a noite, afastando os moradores de fre� quentarem o local. A falta de espaço para a caminhada nas calçadas públicas e a falha na manutenção delas também deixa de convidar o pedestre a caminharem pelas ruas. Por fim, a presença de muros em quase todos os edifícios da região não só isola esses habitantes para dentro de seus próprios lotes, como também não permite que eles vejam o que está acontecendo nas ruas. Chega a ser um fato contraditório, pois da mesma forma que não querem participar da vida pública, câmeras são instaladas para vistoriar o que acontece do lado de fora dos muros. Isso faz com que muitos assaltos aconteçam sem que ninguém veja ou perceba e, da mesma forma, quando assal� tantes invadem prédios residenciais, pessoas do lado de fora pouco conseguem perceber o que está acontecendo do lado de dentro. Seria mais interessante, além de misturar tipos de usos, que esses edifí� cios se voltassem mais para o ambiente externo e deixassem de ignorar a existência do espaço público.

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Linhas de ônibus Estação de metrô Limite da área de estudo

Infraestrutura | Pinheiros página | 99


Para analisar a infraestrutura na região de Pinheiros, optou-se por estudar o perímetro compreendido entre a Rua dos Pinheiros, Brigadeiro Faria Lima, Fradique Coutinho e Cardeal Arcoverde. É possível notar que há uma grande variedade de linhas de ônibus que cruzam a região, além da estação de metrô Faria Lima da linha amarela que concentra um grande fluxo de pedestres do bairro. Além disso, linhas de ônibus que funcionam durante a madrugada também são muito importantes, porém, atualmente, elas funcionam de maneira muito difusa e pouco integrada, o ideal seria reorganizar e ampliar essa frota. Os corredores de ônibus das Avenidas Teodoro Sam� paio e Cardeal Arcoverde também são muito importantes para a infraestrutura modal da região. Apesar de muitas pessoas ainda preferirem se locomover através de veículo particular, muitas vezes por falta de opção, pois não há prioridade no espaço urbano suficiente para o transporte público desenvolver boa velocidade e também por algumas questões culturais, muitos paulista� nos já reconhecem o transporte coletivo como solução de mobilidade. Esses corredores, aliados a uma formulação de política pública de complementação entre ônibus e metrô, são essenciais para o desenvolvimento da qualidade do transporte público na cidade de são Paulo.

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Estação Faria Lima do metrô, durante a semana.

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Av. Faria Lima, fim de semana.

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Largo da Batata, durante a semana.


Rua Cardeal Arcoverde, fim de semana.

Largo da Batata, durante a semana.

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Iluminação e calçadas na Vila Helena. Rua Cardeal Arcoverde, Pinheiros.

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Conforme comentado no capítulo anterior, a região de Pinheiros tem a particularidade de ter uma grande diversidade de usos, ou seja, concentra comércio, serviços, bares, restaurantes e residências. Isso faz com que a dinâmica da região funcione durante o dia e a noite nos dias de semana e também aos sábados e domingos. No entanto, vale lembrar que essa dinâmica noturna acontece de maneira concentrada em algumas ruas especificas da região, e também como acon� tece na Consolação, muito da iluminação desses espaços é feita pelos próprios estabelecimentos que funcionam até altas horas da madrugada. Infelizmente a iluminação pública é ineficiente em muitas ruas do bairro, apenas aquelas que possuem movimento noturno recebem a devida aten� ção. A qualidade das calçadas, além da iluminação, é fundamental para a liberdade de circulação dos pedestres. Além da menor distância a ser percorrida, passeios largos, com piso confortável e sem obstruções na passagem são boas opções quando uma pessoa deve escolher qual caminho seguir. No entanto, essa qualidade só é mantida onde há um predomínio de uma população com renda mais alta na região de Pinheiros. Infelizmente, pequenas vilas e ruas com casas de classe média já não recebem tanta atenção do poder público quanto as mais frequentadas e mais bem cuidadas. página | 105


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Linhas de ônibus Estação de metrô Limite da área de estudo

Infraestrutura | São Mateus página | 107


Para analisar a infraestrutura na região de São Mateus, optou-se por estudar a Avenida Adélia Chohfi, desde a Avenida Sapopemba até a Avenida Presidente Artur da Costa e Silva, abrangendo algumas quadras do entorno. A existência do Terminal de Ônibus de São Mateus é fundamental para a mobilidade da popula� ção que ali vive. Carente de infraestrutura das linhas de metrô, o bairro é servido apenas por linhas de ônibus que não são capazes de suportar todo o fluxo de pessoas. A distância em relação à região central da cidade e a precariedade do transporte púbico fazem com que parte da população se desloque para os bairros vizinhos, poucos entrevistados afirmaram trabalhar em bairros distantes. Isso mostra que, a partir da dificuldade de deslocamento dos moradores para áreas mais distantes do extremo leste de São Paulo, a dinâmica da região tenta se resolver nas proximidades, ou seja, pessoas trabalham em bairros vizinhas e crianças estudam em escolas da própria região. Isso acontece tam� bém, pois a predominância do bairro é de pessoas com baixa renda, que possuem grandes dificuldades de comprar um veiculo particular que permita um deslocamento diário maior e, assim, elas se tornam depen� dentes da infraestrutura do transporte público. Outro fator importante a ser analisado é a precariedade do espaço público e das áreas de lazer em São Mateus. Diferente do que acontece no bairro do Morumbi, onde a maioria da população possui sistemas de lazer internos às áreas privadas e conseguem suprir essa necessidade dentro de seu próprio condomínio, os moradores de São Mateus possuem lotes bem menores e não substituem o lazer oferecido pelo poder público.

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Terminal de ônibus de São Mateus.

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Praรงa Felisberto Fernandes da Silva, no fim de semana.

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Av. Sapopemba, durante a semana.


Travessa CecĂ­lio Baez, no fim de semana.

Rua Pires Caleiro durante a semana.

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Av. Roberto Pires Maciel.


Não é a falta de espaços de lazer que mais prejudica a população do bairro, mas sim, a falta de inves� timento em equipamentos e manutenção desses espaços livres. Conforme a “Teoria das janelas quebra� das”, a ausência de ordem pública na região faz com que os moradores comecem a utilizar esses espaços como depósitos de entulhos e lixos domiciliares. Seria mais interessante se houvesse um investimento de infraestrutura que pudesse dar uso e trazer qualidade de vida para uma população carente de áreas de lazer. Segundo entrevistas, algumas pessoas afirmaram se sentir seguras pelas ruas do bairro durante o dia e inseguras durante a noite. Isso ocorre, porque o bairro possui uma área comercial bastante diversi� ficada que atrai um grande fluxo de pessoas durante o horário comercial. No entanto, ao escurecer, essas mesmas pessoas disseram se sentir inseguras pela falta de movimento na rua ou porque já foram assaltadas pela região. Da mesma forma, alguns entrevistados expuseram o sentimento de insegurança tanto durante o dia quanto durante a noite. O motivo é que já tinham sido assaltados em diversos horários do dia, em ruas mais afastadas do comércio central. A instalação de uma base comunitária em uma das praças mais movimentadas do bairro, próxima ao Terminal de ônibus, foi bastante importante para a instauração da política de policiamento preventivo. Essa iniciativa faz parte de um programa que também abrange a revitalização e reforma dessa mesma praça e, ao que tudo indica, tem como objetivo diminuir a violência e melhorar a qualidade de vida dos moradores.

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Parâmetros | Índices de criminalidade No nosso cotidiano, estamos tão envolvidos com a violência, que tendemos a acreditar que o mundo nunca foi tão violento como agora. Pelo que nos contam nossos pais e outras pessoas mais velhas, há dez, vinte ou trinta anos, a vida era mais segura e certos valores eram mais respeitados. No entanto, é preciso pensar nas diversas dimensões que isso pode ser interpretado. Michel Rouché, em “História da vida privada”, afirma que a criminalidade na Alta Idade Média, se comparada com o número de assassinatos que ocorriam naquele período, era muito mais comum no cotidiano das pessoas do que é agora. Segundo o autor, naquela época, “cada qual via a justiça em sua própria vontade” e o ato de matar não era reprovado. Portanto, a violên� cia varia no grau, na forma, no sentido e na própria lógica nos diferentes períodos da história e o modo que o homem a vê e a vivencia atualmente é muito diferente daquele que havia em outros períodos da história. Mesmo que nos limitemos à nossa época, a forma como as diferentes culturas do mundo definem e interpretam a violência, ou como reagem a ela, pode variar muito. Dessa forma, analisar as taxas de homicídio e as taxas de roubo ocorridas na cidade de São Paulo foi essencial para a interpretação da sensação de insegurança que afeta os paulistanos, uma vez que essas modalidades de crime são as mais comuns e as que mais assustam os cidadãos no cotidiano da vida urbana.

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Consolação

Morumbi

Pinheiros

São Mateus

Homicídio (2011)

5,22

Homicídio (2011)

6,22

Homicídio (2011)

0

Homicídio (2011)

5,17

Roubos (2006)

3.779

Roubos (2006)

1.137

Roubos (2006)

2.883

Roubos (2006)

477

Índices de criminalidade | Taxas de homicídios e roubos a cada 100.000 habitantes Fonte: Infocrim (Secretaria de Segurança Pública) | Dados por subprefeitura página | 116


Município de São Paulo Homicídio (2011)

7,52

Roubos (2006)

1.000

Segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública, no ano de 2012 mais de 300 mil roubos (quando há ameaça de violência) e furtos (sem a vítima tomar conhecimento na hora do crime) foram registrados em todas as 93 delegacias regionais da cidade de São Paulo. Nos últimos dez anos, as ocorrências aumentaram cerca de 17,5% quando se leva em consideração a taxa de ocorrência por 100 mil habitantes. O movimento é contrário à queda de 85% na taxa de homicídios no mesmo período. Segundo o especialista em segurança pública, coronel José Vicente Filho, o gerenciamento da segurança pública é responsável pelos números altos na questão de furtos e roubos em São Paulo e não uma suposta falta de recursos como muitos acreditam ser. Um dos principais responsáveis pela queda dos homicídios é o Infocrim, sistema digital que mapeia a localização de todas as ocorrências criminais no estado. Os dados no programa fa� cilitam o trabalho estratégico da Polícia Militar: sabendo as regiões e horários de maior incidência criminal em cada cidade, é possível definir, por exemplo, a quantidade de viaturas que deve ficar em cada área. “Não por acaso, o ponto de queda dos homicídios de São Paulo foi de 1999 para 2000, quando o Infocrim começou a atuar na capital”, afirma Tulio Kahn, sociólogo e coordena� dor de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública (CAP). É importante lembrar que essas informações divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública sobre taxas de criminalidade consideram regiões de subprefeituras inteiras, portanto abrangem outros bairros que não foram considerados na parametrização acima. Tendo em vista que o objetivo do trabalho está voltado para uma metodologia de dedução e não apenas de constatação, pois todos esses levantamentos lidam diretamente com as sensações das pessoas, essas informações de criminalidade, apesar de serem mais gerais, ajudaram a concretizar essa metodologia.

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É possível notar que as regiões da Consolação e de Pinheiros apresentam os maiores números de roubos entre os distritos analisa� dos. Com taxas de 3.779 e 2.883, respectivamente, esses valores são de 2 a 3 vezes maiores que a média do município inteiro, o que mostra que, apesar da grande quantidade de pessoas circulando pelas ruas em diversos horários do dia, os furtos e roubos não deixam de acontecer devido à grande concentração de pessoas de classes média e alta nessas regiões. Por outro lado, a região de São Mateus apresenta a menor taxa de roubos dentre as áreas estudadas, com apenas 477 a cada 100.000 habitantes, o bairro apresenta um número menor que a metade da média da cidade de São Paulo. Isso mostra que, apesar de uma grande maioria da população achar que bairros pobres estão relacionados diretamente com o perigo de roubos e furtos, São Mateus, com cerca de 40% de seus residentes pertencendo à classe baixa, é a região que possui o menor número de roubos quando comparada com regiões como Consolação, Morumbi e Pinheiros. Em relação ao número de homicídios, o bairro do Morumbi é o que apresenta a maior taxa quando comparado com os outros estuda� dos. Com 6,22 homicídios a cada 100.000 habitantes, a taxa ainda é menor do que a média do município. Isso acontece pois esses dados estão relacionados à subprefeitura inteira, o que inclui também os levantamentos da favela Paraisópolis. É evidente que os homicídios estão mais diretamente vinculados ao tráfico de drogas e aos confrontos entre policiais e criminosos, por isso a taxa do Morumbi se sobressai em relação aos outros bairros estudados. Em segundo e terceiro lugares, com números bastante próximos, vêm as regiões da Consolação e São Mateus, respectivamente, com taxas de 5,22 e 5,17. É interessante notar que, apesar da enorme diferença nas taxas de roubos entre essas duas regiões, suas taxas de homicí� dio são bastante próximas. Isso acontece, pois a subprefeitura de São Mateus possui grande quantidade de favelas e provavelmente esses dados estão relacionados ao tráfico de drogas e aos confrontos policiais também. Já os dados da subprefeitura da Sé, que inclui a região da Consolação, estão vinculados com a região central da cidade que também considera a região da Cracolândia, onde provavelmente ocorrem mais confrontos com homicídios. A subprefeitura de Pinheiros, assim como o Morumbi, apresenta uma grande concentração de renda entre seus moradores, e, assim como a Consolação, também apresenta um alto fluxo de pedestres nas ruas, no entanto, sua taxa de homicídios é a menor entre as regiões estudadas. Isso mostra que um bairro com diversidade de usos, alto fluxo de pessoas e veículos e com qualidade na infraestrutura urbana, apresenta menos condições para que homicídios ocorram. página | 118


conclusรฃo pรกgina | 119


É difícil definir uma explicação para o fenômeno da violência nos dias de hoje, pois se ela é perce� bida como algo geral, imprevisível e incompreensível, que tomou conta do mundo, então já não é possível analisá-la de fora, à distância, procurando relacioná-la com situações vividas pela sociedade. Entretanto, uma análise mais aprofundada do assunto mostra que ela não tem uma causa única e as mais gerais podem estar relacionadas à organização econômica da sociedade, que promove uma distribuição de renda injusta. Outros fatores são o mau funcionamento da justiça, a impunidade, o colapso na educação e na saúde, a cor� rupção endêmica e a influência da mídia, que reforçam a ausência de confiança, o egoísmo e a quebra da solidariedade. Desde meados da década de 1980, vem-se exacerbando, no Brasil, o sentimento de medo e inse� gurança. Esse sentimento não parece infundado, uma vez que as estatísticas apontam uma aceleração do crescimento das modalidades criminais que envolvem a prática de violência, como roubos, sequestros e homicídios. Esse crescimento veio acompanhado de mudanças substantivas nos padrões de criminalidade individual, bem como no perfil das pessoas envolvidas com a delinquência. Nos locais onde há uma ausência por parte do Estado, caracterizada tanto pela precariedade do espaço quanto pela falta de políticas públicas efetivas que deem suporte a uma população carente e ex� cluída socialmente, é possível notar que o crescimento da violência é mais acentuado. Uma série de fatores influencia para que essa situação se torne um ciclo endêmico. O crime organizado se implanta nesses locais, pois não há um policiamento efetivo que controle essa situação e a presença de espaços ermos facilita a execução e o tráfico de drogas sem que ninguém seja visto. Além disso, o crime atrai soldados que veem página | 120


Muro de uma residência no Morumbi.

nessa carreira uma forma de obter dinheiro que não poderiam ganhar em empregos formais. Isso ocorre porque políticas públicas falhas fazem com que não haja inves� timento suficiente na educação pública e os jovens acabam tendo uma concorrência injusta no mercado de trabalho formal. O resultado dessa cadeia de fatos é a crise de valores sobre viver em sociedade e respeitar o próximo, faltando nessa ideologia a noção de direitos, que implica a aceitação da palavra, do argumento e da vontade dos outros. É evidente que nem todo distrito que sofre de exclusão social e espacial é caracterizado pelo crescimento da violência, mas o crime tende a se desenvolver mais facilmente nos locais onde há precariedade do espaço, no que se refere tanto à qualidade da habitação quanto às áreas de lazer, e ausência do Estado, tanto nas políticas públicas falhas quanto na ineficiência da instituição da polícia. O crescimento da violência acabou influenciando de maneira drástica no comportamento da população, tanto no uso dos meios de transporte e práticas de lazer até medos e temores experimentados ao sair de casa diariamente. As fortes tendências a sentir medo e a estressante sensação de insegurança incentivaram uma crescente e altamente lucrativa indústria que promete garantir segurança para a população. A privatização da segurança passou a ser algo muito comum para as elites das grandes cidades, uma vez que o sistema de policiamento do Estado está página | 121


bastante abalado pela corrupção e pela incapacidade de manter a ordem. Novos métodos de enclausura� mento e segregação espacial surgem como uma estratégia para evitar que o crime e a violência afetem a vida dessas pessoas. As principais transformações desse novo modelo de organização espacial separam os diferentes grupos sociais, muitas vezes próximos geograficamente, mas segregados por muros e tecnologias de se� gurança. A tendência desse padrão é não circular ou interagir em áreas públicas comuns, pois a justificativa é o medo do crime violento. Desse modo, a privatização da segurança e a reclusão de alguns grupos em enclaves fortificados têm mudado as noções de público e de espaço público. A noção de espaço público deixou de ser relacionada ao ideal moderno de universalidade, onde o convívio em sociedade com pessoas, independente das classes sociais e etnias, ocorre de maneira natural. Pelo contrário, esse novo modelo promove a separação e a ideia de que os grupos sociais devem viver isola� dos em espaços homogêneos. A consequência disso é a formação de uma base para um novo tipo de esfera pública que acentua as diferenças de classe e as estratégias de separação. É evidente que o desenho do espaço urbano não pode combater a violência de maneira direta, en� tretanto, o planejamento da cidade pode tanto auxiliar quanto dificultar o crescimento desse fenômeno. Se, por alguns, a segregação é vista como solução para o problema da criminalidade, seria mais interessante que, juntamente com reestruturações políticas, os espaços fossem planejados de maneira a serem convi� dativos, bem iluminados e com amplo campo de visão, onde o convívio entre as diferentes classes sociais ocorresse de maneira natural e espontânea. Isso contribuiria para que o medo do estranho não fizesse mais parte de uma sociedade acostumada a viver com a sensação de insegurança. página | 122


Fechamento de uma invasão em São Mateus.

O envolvimento de políticas públicas no combate à violência no município de Diadema, por exemplo, que tinham como principal foco o fechamento de bares às 23 horas, diminuiu gradativamente o número de homicídios na cidade. A região do Jardim Ângela com ações policiais e a implementação da Cultura de Paz pelo Padre Jaime Crowe, também teve uma queda significativa no número de mortes violentas. Nova Iorque, que sofreu uma profunda reestruturação do Departamento de Polícia e implan� tou o policiamento comunitário, implementou um maior número de policiais em áreas com maiores índices de criminalidade, que poderiam identificar as preocupações da comunidade e, algumas vezes, prevenir o crime simplesmente com a sua presença. E o exemplo de Bogotá mostra como a articulação de leis do Estado, a moral dos indivídu� os e a cultura da sociedade podem consistir em um conjunto de medidas que podem auxiliar na reestruturação de uma sociedade abalada pela corrupção e violência. Através da metodologia comparada realizada como análise empírica deste tra� balho, foi possível perceber algumas relações entre a dinâmica da cidade e os índi� ces de criminalidade que nela existem. É claro que o trabalho se consolidou mais em forma de deduções do que constatações, uma vez que analisar o comportamento do ser humano não é algo concreto que segue fórmulas e cálculos, mas sim algo sensível e variável. O fluxo de pedestres e automóveis, a diversidade social e de usos, a qualidade e a manutenção de infraestrutura urbana são parâmetros que podem estar ligados à sensação de insegurança e medo da população. página | 123


Áreas com estabelecimentos que funcionam em diversos horários do dia, que mesclam usos comerci� ais e residenciais em uma mesma quadra, que possuem infraestrutura na qualidade e na quantidade do trans� porte público, com iluminação e passeios adequados aos seus usuários, geram um grande fluxo de pessoas e veículos. Esse fluxo é muito importante para a sensação de segurança de cada individuo, apesar de todos os fatores estarem relacionados entre si, a quantidade de pessoas nas ruas influencia de maneira significativa na questão do medo e da insegurança. Conforme citado no capítulo sobre insegurança, segundo Jane Jacobs em “Morte e vida de grandes cidades”, a diversidade de usos, de nível sócio econômico da população, de tipologia das edificações e de ra� ças é muito importante para que uma cidade seja eficiente e segura. Mais importante do que a figura do poli� cial, para garantir a segurança de um determinado bairro, por exemplo, é o trânsito ininterrupto de usuários, além da existência do que a autora chama de “proprietários naturais da rua”. Donos dos estabelecimentos comerciais são os “olhos atentos”, muitas vezes, mais eficazes do que a iluminação pública. Trata-se da figura pública autonomeada, a quem os moradores podem recorrer para deixar um recado, uma chave, uma en� comenda. Desse modo, a vida pública informal impulsiona a vida pública formal e associativa. A autogestão democrática é que garante o sucesso dos bairros e distritos que apresentam maior vitalidade e segurança. Por fim, investimentos públicos voltados para as áreas da educação, do transporte e da habitação popular poderiam ajudar no combate ao crime organizado nas periferias. Abalados pela corrupção endêmica, os sistemas judiciário, carcerário e de policiamento do país também poderiam sofrer reformas, que contri� buiriam para uma melhor efetividade dessas políticas públicas. O fato é que a desarticulação dos órgãos que página | 124


atuam na área de segurança pública e o pouco diálogo das esferas governamentais com a sociedade civil indicam que há muito por fazer para superar essa crise da violência no Brasil. Nesse contexto, é difícil apontar responsáveis, culpados ou instâncias pela existência da violência. Em geral se acredita que os culpados são as autoridades violentas, a corrupção de alguns políticos, os traficantes de drogas, os in� diferentes. Não se sabe se a justiça é justa. A polícia nem sempre cumpre seu papel de investigar, atender e proteger. E a comunidade se mostra muitas vezes indiferente e fechada. Fechada nas casas e nos apartamentos, com muros altos, guaritas e alarmes, fechadas no medo e na desconfiança, fechada no preconceito. É difícil reconquistar o espaço perdido, o espaço da rua, o espaço da cidadania, a liberdade e a confiança no futuro. Também são responsáveis pela violência aquelas pessoas que, acreditando nela como única forma possível de relacionamento e de expressão numa sociedade em que “vale tudo”, acabam reproduzindo e perpetuando os atos violentos, transformando as cidades em verdadeiras selvas regidas pela lei dos mais fortes, intolerantes às diferenças. Pode-se dizer que a população vive um momento em que os indivíduos parecem encarar a vida em sociedade como um instinto de sobrevivência individual. Esse tipo de comportamento mostra a fragilidade e a vulnerabilidade das pessoas, desagregadas, sem laços, sem organização, sem confiança em si como força capaz de melhorar suas próprias vidas. Não há confiança nas instituições, não há confiança nos vizinhos. A violência disseminada, que está em todos os lugares e permeia todas as relações, reflete um momento de redefinição das regras e das normas de vida no Brasil, de tentativa de definição de novos parâmetros. Trata-se, portanto, do desafio de pensar em um novo contrato com os cidadãos, revendo antigos processos de exclusão e construindo uma sociedade mais justa. página | 125


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Livros _ADORNO, Sergio. São Paulo sem medo: um diagnóstico da violência urbana. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. _BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. _BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. _BONDARUK, Roberson Luiz. A prevenção do crime através do desenho urbano. Curitiba: Edição do autor, 2007. _BUORO, Andrea. Violência urbana, dilemas e desafios. São Paulo: Editora Atual, 1999. _CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000. _NEWMAN, Oscar. Defensible Space: crime prevention through urban design. New York: Macmillan Publishing, 1972. _SOARES, Luis Eduardo. Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumara – ISER, 1996. _ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de Janeiro, Editora Revan/UFRJ Editora, 1994. _ZALUAR, Alba. Da revolta ao crime S.A. São Paulo: Editora Moderna, 1996. _LabHab FAU USP. Programa Bairro Legal, Plano de ação habitacional urbano: Diagnóstico Jardim Ângela. São Paulo, 2003. _LabHab FAU USP. Programa Bairro Legal, Coordenação da metodologia os planos de ação habitacionais e urbanos: metodologia consolidada para a elaboração de planos de ação habitacionais e urbanos para áreas em situação de risco pela exclusão socio� econômica e a violência. São Paulo, 2003. página | 127


Tese e dissertação _ADORNO, Sérgio. A gestão urbana do medo e da insegurança: violência, crime e justiça penal na sociedade brasileira contem� porânea. Tese apresentada para o concurso de livre docência em ciências humanas da Universidade de São Paulo, 1996. _GUATELLI, Mauro Teixeira. Residências em Alphaville, nos municípios de Barueri e Santana do Parnaíba. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. FAU USP, 2012. _LUPO, Ligia. Percursos Urbanos: a leitura dos espaços públicos através da vida cotidiana. Trabalho final de graduação. FAU USP, 2012.

Artigos _LEAL, Maria Cristina. ZALUAR, Alba. Violência extra e intramuros. Revista brasileira de ciências sociais, volume 16 nº45, 2001. _KELLING, George. WILSON, James. The Police neighborhood safety: Broken Windows. The Atlantic Monthly, 1982.

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Sites _Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos: http://mapadaviolencia.org.br _Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados do Governo do Estado de São Paulo: www.seade.gov.br _Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: http://www.ibge.gov.br/home/ _Metrô de São Paulo: http://www.metro.sp.gov.br/ _Núcleo de estudo da violência da Universidade de São Paulo: www.nevusp.org _Prefeitura de São Paulo: http://www.prefeitura.sp.gov.br _Rede Nossa São Paulo: http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/

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