Esta obra foi digitalizada/traduzida pela Comunidade Traduções e Digitalizações para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício da leitura àqueles que não podem pagar, ou ler em outras línguas. Dessa forma, a venda deste e‐ book ou até mesmo a sua troca é totalmente condenável em qualquer circunstância. Você pode ter em seus arquivos pessoais, mas pedimos por favor que não hospede o livro em nenhum outro lugar. Caso queira ter o livro sendo disponibilizado em arquivo público, pedimos que entre em contato com a Equipe Responsável da Comunidade – tradu.digital@gmail.com Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras. Traduções e Digitalizações Orkut - http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=65618057 Blog – http://tradudigital.blogspot.com/ Fórum - http://tradudigital.forumeiros.com/portal.htm Twitter - http://twitter.com/tradu_digital Skoob - http://www.skoob.com.br/usuario/mostrar/83127
OS INSTRUMENTOS MORTAIS
Livro Quatro
Cidade dos Anjos Caídos -
-
CASSANDRA CLARE
Para Josh Somos dois livros de uma mesma obra?
SUMÁRIO PARTE UM – ANJOS EXTERMINADORES Capítulo 1 – O Mestre Capítulo 2 – Queda Capítulo 3 – Sete Vezes Capítulo 4 – A Arte Dos Oito Membros Capítulo 5 – Inferno Chama Inferno Capítulo 6 – Acorde O Morto Capítulo 7 – Praetor Lupus Capítulo 8 – Caminhando na Escuridão Capítulo 9 – Do Fogo para o Fogo Capítulo 10 – Riverside Drive Capítulo 11 – Nossa Espécie Capítulo 12 – O Santuário Capítulo 13 – Garota Encontrada Morta Capítulo 14 – O que os sonhos podem trazer Capítulo 15 – Beati Bellicosi Capítulo 16 – Nova York Cidade dos Anjos Capítulo 17 – Caim se Levanta Capítulo 18 – Cicatrizes de fogo Capítulo 19 – O Inferno está Satisfeito Bonus – Carta do Jace
PARTE
UM
ANJOS EXTERMINADORES
Existem enfermidades que andam nas trevas, e há anjos exterminadores que voam envoltos em cortinas de imaterialidade e numa natureza incomunicável; a quem nós não podemos ver, mas nós sentimos sua força e prostramos sob suas espadas.
Jeromy Taylor — “A Funeral Sermon”
Capítulo
1
O MESTRE
“SÓ CAFÉ, POR FAVOR.” A garçonete levantou suas sobrancelhas desenhadas a lápis. “Você não quer nada para comer?”, ela perguntou. Seu sotaque era forte, sua atitude desapontada. Simon Lewis não podia culpá-la, ela tinha estado, provavelmente, esperando por uma gorjeta melhor, do que a de uma que ela ia receber por uma única xícara de café. Mas não era sua culpa que vampiros não comessem. Às vezes, em restaurantes, ele pedia comida, só para manter a aparência de normalidade, mas em uma noite de Terça, quando Veselka estava quase vazio de outros clientes, não parecia valer a pena o incômodo. “Só café.” Com um encolher de ombros a garçonete tomou o menu plastificado e foi ordenar seu pedido. Simon sentou-se contra a cadeira dura de plástico e olhou ao redor. Veselka, um restaurante na esquina da Ninth Street e Second Avenue, era um de seus lugares favoritos na Lower East Side — uma antiga vizinhança coberta por murais preto e branco, onde eles deixavam você se sentar o dia todo desde que você pedisse café em intervalos de meia hora. Eles também serviam o que tinha sido uma vez seus pierogi vegetariano e borscht favoritos, mas aqueles dias ficaram para trás. Era o meio de Outubro, e eles tinham acabado de montar suas decorações
de Halloween — um aviso oscilante que dizia Travessuras-ou-Borscht! — e um falso vampiro de papelão chamado Conde Blintzula. Há muito tempo atrás Simon e Clary tinham achado as decorações bregas do feriado engraçadas, mas o Conde, com suas presas falsas e capa preta, não mais divertiam Simon. Simon olhou em direção a janela. Era uma noite fria, e o vento estava soprando folhas através da Second Avenue como punhados de confetes jogados. Havia uma garota caminhando na rua, uma garota em um casaco justo, com longos cabelos pretos que esvoaçavam ao vento. As pessoas se viravam para observá-la enquanto ela caminhava. Simon tinha olhado para garotas como aquela antes no passado, imaginando onde elas estavam indo, quem elas estavam se encontrando. Não caras como ele, ele sabia disso muito bem. Exceto que esta estava. A sineta da porta da frente do restaurante tocou, enquanto a porta se abria, e Isabelle Lightwood entrava. Ela sorriu quando ela viu Simon, e veio em direção a ele, retirando seu casaco e o dobrando nas costas da cadeira, antes que ela se sentasse. Sob o casaco ela vestia o que Clary chamava de “típico trajes Isabelle”: um vestido curto justo de veludo, meia-calça arrastão, e botas. Havia uma faca enfiada na beira de sua bota esquerda que Simon sabia que só ele podia ver; ainda assim, todos no restaurante estavam observando enquanto ela se sentava, jogando seu cabelo para trás. O que quer que ela estivesse vestindo chamava atenção como fogos de artifício. Linda Isabelle Lightwood. Quando Simon tinha a conhecido, ele presumiu que ela não tinha tempo para um cara como ele. Ele descobriu estar na maior parte certo. Isabelle gostava de garotos que seus pais desaprovavam, e no universo dela isso significava Seres do Submundo — elfos, lobisomens e vampiros. Eles estarem se encontrando regularmente nos últimos um ou dois meses, o deixavam atônito, mesmo que o relacionamento deles fosse limitado na maioria, a encontros não frequentes como esse. E mesmo que ele não pudesse se impedir de imaginar, se ele nunca tivesse se tornado um vampiro, se sua vida inteira não tivesse sido alterada naquele momento, eles estariam namorando? Ela prendeu um cacho de cabelo atrás de sua orelha, seu sorriso brilhante. “Você está bonito.” Simon lançou um olhar para si mesmo na superfície refletida da janela do
restaurante. A influência de Isabelle era visível nas mudanças na aparência dele desde que eles tinham começado a namorar. Ela o tinha forçado a jogar fora seus casacos de capuz em troca de jaquetas de couro, e seus tênis no lugar de botas da moda. Que, aliás, custavam trezentos dólares um par. Ele estava ainda usando suas características camisetas com logotipos — esta dizia O EXISTENCIALISMO FAZ ISSO INÚTIL — mas seus jeans não tinham mais buracos nos joelhos e bolsos rasgados. Ele também tinha seu cabelo maior, então ele caia em seus olhos agora, cobrindo sua testa, mas isso era mais por necessidade do que por Isabelle. Clary tinha gozado dele sobre seu novo look; mas, então, Clary tinha descoberto tudo sobre a vida amorosa incerta hilária. Ela não podia acreditar que ele estava namorando Isabelle a sério. É claro, ela também não podia acreditar que ele estava também namorando Maia, uma amiga deles que, por acaso, era uma lobisomem, de um modo igualmente sério. E ela realmente não podia acreditar que Simon não tinha dito ainda a nenhuma delas sobre a outra. Simon não tinha realmente a certeza de como isso tinha acontecido. Maia gostava de ir a casa dele e usar o seu Xbox — eles não tinham um na delegacia abandonada onde o bando de lobisomens vivia — e não foi, até a terceira ou quarta vez, que ela tinha vindo se inclinado e o beijado, se despedindo antes que ela saísse. Ele tinha gostado, e então ele tinha ligado para Clary para perguntar a ela se ele precisava dizer a Isabelle. “Descubra o que esta acontecendo entre você e Isabelle”, ela disse. “Então diga a ela.” Isso se tornou um péssimo conselho. Já havia um mês, e ele ainda não tinha certeza do que estava acontecendo entre ele e Isabelle, então ele não disse nada. E quanto mais o tempo passava, mais embaraçosa a ideia de dizer alguma coisa aumentava. Até agora ele fez isso funcionar. Isabelle e Maia não eram amigas de verdade, então raramente viam uma a outra. Infelizmente para ele, isso estava prestes a mudar. A mãe de Clary e o seu amigo de longa data, iam se casar em poucas semanas, e ambas, Isabelle e Maia, foram convidadas para o casamento, um Simon ansioso descobriu-se mais aterrorizado do que a ideia de ser perseguido pelas ruas de Nova York por um grupo de caçadores de vampiros. “Então”, Isabelle disse, arrancando ele de seu devaneio. “Por que aqui e não
no Taki? Eles teriam servido sangue para você lá.” Simon vacilou com a intensidade dela, Isabelle não era nada sutil. Felizmente, ninguém parecia estar escutando, nem mesmo a garçonete que retornou, colocando com barulho uma xícara de café em frente a Simon, olhou Lizzy, e saiu sem tomar o pedido dela. “Eu gosto daqui”, ele disse. “Clary e eu costumávamos vir aqui quando ela tinha aulas em Tisch. Eles têm ótimos borscht e blintzes — eles são como tortas de queijo doce — além de que fica aberto a noite toda.” Isabelle, entretanto, estava o ignorando. Ela estava olhando por cima de seu ombro. “O que é aquilo?” Simon seguiu seu olhar. “Aquele é o Conde Blintzula.” “Conde Blintzula?” Simon deu de ombros. “Ele é uma decoração do Halloween. O Conde Blintzula é para crianças. É como o Conde1 Chocula, ou o Conde da Vila Sésamo.“ Ele sorriu para a inexpressão dela. “Sabe. Ele ensina as crianças a contar.” Isabelle estava sacudindo sua cabeça. “Há um programa de TV onde crianças são ensinadas a contar com um vampiro?” “Faria sentido se você o visse”, Simon murmurou. “Há alguma base mitológica para tal paralelo”, Isabelle disse, recaindo em uma preleção do modo de ser Caçador de Sombras. “Algumas lendas afirmam que vampiros são obcecados por contagem, e que se você derramar grãos de arroz em frente a eles, eles terão que parar o que estão fazendo e contar um a um. Não há verdade nisso, é claro, não mais que aquele negócio sobre o alho. E vampiros não se importam em ensinar crianças. Vampiros são aterrorizantes.” “Obrigado”, Simon disse. “É uma piada, Isabelle. Ele é o Conde. Ele gosta de contar. Sabe. ‘O que o Conde comeu hoje, crianças? Um biscoito de chocolate, dois biscoitos de chocolate, três biscoitos de chocolate...’” Houve um sopro de ar frio enquanto a porta do restaurante se abria, entrando outro cliente. Isabelle estremeceu e alcançou sua echarpe de seda preta. “Não é realístico.” “O que você preferiria? ‘O que o Conde comeu hoje, crianças? Um aldeão 1
Count – é um trocadinho. Count significa conde mais é também um verbo to count – contar.
indefeso, dois aldeões indefesos, três aldeões indefesos...” “Shh.” Isabelle terminou de enrolar sua echarpe ao redor de sua garganta e se inclinou para frente, colocando sua mão no pulso de Simon. Seus grandes olhos negros estavam de repente vivos, o modo que eles apenas ficavam vivos quando ela estava caçando demônios ou pensando sobre caçar demônios. “Olhe ali.” Simon seguiu seu olhar. Havia dois homens em pé perto da prateleira de vidro que continha itens de padaria: bolos densamente confeitados, pratos de rugelach, e Danishes recheados de creme. Nenhum deles parecia como se estivessem interessados em comida. Ambos eram baixos e terrivelmente esqueléticos, tanto que seus ossos do rosto projetavam de seus rostos como facas. Ambos tinham um fino cabelo grisalho e olhos cinza pálidos, e usavam casacos acinturados que iam até o chão. “Agora”, Isabelle disse. “O que você acha que eles são?” Simon estreitou os olhos para eles. Ambos olhavam de volta para ele, seus olhos sem cílios como buracos vazios. “Eles são como gnomos maus de jardim.” “Eles são humanos subjugados”, Isabelle sibilou. ”Eles pertencem a um vampiro.” “Pertencem a um...” Ela fez um ruído impaciente. “Pelo Anjo, você não sabe nada sobre sua espécie, sabe? Você nem mesmo sabe como vampiros são feitos?” “Bem, quando uma mamãe vampiro e um papai vampiro amam muito um ao outro...” Isabelle fez uma careta para ele. “Ótimo, você sabe que os vampiros não precisam ter sexo para se reproduzirem, mas eu aposto que você realmente não sabe como isso funciona.” “Eu também sei.” Simon disse. “Eu sou um vampiro por que eu bebi um pouco de sangue de vampiro antes que eu morresse. Beber sangue mais morte é igual a vampiro.” “Não exatamente”, Isabelle disse. “Você é um vampiro por que você bebeu um pouco do sangue de Raphael, e então foi mordido por outros vampiros, e então você morreu. Você precisa ser mordido em algum ponto durante o processo.”
“Por quê?” “A saliva do vampiro tem... propriedades. Propriedades transformadoras.” “Eco”, Simon disse. “Não faça eco para mim. Você é quem tem o cuspe mágico. Vampiros mantêm humanos ao redor e se alimenta deles quando tem falta de sangue — como máquinas de lanche que andam”, Izzy falou com desgosto. “Você acharia que eles estariam fracos por perder sangue o tempo todo, mas a saliva vampira na verdade tem propriedades curativas. Ela aumenta sua contagem de células vermelhas do sangue, faz elas mais fortes e mais saudáveis e os faz viver mais. É claro, de vez em quando o vampiro decidirá que ele precisa mais do que um lanche, que precisa de um subjugado — e então começará a alimentar seus humanos mordidos com pequenas quantidades de sangue vampiro, só para mantê-lo dócil, manter conectado a seu mestre. Subjugados adoram seus mestres, e ama servi-los. Tudo o que eles querem é estar ao lado deles. Como você estava quando você voltou ao Dumont. Você foi atraído de volta para o vampiro cujo sangue você tinha consumido.” “Raphael”, Simon disse, sua voz fria. “Eu não sinto uma urgência para estar com ele ultimamente, deixe-me lhe dizer.” “Não, isso se foi quando você se tornou um vampiro completo. Apenas os subjugados adoram seus progenitores e não pode desobedecê-los. Você não vê? Quando você voltou ao Dumont o clã de Rafael drenou você, e você morreu, e então se tornou um vampiro. Mas se eles não o tivessem drenado, se ao invés, eles tivessem dado a você mais sangue vampiro, você eventualmente teria se tornado um subjugado.” “Isso tudo é muito interessante”, Simon disse. “Mas não explica o porquê de eles estarem olhando para nós.” Isabelle olhou de volta para eles. “Eles estão olhando para você. Talvez o mestre deles morreu e estejam procurando por outro vampiro para ser dono deles. Você poderia ter bichinhos de estimação.” Ela sorriu. “Ou”, Simon disse. “Talvez eles estejam aqui pelos hash brown2. “Humanos subjugados não comem comida. Eles vivem de uma mistura de sangue vampiro e sangue animal. Eles os mantêm em um estado de animação 2
Uma tortinha de batata.
suspensa. Eles não são imortais, mas eles envelhecem muito lentamente.” “Que pena”, Simon disse, os olhando. “Eles não parecem manter suas aparências.” Isabelle se empertigou. “E eles estão vindo para cá. Eu aposto que descobriremos o que eles querem.” Os humanos subjugados se moviam como se eles estivessem sob rodas. Eles pareciam não estar dando passos tanto quanto deslizando a frente sem som. Levou a eles apenas segundos para atravessarem o restaurante; no instante que eles aproximaram da mesa de Simon, Isabelle tinha sacado o afiado punhal parecido com estilete para fora da ponta de sua bota. Ele repousava na mesa, brilhando nas luzes fluorescentes do restaurante. Ele era sombrio, prata pesada, com cruzes marcando em ambos os lados de seu cabo. A maioria das armas repelentes vampiras parecia ostentar cruzes, por suposição, Simon pensou que a maioria dos vampiros eram cristãos. Quem imaginaria que seguir uma religião minoritária poderia ser tão vantajoso? “Estão perto o suficiente.” Isabelle disse, enquanto os dois subjugados paravam ao lado da mesa, os dedos dela a milímetros do punhal. “Vocês dois, digam o que querem.” “Caçadora de Sombras.” A criatura da esquerda falou em um sussurro sibilado. “Nós não sabíamos de você nesta situação.” Isabelle levantou uma delicada sobrancelha. “E qual situação seria essa?” O segundo subjugado apontou um longo dedo cinza para Simon. A ponta da unha era amarelada e afiada. “Nós temos negócios com o Daylighter.” “Não, vocês não tem”, Simon disse. “Eu não tenho ideia de quem são vocês. Nunca os vi antes.” “Eu sou o Sr. Walker”, disse a primeira criatura. “Ao meu lado está o Sr. Archer. Nós servimos ao mais poderoso vampiro na cidade de Nova York. O chefe do grande clã de Manhattan.” “Raphael Santiago”, Isabelle disse. “Nesse caso vocês sabem que Simon não é parte de nenhum clã. Ele é um agente livre.” Sr. Walker sorriu um sorriso leve. “Meu mestre esta esperando que esta situação pudesse ser alterada.” Simon encontrou os olhos de Isabelle do outro lado da mesa. Ela encolheu
os ombros. “Raphael não disse a você que ele queria que você ficasse longe do clã?” “Talvez ele tenha mudado de ideia”, Simon sugeriu. “Você sabe como ele é. Genioso, caprichoso.” “Eu não saberia. Eu não tenho o visto desde aquela vez que você ameaçou matá-lo com um candelabro. Embora ele tenha levado isso numa boa. Nem vacilou.” “Fantástico”, Simon disse. Os dois subjugados estavam olhando para ele. Seus olhos eram de uma cor cinza pálida esbranquiçada, como neve suja. “Se Raphael me quer no clã, é porque ele quer algo de mim. Vocês podiam muito bem me dizer o que é.” “Nós não estamos a par dos planos de nosso mestre”, Sr. Archer disse em um tom altivo. “Então, sem chance”, Simon disse. “Eu não irei.” “Se você não quiser vir conosco, nós estamos autorizados a usar de força para levá-lo.” O punhal pareceu saltar para a mão de Isabelle; ou pelo menos, ela mal pareceu se mover, e ainda assim ela o estava segurando. Ela o girou levemente. “Eu não faria isso se fosse você.” Sr. Archer mostrou seus dentes para ela. “Desde quando as crianças do Anjo tornaram-se os guarda-costas para inferiores Seres do Submundo? Eu acharia que você está além desse tipo de negócios, Isabelle Lightwood.” “Eu não sou a guarda-costas dele”, Isabelle disse. “Eu sou a namorada dele. O que me dá o direito de chutar seu traseiro se você o incomodar. É como funciona.” Namorada? Simon ficou perplexo o suficiente para olhar para ela surpreso, mas ela estava olhando para os dois subjugados, seus olhos escuros cintilando. Por um lado ele não achava que Isabelle sequer referiu a si mesma como namorada dele antes. Por outro lado isso era característico de quão estranha sua vida tinha se tornado, de que essa era a coisa que o tinha mais surpreendido hoje à noite, além do fato de que ele tinha acabado de ter sido convocado para um encontro pelo mais poderoso vampiro em Nova York. “Meu mestre”, disse Sr. Walker, no que ele provavelmente pensou que
fosse um tom apaziguador, “tem uma proposta a fazer para o Daylighter— “ “Seu nome é Simon. Simon Lewis.” “Para propor ao Sr. Lewis. Eu posso prometer que o Sr. Lewis achará mais vantajoso se ele estiver disposto a nos acompanhar e ouvir meu mestre. Eu juro pela honra de meu mestre que nenhum dano acontecerá a você, Dayligher, e que caso você deseje recusar a oferta de meu mestre, você terá a livre escolha de fazêlo.” Meu mestre, meu mestre, Sr. Walker disse as palavras com uma mistura de adoração e reverência. Simon estremeceu um pouco intimamente. Que horrível ser tão ligado a outro alguém, e não ter nenhum desejo verdadeiro por si mesmo. Isabelle estava balançando sua cabeça; ela balbuciou “não” para Simon. Ela provavelmente estava certa, ele pensou, Isabelle era uma excelente Caçadora de Sombras. Ela tinha estado caçando demônios e Seres do Submundo renegados — vampiros inferiores, bruxos praticantes de magia negra, lobisomens que tinham se tornado selvagens e comido alguém — desde que ela tinha doze anos de idade, e era provavelmente melhor no que ela fazia do que qualquer outro Caçador de Sombras em sua idade, com exceção de seu irmão Jace. E houve Sebastian, Simon pensou, que tinha sido melhor do que ambos. Mas ele estava
morto. “Tudo bem”, ele disse. “Eu irei.” Os olhos de Isabelle se arregalaram. ”Simon!” Ambos subjulgados esfregaram suas mãos juntas, como vilões em histórias em quadrinhos. O gesto por si mesmo não era o que foi assustador, na verdade; foi que eles fizeram isso exatamente ao mesmo tempo e do mesmo jeito, como se eles fossem marionetes cujas cordas estavam sendo puxadas em uníssono. “Excelente”, disse Sr. Archer. Isabelle bateu a faca na mesa com um ruído e se inclinou para frente, seu brilhante cabelo escuro roçando em cima da mesa “Simon”, ela disse em um sussurro urgente. “Não seja estúpido. Não há motivo para você ir com eles. E Raphael é um idiota.” “Raphael é um mestre vampiro”, Simon disse. “O sangue dele me fez um vampiro. Ele é o meu — seja o que eles chamam isso.” “Patriarca, criador, progenitor — há um milhão de nomes para o que ele
fez”, Isabelle disse distraidamente. “E talvez o sangue dele fez de você um vampiro. Mas isso não o fez um Daylighter.” Seus olhos encontraram os dele do outro lado da mesa. Jace fez de você um Daylighter. Mas ela nunca diria isso em voz alta, havia apenas poucos deles que conheciam a verdade, a história inteira por trás do que Jace era, e o que Simon era por causa disso. “Você não tem que fazer o que ele diz.” “É claro que não”, Simon disse abaixando sua voz. “Mas se eu me recusar a ir, você acha que Raphael vai apenas deixar de lado? Ele não vai. Eles vão continuar atrás de mim.” Ele deslizou um olhar de lado para os subjulgados, eles pareciam como se concordassem, embora ele pudesse ter imaginado isso. “Eles vão me incomodar em toda parte. Quando eu sair, na escola, com a Clary—“ “E o que? Clary não pode lidar com isso?” Isabelle jogou suas mãos. “Ótimo. Pelo menos me deixe ir com você.” ”Claro que não”, interrompeu Sr. Archer. “Este não é um assunto dos Caçadores de Sombras. Este é um negócio das Crianças da Noite.” “Eu não irei—“ “A Lei nos dá o direito de conduzir nossos assuntos em particular.” Sr. Walker falou firme. “Com nossa própria espécie.” Simon olhou para eles. “Dê-nos um minuto, por favor”, ele disse. “Eu preciso falar com Isabelle.” Houve um momento de silêncio. Em torno deles a vida no restaurante continuava. O lugar estava em sua correria de fim de noite com o entra e sai do cinema, as garçonetes se apressavam, carregando pratos fumegantes de comida para os clientes; casais riam e conversavam nas mesas próximas; cozinheiros gritavam ordens uns aos outros atrás do balcão. Ninguém olhava para eles ou tomava conhecimento de que algo estranho estava acontecendo. Simon estava acostumado com o encantamento agora, mas ele não conseguia algumas vezes impedir o sentimento de que quando ele estava com Isabelle, ele estava preso atrás de uma parede invisível de vidro, cortado do resto da humanidade e do cotidiano e seus assuntos. “Muito bem”, disse Sr. Walker, se afastando. “Mas meu mestre não gosta de estar esperando.” Eles recuaram em direção a porta, aparentemente não afetados pela rajada
de ar frio todas as vezes que alguém entrava ou saia, e ficaram lá como estátuas. Simon se virou para Isabelle. “Tudo bem.” Ele disse. “Eles não irão me ferir. Eles não podem me ferir. Raphael sabe tudo sobre...” Ele gesticulou desconfortavelmente em direção a sua testa. “Isso.” Isabelle estendeu a mão através de mesa e puxou o cabelo dele para trás, seu toque foi mais clínico do que gentil. Ela fez uma careta. Simon tinha olhado para a Marca vezes o suficiente por si mesmo, no espelho, para saber bem como ela se parecia. Como se alguém tivesse dado uma fina pincelada e desenhado um simples traço em sua testa, um pouco acima e entre seus olhos. A forma disso parecia mudar algumas vezes, como as imagens se movendo encontradas em nuvens, mas ela era sempre clara e sombria e, de algum modo, parecendo perigosa, como um sinal de alerta rabiscado em outra língua. “Isso realmente... funciona?”, ela sussurrou. “Raphael acha que ela funciona”, Simon disse. “E eu não tenho nenhum motivo para pensar que isso não funcione.” Ele pegou o pulso dela e o afastou de seu rosto. “Eu estarei bem, Isabelle.” Ela suspirou. “Cada pedacinho de meu treinamento diz que isso não é uma boa ideia.” Simon apertou os dedos dela. “Vamos lá. Você está curiosa sobre o que Raphael quer, não está?” Isabelle afastou sua mão e se endireitou. “Diga-me quando você voltar. Ligue-me primeiro.” “Eu irei”, Simon ficou em pé, fechando sua jaqueta. “E você me faria um favor? Dois favores, na verdade.“ Ela olhou para ele com diversão contida. ”O que?” “Clary disse que ela estaria treinando no Instituto hoje à noite. Se você topar com ela, não diga aonde eu fui. Ela ficará preocupada sem motivo.” Isabelle rolou seus olhos. “Ok, tudo bem. Segundo favor?” Simon se inclinou e a beijou na bochecha. “Experiente o borscht antes de sair. É fantástico.” Sr. Walker e Sr. Archer não eram companhias das mais falantes. Eles levaram Simon silenciosamente através das ruas da Lower East Side, mantendo-
se vários passos a frente dele com seus estranhos passos deslizantes. Estava ficando tarde, mas as calçadas da cidade estavam cheias de pessoas — saindo do turno, se apressando para casa para o jantar, cabeças baixas, golas levantadas contra o frio vento congelante. Na St. Mark’s Place haviam mesas dobráveis postadas ao longo da calçada, vendendo de tudo desde meias baratas e desenhos à lápis de Nova York, a incensos de sândalo. Folhas agitavam-se no chão como ossos secos. O ar cheirava a escapamento de carro misturado com sândalo, e por baixo disso, o cheiro dos seres humanos — pele e sangue. O estômago de Simon apertou. Ele tentava manter garrafas de sangue animal o suficiente em seu quarto — ele tinha uma pequena geladeira atrás de seu guarda-roupa agora, onde sua mãe não poderia vê-la — para mantê-lo longe da fome. O sangue era nojento. Ele tinha achado que se acostumaria a ele, até mesmo começou a esperar por isso, mas pensar nisso matava sua fome, não havia nada sobre isso que ele gostasse do modo que ele uma vez tinha gostado de chocolate ou burritos vegetarianos ou sorvete de café. Ele continuava sangue. Mas estar faminto era pior. Estar faminto significava que ele podia sentir o cheiro de coisas que ele não queria cheirar — sal sobre a pele; o maduro cheiro doce do sangue exalado dos poros de estranhos. Isso o fazia sentir fome, incomodado e absolutamente errado. Se encolhendo para frente, ele enfiou seus punhos nos bolsos de sua jaqueta e tentou respirar pela boca. Eles viraram a direita na Terceira Avenida, e pararam na frente de um restaurante cuja placa dizia CLOISTER CAFÉ, JARDIM ABERTO O ANO TODO. Simon piscou com a placa. “O que nós estamos fazendo aqui?” “Este é o lugar de encontro que nosso mestre escolheu.” O tom do Sr. Walker foi suave. “Huh.” Simon estava desconcertado. “Eu acharia que o estilo de Raphael era mais, você sabe, arranjar encontros no topo de uma catedral não consagrada, ou embaixo, em alguma cripta cheia de ossos. Ele nunca me pareceu do tipo restaurante da moda.” Ambos subjugados olharam para ele. “Há algum problema, Daylighter?” Perguntou o Sr. Archer, finalmente. Simon se sentiu obscuramente repreendido. “Não. Sem problema.”
O interior do restaurante estava escuro, com um bar em mármore em uma parede. Nenhum empregado ou garçom se aproximaram deles enquanto iam através do salão para uma porta atrás, e através da porta para o jardim. Muitos restaurantes de Nova York tinham terraços, poucos estavam abertos até tarde durante o ano. Este estava em um jardim entre vários prédios. As paredes tinham sido pintadas em trompe l’oeil3 mostrando jardins italianos cheios de flores. As árvores, suas folhas se tornado douradas e avermelhadas com o outono, eram arranjadas com correntes de luzes brancas, e lâmpadas incandescentes espalhadas entre as mesas davam um brilho avermelhado. Uma pequena fonte jorrava musicalmente no centro do jardim. Apenas uma mesa estava ocupada, e não por Raphael. Uma mulher esguia em um chapéu de abas largas sentava-se em uma mesa próxima a parede. Enquanto Simon observava espantado, ela levantou uma mão e acenou para ele. Ele se virou e olhou atrás dele; havia, é claro, ninguém atrás dele. Srs. Walker e Archer começaram a se mover novamente; confuso, Simon os seguiu enquanto eles cruzavam o jardim e paravam a pouca distância de onde a mulher se sentava. Walker curvou-se. “Mestre”, ele disse. A mulher sorriu. “Walker”, ela disse. “E Archer. Muito bem. Obrigada por trazer Simon até mim.” “Espere um segundo.” Simon olhou da mulher para os dois subjugados. “Você não é Raphael.” “Claro que não.” A mulher removeu seu chapéu. Uma enorme quantidade de cabelo loiro prateado, brilhante nas luzes de Natal, se derramou sobre seus ombros. Seu rosto era suave, branco e oval, muito bonito, dominado por enormes olhos verdes claros. Ela usava longas luvas pretas, uma blusa preta de seda e saia justa, e uma echarpe preta amarrada ao redor de seu pescoço. Era impossível dizer sua idade — ou pelo menos que idade ela poderia ter tido quando ela foi transformada em um vampiro. “Eu sou Camille Belcourt. Encantada em conhecê-lo.” Ela estendeu uma mão enluvada. “Foi me dito que eu ia me encontrar com Raphael Santiago aqui”, Simon 3
Trompe l’oeil – é uma técnica de pintura realística que dá idéia de 3 dimensões em uma pintura.
disse, não chegando a tomá-la. “Você trabalha para ele?” Camille Belcourt riu como uma fonte agitada. “Certamente que não! Embora uma vez ele tenha trabalhado para mim.” E Simon se lembrou. Eu pensei que o chefe era outro alguém, ele tinha dito a Raphael uma vez, em Idris, foi como há muito tempo atrás.
Camille ainda não voltou para nós, Raphael tinha respondido. Eu lidero em seu lugar. “Você é a líder dos vampiros”, Simon disse. “Do clã de Manhattan.” Ele se virou para os subjulgados. ”Vocês me enganaram. Disseram-me que eu ia me encontrar com Raphael.” “Eu disse que você ia se encontrar com nosso mestre.” Disse Sr. Walker. Seus olhos eram tão amplos e vazios, tão vazios que Simon se perguntou se eles tinham desejado realmente enganá-lo, ou eles eram simplesmente programados como robôs para dizerem o que quer que seus mestres dissessem para eles dizer, e inconscientes dos desvios do script. “E aqui está ela.” “De fato.” Camille lançou um sorriso brilhante em direção a seus subjulgados. “Por favor, nos deixe, Walker, Archer. Eu preciso falar com Simon sozinha.” Houve algo no modo que ela disse isso — ambos seus nomes, e a palavra “sozinha” — que era como um segredo íntimo. Os subjulgados se curvaram e se retiraram. Enquanto Sr. Archer se virava para se afastar, Simon captou a visão de uma marca no lado de sua garganta, um profundo hematoma, tão escuro que parecia como pintura, com dos pontos mais escuros dentro dele. Os pontos escuros eram perfurações, cercadas com carne seca e irregular. Simon sentiu um silencioso estremecer passar através dele. “Por favor”, Camille disse, e bateu no assento ao lado dela. “Sente-se. Gostaria de um pouco de vinho?” Simon se sentou, equilibrando-se desconfortavelmente na beirada da cadeira dura de metal. “Eu não bebo, na verdade.” “É claro”, ela disse, simpática. “Você é quase um novato, não é? Não se preocupe demais. Com o tempo você se treinará a se acostumar a vinho e outras bebidas. Alguns dos mais velhos de nossa espécie podem consumir comida humana com poucos efeitos prejudiciais.” Poucos efeitos prejudiciais? Simon não gostou do som daquilo. “Isso vai
levar muito tempo?” Ele perguntou, olhando nitidamente para seu celular, que dizia a ele que eram mais de dez e meia. “Eu tenho que ir para casa.” Camille tomou um gole de seu vinho. ”Tem? E por que isso?” Por que minha mãe está esperando por mim. Ok, não havia motivo para esta mulher precisar saber disso. “Você interrompeu meu encontro”, ele disse. ”Eu estava me perguntando o que era tão importante.” “Você ainda mora com sua mãe, não é?”, ela disse, colocando seu copo abaixo. “Bem estranho, não é, um vampiro poderoso como você se recusando a deixar o lar, para se juntar a um clã?” “Então você interrompeu meu encontro para me gozar por ainda estar morando com meus pais. Você não podia fazer isso em uma noite que eu não tivesse um encontro? Na maioria das noites, no caso de você estar curiosa.” “Eu não estou te gozando, Simon.” Ela correu sua língua sobre seu lábio inferior como se experimentando o vinho que ela tinha acabado de beber. “Eu quero saber por que você não se tornou parte do clã de Raphael.” “Que é o mesmo que o seu clã, não é? Eu tenho uma forte sensação de que ele não me queria como parte dele.” Simon disse. “Ele praticamente disse que ele me deixaria em paz se eu o deixasse em paz. Então eu tenho o deixado em paz.” “Tem”, seus olhos verdes cintilaram. “Eu nunca quis ser um vampiro”, Simon disse, meio que se perguntando por que ele estava dizendo essas coisas para esta mulher estranha. “Eu quis uma vida normal. Quando eu descobri que era um Daylighter, eu pensei que eu podia ter uma. Ou pelo menos um pouco de uma. Eu posso ir para escola, eu posso morar em casa, eu posso ver minha mãe e irmã—“ “Desde que você nunca coma na frente deles”, Camille disse. ”Desde que você esconda sua necessidade de sangue. Você nunca se alimentou em alguém puramente humano, não é? Apenas sangue ensacado. Insípido. Animal.” Ela torceu seu nariz. Simon pensou em Jace, e afastou o pensamento apressadamente. Jace não era precisamente humano. “Não.” “Você irá. E quando você o fizer, você não irá se esquecer.” Ela se inclinou para frente, e seu cabelo pálido roçou em sua mão. “Você não pode esconder seu verdadeiro eu para sempre.”
“Que adolescentes não mentem para seus pais?” Simon disse. ”Aliás, eu não sei por que você se importa. Na verdade, eu ainda não estou certo do porque eu estou aqui.” Camille se inclinou para frente. Quando ela o fez, a gola de sua blusa preta de seda se abriu. Se Simon ainda fosse humano, ele teria corado. “Você me deixará vê-la?” Simon podia sentir seus olhos esbugalharem. ”Ver o que?” Ela sorriu. ”A Marca, bobinho. A Marca do que Vagueia.” Simon abriu sua boca, então a fechou novamente. Como ela sabe? Poucas pessoas sabiam da marca que Clary tinha colocado nele em Idris. Raphael tinha indicado que este era um assunto de segredo mortal, e Simon tinha tratado como tal. Mas os olhos de Camille estavam muito verdes e fixos, e por alguma razão ele queria fazer o que ela queria que ele fizesse. Era alguma coisa sobre o jeito que ela olhava para ele, alguma coisa na música de sua voz. Ele estendeu e puxou seu cabelo de lado, revelando sua testa para a inspeção dela. Os olhos dela se alargaram, seus lábios se partiram. Levemente ela tocou seus dedos em sua garganta, como se checando o pulso inexistente lá. “Oh”, ela disse. “Que sortudo você é, Simon. Quão afortunado.” “É uma maldição”, ele disse. “Não uma benção. Você sabe disso, certo?” Os olhos dela cintilaram. “’E Caim disse para o Senhor, minha punição é maior do que eu posso suportar’. Isso é mais do que você pode suportar, Simon?” Simon se empertigou, deixando seu cabelo cair de volta no lugar. “Eu posso suportar isso.” “Mas você não quer.” Ela correu um dedo enluvado em torno da beira de sua taça, seus olhos ainda fixos nele. “E se eu pudesse oferecer a você um modo de tornar o que você considera como uma maldição em uma vantagem?” Eu diria que você está finalmente dando a razão que me trouxe até aqui, o que é um começo. “Estou escutando.” “Você reconheceu meu nome quando eu o disse a você”, Camille disse. “Raphael me mencionou antes, não é?” Ela tinha um sotaque, muito leve, que Simon não podia ao certo reconhecer. “Ele disse que você era a chefe do clã e ele era só estava liderando enquanto
você estava fora. Te substituindo como — como um vice-presidente ou algo assim.” “Ah!” Ela mordeu gentilmente seu lábio inferior. “Isso é, de fato, não inteiramente a verdade. Eu gostaria de dizer a você a verdade, Simon. Eu gostaria de te fazer uma oferta. Mas primeiro eu preciso ter sua palavra em uma coisa.” “E o que é?” “Que tudo que se passar entre nós esta noite, aqui, permaneça um segredo. Ninguém pode saber. Nem sua amiguinha ruiva, Clary. Nem igualmente suas jovens amigas. Nenhum dos Lightwoods. Ninguém.” Simon se empertigou. “E se eu não quiser prometer?” “Então você deve partir, se você quiser”, ela disse. “Mas você nunca saberá o que eu desejo falar a você. E essa será uma perda que você irá lamentar.” “Eu estou curioso”, Simon disse. ”Mas eu não estou certo de que estou tão curioso.” Os olhos dela capturaram um pequeno cintilar de surpresa e diversão e talvez, Simon pensou, até mesmo um pouco de respeito. “Nada que eu tenho a dizer a você se refere a eles. Não afetará a segurança deles, ou de seu bem-estar. O segredo é para a minha própria proteção.” Simon olhou para ela com suspeita. O que ela quis dizer? Vampiros não eram como fadas, que não podiam mentir. Mas ele tinha que admitir que ele estava curioso. ”Tudo bem. Eu guardarei seu segredo, a menos que eu ache que alguma coisa que você diga está pondo meus amigos em perigo. Os dados estão lançados.” O sorriso dela foi gelado; ele podia dizer que ela não gostou de ser desacreditada. “Muito bem”, ela disse. ”Eu suponho que eu tenho pouca escolha quando eu preciso tanto de sua ajuda.” Ela se inclinou para frente, uma mão esguia brincando com a haste de sua taça. “Até bem recente eu liderei o clã de Manhattan, feliz. Nós tínhamos belos quartos em um velho prédio pré-guerra na Upper West Side, não aquele buraco de rato de hotel que Santiago mantém meu povo agora. Santiago — Raphael, como você o chama — era meu segundo em comando. Meu companheiro mais leal — ou como eu pensava. Uma noite eu descobri que ele estava assassinando humanos, os direcionando a aquele velho
hotel no Harlem Espanhol e bebendo o sangue deles para sua diversão. Deixando seus ossos na Dumpster. Tomando estúpidos riscos, quebrando a Lei dos Acordos.” Ela tomou um gole de vinho. “Quando eu fui até ele para confrontá-lo, eu percebi que ele tinha dito ao resto do clã que eu era a assassina, a que quebrou a lei. Foi tudo um arranjo. Ele quis me matar, que com isso ele poderia aumentar o poder. Eu fugi com apenas Walker e Archer para me manterem segura.” “Então todo esse tempo ele alega que ele está apenas liderando até que você retorne?” Ela fez uma careta. “Santiago é um mentiroso talentoso. Ele deseja que eu volte, isso é certo — então ele pode me matar e assumir o comando do clã a sério.” Simon não tinha certeza do que ela queria ouvir. Ele não estava acostumado a mulheres adultas olhando para ele com olhos cheios de lágrimas, ou derramando suas histórias de vida para ele. “Eu lamento”, ele disse finalmente. Ela deu de ombros, um expressivo encolher de ombros que fez ele se perguntar se talvez o sotaque dela fosse francês. “Isso é passado”, ela disse. “Eu tenho estado escondida em Londres todo esse tempo, procurando por aliados, aguardando a minha hora. Então eu ouvi falar de você.” Ela levantou uma mão. “Eu não posso te dizer como; eu estou ligada por segredo. Mas no momento que eu fiz eu percebi que você era o que eu tinha estado esperando.” “Eu era? Eu sou?” Ela se inclinou a frente e tocou a mão dele, ”Raphael tem medo de você, Simon, como ele deveria. Você é um da própria espécie dele, um vampiro, mas você não pode ser ferido ou morto, ele não pode levantar um dedo contra você sem trazer a ira de Deus sobre sua cabeça.” Houve um silêncio. Simon podia ouvir o suave zumbido elétrico das luzes de Natal acima, a água chapinhando na fonte de pedra no centro do jardim, o zumbido e ruído da cidade. Quando ele falou sua voz foi suave. “Você disse.” “O que foi, Simon?” “A palavra. A ira de—“ A palavra mordeu e queimou em sua boca, como ela sempre fazia.
“Sim. Deus.” Ela retraiu sua mão, mas seus olhos eram cálidos. “Há muitos segredos de nossa espécie, tantos que eu posso contar a você, te mostrar. Você aprenderá que você não é amaldiçoado.” “Senhora —“ “Camille. Você deve me chamar de Camille.” “Eu ainda não entendo o que você quer de mim.” “Não?” Ela sacudiu a cabeça, e seu cabelo brilhante voou em torno de seu rosto. “Eu quero que você se junte a mim, Simon. Junte-se a mim contra Santiago. Nós iremos juntos a seu hotel infestado de ratos, no momento que seus seguidores virem que você está comigo, eles o deixarão e virão a mim. Eu acredito que eles são leais a mim sob o temor dele. Uma vez que eles nos verem juntos, este medo desaparecerá, e eles virão para nosso lado. O homem não podem contender com o divino.” “Eu não sei”, Simon disse. ”Na Bíblia, Jacó lutou com um anjo e ele venceu.“ Camille olhou para ele com suas sobrancelhas levantadas; Simon deu de ombros. “Escola hebraica.” “’E Jacó chamou o lugar de Peniel: pois eu vi Deus face a face.’ Veja, você não é o único que conhece sua escritura.“ Seu olhar estreito se foi, e ela estava sorrindo. “Você pode não notar, Daylighter, mas enquanto você carregar a Marca, você é o braço vingador dos céus. Ninguém pode se colocar perante você. Certamente não um vampiro.” “Você tem medo de mim?” Simon perguntou. Ele ficou quase instantaneamente arrependido que ele tivesse feito a pergunta. Seus olhos verdes escureceram como nuvens tempestuosas. “Eu, com medo de você?” Então ela se recuperou, seu rosto suavizando, sua expressão iluminando. “É claro que não“, ela disse. “Você é um homem inteligente. Eu estou convencida que você verá a sensatez de minha proposta e se juntará a mim.” “E o que exatamente é a sua proposta? Quero dizer, eu entendo a parte onde nós enfrentamos Raphael, mas depois disso? Eu não odeio a Raphael realmente, ou quero me livrar dele apenas por livrar dele. Ele me deixou em paz. Isso é tudo que eu queria.”
Ela dobrou suas mãos juntas na frente dela. Ela usava um anel de prata com uma pedra azul em seu dedo esquerdo do meio, sobre o material de sua luva. “Você acha que é isso o que eu quero, Simon. Você acha que Raphael está fazendo a você um favor em deixar você em paz, como você colocou isso. Na realidade ele está exilando você. Agora mesmo você pensa que não precisa de outros de sua espécie. Você está satisfeito com os amigos que você tem — humanos e Caçadores de Sombras. Você está satisfeito em esconder suas garrafas de sangue em seu quarto e mentir para sua mãe sobre o que você é.” “Como você—“ Ela continuou, o ignorando. “Mas e quanto à daqui a dez anos, quando você irá ter vinte e seis? Em vinte anos? Trinta? Você acha que ninguém vai notar que enquanto eles envelhecem e mudam, você não?” Simon não disse nada. Ele não queria admitir que ele não tivesse pensado em tão longe. Que ele não queria pensar a frente tão longe. “Raphael lhe ensinou que os outros vampiros são perniciosos para você. Mas não precisa ser desse jeito. A eternidade é um tempo longo para passar sozinho, sem outros de sua espécie. Outros que compreendam. Você é amigo de Caçadores de Sombras, mas você nunca pode ser um deles. Você sempre será o de fora. Conosco você pode pertencer.“ Enquanto ela se inclinava a frente, luz branca cintilou de seu anel, picando os olhos de Simon. “Nós temos centenas de anos de conhecimento que nós podemos compartilhar com você, Simon. Você pode aprender a como guardar seu segredo; como comer e beber, como falar o nome de Deus. Raphael tem cruelmente escondido esta informação de você, até mesmo levando você a acreditar que ela não existe. Existe. Eu posso te ajudar.” “Se eu primeiro te ajudar.” Simon disse. Ela sorriu, e seus dentes eram brancos e afiados. “Nós ajudaremos um ao outro.” Simon se inclinou de volta. A cadeira de ferro era dura e desconfortável, e ele de repente se sentiu cansado. Olhando para suas mãos, ele podia ver que as veias tinham escurecido, rastejando através das costas de suas juntas. Ele precisava de sangue. Ele precisava falar com Clary. Ele precisava de tempo para pensar. “Eu te assustei”, ela disse. “Eu sei. Isso é muito a se lidar. Eu ficaria feliz
em dar a você tanto tempo quanto você precisa para ajustar suas ideias sobre isso, e sobre mim. Mas eu não tenho tanto tempo, Simon. Enquanto eu permanecer nesta cidade, eu estou em perigo por Raphael e seu bando.” “Bando?” Apesar de tudo, Simon sorriu levemente. Camille pareceu perplexa. ”Sim?“ “Bem, é só que... ’bando’. É como dizer ‘malfeitores’ ou ‘lacaios’.” Ela olhou para ele inexpressivamente. Simon suspirou. “Desculpe. Provavelmente você não tem assistido a tantos filmes ruins quanto eu tenho.” Camille franziu a testa levemente, uma linha fina aparecendo entre suas sobrancelhas. “Eu diria que você é ligeiramente peculiar. Talvez isso seja por que eu não conheço muitos vampiros de sua geração. Mas será bom para mim. Eu sinto ao estar com alguém tão... jovem.” “Sangue novo”. Simon disse. Com aquilo ela sorriu. “Você está pronto, então? Para aceitar minha oferta? Para começarmos a trabalhar juntos?” Simon olhou para o céu. Os fios das luzes brancas pareciam apagar as estrelas. “Olhe”, ele disse. “Eu aprecio a sua oferta. Eu realmente aprecio.” Merda, ele pensou. Tinha que haver algum jeito de dizer isso sem ele soasse como se ele estivesse recusando um encontro para o baile. Eu estou realmente, realmente lisonjeado de você me pedir, mas... Camille, como Raphael, sempre falava rigidamente, formalmente, como se ela estivesse em um conto de fadas. Talvez ele pudesse tentar aquilo. Ele disse. ”Eu necessito de algum tempo para dar minha decisão. Eu estou certo que você pode entender.” Muito delicadamente, ela sorriu, mostrando só as pontas de suas presas. “Cinco dias”, ela disse. ”E não mais.” Ele estendeu sua mão enluvada para ele. Algo brilhou em sua palma. Era um pequeno frasco de vidro, do tamanho que podia manter uma amostra de perfume, só que ele parecia estar cheio de pó amarronzado. “Terra de sepultura.” Ela explicou. ”Esmague isso, e eu saberei que você está me chamando. Se você não me chamar em cinco dias, eu enviarei Walker para sua resposta.” Simon tomou o frasco e o deslizou para dentro de seu bolso. ”E se a resposta for não?” “Então eu ficarei desapontada. Mas nos separaremos amigos.” Ela afastou
sua taça. ”Adeus, Simon.” Simon se levantou. A cadeira fez um esguicho metálico enquanto ela se arrastava no chão, muito alto. Ele sentiu que devia dizer algo mais, mas ele não tinha ideia do que. No momento, entretanto, ele pareceu estar dispensado. Ele decidiu que preferia parecer como um daqueles estranhos vampiros modernos com péssimas maneiras do que arriscar ser arrastado de volta a conversa. Ele saiu sem dizer nada mais. Em seu caminho através do restaurante, ele passou por Walker e Archer, que estavam em pé no grande bar, seus ombros encurvados embaixo de seus longos casacos cinza. Ele sentiu a força de seus olhares sobre ele enquanto caminhava e acenou seus dedos para eles — um gesto em algum lugar entre um aceno amistoso e um despachar. Archer mostrou seus dentes — dentes humanos planos – e saiu a passos largos em direção ao jardim, Walker em seus calcanhares. Simon observou enquanto eles tomavam seus lugares nas cadeiras do outro lado de Camille; ela não olhou acima enquanto eles se sentavam, mas as luzes brancas que tinham iluminado o jardim se apagaram de repente — não uma por uma, mas todas ao mesmo tempo — deixando Simon olhando para uma desorientadora área de escuridão, como se alguém tivesse apagado as estrelas. No momento que os garçons notaram e se apressaram afora, para corrigir o problema, inundando o jardim com a pálida luz mais uma vez, Camille e seus subjugados tinham desaparecido. ●●●● Simon destrancou a porta da frente de sua casa — uma de uma longa fileira de idênticas casas de tijolos que se alinhavam em seu quarteirão no Brooklyn — e a empurrou levemente, ouvindo cuidadosamente. Ele tinha dito para sua mãe que ele estava indo ensaiar com Erik e seus outros colegas de banda para uma apresentação no Sábado. Havia sido há muito tempo quando ela simplesmente teria acreditado nele, e que teria sido assim; Elaine Lewis sempre tinha sido uma mãe tranquila, nunca impondo um toque de recolher nem a Simon ou em sua irmã ou insistisse que eles estivessem cedo em casa em dias de escola. Simon estava acostumado a ficar fora até altas horas com
Clary, se deixando ficar com a chave, e caindo na cama às duas da manhã, comportamento que não tinha levantado muitos comentários de sua mãe. As coisas eram diferentes agora. Ele tinha estado em Idris, o lar dos Caçadores de Sombras, por quase duas semanas. Ele tinha desaparecido de casa, sem chance de oferecer uma desculpa ou explicação. O bruxo Magnus Bane tinha entrado em cena e executado um feitiço de memória na mãe de Simon, que com isso ela não teria nenhuma lembrança de que ele tinha estado faltando. Ou pelo menos, não uma lembrança consciente. Entretanto, o comportamento dela tinha mudado. Ela estava suspeita agora, ao redor, sempre o observando, insistindo que ele estivesse em casa em certas horas. A última vez ele tinha vindo para casa de um encontro com Maia, ele tinha encontrado Elaine no saguão, sentada em uma cadeira encarando a porta, seus braços cruzados sobre seu peito e um olhar de mau disfarçando a raiva em seu rosto. Aquela noite, ele tinha sido capaz de escutá-la respirando antes que ele tivesse a visto. Agora ele podia ouvir o leve som da televisão vindo da sala de estar. Ela devia estar esperando por ele, provavelmente assistindo a maratona de uma daqueles dramas de hospital que ela amava. Simon fechou a porta atrás dele e se inclinou contra ela, tentando encontrar energia para mentir. Era difícil o suficiente não comer ao redor de sua família. Felizmente sua mãe ia trabalhar cedo e voltava tarde, e Rebecca que ia para faculdade em Nova Jersey e só vinha para casa ocasionalmente para fazer sua lavagem de roupas, não estava ao redor frequentemente o suficiente para notar nada estranho. Sua mãe estava geralmente fora de manhã na hora que ele se levantava, o café e o almoço que ela adorava preparar para ele, deixado sobre o balcão da cozinha. Ele o despejava em uma lixeira a caminho da escola. O jantar era pior. Nas noites que ela estava lá, ele tinha que empurrar a comida ao redor de seu prato, fingir que ele não estava com fome ou que ele queria levar sua comida para seu quarto, então ele podia comer enquanto estudava. Uma ou duas vezes ele tinha forçado a comida para baixo, só para fazê-la feliz, e depois passava horas no banheiro, suando e vomitando até que ela estivesse fora de seu sistema. Ele odiava ter que mentir para ela. Ele sempre tinha se sentido um pouco triste por Clary, com seu relacionamento atormentado com Jocelyn, a mais
superprotetora mãe que ele tinha conhecido. Agora, o sapato estava calçado em outro pé. Desde a morte de Valentine, a contenção de Jocelyn sobre Clary tinha relaxado ao ponto onde ela era praticamente uma mãe normal. Entretanto, sempre que Simon estava em casa, ele podia sentir o peso do olhar de sua mãe sobre ele, como uma acusação onde quer que ele fosse. Endireitando seus ombros, ele largou sua mochila na porta e seguiu para a sala de estar para enfrentar a ladainha. A Tv estava ligada, as notícias proclamando. O anunciante local estava reportando uma interessante história humana — um bebê descoberto abandonado em um beco atrás de um hospital. Simon estava surpreso; sua mãe odiava o noticiário. Ela o achava depressivo. Ele olhou em direção ao sofá, e sua surpresa diminuiu. Sua mãe estava dormindo, seus óculos sobre a mesa ao lado dela, um copo meio vazio no chão. Simon podia sentir o cheiro dali — provavelmente whisky. Simon sentiu angústia. Sua mãe dificilmente bebia. Simon foi para o quarto de sua mãe e voltou com um cobertor de crochê. Sua mãe ainda estava dormindo, sua respiração lenta e contínua. Elaine Lewis era uma mulher pequena, com um halo de cabelo escuro cacheado, listrado de cinza que ela se recusava a tingir. Ela trabalhava durante o dia para uma ONG ambiental, e a maioria de suas roupas tinham motivos animal nelas. Agora mesmo ela estava vestindo um vestido tingido com golfinhos e ondas, e um broche que havia sido uma vez um peixe vivo, embebido em resina. Seu olho envernizado parecia encarar Simon acusadoramente enquanto ele se inclinava para enfiar o cobertor ao redor dos ombros dela. Ela se moveu, em um espasmo, virando sua cabeça para longe dele. “Simon”, ela sussurrou. “Simon, onde você está?” Ferido, Simon soltou o cobertor e ficou em pé. Talvez ele devesse acordála, deixá-la saber que ele estava bem. Mas então haveria perguntas que ele não queria responder e aquele olhar no rosto dela que ela não podia suportar. Ele se virou e foi para seu quarto. Ele tinha se jogado sobre as cobertas e agarrado o telefone em sua mesa ao lado da cama, prestes a ligar o número de Clary, antes que ele até mesmo pensasse sobre isso. Ele hesitou por um momento, escutando o tom de discagem. Ele não podia falar sobre Camille; ele tinha prometido manter a oferta da
vampira em segredo, e embora Simon não se sentisse que não devia muito a Camille, se houve uma coisa que ele tinha aprendido dos últimos meses, era que renegar promessas feitas a criaturas sobrenaturais era uma má ideia. Ainda assim, ele queria ouvir a voz da Clary, do modo que ele sempre fazia quando ele tinha um dia difícil. Bem, havia sempre as queixas dele sobre sua vida amorosa; que pareciam diverti-la no final. Rolando na cama, ele puxou um travesseiro por cima de sua cabeça e discou o número da Clary.
Capítulo
2
QUEDA
“ENTÃO, VOCÊ SE DIVERTIU COM ISABELLE HOJE À NOITE?” Clary, com seu telefone enfiado contra sua orelha, se manobrando cuidadosamente de uma longa barra para outra. As barras foram colocadas a vinte pés4 acima nas vigas do sótão do Instituto, onde a sala de treinamento era localizada. Andar nas barras significava te ensinar como se equilibrar, Clary as odiava. Seu medo de altura fez o negócio todo doentio, apesar do cabo flexível amarrado ao redor de sua cintura, que era supostamente para mantê-la longe de bater no chão se ela caísse. “Você já contou a ela sobre Maia?” Simon fez um fraco ruído evasivo, que Clary sabia significar “não”. Ela podia ouvir a música ao fundo, ela podia imaginá-lo deitado em sua cama, o aparelho de som tocando suavemente enquanto ele falava com ela. Ele soava cansado, aquele tipo de cansaço profundo que ela sabia que significava que seu tom leve não refletia seu estado de humor. Ela tinha perguntado se ele estava bem várias vezes no começo da conversa, mas ele tinha afastado sua preocupação. Ela bufou. “Você está brincando com fogo, Simon. Eu espero que você saiba disso.” “Eu não sei. Você realmente acha que isso é grande coisa”, Simon soou melancólico. “Eu não tive uma única conversa com Isabelle — ou Maia — sobre namorar exclusivamente.” 4
20 pés são quase sete metros de altura
“Deixe-me dizer algo sobre garotas”, Clary se sentou sobre a viga, deixando suas pernas balançarem no ar. As janelas em meia-lua do sótão estavam abertas, e o ar frio se derramava, resfriando sua pele suada. Ela sempre pensou que os Caçadores de Sombras treinavam em seus flexíveis trajes como couro, como isso provou, que foi para o último treinamento, que envolvia armas. Para o tipo de treinamento que ela estava fazendo — exercícios que significavam aumentar sua flexibilidade, velocidade, e senso de equilíbrio — ela vestia uma camiseta leve e calças de cordão que lembrava a ela uniformes de medicina. “Mesmo se você não teve a conversa da exclusividade, elas ainda vão estar bravas se descobrirem que você está saindo com alguém que elas conhecem, e você não mencionou isso. É uma regra de namoro.” “Bom, como era para eu saber dessa regra?” “Todo mundo conhece essa regra.” “Eu pensei que você deveria estar do meu lado.” “Eu estou do seu lado!” “Então por que você não está sendo mais compreensiva?” Clary trocou o telefone para sua outra orelha e espreitou nas sombras abaixo dela. Onde Jace estava? Ele tinha ido pegar outra corda e dito que ele estaria de volta em cinco minutos. É claro, se ele a pegasse ao telefone aqui em cima, ele provavelmente a mataria de qualquer modo. Ele raramente era responsável pelo treinamento dela — que era normalmente Maryse, Kadir, ou vários outros membros da Clave de Nova York tomando o lugar, até que um substituto para o tutor anterior do Instituto, pudesse ser encontrado — mas quando era ele, ele tomava isso seriamente. “Por que”, ela disse. ”Seus problemas não são problemas de verdade. Você está saindo com duas garotas bonitas de uma vez. Pense nisso. É como... problemas de estrelas do rock.” “Ter problemas de estrelas do rock pode ser o mais perto que vou chegar de ser uma estrela de rock de verdade.” “Ninguém mandou você chamar sua banda de Salacious Mold5, meu amigo.” “Nós somos agora Millenium Lint6”, Simon protestou. Clary encolheu os ombros. “Olha, só pense nisso antes do casamento. Se 5 6
Salacious Mold – algo que pode ser traduzido como Molde Lascivo ou Forma Obscena. Millenium Lint – Pode ser Fiapos do Milênio, Retalhos do Milênio.
ambas pensam que elas vão com você e descobrirem no casamento que você está namorando com as duas, elas irão matá-lo.“ Ela se levantou. “E então o casamento da minha mãe estará arruinado e ela vai te matar. Então você vai estar morto duas vezes.” “Eu nunca disse a nenhuma delas que eu estava indo ao casamento com elas!” Simon pareceu em pânico. “Sim, mas elas estão esperando isso de você. Esse é o porquê você tem um namorado. Então você tem alguém para te levar para as funções chatas.” Clary se moveu para a beira da barra, olhando abaixo para as sombras iluminadas pela pedra enfeitiçada. Havia um velho circulo de treinamento rabiscado a giz no chão; parecia como um alvo. “Além do mais, eu tenho que pular dessa barra agora e possivelmente me arremessar para minha horrível morte. Eu falo com você amanhã.“ “Eu tenho ensaio da banda as duas, lembra-se? Eu te vejo lá.” “Até mais”, Ela desligou e enfiou o telefone em seu sutiã; as leves roupas de treinamento não tinham nenhum bolso, então o que uma garota faz? “Então, você está planejando ficar ai a noite toda?” Jace entrou no centro do alvo e olhou acima para ela. Ele estava usando um traje de combate, não roupas de treinamento com Clary estava, e seu cabelo loiro se sobressaia assustadoramente contra o negro. Ele tinha escurecido levemente desde o fim do verão e era mais um dourado escuro do que claro, que, Clary pensou, combinava com ele ainda mais. Isso a fez absurdamente feliz, que ela agora tinha o conhecido mais, o suficiente para notar as pequenas mudanças em sua aparência. “Eu pensei que você viria aqui em cima.” Ela chamou. “Mudança de planos?” “Longa história.” Ele sorriu para ela. “Então? Você quer praticar arremessos?” Clary suspirou. Praticar arremessos envolvia se arremessar para fora da barra, para o espaço vazio, e utilizando o cabo flexível para segurá-la, enquanto ela se precipitava das paredes e se lançava acima e abaixo, ensinando a si mesma a girar, chutar, e mergulhar sem se preocupar com pisos duros e contusões. Ela tinha visto Jace fazer isso e ele parecia como um anjo caindo enquanto ele o fazia, voando através do ar, movimentando-se rapidamente e girando com bela graça
dançarina. Ela, por outro lado, se curvava como um saco de batatas tão logo o chão se aproximava, e o fato que ela intelectualmente sabia que não estava indo acertá-lo, não parecia fazer nenhuma diferença. Ela estava começando a se perguntar que não se importava que tivesse nascido uma Caçadora de Sombras; talvez fosse tarde demais para ela ser feita um, ou pelo menos um totalmente funcional. Ou talvez o dom que fazia ela e Jace o que eles eram, tinham sido de algum modo distribuído desigualmente entre eles, então ele tinha recebido toda a graça física, e ela tinha recebido — bem, nem um tanto disso. “Vamos lá, Clary”, Jace disse. ”Pule.” Ela fechou seus olhos e pulou. Por um momento ela se sentiu pendurada suspensa, livre de tudo — então a gravidade assumiu e ela mergulhou em direção ao chão. Instintivamente ela puxou seus braços e pernas, mantendo seus olhos bem fechados. O cabo puxou firme e ela ricocheteou, voando de volta acima, antes de cair de novo. Enquanto sua velocidade diminuía, ela abriu seus olhos e se descobriu pendurada no fim do cabo, cerca de dois metros acima de Jace. Ele estava sorrindo. “Legal”, ele disse. ”Graciosa como um floco de neve caindo.” “Eu estava gritando?”, ela perguntou, genuinamente curiosa. “Você sabe, no caminho abaixo.” Ele concordou. “Graças a Deus ninguém está em casa ou eles teriam pensado que eu estava te assassinando.” “Ha, Você não pode nem mesmo me alcançar.” Ela chutou uma perna e girou preguiçosamente no ar. Os olhos de Jace brilharam. “Quer apostar?” Clary conhecia aquela expressão. “Não“, ela disse, rapidamente. ”O que quer você vá fazer—“ Mas ele já tinha feito. Quando Jace se movia rápido, seus movimentos individuais eram quase invisíveis — ela viu a mão dele ir para seu cinto, e então algo piscou no ar. Ela ouviu o som de tecido rasgando enquanto a corda acima de sua cabeça era cortada. Liberta, ela caiu livre, muito surpresa para gritar — diretamente para os braços de Jace. A força o golpeou para trás e eles se deitaram
juntos em um dos colchonetes no chão, Clary por cima dele. Ele sorriu para ela. “Agora”, ele disse. “Está muito melhor. Você nem gritou.” “Eu não tive a chance.” Ela estava sem fôlego, e não só por causa do impacto da queda. Estar deitada em cima de Jace, sentindo seu corpo contra o dela, fazia sua boca ficar seca e seu coração bater mais rápido. Ela tinha pensado que talvez suas reações físicas a ele — as reações deles um com o outro — diminuiriam com a familiaridade, mas não tinha acontecido. Ao contrário, isso tinha ficado pior — ou melhor, ela supôs, dependendo de como você pensava sobre isso. Ele estava olhando acima para ela com olhos dourados escuros, ela se perguntava se suas cores tinham se intensificado desde seu encontro com Raziel, o Anjo, nas margens do Lago Lyn em Idris. Ela não podia perguntar a ninguém. Embora todos soubessem que Valentine tinha invocado o Anjo, ninguém além de Clary e Jace sabiam que Valentine tinha apunhalado Jace através do coração, como parte da cerimônia de invocação, e que Raziel tinha trazido ele de volta da morte. Eles tinham concordado em nunca dizer a ninguém que Jace tinha morrido, mesmo por um breve período. Era o segredo deles. Ele se aproximou e empurrou o cabelo dela para trás de seu rosto. “Estou brincando”, ele disse. “Você não é tão má. Você vai conseguir. Você devia ter visto os primeiro arremessos que Alec fez. Eu lembro que ele se chutou na cabeça uma vez.” “Claro”, Clary disse. “Mas ele tinha provavelmente onze anos.“ Ela olhou para ele. ”Acho que você sempre foi impressionante nessas coisas.” “Eu nasci impressionante.“ Ele acariciou sua bochecha com as pontas de seus dedos, levemente o suficiente para fazê-la estremecer. Ela nada disse; ele estava brincando, mas em um sentido, isso era verdade, Jace tinha nascido para ser o que ele era. “Quanto tempo você vai ficar hoje à noite?” Ela sorriu um pouco. ”Nós terminamos com o treinamento?” “Eu gostaria de pensar que nós terminamos com a parte da noite onde isso é absolutamente necessário.” Ele estendeu a mão para puxá-la para baixo, mas no momento a porta se abriu, e Isabelle veio se aproximando, os saltos altos de suas botas estalando no chão de madeira polida. Captando a visão de Jace e Clary deitados sobre o chão, ela levantou suas
sobrancelhas. “Se acariciando, pelo que vejo. Eu pensei que era para vocês estarem treinando?” “Ninguém disse que você tinha que entrar sem bater, Iz.” Jace não se moveu, só virou sua cabeça para o lado para olhar para Isabelle com um misto de aborrecimento e afeição. Clary, entretanto, lutava com seus pés, alisando suas roupas amassadas. “Essa é a sala de treinamento. É um lugar público.” Isabelle estava tirando suas luvas, que eram de veludo vermelho brilhante. “Eu consegui essas no Trash e Vaudeville. Promoção. Você não ama? Você não quer ter um par?” Ela meneou seus dedos na direção deles. “Eu não sei”, Jace disse. “Eu acho que elas não combinam com meu traje.” Isabelle fez uma careta para ele. “Você ouviu sobre o Caçador de Sombras morto que eles descobriram no centro da cidade? O corpo estava todo mutilado, então eles não sabem quem é ainda. Eu presumo que é onde mamãe e papai foram.” “Sim”, Jace disse, se sentando. “Eu corri até eles na saída.” “Você não me disse isso”, Clary disse. Esse é o porquê você demorou tanto conseguindo corda?” Ele concordou. “Desculpe-me. Eu não queria que você se assustasse.” “Ele quer dizer”, Isabelle disse. ”Que ele não queria estragar o clima romântico.” Ela mordeu seu lábio. ”Só espero que não seja ninguém que conheçamos.” “Eu não acho que possa ter sido. O corpo estava no rio — estado lá há vários dias. Se tivesse sido alguém que nós conhecêssemos, nós teríamos percebido que ele estava faltando.“ Jace empurrou seu cabelo para trás de suas orelhas. Ele estava olhando para Isabelle com um pouco de impaciência. Clary pensou, como se ele estivesse chateado por ela ter trazido isso à tona. Ela desejou que ele tivesse dito a ela mais cedo, mesmo que isso estragasse o clima. Muito do que ele fazia, que todos eles faziam, Clary sabia, os trazia em frequência em contato com a realidade da morte. Todos os Lightwoods estavam, em seus próprios modos, ainda enlutados pela perda de seu jovem menino, Max, que tinha morrido simplesmente por estar no lugar errado e na hora errada. Isso era estranho. Jace havia aceitado a decisão dela de deixar o segundo grau e começar o
treinamento sem reclamação, mas ele se esquivava de discutir os perigos de uma vida de Caçador de Sombras com ela. “Eu vou me vestir”, ela anunciou, e seguiu para a porta que dava para um pequeno vestiário anexo a área de treinamento. Ele era muito simples: paredes de madeira clara, um espelho, um chuveiro, e ganchos para as roupas. Toalhas estavam empilhadas ordenadamente no banco de madeira ao lado da porta. Clary tomou banho rapidamente e colocou suas roupas diárias — meia calça, botas, saia jeans e o novo suéter rosa. Olhando para si mesma no espelho, ela viu que havia um buraco na manga do suéter, e seu úmido e ondulado cabelo ruivo era um emaranhado desordenado. Ela nunca pareceria perfeitamente preparada como Isabelle sempre fazia, mas Jace parecia não se importar. No momento em que ela voltou a sala de treinamento, Isabelle e Jace tinham deixado o tópico de Caçadores de Sombras mortos para trás e mudado para algo que Jace, aparentemente, descobriu ainda mais assustador: o encontro de Isabelle com Simon. “Eu não acredito que ele levou você a um restaurante de verdade”, Jace estava de pé agora, empurrando os colchonetes e equipamentos de treinamento, enquanto Isabelle se inclinava contra a parede e brincava com suas novas luvas. “Pensei que a ideia dele de um encontro seria fazer você assisti-lo jogar Word of Warcraft com seus amigos nerds.” “Eu”, Clary apontou, “sou uma dos amigos nerds dele, obrigada.” Jace sorriu para ela. “Não era realmente um restaurante. Era mais para um vagão restaurante. Com sopa rosa que ele queria que eu experimentasse”, Isabelle disse pensativamente. ”Ele foi muito doce.” Clary sentiu-se instantaneamente culpada por não dizer a ela — ou Jace — sobre Maia. “Ele disse que vocês se divertiram.” O olhar de Isabelle flutuou sobre ela. Havia uma peculiar propriedade na expressão de Isabelle, como se ela estivesse escondendo algo, mas se foi antes que Clary pudesse ter certeza se tinha estado lá. “Você falou com ele?” “Sim, ele me ligou a poucos minutos atrás. Só para checar.“ Clary deu de ombros.
“Sei”, Isabelle disse, sua voz de repente enérgica e fria. ”Bem, como eu digo, ele é muito doce. Mas talvez um pouco doce demais. Isso pode ser chato.” Ela enfiou suas luvas em seus bolsos. “Além do mais, não é uma coisa permanente. É só por diversão por agora.” A culpa de Clary esvaiu-se. “Vocês já falaram, você sabe, namorar com exclusividade?” Isabelle pareceu horrorizada. “É claro que não.” Ela em seguida bocejou, esticando seus braços como um gato por sobre sua cabeça. “Ok, para cama. Vejo vocês depois, pombinhos.” Ela partiu, deixando uma nuvem de perfume de Jasmim no seu caminho. Jace olhou para Clary. Ele tinha começado a desafivelar sua vestimenta, que fechava em seus pulsos e costas, formando um escudo protetor sobre suas roupas. “Você tem que ir para casa?” Clary concordou relutantemente. Conseguir que sua mãe concordasse em deixá-la prosseguir no treinamento de Caçador de Sombras tinha sido uma longa e desagradável discussão em primeiro lugar. Jocelyn tinha batido o pé, dizendo que ela tinha gastado sua vida tentando manter Clary fora da cultura de Caçador de Sombras, que ela via como perigosa — não apenas violenta, ela argumentou, mas separatista e cruel. Clary argumentou que as coisas tinham mudado desde que Jocelyn tinha sido uma garota, e de qualquer modo, Clary precisava saber como defender a si mesma. “Eu espero que isso não seja só por causa do Jace”, Jocelyn tinha dito, finalmente. “Eu sei que quando você esta apaixonado por alguém, você quer estar onde eles estão e fazer o que eles fazem, mas Clary—“ “Eu não sou você”, Clary tinha dito, lutando para controlar sua raiva. ”Os Caçadores de Sombras não são o Ciclo, e Jace não é Valentine.” “Eu não disse nada sobre Valentine.” “É o que você estava pensando”, Clary disse. “Talvez Valentine tenha criado Jace, mas ele não é nada como ele.” “Bem, eu espero que não”, Jocelyn tinha dito suavemente. ”Pelo bem de todos nós.” Eventualmente, ela tinha cedido, mas com algumas regras: Clary não ia morar no Instituto, mas com Luke e sua mãe; Jocelyn receberia relatórios de
progresso semanais de Maryse para lhe assegurar que Clary estava aprendendo e não só, Clary supôs, provocando Jace o dia todo, ou o que quer que ela estivesse preocupada. E Clary não ia passar a noite no Instituto — nunca. “Nada de pernoitar onde seu namorado mora”, Jocelyn disse com firmeza. “Eu não me importo se é o Instituto. Não.” Namorado. Era ainda um choque, ouvir a palavra. Por tanto tempo isso tinha sido uma total impossibilidade, que Jace sequer seria seu namorado, que eles poderiam ser um ao outro nada além de irmão e irmã, e isso era muito difícil e horrível de se encarar — nunca ver um ao outro de novo, eles tinham decidido, seria melhor que aquilo, e que seria como morrer. E em seguida, por um milagre, eles tinham ficado livres. Agora isso fazia seis semanas, mas Clary ainda nunca estava cansada da palavra. “Eu tenho que ir para casa”, ela disse. ”São quase onze e minha mãe enlouquece se eu fico aqui depois das dez.” “Tudo bem”, Jace soltou seu traje, ou pelo menos a parte de cima dele sobre o banco. Ele vestia uma camiseta fina por baixo; Clary pode ver suas marcas através dela, como tinta sangrando através de papel molhado. “Eu te acompanharei.” O Instituto estava silencioso enquanto eles caminhavam através dele. Não haviam Caçadores de Sombras vindos de outras cidades ficando agora, e com Hodge e Max que se foram para sempre, e Alec com Magnus, Clary sentia como se os Lightwoods remanescentes fossem como convidados em um hotel quase vazio. Ela desejou que os outros membros da Clave viessem mais frequentemente, mas ela supôs que todos estavam dando aos Lightwoods tempo neste momento. Tempo para se lembrar de Max, e tempo para esquecer. “Então, você ouviu algo sobre Alec e Magnus ultimamente?”, ela perguntou. “Eles estão se divertindo?” “Parece que sim”, Jace pegou seu telefone em seu bolso e estendeu para ela. ”Alec continua me mandando fotos chatas. Um monte de textos como, “Eu queria que você estivesse aqui, exceto que não de verdade.” “Bem, você não pode culpá-lo. Era para ser umas férias românticas.” Ela movimentou através das fotos no telefone de Jace e riu. Alec e Magnus em pé em frente à Torre Eiffel, Alec vestindo jeans como sempre e Magnus vestindo um
casaco de pescador listrado, calças de couro, e uma boina maluca. Nos jardins Boboli7, Alec ainda estava usando jeans, e Magnus estava usando um enorme manto veneziano e um quepe de gondoleiro. Ele parecia como o Fantasma da Ópera, em frente ao Prado, ele estava usando um cintilante casaco de toureiro e botas de plataforma, enquanto Alec aparecia calmamente alimentando um pombo ao fundo. “Eu vou tirar isso de você antes que você chegue a parte da India”, Jace disse, recuperando seu telefone. “Magnus em um sári. Algumas coisas você nunca se esquece.” Clary riu. Eles tinham alcançado o elevador que abriu seu portão rangendo, quando Jace empurrou o botão de chamar. Ela entrou e Jace a seguiu. No momento que o elevador começou a descer — Clary achou que ela nunca se acostumaria ao recuar inicial antes que começasse a descer — ele se moveu em direção a Clary na escuridão, e puxou ela para mais perto. Ela colocou suas mãos contra o peito dele, sentindo os músculos fortes debaixo de sua camiseta, a batida de seu coração embaixo dela. Na luz sombreada, os olhos dele brilharam. “Lamento que eu não possa ficar”, ela sussurrou. “Não se desculpe”, Havia um tom irregular em suas palavras que a surpreendeu. “Jocelyn não quer que você se torne como eu. Eu não a culpo por isso.” “Jace”, ela disse, um pouco perplexa pela amargura em sua voz, ”Você está bem?” Ao invés de responder, ele a beijou, a puxando firme contra ele. Seu corpo pressionou o dela contra a parede, o metal do espelho frio contra suas costas, as mãos dele deslizaram ao redor de sua cintura. Ela sempre amava o modo que ele a segurava. Cuidadoso, mas também não muito gentil, não tão delicado, que ela sempre sentia que ele estava mais sob controle do que ela estava. Nenhum dos dois podia controlar como eles se sentiam um sobre o outro, e ela gostava disso, gostava do modo como o coração dele martelava contra o dela, gostava do modo que ele murmurava contra sua boca quando ela o beijava de volta. O elevador veio em uma parada ruidosa e a grade abriu. Além dela, ela podia ver a nave vazia da catedral, pedras enfeitiçadas alumiando em uma fila de 7
Boboli Gardens – Fica na Itália.
candelabros no corredor central. Ela se agarrou a Jace, feliz por que havia pouca luz no elevador então ela não podia ver seu próprio rosto queimando no espelho. “Talvez eu possa ficar”, ela sussurrou. “Só mais um pouco.” Ele não disse nada. Ela podia sentir a tensão nele, e ela mesma se enrijecer — era mais do que apenas a tensão do desejo. Ele estava tremendo, seu corpo inteiro tremendo enquanto ele enterrava seu rosto na dobra de seu pescoço. “Jace”, ela disse. Ele então a soltou, subitamente, e deu um passo para trás. Suas bochechas estavam coradas, seus olhos febrilmente brilhantes. “Não”, ele disse. “Eu não quero dar a sua mãe nenhum motivo para não gostar de mim.” Havia um tom em sua voz. “Ela já pensa que eu sou a segunda vinda de meu pai—“ Ele se interrompeu, antes que Clary pudesse dizer: Valentine não era seu pai. Ele era geralmente muito cuidadoso ao se referir a Valentine Morgenstern pelo nome, nunca como meu pai — quando ele mencionava Valentine. Geralmente eles se afastavam do tópico, e Clary nunca tinha admitido a Jace que sua mãe se preocupava que ele fosse secretamente como Valentine, sabendo que até mesmo a sugestão o machucaria bastante. Na maioria das vezes ela fazia tudo que podia para manter os dois separados. Ele se afastou antes que ela pudesse dizer alguma coisa, e puxou aberta a grade do elevador. “Eu te amo, Clary”, ele disse, sem olhar para ela. Ele estava olhando para dentro da igreja, para as fileiras de velas iluminadas, seus reflexos dourados refletidos em seus olhos. “Mais do que eu jamais—“ Ele se interrompeu. ”Deus. Mas do que eu provavelmente deveria. Você sabe disso, não é?” Ela saiu do elevador e se virou para encará-lo. Havia uma centena de coisas que ela queria dizer, mas ele já estava olhando para longe dela, empurrando o botão que traria o elevador de volta ao piso do Instituto. Ela começou a protestar, mas o elevador já estava se movendo, as portas fechando atrás, enquanto ele chacoalhava seu caminho de volta acima. Elas fecharam com um clique e ela olhou para elas por um momento; o Anjo estava pintado na superfície dele, asas estendidas, olhos elevados. O Anjo estava pintado sobre tudo. Sua voz ecoou dissonantemente no salão vazio quando ela falou.
“Eu também te amo”, ela disse.
Capítulo
3
SETE VEZES
“SABE O QUE É IMPRESSIONANTE?” ERIC DISSE, BAIXANDO suas baquetas. “Ter um vampiro na nossa banda. Isso é a coisa que realmente vai nos levar para o topo.” Kirk, abaixando o microfone, rolou seus olhos. Eric sempre estava falando sobre colocar a banda no topo, e até então nada tinha acontecido. O melhor que eles tinham feito foi uma apresentação na Knitting Factory, e apenas quatro pessoas tinham ido. E uma delas tinha sido a mãe de Simon. “Eu não vejo como isso pode nos levar para o topo se não somos permitidos dizer a alguém que ele é um vampiro.” “Que pena”, Simon disse. Ele estava sentado em uma das caixas de som, próximo a Clary, que estava absorvida enviando um texto para alguém, provavelmente Jace. “Ninguém iria acreditar de qualquer forma, por que veja — aqui estou eu. Daylight.” Ele levantou seus braços para indicar o sol se derramando através dos buracos no teto da garagem de Eric, que era o atual local de ensaio deles. “Isso dá algum impacto em nossa credibilidade.” Matt disse, puxando seu brilhante cabelo ruivo para fora de seus olhos e olhando de esguelha para Simon. “Talvez nós pudéssemos usar presas falsas.” “Ele não precisa de presas falsas”, Clary disse irritada, baixando seu celular. “Ele tem presas de verdade. Vocês as viram.” Era verdade. Simon tinha posto para fora suas presas, quando revelou as
novidades para a banda. Primeiro eles tinham pensado que ele tinha tido um ferimento na cabeça, ou um colapso mental. Depois que ele tinha mostrado as presas para eles, eles mudaram de ideia. Eric tinha até mesmo admitido que ele não estava particularmente surpreso. “Eu sempre soube que havia vampiros, cara”, ele tinha dito. “Porque, você sabe como há pessoas que você conhece, como sempre parecem as mesmas, mesmo quando elas estão, tipo, uma centena de anos de idade? Como David Bowie? Isso é por que elas são vampiros.“ Ele tinha deixado de lado de lhes dizer que Clary e Isabelle eram Caçadoras de Sombras. Esse não era um segredo dele para se contar. Nem eles sabiam que Maia era uma lobisomem. Eles sabiam apenas que Maia e Isabelle eram as duas garotas gatas que tinham, inexplicavelmente, concordado em namorar Simon. Eles tomaram isso no que Kirk chamava de seu magnetismo sexy de vampiro. Simon realmente não se importava do que eles chamavam isso, desde que eles nunca escorregassem e dissessem a Maia e a Isabelle de uma sobre a outra. Até agora ele tinha conseguido, com sucesso, convidá-las em apresentações alternadas, então elas nunca apareceram nas mesmas e ao mesmo tempo. “Talvez você pudesse mostrar as presas no palco?” Eric sugeriu. “Só, tipo, uma vez, cara. Um vislumbre para a multidão.” “Se ele fizesse isso, o líder dos vampiros da cidade de Nova York mataria todos vocês”, Clary disse. “Vocês sabem disso, certo?” Ela sacudiu sua cabeça na direção de Simon. “Eu não acredito que você disse a eles que é um vampiro”, ela adicionou, abaixando sua voz para que apenas Simon pudesse ouvir. “Eles são idiotas, no caso de você não ter notado.” “Eles são meus amigos”, Simon murmurou. “Eles são seus amigos, e eles são idiotas.” “Eu quero que as pessoas que eu gosto saibam a verdade sobre mim.” “Oh?” Clary disse, não muito gentil. ”Então quando você vai contar para sua mãe?” Antes que Simon pudesse responder, houve uma pancada alta na porta da garagem, e um momento depois ela deslizou, deixando que mais luz do outono se derramasse lá dentro. Simon olhou de esguelha, piscando. Era um reflexo, realmente, deixado de quando ele tinha sido humano. Não levava mais do que
um segundo para seus olhos se ajustarem a escuridão ou a luz. Havia um garoto em pé na entrada da garagem, as costas iluminadas pelo sol brilhante. Ele segurava um pedaço de papel em sua mão. Ele o olhou incerto, e então se voltou para a banda. “Ei”, ele disse. “Aqui é onde eu posso encontrar a banda Dangerous Stain8?” “Nós agora somos o Dichotomous Lemur9,” Eric disse, vindo a frente. “Quem quer saber?” “Eu sou Kyle”, disse o garoto, mergulhando sob a porta da garagem. Se endireitando, ele jogou para trás o cabelo castanho que caia sobre seus olhos e estendeu seu pedaço de papel para Eric. ”Eu vi que vocês estão procurando um cantor.” “Whoa”, Matt disse. “Nós colocamos esses folhetos, tipo, um ano atrás, eu me esqueci totalmente deles.” “Sim”, Eric disse. “Nós estávamos fazendo algumas coisas diferentes naquela época. Agora, na maior parte, desligamos os vocais. Você tem experiência?” Kyle — que era muito alto, Simon viu, embora de forma alguma desengonçado — deu de ombros. “Não de verdade. Mas digo que posso cantar.” Ele tinha uma dicção lenta, leve e pausada, mas a oeste do que ao sul. Os membros da banda olharam incertos um para o outro. Erik coçou atrás de sua orelha. “Você pode nos dar um segundo, cara?” “Claro”, Kyle mergulhou para fora da garagem, deslizando a porta fechada atrás dele. Simon podia ouvi-lo assobiando levemente do lado de fora. Soava como “She’ll Be Comin’ Round the Mountain.10” Também não estava bem afinado. “Eu não sei”, Eric disse. “Eu não tenho certeza de que podemos usar alguém novo agora. Porque, quero dizer, nós não podemos dizer a ele sobre essa coisa de vampiro, podemos?” “Não”, Simon disse. “Vocês não podem.” “Bem, pronto.” Matt deu de ombros. “É uma pena. Nós precisamos de um cantor. Kirk é uma droga. Sem ofensas, Kirk.” 8
Mancha perigosa. Lêmure dicotômico. 10 Música do meio oeste do final século 19. Literalmente do velho oeste 9
“Dane-se”, Kirk disse. “Eu não sou uma droga.” “Sim, é.” Matt disse. “Você é uma grande droga, cabeluda —“ “Eu acho”, Clary interrompeu, levantando sua voz, ”que vocês deveriam deixá-lo tentar.” Simon olhou para ela. “Por quê?” “Por que ele é supergato”, Clary disse, para a surpresa de Simon. Ele não tinha estado enormemente ciente da aparência de Kyle, mas, talvez ele não fosse o melhor juiz para beleza masculina. ”E sua banda precisa de alguém com sex appeal.” “Obrigado”, Simon disse, “em nome de todos nós, muitíssimo obrigado.” Clary fez um barulho impaciente. “Sim, sim, todos vocês são caras encantadores. Especialmente você, Simon.” Ela deu um tapinha na mão dele. “Mas Kyle é gostoso como ‘whoa.’ Só estou dizendo. Minha opinião objetiva como uma mulher é que se vocês adicionarem Kyle em sua banda, vocês dobrarão sua base de fãs femininas.” “O que significa que nós teremos duas fãs femininas ao invés de uma.” Kirk disse. “Qual uma?” Matt pareceu genuinamente curioso. “A amiga da priminha do Eric. Qual o seu nome? Aquela que tem uma queda por Simon. Ela vem a todos os nossos shows e diz para todo mundo que ela é a namorada dele.” Simon piscou. “Ela tem treze anos.” “É o seu magnetismo sexy de vampiro em funcionamento, cara”, Matt disse. “As garotas não podem resistir a você.” “Ah, pelo amor de Deus”, Clary disse. “Não existe essa coisa de magnetismo sexy de vampiro.” Ela apontou um dedo para Eric. “E nem mesmo diga que Vampiro Sexy Mojo11 soa como um nome de banda ou eu—“ A porta da garagem se abriu. “Uh, caras?” Era Kyle de novo. “Olha, se vocês não querem me dar uma chance, tudo bem. Talvez vocês mudaram seu estilo, sei lá. Só me digam, e vou embora.” Eric ergueu sua cabeça de lado. “Entre e deixe a gente dar uma olhada em você.” 11
Mojo pode ser amuleto, feitiço, charme ou magnetismo. Traduzido como magnetismo sexy de vampiro.
Kyle entrou na garagem. Simon olhou para ele, tentando avaliar o que era que tinha feito Clary dizer que ele era gostoso. Ele era alto de ombros largos e magros, com maçãs do rosto altas, cabelo preto longo que caia sobre sua testa e abaixo em seu pescoço em cachos, e pele morena que não tinha perdido o bronzeado de verão ainda. Seus cílios longos e espessos sobre surpreendentes olhos verdes acinzentados o faziam parecer como uma bonita estrela do rock. Ele usava uma camiseta justa verde e jeans, e ambos os braços eram tatuados — sem marcas, apenas tatuagens comuns. Elas pareciam como um texto sinuoso ao redor de sua pele, desaparecendo nas mangas de sua camisa. Ok, Simon teve que admitir. Ele não era horrível. “Sabe”, Kirk disse finalmente, quebrando o silêncio. “Estou vendo. Ele é bem bonito.” Kyle piscou e se virou para Eric. “Então, vocês querem que eu cante ou não?” Eric pegou o microfone de seu suporte e o deu para ele. “Vá em frente”, ele disse. “Experimente.” ●●●● “Sabe, ele era realmente muito bom”, Clary disse. ”Eu estava meio que brincando sobre incluir Kyle na banda, mas ele realmente consegue cantar.” Eles estavam caminhando na Kent Avenue, em direção a casa de Luke. O céu tinha escurecido do azul para o cinza em antecipação ao crepúsculo, e nuvens pendiam baixas sobre o East River. Clary estava puxando uma de suas mãos com luva ao longo dos elos de uma cerca que os separava do aterro de concreto rachado, fazendo o metal chocalhar. “Você só está dizendo isso por que acha que ele é gato”, Simon disse. Ela fez um muxoxo. “Não tão gostoso. Não, como, o cara mais gostoso que eu já tenha visto.” O que, Simon imaginou, seria Jace, embora ela fosse legal o suficiente para não dizer. “Mas, honestamente, eu pensei que seria uma boa ideia tê-lo na banda. Se Eric e o resto deles não podem contar para ele que você é um vampiro, eles não podem contar para mais ninguém também. Finalmente isso
colocaria um fim nessa ideia estúpida.” Eles estavam próximos à casa de Luke; Simon podia ver do outro lado da rua, a janela iluminada contra o céu escuro. Clary parou em um buraco na cerca. “Se lembra quando nós matamos um bando de demônios Raum aqui?” “Você e Jace mataram alguns demônios Raum. Eu quase vomitei.” Simon se lembrou, mas sua mente não estava nisso, ele estava pensando em Camille, sentada em frente a ele no jardim, dizendo, ‘Você é amigo dos Caçadores de
Sombras, mas você nunca pode ser um deles. Você sempre será o outro e o de fora’. Ele olhou de esguelha para Clary, se perguntando o que ela diria se dissesse a ela sobre seu encontro com a vampira, e sua oferta. Ele imaginou que ela provavelmente ficaria aterrorizada. O fato de que ele não podia ser ferido, não a tinha feito parar ainda de se preocupar sobre sua segurança. “Você não estaria assustado agora”, ela disse suavemente, como se lendo a mente dele. “Agora você tem a Marca.” Ela se virou para olhá-lo, ainda apoiada contra a cerca. “Alguém já notou ou perguntou sobre ela?” Ele sacudiu sua cabeça. “Meu cabelo a cobre, a maior parte, e de qualquer modo, ela apagou bastante. Vê?” Ele puxou seu cabelo de lado. Clary estendeu a mão e tocou sua testa e a escrita sinuosa da Marca lá. Seus olhos estavam tristes, como eles tinham estado naquele dia no Salão dos Acordos em Alicante, quando ela tinha entalhado a mais antiga das maldições do mundo na pele dele. “Ela dói?” “Não. Ela não dói.” ‘E Caim disse para o Senhor, Minha punição é maior do que posso suportar.’ “Sabe, eu não te culpo, sabia? Você salvou minha vida.” “Eu sei.” Seus olhos estavam brilhando. Ela baixou sua mão de sua testa e esfregou as costas de sua luva em seu rosto. ”Merda. Eu odeio chorar.” “Bem, é melhor você se acostumar.” Ele disse, e quando os olhos dela se arregalaram, ele adicionou precipitadamente. “Quero dizer, o casamento. É o que, próximo sábado? Todo mundo chora em casamentos.” Ela bufou. “A propósito, como está sua mãe e Luke?” “Insuportavelmente apaixonados. É horrível. Aliás—“ ela deu um tapinha no ombro dele. “Eu devo entrar. Te vejo amanhã?” Ele concordou. “Claro. Amanhã.”
Ele a observou enquanto ela corria para o outro lado da rua e acima nas escadas em frente à porta de Luke. Amanhã. Ele se perguntou há quanto tempo tinha sido desde que ele tinha ficado, mais do que uns poucos dias, sem ver Clary. Ele se perguntou sobre ser um fugitivo ou um errante sobre a Terra, como Camille tinha dito. Raphael tinha dito. ‘O sangue de teu irmão clama a mim da terra’. Ele não era Caim, o que tinha matado seu irmão, mas a maldição julgava que ele era. Era estranho, ele pensou, esperar por perder tudo, sem saber se isso aconteceria ou não. A porta se fechou atrás da Clary. Simon virou para ir a Kent, em direção a parada da linha G na Lorimer Street. Estava quase totalmente escuro agora, o céu acima, um espiral de cinza e preto. Simon escutou pneus frearem na estrada atrás dele, mas ele não se virou. Carros dirigiam muito rápido nesta rua o tempo todo, apesar das rachaduras e buracos. Não foi até que a van azul encostou ao lado dele e guinchou parando, que ele se virou para olhar. O motorista da van arrancou as chaves da ignição, desligando o motor, e jogou a porta aberta. Era um homem — um homem alto, vestido em um agasalho de capuz cinza e tênis, o capuz puxado tão baixo que ele escondia a maior parte de seu rosto. Ele saltou do assento do motorista, e Simon viu que havia uma faca longa e brilhante em sua mão. Antes Simon pensaria que ele deveria correr. Ele era um vampiro, mais rápido do que qualquer humano. Ele podia ultrapassar qualquer um. Ele devia ter corrido, mas ele estava também surpreso; ele ficou parado enquanto o homem, com a faca brilhando na mão, veio em direção a ele. O homem disse algo em uma voz baixa e gutural, alguma coisa em uma linguagem que Simon não entendeu. Simon deu um passo para trás. “Olha”, ele disse, alcançando seu bolso. “Você pode ficar com minha carteira—“ O homem investiu sobre Simon, mergulhando a faca em direção ao seu peito. Simon olhou para baixo em descrença. Tudo pareceu estar acontecendo muito lentamente, como se o tempo estivesse se esticando. Ele viu a ponta da faca próxima ao seu peito, a ponta amassando a ponta do couro de sua jaqueta — e então ela foi rente para o lado, como se alguém tivesse agarrado o braço de seu atacante e o puxado. O homem gritou enquanto ele era lançado acima no ar
como um fantoche sendo puxado por suas cordas. Simon olhou ao redor selvagemente — certo de que alguém deve ter escutado ou notado o alvoroço, mas ninguém surgiu. O homem se manteve gritando, se sacudindo violentamente, enquanto sua camisa se rasgava em frente, como se cortada por uma mão invisível. Simon olhou horrorizado. Imensas feridas estavam aparecendo no dorso do homem. A cabeça dele voou para trás e sangue jorrou de sua boca. Ele parou de gritar abruptamente — e caiu como se a mão invisível tivesse se aberto, o soltando. Ele bateu no chão e se quebrou como vidro estilhaçado em milhares de pedaços brilhantes que se esparramaram de um lado a outro da calçada. Simon caiu sobre seus joelhos. A faca que pretendia matá-lo, ao alcance do braço. Foi tudo o que foi deixado de seu atacante, salvo uma pilha de cristais cintilantes que já estavam começando a ser soprados no vento forte. Ele tocou um, cautelosamente. Era sal. Ele olhou para suas mãos. Elas estavam tremendo. Ele sabia o que tinha acontecido, e por que.
‘E o Senhor, porém, lhe disse, Portanto qualquer um que matar a Caim, vingança será colocada sobre ele sete vezes.’ Então isso era o que sete vezes parecia. Ele mal se levantou da sarjeta antes que se dobrasse e vomitasse sangue na rua. No momento em que ele abriu a porta, ele sabia que tinha calculado mal. Ele pensava que sua mãe estaria dormindo por agora, mas ela não estava. Ela estava acordada, sentada em um sofá de frente para a porta, seu telefone sobre a mesa ao lado dela, e ela viu o sangue sobre sua jaqueta imediatamente. Para sua surpresa ela não gritou, mas sua mão voou para sua boca. “Simon.” “Não é meu sangue”, ele disse rapidamente. ”Eu estava no Eric, e Matt teve um sangramento nasal—“ “Eu não quero ouvir isso.” O tom mordaz era um que ela raramente usava; isso o lembrou do modo que ela tinha falado durante aqueles últimos meses quando seu pai tinha estado doente, ansiedade como uma faca em sua voz. “Eu não quero ouvir mais nenhuma mentira.”
Simon largou suas chaves sobre a mesa ao lado da porta. “Mãe—“ “Tudo o que você faz é contar mentiras. Eu estou cansada disso.” “Isso não é verdade.” Ele disse, mas se sentiu enjoado, sabendo que era. “Eu só tenho muita coisa acontecendo na minha vida agora mesmo.” “Eu sei que tem.” Sua mãe ficou de pé; ela sempre tinha sido uma mulher magra, e ela parecia esquelética agora, seu cabelo preto da mesma cor como o dele, listrado com mais cinza do que ele tinha se lembrado, onde ele caia em torno de seu rosto. “Venha comigo, jovenzinho. Agora.” Confuso, Simon a seguiu para a pequena cozinha brilhante amarela. Sua mãe parou e apontou em direção ao balcão. “Importa-se de me explicar aquilo?” A boca de Simon ficou seca. Alinhadas ao longo da bancada como uma fileira de soldados de brinquedo, estavam as garrafas de sangue que tinham estado na minigeladeira dentro de seu armário. Uma estava meio cheia, as outras inteiramente cheias, o líquido vermelho nelas brilhando como uma acusação. Ela também tinha descoberto as sacolas vazias de sangue que ele tinha removido e cuidadosamente empurrado dentro de uma sacola do shopping antes de descarregá-las em sua lixeira. Elas também estavam espalhadas sobre a bancada, como uma decoração grotesca. “Primeiro eu pensei que as garrafas eram vinho”, Elaine Lewis disse em uma voz trêmula. “Então eu descobri as sacolas. Então eu abri uma das garrafas. É sangue, não é?” Simon não disse nada. A voz dele pareceu ter fugido. “Você tem estado agindo tão estranho ultimamente”, sua mãe continuou. “Fora toda hora, você nunca come, você mal dorme, você tem amigos que eu nunca conheci, nunca ouvi. Você acha que eu não posso dizer quando você está mentindo para mim? Posso dizer, Simon. Eu pensei que talvez você estava nas drogas.” Simon encontrou sua voz. “Então você revistou o meu quarto?” Sua mãe corou. “Eu tive! Eu pensei — eu pensei que se eu encontrasse drogas lá, eu poderia ajudá-lo, colocar você em um programa de reabilitação, mas isso?” Ela gesticulou nervosamente para as garrafas. “Eu nem mesmo sei o que pensar sobre isso. O que está acontecendo, Simon? Você entrou em algum tipo de culto?”
Ele sacudiu sua cabeça. “Então me diga”, sua mãe disse, seus lábios tremendo. “Por que as únicas explicações que eu posso pensar são horríveis e doentias. Simon, por favor —“ “Eu sou um vampiro”, Simon disse. Ele não tinha ideia de como ele tinha dito isso, ou mesmo o porquê. Mas lá estava. As palavras perduraram no ar entre eles como gás envenenado. Os joelhos de sua mãe pareceram ceder, e ela afundou na cadeira da cozinha. “O que você disse?”, ela respirou. “Eu sou um vampiro”, Simon disse. “Eu tenho sido um por cerca de dois meses agora. Eu lamento não ter dito a você antes. Eu não sabia como.” O rosto de Elaine Lewis era um branco giz. “Vampiros não existem, Simon.” “Sim”, ele disse. “Eles existem. Olhe, eu não pedi para ser um vampiro. Eu fui atacado. Eu não tive uma escolha. Eu mudaria isso se eu pudesse.” Ele pensou freneticamente no panfleto que Clary tinha dado a ele há tanto tempo atrás, um sobre sair do armário para seus pais. Tinha sido como uma analogia engraçada então, agora, isso não era. “Você pensa que é um vampiro”, a mãe de Simon disse entorpecida. “Você acha que bebe sangue.” “Eu bebo sangue”, Simon disse. “Eu bebo sangue animal.” “Mas você é vegetariano.” Sua mãe pareceu estar à beira das lágrimas. “Eu era. Não sou agora. Não posso ser. Sangue é do que eu vivo“, a garganta de Simon pareceu apertar. “Eu nunca machuquei ninguém. Nunca bebi sangue de ninguém. Eu ainda sou a mesma pessoa. Eu ainda sou eu.” Sua mãe pareceu lutar para se controlar. “Seus novos amigos — eles são vampiros, também?” Simon pensou em Isabelle, Maia, Jace. Ele não poderia explicar os Caçadores de Sombras e lobisomens, também. Era demais. “Não, Mas — eles sabem que eu sou um.” “Eles — eles te deram drogas? Fizeram você tomar alguma coisa? Algo que faria você ter alucinações?” Ela pareceu mal ter escutado sua resposta. “Não, mãe, isso é a verdade." “Isso não é verdade”, ela sussurrou. “Você acha que é verdade. Oh, Deus,
Simon. Eu lamento tanto. Eu deveria ter percebido. Nós vamos conseguir ajuda. Nós encontraremos alguém. Um médico. O que quer que custe—" “Eu não posso ir a um médico.” “Sim, você pode. Você precisa estar em algum lugar. Um hospital, talvez— “ Ele estendeu seu pulso para ela. “Sinta meu pulso.” Ele disse. Ela olhou para ele, confusa. “O que?” “Meu pulso”, ele disse. “Pegue ele. Se eu tenho um, tudo bem. Eu irei ao hospital com você. Se não, você tem que acreditar em mim.” Ela limpou as lágrimas de seus olhos e lentamente se aproximou para tomar seu pulso. Depois de tanto tempo tomando conta do pai de Simon quanto ele tinha estado doente, ela sabia como tomar um pulso tão bem quanto uma enfermeira. Ela pressionou seu dedo indicador dentro de seu pulso, e esperou. Simon se sentiu doente. “Eu te disse mãe. Eu sou um vampiro.” “Você não é meu filho. Você não é Simon.” Ela estava estremecendo. “Que tipo de coisa viva não tem um pulso? Que tipo de monstro você é? O que você fez com meu menino?” “Eu sou Simon—“ Ele deu um passo em direção a sua mãe. Ela gritou. Ele nunca tinha a ouvido gritar daquele jeito, e ele nunca gostaria de novo. Foi um barulho horrível. “Fique longe de mim.” A voz dela partiu. “Não chegue mais perto.” Ela começou a sussurrar. “Baruk ata Adonai sho’me a t’fila...” Ela estava orando, Simon percebeu com um choque. Ela estava tão aterrorizada dele que ela estava orando para que ele partisse, fosse banido. E o que era pior era que ele podia sentir isso. O nome de Deus apertou seu estômago e fez a garganta dele doer. Ela estava certa em orar, ele pensou, doente para sua alma. Ele estava
amaldiçoado. Ele não pertencia ao mundo. Que tipo de coisa viva não tinha um pulso? “Mãe”, ele sussurrou. “Mãe, pare.” Ela olhou para ele, olhos arregalados, seus lábios ainda se movendo. “Mãe, você não precisa estar tão chateada.” Ele ouviu sua própria voz como uma distante, suave e calmante, voz de um estranho. Ele manteve seus olhos
fixos em sua mãe enquanto ele falava, capturando o olhar dela com os seus, como um gato pode capturar um rato. “Nada aconteceu. Você caiu no sono no sofá na sala de estar. Você teve um pesadelo, no qual, eu cheguei em casa e te disse que era um vampiro. Mas isso é loucura. Isso nunca aconteceria.” Ela começou a parar de orar. Ela piscou. “Eu estou sonhando.” Ela repetiu. “Isso é um pesadelo.” Simon disse. Ele se moveu em direção a ela e colocou uma mão sobre seu ombro. Ela não se afastou. Sua cabeça estava curvando como uma criança cansada. “Só um sonho. Você nunca descobriu nada em meu quarto. Nada aconteceu. Você apenas esteve dormindo, só isso.” Ele tomou sua mão. Ela o deixou guiá-la para a sala de estar, onde ele a assentou na poltrona. Ela sorriu quando ele puxou um cobertor sobre ela, e fechou seus olhos. Ele voltou para a cozinha e rapidamente, metodicamente, varreu as garrafas e contêineres de sangue para dentro do saco de lixo. Ele o amarrou e o trouxe para seu quarto, onde ele trocou sua jaqueta ensanguentada por uma nova, e jogou algumas coisas rapidamente em uma mochila. Ele desligou a luz e saiu, fechando a porta atrás dele. Sua mãe já estava dormindo enquanto ele passou pela sala de estar. Ele se aproximou e levemente tocou a mão dela. “Eu estarei fora por alguns dias”, ele sussurrou. “Mas você não se preocupará. Você não esperará que eu volte. Você acha que eu estou em uma excursão escolar. Não há necessidade de ligar. Tudo está bem.” Ele puxou sua mão de volta. Na luz fraca sua mãe pareceu tanto mais velha e mais jovem do que ele estava acostumado. Ela era tão pequena quanto uma criança, encolhida sob o cobertor, mas havia novas linhas sobre seu rosto que ele não se lembrava de estarem ali antes. “Mãe”, ele sussurrou. Ele tocou a mão dela, e ela se mexeu. Sem querer acordá-la, ele puxou seus dedos de volta e se moveu sem som para a porta, agarrando suas chaves da mesa enquanto ele ia. ●●●●
O Instituto estava em silêncio. Ele sempre estava em silêncio ultimamente. Jace tinha deixado sua janela aberta a noite, então ele podia ouvir os barulhos do tráfego passando, a ocasional sirene de ambulância e o buzinar na York Avenue. Ele podia ouvir coisas que os mundanos não podiam, também, e estes sons filtrados através da noite e em seus sonhos — a corrente de ar de uma moto em voo de um vampiro, o flutuar de fada alada, o distante uivo de lobos nas noites quando a lua estava cheia. Era apenas lua crescente agora, lançando só a luz suficiente para ele ler enquanto ele se estendia sobre a cama. Ele tinha sua caixa de prata de seu pai aberta em frente a ele, e estava vasculhando através do que estava dentro dela. Uma das estelas do seu pai estava nela, e uma adaga de prata de caça com as iniciais SWH no punho, e — o de mais interesse para Jace — uma pilha de cartas. Nas últimas seis semanas ele tinha estado lendo uma carta ou mais, todas as noites, tentando ter uma noção do homem que era seu pai biológico. Uma imagem tinha começado a surgir lentamente, de um homem jovem sério com pais difíceis que tinham sido arrastados para Valentine e o Ciclo, por que eles tinham parecido oferecer a ele uma oportunidade para se distinguir a si mesmo no mundo. Ele se manteve escrevendo para Amatis mesmo depois de seu divórcio, algo que ela não tinha mencionado antes. Naquelas cartas, seu desencantamento com Valentine e indisposição para as atividades do Ciclo estavam claras, embora ele raramente, até mesmo alguma vez, mencionou a mãe de Jace, Céline. Fazia sentido — Amatis não desejaria escutar sobre sua substituta — e ainda Jace não podia se impedir de odiar seu pai um pouco por isso. Se ele não tivesse se importado acerca da mãe de Jace, por que ele se casou com ela? Se ele tinha odiado tanto assim o Ciclo, por que ele não o tinha deixado? Valentine tinha sido um louco, mas pelo menos ele se manteve por seus princípios. E então, é claro, Jace apenas se sentia pior por preferir Valentine a seu pai de verdade. Que tipo de pessoa isso o fazia? Uma batida na porta o tirou de suas autorrecriminações; ele se levantou e foi para respondê-la, esperando que Isabelle estivesse lá, esperando por qualquer
empréstimo de algo ou reclamação sobre alguma coisa. Mas não era Isabelle. Era Clary. Ela não estava vestida do modo que ela geralmente estava. Ela tinha um top preto decotado, uma blusa branca amarrada frouxa e aberta sobre ele, e uma saia curta, curta o suficiente para mostrar as curvas de suas pernas, na altura da coxa. Ela usava seu brilhante cabelo ruivo em tranças, cachos frouxos dele agarrados contra as concavidades de suas têmporas, como se tivesse chovendo levemente lá fora. Ela sorriu quando ele a viu, arqueando suas sobrancelhas. Elas eram acobreadas, como os cílios finos que emolduravam seus olhos verdes. “Você vai me deixar entrar?” Ele olhou acima e abaixo no corredor. Ninguém mais estava lá, graças a Deus. Tomando Clary pelo braço, ele a puxou para dentro e fechou a porta. Se inclinando contra ela, ele disse. “O que você está fazendo aqui? Está tudo bem?” “Tudo bem.” Ela chutou seus sapatos e sentou na ponta da cama. Sua saia subiu enquanto ela se apoiava atrás em suas mãos, mostrando ainda mais a coxa. Não estava fazendo maravilhas para a concentração de Jace. “Eu senti a sua falta. E mamãe e Luke estão dormindo. Eles não notaram que eu sai.” “Você não devia estar aqui.” As palavras saíram como um tipo de gemido. Ele odiava dizê-las, mas sabia que elas precisavam ser ditas, por razões que ela nem mesmo sabia. E ele esperou que ela nunca soubesse. “Bem, se você quer que eu vá, eu irei.” Ela provocou. Seus olhos estavam cintilantemente verdes. Ela deu um passo para mais perto dele. “Mas eu vim até aqui. Você podia pelo menos me dar um beijo de despedida.” Ele se aproximou e a puxou, e a beijou. Havia algumas coisas que você tinha que fazer, mesmo se elas fossem uma má ideia. Ela se envolveu em seus braços como uma seda delicada. Ele colocou suas mãos nos cabelos dela e correu seus dedos através dele, desenroscando suas tranças até que seu cabelo caísse ao redor de seus ombros do jeito que gostava dele. Ele se lembrou de desejar fazer isso na primeira vez que ele tinha visto ela, e descartou a ideia como loucura. Ela era uma mundana, ela era uma estranha, não havia sentido em querê-la. E então ele a tinha beijado pela primeira vez, e isso quase o deixou louco. Eles tinham descido e sido interrompidos por Simon, e ele nunca tinha desejado matar alguém tanto quanto ele quis matar Simon naquele momento, embora ele
soubesse, racionalmente, que Simon não tinha feito nada de errado. Mas o que ele sentiu não tinha nada haver com a razão, e quando ele tinha imaginado, ela o deixando por Simon, o pensamento tinha feito ele enjoado e assustado, do modo que nenhum demônio sequer tinha. E então Valentine tinha dito a eles que eram irmão e irmã, e Jace tinha percebido que isso era a pior das coisas, infinitamente a pior das coisas, do que Clary o deixando por outro alguém — era saber que o modo, pelo qual, ele a amava, era de algum modo cosmicamente errado; que o que tinha parecido a mais pura e a mais improvável coisa em sua vida, tinha sido agora corrompida além da redenção. Ele se lembrou de seu pai dizendo que quando os anjos caiam, eles caiam em angústia, por que uma vez eles tinham visto a face de Deus, e agora, eles nunca a veriam novamente. E ele tinha pensado que sabia como eles se sentiam. Isso não o fez a querer menos; isso tinha apenas se tornado o desejar ela uma tortura. Algumas vezes, a sombra daquela tortura caia em suas memórias, mesmo quando ele a estava beijando, como ele estava agora, e o fazia a atrair mais firmemente. Ela fez um ruído surpreso, mas não protestou, mesmo quando ele a levantou e a transportou para a cama. Eles se estenderam nela juntos, amassando algumas das cartas, Jace jogou a caixa de lado para dar espaço para eles. Seu coração estava martelando dentro de suas costelas. Eles nunca tinham estado na cama juntos desse jeito antes, não realmente. Eles tinham estado naquela noite no quarto dela em Idris, mas eles mal tinham se tocado. Jocelyn era muito cuidadosa em nunca deixar nem um, nem o outro, passar a noite onde o outro morava. Ela não se importava muito com ele, Jace suspeitava, e ele mal podia culpá-la. Ele duvidava se ele gostaria muito de si mesmo, se ele estivesse no lugar dela. “Eu te amo”, Clary sussurrou. Ela tinha tirado sua blusa, e as pontas de seus dedos estavam traçando as cicatrizes em suas costas, e a cicatriz em forma de estrela em seu ombro que era o par da dela mesma, uma lembrança do anjo, cujo sangue eles compartilhavam. “Eu jamais quero perder você.” Ele deslizou sua mão para desamarrar sua blusa. Sua outra mão, apoiada contra o colchão, tocou o metal frio da adaga; ela deve ter deslizado na cama com o resto do conteúdo da caixa. ”Isso nunca acontecerá.”
Ela olhou para ele com olhos luminosos. “Como você pode estar tão certo?” Sua mão apertou o cabo da faca. O luar que se derramava através da janela moveu-se na lâmina enquanto ele a levantava. “Eu tenho certeza”, ele disse, e trouxe a adaga abaixo. A lâmina tosquiou através da carne dela, como se ela fosse papel, e sua boca se abriu em um espantado O e sangue ensopou a frente de sua camisa branca, ele pensou, Querido Deus, de novo, não. Acordar do pesadelo era como bater em uma janela de vidro. Os afiados fragmentos disso pareceram fatiar Jace, mesmo enquanto ele se libertava e se sentava, arfando. Ele rolou para fora da cama, instintivamente querendo fugir, e bater no chão de pedra com suas mãos e joelhos. O ar frio se derramou através da janela aberta, o fazendo estremecer, mas limpando os últimos tentáculos apegados do sonho. Ele olhou para suas mãos. Elas estavam limpas do sangue. A cama estava uma bagunça, os lençóis e cobertores enroscados em uma bola emaranhada do seu retorcer e girar, mas a caixa, contendo as coisas de seu pai, estava imóvel no criado mudo, onde ele a tinha deixado antes que ele fosse dormir. As primeiras vezes que ele tinha tido o sonho, ele tinha acordado e vomitado. Agora ele estava cuidadoso em não comer por horas antes que ele fosse dormir, então, ao invés, seu corpo teve sua vingança sobre ele o atormentando com espasmos de náusea e febre. Um espasmo o atingiu agora, e ele se curvou em uma bola, arfando e o enjoando, até que isso passou. Quando acabou, ele pressionou sua testa contra o chão de pedra fria. Suor estava resfriando seu corpo, sua camiseta grudando nele, e ele imaginou, não inutilmente, se eventualmente os sonhos o matariam. Ele tinha tentado tudo para pará-los — dormir com remédios e porções, runas de sono e runas de paz e cura. Nada funcionou. Os sonhos roubados como veneno em sua mente, e não havia nada que ele pudesse fazer para trancá-los. Mesmo durante suas horas acordadas, ele achava difícil olhar para Clary. Ela sempre tinha sido capaz de ver através dele, do modo que ninguém mais tinha, e ele só podia imaginar o que ela pensaria se ela soubesse o que ele sonhava. Ele rolou de lado e olhou para a caixa sobre o criado mudo, o luar cintilando nela. E ele pensou em Valentine. Valentine, que tinha torturado e
aprisionado a única mulher que ele tinha amado, que tinha educado seu filho — ambos os filhos — que amar algo era a destruir para sempre. Sua mente girou freneticamente enquanto ele dizia as palavras para si mesmo, mais e mais. Isso se tornou como uma espécie de cântico para ele, e como qualquer cântico, as palavras tinham começado a perder seus significados individuais.
Eu não sou como Valentine. Eu não quero ser como ele. Eu não serei como ele. Eu não serei. Ele viu Sebastian — Jonathan, na verdade — meio que seu irmão, sorrindo para ele através de um emaranhado de cabelo prata acidentado, seus olhos pretos cintilando com brilho sem misericórdia. E ele viu sua própria faca ir a Jonathan e se libertar, e o corpo de Jonathan tombar em direção rio abaixo, seu sangue se misturando com as algas e mato na beira da margem. Eu não sou como Valentine. Ele não tinha lamentado a morte de Jonathan. Dada a chance, ele faria isso de novo. Eu não quero ser como ele. Com certeza não era normal matar alguém — matar seu próprio irmão adotivo — e não sentir nada sobre isso. Eu não quero ser como ele. Mas seu pai o tinha educado que para matar sem misericórdia era uma virtude, e talvez você nunca pudesse esquecer o que seus pais te ensinaram. Não importa o tão quanto você quisesse. Eu não serei como ele. Talvez as pessoas nunca pudessem realmente mudar. Eu não.
Capítulo
4
A ARTE DOS OITO MEMBROS
AQUI ESTÃO CONSERVADAS A ÂNSIA DE GRANDES CORAÇÕES E COISAS NOBRES QUE ASCENDERAM ACIMA DA MARÉ, A PALAVRA MÁGICA ESSA MARAVILHA ALADA COMEÇA, A SABEDORIA ACUMULADA QUE NUNCA MORRE. AS PALAVRAS ESTAVAM GRAVADAS SOBRE AS PORTAS DA frente da Biblioteca Pública do Brooklyn no Grand Army Plaza. Simon estava sentado sobre os degraus da frente, olhando acima para a fachada. Inscrições brilhavam contra a pedra em um dourado embotado, cada palavra brilhando em momentânea vida, quando capturadas pelos faróis dos carros passando. A biblioteca sempre tinha sido um dos seus lugares favoritos quando ele era uma criança. Havia uma entrada separada de crianças na lateral, e lá ele tinha encontrado Clary todos os sábados, por anos. Eles escolhiam uma pilha de livros e iam para a próxima entrada do Jardim Botânico, onde eles poderiam ler por horas, estendidos na grama, o som do tráfego um constante zumbido a distância. Como ele tinha terminado aqui hoje a noite, ele não estava bem certo. Ele tinha se distanciado de sua casa tão rápido quanto ele pôde, só para perceber que não tinha lugar nenhum para ir. Ele não podia ousar ir para a de Clary — ela ficaria horrorizada com o que ele tinha feito, e desejaria que ele voltasse para consertar isso. Eric e os outros caras não entenderiam. Jace não gostava dele, e, além disso, ele não podia ir para o Instituto. Era uma igreja, e a razão dos
Nephilim viverem lá, em primeiro lugar, era precisamente para manter criaturas como ele fora. Eventualmente ele tinha percebido a quem era que ele podia ligar, mas o pensamento tinha sido desagradável o suficiente para que isso o tivesse feito levar um pouco de tempo para que tomasse coragem de realmente fazer isso. Ele escutou a moto antes que ele a visse, o alto rugido do motor cortando através dos sons do leve tráfego na Grand Army Plaza. A moto inclinou-se na curva e acima na calçada, então se empinou e se atirou nos degraus. Simon se moveu para o lado enquanto ela aterrissava levemente ao seu lado e Raphael soltava o guidon. A moto ficou instantaneamente quieta. Motos vampiras eram abastecidas por espíritos demoníacos e respondiam como bichos de estimação aos desejos de seus donos. Simon as achava aterrorizantes. “Você queria me ver, Dayligher?” Raphael, tão elegante como sempre em uma jaqueta preta e jeans parecendo caros, desmontou e inclinou sua moto contra o corrimão da biblioteca. “É melhor que seja bom”, ele adicionou. ”Não é por nada que eu vim por todo o caminho até o Brooklyn. Raphael Santiago não pertence a um subúrbio.” “Ah, bom. Você está começando a falar em si mesmo na terceira pessoa. Isso não é um sinal de megalomania iminente ou algo assim.” Raphael encolheu os ombros. “Você também pode me dizer o que você queria me dizer, ou eu partirei. É com você.” Ele olhou para seu relógio. “Você tem trinta segundos.” “Eu disse a minha mãe que eu sou um vampiro.” As sobrancelhas de Raphael se ergueram. Elas eram muito finas e escuras. Em momentos menos generosos, Simon às vezes se perguntava se elas eram pintadas. “E o que aconteceu?” “Ela me chamou de monstro e tentou me exorcizar.” A lembrança fez o gosto amargo de sangue velho subir na garganta de Simon. “E então?” “E então eu não tenho certeza do que aconteceu. Eu comecei a falar com ela em uma voz realmente estranha, calmante, dizendo a ela que nada aconteceu e que tudo era um sonho.”
“E ela acreditou em você.” “Ela acreditou em mim.” Simon disse, relutante. “É claro que ela acreditou.” Raphael disse. “Porque você é um vampiro. Esse é um poder que nós temos. O encanto. A fascinação. O poder de persuasão, você chamaria disso. Você pode convencer mundanos de qualquer coisa quase, se você aprender como usar a habilidade corretamente.” “Mas eu não queria usar isso nela. Ela é minha mãe. Tem algum jeito de tirar isso dela — algum modo de consertar isso?” “Consertar para que ela odeie você de novo? Para que ela pense que você é um monstro? Esta é uma estranha definição de consertar alguma coisa.” “Eu não me importo”, Simon disse. “Há um jeito?” “Não”, Raphael disse contente. “Não há. Você saberia sobre tudo isso, é claro, se você não desdenhasse tanto sua própria espécie.” “Tudo bem. Aja como se eu rejeitasse vocês. Não é como se você tentasse me matar ou algo assim.” Raphael deu de ombros. “Aquilo foi política. Nada pessoal.” Ele se inclinou contra o corrimão e cruzou os braços sobre seu peito. Ele estava usando luvas pretas de motociclista. Simon teve que admitir que ele parecia bem legal. “Por favor, me diga que você não me trouxe aqui para poder me contar uma estória muito chata sobre sua irmã.” “Minha mãe”, Simon corrigiu. Raphael acenou uma mão desdenhosa; “Tanto faz. Alguma mulher em sua vida te rejeitou. Essa não será a última vez, posso te dizer isso. Por que você está me incomodando a respeito disso?” “Eu queria saber se eu poderia ir e ficar no Dumont”, Simon disse, botando as palavras para fora tão rápido que ele não poderia voltar no meio do caminho. Ele mal podia acreditar que ele estava pedindo. Suas memórias do hotel vampiro eram memórias de sangue e terror e dor. Mas era um lugar a ir, um lugar para ficar onde ninguém olharia para ele, e então ele não teria que ir para casa. Ele era um vampiro. Era estúpido estar com medo de um hotel cheio de outros vampiros. “Eu não tenho nenhum outro lugar para ir.” Os olhos de Raphael cintilaram. “Aha,” ele disse, com um leve triunfo que Simon, particularmente, não gostou. “Agora você quer algo de mim.”
“Eu suponho que sim. Embora seja esquisito que você esteja tão animado sobre isso, Raphael.” Raphael bufou. ”Se você quer ficar no Dumont, você não se dirigirá a mim como Raphael, mas como Mestre, Majestade ou Grande Líder.” Simon se retesou. “E quanto a Camille?” Raphael continuou. ”O que você quer dizer?” “Você sempre me disse que não era realmente o líder dos vampiros”, Simon disse brandamente. “Então, em Idris, você me contou que era alguém chamado Camille. Você disse que ela não tinha voltado para Nova York ainda. Mas, eu presumo, quando ela voltar, ela será a mestre, ou algo assim?” O olhar de Raphael escureceu. “Eu não acho que gosto da sua linha de questionamento, Daylighter.” “Eu tenho o direito de saber das coisas.” “Não”, Raphael disse. “Você não tem. Você vem a mim, me perguntando se você pode ficar em meu hotel por que você não tem nenhum outro lugar para ir. Não por que você deseja estar com outros de sua espécie. Você nos evita.” “Que, como eu já apontei, tem haver com a época que você tentou me matar.” “O Dumont não é uma casa provisória para vampiros relutantes.“ Raphael continuou. “Você vive entre humanos, você anda a luz do dia, você toca em sua banda estúpida — sim, não pense que eu não sei sobre isso. Em todos os sentidos você não aceita o que você realmente é. E enquanto isso for verdade, você não é bem-vindo ao Dumont.” Simon se lembrou de Camille dizendo, No momento que seus seguidores
virem que você está comigo, eles o deixaram e virão para mim. Eu acredito que eles são leais a mim, sob o temor dele. Uma vez que eles nos virem juntos, esse temor desaparecerá, e eles virão para o nosso lado. “Sabe”, ele disse. “Eu tive outras ofertas.” Raphael olhou para ele como se ele estivesse louco. “Oferta de que?” “Só... ofertas.” Simon disse debilmente. “Você é horrível em política, Simon Lewis. Eu sugiro que você não tente de novo.” “Ótimo.“ Simon disse. “Eu vim aqui para lhe dizer algo, mas agora eu não
vou.” “Eu suponho que você também vai jogar fora o presente de aniversário que você trouxe para mim”, Raphael disse. “Isso tudo é muito trágico.” Ele apanhou sua moto e jogou uma perna sobre ela, enquanto o motor voltava à vida. Faíscas vermelhas voaram do cano do escapamento. “Se você me incomodar de novo Dayligher, é melhor que seja por uma boa razão. Ou eu não serei indulgente.” E com isso, a moto jogou-se a frente e acima. Simon lançou sua cabeça para trás para olhar, enquanto Raphael, como o anjo que ele era chamado, voava para o céu num rastro de fogo. ●●●● Clary sentou-se com seu caderno de desenho sobre seus joelhos e roeu a ponta de seu lápis pensativamente. Ela tinha desenhado Jace dezenas de vezes — ela achava que essa era sua versão de escrita da maioria das garotas sobre seus namorados em seus diários — mas ela nunca pareceu ser capaz de captá-lo exatamente. Por uma coisa, era quase impossível fazê-lo ficar imóvel, então ela achou que agora, enquanto ele estava dormindo, seria perfeito — mas ainda não estava saindo muito bem do modo que ela queria. Simplesmente não parecia com ele. Ela lançou o caderno de desenho sobre o cobertor com um suspiro de exasperação e puxou seus joelhos para cima, olhando ele abaixo. Ela não tinha esperado que ele caísse no sono. Eles tinham vindo do Central Park para almoçar e treinar lá fora, enquanto o tempo ainda estava bom. Ele tinham feito uma daquelas coisas. Os recipientes do Taki estavam na grama ao lado do cobertor. Jace não tinha comido muito, selecionando em sua embalagem de macarrão de gergelim em um incoerente padrão, antes de colocá-la de lado e se arremessar sobre o cobertor, olhando para o céu. Clary sentou-se olhando para ele, o modo que as nuvens refletiam em seus olhos claros, o contorno dos músculos nos braços cruzados atrás de sua cabeça, a faixa de pele perfeita revelada entre a bainha de sua camiseta e o cós de seus jeans. Ela desejou estender-se e deslizar sua mão ao longo de seu estômago plano; ao invés disso ela desviou seus olhos, rebuscando seu caderno de desenho. Quando ela se voltou, lápis na mão, os olhos
dele estavam fechados e sua respiração suave e nivelada. Ela estava agora no terceiro esboço esboços em sua ilustração, e nem de perto um desenho que a satisfizesse. Olhando para ele agora, ela se perguntou, por que por Deus, ela não podia desenhá-lo. A luz era perfeita, a suave luz bronze de outubro que repousava um brilho dourado pálido sobre seu cabelo e pele já dourados. Seus cílios fechados eram decorados com uma dourada sombra mais escura de que seu cabelo. Uma de suas mãos estava cobrindo frouxamente seu peito, a outra aberta a seu lado. Seu rosto estava relaxado e vulnerável, era difícil capturar os traços dele quando era ele. Parecia... estranho. Naquele preciso momento ele se mexeu. Ele tinha começado a fazer pequenos sons arfantes em seu sono, seus olhos jogando-se para trás e para frente, atrás de suas pálpebras. Sua mão sacudiu, apertando contra o seu peito, e ele se sentou, tão subitamente que ele quase bateu em Clary. Seus olhos se arregalaram. Por um momento ele pareceu pasmo; ele tinha ficado assustadoramente pálido. “Jace?” Clary não pôde esconder sua surpresa. Os olhos dele se focaram nela; um momento depois ele a tinha puxado em direção a ele com nenhuma de sua habitual gentileza; ele a puxou para seu colo e a beijou impetuosamente, suas mãos sinuosas em seu cabelo. Ela podia sentir o martelar do coração dele com o dela, e ela sentiu suas bochechas corarem. Eles estavam em um parque público, ela pensou, e pessoas provavelmente estavam olhando. “Whoa”, ele disse, se afastando, seus lábios curvados em um sorriso. “Desculpe-me. Provavelmente você não estava esperando por isso.” “Foi uma bela surpresa.” Sua voz soava baixa e rouca aos seus próprios ouvidos. “Sobre o que você estava sonhando?” “Você.” Ele torceu um cacho de seus cabelos ao redor de seu dedo. “Eu sempre sonho com você.” Ainda em seu colo, suas pernas apoiando nas dele. Clary disse, “Ah, é? Por que eu achei que você estava tendo um pesadelo.“ Ele inclinou sua cabeça para trás para olhar para ela. “Às vezes eu sonho que você se foi”, ele disse. “Fico imaginando quando você perceberá o quanto melhor você poderia fazer e me deixar.”
Ela tocou seu rosto com as pontas dos dedos, delicadamente os correndo sobre a superfície de suas maças do rosto, abaixo para a curva de sua boca. Jace nunca disse coisas como aquela a ninguém mais, a não ser ela. Alec e Isabelle sabiam, de viver com ele e amá-lo, que por baixo daquela armadura protetora de humor e pretensa arrogância, os fragmentos afiados de memória e infância ainda o rasgavam. Mas ela era a única a quem ele dizia as palavras alto. Ela sacudiu sua cabeça, seu cabelo caiu à frente de sua testa, e ela o puxou impaciente. “Eu gostaria de poder dizer coisas do modo que você o faz”, ela disse. “Tudo o que você diz, as palavras que você escolhe, elas são tão perfeitas. Você sempre acha a citação certa, ou a coisa certa a se dizer para me fazer acreditar que você me ama. Se eu não posso convencer você que eu nunca vou te deixar—“ Ele segurou a mão dela na dele. “Apenas diga isso de novo.” “Eu nunca vou deixar você.” Ela disse. “Não importa o que acontecer, o que eu faça?” “Eu nunca desistirei de você”, ela disse. ”Nunca. O que eu sinto por você— “ ela tropeçou nas palavras. “É a coisa mais importante que eu já senti.” Droga. ela pensou. Aquilo soava completamente estúpido. Mas Jace não pareceu pensar assim; então ele sorriu melancólico e disse. “L’amor Che move Il
sole e l’altre stelle.” “Isso é Latin?” “Italiano”, ele disse. “Dante.” Ela correu a ponta de seus dedos sobre os lábios dele, e ele estremeceu. ”Eu não falo italiano”, ela disse, muito suavemente. “Significa”, ele disse, ”que o amor é a mais poderosa força no mundo. Que o amor pode fazer qualquer coisa.” Ela puxou sua mão da dele, alerta de que enquanto ela fazia isso ele a estava observando através de seus olhos semicerrados. Ela fechou suas mãos ao redor da parte de trás do pescoço dele, se inclinou para frente, e tocou os lábios dele com os dela — não um beijo, desta vez, só um roçar de lábios contra o outro. Foi o suficiente, ela sentiu o pulso dele acelerar, e ele se inclinou a frente, tentando capturar sua boca com a dele, mas ela balançou sua cabeça, sacudindo seu cabelo ao redor deles como uma cortina que os esconderia dos olhos de todos os outros no parque. “Se você está cansado, nós poderíamos voltar para o
Instituto”, ela disse em um meio sussurro, ”tirar um cochilo. Nós não dormimos juntos na mesma cama desde — desde Idris.” Seus olhares se prenderam, e ela sabia que ele estava se lembrando da mesma coisa que ela estava. A luz pálida filtrando através da janela do pequeno quarto de hóspedes de Amatis, o desespero na voz dele. Eu só quero deitar com você e acordar com você, só uma vez, só mesmo uma em minha vida. Toda aquela noite, deitados lado a lado, apenas suas mãos se tocando. Eles tinham se tocado muito mais desde aquela noite, mas nunca tinham passado a noite juntos. Ele sabia também que ela estava oferecendo a ele mais do que um cochilo em um dos quartos não utilizados no Instituto. Ela tinha certeza que ele podia ver isso em seus olhos — mesmo se ela por si própria não soubesse exatamente o quanto estava oferecendo. Mas não importava. Jace nunca pediria a ela nada que ela não quisesse dar. “Eu quero.” O calor que ela viu nos olhos dele, a desigualdade em sua voz, disse a ela que ele não estava mentindo. “Mas — nós não podemos.” Ele olhou firme para os pulsos dela, e os trouxe abaixo, segurando suas mãos entre eles, fazendo uma barreira. Os olhos de Clary se arregalaram. “Por que não?” Ele tomou fôlego. ”Nós viemos aqui para treinar, e nós devemos treinar. Se nós vamos gastar namorando, todo o tempo em que nós deveríamos estar supostamente treinando, eles vão parar de permitir que eu a treine.” “De qualquer modo, eles não vão estar contratando outra pessoa para me treinar o tempo inteiro?” “Sim”, ele disse, levantando-se e a puxando com ele. ”E eu estou preocupado em você pegar o hábito de namorar seus instrutores, você terá problemas namorando ele também.” “Não seja machista. Eles podem achar para mim uma instrutora.” “Nesse caso você tem minha permissão de namorá-la, desde que eu possa olhar.” “Legal”, Clary sorriu, se curvando para dobrar o cobertor que eles tinham trazido para se sentar. “Você só está preocupado deles contratarem um instrutor e ele ser mais gostoso do que você.” As sobrancelhas de Jace subiram. “Mais gostoso do que eu?”
“Poderia acontecer”, Clary disse. ”Sabe, teoricamente?” “Teoricamente o planeta poderia de repente rachar no meio, me deixando de um lado e você do outro lado, para sempre e tragicamente separados, mas eu não estou preocupado sobre isso também. Algumas coisas”, Jace disse, com seu habitual sorriso torto, “são simplesmente muito improváveis para se preocupar.” Ele estendeu sua mão; ela a tomou, e juntos cruzaram o campo, indo para um bosque de árvores na margem do campo leste que só os Caçadores de Sombras pareciam conhecer. Clary suspeitava que ele estivesse enfeitiçado, desde que ela e Jace treinavam lá, com frequência, e ninguém nunca os tinha interrompido, exceto Isabelle ou Maryse. O Central Park no outono era um turbilhão de cor. As árvores alinhadas no campo tinham posto suas brilhantes cores e circulado o verde em resplandecente dourado, vermelho, cobre, e laranja avermelhado. Era um belo dia para dar uma caminhada romântica através do parque e se beijar em uma das pontes de pedra. Mas isso não ia acontecer. Obviamente, até onde tocava a Jace, o parque era uma extensão externa da sala de treinamentos do Instituto, e eles estavam lá para treinar Clary em vários exercícios envolvendo reconhecimento de terreno, técnicas de fuga e evasão, e matar coisas com suas mãos desarmadas. Normalmente ela estaria animada em aprender como matar coisas só com suas mãos. Mas havia algo a incomodando sobre Jace. Ela não podia se livrar da sensação incomoda de que algo estava seriamente errado. Se pelo menos houvesse uma runa, ela pensou, que pudesse fazê-lo dizer o que ele estava realmente sentindo. Mas ela nunca criaria uma runa como aquela, ela se lembrou apressadamente. Seria antiético usar seu poder para poder controlar alguém. E além do mais, desde que ela criou a runa de ligação em Idris, seu poder tinha permanecido, aparentemente, dormente. Ela não sentia urgência em desenhar antigas runas, não tinha tido nenhuma visão de novas runas para criar. Marise tinha dito a ela que eles tentariam trazer um especialista em runas para ensiná-la, uma vez que o treinamento realmente estava em andamento, mas até agora isso não tinha acontecido. Não que ela se importasse, de verdade. Ela tinha que admitir que não tinha certeza se lamentaria se o seu poder tivesse desaparecido para sempre. “Haverá momentos que você encontra um demônio e não tem uma arma
de combate.” Jace estava dizendo, enquanto eles passavam por uma fileira de árvores carregadas de folhas, cujas cores iam da gama do verde ao dourado brilhante. “Nesse momento, não entre em pânico. Primeiro, você tem que se lembrar de que qualquer coisa pode ser uma arma. Um galho de árvore, um punhado de moedas — elas dão ótimas soqueiras — um sapato, qualquer coisa. E segundo, mantenha em mente que você é uma arma. Na teoria, quando você terminar com o treinamento, você deverá ser capaz de fazer um buraco na parede com um chute ou nocautear um alce com um único soco.” “Eu nunca bateria em um alce”, Clary disse. “Eles estão em extinção.” Jace sorriu levemente, e se virou para encará-la. Eles tinham alcançado o bosque, uma pequena e clara área no centro de um perfilar de árvores. Havia runas nos troncos das árvores que os cercavam, fazendo dele como um lugar dos Caçadores de Sombras. “Há um antigo estilo de luta chamado Muay Thai”, ele disse. ”Você já ouviu sobre isso?” Ela sacudiu sua cabeça. O sol estava brilhante e firme, e ela estava quase quente demais em sua calça de moletom e blusa de aquecimento. Jace tirou sua jaqueta e se voltou para ela, flexionando sua mão de pianista. Seus olhos estavam intensamente dourados na luz de outono. Marcas para velocidade, agilidade, e força como um padrão de trepadeiras de seus pulsos e na elevação de cada bíceps, desaparecendo debaixo das mangas de sua camiseta. Ela se perguntava por que ele tinha se incomodado em marcar-se como se ela fosse um adversário a ser considerado. “Eu escutei um rumor que o novo instrutor que vamos ter na próxima semana é um mestre em Muay Thai”, ele disse. “E sambo, lethwei, tomoi, krav maga, jiu jitsu12, e em outro que francamente eu não me lembro do nome, mas que envolve matar pessoas com pequenas varetas ou algo assim. Meu ponto é, ele ou ela não está acostumado a trabalhar com alguém de sua idade, que é tão inexperiente quanto você é, então se nós te ensinarmos um pouco do básico, eu espero que isso faça eles se sentirem um pouco mais generosos em relação a você.” Ele colocou suas mãos nos quadris dela. “Agora se vire e me enfrente.” Clary fez como o instruído. Encarar um ao outro desse jeito, sua cabeça 12
São todos estilos de luta.
batia na ponta do queixo dele. Ela descansou suas mãos levemente em seus bíceps. “Muay Thai é chamado de a ‘arte dos oito membros.’ Isso é por que você utiliza não só seus punhos e pés como pontos de ataque, mas também seus joelhos e cotovelos. Primeiro, você tem que atrair seu oponente, então esmurrálo com cada um de seus pontos de ataque até que ele ou ela caia.” “E isso funciona com demônios?” Clary levantou suas sobrancelhas. “Os menores.” Jace se moveu para mais perto dela. ”Ok. Estenda sua mão ao redor e agarre as costas do meu pescoço.” Apenas era possível fazer como ele instruiu sem ficar nas pontas de seus pés. Não pela primeira vez, Clary amaldiçoou o fato que ela fosse tão baixa. “Agora você levanta sua outra mão e faz a mesma coisa de novo, então suas mãos circulam ao redor da parte de trás do meu pescoço.” Ela o fez. A parte de trás de seu pescoço estava quente pelo sol, e seu cabelo suave fazia cócegas em seus dedos. Seus corpos estavam pressionados um contra o outro, ela podia sentir o anel que usava em uma corrente ao redor de seu pescoço, pressionada entre eles, como uma pedra pressionada entre duas palmas. “Numa luta real você faria este movimento mais rápido”, ele disse. A menos que ela estivesse imaginando, a voz dele estava um pouco desigual. “Agora a contenção sobre mim dá a você vantagem. Você vai utilizar esta vantagem para se puxar a frente e adicionar o impulso para seu joelho chutar acima—“ “Pelos céus13,” disse uma voz fria, entretida. “Apenas seis semanas, e já estão na garganta um do outro? Quão depressa o amor mortal enfraquece.” Soltando-se de seu abraço em Jace, Clary girou, embora ela já soubesse quem era. A Rainha da corte de Seelie em pé nas sombras entre duas árvores. Se Clary não soubesse que ela estava lá, ela se perguntava se teria a visto, mesmo com a visão. A Rainha vestia um vestido tão verde quanto à grama, e seu cabelo, caindo em torno de seus ombros, era da cor de uma folha terracota. Ela era tão bonita e espantosa quanto um fim de estação. Clary nunca confiou nela. “O que você está fazendo aqui?“ Foi Jace, seus olhos estreitos. ”Este é um lugar de Caçadores de Sombras.” 13
My, my – tradução livre.
“E eu tenho notícias do interesse dos Caçadores de Sombras.” Enquanto a Rainha vinha graciosamente à frente, o sol perfurava através das árvores e cintilava o círculo de bagos dourados que ela usava ao redor de sua cabeça. Clary algumas vezes se perguntava se a Rainha planejava essas entradas dramáticas, e se sim, como. “Houve outra morte.” “Que tipo de morte?” “Outro de vocês. Nephilim morto.” Havia um certo deleite no modo em que a Rainha disse isso. “O corpo foi descoberto neste amanhecer, embaixo da Oak Bridge. Como você sabe, o parque é meu domínio. Um humano morto não tem haver comigo, mas o morto não parecia ser um de origem mundana. O corpo foi trazido à corte para ser examinado por meus físicos. Eles pronunciaram que o mortal era um de vocês.” Clary olhou rapidamente para Jace, lembrando-se da notícia da morte do Caçador de Sombras, dois dias antes. Ela podia dizer que Jace estava pensando a mesma coisa; ele tinha empalidecido. “Onde está o corpo?” “Você está preocupado sobre minha hospitalidade? Ele aguarda em minha corte, e eu lhe asseguro que nós proporcionamos ao corpo dele todo o respeito que nós daríamos a um Caçador de Sombras vivo. Agora que um dos meus tem um lugar no Conselho ao seu lado e dos seus, você não pode duvidar de nossa boa fé.” “Como sempre, boa fé e a minha senhora andam de mãos dadas.” O sarcasmo na voz de Jace era claro, mas a Rainha apenas sorriu. Ela gostava de Jace, Clary sempre achou, do modo em que as fadas gostavam de coisas belas por que elas eram bonitas. Ela não achava que a Rainha gostava dela, e o sentimento era mútuo. “E por que você nos dá esta mensagem, ao invés de a Maryse? A etiqueta mandaria—“ “Ah, a etiqueta.” A Rainha afastou a convenção com um acenar de sua mão. “Você estava aqui. Pareceu oportuno.” Jace deu a ela outro olhar estreito e abriu seu telefone. Ele gesticulou para Clary ficar onde ela estava, e se afastou. Ela podia ouvi-lo dizendo, “Marise?” enquanto o telefone respondia, e então sua voz foi engolida pelos gritos nos campos de jogos próximos. Com uma sensação de frio terror, ela olhou para a Rainha. Ela não tinha
visto a senhora da corte de Seelie desde sua última noite em Idris, e lá, Clary não tinha sido exatamente educada com ela. Ela duvidava que a Rainha tivesse esquecido ou perdoado ela por aquilo. Você realmente recusaria um favor da Rainha da Corte de Seelie? “Eu ouvi dizer que Meliorn conseguiu um assento no Conselho”, Clary agora disse. “Você deve estar satisfeita sobre isso.” “De fato.” A Rainha olhou para ela com diversão. “Eu estou suficientemente encantada.” “Então”, Clary disse. ”Sem ressentimentos, certo?” O sorriso da Rainha se tornou gelado ao redor no canto dos lábios, como gelo na superfície de um lago. “Eu suponho que você se refere a minha oferta, que você tão rudemente declinou”, ela disse. “Como você sabe, meu objetivo foi apesar de tudo, realizado; a perda lá, eu imagino que a maioria concorda, foi sua.” “Eu não queria seu trato.” Clary tentou manter afastada a aspereza de sua voz, e falhou. ”Sabe, as pessoas não fazem o que você quer o tempo todo.” “Não suponha em me dar um sermão, criança.” Os olhos da Rainha seguiram Jace, que estava andando nas margens das árvores, o telefone na mão. “Ele é bonito”, ela disse. “Eu posso ver por que você o ama. Mas você alguma vez já se perguntou o que atrai ele para você?” Clary não disse nada para aquilo; não parecia haver nada a dizer. “O sangue do Céu une vocês”, A Rainha disse. “Sangue atrai sangue, sob a pele. Mas amor e sangue não são os mesmos.” “Enigmas”, Clary disse com raiva. “Você quer dizer algo, quando você fala desse jeito?” “Ele está ligado a você”, a Rainha disse. “Mas ele te ama?” Clary sentiu suas mãos se contraírem. Ela ansiou testar na Rainha algum dos novos movimentos de luta que ela tinha aprendido, mas ela sabia o quão imprudente isso seria. “Sim, ele ama.” “E ele te quer? Pois amor e desejo não são sempre um.” “Isso não é da sua conta”, Clary disse em poucas palavras, mas ela viu que os olhos da Rainha sobre ela eram tão afiados quanto alfinetes. “Você o quer como você nunca quis outra coisa. Mas ele sente o mesmo?”
A voz suave da Rainha era implacável. “Ele poderia ter qualquer coisa ou qualquer um que ele deseje. Você se pergunta por que ele lhe escolheu? Você se pergunta se ele se arrepende disso? Se ele mudou em relação a você?” Clary sentiu as lágrimas picarem atrás de seus olhos. “Não, ele não.” Embora ela pensasse em seu rosto no elevador naquela noite, e o modo que ele tinha dito a ela para ir para casa, quando ela tinha se oferecido para ficar. “Você me disse que não desejava fazer um acordo comigo, pois não havia nada que eu pudesse dar a você. Você disse que não havia nada no mundo que você quisesse.” Os olhos da Rainha cintilaram. “Quando você imagina sua vida sem ele, você ainda sente o mesmo?” Por que você está fazendo isso comigo? Clary queria gritar, mas ela não disse nada, então a Rainha Fada olhou atrás dela, e sorriu, dizendo. “Limpe suas lágrimas, pois ele retorna. Não fará bem nenhum para ele, ver você chorar.” Clary esfregou apressadamente seus olhos com as costas de sua mão, e se virou; Jace estava caminhando em direção a elas, fazendo uma careta. “Maryse está a caminho da Corte”, ele disse. “Onde a Rainha foi?” Clary olhou para ele, surpresa. “Ela está aqui”, ela começou, se virando — e se interrompeu. Jace estava certo. A rainha se fora, só um farfalhar de folhas aos pés de Clary mostrava onde ela tinha estado. ●●●● Simon, sua jaqueta acolchoando debaixo de sua cabeça, estava deitado de costas, olhando para o teto preenchido de buracos da garagem de Eric, com uma sensação de terrível fatalidade. Sua mochila estava aos seus pés, seu telefone pressionado contra sua orelha. Agora mesmo a familiaridade da voz de Clary na outra extremidade era a única coisa que o mantinha longe de desmoronar completamente. “Simon, eu lamento tanto.” Ele podia dizer que ela estava em algum lugar na cidade. O alto volume do tráfego soava atrás dela, abafando sua voz. “Você realmente está na garagem do Eric? Ele sabe que você está ai?” “Não”, Simon disse. “Ninguém está em casa neste momento, e eu tenho a chave da garagem. Parecia um lugar para se ir. A propósito, onde você está?”
“Na cidade”, Para os brooklynianos, Manhattan era sempre ‘a cidade’. Nenhuma outra metrópole existia. “Eu estava treinando com Jace, mas então ele teve que voltar para o Instituto para algum tipo de negócio da Clave. Eu voltei para o Luke agora.” Um carro buzinou alto ao fundo. “Olha, você quer ficar com a gente? Você poderia dormir no sofá do Luke.” Simon hesitou. Ele tinha boas memórias da casa do Luke. Em todos esses anos que ele conhecia Clary, Luke tinha vivido na mesma desgastada, mas agradável casa germinada sobre a livraria. Clary tinha uma chave, e ela e Simon tinham transcorrido bastantes horas agradáveis lá, lendo livros que eles ‘tomavam emprestado’ da loja lá embaixo, ou assistindo filmes antigos na TV. Embora, as coisas fossem diferentes agora. “Talvez minha mãe pudesse conversar com sua mãe”, Clary disse, soando preocupada com seu silêncio. “Fazê-la entender.” “Fazê-la entender que eu sou um vampiro? Clary, eu acho que ela entende isso, de um modo estranho. Isso não significa que ela vai aceitar ou ficar bem com isso.” “Bem, você só não pode continuar fazendo com que ela esqueça isso também, Simon”, Clary disse. “Não vai continuar funcionando para sempre.” “Por que não?” Ele sabia que não estava sendo razoável, mas deitado sobre o chão duro, cercado pelo cheiro de gasolina e sussurros das aranhas esticando suas teias nos cantos da garagem, sentindo-se mais solitário do que ele jamais tinha, razoável parecia bem distante. “Por que então todo seu relacionamento com ela é uma mentira. Você nunca vai poder voltar para casa—“ “Então o que?“ Simon interrompeu rispidamente. “Essa é a parte da maldição, não é? Um fugitivo e um errante tu deves ser.” Apesar dos ruídos de tráfego e o som de conversas ao fundo, ele podia ouvir o súbito arfar de Clary. “Você acha que eu deveria falar a ela sobre isso também?”, ele disse. “Como você pôs a marca de Caim em mim? Como eu sou, basicamente, uma maldição ambulante? Você acha que ela vai querer isso em sua casa?” O fundo ficou silencioso; Clary deve ter se enfiado em uma entrada. Ele podia ouvi-la lutando para afastar as lágrimas quando ela disse, ”Simon, eu
lamento tanto. Você sabe que eu lamento—“ “Não é sua culpa.” Ele se sentiu subitamente cansado. Isso mesmo, aterrorizar sua mãe e depois fazer sua melhor amiga chorar. Um belo dia para você, Simon. “Olha, obviamente eu não deveria estar perto de pessoas agora. Eu apenas vou ficar por aqui, e irei dar de cara com o Eric quando ele chegar em casa.” Ela fez som de uma risada sufocada através das lágrimas. “O que, Eric não conta como pessoas?” “Eu volto a falar sobre isso com você mais tarde.” Ele disse, e hesitou. ”Eu ligo amanhã, tudo bem?” “Você me verá amanhã. Você prometeu vir para a prova de roupa comigo, lembra-se?” “Wow,” ele disse. “Eu realmente devo te amar.” “Eu sei”, ela disse. “Eu também te amo.” Simon desligou o telefone e deitou-se, abraçando-o contra seu peito. Era engraçado, ele pensou. Agora ele podia dizer “eu te amo” para Clary, quando por anos ele tinha lutado para dizer aquelas palavras e não ter sido capaz tirá-las de sua boca. Agora, que elas não significavam mais do mesmo jeito, era fácil. Algumas vezes ele se perguntava o que teria acontecido se nunca tivesse havido um Jace Wayland. Se Clary nunca tivesse descoberto que ela era uma Caçadora de Sombras. Mas ele afastou esse pensamento — inútil, não vá por ai. Você não pode mudar o passado. Você só poderia ir à frente. Não que ele tivesse alguma ideia do que o a frente implicava. Ele não podia ficar na garagem de Eric para sempre. Mesmo no seu atual humor, ele tinha que admitir que era um lugar triste para se ficar. Ele não estava com frio — ele não mais sentia frio ou calor em nenhum modo real — mas o chão era duro, e ele estava tendo dificuldade em dormir. Ele desejou que pudesse entorpecer seus sentidos. O barulho alto de tráfego lá fora não estava o deixando descansar, como estava o desagradável fedor de gasolina. Mas era a inquietante preocupação do que fazer em seguida que era o pior. Ele tinha jogado fora a maior parte de seu suprimento de sangue, e escondido o resto em sua mochila; ele tinha o suficiente para alguns dias, e então, ele estaria com problemas. Eric, onde quer que esteja, certamente deixaria
Simon ficar em casa se precisasse, mas isso poderia resultar em os pais de Eric ligando para a mãe de Simon. E desde que ela pensava que ele estava em uma excursão escolar, isso não faria bem algum. Dias, ele pensou. Essa era a quantidade de tempo que ele tinha. Antes de ele ir atrás de sangue, antes que sua mãe começasse a se perguntar onde ele estava e ligar para a escola, procurando por ele. Antes que ela começasse a se lembrar. Ele era um vampiro agora. Era para ele ter a eternidade. Mas o que ele tinha eram dias. Ele tinha sido tão cuidadoso. Tentou tanto para o que ele achava que era uma vida normal — escola, amigos, sua própria casa, seu próprio quarto. Tinha sido esforçado, mas isso era o que a vida era. Outras opções pareciam tão sombrias e solitárias que não valiam pensar sobre elas. E a voz de Camille ainda soava em sua cabeça. Mas e quanto à daqui a dez anos, quando você irá ter vinte
e seis? Em vinte anos? Trinta? Você acha que ninguém vai notar que enquanto eles envelhecem e mudam, você não?” A situação que ele tinha criado para si mesmo, que tinha entalhado tão cuidadosamente no formato de sua antiga vida, nunca tinha sido permanente, ele pensava agora, com um afundar em seu peito, ela nunca poderia ter sido. Ele tinha estado apegado a sombras e memórias. Ele pensou de novo em Camille, em sua oferta. Soava melhor agora do que tinha antes. Uma oferta de uma comunidade, mesmo se não fosse a comunidade que ele queria. Ele tinha apenas cerca de três dias ou mais antes que ela viesse à procura de sua resposta. E o que ele diria quando ela o fizesse? Ele achava que sabia, mas agora ele não tinha tanta certeza. Um ruído rangente interrompeu seu devaneio. A porta da garagem estava engrenando, a luz brilhante avançando no interior escuro do espaço. Simon sentou-se, seu corpo inteiro, de repente, alerta. “Eric?” “Nah. Sou eu, Kyle.” “Kyle?” Simon disse inexpressivamente, antes que ele se lembrasse — o cara que eles tinham concordado em tomar como cantor principal. Simon quase voltou para o chão de novo. “Ah, Certo. Nenhum dos outros caras estão aqui agora, então se você estava esperando ensaiar...”
“Tudo bem. Não é o porquê eu vim.” Kyle entrou na garagem, piscando na escuridão, suas mãos nos bolsos de trás de seus jeans. “Você é, qual é o seu nome, o baixista, certo?” Simon ficou de pé, limpando a poeira do chão da garagem de suas roupas. “Eu sou o Simon.” Kyle olhou em torno, um perplexo sulco em suas sobrancelhas. “Eu acho que deixei minhas chaves aqui, ontem. Procurei por elas por toda parte. Hei, lá estão elas.” Ele mergulhou atrás da bateria e emergiu um segundo depois, chacoalhando o grupo de chaves triunfantemente em sua mão. Ele parecia o mesmo como tinha um dia antes. Ele vestia uma camiseta azul hoje, por baixo da jaqueta de couro, e uma medalha dourada de um santo brilhava em torno do seu pescoço. Seu cabelo escuro estava mais bagunçado do que nunca. “Então”, Kyle disse, inclinando-se contra um dos microfones. “Você estava, tipo, dormindo aqui? No chão?” Simon concordou. “Expulso de minha casa.” Não era precisamente a verdade, mas era tudo que sentia que ia dizer. Kyle concordou com simpatia. “A mãe descobriu seu baseado escondido, huh? Que droga.” “Não, não... baseado escondido.” Simon deu de ombros. “Nós tivemos uma diferença de opinião sobre meu estilo de vida.” “Então ela descobriu sobre suas duas namoradas?” Kyle sorriu. Ele era bonito, Simon teve que admitir, mas ao contrário de Jace, que parecia saber exatamente o quanto bonito ele era, Kyle parecia como alguém que provavelmente não tinha escovado seu cabelo por semanas. Embora houvesse uma aberta docilidade amigável nele que era apelativa. “Sim, Kirk me disse sobre isso. Bom para você, cara.” Simon sacudiu sua cabeça. “Não foi isso.” Houve um curto silêncio entre eles, e então: “Eu... não moro em casa, também”, Kyle disse. “Eu parti há alguns anos atrás.” Ele envolveu seus braços ao redor de si mesmo, baixando sua cabeça. Sua voz estava baixa. “Eu não tenho falado com meus pais desde então. Quero dizer, eu estou fazendo tudo certo por minha conta, mas... eu entendo.” “Suas tatuagens”, Simon disse, tocando seus próprios braços levemente. “O
que elas significam?” Kyle esticou seus braços. “Shaantih shaantih shaantih”, ele disse. “Elas são mantras vinda dos Upanishads14. Sâncrito. Orações para paz.” Normalmente Simon teria pensado que se tatuar em sânscrito era um tipo de pretensão. Mas agora mesmo, ele não o fez. “Shalom”, ele disse. Kyle piscou para ele. “O que?” “Significa paz”, Simon disse. “Em hebreu. Eu estava apenas pensando que as palavras soavam semelhantes.” Kyle deu a ele um longo olhar. Ele pareceu estar deliberando. Finalmente ele disse. “Isso vai parecer meio maluco—“ “Ah, eu não sei. Minha definição de maluco tem se tornado bastante flexível nos últimos meses.” “—mas eu tenho um apartamento. Na Alphabet City. E meu colega de quarto acabou de se mudar. É um dois quartos, então você poderia ficar no espaço dele. Há uma cama lá e tudo.” Simon hesitou. Por um lado ele não conhecia Kyle de modo algum, e se mudar para um apartamento de um completo estranho parecia ser uma jogada estúpida de proporções épicas. Kyle poderia vir a ser um serial killer, apesar de suas tatuagens de paz. Por outro lado ele não conhecia Kyle de modo algum, o que significava que ninguém iria procurar por ele lá. E o que importava se Kyle fosse um serial killer? Ele pensou amargamente. Tornaria pior para Kyle do que seria para ele, como tinha sido para aquele ladrão, noite passada. “Sabe”, ele disse. ”Eu acho que aceitarei isso, se estiver tudo bem.” Kyle acenou. “Minha caminhonete está lá fora se você quiser uma carona para a cidade comigo.” Simon se curvou para pegar sua mochila e se endireitou com ela arremessada sobre seu ombro. Ele deslizou o telefone em seu bolso e estendeu suas mãos largamente, indicando sua prontidão. “Vamos lá.”
14
Hindus. Ensinamentos para se chegar aos céus.
Capítulo
5
INFERNO CHAMA INFERNO
O APARTAMENTO DE KYLE ACABOU POR SER UMA AGRADÁVEL surpresa. Simon esperava uma imunda quitinete da Avenue D, com baratas rastejando nas paredes e uma cama Box feita de colchão de espuma com plataforma de engradados de leite. Na realidade, era um limpo dois-quartos com uma sala pequena, uma tonelada de estantes, e muitas fotos nas paredes de locais famosos de surfe. Na verdade, Kyle parecia estar plantando maconha na escada de incêndio, mas você não poderia ter tudo. O quarto de Simon era basicamente uma caixa vazia. Quem quer que tenha morado ali antes não tinha deixado nada para trás, além de um colchão Futon. Ele tinha as paredes desguarnecidas, e os assoalhos gastos, e uma única janela em que Simon poderia enxergar um sinal de néon do restaurante chinês do outro lado da rua. ''Você gostou?'' Kyle perguntou, pairando na entrada da porta, com os seus olhos cor de avelã, grandes e amigáveis. ''É ótimo!'' Simon respondeu honestamente. ''É exatamente o que eu precisava.'' A coisa mais cara do apartamento era a TV de tela plana na sala de estar. Então eles se jogaram no sofá de Futon e assistiram a Tv ruim enquanto a luz do sol ia embora. Kyle era legal, Simon decidiu. Ele não se intrometia, não bisbilhotava e não fazia perguntas. E ele parecia não querer nada em troca pelo quarto, exceto por Simon ter que contribuir com sua parte com o dinheiro para
os mantimentos. Ele apenas era um cara amigável. Simon se perguntou se ele tinha esquecido como seres humanos comuns eram. Depois de Kyle ter saído para trabalhar no turno da noite, Simon entrou em seu quarto e desabou no colchão e ficou ouvindo o tráfego na Avenue B. Ele tinha sido assombrado pela lembrança do rosto de sua mãe desde que ele partiu: o modo que ela olhou para ele com ódio e medo, como se ele fosse um intruso em sua casa. Mesmo que ele não precisasse respirar, a lembrança do que tinha acontecido ainda comprimia seu peito. Mas agora... Quando Simon era criança, sempre gostou de viajar, porque estar em um novo lugar significava estar distante de todos os seus problemas. Mesmo aqui, apenas um rio de distância do Brooklyn, as memórias o consumiam como ácido — a morte do atacante, a reação de sua mãe ao saber a verdade do que ele era — pareciam confusas e distantes. Talvez esse seja o segredo, ele pensou. Continue vagando. Como um
tubarão. Vá para onde ninguém possa te encontrar. Um fugitivo, um errante na terra. Mas isso só funcionaria se não houvesse ninguém ali que você se importasse em deixar para trás. Ele dormiu esporadicamente durante toda a noite. Seu impulso natural era de dormir durante o dia, apesar de seus poderes Daylighter, e ele lutou contra a inquietação e sonhos, antes de acordar tarde com o sol invadindo o quarto através da janela. Depois de jogar suas roupas limpas na mochila, ele deixou o quarto para encontrar Kyle na cozinha, fritando ovos e bacon numa panela de Teflon. "Ei, colega de quarto", Kyle cumprimentou alegremente. "Quer café da manhã?'' A vista do café da manhã fez Simon sentir um vazio enjoado em seu estômago. ''Não obrigado. Eu vou pegar um café.'' Ele ajeitou-se ligeiramente em uma dos bancos de bar um pouco torto. Kyle empurrou uma caneca lascada pelo balcão para ele. ''Café da manhã é a refeição mais importante do dia, bro. Mesmo sendo meio-dia.'' Simon colocou as mãos em volta da caneca, sentindo o calor infiltrar por sua pele fria. Ele procurou um assunto para conversar — um que não fosse o
quanto pouco ele comia. ''Então, eu não perguntei para você ontem — o que você faz parar viver?'' Kyle pegou um pedaço de bacon de dentro da panela e o mordeu. Simon notou que a medalha de ouro em seu pescoço tinha um padrão de folhas sobre ele, e as palavras 'Beati Bell icosi’. 'Beati', Simon sabia que era uma que tinha algo a ver com santos; Kyle devia ser católico. ''Mensageiro de bicicleta.'' Ele disse mastigando. ''É fantástico. Eu chego a pedalar por toda cidade, vendo tudo, conversando com todos. Melhor do que ensino médio.'' ''Você caiu fora?'' ''Obtive meu ensino médio pelo GED15. Eu prefiro a escola da vida.'' Simon teria pensado que Kyle soou ridículo se não fosse o fato de que ele disse todo o resto — com total sinceridade. ''E você? Algum plano?”
Ah, você sabe. Vagar pela terra, causando morte e destruição para pessoas inocentes. Talvez beber algum sangue. Viver eternamente, mas nunca ter qualquer diversão. O de costume. ''Estou meio que indeciso no momento'' "Você quer dizer que não quer ser um músico?" Kyle perguntou. Para alívio de Simon seu telefone tocou antes que pudesse responder isso. Ele o pegou do bolso e olhou para tela. Era Maia. ''Oi,'', ele a cumprimentou. ''Tudo bem?” ''Você vai naquela prova de vestido com a Clary nesta tarde?'', ela perguntou, sua voz crepitante pela linha. Ela provavelmente estava ligando do quartel-general do bando em Chinatown, onde a recepção não era boa. ''Ela me disse que estava fazendo você ir para lhe fazer companhia.'' ''O quê? Ah, certo. Sim. Eu estarei lá." Clary exigiu que Simon a acompanhasse na prova do seu vestido de dama de honra, então depois podiam ir a loja de revistas em quadrinhos e ela poderia sentir-se, em suas próprias palavras "menos uma menininha de babados." "Bem, eu vou junto então. Eu tenho que dar uma mensagem do bando para Luke e, além disso, eu sinto que não te vejo há muito tempo." ''Eu sei. Eu realmente sinto muito—" "Está tudo bem", ela disse gentilmente. "Mas você vai ter que me deixar saber o que você vai vestir para o casamento finalmente, porque caso contrário 15
GED – General Educational Development – Desenvolvimento Educacional Geral – são testes realizados para a conclusão do ensino médio
não iremos combinar." Ela desligou, deixando Simon olhando para o telefone. Clary tinha razão. O casamento era o dia-D, e infelizmente, ele estava despreparado para a batalha. "Uma de suas namoradas?" Kyle perguntou curiosamente. "Aquela garota ruiva da garagem era uma delas? Porque ela era bonita." "Não. Aquela era Clary; ela é minha melhor amiga." Simon colocou seu telefone no bolso. "E ela tem um namorado. Como, realmente, realmente, realmente tem um namorado. Um namorado que é uma verdadeira bomba nuclear. Confie em mim nisso.'' Kyle sorriu. "Eu apenas estava perguntando." Ele jogou a panela do bacon, agora vazia, na pia. "Então, suas duas garotas. Como elas são?" "Elas são muito, muito... diferentes.'' De algumas maneiras, Simon pensou, eram opostas. Maia era calma e estável; Isabelle vivia em um alto grau de excitação. Maia era uma luz constante na escuridão; Isabelle era uma estrela em chamas, girando no vazio. ''Quero dizer, ambas são ótimas. Lindas e inteligentes—'' ''E elas não sabem uma da outra?'' Kyle inclinou sobre o balcão. ''Tipo, apesar de tudo?'' Simon se encontrou explicando — como quando ele voltou de Idris (Embora ele não mencionasse o lugar pelo nome), as duas começaram a ligar para ele, esperando sair. E porque ele gostava das duas, ele foi. E de alguma forma as coisas começaram a virar casualmente românticas com cada uma delas, mas nunca apareceu uma oportunidade de explicar para qualquer uma delas que estava vendo outra pessoa, também. E de alguma maneira virou uma bola de neve, e aqui estava ele, sem querer ferir qualquer uma delas, e não sabendo como prosseguir, também. "Bem, se você me perguntar", Kyle disse, virando-se para despejar o café fora na pia, “você deve escolher uma delas e desistir de zoar por ai. Só estou dizendo." Já que suas costas estavam para Simon, Simon não podia ver seu rosto, e por um momento ele se perguntou se Kyle realmente estava zangado. Sua voz soou estranhamente dura. Mas quando Kyle virou, sua expressão era tão aberta e simpática como sempre. Simon decidiu que ele deve ter imaginado.
''Eu sei", disse ele. "Você está certo." Ele olhou de volta para o quarto. "Olha, você tem certeza que está tudo bem, eu ficar aqui? Posso limpar sempre que..." "Está tudo bem. Você pode ficar o tempo que precisar.'' Kyle abriu uma gaveta da cozinha e vasculhou ao redor até que encontrou o que estava procurando — um conjunto de chaves reservas em uma liga de elástico de borracha. "Há um conjunto para você. Você é totalmente bem-vindo aqui, ok? Eu tenho que ir trabalhar, mas você pode passar o tempo se quiser. Brincar de Halo16, ou qualquer coisa. Você vai estar aqui quando eu retornar?" Simon encolheu os ombros. ''Provavelmente não. Eu tenho que ir a uma prova de vestido às três.'' "Legal", disse Kyle, jogando uma mochila no ombro e indo em direção à porta. ''Consiga que façam algo em vermelho. É totalmente sua cor.'' ●●●● "Então", Clary disse, saindo do provador. "O que você acha?" Ela fez um rodopio experimental. Simon, equilibrado em uma desconfortável cadeira branca da Loja Karyn’s Bridal, mudou de posição, se encolheu, e disse: ''Você está bonita.'' Ela parecia melhor do que bonita. Clary era a dama de honra da sua mãe, por isso ela se permitiu escolher qualquer vestido que ela quisesse. Ela escolheu um muito simples, de seda acobreada, com tiras estreitas que favorecia seu pequeno corpo. Sua única joia era apenas o anel Morgenstern, usado em uma corrente em seu pescoço; a corrente de prata muito simples expôs a forma de sua clavícula e a curva de sua garganta. Não a muitos meses atrás, ver Clary vestida para um casamento teria evocado uma mistura de sentimentos em Simon: O desespero assustador (ela nunca iria amá-lo) e de alta emoção (ou talvez ela iria, se ele pudesse chegar até ela com coragem para dizer-lhe como se sentia). Agora isso só o fazia se sentir um pouco melancólico. ''Legal?'', ecoou Clary. ''É isso? Talvez.'' Virou-se para Maia. ''O que você 16
Halo: Jogo de guerra.
acha?'' Maia havia dispensado as cadeiras desconfortáveis e estava sentada no chão, de costas contra uma parede, que era decorada com tiaras e véus longos transparentes. Ela tinha o vídeo game portátil de Simon equilibrado em um dos joelhos e parecia estar pelo menos em parte absorvida no jogo Grand Theft Auto17. "Não me pergunte", ela disse. "Eu odeio vestidos. Eu usaria jeans no casamento se eu pudesse." Isto era verdade. Simon raramente via Maia sem jeans e camisetas. Nesse hábito, ela era o oposto de Isabelle, que usava vestidos e saltos até mesmo nos momentos mais inapropriados. (Embora, desde que ele tinha visto uma vez ela despachar de um demônio Vermis com o salto agulha de uma bota, ele era menos propenso a se preocupar com isso.) O sino da porta da loja tocou e Jocelyn entrou, seguida por Luke. Ambos estavam segurando copos de café fumegante e Jocelyn estava olhando para Luke, suas bochechas coradas e os olhos brilhando. Simon lembrou-se do que Clary disse sobre eles estarem totalmente apaixonados. Ela não achava nojento, embora provavelmente fosse porque eles não eram seus pais. Os dois pareciam tão felizes, e ele pensou que isso era realmente muito bom. Jocelyn arregalou os olhos quando viu Clary. "Querida, você está linda!" "Sim, você tem que dizer isso. Você é minha mãe", Clary disse, mas mesmo assim ela sorriu. "Ei, aquilo é café preto por acaso?" ''Sim. Considere isso um presente 'desculpe-estamos-atrasados'", disse Luke, entregando-lhe o copo. "Conseguimos fazer algumas coisas. Algumas questões do bufê e outros." Ele acenou em direção ao Simon e Maia. "Ei, garotos.'' Maia inclinou a cabeça. Luke era o chefe do bando de lobos local, da qual Maia era membro. Embora ele quebrasse o hábito dela chamá-lo de "Mestre" ou "Senhor", ela permanecia respeitosa em sua presença. "Eu trouxe a você uma mensagem do bando,” disse ela, colocando abaixo o console de jogo. "Eles têm perguntas sobre a festa em Ironworks—" Conforme Maia e Luke caíram na conversa sobre a festa em que o bando estava dando em homenagem ao casamento de seu Alfa, a proprietária da loja de 17
GTA (Grand Theft Auto) – Em Portugal, o jogo ganhou o nome de O Grande Ladrão de Carros, coloquei esse nome aqui, mas não sei o usual no Brasil para ele.
noivas, uma mulher alta que tinha estado lendo revistas atrás do balcão enquanto os adolescentes tagarelavam, percebeu que as pessoas que iriam realmente pagar os vestidos tinham acabado de chegar, e correu para a frente para cumprimentálos. "Eu tenho o seu vestido de volta, e parece maravilhoso", ela elogiou, levando a mãe de Clary pelo braço em direção ao fundo da loja. "Venha e o prove." Como Luke começou a andar depois delas, ela apontou um dedo ameaçador para ele. "Você fica aqui." Luke, vendo sua noiva desaparecer através de um conjunto de brancas portas giratórias adornadas com sinos de casamento, olhou perplexo. "Mundanos acham que você não deveria ver a noiva em seu vestido de noiva antes da cerimônia", Clary o lembrou. "Traz má sorte. Ela provavelmente acha que também é estranho você ter vindo para a prova." "Mas Jocelyn queria a minha opinião—" Luke parou e balançou a cabeça. "Ah, bem. Costumes Mundanos são tão peculiares." Ele se jogou em uma cadeira, e estremeceu enquanto uma das rosetas esculpidas furou suas costas. "Ai." "E sobre casamentos de Caçadores de Sombras? Maia indagou, curiosa. "Eles têm seus próprios costumes?" "Eles têm sim", Luke disse devagar "Mas essa não vai ser uma cerimônia clássica de Caçadores de Sombras. Elas, especificamente, não correspondem em nenhuma situação da qual um dos participantes não seja um Caçador de Sombras." "Sério?" Maia parecia chocada. "Eu não sabia disso." "Parte de uma cerimônia de casamento de Caçadores de Sombras envolvem um traçado de runas permanente sobre os corpos dos participantes", disse Luke. Sua voz era calma, mas seus olhos pareciam tristes. "Runas de amor e compromisso. Mas, evidentemente, os que não são Caçadores de Sombras não podem suportar as runas do Anjo, de modo que Jocelyn e eu apenas estaremos trocando anéis." "Isso é uma droga", Maia pronunciou. Com isso, Luke sorriu. "Na verdade, não é. Casar com Jocelyn é tudo que eu sempre quis, e não estou preocupado com os pormenores. Além disso, as coisas estão mudando. Os novos membros do Conselho têm feito muito
progresso em direção para convencer a Clave de tolerar esse tipo de—'' "Clary!" Era Jocelyn, chamando da parte de trás da loja. "Você pode vir aqui um segundo?" ''Estou indo!'' Clary respondeu, tomando o restante do café no copo. "Uhoh. Parece como uma emergência de vestido.'' "Bem, boa sorte com isso." Maia ficou de pé, e deixou cair de volta o DS no colo de Simon antes de se inclinar para beijá-lo no rosto. "Eu tenho que ir. Vou me encontrar com alguns amigos no Hunter's Moon." Ela tinha um cheiro agradável de baunilha. Sob isso, como sempre, Simon podia sentir o cheiro do sal do sangue, misturado com um acentuado cheiro de limão, que era peculiar aos lobisomens. Todo sangue de Seres do Submundo cheirava diferente — fadas cheiravam a flores mortas, feiticeiros como fósforos queimados e outros vampiros como metal. Clary certa vez lhe perguntou o que Caçadores de Sombras cheiravam. "Luz do Sol", ele disse. "Até logo, baby." Maia se empertigou, bagunçou o cabelo de Simon uma só vez, e partiu. Quando a porta se fechou atrás dela, Clary fixou um olhar penetrante nele. ''Você deve arrumar sua vida amorosa até o próximo sábado'', disse ela. ''Quero dizer Simon. Se você não lhes disser, eu direi.'' Luke pareceu confuso. “Dizer a quem, o quê?” Clary sacudiu a cabeça para Simon. "Você está sobre gelo fino, Lewis." Com aquela declaração ela afastou os babados, levantando sua saia de seda enquanto ela se foi. Simon notou divertido que debaixo dela, ela usava tênis verdes. "É evidente", disse Luke, "está acontecendo algo que eu não sei." Simon olhou para ele. "Às vezes eu acho que é o lema da minha vida." Luke ergueu as sobrancelhas. "Aconteceu alguma coisa?" Simon hesitou. Ele certamente não poderia dizer Luke sobre sua vida amorosa — Luke e Maia eram do mesmo bando, e lobisomens são mais leais do que as gangues de rua. Colocaria Luke em uma posição muito embaraçosa. Era verdade, no entanto, que Luke também era um recurso. Como líder do bando de lobos de Manhattan, ele tinha acesso de todos os tipos de informações, e era bem
versado na política dos Habitantes do Submundo. "Você já ouviu falar de uma vampira chamada Camille?" Luke fez um som de assobio baixo. "Eu sei quem ela é. Estou surpreso que você saiba." "Bem, ela é a chefe do clã de vampiros de Nova York. Eu sei algo sobre eles", disse Simon, um pouco severo. "Eu não percebi que você sabia. Eu pensei que você queria viver como um ser humano tanto quanto você poderia." Não houve nenhum julgamento na voz de Luke, apenas curiosidade. "Agora, no momento em que eu tirei o bando do centro da cidade do antigo líder, ela colocou Rafael no comando. Eu não acho que alguém saiba aonde ela foi exatamente. Mas ela é uma espécie de lenda. Uma vampira extremamente antiga, de tudo o que sei. Famosa por ser cruel e astuta. Ela podia dar ao Povo das Fadas um golpe pelo seu dinheiro.” "Você já a viu?" Luke sacudiu a cabeça. "Não, não acho que já a tenha visto. Por que a curiosidade?" "Raphael a mencionou", disse Simon, vagamente. Luke franziu a testa. "Você viu Raphael ultimamente?" Antes de Simon poder responder, o sino da loja soou novamente e, para sua surpresa de Simon, Jace entrou. Clary não tinha mencionado que ele estava vindo. Na verdade, ele percebeu, Clary não tinha mencionado Jace muito ultimamente. Jace olhou de Luke para Simon. Ele olhou como se tivesse ficado um pouco surpreso por ver Simon e Luke ali, embora fosse difícil de dizer. Embora Simon imaginasse que Jace conseguisse fazer uma vastidão de leques de expressões faciais quando ele estava sozinho com Clary, seu padrão em torno de outras pessoas era de um tipo de monotonia feroz. "Ele parece", Simon tinha dito uma vez para Isabelle, "como se estivesse pensando sobre algo profundo e significativo, mas se você perguntar para ele o que é, ele te dá um murro na sua cara.” ''Então não pergunte a ele", disse Isabelle, como se ela pensasse que Simon estava sendo ridículo. "Ninguém disse que vocês dois precisam ser amigos."
"Clary está aqui?" Jace perguntou, fechando a porta atrás dele. Ele parecia cansado. Havia olheiras sob seus olhos, e ele não parecia ter se incomodado em colocar uma jaqueta, apesar do fato de que o vento do outono estivesse forte. Ainda que o frio não pudesse afetar muito Simon, olhando para Jace em apenas jeans e uma camisa térmica, o fez sentir frio. "Ela está ajudando Jocelyn", explicou Luke. "Mas você é bem-vindo a esperar aqui conosco." Jace olhou em volta inquietamente para as paredes adornadas com véus, leques, tiaras, e contas-de-pérolas incrustadas. "Tudo é... tão branco." "É claro que é branco", disse Simon. "É um casamento." "Branco para Caçadores de Sombras é a cor dos funerais", explicou Luke. "Mas para Mundanos, Jace, é a cor de casamentos. As noivas se vestem de branco para simbolizar sua pureza. " "Eu pensei que Jocelyn disse que seu vestido não era branco", disse Simon. "Bem", disse Jace, "suponho que perdeu a oportunidade." Luke se engasgou com o café. Antes que ele pudesse dizer — ou fazer — qualquer coisa, Clary caminhou de volta para a sala. Seu cabelo estava levantado agora por grampos cintilantes, com alguns cachos pendurados frouxos. "Eu não sei", ela dizia quando se aproximou deles. "Karyn colocou suas mãos sobre mim e fez o meu cabelo, mas eu não estou certa sobre os brilhos—" Ela parou quando viu Jace. Ficou claro pela expressão dela que não esperava vê-lo também. Seus lábios entreabertos pela surpresa, mas ela não disse nada. Jace, por sua vez, estava olhando fixo para ela, e pela primeira vez em sua vida Simon podia ler a expressão de Jace como um livro. Era como se todo o resto do mundo tivesse sumido para Jace, restando só ele e Clary, e ele estava olhando para ela com um indisfarçável anseio e desejo que fez Simon se sentir incomodado, como se ele tivesse, de alguma maneira, invadindo um momento privado. Jace pigarreou. "Você está linda." "Jace." Clary parecia mais perplexa do que qualquer outra coisa. "Está tudo bem? Eu pensei que você disse que não poderia vir por causa da reunião da Clave" "Isso mesmo", disse Luke. "Eu ouvi falar sobre o corpo de um Caçador de
Sombras no parque. Há alguma novidade?" Jace sacudiu a cabeça, ainda olhando para Clary. "Não. Ele não é um dos membros da Clave de Nova York, mas, além disso, ele não foi identificado. Nenhum dos corpos fora. Os Irmãos do Silêncio estão procurando por eles agora." "Isso é bom. Os Irmãos vão descobrir quem eles são", disse Luke. Jace não disse nada. Ele ainda estava olhando para Clary, e era a mais estranha espécie de olhar, Simon pensou — um tipo de olhar que você pode dar a alguém que você amava, mas nunca poderia ter. Ele imaginou que Jace tinha se sentido daquela forma antes a respeito da Clary, mas agora? "Jace?" Clary disse, e deu um passo em direção a ele. Ele rasgou o seu olhar para longe dela. "A jaqueta que eu emprestei para você no parque ontem", disse ele. "Você ainda a tem?" Agora, parecendo ainda mais perplexa, Clary apontou para onde o item de vestuário em questão, uma jaqueta marrom de camurça perfeitamente comum, estava pendurada nas costas de uma das cadeiras. "Está ali. Eu ia levá-la para você depois—" "Bem", disse Jace, pegando-a e enfiando os braços nas mangas apressadamente, como se de repente estivesse com pressa, "Agora você não precisa." "Jace", Luke disse em tom de calma que ele sempre tinha, "nós estamos indo jantar mais cedo no Park Slope depois disso. Você é bem-vindo para vir junto." "Não", disse Jace, fechando a jaqueta. "Eu tenho treinamento nesta tarde. É melhor eu partir." "Treinamento?" Clary ecoou. "Mas, treinamos ontem." "Alguns de nós tem que treinar todos os dias, Clary." Jace não parecia zangado, mas houve uma rudeza no seu tom, e Clary corou. "Eu vejo vocês mais tarde", acrescentou ele sem olhar para ela, e praticamente se atirou em direção à porta. Quando a porta se fechou atrás dele, Clary estendeu a mão e puxou furiosamente os grampos do cabelo dela. E uma cascata de emaranhados caiu abaixo em seus ombros.
"Clary", Luke disse gentilmente. Ele se levantou. "O que você está fazendo?" "O meu cabelo." Ela puxou o último grampo para fora com força. Seus olhos estavam brilhando, e Simon poderia dizer que ela fez força para não chorar. "Eu não quero usá-lo assim. Parece estúpido." "Não, não é." Luke tomou os grampos dela e os colocou em uma das mesinhas brancas no final. "Olha, casamentos tornam os homens nervosos, ok? Isso não significa nada." "Certo." Clary tentou sorrir. Ela quase conseguiu, mas Simon poderia dizer que ela não acreditava em Luke. Ele dificilmente poderia culpá-la. Depois de ver o olhar no rosto de Jace, Simon não acreditaria nele também. À distância, a Fifth Avenue Diner estava iluminada como uma estrela contra o crepúsculo azul. Simon caminhava ao lado Clary pelos quarteirões, avenida abaixo, Jocelyn e Luke a poucos passos à frente deles. Clary tinha mudado de vestido para um jeans agora, um grosso cachecol branco enrolado ao redor de seu pescoço. De vez em quando ela o alcançava e girava o anel na corrente ao redor de seu pescoço, num gesto nervoso, ele se perguntou se ela estava ciente disso. Quando eles deixaram a loja de noivas, ele perguntou se ela sabia o que estava errado com o Jace, mas ela realmente não o respondeu. Ela encolheu os ombros, e começou a perguntar-lhe sobre o que estava acontecendo com ele, se ele já havia conversado com sua mãe, e se ele importava de estar com Eric. Quando ele lhe disse que ele estava morando com Kyle, ela se surpreendeu. "Mas você nem sequer o conhece", disse ela. "Ele poderia ser um serial killer." "Eu tinha pensado nisso. Eu verifiquei o apartamento, mas se ele tivesse um refrigerador cheio de armas nele, eu não vi ainda. Enfim, ele parece muito sincero." "Então, como é o seu apartamento?" "Legal, para Alphabet City. Você devia vir depois, mais tarde." "Não nesta noite", Clary disse, um pouco distraída. Ela estava brincando com o anel de novo. "Talvez amanhã?" Indo ver Jace? Simon pensou, mas ele não pressionou o ponto. Se ela não
queria falar sobre isso, ele não iria forçá-la. "Aqui estamos nós." Ele abriu a porta da lanchonete para ela, e uma lufada de ar quente com cheiro Souvlaki18 os atingiu. Eles encontraram um local reservado ali com uma grande televisão de tela plana que cobria a parede. Eles aglomeraram-se dentro dela, enquanto Jocelyn e Luke tagarelavam animadamente um com o outro sobre os planos de casamento. O bando de Luke, ao que parece, se sentiu insultado por não terem sido convidados para a cerimônia — embora a lista de convidados fosse minúscula — e insistiram em fazer sua própria festa em uma fábrica reformada no Queens. Clary escutou, sem dizer nada. A garçonete veio para perto, distribuindo menus plastificados tão inflexíveis que eles poderiam ser usados como armas. Simon deixou o seu na mesa e olhou para fora da janela. Havia um ginásio do outro lado da rua, e ele podia ver as pessoas através do vidro de frente a ela, correndo em esteiras, bombeamento os braços, fones de ouvido presos em suas orelhas. Todos correndo e não chegando a lugar nenhum, pensou. História da minha vida. Ele tentou afastar seus pensamentos sombrios para longe, e quase teve êxito. Esta foi uma das cenas mais familiares de sua vida, pensou — um local reservado no canto em uma lanchonete, ele e Clary e sua família. Luke sempre tinha sido família, mesmo quando ele não estava prestes a se casar com a mãe da Clary. Simon deveria se sentir em casa. Ele tentou forçar um sorriso, apenas para perceber que a mãe da Clary acabara de pedir-lhe algo e ele não tinha a escutado falar. Todos na mesa estavam olhando para ele com expectativa. "Desculpe-me", disse ele. "Eu não — o que você disse?" Jocelyn sorriu pacientemente. "Clary me disse que você adicionou um novo membro para a sua banda?" Simon sabia que ela estava apenas sendo educada. Bem, educada na maneira que os pais eram quando fingiam levar os seus hobbies a sério. Ainda assim, ela veio para vários de seus shows antes, apenas para ajudar a encher a sala. Ela se importava com ele; ela sempre importou. Em algum lugar escuro, oculto de sua mente, Simon suspeitava que ela sempre soube como ele se sentia a respeito da Clary, e ele se perguntou se ela não gostaria que sua filha tivesse feito uma escolha diferente, se tivesse sido algo que ela pudesse controlar. Ele sabia 18
É um tipo de fast food comum na Grécia, que consiste em pequenos pedaços de carnes e vegetais grelhados, que podem ser servidos em palito, em pita, com molhos em prato e etc.
que ela não gostava inteiramente de Jace. Era óbvio até mesmo na maneira que ela disse o seu nome. ''Sim", ele disse. "Kyle. Ele é um tipo de cara estranho, mas superlegal." Encorajado, por Luke, para expandir o tema sobre a estranheza de Kyle, Simon disse a eles sobre o apartamento de Kyle — tomando cuidado de deixar de fora o detalhe que agora era seu apartamento também — o seu trabalho como mensageiro de bicicleta, e sua velha picape caindo aos pedaços. "E cresce aquelas plantas estranhas sobre a sacada", acrescentou. "Nada de vasos — eu chequei. Elas têm uma espécie de folhas prateadas—" Lucas franziu a testa, mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, a garçonete chegou, carregando um jarro grande de café de prata. Ela era jovem com cabelos claros, descolorido, amarrado em duas tranças. Quanto ela se curvou para encher copo de café de Simon, um deles roçou seu braço. Ele podia sentir o cheiro do suor nela, e sob isso, o sangue. Sangue humano, o cheiro mais doce de todos. Ele sentiu um familiar aperto em seu estômago. Frieza se espalhou por ele. Ele estava com fome, e tudo o que tinha ao retornar para a casa de Kyle, era sangue em temperatura ambiente que já estava começando a separar o plasma das hemácias — uma perspectiva repugnante, mesmo para um vampiro.
Você nunca se alimentou de um ser humano, não é? Você vai. E quando você o fizer, você não se esquecerá. Ele fechou os olhos. Quando os abriu novamente, a garçonete se foi e Clary estava olhando para ele com curiosidade do outro lado da mesa. "Está tudo bem?" "Tudo bem." Ele fechou a mão em torno de sua xícara de café. Estava tremendo. Acima deles, a TV ainda estava retumbando as notícias da noite. "Ugh", Clary disse, olhando para a tela. "Você está ouvindo isso?" Simon seguiu seu olhar. O âncora de notícias estava usando aquela expressão que âncoras tendem a usar quando estão relatando sobre algo especialmente deprimente. "Ninguém se apresentou para identificar o bebê, um menino encontrado abandonado em um beco atrás do hospital Beth Israel há vários dias", ele estava dizendo. "A criança é branca, pesa dois quilos e duzentas gramas, e é saudável. Ele foi encontrado preso a um assento infantil para carro atrás de uma caçamba de lixo no beco", o âncora continuou. "O mais
perturbador, uma nota manuscrita inserida dentro do cobertor da criança implorando às autoridades do hospital para aplicar a eutanásia na criança porque ‘Eu não tenho forças para eu mesma fazer.’ A polícia diz que é provável que a mãe da criança estivesse mentalmente doente, e alegam que eles têm "Vantagem Promissora." Qualquer um com informação sobre essa criança deve telefonar para ‘Crime Stoppers’ em—“ "Isso é tão horrendo", Clary disse, afastando-se da TV com um estremecimento. "Eu não posso entender como as pessoas simplesmente abandonam seus bebês como se fossem lixo." "Jocelyn", Luke disse, sua voz aguda pela preocupação. Simon olhou para a mãe de Clary. Ela estava tão branca quanto um lençol e parecia como se ela estivesse prestes a vomitar. Ela empurrou o prato para longe de repente, se levantou da mesa, e correu para o banheiro. Depois de um momento Luke largou o guardanapo e foi atrás dela. "Oh, bosta." Clary colocou a mão sobre sua boca. "Eu não posso acreditar que eu disse isso. Eu sou tão estúpida. " Simon estava completamente perplexo. "O que está acontecendo?" Clary se esgueirou no seu lugar. "Ela estava pensando em Sebastian", disse ela. "Quero dizer, Jonathan. Meu irmão. Eu suponho que você se lembra dele." Ela estava sendo sarcástica. Não era provável que nenhum deles se esquecesse de Sebastian, cujo verdadeiro nome verdadeiro era Jonathan e que havia assassinado Hodge e Max, e quase conseguiu ajudar Valentine vencer uma guerra que teria sido a destruição de todos os Caçadores de Sombras. Jonathan, que tinha olhos negros que queimavam e um sorriso como uma lâmina de barbear. Jonathan, cujo sangue tinha sabor de ácido de bateria, quando Simon o mordeu uma vez. Não que ele se arrependesse. "Mas sua mãe não o abandonou", disse Simon. "Ela ia continuar a criá-lo, mesmo que ela soubesse que havia algo terrivelmente errado com ele." "Ela o odiava, no entanto", disse Clary. "Eu não acho que ela já superou isso. Imagine odiar o seu próprio bebê. Ela costumava tirar uma caixa que tinha as coisas de bebê dele e chorava sobre ela a cada ano em seu aniversário. Eu acho que ela estava chorando pelo filho que ela teria tido — você sabe, se Valentine não tivesse feito o que ele tinha feito."
“E você teria um irmão", disse Simon. "Tipo, um real. Não um psicopata assassino." Parecendo à beira das lágrimas, Clary empurrou seu prato para longe. "Eu me sinto mal agora", disse ela. "Sabe aquela sensação que você está com fome, mas você não pode comer?" Simon olhou para a garçonete de cabelos descoloridos, que estava encostada no balcão da lanchonete. "Sim", disse ele. "Eu sei." Por fim, Luke voltou para a mesa, mas apenas para dizer a Clary e Simon, que ele estava levando Jocelyn para casa. Ele deixou um pouco de dinheiro, que eles usaram para pagar a conta antes de saírem da lanchonete e depois para Galaxy Comics na Seventh Avenue. Nenhum deles conseguia se concentrar o suficiente para se divertir, então eles se separaram, com a promessa de se verem no dia seguinte. Simon entrou na cidade com o capuz levantado e seu iPod ligado, explodindo música em seus ouvidos. A música sempre foi sua maneira de bloquear tudo. No momento em que ele pegou a Second Avenue e desceu a Houston, uma chuva fraca começou a cair, e seu estômago estava em nós. Ele cortou acima para a First Street, que estava quase deserta, uma faixa de escuridão entre as luzes brilhantes da First Avenue e Avenue A. Porque ele estava com o seu iPod ligado, ele não os ouviu chegando por trás dele, até que eles estavam quase em cima dele. O primeiro indício que ele teve de que algo estava errado, foi uma longa sombra que abateu sobre a calçada, sobrepondo a sua própria. Outra sombra se juntou a essa, essa em seu outro lado. Ele se virou — e viu dois homens atrás dele. Ambos estavam vestidos exatamente como o assaltante que o atacou na outra noite — agasalho de moletom cinza, capuz cinza puxado para cima para esconder seus rostos. Eles estavam perto suficiente para tocá-lo. Simon saltou para trás, com uma força que o surpreendeu. Devido a sua nova força de vampiro, isso ainda era capaz de chocá-lo. Quando, um instante depois, ele se viu empoleirado nos degraus da entrada de uma casa geminada, vários pés de distancia dos agressores, ele ficou tão surpreso por estar lá, que congelou. Os atacantes avançaram nele. Eles estavam falando o mesmo idioma
gutural como o primeiro atacante — que, Simon estava começando a suspeitar, não tinha sido um assaltante de modo algum. Assaltantes, tanto quanto ele sabia, não trabalham em gangues, e era pouco provável que o primeiro atacante tivesse amigos criminosos que decidiram se vingar dele pela morte do seu camarada. Era óbvio que outra coisa estava acontecendo aqui. Tinham chegado aos degraus da entrada, efetivamente prendendo-o nos degraus. Simon arrancou os fones de ouvido de seu iPod das orelhas e apressadamente ergueu as mãos para cima. "Olha", ele disse: "Eu não sei o que está acontecendo, mas você realmente quer me deixar sozinho." Os agressores apenas olharam para ele. Ou pelo menos ele achava que estavam olhando para ele. Sob as sombras de seus capuzes, era impossível ver seus rostos. "Eu tenho a sensação que alguém lhes enviou atrás de mim", disse ele. "Mas é uma missão suicida. Sério. Eu não sei o quanto estão pagando a vocês, mas não é o suficiente." Um dos caras de moletom riu. O outro tinha alcançado o seu bolso e puxado algo para fora. Algo que brilhou preto debaixo dos postes de luz. Uma arma. "Ah, cara", disse Simon. "Você realmente, realmente não quer fazer isso. Eu não estou brincando." Ele deu um passo para trás, em cima de um dos degraus. Talvez se ele conseguisse altura suficiente, ele poderia realmente saltar sobre eles, ou passar por eles. Qualquer coisa, exceto deixá-los o atacar. Ele não achava que poderia enfrentar o que aquilo significava. Não outra vez. O homem com a arma, a elevou. Houve um clique à medida que ele puxou o gatilho para trás. Simon mordeu o lábio. Em seu pânico suas presas tinham saído. Dor disparou através dele, quando elas se afundaram em sua pele. "Não Faça —" Um objeto escuro caiu do céu. A princípio Simon achou que algo tinha caído de uma das janelas superiores — um ar condicionado rasgando solto, ou alguém muito preguiçoso para arrastar o seu lixo para baixo. Mas a coisa em queda, ele viu, era uma pessoa — caindo com direção, propósito, e graça. A pessoa aterrissou sobre o assaltante derrubando-o. A arma escorregou da sua mão, e ele gritou, um estridente, som alto.
O segundo assaltante se encurvou e pegou a arma. Antes que Simon pudesse reagir, o sujeito levantou-a e puxou o gatilho. Uma faísca de chama apareceu na boca da arma. E a arma explodiu. Ela explodiu, e o assaltante explodiu junto com ela, muito rápido até mesmo para gritar. Ele pretendia dar a Simon uma morte rápida, e uma morte muito mais rápida foi o que ele conseguiu em troca. Ele se partiu em pedaços como vidro, como a cores que voam para o exterior em um caleidoscópio. Houve uma explosão suave — som do ar deslocado — e em seguida, nada além de uma garoa suave de sal, caindo sobre a calçada como chuva solidificada. A visão de Simon ficou turva, e ele caiu sobre os degraus. Ele estava ciente de um ruidoso zumbido nos ouvidos, e depois alguém o agarrou pelos pulsos e o sacudia com força. "Simon, Simon!" Ele olhou para cima. A pessoa que o agarrou e o sacudia era Jace. O outro garoto não estava usando traje de combate, mas ainda estava vestindo seus jeans e a jaqueta que ele tinha pegado de volta da Clary. Ele estava despenteado, suas roupas e rosto coberto com sujeira e fuligem. Seu cabelo estava molhado da chuva. "Que diabos foi aquilo?" Jace perguntou. Simon olhou para cima e para baixo na rua. Ela ainda estava deserta. O asfalto brilhava, preto e úmido e vazio. O segundo assaltante tinha ido embora. "Você", ele disse, um pouco grogue. "Você ultrapassou os assaltantes—" "Aqueles não eram assaltantes. Eles estavam seguindo você desde que saiu do metrô. Alguém mandou aqueles sujeitos." Jace falou com completa segurança. "O outro", disse Simon. "O que aconteceu com ele?" "Ele simplesmente desapareceu." Jace estalou os dedos. "Ele viu o que aconteceu com seu amigo, e ele se foi, assim. Eu não sei o que eram exatamente. Não eram demônios, mas não exatamente humanos também." "Sim, eu percebi essa parte, obrigado." Jace olhou para ele mais de perto. "Aquilo — o que aconteceu com o assaltante — aquilo foi você, não foi? Sua Marca, nesse caso." Ele apontou para a testa de Simon. "Eu a vi queimar em branco antes daquele cara apenas... dissolver."
Simon não disse nada. "Eu já vi muita coisa", disse Jace. Não havia sarcasmo em sua voz, para uma mudança, ou qualquer zombaria. "Mas eu nunca vi nada assim." “Eu não fiz isso”, Simon disse suavemente. “Eu não fiz nada.” "Você não teve que fazer nada", disse Jace. Seus olhos dourados ardiam em seu rosto riscado de fuligem. "Porque está escrito: 'A vingança é minha; eu retribuirei, diz o Senhor'."
Capítulo
6
ACORDE O MORTO
O QUARTO DO JACE ESTAVA TÃO ARRUMADO COMO SEMPRE — cama perfeitamente feita, os livros alinhados em ordem alfabética nas prateleiras, livros e notas empilhados cuidadosamente na mesa. Mesmo suas armas estavam alinhadas ao longo da parede em ordem de tamanho, a partir de um facão enorme até um conjunto de pequenas adagas. Clary, parada na porta, conteve um suspiro. A limpeza foi toda muito bem. Ela era acostumada fazer isso. Era, ela sempre pensava, o jeito de Jace de externar o controle sobre os elementos de uma vida que, caso contrário, pode parecer caótica. Ele tinha vivido tanto tempo não sabendo quem — ou até o que — ele realmente era, ela mal podia invejar a cuidadosa sincronia alfabética da sua coleção de poesia. Ela poderia, entretanto — e fazia — invejar o fato de que ele não estava lá. Se ele não voltou para casa depois de sair da loja de noivas, para onde teria ido? Quando ela olhou ao redor da sala, uma sensação de ilusão tomou conta dela. Não era possível que qualquer uma dessas coisas estivesse acontecendo, era? Ela sabia como rompimentos eram de ouvir outras meninas se queixando deles. Primeiro o afastamento, a recusa gradual de retornar telefonemas e mensagens. As mensagens vagas falando que nada estava errado, que a outra pessoa somente queria um pouco de espaço. Então o discurso de como “não é você, sou eu”. Em seguida, a parte do choro. Ela nunca pensou que alguma dessas coisas se aplicaria a ela e Jace. O que
eles tinham não era comum, ou sujeito as regras normais de relacionamentos e rompimentos. Eles pertenciam um ao outro totalmente, e sempre seriam e sempre foram. Mas todos se sentiam assim, talvez? Até o momento em que eles percebiam que eram como todos os outros, e tudo o que eles pensavam que era real, fosse destruído em pedaços. Ela se viu atraída para a caixa agora, contudo. Ela se lembrou dele sentado nos degraus da frente do Salão dos Acordos em Idris, segurando a caixa no colo. “Como se eu pudesse parar de amar você”, ele havia dito. Ela tocou a tampa da caixa, e seus dedos encontraram o fecho, que se abriu facilmente. Dentro estavam espalhados papéis, fotografias velhas. Ela puxou uma, e olhou para ela, fascinada. Havia duas pessoas jovens na fotografia, uma mulher e um homem. Ela reconheceu a mulher imediatamente como a Irma de Luke, Amatis. Ela estava olhando para o jovem com todo o brilho do primeiro amor. Ele era maravilhoso, alto e loiro, mas seus olhos eram azuis, não dourados, e seus traços menos angulares que os de Jace... e ainda seriam, sabendo quem ele era — o pai de Jace — foi o suficiente para fazer seu estômago apertar. Ela guardou a foto de Stephen Herondale às pressas, e quase cortou o dedo na lâmina de uma pequena adaga de caça que estava na caixa transversalmente. Pássaros foram esculpidos ao longo do cabo. A lâmina estava coberta de ferrugem, ou algo que parecia ferrugem. Não deve ter sido devidamente limpa. Ela fechou a caixa rapidamente, e afastou-se, a culpa como um peso em seus ombros. Ela pensou em deixar uma nota, mas, decidindo que seria melhor esperar até ela poder falar com Jace pessoalmente, ela saiu e seguiu pelo corredor para o elevador. Ela havia batido na porta de Isabelle mais cedo, mas não parecia que ela estava em casa também. Mesmo as tochas com pedra enfeitiçada nos corredores pareciam estar brilhando mais fracas do que o habitual. Sentindo-se totalmente depressiva, Clary apertou o botão para chamar o elevador — somente para ver que já estava aceso. Alguém estava subindo do térreo do Instituto. Jace, ela pensou imediatamente, sua pulsação sobressaltando. Mas claro que não deve ser ele, ela disse para si mesma. Poderia ser Izzy, ou Maryse, ou—
“Luke?” Ela disse surpresa quando a porta do elevador se abriu “O que você está fazendo aqui?” “Eu poderia lhe perguntar a mesma coisa.” Ele andou para fora do elevador, puxando fechada, a grade atrás dele. Ele estava vestindo um casaco de flanela xadrez que Jocelyn estava tentando fazer com que ele jogasse fora desde que eles começaram a namorar. Era muito legal, Clary pensou, que nada parecia poder mudar Luke, não importa o que aconteceu em sua vida. Ele gostava do que gostava, e era isso. Mesmo quando isso era um casaco velho de aspecto maltrapilho. “Exceto que eu posso adivinhar. Então, ele está aqui?” “Jace? Não.” Clary encolheu os ombros, tentando parecer despreocupada. “Está tudo bem. Eu o verei amanhã.” Luke hesitou. “Clary—“ “Lucian” A voz fria que veio de trás dela era da Maryse. “Obrigada por ter vindo tão rapidamente.” Ele se virou para acenar para ela. “Maryse.” Maryse Lightwood estava na porta, sua mão pousada na moldura. Ela estava usando luvas, luvas cinza clara que combinavam com seu terno cinza sob medida. Clary imaginou se Maryse alguma vez vestiu jeans. Ela nunca havia visto a mãe de Isabelle e Alec em nada se não ternos formais ou trajes de combate. “Clary”, ela disse. “Eu não sabia que você estava aqui.” Clary se sentiu corando. Maryse não pareceu se importar com ela vindo e indo, mas também, Maryse nunca realmente havia reconhecido a relação de Clary com Jace de qualquer modo. Era difícil culpá-la. Maryse ainda estava lidando com a morte de Max, que havia sido apenas seis semanas atrás, e ela estava fazendo isso sozinha, com Robert Lightwood ainda em Idris. Ela tinha coisas mais importantes em sua mente do que a vida amorosa de Jace. “Eu estava saindo.” Clary disse. “Eu vou lhe dar uma carona de volta para casa quando eu terminar aqui.” Luke disse, colocando a mão no seu ombro. “Maryse, é um problema se Clary permanecer aqui enquanto nós conversamos? Porque eu prefiro que ela fique.” Maryse abanou a cabeça. ”Não tem problema, eu suponho.” Ela suspirou, passando as mãos pelo cabelo. “Acredite em mim, eu gostaria que não tivesse que incomodar você de qualquer forma. Eu sei que você vai se casar em uma semana
— parabéns, a propósito. Eu não sei se já lhe disse isso antes.” “Não”, Disse Luke, “mas isso é compreensível. Obrigado.” “Somente seis semanas.” Maryse sorriu levemente. “Um namoro muito curto e turbulento.” A mão de Luke apertou o ombro de Clary, o único sinal de seu incômodo. “Eu não suponho que você me chamou aqui para me felicitar pelo meu noivado, não é?” Maryse abanou a cabeça. Ela parecia muito cansada, Clary pensou, e havia fios cinza, em seu cabelo escovado preto, que não havia antes. “Não. Eu presumo que você ouviu sobre os corpos que temos encontrado desde semana passada mais ou menos?” “Os Caçadores de Sombras mortos, sim.” “Encontramos mais um esta noite. Enfiado em uma lixeira perto do Columbus Park. O território do seu bando.” As sobrancelhas de Luke subiram. “Sim, mas os outros—“ “O primeiro corpo foi achado em Greenpoint. Território dos Bruxos. O segundo, flutuando em um lago no Central Park. O domínio das fadas. Agora temos o território dos Lobisomens.” Ela fixou seu olhar em Luke. ”O que isso faz você pensar?” “Que alguém que não está muito satisfeito com os novos Acordos está tentando colocar os Seres do Submundo contra o outro.” Luke disse. “Eu posso assegurar que meu bando não tem nada a ver com isso. Eu não sei quem está por trás disso, mas é uma tentativa desastrada, se me perguntar. Eu espero que a Clave possa ver através disso.” “Tem mais”, Maryse disse. “Nós identificamos os dois primeiros corpos. Isso levou um tempo, desde que o primeiro estava queimado, quase irreconhecível, e o segundo estava em um estágio avançado de decomposição. Você pode adivinhar quem poderia ser?” “Maryse—“ “Anson Pangborn,” ela disse, “e Charles Freeman. Nenhum dos dois, eu posso perceber, foram interrogados desde a morte de Valentine—“ “Mas isso não é possível”, Clary interrompeu. “Luke matou Pangborn, em agosto — no Renwick.”
“Ele matou Emil Pangborn”, disse Maryse. “Anson era o irmão mais novo de Emil. Eles estavam no Ciclo juntos.” “Assim como Freeman”, disse Luke. “Então alguém está matando não somente Caçadores de Sombras, mas os ex-membros do Ciclo? E deixando seus corpos em Território do Submundo?” Ele balançou a cabeça. “Isso soa como alguém tentando abalar alguns dos mais... obstinados membros da Clave. Fazendo-os repensar nos Novos Acordos, talvez. Nós deveríamos ter esperado por isso.” “Eu suponho”, Maryse disse. “Já me encontrei com a Rainha Seelie, e tenho uma mensagem para Magnus. Onde quer que ele esteja.” Ela revirou os olhos; Maryse e Robert pareciam ter aceitado a relação de Alec com Magnus com uma surpreendente boa graça, mas Clary podia falar que Maryse, pelo menos, não levou isso a sério. “Eu somente pensei, talvez—“ Ela suspirou. “Estou tão cansada ultimamente. Sinto-me como se mal pudesse pensar coerentemente. Espero que você tenha alguma ideia sobre quem está fazendo isso, alguma ideia que não tenha me ocorrido.” Luke sacudiu sua cabeça. “Alguém com um ressentimento contra o novo sistema. Mas isso pode ser qualquer um. Eu suponho que não há evidências nos corpos?” Maryse suspirou. “Nada conclusivo. Se apenas os mortos pudessem falar, hein, Lucian?” Era como se Maryse houvesse levantado uma mão e puxado uma cortina através da visão de Clary; tudo ficou preto, exceto por um símbolo, pendurado como um brilhante sinal incandescente contra um inexpressivo céu noturno. Parecia que seu poder não desapareceu, apesar de tudo. “E se...”, ela disse devagar, levantando os olhos para olhar Maryse. “E se eles pudessem?” ●●●● Olhando para si mesmo no espelho do banheiro no pequeno apartamento de Kyle, Simon não pôde se impedir em perguntar de onde surgiu todo esse negócio sobre vampiros não serem capazes de se ver no espelho. Ele era capaz de
se ver perfeitamente na superfície denteada — o cabelo castanho desgrenhado, grandes olhos castanhos, branco, sem marcas na pele. Ele tinha limpado o sangue de seu corte no lábio, apesar de sua pele já ter cicatrizado. Ele sabia, objetivamente falando, que ter se tornado um vampiro o havia tornado mais atraente. Isabelle havia explicado para ele que seus movimentos se tornaram graciosos e que, considerando que antes parecia desgrenhado, de alguma forma agora ele parecia atraentemente amarrotado, como se ele tivesse acabado de sair da cama. “Da cama de outra pessoa”, ela observou, que, ele disse a ela, já havia descoberto o que ela queria dizer, obrigado. Quando ele se olhou, porém, não viu nada disso. A brancura de sua pele sem poros, como sempre, o perturbou, assim como as escuras ramificações de veias que se mostravam em suas têmporas, evidências do fato que ele não havia se alimentado hoje. Ele parecia um alien e não como ele mesmo. Talvez todo o negócio de não se capaz de se ver no espelho quando você se tornasse um vampiro era um desejo. Talvez fosse apenas que você não reconheceria o reflexo olhando para você. Limpo, ele voltou para sala, onde Jace estava jogado no futton, lendo a cópia surrada de Kyle de “O Senhor dos Anéis.” Ele largou o livro sobre a mesa de café assim que Simon entrou. Seu cabelo parecia recém molhado, como se ele tivesse jogado água em seu rosto na pia da cozinha. “Eu posso ver o porquê você gosta daqui.” Ele disse, fazendo um gesto amplo que englobava a coleção de pôsteres de filmes e os livros de ficção científica de Kyle. “Há uma fina camada de nerd em tudo.” “Obrigado. Eu aprecio isso.” Simon deu um olhar duro para Jace. De perto, sob a luz forte da lâmpada suspensa sem sombra, Jace parecia — doente. As olheiras que Simon notou sob seus olhos antes estavam mais pronunciadas que nunca, e sua pele parecia repuxada sobre os ossos do rosto. Sua mão tremeu um pouco quando ele empurrou seu cabelo para longe da testa, em um gesto característico. Simon balançou a cabeça como se para limpá-la. Desde quando ele conhecia Jace bem o suficiente para ser capaz de identificar quais gestos dele eram característicos? Não era como se eles fossem amigos. “Você parece ruim.” Ele disse.
Jace piscou. “Parece um momento estranho para começar uma competição de insultos, mas se você insiste, eu provavelmente poderia pensar em algo bom.” “Não, eu quero dizer isso mesmo. Você não parece bem.” “Isso de um cara que tem todo o sex appeal de um pinguim.” Olha, eu percebo que você deve estar com ciúmes que o bom Deus não deu para você a mesma cinzelada que ele deu a mim, mas isso não é motivo para—“ “Eu não estou tentando insultá-lo”, Simon retrucou. “Eu quero dizer que você parece doente. Quando foi a última vez que você comeu alguma coisa?” Jace pareceu pensativo. “Ontem?” “Você comeu algo ontem. Você tem certeza?” Jace encolheu os ombros. “Bom, eu não poderia jurar sobre uma pilha de Bíblias. Eu acho que foi ontem, talvez.” Simon havia investigado o conteúdo da geladeira de Kyle antes, quando ele estava procurando o lugar, e não tinha muito o que achar. Um limão murcho e velho, algumas latas de refrigerante, um quilo de carne moída e, inexplicavelmente, um único Pop-Tart no congelador. Ele pegou suas chaves do balcão da cozinha. “Vamos”, ele disse. “Há um supermercado na esquina. Vamos pegar comida pra você.” Jace pareceu como se ele estivesse com vontade de contestar, então encolheu os ombros. “Tudo bem”, disse ele, em tom de quem não se importava muito aonde eles iriam ou o que eles fariam lá; “Vamos.” Lá fora nos degraus da frente, Simon trancou a porta atrás deles com as chaves que ele ainda estava se acostumando, enquanto Jace examinava a lista de nomes do lado da campainha do apartamento. “Aquele é o seu, huh?”, ele perguntou, apontando para o 3A. “Como é que só diz ‘Kyle’? Ele não tem um sobrenome?” “Kyle quer ser uma estrela do rock”, Simon disse, enquanto descia as escadas. “Eu acho que ele está trabalhando nesse negócio de um nome. Como Rihanna.” Jace o seguiu, curvando os ombros levemente contra o vento, mas ele não fez nenhum movimento para fechar a jaqueta de camurça que havia recuperado de Clary mais cedo naquele dia. “Eu não tenho ideia do que você está falando.” “Eu tenho certeza que não.”
Assim que eles dobraram a esquina para a Avenida B, Simon olhou para Jace de lado. “Então”, ele disse. “Você estava me seguindo? Ou é apenas uma incrível coincidência que aconteceu de você estar no telhado de um prédio em que eu estava perambulando quando eu fui atacado?” Jace parou na esquina, esperando o sinal mudar de cor. Aparentemente até os Caçadores de Sombras tinham que obedecer às leis de trânsito. “Eu estava seguindo você.” “É essa a parte onde você me conta que é secretamente apaixonado por mim? O sex appeal vampiro ataca novamente.” “Não há tal coisa como um sex appeal vampiro.” Disse Jace, um pouco estranhamente ecoando o comentário anterior de Clary. “E eu estava seguindo Clary, mas então ela entrou em um táxi, e eu não posso seguir um táxi. Então eu voltei e segui você ao invés dela. Principalmente para ter algo para fazer.” “Você estava seguindo Clary?” Simon ecoou. “Aqui vai uma dica quente: a maior parte das garotas não gostam de serem perseguidas.” “Ela deixou o celular no bolso da minha jaqueta”, Jace disse, batendo no seu lado direito, onde, presumivelmente, o telefone estava guardado. “Eu pensei que, se eu pudesse descobrir para onde ela estava indo, eu poderia deixá-lo onde ela o encontraria.” “Ou”, Simon disse, “você poderia ligar para ela em casa e dizer a ela que você está com seu celular, e ela poderia vir e pegá-lo.” Jace não disse nada. A luz mudou, e eles atravessaram a rua em direção ao Supermercado C-Town. Ele ainda estava aberto. Supermercados em Manhattan nunca fecham, Simon pensou, o que é uma mudança agradável do Brooklyn. Manhattan era um bom lugar para ser vampiro. Você poderia fazer todas as suas compras a meia-noite e ninguém iria pensar que é estranho. “Você está evitando Clary”, Simon observou. “Eu não suponho que você queira me dizer por quê?” “Não, eu não vou”, Jace disse. “Somente se considere sortudo por eu estar seguindo você, ou---“ “Ou o que? Outro atacante estaria morto?” Simon podia ouvir a amargura em sua própria voz. ”Você viu o que aconteceu.” “Sim. E eu vi a expressão em seu rosto quando ocorreu.” O tom de Jace era
neutro. “Não foi a primeira vez que você viu isso acontecer, foi?” Simon se achou contando a Jace sobre a figura vestida de agasalho de moletom que havia atacado ele em Williamsburg, e como ele havia assumido que era apenas um assaltante. “Depois que ele morreu, ele se transformou em sal,” ele concluiu. “Assim como o segundo cara. Eu acho que é uma coisa bíblica. Pilares de sal. Como a mulher de Lot.” Eles chegaram ao supermercado; Jace empurrou e abriu a porta, e Simon o seguiu para dentro, agarrando um carrinho pequeno prata da linha perto da porta da frente. Ele começou a empurrá-lo em um dos corredores, e Jace o seguiu, claramente perdido em pensamentos. “Então eu acho que a pergunta é”, Jace disse, “você tem alguma ideia de quem poderia querer matar você?” Simon encolheu os ombros. A visão de toda aquela comida ao seu redor estava fazendo seu estômago revirar, lembrando-o com quanta fome ele estava, não por algo que fosse vendido aqui. “Talvez Raphael. Ele parece me odiar. E ele me queria morto antes---“ “Não é Raphael”, disse Jace. “Como você pode estar tão certo?” “Porque Raphael sabe sobre sua Marca e não iria ser idiota o suficiente para atacar diretamente assim. Ele sabe exatamente o que aconteceria. Quem quer que seja que está atrás de você, é alguém que sabe o suficiente sobre você para saber onde você provavelmente estaria, mas eles não sabem sobre sua Marca.” “Mas isso poderia ser qualquer um.” “Exatamente”, disse Jace, e sorriu. Por um momento ele quase pareceu ele mesmo de novo. Simon sacudiu sua cabeça. “Olhe, você sabe o que quer comer, ou você só quer que eu continue empurrando este carrinho para cima e para baixo nos corredores porque isso te diverte?” “Isso”, disse Jace, “e eu não estou realmente familiarizado com o que vendem em supermercados mundanos. Maryse normalmente cozinha ou nós pedimos comida.” Ele deu de ombros, e pegou uma fruta aleatoriamente. “O que é isso?” “Isso é uma manga.” Simon olhou para Jace. Às vezes era como se
realmente os Caçadores de Sombras fossem de um planeta alienígena. “Eu não acho que eu já tenha visto uma dessas que não estivessem já picadas”, Jace meditou. “Eu gosto de manga.” Simon agarrou a manga e a jogou dentro do carrinho. “Ótimo. O que mais você gosta?” Jace ponderou por um momento. “Sopa de Tomate”, ele disse finalmente. “Sopa de tomate? Você quer sopa de tomate e manga para o jantar?” Jace encolheu os ombros. “Eu realmente não me importo com comida.” “Ótimo. Que seja. Fique aqui. Eu já volto.” Caçadores de Sombras. Simon fervilhava silenciosamente para ele mesmo quando ele virou a esquina de um corredor cheio de latas de sopa; Eram uma espécie de variações bizarras de milionários — pessoas que nunca tiveram que refletir sobre as partes triviais da vida, como comprar comidas, ou usar as máquinas de Cartões de Metrô nos metrôs – e soldados, com suas próprias disciplinas rígidas e treinamentos constantes. Talvez fosse mais fácil para eles, passar pela vida com suas viseiras, pensou ele enquanto pegava uma lata de sopa da prateleira. Talvez tenha ajudado a manter seu foco na grande pintura — que, quando o trabalho era basicamente manter o mundo a salvo do mal, era uma grande e bonita imagem, de fato. Ele estava quase sentindo uma simpatia por Jace à medida que se aproximava do corredor onde ele havia sido deixado — então parou. Jace estava encostado no carrinho, mudando algo em suas mãos. Da distancia em que Simon se encontrava ele não podia ver o que era, e ele não podia se aproximar, tampouco, por causa de duas adolescentes que estavam bloqueando a passagem, paradas no meio do corredor e rindo e se juntando uma na outra para sussurrar do jeito que garotas fazem. Elas estavam obviamente vestidas para se passar por vinte e um, de salto-alto e saias curtas, sutiãs de bojo e nenhuma jaqueta para se protegerem do frio. Elas cheiravam como brilho labial. Brilho labial e pó de bebê e sangue. Ele podia escutá-las, claro, apesar dos sussurros. Elas estavam falando sobre Jace, quão quente ele era, cada uma desafiando a outra a andar e ir falar com ele. Houve uma grande discussão sobre seu cabelo e também sobre seus músculos, embora como elas realmente podiam ver seus músculos através da camiseta, Simon não estava certo. Blech, ele pensou. Isso é ridículo. Ele estava
prestes a dizer “Com licença” quando uma delas, a mais alta e com o cabelo mais escuro das duas, saiu e andou em direção ao Jace, se desequilibrando um pouco sobre seus saltos plataformas. Jace levantou o olhar quando ela se aproximou, seus olhos cuidadosos, e Simon teve um súbito de pensamento de pânico que talvez Jace a confundiria por um vampiro ou algum tipo de Súcubo e a atacaria com uma das lâminas de Serafim, e então os dois seriam presos. Ele não precisava ter se preocupado. Jace apenar arqueou uma sobrancelha. A garota falou algo para ele, ofegante; ele encolheu os ombros; ela pressionou algo na sua mão, e depois correu de volta para a amiga. Elas saíram da loja, rindo juntas. Simon passou por Jace e deixou cair a lata de sopa no carrinho. “Então, o que foi tudo isso?” “Eu acho”, Jace disse, “que ela perguntou se ela podia tocar minha manga.” “Ela disse isso?” Jace encolheu os ombros. “Sim, depois ela me deu o seu número.” Ele mostrou a Simon um pedaço de papel com uma expressão de branda indiferença, em seguida, lançou-o no carrinho. “Podemos ir agora?” “Você não vai ligar para ela, vai?” Jace olhou para ele como se ele fosse insano. “Esqueça o que eu disse”, disse Simon. “Esse tipo de coisa acontece com você o tempo todo, não é? Garotas somente vindo até você?” “Somente quando eu não estou com o encantamento.” “Sim, porque quando você está, as garotas não podem te ver, porque você está invisível.” Simon balançou a cabeça; “Você é uma ameaça pública. Você não pode sair sozinho.” “O ciúme é uma emoção tão feia, Lewis.” Jace deu um sorriso torto que, normalmente, teria feito Simon querer bater nele. Não desta vez, no entanto. Ele havia acabado de perceber com o que Jace estava brincando, girando mais e mais em seus dedos como se isso fosse algo precioso ou perigoso, ou os dois. Era o celular da Clary. ●●●●
“Continuo não achando que isso seja uma boa ideia.” Disse Luke Clary, com os braços cruzados sobre seu peito para afastar o frio da Cidade do Silêncio, olhou de soslaio para ele. “Talvez você devesse ter dito antes de chegarmos aqui.” “Estou bastante certo que fiz. Várias vezes.” A voz de Luke ecoou pelas colunas de pedra que se erguiam sobre a cabeça, listradas com faixas de pedras semipreciosas — onyx petra, jade verde, rosa cornalina, lápis-lazúli. Pedras enfeitiçadas prateada queimavam em tochas anexadas aos pilares, iluminando os mausoléus que fazia cada parede parecer forrada de um branco brilhante que era quase doloroso de olhar. Pouco havia mudado na Cidade do Silêncio desde a última vez que Clary esteve lá. Ela ainda continuava estranha e alheia, mas agora as vastas runas que se estendiam pelo chão em espirais esculpidas e padrões gravados provocou em sua mente o começo dos significados, ao invés de ser totalmente incompreensível. Maryse havia deixado ela e Luke aqui na entrada da câmara no momento em que eles chegaram, preferindo ir conferir com os Irmãos do Silêncio ela mesma. Não havia garantias de que deixariam os três deles entrar para ver os corpos, ela advertiu Clary. Nephilins mortos eram domínio dos guardiões da Cidade dos Ossos, e ninguém mais tinha jurisdição sobre eles. Não que houvesse muitos guardiões sobrando. Valentine havia matado quase todos eles enquanto procurava pela Espada Mortal, deixando vivo apenas os poucos que não estavam na Cidade do Silêncio no dia. Novos membros foram aderidos à ordem desde então, mas Clary duvidou que houvesse mais de dez ou quinze Irmãos do Silêncio sobrando no mundo. O áspero ruído seco dos saltos de Maryse no chão de pedra os alertaram de seu retorno antes que ela realmente aparecesse, um coberto Irmão do Silêncio seguindo-a. “Aqui estão vocês”, ela disse, como se Clary e Luke não estivessem exatamente onde ela os deixou. “Esse é o Irmão Zachariah. Irmão Zachariah, essa é a garota de quem eu estava lhe falando.” O Irmão do Silêncio empurrou seu capuz um pouco para longe de seu rosto. Clary escondeu sua surpresa. Ele não parecia com o Irmão Jeremiah, com uma cavidade nos olhos e sua boca costurada. Os olhos de Irmão Zachariah estavam fechados, suas maçãs do rosto estavam marcadas com a cicatriz de uma
única runa negra. Mas sua boca não foi costurada, e ela não achava que sua cabeça fora raspada, tampouco. Era difícil dizer, com o capuz levantado, se ela estava vendo sombras ou cabelos escuros. Ela sentiu a voz dele tocando sua mente. Você realmente acredita que pode
fazer essa coisa, Filha do Valentine? Ela sentiu suas bochechas enrubescerem. Ela odiava ser lembrada de quem ela era filha. “Certamente você já ouviu falar de outras coisas que ela fez”, disse Luke. “Sua runa de ligação nos ajudou a acabar com a Guerra Mortal.” Irmão Zachariah abaixou seu capuz para esconder seu rosto. Venha comigo
ao Ossuarium. Clary olhou para Luke, esperando por um aceno de apoio, mas ele estava olhando para a frente e mexendo nos seus óculos da forma que ele fazia quando ele está ansioso. Com um suspiro ela seguiu Maryse e Irmão Zachariah. Ele se moveu silenciosamente como uma neblina, enquanto os saltos de Maryse faziam barulhos como tiros no chão de mármore. Clary se perguntou se a propensão da Isabelle para calçados inadequados era genética. Eles seguiram um caminho tortuoso através de pilares, passando pela grande Praça das Estrelas Falantes, onde os Irmãos do Silêncio falaram pela primeira vez para Clary sobre Magnus Bane. Além da praça havia uma porta em arco, colocado com um par de portas de ferro enormes. Nas superfícies haviam runas desenhadas que Clary reconheceu como runas de morte e paz. Sobre as portas foram escritas inscrições em Latim que a fez desejar que ela tivesse suas anotações com ela. Ela estava lamentavelmente atrás em Latim do que a maioria dos Caçadores de Sombras; a maioria deles falava como uma segunda língua.
Taceant Colloquia. Effugiat risus. Hic locus est ubi mors gaudet succurrere vitae. “Deixe a conversação parar. Deixe o riso cessar.” Luke leu em voz alta. “Aqui é o lugar onde a morte se delicia de ensinar a viver.” Irmão Zachariah colocou a mão na porta. O Mais recente dos mortos
assassinados foi preparado para você. Você está preparada? Clary engoliu duramente, pensando exatamente no que ela estava se metendo. “Estou pronta.”
As portas se abriram, e eles passaram por elas. Dentro havia uma sala grande, sem janelas com as paredes de mármore brancas e lisas. Elas estavam cheias de ganchos que prendiam instrumentos prateados de dissecação: bisturis brilhantes, coisas que pareciam martelos, serras para ossos e afastadores de costelas. E ao lado deles nas prateleiras havia mais instrumentos peculiares: maciças ferramentas parecidas com saca-rolhas, folhas de lixa, e jarros com líquidos multicoloridos, incluindo um esverdeado rotulado com “Ácido” que realmente parecia estar fervendo. O centro da sala apresentava uma fila de mesas de mármore altas. A maioria estava vazia. Três estavam ocupadas, e sobre duas das três, tudo o que Clary podia ver eram formas humanas cobertas por um lençol branco. Na terceira mesa havia um corpo, o lençol puxado até as costelas. Nu da cintura para cima, o corpo era claramente masculino, e também tão claramente um Caçador de Sombras. A pele pálida do cadáver estava completamente coberta de Marcas. Os olhos do homem foram amarrados com uma seda branca, um costume de Caçadores de Sombras. Clary engoliu a náusea crescente e se moveu para ficar ao lado do cadáver. Luke veio com ela, sua mão protetoramente em seu ombro, Maryse parou de frente a eles, vendo tudo com seus curiosos olhos azuis, a mesma cor dos de Alec. Clary puxou sua estela do bolso. Ela podia sentir o frio do mármore através de sua blusa quando ela inclinou sobre o corpo do homem morto. Perto assim ela podia ver detalhes — que seu cabelo havia sido marrom avermelhado, e que sua garganta tinha sido rasgada em tiras limpas, como se por uma garra enorme. Irmão Zachariah estendeu a mão e tirou a amarração de seda dos olhos do homem morto. Embaixo dela, eles estavam fechados. Você pode começar. Clary respirou fundo e colocou a ponta da estela no braço do Caçador de Sombras morto. A runa que ela visualizou antes, no corredor de entrada do Instituto, veio para ela tão claramente como as letras de seu próprio nome. Ela começou a desenhar. As linhas pretas da marca saiu de forma espiral da ponta da estela, tal como sempre acontecia — mas sentiu sua mão pesada, a estela se arrastando um pouco, como se estivesse escrevendo na lama, em vez de pele. Era como se o instrumento estivesse confuso, deslizando na superfície da pele de um morto,
buscando o espírito vivo de um Caçador de Sombras que não estava mais lá. O estômago de Clary se agitou enquanto ela desenhava, e quando ela terminou e recolheu sua estela, ela estava suando e nauseada. Por um longo momento nada aconteceu. Então, com uma terrível rapidez, os olhos do Caçador de Sombras se abriram. Eles eram azuis, o branco salpicado de vermelho com sangue. Maryse soltou uma longa arfada. Estava claro que ela não havia realmente acreditado que a runa funcionaria. “Pelo Anjo.” Uma respirada ruidosa veio do homem morto, o som de alguém tentando respirar através de uma garganta cortada. A pele áspera de seu pescoço tremulava como as guelras de um peixe. Seu peito ficou rosa, e as palavras saíram de sua boca. “Isso dói.” Luke praguejou, e olhou para Zachariah, mas o Irmão do Silêncio estava impassível. Maryse se moveu para perto da mesa, seus olhos afiados de repente, quase predatórios. “Caçador de Sombras”, ela disse. “Quem é você? Eu exijo o seu nome.” O homem virava a cabeça de um lado para outro. Suas mãos subiam e desciam convulsivamente. “A dor... Faça a dor parar.” A estela de Clary quase caiu. Isso era muito mais medonho do que ela havia imaginado. Ela olhou para Luke, que estava se afastando da mesa, seus olhos arregalados de horror. “Caçador de Sombras.” O tom de Maryse era autoritário. “Quem fez isso com você?” “Por favor...” Luke se virou de costas para Clary. Ele parecia estar mexendo nas ferramentas dos Irmãos do Silêncio. Clary ficou congelada quando a mão com luva cinza de Maryse disparou e segurou o ombro do cadáver, seus dedos apertando-o. “Em nome do Anjo, eu ordeno que você me responda!” O Caçador de Sombras fez um som abafado. “Ser do submundo… vampiro…”
“Qual vampiro?” Maryse exigiu. “Camille. Uma das anciãs—“ As palavras foram sufocadas quando uma gota de sangue preto coagulado fluiu da boca morta. Maryse arfou e afastou sua mão. Quando ela fez isso, Luke reapareceu, carregando o jarro com ácido verde que Clary tinha notado antes. Com um simples gesto, ele arrancou a tampa e derramou o ácido sobre a marca no braço do cadáver, apagando-a. O cadáver soltou um único grito enquanto a carne chiava — e então ele caiu de costas contra a mesa, olhos em branco e um olhar fixo, o que quer que o tenha reanimado por esse breve período se foi. Luke colocou o jarro de ácido vazio em cima da mesa. “Maryse.” Sua voz era de censura. “Isso não é como tratamos nossos mortos.” “Eu decidirei como nós tratamos nossos mortos, Habitante do Submundo.” Maryse estava pálida, suas bochechas avermelhadas. “Nós temos um nome agora. Camille. Talvez possamos evitar mais mortes.” “Há coisas piores que a morte.” Luke estendeu a mão para Clary, não olhando para ela. “Vamos, Clary. Eu acho que é hora de irmos.” ●●●●
“Então, você realmente não pode pensar em ninguém mais que possa querer te matar?” Jace perguntou, não pela primeira vez. Haviam repassado a lista de suspeitos várias vezes, e Simon estava ficando cansado de ser questionado pela mesma coisa, repetidamente. Não mencionando que ele suspeitava que Jace estivesse parcialmente prestando atenção. Depois de já ter comido a sopa que Simon havia comprado — fria, fora da lata, com uma colher, o que Simon não podia deixar de pensar que era nojento — ele estava inclinado contra a janela, a cortina um pouco afastada para que ele pudesse ver o tráfego na Avenida B, e as janelas iluminadas dos apartamentos do outro lado da rua. Através delas Simon podia ver as pessoas jantando, vendo televisão, e sentadas na mesa conversando. Coisas normais que pessoas comuns faziam. Isso o fez sentir estranhamente vazio. “Ao contrário do seu caso”, disse Simon, “não há realmente muitas pessoas
que não gostam de mim.” Jace ignorou isso. “Tem algo que você não está me dizendo.” Simon suspirou. Ele não queria falar qualquer coisa sobre a proposta de Camille, mas diante de alguém tentando matá-lo, ainda que ineficaz, talvez o segredo não fosse uma prioridade. Ele explicou o que aconteceu no seu encontro com a vampira, enquanto Jace prestava atenção. Quando ele acabou, Jace disse, “Interessante, mas ela não parece ser quem está tentando te matar também. Ela sabe sobre sua Marca, primeiramente. E eu não tenho certeza se ela estaria interessada em ser pega quebrando os Acordos dessa forma. Quando os habitantes do submundo são tão velhos assim, eles normalmente sabem como ficar longe de problemas.” Ele abaixou sua lata de sopa. “Nós podemos sair de novo”, ele sugeriu. “Ver se eles tentam atacar uma terceira vez. Se nós pudéssemos somente capturar um deles, talvez nós—“ “Não”, disse Simon. “Por que você está sempre tentando ser morto?” “É o meu trabalho.” “É um risco do seu trabalho. Pelo menos para a maioria dos Caçadores de Sombras. Para você isso parece como o objetivo.” Jace suspirou. “Meu pai sempre disse—“ ele se calou, sua expressão endurecendo. “Desculpe. Eu quis dizer Valentine. Pelo Anjo. Toda vez que eu o chamo assim, parece que eu traio meu pai verdadeiro.” Simon sentiu simpatia por Jace apesar de si mesmo. “Olhe, você pensou que ele era seu pai por o quê, dezesseis anos? Isso não acaba em um dia. E você nunca conheceu o outro cara que era realmente o seu pai. E ele está morto. Então você não pode realmente o trair. Somente pense um pouco em você como alguém que teve dois pais por um tempo.” “Você não pode ter dois pais.” “Claro que pode”, Simon disse. “Quem disse que não? Nós podemos comprar pra você um desses livros que eles têm para crianças. Timmy Tem Dois Pais. Exceto que eu não acho que eles têm um chamado Timmy Tem Dois Pais E Um Deles Era Mal. Essa parte você só vai ter que imaginar.” Jace revirou os olhos. “É fascinante.” Ele disse. “Você sabe todas as palavras, e todas são em inglês, mas quando você as reúne em frases, elas simplesmente não fazem qualquer sentido.” Ele puxou levemente a cortina. “Eu
não esperava que você entendesse.” “Meu pai está morto”, disse Simon. Jace virou para olhar para ele. “O que?” “Imaginei que você não soubesse”, disse Simon. “Quero dizer, não é como se você fosse perguntar, ou estivesse particularmente interessado em qualquer coisa sobre mim. Então, sim. Meu pai está morto. Então nós temos isso em comum.” Exausto de repente, ele se inclinou contra o futon. Ele se sentia mal e tonto e cansado — um cansaço profundo que parecia ter se afundado em seus ossos. Jace, por outro lado, parecia possuído de uma energia inesgotável que Simon achou um pouco perturbador. Não havia sido muito fácil o ver tomando a sopa de tomate, tampouco. Ela parecia muito com sangue para seu conforto. Jace olhou para ele. “Quanto tempo faz desde que você... comeu? Você parece muito ruim.” Simon suspirou. Ele supôs que ele não podia falar nada, depois de atormentar Jace para comer algo. “Espera ai”, disse ele. “Eu já volto.” Levantando do futon, ele entrou no seu quarto e pegou sua última garrafa de sangue debaixo da cama. Ele tentou não olhar para ela — separar o sangue era uma visão nauseante. Ele balançou a garrafa duramente enquanto se dirigia para a sala de estar, onde Jace ainda estava olhando pela janela. Encostado contra o balcão da cozinha, Simon abriu o frasco de sangue e tomou um gole. Normalmente ele não gostava de beber na frente de outras pessoas, mas era o Jace, e ele não se importava com o que Jace pensava. Além disso, não era como se Jace nunca tivesse o visto bebendo sangue antes. Pelo menos Kyle não estava em casa. Seria difícil explicar para seu novo companheiro de quarto. Ninguém gostava de um cara que mantinha sangue na geladeira. Dois Jaces olharam para ele — um sendo o real Jace, o outro seu reflexo na vidraça. “Você não pode simplesmente não se alimentar, você sabe.” Simon suspirou. “Eu estou comendo agora.” “Sim”, Jace disse, “mas você é um vampiro. Sangue não é como comida para você. Sangue é... sangue.” “Isso é muito esclarecedor.” Simon se jogou na poltrona em frente à TV; que provavelmente tinha um veludo dourado pálido, mas agora era usado e
parecia um amontoado cinzento. “Você tem um monte de outros pensamentos profundos como esse? Sangue é sangue? Uma torradeira é uma torradeira? Um Cubo Gelatinoso é um Cubo Gelatinoso?” Jace suspirou. “Ótimo. Ignore meu conselho. Você vai se arrepender mais tarde.” Antes que Simon pudesse responder, ele ouviu o som da porta da frente se abrindo. Ele olhou afiadamente para Jace. “É o meu companheiro de quarto. Seja agradável.” Jace sorriu encantadoramente. “Eu sempre sou agradável.” Simon não teve chance de responder da maneira que gostaria, pouco tempo depois Kyle saltou para sala, parecendo energético e os olhos brilhando. “Cara, eu fui por toda parte na cidade hoje”, ele disse. “Eu quase me perdi, mas você sabe o que dizem. Próximo ao Bronx19, Bateria acaba—“ Ele olhou para Jace, registrando tardiamente que havia outra pessoa na sala. “Oh, hey. Eu não sabia que você trouxera amigos.” Ele estendeu a mão. “Eu sou Kyle.” Jace não respondeu. Para a surpresa de Simon, Jace havia ficado rígido, seus pálidos olhos amarelos se estreitaram, exibindo em todo o seu corpo a vigilância de um Caçador de Sombras que parecia transformá-lo de um garoto adolescente comum em algo muito mais sério que isso. “Interessante”, ele disse. “Você sabe, Simon nunca mencionou que seu novo companheiro de quarto era um lobisomem.” ●●●● Clary e Luke foram em silêncio, na maior parte do tempo, de volta para o Brooklyn. Clary estava olhando pela janela enquanto iam, vendo Chinatown passando gradualmente, e então a Williamnburg Bridge, brilhou como um colar de diamantes contra o céu noturno. Ao longe, por cima da água preta do rio, ela podia ver Renwick, iluminado como sempre foi. Parecia como uma ruína de novo, janelas pretas vazias escancaradas como o buraco do olho de um crânio. A voz do Caçador de Sombras morto sussurrou em sua mente:
A dor… faça a dor parar. 19
Um distrito de NY.
Ela estremeceu e puxou a jaqueta mais firmemente em torno dos ombros. Luke olhou brevemente para ela, mas não disse nada. Não aconteceu até que ele parou na frente de sua casa e desligou o motor da caminhonete, que ele virou para ela e falou: “Clary”, ele disse; “O que você fez—“ “Foi um erro”, ela disse. “Eu sei que foi um erro. Eu estava lá também.” Ela esfregava o rosto com as pontas da manga da jaqueta. “Vá em frente e grite comigo.” Luke olhou através do para-brisa. “Eu não vou gritar com você. Você não sabia o que ia acontecer. Inferno, eu pensei que poderia funcionar também. Eu não teria ido com você se eu não achasse.” Clary sabia que deveria ter feito ela se sentir melhor, mas não. “Se você não tivesse jogado ácido na runa—“ “Mas eu joguei.” “Eu não sabia que você poderia fazer isso. Destruir uma runa daquele jeito.” “Se você desfigurá-la o suficiente, você pode minimizar ou acabar com seu poder. Algumas vezes na batalha, o inimigo irá tentar queimar ou cortar a pele dos Caçadores de Sombras, somente para privá-los do poder de suas runas.” Luke parecia distraído. Clary sentiu seus lábios tremerem, e os pressionou juntos, fortemente, para parar o tremor. Às vezes ela se esquecia dos aspectos ruins de ser um Caçador de Sombras — A vida de cicatrizes e matanças, como Hodge disse a ela uma vez. “Bem”, ela disse, “eu não farei isso novamente.” “Não fará o que de novo? Fazer essa runa em particular? Eu não tenho dúvidas de que você não vai, mas eu não tenho certeza que isso resolve o problema.” Luke tamborilou os dedos no volante. “Você tem uma habilidade, Clary. Uma grande habilidade. Mas você não tem absolutamente nenhuma ideia do que isso significa. Você é totalmente inexperiente. Você sabe quase nada sobre a história das runas, ou o que elas significaram para os Nephilim através dos séculos. Você não pode dizer se uma runa foi projetada para o bem ou projetada para o mau.” “Você estava feliz o suficiente para me deixar usar meu poder quando era a
runa de ligação”, ela disse com raiva. “Você não me disse para não criar runas lá.” “Eu não estou dizendo para você não usar seu poder agora. De fato, eu penso que o problema é que você raramente o usa. Não é como se você estivesse usando seu poder para mudar a cor do esmalte ou fazer o metrô chegar quando você quiser. Você só usa nessas ocasiões de vida ou morte.” “As runas só vem para mim nesses momentos.” “Talvez seja porque você não foi treinada em como funciona o seu poder. Pense no Magnus; seu poder é parte dele. Você parece pensar no seu separado de você. Algo que acontece. Isso não é. É uma ferramenta que você precisa aprender como usar.” “Jace disse que Maryse quer contratar um especialista em runas para trabalhar comigo, mas isso não aconteceu ainda.” “Sim”, disse Luke. ”Eu imagino que Maryse tenha outras coisas em mente.” Ele tirou a chave da ignição e ficou um momento em silêncio. ”Perder um filho da forma como ela perdeu Max”, ele disse. “Eu não posso imaginar isso. Eu devia ser mais tolerante pelo seu comportamento. Se algo acontecesse com você, eu…” Sua voz sumiu. “Eu gostaria que Robert voltasse de Idris”, disse Clary. “Eu não vejo o porquê de ela ter que lidar com tudo isso sozinha. Deve ser horrível.” “Muitos casamentos acabam quando um filho morre. O casal não pode parar de culparem a si mesmos ou o outro. Eu imagino que Robert está lá porque ele precisa de espaço, ou Maryse que precisa.” “Mas eles se amam”, Clary disse, horrorizada. “Não é isso que significa o amor? Que você deveria estar lá para a outra pessoa ter a quem recorrer, não importa o que seja?” Luke olhou para o rio, a água escura se movendo lentamente sob a luz da lua do Outono. “Às vezes, Clary”, ele disse, “somente amor não é o suficiente.
Capítulo
7
PRAETOR LUPUS
A GARRAFA DESLIZOU DA MÃO DE SIMON E CAIU NO CHÃO, espatifando-se e mandando cacos de vidro por todas as direções. “Kyle é um lobisomem?” “Claro que é um lobisomem, seu idiota”, disse Jace. Ele olhou para Kyle. “Não é?” Kyle não disse nada. O relaxado bom humor saíra de sua expressão. Os olhos castanhos estavam severos e inflexíveis como vidro. “Quem está perguntando?” Jace se afastou da janela. Não havia nada abertamente hostil em seu comportamento, e mesmo assim tudo nele implicava uma clara ameaça. As mãos estavam soltas nos lados, mas Simon se lembrou do jeito que viu Jace, antes, entrar em ação com quase nada, ao que parecia, entre pensamento e reação. “Jace Lightwood”, ele disse. “Do Instituto Lightwood. Você é de qual bando?” “Jesus”, disse Kyle. “Você é um Caçador de Sombras?” Ele olhou para Simon. “A garota ruiva bonita que estava com você na garagem — ela era uma Caçadora de Sombras também, não era?” Pego de surpresa, Simon assentiu. “Sabe, algumas pessoas pensam que Caçadores de Sombras são só mitos. Como múmias e gênios.” Kyle sorriu para Jace. “Você pode realizar desejos?” O fato de Kyle ter chamado Clary de bonita não pareceu melhorar seu conceito para Jace, cujo rosto se enrijecia de forma alarmante. “Isso depende”, ele
disse. “Você quer ser socado na cara?” “Céus”, disse Kyle. “E eu achava que todos vocês estavam tão dedicados aos Acordos nesses dias —” “Os Acordos se aplicam a vampiros e licantropos com claras alianças”, interrompeu Jace. “Diga-me em que bando você está, ou terei que assumir que é um selvagem.” “Muito bem, já chega”, disse Simon. “Vocês dois, parem de agir como se fossem se bater.” Olhou para Kyle. “Você devia ter me contado que era um lobisomem.” “Não percebi que você me contou que era um vampiro. Talvez eu tenha achado que não era da sua conta.” O corpo todo de Simon estremeceu em surpresa. “O quê?” Ele olhou para o vidro quebrado e o sangue no chão. “Eu não... eu não...” “Não importa”, disse Jace calmamente. “Ele pode sentir que você é um vampiro. Assim como você será capaz de sentir lobisomens e outros Seres do Submundo quando tiver um pouco mais de prática. Ele sabe o que você é desde que o conheceu. Não é verdade?” Encontrou os frios olhos castanhos de Kyle com os próprios. Kyle não disse nada. “E aquela coisa que ele está deixando crescer na sacada, a propósito? É wolfsbane20. Agora você sabe.” Simon cruzou os braços sobre o peito e encarou Kyle. “Então, que diabos é isso? Algum tipo de projeto? Por que você pediu para eu vir morar com você? Lobisomens odeiam vampiros.” “Eu não”, disse Kyle. “Embora, eu não morro de amores pelos seus tipos.” Apontou um dedo para Jace. “Eles acham que são melhores que todo mundo.” “Não”, disse Jace. “Eu acho que sou melhor que todo mundo. Uma opinião que tem sido apoiada com ampla evidência.” Kyle olhou para Simon. “Ele sempre fala assim?” “Fala.” “Alguma coisa o faz calar a boca? Outra além de dar uma surra nele, é claro.” Jace se afastou da janela. “Adoraria ver você tentar.” Simon foi para o meio deles. “Eu não vou deixar vocês lutarem um com o 20
Wolfsbane – é uma planta conhecida também por Acônito, Capacete do diabo, e outros nomes; extremamente venenosa, e causa a morte quase que instantaneamente.
outro.” “E o que você vai fazer se... Ah.” O olhar de Jace voou para a testa de Simon, e ele sorriu relutante. “Então basicamente você está ameaçando me transformar em algo que pode salpicar na pipoca se eu não fizer o que você diz?” Kyle ficou confuso. “O que você está—” “Eu só acho que vocês dois deviam conversar”, interrompeu Simon. “Então tá, Kyle é um lobisomem. Eu sou um vampiro. E você não é exatamente o garoto da porta ao lado, também”, acrescentou para Jace. “Digo que vamos descobrir o que está acontecendo e prosseguir daí.” “Essa sua confiança idiota não tem limites”, disse Jace, mas se sentou no parapeito da janela. Depois de um momento Kyle também se sentou, no sofá de futon. Ambos se encaravam. Perfeito, pensou Simon. Progresso. “Certo”, disse Kyle. “Eu sou um lobisomem. Não faço parte de um bando, mas tenho uma aliança. Você já ouviu falar no Praetor Lupus?” “Já ouvi falar de lúpus”, disse Simon. “Não é uma espécie de doença?” Jace lhe lançou um olhar fulminante. “‘Lupus’ significa ‘lobo’”, ele explicou. “E os pretorianos eram uma força militar da elite romana. Então acho que a tradução é ‘Lobos Guardiões’.” Deu de ombros. “Já topei com relatos casuais sobre eles, mas são uma organização muito secreta.” “E os Caçadores de Sombras não são?”, disse Kyle. “Temos bons motivos.” “Nós também.” Kyle se inclinou para frente. Os músculos em seus braços se flexionaram quando apoiou os cotovelos nos joelhos. “Há dois tipos de lobisomens”, ele explicou. “O tipo que nasce lobisomem, com pais lobisomens, e o tipo que é infectado com licantropia através de uma mordida.” Simon olhou para ele em surpresa. Nunca teria pensado que Kyle, o preguiçoso mensageiro de bicicleta, teria conhecimento da palavra “licantropia”, muito menos como pronunciá-la. Mas esse era um Kyle muito diferente — focado, atento, direto. “Para aqueles de nós que são transformados por uma mordida, os primeiros anos são fundamentais. A descendência demoníaca que causa licantropia causa um montão de outras coisas — ondas de incontrolável agressão, incapacidade de controlar a raiva, desespero e fúria suicida. O bando pode ajudar com isso, mas
muitos dos que foram infectados recentemente não têm tanta sorte de associar-se a uma matilha. Eles ficam sozinhos, tentando lidar com toda essa situação opressiva, e muitos se tornam violentos — contra outros e contra si mesmos. Há um alto índice de suicídio e um alto índice de violência doméstica.” Ele olhou para Simon. “O mesmo serve para vampiros, exceto que pode ser ainda pior. Um órfão recém-criado não tem literalmente ideia do que aconteceu com ele. Sem ajuda, ele não sabe como se alimentar de forma segura, ou até não ficar na luz do sol. É aonde entramos.” “E fazem o quê?” perguntou Simon. “Rastreamos Seres do Submundo ‘órfãos’ — vampiros e lobisomens que acabaram de ser transformados e ainda não sabem o que são. Às vezes até feiticeiros — alguns deles não percebem o que são por anos. Nós intervimos, tentamos colocá-los em um bando ou clã, tentamos ajudá-los a controlar seus poderes.” “Bons Samaritanos, vocês são.” Os olhos de Jace brilhavam. “Somos mesmo.” Kyle parecia tentar manter a voz neutra. “Nós intervimos antes que o novo Habitante do Submundo possa ficar violento e ferir a si ou a outras pessoas. Eu sei o que teria acontecido a mim se não fosse pela Guarda. Fiz coisas ruins. Muito ruins.” “Ruins a que nível?” perguntou Jace. “Ilegalmente ruins?” “Cala a boca, Jace”, falou Simon. “Você está de folga. Pare de ser um Caçador de Sombras por um segundo.” Ele virou para Kyle. “Então, como você terminou fazendo um teste de audição para a minha porcaria de banda?” “Não percebi que você sabia que era podre.” “Só responda a pergunta.” “Chegou uma informação de um novo vampiro — um Daylighter, vivendo sozinho, sem clã. O seu segredo não é tão secreto quanto pensa. Vampiros novatos sem um clã para ajudá-los podem ser muito perigosos. Fui despachado para ficar de olho em você.” “Então, o que você está dizendo”, disse Simon, “não é só que você não quer que eu me mude agora porque eu sei que você é um lobisomem, mas que você não vai me deixar mudar?” “Exato”, disse Kyle. “Quero dizer, você pode se mudar, mas vou com você.”
“Isso não é necessário”, disse Jace. “Posso ficar perfeitamente de olho em Simon, obrigado. Ele é o meu Ser do Submundo novato, para zoar e mandar por aí, não o seu.” “Silêncio!” Gritou Simon. “Os dois. Nenhum dos dois estavam por perto quando alguém tentou me matar hoje mais cedo—” “Eu estava”, falou Jace. “Você sabe, no fim.” Os olhos de Kyle brilhavam, como os olhos de um lobo na noite. “Alguém tentou te matar? O que aconteceu?” O olhar de Simon encontrou o de Jace no outro lado da sala. Um acordo em silêncio de não mencionar a Marca de Caim passou entre eles. “Há dois dias e hoje, fui seguido e atacado por uns caras vestindo agasalhos de moletom cinza.” “Humanos?” “Não sabemos ao certo.” “E você não tem ideia do que querem com você?” “Eles definitivamente me querem morto”, Simon disse. “Com exceção disso, não sei mesmo, não.” “Temos algumas pistas”, falou Jace. “Estaremos investigando.” Kyle sacudiu a cabeça. “Tudo bem. O que quer que vocês não estejam me contando, vou descobrir mais tarde mesmo.” Ele se levantou. “E agora, estou morto de cansaço. Vou dormir. Vejo você pela manhã”, disse para Simon. “Você”, ele disse para Jace. “Bem, acho que vejo você por aí. Você é o primeiro Caçador de Sombras que já conheci.” “Isso é mau”, disse Jace, “já que todos os que você conhecer de hoje em diante serão uma terrível decepção.” Kyle revirou os olhos e partiu, fechando com força a porta do quarto quando passou. Simon olhou para Jace. “Você não vai voltar para o Instituto”, disse, “vai?” Jace sacudiu a cabeça. “Você precisa de proteção. Quem sabe quando alguém pode tentar te matar de novo?” “Essa sua paranoia de evitar Clary realmente se tornou uma virada histórica”, disse Simon, se levantando. “Algum dia você vai voltar para casa?” Jace olhou para ele. “Você vai?” Simon foi para a cozinha, pegou uma vassoura e varreu o vidro quebrado
da garrafa. Foi a sua última. Jogou os cacos no lixo e passou por Jace indo em direção ao seu pequeno quarto, onde tirou a sua jaqueta e sapatos e se lançou sobre o colchão. Um momento depois Jace entrou no quarto. Olhou em volta, suas sobrancelhas claras erguidas, em sua expressão uma máscara de diversão. “Você tem bastante espaço aqui. Minimalista. Gostei.” Simon rolou para o lado e fitou Jace em descrença. “Por favor, me diga que você não está planejando ficar no meu quarto.” Jace se sentou no parapeito da janela e olhou para ele. “Você não leva a sério esse negócio de guarda-costas, não é?” “Eu nem imaginava que você gostava tanto de mim assim”, respondeu Simon. “Essa é uma daquelas coisas de mantenha-seus-amigos-por-perto-einimigos-mais-perto-ainda?” “Eu achei que era para manter seus amigos por perto para ter alguém para dirigir o carro quando esgueirar-se sobre a casa do seu inimigo de noite e vomitar em sua caixa de correspondências.” “Tenho certeza que não é isso. E isso de me proteger é menos tocante do que assustador, só para você saber. Eu estou ótimo. Você viu o que acontece se alguém tentar me ferir.” “É, eu vi”, disse Jace. “Porém, mais cedo ou mais tarde a pessoa que está tentando te matar vai descobrir sobre a Marca de Caim. E então eles vão desistir ou encontrar outra maneira de vir até você.” Se inclinou no caixilho da janela. “E é por isso que estou aqui.” Apesar da irritação, Simon não pôde encontrar lacunas no argumento dele, ou pelo menos não uma grande suficiente para se incomodar. Deitou-se de barriga para baixo e enterrou o rosto nos braços. Dentro de minutos, adormeceu. Ele estava andando no deserto, sobre a areia quente, ossos velhos embranquecendo ao sol. Nunca tivera tanta sede. Quando engoliu, sua boca parecia estar coberta de areia, sua garganta coberta com facas. O zumbido agudo do seu celular acordou Simon. Ele rolou na cama e agarrou exausto a sua jaqueta. Quando tirou o aparelho do bolso, já havia parado de tocar. Ele o virou, para ver quem havia ligado. Era Luke.
Droga. Aposto que minha mãe ligou para a casa de Clary me procurando, ele pensou, sentando-se. Seu cérebro ainda estava vago de sono, e demorou um momento para ele se lembrar que, quando adormecera no quarto, não estava sozinho. Olhou rapidamente para a janela. Jace ainda estava ali, mas claramente dormia — sentado, sua cabeça encostada no vidro da janela. Uma luz azul clara do amanhecer infiltrava-se sobre ele. Ele parece bastante jovem assim, Simon pensou. Sem escárnio na expressão, sem defensiva ou sarcasmo. Era quase possível imaginar o que Clary viu nele. Estava claro que ele não levava seus deveres de guarda-costas tão seriamente, mas aquilo era óbvio desde o começo. Simon se perguntou, não pela primeira vez, que diabos estava acontecendo entre Clary e Jace. O telefone voltou a zumbir. Levantando-se com um impulso, Simon se direcionou para a sala de estar, atendendo logo antes da ligação cair em caixa postal de novo. “Luke?” “Desculpe por acordá-lo, Simon.” Luke estava, como sempre, infalivelmente cortês. “Já estava acordado mesmo”, mentiu Simon. “Preciso que você me encontre no Washington Square Park em meiahora”, disse Luke. “Na fonte.” Agora Simon ficou seriamente alarmado. “Está tudo bem? Clary está bem?” “Ela está ótima. Não se trata dela.” Houve um ruído retumbante no fundo. Simon supôs que Luke estava dando a partida em seu caminhão. “Só me encontre no parque. E não traga ninguém com você.” Ele desligou. ●●●● O barulho do caminhão de Luke saindo da rua acordou Clary de seus sonhos inquietos. Ela se sentou e estremeceu. A corrente no seu pescoço se prendera em seu cabelo enquanto dormia, e ela a puxou sobre a cabeça, cuidadosamente desfazendo o emaranhado.
Ela baixou o anel na sua palma, a corrente caindo em volta. O pequeno círculo de prata, marcado com seu conjunto de estrelas, parecia piscar para ela zombeteiramente. Lembrou-se de quando Jace o havia dado para ela, enrolado na nota que deixara para trás quando foi caçar Jonathan. Apesar de tudo, não
posso suportar o pensamento de esse anel ser perdido para sempre, não mais do que posso suportar o pensamento de deixar você para sempre. Aquilo havia sido a dois meses atrás. Ela tinha certeza que ele a amava, tão certa que a Rainha da Corte Seelie não foi capaz de provocá-la. Como poderia
querer outra coisa, quando tinha Jace? Mas talvez você nunca teve alguém mesmo, pensou agora. Talvez, independente de quanto você as amam, elas podem escorregar dos seus dedos como água, e não há nada que possa fazer a respeito. Ela entendia por que as pessoas falavam sobre corações “partidos”; sentia como se o dela fosse feito de vidro quebrado, e os cacos fossem como minúsculas facas dentro de seu peito quando ela respirava. Imagine sua vida sem ele, a Rainha de Seelie dissera— O telefone tocou, e por um momento Clary apenas, se sentiu aliviada que alguma coisa, qualquer coisa, pudesse interromper sua miséria. O segundo pensamento foi: Jace. Talvez ele não pudesse conseguir ligar para o seu celular e estava ligando para a sua casa. Ela pousou o anel no criado-mudo e estendeu a mão para pegar o fone do gancho. Estava prestes a dizer “alô” quando percebeu que o telefone já havia sido atendido, por sua mãe. “Alô?” Sua mãe parecia ansiosa, e surpreendentemente acordada, apesar de ser tão cedo na manhã. A voz que respondeu não era familiar, com um sotaque fraco. “É Catarina do hospital Beth Israel. Estou procurando Jocelyn.” Clary congelou. O hospital? Será que algo aconteceu, talvez com Luke?
Ele havia saído extremamente rápido —“ “Eu sou Jocelyn.” Sua mãe não parecia assustada, mas era mais como se esperasse a ligação. “Obrigada por ligar de volta tão rápido.” “É claro. Fiquei feliz em ouvir sobre você. Não é todo dia que vê pessoas se recuperarem de uma maldição como a que você estava sofrendo.” Certo, pensou Clary. Sua mãe estivera no Beth Israel, em coma, devido os efeitos da poção que
tomara para impedir que Valentine a interrogasse. “E um amigo de Magnus Bane também é meu amigo.” Jocelyn pareceu cansada. “Minha mensagem fez sentido? Sabe do que eu estava falando?” “Você queria saber sobre a criança”, disse a mulher no outro lado da linha. Clary sabia que devia desligar, mas não podia. Que criança? O que estava acontecendo? “A que foi abandonada.” A voz de Jocelyn gaguejou por um instante. “S-sim. Eu pensei—” “Sinto muito em dizer isso, mas ele faleceu. Morreu ontem à noite.” Por um momento Jocelyn ficou em silêncio. Clary podia sentir o choque da mãe através da linha telefônica. “Morreu? Como?” “Não tenho certeza se eu mesma consigo entender. O padre veio na noite passada para batizar a criança, e—“ “Ah, meu Deus.” A voz de Jocelyn ficou abalada. “Eu posso — eu poderia ir aí e olhar o corpo?” Houve um longo silêncio. Finalmente a enfermeira disse, “Não acho que isso seja uma boa ideia. O corpo está no necrotério agora, esperando transferência para o escritório do examinador médico.” “Catarina, acho que sei o que aconteceu com o garoto.” Jocelyn soou ofegante. “E se eu puder confirmar isso, talvez possa impedir que isso aconteça outra vez.” “Jocelyn—” “Estou indo”, a mãe de Clary disse, e desligou o telefone. Clary encarou confusa o fone por um momento antes de desligar. Ela se levantou, penteou rapidamente o cabelo, vestiu jeans e um suéter e saiu pela porta do quarto bem a tempo de pegar a mãe na sala de estar, escrevendo às pressas uma nota no bloco de papel ao lado do telefone. Ela ergueu o olhar quando Clary entrou, e olhou para ela com um ar culpado. “Eu só estava dando uma saída”, ela disse. “Algumas coisas de última hora do casamento surgiram, e—” “Nem se preocupe em mentir para mim”, disse Clary sem hesitação. “Eu estava ouvindo no telefone, e sei exatamente para onde você vai.” Jocelyn empalideceu. Lentamente abaixou a caneta. “Clary—”
“Você tem que parar de tentar me proteger”, disse Clary. “Eu aposto que você não disse nada para Luke também sobre ligar para o hospital.” Jocelyn puxou o cabelo para trás, nervosa. “Não parece justo para ele. Com o casamento chegando e tudo—” “Beleza. O casamento. Você vai ter um casamento. E por que isso? Porque vai se casar. Você não acha que já é hora de confiar em Luke? E confiar em mim?” “Eu confio em você”, disse Jocelyn suavemente. “Nesse caso, não se importaria de eu ir junto com você para o hospital.” “Clary, eu não acho—” “Eu sei o que você acha. Você acha que isso é o mesmo que aconteceu com Sebastian — quero dizer, Jonathan. Você acha que alguém está lá fora fazendo com bebês o que Valentine fez com meu irmão.” A voz de Jocelyn se abalou levemente. “Valentine está morto. Mas existem outros que estavam no Ciclo que nunca foram pegos.” E eles nunca encontraram o corpo de Jonathan. Não era um dos assuntos favoritos de Clary. Além disso, Isabelle estivera lá e sempre fora inflexível que Jace ceifara a espinha de Jonathan com a lâmina de uma adaga e que Jonathan ficou bem, bem morto como resultado. Ela mergulhou na água e checou, ela tinha dito. Não havia pulso, nem um batimento cardíaco. “Mãe”, falou Clary. “Ele era meu irmão. Eu tenho o direito de ir com você.” Bem lentamente Jocelyn assentiu. “Você tem razão. Acho que tem.” Ela pegou a bolsa pendurada num pegador na porta. “Bem, vamos, então, e pegue um casaco. A previsão do tempo diz que poderia chover.”
●●●●
Pela manhã, cedo, o Washington Square Park estava quase deserto. O vento era refrescante e a manhã clara, as folhas já grossamente cobrindo a calçada em linhas de vermelho, ouro e verde escuro. Simon as chutou para o lado quando
passou debaixo da arcada da pedra no fim do sul do parque. Havia poucas pessoas em volta — alguns homens sem teto dormindo em bancos, enrolados em sacos de dormir ou cobertores velhos, e alguns garotos vestindo uniformes verde do saneamento esvaziando as latas de lixo. Havia um homem que empurrava um carrinho pelo parque, vendendo rosquinhas, cafés e bagels21 já cortados. E no centro do parque, perto da grande fonte de pedra circular, estava Luke. Ele estava vestindo um blusão verde com o zíper fechado e acenou quando viu Simon. Simon acenou em retorno, com um pouco de receio. Ele ainda não tinha certeza se estava em algum tipo de problema. A expressão de Luke, conforme Simon se aproximava, só intensificava o pressentimento dele. Luke parecia cansado e mais do que um pouco estressado. Seu olhar, quando caiu em Simon, era de total preocupação. “Simon”, ele disse. “Obrigado por vir.” “Sem problemas.” Simon não estava com frio, mas enfiou as mãos nos bolsos de sua jaqueta mesmo assim, só para dar a elas algo do que fazer. “Qual é o problema?” “Eu não disse nada sobre problemas.” “Você não me arrastaria para cá no início da manhã se não houvesse nenhum problema”, ressaltou Simon. “Se não tem nada a ver com Clary, então...?” “Ontem, na loja de noiva”, disse Luke. “Você me perguntou sobre alguém. Camille.” Um bando de pássaros voou, gralhando, das árvores próximas. Simon se lembrou de uma rima que a mãe costumava recitar para ele sobre pegas, um tipo de corvo. Você devia contá-las e dizer: Um para sofrimento, dois para alegria, três para casamento, quatro para o nascimento; cinco para a prata, seis para ouro, sete para um mistério que nunca foi falado.22 “Certo”, disse Simon. Ele já perdera a conta do número de pássaros que havia ali. Sete, supôs. Um mistério que nunca foi falado. Seja lá o que fosse. “Você sabe sobre os Caçadores de Sombras que foram encontrados mortos 21
Tipo de pão parecido com a rosquinha. Minha adaptação. Em inglês: One for sorrow, two for mirth, three for a wedding, four for a birth; five for silver, six for gold, seven for a secret that’s never been told. 22
na cidade na semana passada mais ou menos”, disse Luke. “Não sabe?” Simon assentiu lentamente. Tinha um mau pressentimento sobre onde aquilo ia chegar. “Parece que Camille é a responsável”, disse Luke. “Não pude deixar de lembrar que você perguntou sobre ela. Ouvir o nome dela duas vezes, num único dia, depois de anos de nunca o ouvir nem uma vez sequer — pareceu como uma boa coincidência.” “Coincidências acontecem.” “Às vezes”, concordou Luke, “mas raramente são a resposta mais provável. Hoje à noite Maryse vai convocar Raphael para interrogá-lo sobre o papel de Camille nesses assassinatos. Se for descoberto que você sabe algo sobre Camille — que teve contato com ela —, não quero que você seja surpreendido, Simon.” “Isso faz dois de nós.” A cabeça de Simon começou a martelar. Vampiros ao menos deviam ter dor de cabeça? Ele não conseguia se lembrar da última vez que tivera uma, antes do que aconteceu nos dias que se passaram. “Eu encontrei Camille”, disse. “Faz uns quatro dias atrás. Eu achei que quem estava me chamando era Raphael, mas não, era ela. Ela me ofereceu um acordo. Se eu trabalhasse para ela, ela me tornaria o segundo vampiro mais importante na cidade.” “Por que queria que você trabalhasse para ela?” O tom de Luke estava neutro. “Ela sabe sobre a minha Marca”, disse Simon. “Disse que Raphael a traiu e ela poderia me usar para recuperar o controle do clã. Eu tive a sensação de que ela não tinha grande afeição por Raphael.” “Bastante curioso”, disse Luke. “A história que ouvi é que Camille ficou ausente por tempo indefinido da liderança do clã por aproximadamente um ano e tornou Raphael seu sucessor temporário. Se ela o escolheu para comandar no seu lugar, por que se moveria contra ele?” Simon deu de ombros. “Eu não sei. Estou só te contando o que ela disse.” “Por que você não nos contou sobre ela, Simon?” Luke disse bem calmamente. “Ela me disse para não fazer isso.” Simon percebeu como estava soando estúpido. “Eu nunca encontrei uma vampira como ela antes”, ele acrescentou.
“Só Raphael e os outros no Dumont. É difícil explicar como ela era. Tudo que dizia, você queria acreditar. Tudo que pedia pra você fazer, você queria fazer. Queria satisfazê-la mesmo sabendo que só queria fazer hora comigo.” O homem com o carrinho de café e rosquinhas passava novamente. Luke comprou café e um bagel e se sentou na beira da fonte. Depois de um momento, Simon se juntou a ele. “O homem que me deu o nome de Camille a chamou de ‘a anciã’“, contou Luke. “Ela é, eu acho, uma dos vampiros muito, muito velhos desse mundo. Imagino que iria fazer a maioria das pessoas se sentir pequenas diante dela.” “Ela fez eu me sentir um inseto”, disse Simon. “Prometeu que, em cinco dias, se eu não quisesse trabalhar para ela, nunca me incomodaria novamente. Então eu falei que iria pensar a respeito.” “E fez isso? Pensou a respeito?” “Se ela está matando Caçadores de Sombras, não quero ter nenhuma relação com ela”, disse Simon. “Só posso te dizer isso.” “Tenho certeza que Maryse ficará aliviada em ouvir isso.” “Agora você está só sendo sarcástico.” “Não estou”, disse Luke, parecendo bem sério. Era em momentos como esse que Simon podia pôr de lado suas memórias de Luke — espécie de padrasto de Clary, o cara que estava sempre por perto, que sempre queria lhe dar uma carona para casa do colégio ou emprestar dez pratas para você comprar um livro ou ingressos de cinema — e lembrar que ele liderava o maior bando de lobisomens da cidade, que ele era alguém que, em momentos cruciais, toda a Clave ouvia. “Você esquece do que é, Simon. Você esquece do poder que tem.” “Eu queria poder esquecer”, Simon disse amargamente. “Queria que, se não o usasse, ele simplesmente fosse embora.” Luke sacudiu a cabeça. “Poder é um ímã. Atrai aqueles que o desejam. Camille é um deles, mas haverá outros. Temos tido sorte, de uma maneira, de isso ter demorado tanto.” Ele olhou para Simon. “Você acha que, se ela o convocar novamente, você poderia contar para mim, ou para a Clave, avisandonos onde encontrá-la?” “Claro”, Simon disse lentamente. “Ela me deu uma maneira de contatá-la. Mas não é como se ela fosse aparecer se eu soprasse um apito mágico. Da última
vez que ela quis falar comigo, ela fez os subordinados me surpreenderem e então me levar até ela. Então só ter pessoas andando comigo enquanto tento contatá-la não vai funcionar. Se for assim, vamos conseguir os seus subjugados, não ela.” “Hmm.” Luke pareceu considerar aquilo. “Teremos então que pensar em algo inteligente.” “Melhor pensar rápido. Ela disse que me daria cinco dias, então isso significa que amanhã irá esperar algum tipo de sinal meu.” “Imagino que sim”, disse Luke. “Na verdade, estou contando com isso.” ●●●● Simon abriu a porta da frente do apartamento de Kyle com cautela. “Oi?” Ele chamou, entrando no ambiente e pendurando sua jaqueta. “Tem alguém em casa?” Ninguém respondeu, mas da sala de estar Simon pôde ouvir os familiares barulhos de zap-bang-crash de um vídeo game sendo jogado. Entrou no quarto, com as mãos estendidas na frente como um pedido de paz, oferecendo o saco branco de bagels que comprara da Bagel Zone na Avenida A. “Trouxe o café da manhã...” Sua voz falhou. Ele não tinha certeza do que esperava quando os seus guarda-costas autodesignados descobrissem que saíra do apartamento sem ser visto. Definitivamente envolveria alguma frase como “Faça isso de novo e eu te mato.” O que não envolvia era Kyle e Jace, sentados no sofá futon lado a lado, parecendo melhores amigos recentemente inventados. Kyle estava com um controle de vídeo game nas mãos e Jace estava inclinado para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, assistindo atentamente. Mal pareceram notar a entrada de Simon. “O cara ali no canto está olhando totalmente para o outro lado”, observou Jace, apontando para a tela da TV. “Um chute na bunda dele pode deixá-lo fora de serviço.” “Eu não posso chutar nas pessoas nesse jogo. Só posso atirar nelas. Está vendo?” Kyle apertou alguns botões. “Isso é ridículo.” Jace levantou o olhar e pareceu ver Simon pela primeira
vez. “De volta do seu encontro de café-da-manhã, estou vendo”, ele disse sem boas-vindas no tom. “Aposto que se achou muito inteligente, saindo em silêncio daquele jeito.” “Meio inteligente”, Simon confessou. “Como um cruzamento entre George Clooney daquele filme ‘Onze Homens e Um Segredo’ e aqueles Caçadores de Mitos, mas, sabe, mais bonito.” “Fico tão feliz que não tenho ideia do que você está vagamente falando”, disse Jace. “Me enche com uma sensação de paz e bem-estar.” Kyle abaixou o controle, deixando a tela congelada na imagem de uma grande arma com ponta de agulha. “Quero um bagel.” Simon jogou-lhe um, e Kyle foi para a cozinha, que era separada da sala de estar por um longo balcão, para torrar e passar manteiga no café-da-manhã. Jace olhou para o saco branco e acenou uma mão em sinal de recusa. “Não, obrigado.” Simon se se sentou à mesa de café. “Você devia comer alguma coisa.” “Olha quem está falando.” “Estou sem sangue agora”, disse Simon. “A menos que você esteja oferecendo.” “Não, obrigado. Já passamos por essa antes, e acho que é melhor sermos só amigos.” O tom de Jace estava levemente sarcástico como sempre, mas de perto, Simon pôde ver como ele estava pálido, e que os olhos estavam cercados por sombras cinza. Os ossos do rosto pareciam estar mais protuberantes do que já estiveram antes. “Cara”, disse Simon, empurrando o saco na mesa para Jace. “Você devia comer alguma coisa. Falando sério.” Jace olhou para o saco de comida, e estremeceu. As pálpebras dos olhos estavam azul-acinzentados de exaustão. “Para ser honesto, o pensamento me dá enjoo.” “Você caiu no sono ontem à noite”, disse Simon. “Quando devia estar me protegendo. Eu sei que isso de ser meu guarda-costas é mais como uma brincadeira para você, mas mesmo assim. Faz quanto tempo desde que você dormiu pela última vez?” “Você quer dizer, durante a noite?” Jace considerou. “Duas semanas. Talvez três.”
Simon ficou boquiaberto. “Por quê? Quero dizer, o que está acontecendo?” Jace abriu o fantasma de um sorriso. “‘Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito, se não fosse meus sonhos ruins.’” “Na verdade, sei essa. Hamlet. Então você está dizendo que não pode dormir porque está tendo pesadelos?” “Vampiro”, Jace falou, com uma certeza cansada, “você não tem ideia.” “Ei.”Kyle voltou, passando pelo balcão, e se jogou na poltrona áspera. Ele deu uma mordida no bagel. “O que está acontecendo?” “Eu fui encontrar Luke”, disse Simon, explicando o aconteceu, não vendo motivo para esconder isso. Deixou de fora a menção de Camille querer ele não só porque é um Daylighter, mas também por causa da Marca de Caim. Kyle assentiu quando terminou. “Luke Garroway. Ele é o líder do bando do centro da cidade. Ouvi falar dele. O maior figurão.” “O nome verdadeiro não é Garroway”, disse Jace. “Antes ele era um Caçador de Sombras.” “Claro. Ouvi isso também. E agora ele colabora com todo esse negócio de Acordos.” Kyle olhou para Simon. “Você conhece algumas pessoas importantes.” “Pessoas importantes são cheias de problemas”, disse Simon. “Camille, por exemplo.” “Quando Luke contar a Maryse o que está acontecendo, a Clave vai cuidar dela”, disse Jace. “Há protocolos para lidar com Seres do Submundo selvagens.” Nesse ponto, Kyle olhou para ele de lado, mas Jace não pareceu notar. “Já te disse que não acho que ela seja a pessoa que queira te matar. Ela sabe —” Jace parou bruscamente. “Ela sabe ser mais esperta que isso.” “E, além disso, quer te usar”, disse Kyle. “Exatamente”, disse Jace. “Ninguém iria querer matar um recurso valioso.” Simon olhou de um para o outro, e sacudiu a cabeça. “Quando vocês dois ficaram tão íntimos? Na noite passada era tudo, ‘Eu sou o maior guerreiro da elite!’ ‘Não, eu sou o maior guerreiro da elite!’ E hoje vocês estão jogando Halo e trocando boas ideias.” “Percebemos que temos algo em comum”, disse Jace. “Você aborrece a nós dois.” “Dessa mesma maneira, pensei em uma coisa”, falou Simon. “Mas não
acho que vocês vão gostar.” Kyle ergueu as sobrancelhas. “Vamos ouvir o que é.” “O problema de vocês me vigiando todo o tempo”, disse Simon, “é que se fizerem isso, quem está tentando me matar não vai tentar de novo, e se não tentarem de novo, então não descobriremos quem são, e mais, vocês terão que me vigiar o tempo todo. E assumo que prefiram fazer outras coisas. Bem”, disse na direção de Jace, “possivelmente você não.” “Então?” Disse Kyle. “Qual é a sua sugestão?” “Os atraímos. Fazemos eles atacar outra vez. Tentamos capturar um deles e descobrir quem os está mandando.” “Se eu me lembro bem”, disse Jace, “tive essa mesma ideia outro dia, e você não gostou muito.” “Eu estava cansado”, respondeu Simon. “Mas agora estou pensando. E até agora, em minha experiência com malfeitores, eles não vão embora só porque você os ignora. Eles continuam vindo de formas diferentes. Então eu faço esses caras virem até mim, ou passo a eternidade esperando eles me atacarem de novo.” “Estou dentro”, Jace disse, apesar de Kyle ainda estar em dúvida. “Então você só quer sair e andar por aí até que eles apareçam de novo?” “Eu achei que seria melhor facilitar para eles. Aparecer onde todo mundo sabe que é onde eu devia estar.” “E você se refere a...?” Disse Kyle. Simon apontou para o panfleto na geladeira. MILLENNIUM LINT, 16 de OUTUBRO, O ALTO BAR, BROOKLYN. 9h da NOITE. “Me refiro à apresentação. Por que não?” Sua dor de cabeça ainda estava ali, forte; ele a ignorou, tentando não pensar em como estava exausto, ou como reagiria na apresentação. Tinha que conseguir mais sangue de alguma forma. Tinha. Os olhos de Jace brilhavam. “Sabe, essa é na verdade uma ideia muito boa, vampiro.” “Você quer que eles te ataquem no palco?” Perguntou Kyle. “Vai deixar o show mais legal”, disse Simon, com mais fanfarrice do que tinha. A ideia de ser atacado mais uma vez era quase mais do que poderia aguentar, mesmo se não temesse sua segurança pessoal. Ele não tinha certeza se podia suportar observar a Marca de Caim fazer seu trabalho novamente.
Jace sacudiu sua cabeça. “Eles não atacam em público. Irão esperar até depois do show. E estaremos lá para cuidar deles.” Kyle balançou a cabeça. “Eu não sei...” A discussão demorou mais um pouco, Jace e Simon em um lado do argumento e Kyle no outro. Simon sentiu um pouco de culpa. Se Kyle soubesse sobre a Marca, ele seria muito mais fácil de persuadir. No fim, este desistiu por causa da pressão e relutantemente concordou com o que continuava a insistir que era um “plano estúpido”. “Mas”, disse finalmente, se levantando e tirando migalhas de bagel da camisa, “eu só vou fazer isso porque sei que vocês dois vão fazer isso independente de eu concordar. Então também preciso estar lá.” Ele olhou para Simon. “Quem imaginaria que proteger você de si mesmo seria tão difícil.” “Eu poderia ter dito para você isso”, disse Jace, quando Kyle vestiu uma jaqueta e foi para a porta. Ele tinha que trabalhar, explicou para eles. Parecia que ele era mesmo um mensageiro de bicicleta; o Praetor Lupus, apesar de ter um nome durão, não pagava tão bem. A porta se fechou atrás dele, e Jace virou para Simon. “Então, a apresentação é as nove, certo? O que faremos até lá?” “Nós?” Simon olhou para ele em descrença. “Você não vai voltar para casa?” “Que foi, já está cansado da minha companhia?” “Deixe-me perguntar uma coisa”, disse Simon. “Você me acha fascinante de ter por perto?” “Que foi isso?” Disse Jace. “Desculpe, acho que cai no sono por um instante. Continue com a coisa hipnotizante que estava dizendo.” “Para com isso”, disse Simon. “Para de ser sarcástico por um segundo. Você não está comendo, não está dormindo. Sabe quem mais não está? Clary. Eu não sei o que está acontecendo com você e ela, porque francamente ela não tem dito nada a respeito. Eu acho que também não quer falar sobre isso. Mas é bastante óbvio que vocês estão brigando. E se for terminar com ela—” “Terminar com ela?” Jace o encarou. “Você está maluco?” “Se você continuar a evitando”, disse Simon, “ela vai terminar com você.” Jace se levantou. Seu relaxamento fácil se foi; Ele agora estava todo tenso, como um gato alerta. Ele foi para a janela e puxou a cortina agitado; a luz da
manhã passou pela brecha, clareando a cor dos seus olhos. “Eu tenho motivos pelas coisas que faço”, ele disse finalmente. “Ótimo”, Simon disse. “Clary sabe quais são?” Jace não disse nada. “Tudo o que ela faz é amar você e confiar em você”, Simon disse. “Você deve uma a ela—” “Há coisas mais importantes do que honestidade”, disse Jace. “Você acha que eu gosto de machucá-la? Você acha que eu gosto de saber que estou deixando-a zangada, talvez a fazendo me odiar? Por que você acha que eu estou aqui?” Ele olhou para Simon com um tipo gélido de raiva. “Eu não posso ficar com ela”, ele disse. “E se não posso ficar com ela, não importa para mim onde estou. Eu poderia também ficar com você, porque pelo menos se ela soubesse que eu estava tentando te proteger, isso poderia deixá-la feliz.” “Então você está tentando deixá-la feliz apesar do fato que o motivo de ela estar infeliz é você”, disse Simon, não muito gentil. “Isso parece contraditório, não parece?” “O amor é uma contradição”, disse Jace, e virou de volta para a janela.
Capítulo
8
CAMINHAR NA ESCURIDÃO
CLARY TINHA SE ESQUECIDO DO QUANTO ELA ODIAVA O cheiro de hospitais, enquanto elas caminhavam através das portas da frente do Beth Israel. Esterilidade, metal, café passado, e desinfetante insuficiente para encobrir o fedor de enfermidade e tristeza. A lembrança da doença de sua mãe, de Jocelyn deitada inconsciente e impassível em seu leito de tubos e fios, a golpeou como um tapa no rosto, e ela sugou uma respiração, tentando não provar o ar. “Você está bem?” Jocelyn puxou o capuz de seu casaco e olhou para Clary, seus olhos verdes ansiosos. Clary concordou, curvou os seus ombros em sua jaqueta, e olhou ao redor. O saguão era todo em mármore frio, metal e plástico. Havia uma grande mesa de informações atrás, na qual várias mulheres, provavelmente enfermeiras, estavam se movendo; tabuletas apontavam o caminho para a UTI, Radiologia, Oncologia Cirúrgica, Pediatria, e por ai vai. Ela provavelmente teria encontrado a lanchonete dormindo; ela tinha trazido a Luke copos suficientes de café morno de lá, para preencher o reservatório do Central Park. “Desculpe-me.” Uma enfermeira esbelta empurrando um velho em uma cadeira de rodas passou por elas, quase passando as rodas sobre os dedos de Clary. Clary olhou após ela — tinha havido algo — um tremular— “Não encare, Clary”, Jocelyn disse sob sua respiração. Ela colocou seu braço ao redor dos ombros de Clary, as virando para que ambas ficassem de
frente as portas que levavam da sala de espera para o laboratório, onde pessoas tinham seu sangue tirado. Clary podia ver a si mesma e a sua mãe refletidas no vidro escuro das portas. Embora ela ainda fosse meia cabeça mais baixa que sua mãe, elas realmente não se pareciam, pareciam? Antigamente ela sempre tinha desconsiderado quando as pessoas diziam que Jocelyn era bonita, e ela não era. Mas a forma de seus olhos e bocas eram os mesmos, como eram seus cabelos ruivos e olhos verdes e mãos delgadas. Como ela tinha conseguido tão pouco da aparência de Valentine, Clary se perguntava, quando seu irmão tinha tido tudo? Ele tinha o mesmo cabelo loiro do pai e surpreendentes olhos escuros. Embora, talvez, ela pensou, se ela olhasse atentamente, ela podia ver um pouco de Valentine na teimosia de sua mandíbula... “Jocelyn.” Ambas viraram-se. A enfermeira que tinha estado empurrando o velho na cadeira de rodas estava em pé em frente a elas. Ela era magra, jovem, pele escura, e olhos escuros — então, enquanto Clary olhava para ela, o encanto descascou. Ela era ainda uma esbelta, jovem mulher, mas agora sua pele era azul escura, e seu cabelo, torcido em um coque atrás de sua cabeça, era branco neve. O azul de sua pele contrastava chocantemente com seu jaleco rosa claro. “Clary”, Jocelyn disse. “Esta é Catarina Loss. Ela cuidou de mim enquanto eu estava aqui. Ela também é uma amiga de Magnus.” “Você é uma bruxa.” As palavras saíram da boca de Clary antes que ela pudesse pará-las. “Shhh.” A bruxa pareceu horrorizada. Ela olhou para Jocelyn. “Eu não me lembro de você dizendo que iria trazer sua filha. Ela é apenas uma criança.” “Clarissa pode se comportar.” Jocelyn olhou severamente para Clary. “Você pode?” Clary concordou. Ela tinha visto bruxos antes, outros como Magnus, na batalha em Idris. Todos os bruxos tinham algumas feições que os marcavam com não humanos, ela aprendera, como os olhos de gato de Magnus. Alguns tinham asas ou dedos dos pés palmados ou dedos das mãos em garras. Mas ter a pele inteiramente azul era algo que seria difícil de esconder com lentes de contato ou jaquetas muito grandes. Catarina Loss devia estar enfeitiçando a si mesma todo dia para sair — especialmente trabalhando em um hospital mundano.
A feiticeira acenou seu polegar em direção aos elevadores. “Vamos lá. Venham comigo. Vamos terminar logo com isso.” Clary e Jocelyn se apressaram atrás dela para o grupo de elevadores e para o primeiro cujas portas se abriram. Enquanto as portas se fechavam atrás delas com um chiado, Catarina pressionou um botão marcado simplesmente com M. Havia uma endentação no metal ao lado dele que indicava que o andar M podia ser alcançado apenas com uma chave de acesso, mas enquanto ela tocava o botão, uma faísca azul saltou de seu dedo e o botão se iluminou. O elevador começou a se mover para baixo. Catarina estava sacudindo sua cabeça. “Se você não fosse uma amiga de Magnus Bane, Jocelyn Fairchild—“ “Fray”, Jocelyn disse. “ Eu sou Jocelyn Fray agora.” “Sem mais nomes de Caçadores de Sombras para você?” Catarina sorriu com desdém; seus lábios eram surpreendentemente vermelhos contra sua pele azul. “E quanto a você, garotinha? Você será uma Caçadora de Sombras como seu pai?” Clary tentou esconder seu aborrecimento. “Não”, ela disse. “Eu vou ser uma Caçadora de Sombras, mas eu não vou ser como meu pai. E meu nome é Clarissa, mas você pode me chamar de Clary.” O elevador parou; as portas se abriram. Os olhos azuis da feiticeira descansaram em Clary por um momento. “Ah, eu sei seu nome”, ela disse. “Clarissa Morgenstern. A garotinha que parou uma grande guerra.” “Eu acho que sim.” Clary saiu do elevador depois de Catarina, sua mãe perto, atrás. “Você estava lá? Eu não me lembro de vê-la?” “Catarina estava aqui”, Jocelyn disse, um pouco ofegante pela pressa em manter o passo. Elas estavam caminhando em um corredor quase que totalmente descaracterizado; não havia janelas, e nenhuma porta ao longo do corredor. As paredes eram pintadas de um doentio verde pálido. “Ela ajudou Magnus a utilizar o Livro Branco23 para me acordar. Então ela ficou para trás para cuidar dele, enquanto ele retornava para Idris.” “Cuidar do livro?” “Ele é um livro muito importante”, Catarina disse, seus sapatos solados 23
No 1º livro, é deixado como original o Livro Gray (cinza). Deixado assim por causa da palavra Gramarye (que significa magia, sabedoria oculta)
friccionando contra o chão, enquanto ela se apressava a frente. “Eu pensei que fosse uma guerra importante”, Clary murmurou sob sua respiração. Elas tinham finalmente alcançado a porta. Havia um quadrado de vidro embaçado nela, e a palavra “necrotério” estava pintada nela em grandes letras pretas. Catarina virou sua mão na maçaneta, um olhar divertido em seu rosto, e olhou para Clary. “Eu aprendi cedo em minha vida que eu tinha um dom de cura”, ela disse. “É o tipo de magia que eu faço. Por isso eu trabalho aqui, por uma porcaria de salário, neste hospital, e eu faço o que posso para curar mundanos que sairiam gritando se eles soubessem o que eu pareço de verdade. Eu poderia fazer uma fortuna vendendo minhas habilidades para os Caçadores de Sombras e Mundanos idiotas que pensam saber o que é mágica, mas eu não. Eu trabalho aqui. Então não dê uma de toda poderosa em cima de mim, garotinha ruiva. Você não é melhor que eu, só por que você é famosa.” As bochechas de Clary arderam. Ela nunca tinha pensado de si mesma como famosa antes. “Você está certa”, ela disse. “Desculpe-me.” Os olhos azuis da bruxa cintilaram para Jocelyn, que parecia pálida e tensa. “Você está pronta?” Jocelyn concordou, e olhou para Clary, que concordou também, Catarina empurrou a porta, e elas a seguiram dentro do necrotério. A primeira coisa que atingiu Clary foi o arrepio. Era congelante dentro da sala, e ela rapidamente fechou seu casaco. A segunda foi o cheiro, o desagradável fedor de produtos de limpeza cobrindo o adocicado cheiro da decomposição. Luzes amareladas inundavam das luzes fluorescentes acima. Duas largas e vazias mesas de exame ficavam no centro da sala; havia uma pia também, e um suporte de metal com uma escala nisso, para pesar órgãos. Ao longo da parede estava um conjunto de compartimentos de aço, como caixas de cofre em um banco, mas muito maiores. Catarina cruzou a sala para um, tomou a alça, e a puxou; ela deslizou sobre rolamentos. Dentro, deitada em uma placa de metal, estava o corpo de uma criança. Jocelyn fez um pequeno ruído em sua garganta. Um momento depois ela se apressou para o lado de Catarina, Clary seguiu mais lentamente. Ela tinha visto corpos mortos antes — ela tinha visto o corpo de Max Lightwood, e ela o tinha
conhecido. Ele tinha apenas nove anos de idade. Mas um bebê — Jocelyn colocou a mão sobre sua boca. Seus olhos estavam muito arregalados e sombrios, fixados no corpo da criança. Clary olhou abaixo. Primeiro, o bebê — um menino — parecia normal. Ele tinha todos os dez dedos das mãos e todos os dez dedos dos pés. Mas olhando atentamente — olhando do modo que ela olharia se quisesse ver além do encanto — ela viu que os dedos da criança não eram dedos de modo algum, mas garras, curvadas para dentro, afiadamente apontadas. A pele da criança era cinza, e seus olhos, arregalados, eram totalmente negros — não só as irís, mas os brancos também. Jocelyn sussurrou, “Isso é como os olhos de Jonathan eram quando ele nasceu — negros como túneis. Eles mudaram mais tarde, pareceram mais humanos, mas eu me lembro...” E com um estremecer ela se virou e correu da sala, a porta do necrotério batendo fechada atrás dela. Clary olhou para Catarina, que parecia impassível. “Os médicos não puderam dizer?” Ela perguntou. “Quero dizer, seus olhos — e aquelas mãos —“ Catarina sacudiu sua cabeça. “Eles não veem o que eles não querem ver”, ela disse, e deu de ombros. “Há algum tipo de mágica funcionando aqui. Eu não tenho visto muito disso antes. Mágica demoníaca. Coisa ruim.” Ela deslizou algo de seu bolso. Era uma amostra de tecido, enfiado em um plástico ZIploc. “Isto é um pedaço do que ele estava envolto quando eles o trouxeram. Ele fede a mágica demoníaca também. Dê isso para sua mãe. Talvez ela possa mostrá-lo para os Irmãos do Silêncio, ver se eles podem conseguir algo disso. Descobrir quem fez isso.” Entorpecida, Clary o tomou. Enquanto suas mãos se fecharam sobre o plástico, uma runa subiu atrás de seus olhos — uma matrix de linhas e rodopios, o sussurro de uma imagem que se foi tão logo que ela deslizou o saquinho no bolso de seu casaco. Entretanto, seu coração estava martelando. Isso não vai para os Irmãos do Silêncio, ela pensou. Não até ela ver o que aquela runa faria a isso. “Você falará com Magnus?” Catarina disse. “Diga a ele que eu mostrei a sua mãe o que ela queria ver.”
Clary acenou mecanicamente, como um boneco. De repente tudo o que ela queria era sair dali, sair da sala iluminada em amarelo, longe do cheiro de morte e do minúsculo corpo corrompido, deitado imóvel em sua laje. Ela pensou em sua mãe, todos os anos no aniversário de Jonathan tomando aquela caixa e chorando sobre o cacho de seu cabelo, chorando pelo filho que ela devia ter tido, substituído por uma coisa como essa. Eu não acho que era isso o que ela queria ver, Clary pensou. Eu acho que isso era o que ela estava esperando que fosse impossível. Mas, “Claro,” foi tudo o que ela disse. “Eu direi a ele.” ●●●● O Alto Bar era sua típica nova tendência, localizado parcialmente sob a via Brooklyn-Queens atravessando a Greenpoit. Mas ele tinha uma noite para todas as idades a cada sábado, e Eric era amigo do dono, então eles deixavam a banda de Simon tocar a qualquer sábado que eles quisessem, apesar do fato de que eles se mantinham trocando seu nome e não podiam ser contados em atrair uma multidão. Kyle e os outros membros da banda já estavam nos bastidores, montando seus equipamentos e fazendo os testes finais. Eles iam tocar uma de suas velhas músicas, com Kyle nos vocais; ele aprendeu rápido as letras, e eles estavam se sentindo bastante confiantes. Simon tinha concordado em ficar nos bastidores até que o show começasse, o que pareceu aliviar uma pouco do stress de Kyle. Agora Simon inspecionava ao lado da cortina empoeirada de veludo na parte de trás do palco, tentando conseguir um vislumbre de quem poderia estar lá. O interior do bar tinha sido uma vez elegantemente decorado, com paredes e tetos metalizados, remanescentes de uma Lei Seca24, e vidros foscos em art deco atrás do bar. Ele era bastante sem atrativos agora do que ele tinha sido quando abriu, com manchas permanentes de fumaça nas paredes. O chão era coberto por serragem que tinham se formado em grupos como um resultado de cerveja derramada e pior. Pelo lado positivo, as mesas que alinhavam nas paredes estavam na maior parte cheias. Simon viu Isabelle sentada em uma mesa, vestida em um curto 24
Lei Seca – 1920 a 1933 EUA
vestido cinza que parecia como de malha metálica, e suas botas de chutar demônios. Seu cabelo estava erguido em um coque desordenado, preso com pauzinhos de prata. Simon sabia que cada um daqueles pauzinhos eram lâminas afiadas, capazes de fatiar através de metal ou osso. Seu batom era um vermelho brilhante, como sangue fresco. Controle-se, Simon disse para si mesmo. Pare de pensar em sangue. Mais mesas estavam tomadas por outros amigos da banda. Blythe e Kate, as namoradas respectivas de Kirk e Matt, estavam juntas em uma mesa dividindo um prato de nachos pálidos. Eric tinha várias namoradas espalhadas em mesas em torno do salão, e a maior parte de seus amigos da escola estavam lá também, fazendo o lugar parecer ainda mais cheio. Sentando no canto, em uma mesa só para si, estava Maureen, a fã de Simon — uma solitária garota loira minúscula que parecia ter cerca de doze anos, mas alegava estar com dezesseis. Ele deduziu que ela tinha provavelmente por volta dos catorze na verdade. Vendo-o enfiando sua cabeça em torno da cortina, ela acenou e sorriu vigorosamente. Simon puxou sua cabeça de volta como uma tartaruga, jogando fechadas as cortinas. “Ei”, Jace disse, que estava sentado em um amplificador jogado, olhando para seu celular. “Você quer ver uma foto de Alec e Magnus em Berlin?” “Na verdade, não.” Simon disse. “Magnus esta vestindo um lederhosen25.” “E ainda assim, não.” Jace jogou o telefone em seu bolso e olhou para Simon zombeteiro. “Você está bem?” “Sim”, Simon disse, mas ele não estava. Ele se sentia desconcentrado, nauseado e tenso, que suprimia o esforço em se preocupar sobre o que ia acontecer hoje à noite. E não parecia ajudar que não tivesse se alimentado; ele ia ter que lidar com isso, e logo. Ele desejou que Clary estivesse aqui, mas sabia que ela não poderia vir. Ela tinha algum compromisso de casamento para ir, e tinha dito a ele há muito tempo atrás que ela não poderia ir. Ele tinha falado isso para Jace antes que eles chegassem aqui. Jace pareceu tanto miseravelmente aliviado e também desapontado, tudo ao mesmo tempo, o que era impressionante. 25
Traje típico alemão com shorts de couro e suspensórios.
“Ei, ei”, Kyle disse, mergulhando através da cortina. ”Nós estamos quase prontos para ir.” Ele olhou para Simon atentamente. “Você tem certeza quanto a isso?” Simon olhou de Kyle para Jace. “Vocês sabem que estão combinando?” Eles olharam abaixo, para si mesmos, e então de um para o outro. Ambos estavam usando jeans e camisetas pretas de mangas compridas. Jace puxou a bainha sua camisa ligeiramente ciente. “Eu tomei emprestado de Kyle. Minha outra blusa estava bem imunda.” “Wow, vocês estão usando as roupas um do outro agora. Isso é, tipo, coisa de melhores amigos.” “Sentindo-se de fora?” Kyle disse. “Eu acho que você quer uma blusa preta emprestada também.” Simon não declarou o óbvio, que nada que coubessem em Kyle ou Jace fosse provavelmente caber em sua estrutura magra. ”Desde que todo mundo use suas próprias calças.” “Vejo que estão em um momento fascinante de conversa.” Eric enfiou sua cabeça através da cortina. “Vamos lá. Está na hora de começar.” Enquanto Kyle e Simon seguiam para o palco, Jace ficou de pé. Logo abaixo da bainha de sua camisa emprestada, Simon pôde ver a ponta brilhante de uma adaga. “Quebre a perna26 lá em cima”, Jace disse com um sorriso maldoso. “E eu estarei aqui embaixo, esperando quebrar a de mais alguém.” ●●●● Raphael supostamente ia vir no crepúsculo, mas ele os manteve esperando até quase três horas após a hora combinada, antes que sua projeção aparecesse na biblioteca do Instituto. Política vampira, Luke pensou secamente. O líder do clã vampiro em Nova York viria, se ele precisasse, quando os Caçadores de Sombras chamava, mas ele não seria intimado, e ele não seria pontual. Luke tinha passado as últimas horas desejando passar o tempo lendo os vários livros da biblioteca; Maryse não parecia interessada em conversar e tinha passado a maior parte do tempo de pé na janela, 26
Em linguagem do teatro é a mesma coisa que desejar boa sorte em uma apresentação.
bebendo vinho tinto de uma taça de cristal e olhando o tráfego passando na York Avenue. Ela se virou quando Raphael apareceu, como um desenho a giz na escuridão. Primeiro a palidez de seu rosto e mãos se tornaram visíveis, e então na escuridão de suas roupas e cabelo. Finalmente ele em pé, preenchido, uma projeção sólida. Ele olhou para Maryse se apressando em direção a ele e disse, “Você chamou, Caçadora de Sombras?” Ele se virou então, seu olhar passando por Luke. “E o lobo-humano está aqui também, estou vendo. Fui convocado para alguma espécie de Conselho?” “Não, exatamente.” Maryse colocou sua taça sobre a mesa. “Você ouviu acerca das recentes mortes, Raphael? Os corpos de Caçadores de Sombras que foram encontrados?” Raphael levantou expressivas sobrancelhas. “Sim. Eu não pensei em me ater a isso. Isso não tem nada haver com meu clã.” “Um corpo foi encontrado em território de feiticeiros, um em território lobo, um em território de fadas”, Luke disse. “Eu imagino que seu povo será o próximo. Parece uma clara tentativa de fomentar discórdia entre os Seres do Submundo. Eu estou aqui de boa fé, para mostrar a você que eu não acredito que você é o responsável, Raphael.” “O que é um alívio”, Raphael disse, mas seus olhos estavam sombrios e cautelosos. “Por que haveria alguma sugestão que eu fosse?” “Um dos mortos foi capaz de nos dizer quem atacou ele”, Maryse disse cuidadosamente. “Antes que ele — morresse — ele nos deixou saber que a pessoa responsável foi Camille.” “Camille.” A voz de Raphael era cautelosa, mas sua expressão, antes ele a disciplinasse para uma vazia, mostrou um choque fugaz. “Mas isso não é possível.” “Por que não é possível, Raphael?” Luke perguntou. “Ela é a líder de seu clã. Ele é muito poderosa e conhecidamente implacável. E parece ter desaparecido. Ela nunca veio a Idris para lutar com você na guerra. Ela nunca concordou com os novos Acordos. Nenhum Caçador de Sombras viu ou escutou sobre ela nos últimos meses — até agora.” Raphael não disse nada.
“Há algo acontecendo”, Maryse disse. “Nós precisamos dar a você a chance de explicar isso para nós, antes de falarmos a Clave sobre o envolvimento de Camille. Uma amostra de boa fé.” “Sim”, Raphael disse. “Sim, é certamente uma amostra.” “Raphael”, Luke disse, indelicado. “Você não tem que protegê-la. Se você se importa com ela—“ “Importar-me com ela?” Raphael virou de lado e cuspiu, embora como fosse uma projeção, isso foi mais para mostrar do que uma consequência. “Eu a odeio. A desprezo. Toda noite quando eu me levanto, eu a quero morta.” “Ah”, Maryse disse delicadamente. “Então, talvez—“ “Ela nos liderou por anos”, Raphael disse. “Ela era a líder do clã quando eu fui feito vampiro, e isso foi a cinquenta anos atrás. Antes disso, ela veio a nós de Londres. Ela era uma estranha na cidade, mas implacável o suficiente para se elevar a líder do clã de Manhattan em apenas poucos meses. Ano passado eu me tornei seu segundo em comando. Então, alguns meses depois, eu descobri que ela tinha matado humanos. Os matado por esporte, e bebido seu sangue. Infringindo a lei. Acontece algumas vezes. Vampiros se tornam selvagens e não há nada que possa ser feito para impedi-los. Mas para isso acontecer ao líder de um clã — eles supõem que devem ser melhores do que isso.” Ele estava imóvel, seus olhos escuros parecendo perdidos em si, perdido em suas memórias. “Nós não somos como os lobisomens, aqueles selvagens. Nós não matamos o nosso líder para encontrar outro. Para um vampiro levantar a mão contra outro vampiro é o pior dos crimes, mesmo se aquele vampiro tenha infringido a lei. E Camille tem muitos aliados, muitos seguidores. Eu não podia me arriscar a acabar com ela. Ao invés disso eu fui e disse que ela tinha que nos deixar, sair, ou eu iria a Clave. Eu não queria fazer isso, é claro, por que sabia que se isso fosse descoberto, traria a ira para o clã inteiro. Nós seríamos receados, investigados. Seríamos envergonhados e humilhados em frente aos outros clãs.” Maryse fez um ruído impaciente. “Há coisas mais importantes do que ficar com vergonha.” “Quando você é um vampiro, pode significar a diferença entre a vida e a morte.” A voz de Raphael baixou. “Eu apostei que ela acreditaria que eu o faria, e ela o fez. Ela concordou em ir. Eu a enviei, mas isso deixou para trás um
enigma. Eu não podia tomar seu lugar, pois ela não tinha abdicado. Eu não podia explicar sua partida sem revelar o que ela tinha feito. Eu tive que apresentar isso como um longo afastamento, uma necessidade de viagem. A necessidade de viagem não é desconhecida em nossa espécie; ela acontece ocasionalmente. Quando você pode viver para sempre, ficar em um único lugar pode vir a parecer uma enfadonha prisão depois de muitos, muitos anos.” “E por quanto tempo você acha que poderia manter essa charada?” Luke inquiriu. “Tanto quanto eu pudesse.” Raphael disse. “Até agora, pelo que parece.” Ele afastou o olhar deles, em direção a janela e a luz brilhante lá fora. Luke se inclinou contra uma das prateleiras. Ele estava vagamente entretido para notar que ele parecia estar na seção de transmorfos, alinhadas com volumes de tópicos de lobisomens, naga, kitsunes e selkies. “Você deve estar interessado em saber que ela tem estado dizendo a mesma história sobre você”, ele disse, negligenciando mencionar a quem ela esteve falando isso. “Eu pensei que ela tinha deixado a cidade.” “Talvez ela o fez, mas ela retornou”, disse Maryse. “E ela não está mais satisfeita apenas com sangue humano, ao que parece.” “Eu não sei o que posso dizer a vocês”, Raphael disse. “Eu estou tentando proteger o meu clã. Se a lei deve me punir, então eu aceitarei a punição.” “Nós não estamos interessados em punir você, Raphael”, Luke disse. “Não a menos que você se recuse a cooperar.” Raphael voltou-se para eles, seus olhos escuros queimando. “Cooperar com o que?” “Nós gostaríamos de capturar Camille. Viva”, Maryse disse. “Nós queremos interrogá-la. Nós precisamos saber por que ela tem matado Caçadores de Sombras — e estes Caçadores de Sombras, em particular.” “Se você sinceramente espera realizar isso, eu espero que você tenha um plano inteligente.” Havia uma mistura de diversão e desdém na voz de Raphael. “Camille é astuta, mesmo para nossa espécie, e nós somos, de fato, muito astutos.” “Eu tenho um plano”, Luke disse. “E ele envolve o Daylighter, Simon Lewis.”
Raphael fez uma careta. “Eu não gosto dele”, ele disse. “Eu preferiria não ser parte de um plano que conta com o envolvimento dele.” “Bem”, Luke disse. “É uma pena para você.” ●●●●
Burra, Clary pensou. Burra por não trazer um guarda-chuva. O fraco chuvisco que sua mãe tinha dito que estava vindo naquela manhã, tornou-se uma chuva quase completa no momento que ela chegou ao Alto Bar na Lorimer Street. Ela empurrou o grupo de pessoas fumando na calçada e mergulhou, grata, no calor seco do interior do bar. Millenium Lint já estava no palco, os garotos brandindo seus instrumentos, e Kyle, à frente, rosnando sensualmente ao microfone. Clary sentiu um instante de satisfação. Foi principalmente por sua influência que eles tinham contratado Kyle, e ele estava os fazendo claramente orgulhosos. Ela olhou ao redor do salão, esperando ver ou Maia ou Isabelle. Ela sabia que ambas não estariam, já que Simon cuidadosamente só as convidavam em apresentações alternadas. Seu olhar caiu sobre uma figura esguia com cabelo preto, e ela se moveu em direção à mesa, só para parar a meio caminho. Não era Isabelle de forma alguma, mas uma mulher muito mais velha, seu rosto se compunha de escuros olhos delineados. Ela estava usando um tailleur e lendo um jornal, aparentemente esquecida da música. “Clary! Aqui!” Clary se virou e viu a verdadeira Isabelle, sentada à mesa perto do palco. Ela usava um vestido que brilhava como um farol prata; Clary foi em direção dela e se lançou no assento oposto a Izzy. “Pega pela chuva, pelo visto.” Isabelle observou. Clary puxou o cabelo molhado de seu rosto com um sorriso pesaroso. “Você aposta contra a mãe natureza, você perde.” Isabelle levantou suas sobrancelhas escuras. “Eu pensei que você não viria hoje à noite, Simon disse que você tinha algum blá-blá de casamento para lidar.” Isabelle não se impressionava com casamentos ou qualquer laços de amor romântico, até onde Clary podia dizer. “Minha mãe não estava se sentindo bem”, Clary disse. “Ela decidiu
remarcar.” Era verdade, em um ponto. Quando elas tinham ido para casa do hospital, Jocelyn desapareceu dentro de seu quarto e trancou a porta; Clary, sentindo desamparada e frustrada, tinha a escutado chorar suavemente através da porta, mas sua mãe tinha se recusado a deixá-la entrar ou falar sobre isso. Finalmente Luke tinha ido para casa, e Clary tinha gratamente deixado os cuidados de sua mãe a ele e partido a pé para cidade para ver a banda de Simon. Ela sempre tentava vir a suas apresentações, se ela pudesse, e além do mais, falar com ele a fazia se sentir melhor. “Huh”, Isabele não indagou mais. Algumas vezes sua quase total falta de interesse pelos problemas de outras pessoas era uma espécie de alívio. “Bem, tenho certeza de que Simon ficará feliz por você vir.” Clary olhou em direção ao palco. “Como o show tem ido?” “Legal”, Isabelle mastigou pensativamente seu canudinho. “Aquele novo cantor que eles têm é tão gostoso. Ele é solteiro? Eu gostaria de cavalgar nele ao redor da cidade como um pônei mau, mau—“ “Isabelle!” “O que?” Isabelle olhou para acima dela e encolheu os ombros. “Ah, tanto faz, Simon e eu não somos exclusivos. Eu te disse isso.” Reconhecidamente, Clary pensou, Simon não tinha argumentos em que se apoiar nessa particular situação. Mas ele era ainda seu amigo. Ela estava prestes a dizer algo na defesa dele quando ela olhou para o palco de novo — e algo prendeu seu olho. Uma figura familiar, emergindo da porta do palco. Ela teria reconhecido ele em qualquer lugar, a qualquer hora, não importasse quão escuro o salão, ou quão inesperada a visão dele. Jace. Ele estava vestido como um mundano: jeans, uma camiseta preta justa que mostrava os movimentos dos músculos esbeltos em seus ombros e costas. Seu cabelo brilhava sob as luzes do palco. Olhares velados o observavam enquanto ele se movia em direção à parede e se inclinava contra ela, olhando intensamente em direção à frente do salão. Clary sentiu sua cabeça começar a martelar, sentiu como se tivesse sido há muito desde que ela tinha o visto, embora ela soubesse que tinha sido apenas acerca de um dia. E ainda assim, já, observá-lo parecia como observar alguém a distância, um estranho. O que ele
estava fazendo aqui? Ele não gostava de Simon. Ele nunca tinha vindo a sequer uma das apresentações da banda antes. “Clary!” Isabelle soou censurando. Clary virou para ver que ela tinha acidentalmente derrubado o copo de Isabelle, e água estava pingando no adorável vestido prateado. Isabelle, agarrando um guardanapo, olhou para ela sombriamente. “Apenas fale com ele”, ela disse. “Eu sei que você quer.” “Desculpe-me.” Clary disse. Isabelle fez um gesto de enxotar em sua direção. “Vá.” Clary se levantou, alisando seu vestido. Se ela soubesse que Jace estaria aqui, ela teria vestido outra coisa do que meias vermelhas, botas e um antigo vestido rosa choque Betsey Johnson que ela tinha descoberto fuçando o quarto sobressalente de Luke. Uma vez ela tinha pensado que os botões verdes em forma de flor que corriam por toda a frente eram originais e legais, mas agora, ela se sentia menos arrumada e sofisticada que Isabelle. Ela atravessou a pista que estava agora lotada de pessoas dançando ou paradas, bebendo cerveja, e se requebrando um pouco com a música. Ela não pôde se impedir de lembrar-se da primeira vez que ela tinha visto Jace. Tinha sido em um clube e ela tinha o observado do outro lado da pista, visto seu cabelo brilhante e o arrogante conjunto dos ombros. Ela pensou que ele era bonito, mas não de um jeito que se aplicava a ela. Ele não era o tipo de garoto que você poderia namorar, ela pensou. Ele existia separado daquele mundo. Ele não a tinha notado até que ela se aproximou em frente a ele. De perto, ela podia ver o quão cansado ele parecia, como se ele não houvesse dormido há dias. Seu rosto estava tenso com a exaustão, os ossos acentuados debaixo de sua pele. Ele estava inclinado contra a parede, seus dedos enganchados nas curvas de seu cinto, seus dourados olhos claros alertas. “Jace.” Ela disse. Ele se sobressaltou, e se virou para olhá-la. Por um momento seus olhos se iluminaram, do jeito que eles sempre faziam quando ele a via, e ela sentiu um esperança selvagem crescer em seu peito. Quase que instantaneamente a luz sumiu deles, e a cor remanescente drenada de seu rosto. “Eu pensei — Simon disse que você não vinha.”
Uma onda de náusea passou por ela, e ela colocou uma mão para se firmar contra a parede. “Então você veio por que pensou que eu não estaria aqui?” Ele sacudiu sua cabeça. “Eu—“ “Você estava planejando falar comigo de novo?” Clary sentiu sua voz aumentar, e a forçou abaixar com um esforço cruel. Suas mãos agora estavam em seus lados, suas unhas cortando em suas palmas. “Se você vai terminar, pelo menos poderia fazer isso me dizendo, não parando de falar comigo e me deixar para descobrir por minha conta.” “Merda, por que”, Jace disse, “todo mundo continua me perguntando se eu vou terminar com você? Primeiro Simon, e agora—“ “Você falou com Simon sobre nós?” Clary sacudiu sua cabeça. “Por quê? Por que você não está falando comigo?” “Porque eu não posso falar com você”, Jace disse. “Eu não posso falar com você, eu não posso estar com você, eu não posso sequer olhar para você.” Clary sugou sua respiração, pareceu como se respirar ácido de bateria. “Por quê?” Ele pareceu perceber o que tinha dito, e deslizou em um silêncio horrorizado. Por um momento eles simplesmente olharam um para o outro. Então Clary se virou e partiu através da multidão, empurrando seu caminho por cotovelos se agitando e aglomerações de pessoas conversando, cega por tudo, mas chegando as portas tão rápido quanto ela podia. ●●●● “E agora”, Eric gritou em seu microfone, “nós vamos tocar uma nova música — uma que nós escrevemos. Esta é para minha namorada. Nós temos saído por três semanas, e, droga, nosso amor é pra valer. Nós vamos ficar juntos para sempre, querida. Esta se chama ‘Bang you like a Drum’.” Houveram risadas e aplausos do público enquanto a música começava, embora Simon não tivesse certeza se Eric percebeu que eles acharam que ele estava brincando, o que ele não estava. Eric que estava sempre apaixonando por qualquer garota que ele tivesse começado a sair, e ele sempre escrevia uma música não apropriada sobre isso. Normalmente Simon não teria se importado, mas ele
realmente esperou que eles saíssem do palco depois da música anterior. Ele se sentia pior do que antes — tonto, confuso, e doente com o esforço, sua boca com gosto metálico, como sangue velho. A música estrondou ao redor dele, soando como pregos sendo socados em seus tímpanos. Seus dedos escorregaram e deslizaram das cordas enquanto ele tocava, e ele viu Kirk olhar para ele zombeteiramente. Ele tentou se forçar ao foco, se concentrar, mas era como tentar ligar um carro com a bateria arriada. Havia um vazio ruído triturando em sua cabeça, mas sem desencadear. Ele olhou para o bar, procurando — ele não estava certo do que — Isabelle, mas podia ver só um mar de rostos brancos voltados para ele, e se lembrou da sua primeira noite no Hotel Dumont e as faces dos vampiros viradas em direção a ele, como flores brancas de papel desdobrando-se contra o vazio escuro. Uma onda de aperto, a dolorosa náusea tomando posse dele. Ele tropeçou para trás, suas mãos caindo da guitarra. O chão sob seus pés pareceu como se estivesse se movendo. Os outros membros da banda, apanhados na música, pareciam não notar. Simon arrancou a alça da guitarra de seu ombro e empurrou Matt para a cortina na parte de trás do palco, mergulhando através dela bem a tempo para cair de joelhos e ter ânsia de vômito. Nada veio. Seu estômago parecia tão oco como sempre. Ele se levantou e se inclinou contra a parede, pressionando suas mãos geladas em seu rosto. Tinha sido a semanas desde que ele sentiu tanto frio ou calor, mas agora ele estava fervendo — e assustado. O que estava acontecendo com ele? Ele se lembrou de Jace dizendo Você é um vampiro. Sangue não é como comida para você. Sangue é... sangue. Tudo isso podia ser por que ele não tinha comido? Mas ele não sentia fome, ou mesmo sede, na verdade. Ele se sentia tão doente como se ele estivesse morrendo. Talvez ele tivesse sido envenenado. Talvez a Marca de Caim não o protegesse contra algo como isso? Ele se moveu lentamente em direção à saída de incêndio que o levaria para rua, na parte de trás do clube. Talvez o ar frio lá fora clareasse sua cabeça. Talvez tudo isso fosse apenas exaustão e nervosismo. “Simon?” Uma pequena voz, como um piar de pássaro. Ele olhou abaixo com pavor, e viu que Maureen estava em pé em seu cotovelo. Ela parecia ainda mais minúscula de perto — ossos pequeninos e um monte de cabelo loiro claro,
que cascateava em seus ombros por debaixo de uma boina rosa tricotada. Ela usava luvas listradas arco-íris e uma camiseta sem mangas branca com um desenho impresso da Moranguinho27 nela. Simon gemeu por dentro. “Esta não é uma boa hora, Mo.” Ele disse. “Eu só quero tirar uma foto sua com a câmera do meu telefone”, ela disse, puxando nervosa seu cabelo para trás em suas orelhas. “Ai eu posso mostrar para meus amigos, ok?” “Ótimo”, Sua cabeça estava martelando. Era ridículo. Não era como se ele estivesse sufocado com fãs. Maureen era literalmente a única fã da banda, isso ele sabia, e a amiga da priminha de Eric, de quebra. Ele achou que não poderia realmente afastá-la; “Vá em frente.Tire.” Ela levantou seu telefone e clicou, então franziu a testa. “Agora uma comigo e com você?” Ela se aproximou dele rapidamente, pressionando-se contra seu lado. Ele podia sentir o cheiro do gloss de morango nela, e por baixo disso, o cheiro de sal de suor e o salgado sangue humano. Ela olhou acima, para ele, segurando acima e longe o telefone com sua mão livre, e sorriu. Ela tinha um espaço entre seus dois dentes da frente, e uma veia azul em sua garganta. Ela pulsou enquanto ela puxou uma respiração. “Sorria”, ela disse. Dois golpes de dor vieram através de Simon enquanto suas presas deslizavam livres, cavando em seu lábio. Ele escutou Maureen arfar, e então seu telefone saiu voando enquanto ele a abraçava e a girava em direção a ele, e seus dentes caninos afundavam em sua garganta. Sangue explodiu em sua boca, o gosto dele não era como nada mais; era como se ele tivesse estado faminto por ar e agora ele estava respirando, inalando grandes fôlegos de oxigênio frio e limpo, e Maureen lutava e o empurrava, mas ele mal percebeu. Ele nem sequer notou quando ela ficou flácida, seu peso morto o puxando para o chão até que ele estava deitado sobre ela, suas mãos se agarrando aos seus ombros, apertando e abrindo enquanto ele bebia.
Você nunca se alimentou de alguém puramente humano, alimentou? Camille tinha dito. Você irá. E quando você o fizer, nunca se esquecerá. 27
Moranguinho é um personagem de desenhos com cabeça em forma de morango.
Capítulo
9
DO FOGO PARA O FOGO
CLARY ALCANÇOU A PORTA E IRROMPEU NA CHUVA E NO AR úmido do anoitecer. Agora, descia torrencialmente, e ela ficou instantaneamente encharcada. Engasgando-se com água da chuva e lágrimas, ela passou pela familiar van amarela de Eric, a chuva cobrindo de seu teto até o chão, e ela estava prestes a atravessar correndo a rua contra a luz, quando uma mão pegou seu braço e a fez dar meia-volta. Era Jace. Ele estava tão encharcado quanto ela, a chuva colando seu cabelo claro à cabeça e emplastrando sua camisa ao corpo como tinta negra. “Clary, você não me ouviu te chamar?” “Me solte.” A voz dela estava abalada. “Não. Não até você conversar comigo.” Ele olhou em volta, de um lado ao outro da rua, que estava deserta, a chuva explodindo na calçada preta como flores desabrochando rapidamente. “Vamos.” Ainda segurando-a pelo braço, ele meio que a arrastou em volta da van até um estreito beco que ficava ao lado do Alto Bar. Janelas altas acima deles deixavam passar o som indistinto da música que ainda estava sendo tocada lá dentro. A parede do beco era de tijolos, claramente uma espécie de depósito para velhas peças de equipamentos musicais não utilizáveis. Amplificadores quebrados e microfones velhos sujavam o chão, junto com garrafas de cerveja quebradas e tocos de cigarro. Clary puxou o braço do aperto de Jace e virou para encará-lo. “Se você está
planejando se desculpar, nem se incomode.” Ela tirou o cabelo molhado e pesado do rosto. “Eu não quero ouvir.” “Eu ia lhe contar que estava tentando ajudar Simon”, ele disse, água da chuva descendo pelas suas pálpebras até as bochechas como lágrimas. “Eu tenho estado na casa dele pelos últimos—“ “E você não podia ter me contado? Nem sequer uma única mensagem me dizendo onde estava? Ah, espere. Você não podia, porque ainda está com o meu maldito telefone. Me dê ele de volta.” Em silêncio ele pôs a mão no bolso do jeans e o entregou a ela. Não parecia danificado. Ela o enfiou na mochila, antes que a chuva pudesse estragálo. Jace a observou enquanto fazia isso, parecendo como se ela tivesse lhe batido na cara. Isso só a deixou mais zangada. Que direito ele tinha de estar magoado? “Eu acho”, ele disse lentamente, “que pensei que a coisa mais próxima de estar com você, era estar com Simon. Tomar conta dele; Tive a estúpida ideia que, se você percebesse o que eu estava fazendo, iria me perdoar—” Toda a raiva de Clary subiu para a superfície, uma corrente intensa e incontrolável... ”Eu nem mesmo sei o que você fez para precisar ser perdoado”, ela gritou. “Eu deveria te perdoar por não me amar mais? Porque se é isso o que você quer, Jace Lightwood, pode ir em frente e—” Ela deu um passo para trás, cegamente, e quase derrubou uma caixa de som abandonada. Sua mochila deslizou ao chão quando estendeu a mão para se endireitar, mas Jace já estava ali. Ele avançou para pegá-la, e continuou avançando, até as costas dela alcançar a parede do beco, os braços dele em torno dela, e ele estava a beijando freneticamente. Ela sabia que devia empurrá-lo; sua mente lhe dizia que era a coisa sensata de se fazer, mas nenhuma outra parte dela se importava sobre o que era sensato. Não quando Jace a estava beijando como se ele achasse que devia ir para o inferno por fazer isso, mas que valeria a pena. Ela enterrou os dedos nos ombros dele, no tecido molhado da sua camiseta, sentindo a resistência dos músculos abaixo, e o beijou de volta com todo o desespero dos dias que se passaram, tudo por não saber onde ele estava ou o que ele estava pensando, todo o sentimento como se uma parte de seu coração
tivesse sido arrancada de seu peito e ela nunca mais conseguisse suficiente. “Me diga”, ela disse entre beijos, seus rostos molhados dos dois deslizantes um no outro. “Me diga o que há de errado — Ah”, ela ofegou quando ele se afastou dela, apenas longe o bastante para descer as mãos e colocá-las na cintura dela. Ele a levantou de forma que ficasse em pé em cima de um alto-falante quebrado, deixando-os quase da mesma altura. Então ele colocou uma mão em cada lado da cabeça dela e inclinou-se para a frente, de forma que seus corpos quase se tocassem — mas não muito. Era irritante. Ela podia sentir o calor ardente que irradiava dele; suas mãos ainda estavam nos ombros dele, mas não era suficiente. Ela o queria abraçando-a, prendendo-a firme. “P-por que”, ela tomou fôlego, “você não pode falar comigo? Por que não pode olhar para mim?” Ele inclinou a cabeça para olhá-la no rosto. Seus olhos, cercados por cílios escurecidos pela água da chuva, estavam impossivelmente dourados. “Porque eu amo você.” Clary não pôde mais aguentar. Tirou as mãos de seus ombros, prendeu os dedos nos ilhoses de seu cinto e o puxou para ela. Ele a deixou fazer isso sem resistência, suas mãos apoiando-o contra a parede, dobrando o corpo contra o dela até estarem pressionados juntos em toda parte — peitos, quadris, pernas — como peças de um quebra-cabeça. Suas mãos deslizaram-se até a cintura dela e ele a beijou, longo e demorado, fazendo-a estremecer. Ela se afastou. “Isso não faz sentido.” “Nem isso”, ele disse, “mas eu não me importo. Estou cansado de tentar fingir que posso viver sem você. Você não entende isso? Não consegue ver que isso está me matando?” Ela o fitou. Podia ver que o que ele dissera era verdade, podia ver isso nos olhos que conhecia tão bem quanto os seus próprios, nas sombras machucadas sob aqueles olhos, a pulsação martelando na garganta. Seu desejo por respostas combateu na parte principal de seu cérebro, e perdeu. “Me beije então”, ela sussurrou, e ele pressionou a boca dele contra a dela, os corações de ambos martelando juntos nas finas camadas de tecido molhado que os separavam. E ela estava afogando naquilo, na sensação de ele a beijando; na chuva em toda parte, escorrendo pelos seus cílios; de deixar as mãos dele deslizarem livremente pelo tecido molhado e enrugado do vestido, fino e apertado pela chuva. Era quase
como ter as mãos dele sob sua pele nua, no peito, nos quadris, no estômago; quando ele alcançou a bainha do vestido, ele agarrou as pernas dela, pressionando-a mais forte na parede enquanto ela as envolvia em volta da cintura de Jace. Ele fez um ruído surpreso, no fundo de sua garganta, e enterrou os dedos no tecido fino da meia-calça. Inesperadamente, ela se rasgou, e seus dedos molhados estavam, subitamente, na pele nua das pernas dela. Para não ser para não ficar para trás, ela deslizou as mãos sob a bainha da camisa encharcada dele, e deixou os dedos explorarem o que havia embaixo: a pele firme e quente sobre as costelas, os sulcos do abdome, as cicatrizes nas costas, a curvatura do osso do quadril sobre o cós do jeans. Esse era território desconhecido para ela, mas parecia estar o levando à loucura: ele gemia suavemente contra sua boca, beijando-lhe cada vez mais forte, como se nunca fosse o suficiente, não fosse o bastante— E um tinido horrendo explodiu nos ouvidos de Clary, tirando-a do seu sonho de beijo e chuva. Com um arfar, ela afastou Jace, forte o suficiente para que ele a soltasse e ela tropeçou no alto-falante, pousando instável de pé, rapidamente endireitando seu vestido. Seu coração estava batendo com força em suas costelas como um aríete28, e ela se sentiu tonta. “Droga.” Isabelle, de pé na entrada do beco, o cabelo negro molhado como uma capa ao redor de seus ombros, chutara uma lata de lixo para fora do caminho e encarou. “Ah, pelo amor de Deus”, ela disse. “Não consigo acreditar em vocês dois. Por quê? Qual é o problema com quartos? E privacidade?” Clary olhou para Jace. Ele estava totalmente encharcado, água descendo dele em grandes quantidades, o seu cabelo claro, emplastrado à cabeça, quase prata no fraco brilho dos distantes postes de rua. Só de olhar para ele fez Clary querer tocá-lo novamente, com Isabelle ou sem Isabelle, com uma vontade que era quase dolorosa. Ele fitava Izzy com o olhar de alguém que fora jogado para fora de um sonho — espanto, raiva, súbita compreensão. “Eu só estava procurando Simon”, disse Isabelle na defensiva, vendo a expressão de Jace. “Ele correu do palco, e não tenho ideia de onde ele foi.” A música tinha parado, Clary percebeu, em algum ponto; ela não notou quando. 28
Aríete = http://www.earmi.it/armi/glossario/immagini/ariete.jpg
“Enfim, ele decididamente não está aqui. Voltem ao que estavam fazendo. Qual é o sentido de desperdiçar uma parede de tijolos perfeitamente boa quando você tem alguém para jogar contra ela, é o que eu sempre digo.” E ela se afastou em silêncio, voltando ao bar. Clary olhou para Jace. Em outra circunstância eles teriam rido juntos do mau humor de Isabelle, mas não havia humor na expressão dele, e ela soube imediatamente o que quer que tenha desabrochado de sua momentânea falta de controle — agora se fora. Ela podia sentir o gosto de sangue em sua boca e não sabia se tinha mordido o próprio lábio, ou ele se tinha. “Jace...” Ela deu um passo na direção dele. “Não”, disse ele, a voz rígida. “Não posso.” E então ele foi embora, correndo tão rápido como só ele podia, um borrão desaparecendo à distância antes que Clary ao menos tomasse fôlego para o chamar de volta. ●●●● “Simon!” A voz zangada explodiu nos ouvidos de Simon. Ele já teria soltado Maureen — ou pelo menos foi isso o que disse para si próprio —, mas não teve chance. Mãos fortes o pegaram pelo braço, puxando-o dela. Ele foi puxado em pé por um pálido Kyle, ainda despenteado e suado da cena da série que eles tinham terminado “Que inferno, Simon. Que diabos—” “Eu não queria”, ofegou Simon. Sua voz parecia indistinta para seus próprios ouvidos; as presas ainda estavam expostas, e ele não aprendera a falar ainda com as coisas malditas. Atrás de Kyle, no chão, ele podia ver Maureen deitada num amontoado amassado, terrivelmente imóvel. “Aconteceu—” “Eu te disse. Eu te disse.” A voz de Kyle ficou mais alta, e ele empurrou Simon, forte. Simon tropeçou para trás, sua testa queimando, quando uma mão invisível pareceu levantar Kyle e apertá-lo forte contra a parede atrás dele. Ele a acertou e deslizou ao chão, pousando agachado como um lobo, sobre as mãos e joelhos. Ele se levantou com dificuldade, fitando-o. “Jesus Cristo. Simon—” Mas Simon caíra de joelhos ao lado de Maureen, as mãos em cima dela,
freneticamente sentindo a pulsação no pescoço. Quando esta oscilou sob a ponta dos dedos, ele quase chorou de alívio. “Afaste-se dela.” Kyle, parecendo tenso, andou até o lado de Simon. “Levante-se e se afaste.” Simon se levantou relutante e encarou Kyle acima da forma flácida de Maureen. Luz passava pela abertura na cortina que levava até o palco; ele podia ouvir os outros membros da banda ali fora, um conversando com o outro, começando a desmontar as coisas. A qualquer minuto voltariam ali para atrás. “O que você fez”, disse Kyle. “Você — me empurrou? Porque não te vi se mexer.” “Eu não queria”, disse Simon de novo, miseravelmente. Isso parecia ser tudo o que ele dizia ultimamente. Kyle sacudiu a cabeça, o cabelo voando. “Saia daqui. Vá esperar na van. Eu cuido dela.” Ele se inclinou e levantou Maureen nos braços. Comparado a Kyle, ela parecia minúscula contra a estrutura dele, como uma boneca. Ele fixou em Simon um olhar. “Vá. E eu espero que você realmente se sinta malditamente aterrorizado.” Simon foi. Andou até a saída de emergência e abriu a porta. Nenhum alarme soou; ele estava quebrado há meses. A porta se fechou atrás dele, e Simon se encostou na parede traseira do clube quando cada parte de seu corpo começou a tremer. O fundo do clube ficava numa rua estreita com depósitos. No caminho havia um terreno vazio bloqueado por uma cerca bamba feita de correntes. Grama velha crescia nas rachaduras da calçada. A chuva caía forte, encharcando o lixo que se amontoava na rua, fazendo velhas garrafas de cerveja flutuarem na corrente de água do escoamento. Simon achou que era a coisa mais bonita que já vira. A noite inteira parecia ter explodido em luz multicolorida. A cerca era uma corrente ligada de brilhantes fios de prata, cada gota da chuva uma lágrima cor de platina. E eu espero que você realmente se sinta malditamente aterrorizado, dissera Kyle. Mas era muito pior. Ele se sentia fantástico, vivo de uma forma que nunca fora antes. Sangue humano era claramente, de algum jeito, o perfeito, o alimento ideal para vampiros. Ondas de energia corriam por ele como corrente elétrica. A
dor na cabeça, no estômago, havia passado. Ele podia correr por uns vinte mil quilômetros. Era assustador. “Ei, você. Está tudo bem?” A voz que falara era culta, divertida; Simon virou e viu uma mulher em uma longa capa preta de chuva, um guarda-chuva amarelo claro sobre a cabeça. Com sua nova visão prismática, parecia um girassol reluzente. A mulher em si era bonita — apesar de agora tudo para ele parecer bonito —, com um cabelo preto brilhante e batom vermelho na boca. Ele vagamente se lembrava de vê-la sentada em uma das mesas durante a apresentação da banda. Ele assentiu, não confiando em si mesmo para falar. Devia estar parecendo bastante abalado, se totais estranhos estavam vindo para perguntar sobre o seu bem-estar. “Parece que você foi acertado aí na cabeça”, ela disse, indicando a testa dele. “É um ferimento feio. Tem certeza que não preciso chamar ninguém pra te ajudar?” Ele levantou a mão apressadamente para jogar o cabelo em cima da testa, escondendo a Marca. “Estou bem. Não é nada.” “Tudo bem. Se você está dizendo.” Ela soou um pouco em dúvida. Pôs a mão no bolso, tirou um cartão e passou-o a ele. Tinha um nome nele: Satrina Kendal. Sob o nome estava um título: PROMOTORA DE BANDAS, em letras maiúsculas, um número de telefone e endereço. “Essa sou eu”, ela disse. “Gostei do que vocês fizeram lá dentro. Se estiverem interessados em fazer um grande sucesso, liga para mim.” E com isso, ela virou e se afastou em silêncio, deixando Simon fitando-a.
Certamente, ele pensou, sem chance essa noite ficaria mais bizarra ainda. Sacudindo a cabeça — um movimento que mandou gotas d’água voando em todas as direções —, em uma meia-volta andou até onde a van estava estacionada. A porta do bar estava aberta e as pessoas no interior gritavam. Tudo ainda parecia anormalmente claro, pensou Simon, mas sua visão multicolorida estava começando a enfraquecer levemente. A cena na sua frente parecia normal — o bar se esvaziando, as portas laterais abertas e a van com as portas traseiras abertas, já sendo carregada com os instrumentos por Mat, Kirk e vários outros
amigos. Conforme Simon se aproximava, viu que Isabelle estava encostada na lateral da van, uma perna para cima, o calcanhar da bota no lado empolado da van. Ela poderia estar ajudando os garotos, é claro — Isabelle era mais forte do que qualquer membro da banda, com a possível exceção de Kyle —, mas claramente não podia ser incomodada. Simon dificilmente teria esperado algo diferente. Ela ergueu o olhar quando ele se aproximou. A chuva tinha diminuído, mas claramente Isabelle estivera nela por algum tempo; o cabelo era uma cortina pesada e molhada descendo suas costas. “Ei!” disse, empurrando-se da lateral da van e indo até ele. “Onde você esteve? Do nada saiu correndo do palco—” “É”, ele disse. “Eu não estava me sentindo bem. Desculpe-me.” “Contanto que esteja melhor agora.” Ela passou os braços em volta dele e sorriu para o seu rosto. Ele sentiu uma onda de alívio por não sentir nenhum desejo para mordê-la. Então outra onda de culpa o atacou quando se lembrou do por que. “Você não viu Jace em algum lugar, viu?”, perguntou ele. Ela revirou os olhos. “Passei por ele e Clary se beijando”, ela disse. “Mas eles já foram — para casa, espero. Esses dois resumem o significado de ‘arranjar um quarto’.” “Eu não achei que Clary estava vindo”, disse Simon, apesar de não ser algo tão estranho; supôs que o compromisso do bolo tinha sido cancelado ou algo assim. Ele nem tinha energia para se irritar em ver que terrível guarda-costas Jace tinha se tornado. Não era como se algum dia achasse que Jace levava sua segurança pessoal a sério. Ele só esperava que Jace e Clary dessem certo, o que quer que fosse. “Que seja.” Isabelle sorriu. “Já que só há nós dois aqui, quer ir a algum lugar e—” Uma voz — uma voz muito familiar — falou das sombras logo atrás do alcance do poste de luz mais próximo. “Simon?”
Ah, não, agora não. Agora não. Ele virou-se lentamente. O braço de Isabelle ainda estava frouxamente
passado na sua cintura, apesar de ele saber que isso não duraria muito tempo. Não se a pessoa falando era quem ele pensava que era.
Era. Maia deslocou-se para a luz, e estava em pé olhando para ele, uma expressão de incredulidade no rosto. Seu cabelo normalmente cacheado estava colado à cabeça com a chuva, os olhos cor de âmbar arregalados, as calças e o casaco jeans encharcadas. Ela estava apertando um pedaço de papel enrolado na mão esquerda. Simon ficou vagamente ciente de que, ao lado, os membros da banda diminuíram os movimentos, e agora abertamente observavam a cena. O braço de Isabelle deslizou da cintura dele. “Simon?”, ela disse. “O que está acontecendo?” “Você me disse que estava ocupado”, disse Maia, olhando para Simon. “Então alguém jogou isso debaixo da porta da estação hoje de manhã.” Ela abriu o papel enrolado; ficou instantaneamente reconhecível como um dos panfletos de propaganda para a apresentação da banda hoje à noite. Isabelle olhava de Simon para Maia, começando lentamente a entender o que se passava. “Espera um segundo”, disse. “Vocês estão namorando?” Maia ergueu a cabeça. “Vocês estão?” “Estamos”, respondeu Isabelle. “Há algumas semanas.” Os olhos de Maia se estreitaram. “Nós também. Estamos namorando desde setembro.” “Eu não posso acreditar nisso”, disse Isabelle. Ela genuinamente fez parecer que não dava. “Simon?” Virou para ele, as mãos nos quadris. “Você tem uma explicação para isso?” A banda, que finalmente tinha enfiado todo o equipamento na van — os tambores empilhados no banco traseiro e as guitarras e baixos no fundo —, estava saindo da traseira do carro, encarando abertamente. Eric pôs as mãos na boca, imitando um megafone. “Senhoritas, senhoritas”, entoou. “Não há necessidade de brigar. Tem Simon suficiente para todo o mundo.” Isabelle deu meia-volta e atirou um olhar em Eric tão aterrorizante que ele ficou imediatamente em silêncio. As portas traseiras da van se fecharam, e ela
acelerou para a estrada. Traidores, pensou Simon, apesar de que, para ser justo, eles provavelmente assumiram que ele pegaria uma carona para casa no carro de Kyle, que estava estacionado ali na esquina. Isso se ele estivesse vivo até a hora de ir embora. “Não dá para acreditar em você, Simon”, disse Maia. Ela também estava com as mãos nos quadris, numa pose idêntica à de Isabelle. “O que você estava achando? Como pôde mentir assim?” “Eu não menti”, protestou Simon. “Nunca dissemos que éramos exclusivos!” Virou para Isabelle. “Nem a gente! E sei que você está namorando outros caras—” “Não alguém que você conheça”, disse Isabelle, furiosa. “Não seus amigos. Como se sentiria se descobrisse que eu estava namorando o Eric?” “Francamente, estaria estupefato”, falou Simon. “Ele não é nada do seu tipo.” “Não é essa a questão, Simon.” Maia se aproximara de Isabelle, e as duas o encaravam juntas, uma muralha impassível de raiva feminina. O bar tinha finalmente ficado vazio, e com exceção dos três, a rua estava deserta. Ele se perguntou sobre as suas chances de dar um basta naquilo, e decidiu que não eram boas. Lobisomens eram rápidos, e Isabelle era uma caçadora treinada de vampiros. “Sinto muito mesmo”, disse Simon. O zumbido do sangue que ele tinha bebido estava começando a diminuir, agradecidamente. Ele se sentiu menos tonto com a sensação esmagadora, porém mais em pânico. Para deixar as coisas piores, sua mente continuava voltando a Maureen, e o que ele tinha feito com ela, e ela estava bem. Por favor, que ela esteja bem. “Devia ter contado para vocês. É só — eu gosto muito de vocês duas, e não queria ferir os sentimentos de ninguém.” No momento que aquilo saiu de sua boca, ele percebeu como pareceu estúpido. Só outro garoto idiota inventando desculpas pelo seu comportamento idiota. Simon nunca pensara em si mesmo assim. Ele era um cara legal, o tipo de cara que passava despercebido, sem querer ser um bad boy sexy ou artista da tortura. O tipo de garoto que se importava com os próprios pensamentos e que
não pensaria em namorar duas garotas de uma vez, enquanto, talvez, não mentia exatamente sobre o que estava fazendo, mas também não contava a verdade de qualquer forma. “Uau”, disse, em maior parte para si mesmo. “Eu sou um idiota total.” “Essa é provavelmente a primeira verdade que você disse desde que cheguei aqui”, disse Maia. “Amém”, disse Isabelle. “Mas se você me perguntar, é um pouquinho, muito tarde—” A porta lateral do bar se abriu, e alguém saiu. Era Kyle. Simon sentiu uma onda de alívio. Kyle parecia sério, mas não tão sério quanto Simon achava que pareceria se algo terrível tivesse acontecido com Maureen. Ele desceu a escada na direção deles. A chuva agora mal era um chuvisco. Maia e Isabelle estavam de costas para ele; elas fitavam Simon com um foco laser de raiva. “Espero que você não ache que vamos voltar a falar com você de novo”, Isabelle falou. “E vou ter uma conversa com Clary — uma conversa realmente séria sobre a escolha dela de amigos.” “Kyle”, disse Simon, incapaz de fazer a voz não parecer aliviada quando Kyle entrou no seu campo de audição. “Hã, Maureen — ela está—” Ele não tinha ideia de como perguntar o que queria sem deixar Maia e Isabelle saberem o que aconteceu, mas, como se confirmou, não importava, porque ele nunca conseguiria pronunciar o resto das palavras. Maia e Isabelle se viraram; Isabelle pareceu entediada e Maia surpresa, claramente perguntando-se quem seria Kyle. Assim que Maia realmente viu Kyle, seu rosto mudou; os olhos se arregalaram, o sangue drenou de seu rosto. E Kyle, por sua vez, a fitava com o olhar de alguém que tinha acabado de acordar de um pesadelo só para descobrir que era verdadeiro e contínuo. Sua boca se moveu, formando palavras, mas nenhum som saiu. “Uau”, disse Isabelle, olhando de um ao outro. “Vocês dois — se conhecem?” Os lábios de Maia se separaram. Ainda fitava Kyle. Simon só teve tempo para pensar que ela nunca tinha olhado para ele de forma tão intensa, quando ela sussurrou “Jordan” — e lançou-se a Kyle, as garras expostas e afiadas, e as
afundou no pescoรงo dele.
PARTE
DOIS
PARA TODA A VIDA
Capítulo
10
RIVERSIDE DRIVE
SIMON SE SENTOU NO SOFÁ DA SALA DE ESTAR DE KYLE E olhou para a imagem congelada na tela da TV no canto da sala. Ela estava parada no jogo que Kyle tinha brincado com Jace, e a imagem era uma de um túnel subterrâneo escuro com uma pilha de corpos caídos no chão e algumas piscinas de sangue bem realistas. Era perturbador, mas Simon não tinha energia ou inclinação para desligá-la. As imagens que tinha corrido por sua cabeça toda a noite eram piores. A luz fluindo na sala através das janelas tinha se fortalecido da aurora para a pálida iluminação de cedo de manhã, mas Simon mal notou. Ele se mantinha vendo o corpo de Maureen no chão, seu cabelo loiro manchado de sangue. Seu próprio progresso surpreendente durante a noite, seu sangue cantando em suas veias. E então Maia partindo para cima de Kyle, o rasgando com suas garras. Kyle ficou lá, sem levantar uma mão para se defender. Ele provavelmente teria deixado ela o matar, se Isabelle não tivesse interferido, afastando Maia dele e rolando com ela na calçada, a prendendo lá até que sua fúria se dissolvessem em lágrimas. Simon tentou ir até ela, mas Isabelle o manteve afastado com um olhar furioso, seu braço em torno da outra garota, sua mão levantada para repeli-lo. “Saia daqui”, ela disse. “E o leve com você. Eu não sei o que ele fez a ela, mas deve ter sido algo bem ruim.” E foi. Simon conhecia aquele nome. Jordan. Foi de antes, quando ele
perguntou como ela tinha se transformado em um lobisomem. Seu ex-namorado tinha feito isso, ela disse. Ele o fez com um ataque selvagem e violento, e fugido depois, a deixando para lidar com a consequência sozinha. Seu nome era Jordan. Esse era o porquê do Kyle ter apenas um nome na campainha da porta. Por que era seu último nome. Seu nome completo era Jordan Kyle, Simon constatou. Ele tinha sido estúpido, inacreditavelmente estúpido, por não ter percebido isso antes. Não que ele precisasse de outro motivo para se odiar agora. Kyle — ou melhor, Jordan — era um lobisomem; ele se curava rápido. No instante que Simon o levantou, não muito gentil, para colocá-lo e o levado para o seu carro, os profundos talhos em sua garganta e embaixo dos trapos rasgados de sua camisa tinham se curado para cicatrizes com cascas. Simon tinha tirado as chaves dele e os levado de volta a Manhattan, a maior parte em silêncio, Jordan quase imóvel no banco do passageiro, olhando para suas mãos ensanguentadas. “Maureen está bem”, ele finalmente disse enquanto eles dirigiam na Williamburg Bridge. “Parecia pior do que era. Você ainda não é bom se alimentando de humanos, ela não perdeu muito sangue. Eu a coloquei em um táxi. Ela não se lembra de nada. Ela pensa que desmaiou na sua frente, e está muito envergonhada.” Simon sabia que devia agradecer a Jordan, mas ele não conseguia trazê-lo a fazer isso. “Você é o Jordan”, ele disse. “O antigo namorado de Maia. O que a transformou em um lobisomem.” Eles estavam na Kenmare agora; Simon virou para o norte, indo para a Bowery com suas floriculturas e lojas de elétricas. “Sim”, Jordan disse finalmente. “Kyle é meu último nome. Eu comecei a usá-lo quando me juntei ao Praetor.” “Ela o teria matado se Isabelle tivesse deixado.” “Ela tem todo direito em me matar se ela quiser”, Jordan disse, e caiu em silêncio. Ele não disse nada mais enquanto Simon estacionava e eles caminhavam lentamente das escadas para o apartamento. Ele foi para o seu quarto sem nem mesmo tirar sua jaqueta ensanguentada, e bateu a porta. Simon colocou as coisas em sua mochila e estava prestes a sair do apartamento quando hesitou. Ele não tinha certeza da razão, mesmo agora, mas
ao invés de sair ele largou sua mochila no chão e voltou para se sentar nesta cadeira, onde ele ficou toda a noite. Ele desejou poder ligar para Clary, mas era cedo demais da manhã, e além do mais, Isabelle tinha dito que ela e Jace tinham saído juntos, e a ideia de interromper algum momento especial deles não era atraente. Ele se perguntou onde sua mãe estava. Se ela pudesse tê-lo visto noite passada, com Maureen, ela pensaria que ele era cada pedacinho do monstro que ela o tinha acusado de ser. Talvez ele fosse. Ele olhou enquanto a porta de Jordan se abria e ele emergia. Ele estava descalço, ainda nos mesmos jeans e camiseta que ele estava usando ontem. As cicatrizes em sua garganta tinham esmaecido para linhas vermelhas. Ele olhou para Simon. Seus olhos cor de avelã, normalmente muito brilhantes e alegres, estavam sombreados. “Eu achei que você partiria”, ele disse. “Eu ia”, Simon disse. “Mas então eu achei que devia dar a você a chance de se explicar.” “Não há nada a se explicar”, Jordan se arrastou até a cozinha e vasculhou em uma gaveta até que ele conseguiu um filtro de café. “Seja lá o que Maia disse sobre mim, eu tenho certeza que era verdade.” “Ela disse que você bateu nela”, Simon disse. Jordan, na cozinha, ficou imóvel. Ele olhou para o filtro como se ele não estivesse certo do para quê era. “Ela disse que vocês saíram por meses e tudo era ótimo.” Simon continuou. “Então você se tornou violento e ciumento. Quando ela falou com você sobre isso, você bateu nela. Ela terminou com você, e quando ela estava indo para casa uma noite, algo a atacou e quase a matou. E você — você saiu da cidade. Sem desculpas, sem explicação.” Jordan colocou o filtro na bancada. “Como ela chegou aqui? Como ela encontrou o bando de Luke Garroway.” Simon sacudiu a cabeça. “Ela saltou em um trem para Nova York e os rastreou. Ela é uma sobrevivente, Maia. Ela não deixou o que você fez a arruinar. Um monte de pessoas teria.” “Este é o porquê de você ficar?” Jordan perguntou. “Para me dizer que sou um bastardo? Por que eu já sei disso.”
“Eu fiquei”, Simon disse, “por causa do que eu fiz noite passada. Se eu tivesse descoberto sobre você ontem, eu teria partido. Mas depois do que eu fiz a Maureen...” Ele mastigou seu lábio. “Eu achava que tinha o controle do que aconteceu comigo e não tinha, e eu machuquei alguém que não merecia. Então esse é o porquê de eu estar ficando.” “Por que se eu não sou um monstro, então você não é um monstro.” “Por que eu quero saber como superar agora, e talvez você possa me dizer.” Simon se inclinou a frente. “Por que você tem sido um cara bom para mim desde que eu te conheci. Eu nunca vi você ser ruim ou ficar bravo. E então eu pensei sobre a Guarda Lobo, e como você disse que se juntou a isso por que você fez coisas ruins. E eu pensei que Maia fosse talvez a coisa ruim que você fez, que você estava tentando compensar.” “Eu estava”, disse Jordan. “Ela é.” ●●●● Clary se sentou a mesa no pequeno quarto de hóspedes de Luke, o pedaço de tecido que ela tinha tomado no necrotério de Beth Israel, esticado em frente a ela. Ela o ponderou em ambos os lados com o lápis e estava pairando sobre ele, estela na mão, tentando se lembrar da runa que veio a ela no hospital. Era difícil se concentrar. Ela continuava pensando em Jace, sobre a noite passada. Onde ele podia ter ido. Por que ele estava tão infeliz. Ela não percebeu até que o viu, que ele estava tão triste quanto ela estava, e isso partia seu coração. Ela queria ligar para ele, mas se segurou de fazê-lo várias vezes, desde que tinha ido para casa. Se ele ia dizer a ela qual era o problema, ele o faria sem precisar perguntar. Ela o conhecia bem o suficiente para saber disso. Ela fechou seus olhos, e tentou se forçar a imaginar a runa. Não era uma que ela inventou, ela estava bastante certa. Era uma que já existia, embora ela não tivesse certeza de que a tinha visto no Livro Branco. Sua forma falava menos de interpretação do que de revelação, de mostrar a forma de algo escondido por baixo, afastando a poeira disso lentamente para ler a inscrição por baixo... A estela girou em seus dedos, e ela abriu seus olhos para descobrir, para sua surpresa, que ela tinha conseguido traçar um pequeno padrão no canto do tecido.
Ele parecia mais como um borrão, com estranhos pontos em toda parte, e ela fez uma careta, se perguntando se ela estava perdendo sua habilidade. Mas o tecido começou a cintilar, como calor emanando do asfalto. Ela observou enquanto as palavras se desdobravam no tecido, como se uma mão invisível às estivessem escrevendo.
Propriedade da Igreja de Talto. 232 Riverside Drive. Uma onda de entusiasmo a atravessou. Era uma pista, uma pista de verdade. E ela descobriu isso por si mesma, sem nenhuma ajuda de ninguém mais. 232 Riverside Drive. Era na Upper West Side, ela pensou, pela Riverside
Park, do outro lado do canal de New Jersey. De modo algum distante. A Igreja de Talto. Clary colocou abaixo a estela, com uma careta. O que quer que aquilo fosse, soava ruim. Ela puxou sua cadeira para o velho computador de Luke e conectou-se a internet. Ela não podia dizer que ficou surpresa que ao digitar a Igreja de Talto terminou em nenhum resultado satisfatório. O que quer que tinha estado escrito no canto do tecido tinha sido em Purgatic, ou Cthonian, ou alguma outra linguagem demoníaca. Uma coisa ela tinha certeza. O que quer que a Igreja de Talto fosse, ela era secreta, e provavelmente má. Se ela estava transformando bebês humanos em coisas com garras, ao invés de mãos, não era nenhuma espécie de religião verdadeira. Clary se perguntou se a mãe que tinha jogado seu bebê próximo ao hospital era um membro da igreja, e se ela sabia o que tinha feito a si, antes que seu bebê tivesse nascido. Ela se sentiu gelada enquanto pegava seu telefone — e se interrompeu com ele na mão. Ela estava prestes a ligar para sua mãe, mas ela não podia ligar para Jocelyn sobre isso. Jocelyn tinha acabado de se recuperar e concordado em sair com Luke, para procurar anéis. E enquanto Clary pensou que sua mãe era forte o suficiente para lidar com qual fosse a verdade que viesse a tona, ela entraria com certeza em problemas com a Clave, por levar sua investigação tão longe sem informá-los. Luke.
Mas Luke estava com sua mãe. Ela não podia ligar para ele. Maryse, talvez. A mera ideia de ligar para ela parecia estranha e intimidadora. Além do mais, Clary sabia — sem querer admitir para si mesma, que isto era um divisor — que se ela deixasse que a Clave assumisse, ela estaria no banco de reserva. Empurrada para fora de um mistério que parecia fortemente pessoal. Sem mencionar que parecia como trair sua mãe para a Clave. Mas ir por contra própria, sem saber o que ela descobriria... bem, ela teve treinamento, mas não tanto assim. E ela sabia que tinha uma tendência de agir primeiro. Relutantemente puxou o telefone, hesitou um instante — e mandou uma rápida mensagem: 232 RIVERSIDE DRIVE. VOCÊ PRECISA ME ENCONTRAR LÁ IMEDIATAMENTE. É IMPORTANTE. Ela teclou o botão de enviar e sentou-se por um momento, até que a tela se iluminasse com um zumbido de resposta. OK. Com um suspiro Clary guardou o telefone, e foi buscar suas armas. ●●●● “Eu amava Maia.” Jordan disse. Ele estava sentado no futon agora, tendo finalmente conseguido fazer o café, embora ele não tivesse bebido nada dele. Ele só estava segurando a caneca em suas mãos, virando e virando enquanto ele falava. “Você deve saber disso, antes que eu te diga qualquer outra coisa. Nós dois viemos desse triste buraco de uma cidade em New Jersey, ela foi para essa merda de buraco porque o pai dela era negro e sua mãe era branca. Ela tinha um irmão também, que era um completo psicopata. Eu não sei se ela te disse sobre ele. Daniel.” “Não muito”, Simon disse. “Com tudo isso, sua vida era bastante infernal, mas ela não deixava isso colocá-la para baixo. Eu a conheci em uma loja de música, comprando discos velhos. Vinil, certo. Nós começamos a conversar e eu percebi que ela era basicamente a garota mais legal a milhas de distância. Linda também. E doce.” Os olhos de Jordan estavam distantes. “Nós saímos, e foi fantástico. Nós ficamos completamente apaixonados. Do jeito que você fica quanto tem dezesseis anos. Então eu fui mordido. Foi em uma briga numa noite, em um clube. Eu
costumava entrar em um monte de brigas. Eu era acostumado a ser chutado e esmurrado, mas mordido? Eu achei que o cara que tinha feito isso era louco, mas tanto faz, eu fui para o hospital, ganhei pontos, e esqueci sobre isso.” “Cerca de três semanas depois começou a estourar. Ondas de fúria incontroláveis e raiva. Minha visão simplesmente escurecia e não sabia o que estava acontecendo. Eu soquei a janela da minha cozinha por que uma gaveta estava fechada. Eu estava louco de ciúme de Maia, convencido que ela estava olhando para outros caras, convencido... eu nem mesmo sei o que pensava. Eu só sei que eu surtei. Eu bati nela. Eu queria dizer que eu não me lembro de fazer isso, mas eu lembro. E ai ela terminou comigo...” A voz dele sumiu. Ele tomou um gole de café; parecia cansado, Simon pensou. Ele não deve ter contado muito essa história antes. Ou nunca. “Algumas noites depois eu fui a uma festa e ela estava lá. Dançando com outro cara. O beijando como se ela quisesse provar para mim que acabou. Foi uma péssima noite para ela escolher, não que ela pudesse ter sabido disso. Foi a primeira lua cheia desde que eu fui mordido.” Seus nós dos dedos estavam brancos onde ele agarrava a caneca. “A primeira vez que eu me Transformei. A transformação rompeu através de meu corpo e rasgou meus ossos e minha pele. Eu estava em agonia, e não só por causa disso. Eu a queria, queria que ela voltasse, queria explicar, mas tudo o que pude fazer foi uivar. Eu corri através das ruas, e foi quando eu a vi, cruzando o parque próximo a sua casa. Ela estava indo para casa...” “E você a atacou”, Simon disse. “Você a mordeu.” “Sim.” Jordan olhava cegamente para o passado. “Quando eu acordei na manhã seguinte, eu sabia o que tinha feito. Eu tentei ir a casa dela, para explicar, eu estava a meio caminho quando um cara grande apareceu em meu caminho e me encarou. Ele sabia o que eu era, sabia tudo sobre mim. Ele explicou que era um membro do Praetor Lupus e que tinha sido designado para mim. Ele não estava muito feliz de ter chegado tarde demais, que eu já tivesse mordido alguém. Ele não me deixaria ir a lugar nenhum perto dela. Ele disse que apenas faria isso pior. Ele prometeu que a Guarda Lobo a observaria. Ele me disse que já que eu tinha mordido um humano, que era estritamente proibido, o único modo de eu evitar a punição era me juntar a Guarda e ser treinado a me controlar.”
“Eu não teria feito isso. Eu cuspiria nele e tomaria qualquer que fosse a punição que eles queriam dar. Eu me odiava. Mas quando ele explicou que eu seria capaz de ajudar outras pessoas como eu, talvez impedir o que tinha acontecido a mim e a Maia de acontecer novamente, foi como se eu visse uma luz na escuridão, a longa distância no futuro. Como talvez uma chance para consertar o que eu tinha feito.” “Ok”, Simon disse lentamente. “Mas não há uma espécie de estranha coincidência que você foi designado para mim? Um cara que estava namorando a garota que você mordeu e a transformou em lobisomem?” “Sem coincidência”, Jordan disse. “Seu arquivo era um de um punhado que eu peguei. Eu o escolhi porque Maia era mencionada nos apontamentos. Um lobisomem e um vampiro namorando. Sabe, é uma espécie de coisa importante. Foi a primeira vez que eu percebi que ela tinha se tornado um lobisomem depois que eu — depois do que eu fiz.” “Você nunca tentou descobrir? O que parece um pouco—“ “Eu tentei. O Praetor não me deixou, mas eu fiz o que pude para descobrir o que aconteceu a ela. Eu sabia que ela fugiu de casa, mas ela tinha uma droga de vida familiar de qualquer modo, então isso não me disse nada. E não é como se houvesse algum arquivo nacional de lobisomens onde eu pudesse procurar por ela. Eu só... esperava que ela não tivesse se Transformado.” “Então você pegou minha missão por causa de Maia?” Jordan enrubesceu. “Eu pensei que talvez se eu te encontrasse, eu pudesse descobrir o que aconteceu a ela. Se ela estava bem.” “Esta foi a razão que você me disse para parar com os encontros duplos com ela”, Simon disse, pensando. “Você estava sendo protetor.” Jordan olhou para ele por cima da borda da caneca de café. “Sim, bem, foi um movimento idiota.” “E você foi quem jogou o folheto da apresentação da banda debaixo da porta dela. Não foi?” Simon sacudiu sua cabeça. “Então, parte da missão era para bagunçar com minha vida amorosa, ou é apenas seu toque extrapessoal?” “Eu a ferrei”, Jordan disse. “Eu não queria vê-la sacaneada por outra pessoa.” “E não te ocorreu que se ela aparecesse em nossa apresentação, ela tentaria
rasgar seu rosto? Se ela não se atrasasse, talvez ela até mesmo tivesse feito isso enquanto você estivesse no palco. O que teria sido uma animação extra para a plateia.” “Eu não sabia.” Jordan disse. “Eu não percebi que ela me odiava tanto, eu não odeio o cara que me transformou; eu meio que entendo que ele devia não estar sob controle.” “Sim”, Simon disse. “Mas você nunca amou aquele cara. Você nunca teve um relacionamento com ele. Maia te amava. Ela achou que você a mordeu e então a descartou e nunca pensou nela de novo. Ela vai te odiar tanto quanto ela te amou uma vez.” Antes que Jordan pudesse responder, a campainha tocou — não o zumbido que teria feito se alguém tivesse no andar de baixo, interfonando, mas aquele que poderia ser ressoado só se o visitante estivesse em pé na entrada do outro lado da porta deles. Os garotos trocaram olhares perplexos. “Você está esperando alguém?” Simon perguntou. Jordan sacudiu a cabeça e colocou abaixo a caneca de café. Juntos, eles foram para pequena entrada. Jordan gesticulou para Simon ir para trás dele antes que ele abrisse a porta. Não havia ninguém lá. Ao invés, havia um pedaço de papel dobrado no tapete de boas vindas, preso por um pedaço de pedra. Jordan se curvou para libertar o papel e se empertigou com uma careta. “É para você”, ele disse, o estendendo para Simon. Confuso, Simon desdobrou o papel. Impresso no centro, em letras maiúsculas infantis, estava a mensagem: SIMON LEWIS, NÓS TEMOS SUA NAMORADA. VOCÊ DEVE IR A 232 RIVERSIDE HOJE. ESTEJA LÁ ANTES DE ESCURECER OU NÓS CORTAREMOS A GARGANTA DELA. “É uma piada”, Simon disse, olhando entorpecido para o papel. “Tem que ser.” Sem uma palavra, Jordan agarrou o braço de Simon e o arrastou para a sala de estar, ele procurou pelo telefone sem fio até que o encontrou. “Ligue para ela”, ele disse, empurrando o telefone contra ao peito de Simon. “Ligue para Maia e
certifique-se que ela está bem.” “Mas não deve ser ela”, Simon olhou para o telefone enquanto o total horror da situação zumbia em seu cérebro, como um espírito do lado de fora de uma casa, implorando para entrar. Concentre-se, ele disse para si mesmo. Não entre em pânico. “Pode ser Isabelle.” “Ah, Jesus.” Jordan o encarou. “Você tem outras namoradas a mais? Nós temos que fazer uma lista de nomes para ligar?” Simon puxou o telefone para ele e se virou, discando o número. Maia respondeu no segundo toque. “Alô?” “Maia — é o Simon.” A amabilidade se foi de sua voz. “Ah. O que você quer?” “Eu só queria saber se você estava bem”, ele disse. “Eu estou bem.” Ela falou formalmente. “Não é como se o que estava acontecendo com a gente fosse tão sério. Eu não estou feliz, mas eu vou sobreviver. Embora você seja ainda um imbecil.” “Não”, Simon disse. “Quero dizer que queria saber se você estava bem.” “Isso é sobre, Jordan?” Ele pôde ouvir a raiva quando ela disse o nome dele. “Certo. Vocês saíram juntos, não é? Vocês são amigos ou algo assim, certo? Bem, você pode dizer a ele para ficar longe de mim. Na verdade, isso serve para vocês dois.” Ela desligou. O tom de discagem zumbindo no telefone como uma abelha zangada. Simon olhou para Jordan. “Ela está bem. Ela nos odeia, mas não soou realmente como se alguma coisa estivesse errada.” “Ótimo”, Jordan disse firme. “Ligue para Isabelle.” Levou duas tentativas antes que Izzy atendesse; Simon estava quase em pânico no momento em que a voz dela veio na linha, soando distraída e chateada. “Seja quem for, é melhor que seja bom.” Alívio se derramou em suas veias. “Isabelle. É o Simon.” “Ah, pelo amor de Deus. O que você quer?” “Eu só liguei para ter certeza que você está bem—“ “Ah, o que, eu acho que estou devastada por que você é um malandro, mentiroso, traidor filho de uma—“
“Não”, Isso estava realmente começando a dar nos nervos de Simon. “Quero dizer, você está bem? Você não foi sequestrada ou algo assim?” Houve um longo silêncio. “Simon”, Isabelle disse finalmente. “Isso é realmente, sério, a desculpa mais estúpida para uma ligação chorona que eu jamais escutei. O que há de errado com você?” “Eu não tenho certeza”, Simon disse, e desligou antes que ela desligasse na cara dele. Ele estendeu o telefone para Jordan. “Ela também está bem.” “Eu não entendo”, Jordan parecia desconcertado. “Quem faz uma ameaça como essa se é totalmente vazia? Quero dizer, é tão fácil checar e descobrir que é uma mentira.” “Eles devem pensar que eu sou burro”, Simon começou, e então parou. Um horrível pensamento surgindo nele. Ele tomou o telefone de volta de Jordan e começou a ligar com dedos dormentes. “Quem é?” Jordan disse. “Para quem você está ligando?” O telefone da Clary tocou enquanto ela virava a esquina da Ninety-sixth Street com a Riverside Drive. A chuva pareceu ter lavado a cidade da sua sujeira costumeira; o sol brilhava em um céu brilhante e na faixa verde brilhante do parque ao longo do rio, cuja água parecia quase azul hoje. Ela escavou sua bolsa atrás de seu telefone, e o encontrou, e o abriu. “Alô?” A voz de Simon veio na linha. “Ah, graças—“ Ele se interrompeu. “Você está bem? Você não foi sequestrada ou algo assim?” “Sequestrada?” Clary vasculhou os números dos prédios enquanto ela caminhava para a parte residencial. 220, 240. Ela não estava inteiramente certa do que estava procurando. Pareceria como uma igreja? Outra coisa, enfeitiçada para parecer como um lote abandonado? “Você bebeu ou o que?” “É um pouco cedo para isso”, O alívio na voz dele era claro. “Não, eu só – eu recebi um bilhete estranho. Alguém ameaçando ir atrás da minha namorada.” “Qual delas?” “Há, há.” Simon não soou divertido. “Eu já liguei para Maia e Isabelle, e ambas estão bem. Então eu pensei em você — quero dizer, nós passamos um tempão juntos. Alguém podia ter pego a ideia errada; Mas agora eu não sei o que pensar.” “Eu duvido”, 232 Riverside Drive se assomou diante de Clary de repente,
como um grande prédio quadrado de pedra com um telhado pontiagudo. Podia ter sido uma igreja em algum momento, ela pensou, ainda que não parecesse com
uma agora. “A propósito, Maia e Isabelle descobriram uma sobre a outra noite passada. Não foi muito bonito”, Simon adicionou. “Você estava certa sobre o ponto de brincar com fogo.” Clary examinou a fachada do número 232. A maioria dos edifícios alinhados na estrada eram prédios de apartamentos caros com porteiros em uniformes, esperando do lado de fora. Embora, neste, tinha apenas um conjunto de portas altas de madeira com cumeeira curvada, e alças de metal antiquadas ao invés de maçanetas. “Ooh, ai. Desculpe-me, Simon. Alguma delas está falando com você?” “Não de verdade.” Ela tomou uma das alças, e empurrou. A porta deslizou aberta com um suave som sibilado. Clary abaixou sua voz. “Talvez uma delas deixou o bilhete?“ “Não parece o estilo delas”, Simon disse, soando genuinamente confuso. “Você acha que Jace teria feito isso?” O som do nome dele foi como um murro em seu estômago. Clary segurou a respiração e disse. “Eu não acho que ele faria isso, nem mesmo se estivesse zangado.” Ela afastou o telefone de sua orelha. Espreitando em torno da porta semiaberta; ela podia ver que parecia seguramente como o interior normal de uma igreja — um longo corredor, luzes tremulantes como velas. Com certeza não podia machucar dar uma olhadinha por dentro. “Eu tenho que ir, Simon”, ela disse. “Eu te ligo mais tarde.” Ela fechou o telefone e entrou. “Você acha realmente que foi uma piada?” Jordan estava andando para cima e para baixo no apartamento como um tigre em uma jaula no zoológico. “Eu duvido. Parece na verdade como algum tipo de piada doentia para mim.” “Eu não diria que ela foi doentia”, Simon olhou para o bilhete; posto na mesa de café, as letras em forma claramente visíveis mesmo à distância. Só de olhá-las, deu a ele uma sensação ruim no estômago, mesmo que ele soubesse que era sem sentido. “Eu só estou tentando pensar quem poderia tê-la enviado. E por quê?”
“Talvez eu devesse tirar um dia de folga de você e manter um olho nela”, Jordan disse. “Sabe, só no caso.” “Eu presumo que você esteja falando de Maia”, Simon disse. “Eu sei o que você quer dizer, bem, mas eu realmente não acho que ela precise de você ao redor. De qualquer modo.” A mandíbula de Jordan enrijeceu. “Eu ficaria fora do caminho, então ela não me veria.” “Wow. Você ainda está muito na dela, não é?” “Eu tenho uma responsabilidade pessoal”, Jordan soou tenso. “Seja lá o que sinto, não importa.” “Você pode fazer o que quiser,” Simon disse. “Mas eu acho—“ A campainha da porta tocou de novo. Os dois garotos trocaram um único olhar antes de ambos precipitarem no corredor estreito para a porta. Jordan chegou lá primeiro. Ele agarrou o cabideiro que ficava na porta, arrancou os casacos dele, e jogou a porta aberta, o cabideiro sob sua cabeça como um dardo. No outro lado da porta estava Jace. Ele piscou. “Isso é um cabideiro?” Jordan jogou o cabideiro no chão e suspirou. “Se você fosse um vampiro, isso teria sido bem mais útil.” “Sim”, Jace disse. “Ou, você sabe, apenas alguém com um monte de casacos.” Simon enfiou sua cabeça em torno de Jordan e disse. “Desculpe-nos. Nós tivemos uma manhã tensa.“ “Sim, bem”, Jace disse. “Ela vai ficar mais tensa. Eu vim para levá-lo ao Instituto, Simon. A Clave quer vê-lo, e eles não gostam de ter que esperar.” ●●●● No momento em que a porta da Igreja de Talto se fechou atrás de Clary, ela sabia que estava em outro mundo, o barulho e alvoroço de Nova York inteiramente silenciados. O espaço por dentro do prédio era grande e elevado, com tetos altos acima. Havia um corredor estreito cercado por fileiras de bancos, e grossas velas marrons queimavam em candeeiros separados ao longo das paredes. O interior parecia mal iluminado para Clary, mas talvez fosse só por que
ela estava acostumada ao esplendor da pedra enfeitiçada. Ela se moveu no corredor, o pisar de seus tênis, suave contra o chão empoeirado. Era antiga, ela pensou, uma igreja sem janelas. No fim do corredor ela alcançou o abside29, onde um conjunto de degraus de pedra levavam a um pódio em que estava a mostra um altar. Ela piscou, percebendo o que era estranho. Não havia cruzes nesta igreja. Ao invés, havia uma alta tabuleta de pedra no altar, coroada por figuras entalhadas de uma coruja. As palavras na tabuleta liam-se: POIS SUA CASA SE INCLINA PARA A MORTE, E SEUS CAMINHOS PARA OS MORTOS. NENHUM DOS QUE VÃO A ELA, TORNAM A SAIR, NEM ATENTAM ELES PARA OS CAMINHOS DA VIDA.30
Clary piscou. Ela não estava muito familiarizada com a Bíblia — ela com certeza não tinha nada como a lembrança quase perfeita de Jace das grandes passagens dela — mas embora isso soasse religioso, era também uma parte estranha do texto para se reportar em uma igreja. Ela estremeceu, e se aproximou mais do altar, onde um grande livro fechado tinha sido deixado. Uma das páginas parecia estar marcada, quando Clary abriu o livro, ela percebeu que o que tinha pensado que era um marcador, era uma adaga de cabo negro incrustada com símbolos misteriosos. Ela tinha visto aquelas imagens antes nos seus livros. Era um punhal, frequentemente usado em rituais de invocação demoníaca. Seu estômago ficou gelado, mas ela se inclinou para olhar a página marcada de qualquer modo, determinada a ficar sabendo de algo — só para descobrir que ele tinha sido escrito em uma espasmódica letra estilizada que teria sido difícil de decifrar se o livro fosse em Inglês. Ele não era, estava em um pronunciado alfabeto com letras pontudas que ela estava certa de que nunca tinha visto antes. As palavras estavam abaixo de uma ilustração que Clary reconheceu como um círculo de invocação — tipo de padrão que feiticeiros traçavam no chão antes que eles ordenassem feitiços. Os círculos eram para atrair 29 30
Abside – a cúpula da igreja ou abóboda da igreja, após o altar na área do coro. Provérbios 2:18-19
e concentrar poder mágico. Este, espalhado na página em tinta verde, parecia como dois círculos concêntricos, com um quadrado no meio deles. No espaço entre os círculos, runas estavam rabiscadas. Clary não as reconheceu, mas ela podia sentir a linguagem das runas em seus ossos, e estas a faziam estremecer. Morte e sangue. Ela virou a página precipitadamente, e apareceu um grupo de ilustrações que a fizeram sugar a respiração. Era uma progressão de imagens que começavam com a imagem de uma mulher com um pássaro pousado sobre seu ombro esquerdo. O pássaro, possivelmente um corvo, parecia sinistro e astuto. Na segunda imagem, o pássaro se fora, e a mulher estava obviamente grávida. Na terceira imagem, a mulher estava deitada sobre o altar não diferente do qual Clary estava em pé agora. Uma figura em um robe estava de pé em frente a ela, uma volumosa seringa em sua mão. A seringa estava cheia de líquido vermelho escuro. A mulher claramente sabia o que estava prestes a ser injetado com ela, por que ela estava gritando. Na última figura a mulher estava sentada com um bebê em seu colo. O bebê parecia quase normal, exceto que seus olhos eram inteiramente negros, sem os brancos. A mulher estava olhando abaixo para a criança com um olhar de terror. Clary sentiu os cabelos por trás de seu pescoço se arrepiarem. Sua mãe estava certa. Alguém estava tentando fazer mais bebês como Jonathan. Na verdade, eles já tinham. Ela se afastou do altar. Cada nervo em seu corpo estava gritando que havia algo de muito errado com este lugar. Ela não achou que podia passar outro segundo ali; melhor ir lá para fora e esperar para que cavalaria chegasse. Ela podia ter descoberto esta pista por conta própria, mas o resultado era mais do que ela podia lidar por si mesma. Foi isso até que ela ouviu o som. Um som sussurrante, como uma corrente lentamente puxada para trás, que parecia vir de cima dela. Ela olhou acima, o punhal agarrado firmemente em sua mão. E olhou em torno das galerias acima, onde havia colunas de figuras silenciosas. Elas usavam o que pareciam agasalhos cinzas — tênis, moletons cinza apagados, e de zíper com capuzes puxados sobre seus rostos. Eles pareciam
absolutamente imóveis, suas mãos sobre a balaustrada da galeria, olhando abaixo, para ela. Pelo menos, ela achou que eles estavam olhando. Seus rostos estavam escondidos inteiramente na sombra; ela nem mesmo podia dizer se eles eram homens ou mulheres. “Eu — eu lamento”, ela disse. Sua voz ecoou alto no salão de pedra. “Eu não quis me intrometer, ou...” Não houve resposta além do silêncio. Silêncio como um peso. O coração de Clary começou a bater mais rápido. “Eu já vou então”, ela disse, engolindo em seco. Ela foi à frente, colocando o punhal sob o altar, e se virou para sair. Então ela pegou o cheiro no ar, uma fração de segundo antes que ela se virasse — o fedor familiar de lixo apodrecendo. Entre ela e a porta, elevando-se como uma parede, uma aterrorizante confusão de pele escamosa, dentes como lâmina, e garras estendidas. Pelas últimas sete semanas Clary tinha treinado para enfrentar um demônio em batalha, mesmo um imenso. Mas agora que estava acontecendo pra valer, tudo o que ela podia fazer era gritar.
Capítulo
11
NOSSA ESPÉCIE
O DEMÔNIO INVESTIU-SE PARA CLARY, ELA PAROU DE GRITAR abruptamente e se lançou para trás, por cima do altar — um perfeito arremesso, e por um bizarro momento ela desejou que Jace estivesse ali para ver isso. Ela atingiu o chão num agachar, no mesmo momento alguma coisa golpeou fortemente o altar, fazendo a pedra vibrar. Um uivo soou através da igreja. Clary precipitou-se aos seus joelhos e espiou por cima da borda do altar. O demônio não era tão grande quanto ela havia pensando de início, mas também não era pequeno — aproximadamente do tamanho de uma geladeira, com três cabeças balançando em hastes. As cabeças eram cegas, com enormes mandíbulas abertas das quais pendiam ligas de baba esverdeada. O demônio parecia ter batido a cabeça da esquerda no altar quando ele se precipitou para ela, porque ele estava balançando sua cabeça para trás e para frente como se estivesse tentando a clarear. Clary olhou para cima selvagemente, mas as figuras de agasalho de moletom ainda estavam onde elas estavam antes. Nenhum deles se moveu. Eles pareciam observar o que se passava com interesse imparcial. Ela virou e olhou para trás, mas parecia não haver outras saídas da igreja além daquela pela qual ela entrou, e o demônio atualmente estava bloqueando o caminho de volta para ela. Percebendo que estava perdendo preciosos segundos. Ela precipitou-se aos seus
pés e agarrou o punhal. Ela o arrancou fora do altar e se abaixou no momento em que o demônio veio para ela novamente. Ela rolou para o lado enquanto uma cabeça, balançando em uma haste grossa do pescoço, arremessou-se por cima do altar, sua grossa língua preta tateando, procurando por ela. Com um grito ela pressionou o punhal para dentro do pescoço da criatura uma vez, então o puxou, arrastando-o para trás e fora do caminho. A coisa gritou, a cabeça empinando para trás, sangue negro espirrando da ferida que ela tinha feito. Mas esse não era um golpe fatal. Enquanto Clary observava, a ferida começou a se curar lentamente, a carne verde escurecida do demônio se unindo como um tecido sendo costurado. O coração dela afundou. É
claro. A razão dos Caçadores das Sombras usarem armas com runas era que as runas evitavam a cura do demônio. Ela alcançou a estela no seu cinto com sua mão esquerda, e puxou-a no momento em que o demônio veio para ela novamente. Ela saltou para o lado e se atirou dolorosamente escada abaixo, rolando até que foi arremessada contra a primeira fileira de bancos. O demônio se virou, um pouco desajeitado quando se moveu, e dirigiu-se para ela mais uma vez. Percebendo que estava apertando ambas, estela e adaga — na verdade, a adaga havia a cortado quando ela tinha rolado, e sangue estava rapidamente manchando a frente de sua jaqueta — ela transferiu a adaga para sua mão esquerda, a estela para a direita, e com uma desesperada rapidez, gravou uma runa do Anjo no cabo do punhal. Os outros símbolos do cabo começaram a derreter e a desbotar quando o poder angelical tomou posse. Clary olhou para cima; o demônio estava quase nela, suas três mãos alcançando, suas bocas escancaradas. Impulsionando-se a seus pés, ela puxou seu braço para trás e lançou a adaga o mais forte que pôde. Para sua grande surpresa, ela atingiu a cabeça do meio bem no centro do crânio, afundando até o cabo. A cabeça chacoalhou descontroladamente enquanto o demônio gritava — o coração da Clary exultou — e então a cabeça simplesmente caiu, batendo no chão com um baque repugnante. O demônio continuou vindo de qualquer maneira, arrastando a cabeça agora morta, no flácido pescoço, conforme ele se movia em direção a Clary. O som de muitos passos veio de cima. Clary ergueu os olhos. As figuras de agasalho de moletom tinham ido, deixando a galeria vazia. A visão não foi
tranquilizadora. O seu coração fazendo um tango selvagem no peito, Clary virou-se e correu para a porta da frente, mas o demônio era mais rápido do que ela. Com um grunhido de esforço ele lançou-se sobre ela e pousou na frente das portas, bloqueando o caminho da saída. Fazendo um barulho de silvo, ele se moveu em direção a ela, suas duas cabeças vivas balançando, então se levantando e esticando no seu maior comprimento, a fim de atingi-la— Alguma coisa reluziu através do ar, uma chama dardejante de ouro prateado. A cabeça do demônio chicoteou ao redor, o silvo crescendo para um grito, mas já era tarde — a coisa prateada que havia as enlaçado tencionou, e com um jato de sangue negro, as suas duas cabeças restantes se deceparam. Clary rolou para fora do caminho no momento em que sangue voante a borrifou, queimando sua pele. Então ela abaixou sua cabeça no momento em que o corpo sem cabeça balançou, caindo em sua direção— E então se foi. Enquanto desabava, o demônio desapareceu, sugado de volta para sua dimensão. Clary ergue sua cabeça cautelosamente. A porta da frente da igreja estava aberta, e na entrada estava Isabelle, usando botas e um vestido preto, seu chicote electrum na mão. Ela estava o enrolando lentamente em torno do pulso, olhando em volta da igreja enquanto fazia isso, suas escuras sobrancelhas contraídas em um franzido curioso. Quando o olhar dela desceu sobre Clary, ela sorriu. “Maldição, garota”, ela disse. “No que você se meteu agora?” ●●●● O toque das mãos dos servos de vampiro na pele de Simon era gelado e leve, como o toque de asas de gelo. Ele estremeceu um pouco enquanto eles desenrolavam a venda envolta em sua cabeça, suas peles murchas e ásperas na dele antes de eles darem um passo para trás, curvando-se enquanto se recuavam. Ele olhou em volta, piscando. Momentos atrás, ele tinha estado em pé na luz do sol na esquina da Seventy-Eighth Street com a Second Avenue — distância suficiente do Instituto, que ele julgou segura, para usar a terra de sepulcro para contatar Camille sem levantar suspeitas. Agora ele estava em uma sala mal iluminada, muito grande, com um piso de mármore liso e elegantes
pilares de mármores segurando um teto alto. Ao longo da parede esquerda corria uma linha de cubículos com vidro na frente, cada um com uma placa de latão gravado suspensa sobre elas onde se lia CAIXA. Outra placa de latão na parede indicava que esse era o DOUGLAS NATIONAL BANK. Grossas camadas de poeira acolchoavam o chão e os guichês onde pessoas tinham uma vez ficado para assinar cheques ou guias de saque, e lâmpadas inflexíveis que pendiam do teto eram revestidas com verdete. No centro da sala estava uma poltrona alta, e na cadeira sentava Camille. Seu cabelo loiro-prateado desamarrado, esparramado por cima dos seus ombros como ouropel. Sua maquiagem tinha sido limpa do seu rosto, mas seus lábios estavam ainda muito vermelhos. Na escuridão do banco, eles eram quase a única cor que Simon podia ver. "Eu normalmente não concordaria em ter encontros durante as horas do dia, Daylighter", ela disse. "Mas desde que é você eu resolvi abrir uma exceção." "Obrigado." Ele percebeu que nenhuma cadeira tinha sido providenciada para ele, então continuou desconfortavelmente em pé. Se seu coração ainda estivesse batendo, ele pensou, ele estaria martelando. Quando ele concordou em fazer isso para a Clave, tinha esquecido o quanto Camille o assustava. Talvez isso fosse ilógico — o que ela poderia realmente fazer a ele? — mas ali estava. "Eu suponho que isso signifique que você considerou minha oferta", Camille disse. "E que você concordou com ela." "O que faz você pensar que eu concordei?" Simon disse, muito esperançoso que ela não fosse suprimir a presunção da pergunta para o fato de ele estar procurando ganhar tempo. Ela parecia levemente impaciente. "Você dificilmente viria em pessoa entregar a notícia de que decidiu rejeitar minha proposta. Você teria medo do meu temperamento." "Eu deveria ter medo do seu temperamento?" Ela se sentou na cadeira wing-back31, sorrindo. A cadeira era de aparência moderna e luxuosa, diferente de qualquer outra coisa no banco abandonado. Ela deve ter sido transportada para cá de algum outro lugar, provavelmente pelos servos da Camille, os quais, no momento, estavam de pé um de cada lado como 31
Estilo de cadeira. http://www.designspongeonline.com/2007/11/wingback-chair-guide.html
estátuas silenciosas. "Muitos têm", ela disse, "mas você não tem razão de ter. Eu estou muito satisfeita com você. Embora você tenha esperado até o último momento para entrar em contato comigo, sinto que você fez a decisão certa." O telefone de Simon escolheu aquele minuto para começar a zunir insistentemente. Ele pulou, sentindo uma gota de suor frio escorrer por suas costas, então o puxou às pressas para fora do bolso de sua jaqueta. “Desculpa”, ele disse, e o abriu para atendê-lo. “Telefone.” Camille pareceu horrorizada. “Não atenda isso.” Simon começou a levá-lo à sua orelha. Enquanto ele levava, conseguiu apertar o botão da câmera várias vezes com seu dedo. “Isso vai levar apenas um segundo.” “Simon.” Ele apertou o botão enviar e então o fechou depressa. “Desculpa. Eu não pensei.” O peito de Camille estava descendo e subindo com fúria, apesar do fato de que ela na realidade não respirava. “Eu exijo mais respeito do que isso dos meus servos” ela sibilou, “você nunca mais fará isso de novo, ou—“ “Ou o que?” Simon disse. “Você não pode me machucar, não mais do que qualquer outro possa. E você me disse que eu não seria um servo. Você me disse que eu seria seu companheiro.” Ele parou, deixando apenas a nota certa de arrogância em sua voz. “Talvez eu devesse reconsiderar minha aceitação à sua oferta.” Os olhos da Camille escureceram. “Oh, pelo amor de Deus. Não seja um idiota.” “Como você pode dizer aquela palavra?” Simon exigiu. Camille ergueu suas delicadas sobrancelhas. “Qual palavra? Você está aborrecido por te chamar de idiota?” “Não. Bem, sim, mas não foi isso que quis dizer. Você disse ‘oh, pelo’—“ Ele parou de falar, sua voz quebrando. Ele ainda não podia falar isso. Deus. “Porque eu não acredito nele, garoto tolo”, disse Camille. “E você ainda acredita.” Ela inclinou sua cabeça para o lado, olhando-o do jeito que um pássaro olharia um verme na calçada, ao qual, estivesse considerando comê-lo. “Eu penso talvez que é hora de um juramento de sangue.”
“Um... Juramento de sangue?” Simon se perguntou se ele tinha ouvido direito. “Eu esqueço que o seu conhecimento dos costumes da nossa espécie é tão limitado.” Camille balançou sua cabeça prateada. “Eu preciso que você assine um juramento, em sangue, que você é leal a mim. Isso vai evitar que você me desobedeça no futuro. Considere isso um tipo de... pacto pré-nupcial.” Ela sorriu, e ele viu um lampejo de suas presas. “Venha.” Ela estalou seus dedos imperiosamente, e seus subordinados correram em direção a ela, suas cabeças cinza curvadas. O primeiro a alcançou, entregando para ela algo que parecia com uma antiquada caneta de vidro, do tipo com uma ponta espiralada, específica para pegar e armazenar tinta. “Você terá que se cortar e extrair seu próprio sangue”, disse Camille. “Normalmente eu mesma faria isso, mas a Marca me impede. Portanto, devemos improvisar.” Simon hesitou. Isso era ruim. Ele sabia o suficiente sobre o mundo sobrenatural para saber o que juramentos significavam para os Seres do Submundo. Não eram apenas promessas vazias que podiam ser quebradas. Elas realmente ligavam o promitente, como algemas virtuais. Se ele assinasse o juramento, ele realmente iria ser leal a Camille. Possivelmente para sempre. “Venha”, Camille disse, um toque de impaciência rastejando em sua voz. “Não há necessidade de perder tempo.” Engolindo, Simon deu um relutante passo adiante, e então outro. Um servo deu um passo entrando na frente dele, bloqueando seu caminho. Ele estava segurando uma faca para Simon, uma coisa de aparência cruel, como uma lâmina afiada. Simon a pegou e a elevou acima do seu pulso. E então abaixou. “Você sabe”, ele disse, “eu realmente não gosto muito de dor. Ou facas—“ “Faça!” Camille rosnou. “Deve haver alguma outra forma.” Camille levantou-se de sua cadeira, e Simon viu que suas presas estavam completamente estendidas. Ela estava verdadeiramente irritada. “Se você não parar de desperdiçar meu tempo—“ Ocorreu uma branda implosão, um som parecido com algo enorme partindo-se ao meio. Um grande painel cintilante apareceu contra a parede oposta. Camille virou-se para isso, seus lábios abertos em choque no momento
em que ela viu o que era. Simon soube que ela reconheceu aquilo, assim como ele. Havia apenas uma coisa que aquilo poderia ser. Um Portal. E através dele estava vertendo pelo menos uma dúzia de Caçadores de Sombras. ●●●● “Ok”, disse Isabelle, colocando de lado o kit de primeiros socorros com um gesto rápido. Elas estavam em um dos muitos quartos disponíveis do Instituto destinado aos membros visitantes da Clave. Cada um era mobiliado simplesmente com uma cama, uma cômoda, um guarda-roupa e um pequeno banheiro. E, claro, cada um tinha um kit de primeiros socorros com bandagens, cataplasmas, e até mesmo, estelas extras inclusas. “Você está muito bem iratzeada, mas vai levar um pouco de tempo para algumas dessas feridas desaparecerem. E essa” — ela correu a sua mão sobre a marca de queimadura no antebraço da Clary onde sangue de demônio havia espirrado nela — “provavelmente não desaparecerá totalmente até amanhã. Embora, se você descansar, elas se curarão mais rápido.” “Está excelente. Obrigada, Isabelle.” Clary olhou para suas mãos; havia bandagens em volta da direita, e sua camisa ainda estava rasgada e manchada de sangue, apesar das runas de Isabelle terem curado os cortes debaixo. Ela supôs que poderia ter feito as iratzes ela mesma, mas era legal ter alguém cuidando dela, e Izzy, embora não fosse a pessoa mais calorosa que Clary conhecia, podia ser hábil e gentil quando ela queria. “E obrigada por aparecer e, você sabe, salvar minha vida de o que quer que fosse aquela coisa—“ “Um demônio Hidra. Eu lhe disse. Eles possuem muitas cabeças, mas eles são muito estúpidos. E você não estava fazendo um trabalho tão ruim com ele antes de eu aparecer. Eu gostei do que você fez com o punhal. Bom raciocínio sob pressão. Que é, tanto quanto, uma parte de ser Caçador de Sombras, como, de aprender a perfurar buracos nas coisas.” Isabelle deixou-se cair na cama perto da Clary e suspirou. “Eu provavelmente deveria ir ver o que eu posso descobrir a respeito da Igreja de Talto antes da Clave voltar. Talvez, isso nos ajudará a descobrir o que está acontecendo. A coisa do hospital, os bebês —“ Ela
estremeceu. “Eu não gosto disso.” Clary tinha contado para Isabelle tanto quanto ela podia sobre porque ela tinha estado na Igreja, até mesmo sobre o bebê demônio no hospital, ainda que ela tenha fingido ser a única que estava suspeitando, e tivesse deixado sua mãe fora da história. Isabelle pareceu enjoada quando Clary descreveu o jeito como o bebê parecia exatamente como um bebê normal, exceto, pelos seus arregalados olhos negros e as pequenas garras que ele tinha, ao invés de mãos. “Eu acho que eles estavam tentando fazer outro bebê como — como meu irmão. Eu acho que eles experimentaram em alguma mulher Mundana pobre”, Clary disse. “Mas ela não pôde suportar quando o bebê nasceu e perdeu a cabeça. É só que — quem poderia fazer algo como aquilo? Um dos seguidores do Valentine? As pessoas que nunca foram apanhadas, talvez tentando continuar o que ele estava fazendo?” “Talvez. Ou apenas algum culto de adoradores do demônio. Há bastante deles. Embora eu não consiga imaginar porque alguém iria querer fazer mais criaturas como Sebastian.” A voz dela deu um pequeno salto de ódio quando disse o nome dele. “O verdadeiro nome dele é Jonathan—“ “Jonathan é o nome do Jace”, disse Isabelle firmemente. “Eu não poderia chamar aquele monstro pelo mesmo nome que meu irmão tem. Ele sempre será Sebastian para mim.” Clary tinha que admitir, Isabelle tinha um ponto. Ela tinha tido um tempo difícil pensando nele como Jonathan também. Ela supôs que isso não era justo com o verdadeiro Sebastian, mas nenhum deles tinham realmente o conhecido. Era mais fácil jogar o nome de um estranho para o perverso filho de Valentine do que chamá-lo de alguma coisa que fizesse ele mais próximo de sua família, mais próximo de sua vida. Isabelle falou suavemente, mas Clary podia dizer que sua mente estava trabalhando, assinalando sobre várias possibilidades. “De qualquer modo, eu estou feliz que você tenha me enviado a mensagem. Eu podia dizer, devido a ela, que alguma coisa estranha estava acontecendo, e francamente, eu estava entediada. Todo mundo está fora fazendo algo secreto para a Clave, e eu não quis ir, porque Simon iria estar lá, e eu o odeio agora.” “Simon esta com a Clave?” Clary estava surpresa. Ela tinha percebido que
o Instituto estava ainda mais vazio do que o habitual quando elas chegaram. Jace, é claro, não estava lá, mas ela não esperava que ele estivesse — embora não soubesse por quê. “Eu falei com ele essa manhã e ele não disse nada sobre fazer algo para eles”, Clary adicionou. Isabelle encolheu os ombros. “Isso tem alguma coisa a ver com políticas de vampiros. É tudo que eu sei.” “Você acha que ele está bem?” Isabelle soou exasperada. “Ele não precisa mais de você para defendê-lo, Clary. Ele tem a Marca de Caim. Ele pode ser explodido, alvejado e esfaqueado que ele vai ficar bem.” Ela olhou duramente para Clary. “Eu percebi que você não me perguntou por que eu odeio o Simon”, ela disse. “Eu suponho que você sabia sobre a coisa do dois-ao-mesmo-tempo?” “Eu sabia”, Clary admitiu, “eu sinto muito.” Isabelle fez um movimento com a mão empurrando a confissão para longe. ”Você é a melhor amiga dele. Seria estranho se você não soubesse.” “Eu devia ter lhe contado”, Clary disse. “É só que — eu nunca tive a sensação de que você estava a sério com o Simon, você sabe?” Isabelle fez uma careta. “Eu não estava. É só que — eu pensei que ele poderia ter levado isso a sério, pelo menos. Já que eu era bonita demais para ele. Eu acho que eu esperava mais dele do que dos outros caras.” “Talvez”, Clary disse calmamente, “Simon não devia estar namorando com alguém que acha que é bonita demais para ele.” Isabelle olhou para ela, e Clary sentiu-se corar. “Desculpe-me. A relação de vocês realmente não é da minha conta.” Isabelle estava torcendo seu cabelo escuro em um coque, algo que ela fazia quando estava tensa. “Não, não é. Quero dizer, eu poderia perguntar por que você me mandou a mensagem para ir à igreja encontrar com você, e não o Jace, mas eu não perguntei. Eu não sou estúpida. Eu sei que algo errado está acontecendo entre vocês dois, apesar da sessão amasso-apaixonado-no-beco.” Ela olhou entusiasmadamente para Clary. “Vocês dois já dormiram juntos?” Clary sentiu o sangue correndo em seu rosto. “O que — eu quero dizer, não, nós não, mas eu não vejo o que isso tem a ver com qualquer coisa.” “Isso não tem”, disse Isabelle, dando batidinhas no lugar de seu coque. “Foi
só curiosidade lúbrica. O que está te segurando?” “Isabelle—“ Clary puxou suas pernas para cima, envolvendo seus braços em torno de seus joelhos, e suspirou. “Nada. Nós estamos apenas levando nosso tempo. Eu nunca — você sabe.” “Jace fez”, disse Isabelle. “Eu quero dizer, eu suponho que ele fez. Eu não tenho certeza. Mas, se você precisar de alguma qualquer coisa...” Ela deixou a frase suspensa no ar. “Precisar de qualquer coisa?” “Proteção. Você sabe. Assim você pode ser cuidadosa”, Isabelle disse. Ela soou tão prática como se ela tivesse falando sobre botões extras. “Você pensou que o Anjo foi providente suficiente para nos dar runas de controle de natalidade, mas não foi.” “É claro que eu vou ser cuidadosa”, Clary gaguejou sentindo suas bochechas ficarem vermelhas. “Chega. Isso é embaraçoso.” “Isso é conversa de garotas”, disse Isabelle. “Você só pensa que isso é embaraçoso porque você passou sua vida toda com Simon como seu único amigo. Você não pode falar com ele sobre Jace. Isso seria embaraçoso.” “E Jace realmente não falou nada para você? Sobre o que está o incomodando?” Clary disse, em voz baixa. “Você promete?” “Ele não precisa”, Isabelle disse. “O jeito como você tem agido, e com Jace andando por ai parecendo alguém simplesmente morto, não é como se eu não tivesse notado que algo estava errado. Você deveria ter vindo falar comigo antes.” “Ele, pelo menos, está bem?” Clary perguntou muito calmamente. Isabelle levantou-se da cama e olhou para baixo, para ela. “Não”, ela disse. “Ele não está muito bem. Você está?” Clary balançou sua cabeça. “Eu não achava que sim.” Isabelle disse. ●●●● Para a surpresa de Simon, Camille, ao ver os Caçadores de Sombras nem mesmo tentou resistir ao ataque. Ela gritou e correu para a porta, somente para congelar quando ela percebeu que era dia lá fora, e que ao sair do banco iria
rapidamente se incinerar. Ela arfou e ficou acuada contra a parede, suas presas à mostra, um silvo baixo vindo de sua garganta. Simon recuou no momento em que uma multidão de Caçadores de Sombras da Conclave o rodearam, todos de preto, como um bando de corvos assassinos; ele viu Jace, seu rosto pálido e rígido como mármore branco, deslizando uma espada de lâmina larga através de um dos servos humanos no momento em que passava por ele, tão casualmente quanto um pedestre poderia esmagar uma mosca. Maryse avançava na frente, seu cabelo negro esvoaçante lembrando a Simon de Isabelle. Ela despachou o segundo subordinado acuado com um movimento em corte transversal da sua lâmina Serafim, e avançou para Camille com sua brilhante lâmina estendida. Jace estava ao lado dela, e outro Caçador de Sombras — um homem alto com runas negras entrelaçando seus antebraços como videiras — estava do seu outro lado. Os demais Caçadores de Sombras se espalharam e estavam vasculhando o banco, fazendo uma varredura com aquelas coisas estranhas que eles usam — Sensores — checando cada canto, atrás de atividade demoníaca. Eles ignoraram os corpos dos servos humanos da Camille, deitados imóveis em suas poças de sangue secando. Eles ignoraram Simon também. Ele podia muito bem ser outro pilar, por toda a atenção que eles deram a ele. “Camille Belcourt”, disse Maryse, sua voz ecoando através das paredes de mármore. “Você quebrou a Lei e está sujeita às suas penalidades. Você vai se render e vir conosco ou você vai lutar?” Camille estava chorando, não fazendo nenhum esforço para esconder suas lágrimas, as quais estavam tingidas com sangue. Elas estavam listrando sua face branca com linhas vermelhas enquanto ela engasgava, “Walker — e meu Archer—“ Maryse parecia confusa. Ela virou para o homem em sua esquerda. “Kadir, o que ela está dizendo?” “Os servos humanos dela”, ele respondeu. “Eu acredito que ela está lamentando pelas mortes deles.” Maryse sacudiu suas mãos desdenhosamente. “É contra a Lei fazer servos entre seres humanos.” “Eu os fiz antes dos Seres do Submundo serem subjulgados pelas suas
malditas leis, cadela. Eles tem estado comigo há duzentos anos. Eles eram como filhos para mim.” As mãos de Maryse apertaram o cabo de sua lâmina. “O que você pode saber sobre filhos?”, ela sussurrou. “O que a sua espécie sabe sobre qualquer coisa além de destruir?” O rosto listrado de sangue de Camille brilhou por um momento com triunfo. “Eu sabia”, ela disse. “Não importa o que você possa dizer, qualquer mentira que você conte, você odeia nossa espécie. Não odeia?” O rosto de Maryse tencionou. “Peguem ela”, ela disse. “Tragam-na para o Santuário.” Jace se moveu rapidamente para um dos lados da Camille e a pegou; Kadir pegou seu outro braço. Juntos, eles a prenderam entre si. “Camile Belcourt, você está sendo acusada pelo assassinato de humanos”, Maryse entoou, “e do assassinato de Caçadores de Sombras. Você será levada ao Santuário, onde você será interrogada. A sentença para o assassinato de Caçadores de Sombras é a morte, mas é possível que se você cooperar conosco, sua vida será poupada. Você entendeu?” Maryse perguntou. Camille gesticulou com sua cabeça desafiadoramente. “Só existe um homem ao qual irei responder”, ela disse. “Se você não o trouxer a mim, eu não direi nada. Você pode me matar, mas eu não vou dizer nada a você.” “Muito bem”, disse Maryse. “Que homem é esse?” Camille mostrou seus dentes. “Magnus Bane.” “Magnus Bane?” Maryse pareceu impressionada. “O Alto Bruxo do Brooklyn? Porque você quer falar com ele?” “Eu responderei para ele”, Camille disse novamente. “Ou não responderei a mais ninguém.” E foi isso. Ela não disse outra palavra se quer. Enquanto ela era arrastada para longe por Caçadores de Sombras, Simon a observou ir. Ele não se sentiu, como ele tinha pensado que se sentiria, triunfante. Ele se sentiu vazio, e estranhamente mal do estômago. Ele olhou para os corpos dos servos assassinados; ele não tinha gostado muito deles tampouco, mas eles não pediram para ser o que eram, não realmente. De uma forma, talvez nem Camille tivesse. Mas ela era um monstro para os Nephilins de qualquer forma. E, talvez, não
fosse só porque ela tivesse matado Caçadores de Sombras; talvez, não houvesse forma, de fato, que eles pensassem nela como qualquer outra coisa. Camille foi empurrada através do Portal; Jace do outro lado, acenando impacientemente para Simon o seguir. “Você está vindo ou não?”, ele chamou.
Não importa o que você possa dizer, qualquer mentira que você conte, você odeia nossa espécie. “Indo”, Simon disse, e relutantemente se moveu para frente.
Capítulo
12
O SANTUÁRIO
“POR QUE VOCÊ ACHA QUE CAMILLE QUER VER MAGNUS?” Simon perguntou. Ele e Jace estavam na parede dos fundos do Santuário, que era uma sala imensa anexada à parte principal do Instituto através de uma estreita passagem. Não era parte do Instituto por si próprio; fora deixado deliberadamente não consagrado para que pudesse ser usado como um lugar para prender demônios e vampiros. Santuários, Jace informara a Simon, saíram de moda desde que a Projeção foi inventada, mas de vez em quando eles encontravam um uso para eles. Aparentemente, essa era uma das vezes. Era uma grande sala, feita na pedra e cheia de pilares, com uma entrada igualmente feita na pedra atrás de um conjunto imenso de portas duplas; o vão de entrada levava até o corredor, conectando a sala ao Instituto. Grandes goivas no chão de pedra indicavam que, o que quer que tenha estado preso aqui ao longo dos anos, era algo bem desagradável... e grande. Simon não podia evitar de perguntar-se quantos cômodos enormes cheios de pilares ele teria que passar o tempo dentro. Camille estava de pé em um dos pilares, seus braços nas costas, guardada em cada lado por guerreiros Caçadores de Sombras. Maryse andava de um lado ao outro, ocasionalmente aconselhando-se com Kadir, claramente tentando imaginar algum tipo de plano. Não havia janelas na sala, por motivos óbvios, mas tochas de pedra enfeitiçada queimavam em todos os cantos, dando à
cena toda, um peculiar brilho esbranquiçado. “Eu não sei”, Jace disse. “Talvez ela queira dicas de beleza.” “Ah”, Simon disse. “Quem é aquele cara, com a sua mãe? Ele parece familiar.” “É Kadir”, disse Jace. “Você provavelmente conheceu o irmão dele, Malik. Ele morreu no ataque ao navio de Valentine. Kadir é a segunda pessoa mais importante na Clave, depois de minha mãe. Ela confia muito nele.” Enquanto Simon observava, Kadir puxou os braços de Camille nas costas, de forma que circulassem o pilar, e acorrentou-a pelos pulsos. A vampira soltou um gritinho. “Metal sagrado”, disse Jace sem um traço de emoção. “Queimam eles.” Eles, pensou Simon. Você quer dizer “você.” Eu sou igual a ela. Não sou
diferente só porque você me conhece. Camille choramingava. Kadir pôs-se de novo em pé, o rosto impassível. Runas, escuras na sua pele escura torciam-se nos seus braços e pescoço. Ele se virou para dizer algo a Maryse; Simon pegou as palavras “Magnus” e “mensagem de fogo.” “Magnus de novo”, falou Simon. “Mas ele não está viajando?” “Magnus e Camille são muito velhos”, respondeu Jace. “Eu suponho que não seja estranho que eles se conheçam.” Ele deu de ombros, aparentemente desinteressado no assunto. “Enfim, tenho certeza que eles vão se esforçar para chamar Magnus de volta para cá. Maryse quer informações, e ela as quer muito. Ela sabe que Camille não estava matando aqueles Caçadores de Sombras só por sangue. Há maneiras mais fáceis de conseguir sangue.” Simon pensou por um momento em Maureen, e sentiu um enjoo. “Bem”, falou, tentando parecer despreocupado. “Acho que isso significa que Alec vai voltar. Então isso é bom, não é?” “Claro.” A voz de Jace pareceu morta. Ele também não parecia tão bem; a luz esbranquiçada na sala lançava-se nos ângulos dos ossos do rosto dele em um relevo novo e mais agudo, mostrando que perdera peso. Suas unhas estavam roídas a tocos com sangue, e havia sombras escuras sob os seus olhos. “Pelo menos seu plano deu certo”, acrescentou Simon, tentando injetar algum ânimo na miséria do Jace. Jace que tivera a ideia de fazer Simon tirar uma
foto com o celular e mandá-la à Clave, o que os permitiria abrir um Portal onde ele estava. “Foi uma boa ideia.” “Eu sabia que funcionaria.” Jace pareceu aborrecido com o elogio. Ele ergueu o olhar quando as portas duplas que levavam ao Instituto se abriram, e Isabelle passou por elas, seu cabelo preto balançando. Ela examinou a sala — mal olhando para Camille e os outros Caçadores de Sombras —, e andou na direção do Jace e Simon, as botas ressoando no piso de pedra. “Do que se trata isso, de tirar os pobres, Magnus e Alec, das férias?”, exigiu Isabelle. “Eles têm bilhetes para ópera!” Jace explicou, enquanto Isabelle ficou com as mãos nos quadris, ignorando Simon completamente. “Tudo bem”, ela disse quando a explicação terminou. “Mas isso tudo é ridículo. Ela só está ganhando tempo. Afinal, o que ela poderia ter a dizer a Magnus?” Ela olhou de novo sobre o ombro para Camille, quem agora estava não só algemada, mas também colada ao pilar com extensões de correntes cores de prata e ouro. Elas cruzavam sobre o corpo dela no seu torso, nos seus joelhos e até nos seus tornozelos, deixando-a totalmente imóvel. “É metal sagrado?” Jace assentiu. “As algemas estão alinhadas para proteger os pulsos, mas se ela se mover demais...” Ele produziu um chiado de fritura. Simon lembrou-se da forma que suas mãos queimaram quando ele tocou a Estrela de David na sua cela em Idris, a forma que sangue descera pela sua pele, teve que lutar contra o desejo de mordê-lo. “Bem, enquanto você estava fora prendendo vampiros, eu estava lutando no bairro residencial com um demônio hidra”, contou Isabelle. “Com Clary.” Jace, que indicava o interesse mais vago nas coisas acontecendo ao seu redor até agora, jogou-se para a frente. “Com Clary? Você a levou para caçar demônios com você? Isabelle—” “É claro que não. Ela já estava lutando quando cheguei lá.” “Como você soube—?” “Ela me mandou uma mensagem”, disse Isabelle. “Então, eu fui.” Ela examinou as unhas, que estavam, como sempre, perfeitas. “Ela te mandou uma mensagem?” Jace pegou Isabelle pelo pulso. “Ela está bem? Ela se feriu?”
Isabelle olhou para a mão dele apertando o seu pulso, e então voltou a olhar no rosto dele. Se ele estava a machucando, Simon não sabia ao certo, mas o olhar em seu rosto podia cortar vidro, como podia o sarcasmo em sua voz. “Sim, ela está sangrando até a morte lá em cima, mas achei que seria melhor não te contar agora, porque eu gosto de prolongar o suspense.” Jace, como se ficasse subitamente consciente do que estava fazendo, soltou o pulso da Isabelle. “Ela está aqui?” “Lá em cima”, falou Isabelle. “Descansando—” Mas Jace já tinha ido embora, correndo para a entrada das portas. Ele irrompeu por elas e desapareceu. Isabelle, olhando-o, sacudiu sua cabeça. “Você não pode mesmo ter pensado que ele faria outra coisa”, disse Simon. Por um momento, ela não disse nada. Ele se perguntou se o plano dela era ignorar tudo o que ele dizia pelo resto da vida. “Eu sei”, ela disse por fim. “Só queria saber o que se passa entre eles.” “Não tenho certeza se até mesmo eles sabem.” Isabelle estava afligindo o seu lábio inferior. Ela pareceu de repente muito nova e estranhamente confusa para uma Isabelle. Algo claramente estava acontecendo com ela, e Simon esperou em silêncio enquanto a garota parecia decidir-se de algo. “Eu não quer ficar assim”, ela disse. “Vamos. Eu quero falar com você.” Ela começou a andar até as portas do Instituto. “Você Quer?” Simon estava surpreso. Ela se virou e fitou-o. “Agora eu quero. Mas não posso garantir que isso continuará por muito tempo.” Simon levantou as mãos para cima. “Eu quero falar com você, Iz. Mas eu não posso entrar no Instituto.” Uma linha apareceu entre suas sobrancelhas. “Por quê?” Ela se interrompeu, olhando dele para as portas, para Camille, e para ele de novo. “Ah, claro. Como você entrou aqui, então?” “Por Portal”, disse Simon. “Mas Jace disse que tem uma entrada que levava para um conjunto de portas que levam para fora. Então vampiros podem entrar aqui à noite.” Ele apontou para uma porta estreita na parede a alguns metros dali. Ela era fechada por um ferrolho de ferro enferrujado, como se não tivesse sido usado faz tempo.
Isabelle deu de ombros. “Certo.” O ferrolho fez um barulho de chiado quando ela o puxou, mandando lascas de ferrugem no ar, num salpico fino vermelho. Atrás da porta havia uma pequena sala de pedra, como a sacristia de uma igreja, e uma série de portas que provavelmente levavam para fora. Não havia janelas, mas o ar frio passava nas bordas das portas, fazendo Isabelle, em seu curto vestido, tremer. “Olhe, Isabelle”, disse Simon, calculando que era para ele começar a conversa. “Eu realmente sinto muito pelo que fiz. Não tenho como me desculpar—” “Não, não tem mesmo”, respondeu Isabelle. “E enquanto você está nessa, você poderia me contar porque está andando com o cara que transformou Maia em um lobisomem.” Simon contou a história que Jordan contara a ele, tentando manter a explicação mais imparcial possível quanto ele podia. Ele achou que era ao menos importante explicar para Isabelle que ele não sabia quem Jordan realmente era a princípio, e também, que Jordan lamentava o que fizera. “Não que isso resolva as coisas”, ele terminou. “Mas, você sabe que—” Todos nós fizemos coisas ruins. Mas ele não podia contar a ela sobre Maureen. Não agora. “Eu sei”, disse Isabelle. “E eu ouvi falar do Praetor Lupus. Se eles o querem como um membro, ele pode não ser um fracasso total, eu acho.” Ela olhou para Simon um pouco mais de perto. “Apesar de eu não entender por que você precisa de alguém para te proteger. Você tem...” Ela apontou para a sua testa. “Eu não posso passar o resto da vida com pessoas me perseguindo todo dia e a Marca as explodindo”, disse Simon. “Eu tenho que saber quem está tentando me matar. Jordan está ajudando com isso. Jace também.” “Você acha mesmo que Jordan está te ajudando? Porque a Clave tem um pouco de influência com o Praetor. Poderíamos substituí-lo.” Simon hesitou. “Sim”, disse. “Eu acho realmente que ele está ajudando. E não posso sempre confiar na Clave.” “Tudo bem.” Isabelle se encostou à parede. “Você já se perguntou por que
eu sou tão diferente dos meus irmãos?” Ela perguntou sem rodeio. “Alec e Jace, eu quero dizer.” Simon pestanejou. “Você quer dizer, além da coisa toda que você é uma garota e eles... não?” “Não. Não isso, idiota. Eu quero dizer, olhe para os dois. Eles não têm problemas em se apaixonar. Ambos estão apaixonados. Tipo, pra sempre. Eles estão realizados. Olhe para Jace. Ele ama Clary como — como se não houvesse nada mais no mundo e nunca haverá. Alec também. E Max—” Sua voz quebrou. “Eu não sei como seria para ele. Mas ele confiava em todo mundo. E como você pode ter notado, eu não confio em ninguém.” “As pessoas são diferentes”, disse Simon, tentando soar como se entendesse. “Não significa que eles são mais felizes que você—” “É claro que sim”, disse Isabelle. “Você acha que eu não sei disso?” Ela olhou para Simon, firme. “Você conhece os meus pais.” “Não muito.” Eles nunca estiveram terrivelmente ansiosos para conhecer o namorado vampiro da Isabelle, uma situação que não ajudara muito para melhorar os sentimentos de Simon que ele era meramente o mais recente numa longa lista de pretendentes indesejáveis. “Bem, você sabe que os dois estavam no Ciclo. Mas eu aposto que você não sabia que foi tudo ideia da minha mãe. Meu pai nunca gostou muito de Valentine ou algo disso. E então quando tudo aconteceu, e eles foram banidos, e perceberam que praticamente arruinaram com as suas vidas, eu acho que ele a culpou. Mas eles já tinham Alec e iriam me ter, então ele ficou, mesmo que eu ache que ele meio que queria partir. E então, quando Alec tinha, mais ou menos, uns nove anos, ele encontrou outra pessoa.” “Uau”, disse Simon. “Seu pai traiu a sua mãe? Isso é — isso é terrível.” “Ela me contou”, disse Isabelle. “Eu tinha, mais ou menos, uns treze anos. Ela me contou que ele teria a deixado, mas eles descobriram que ela estava grávida de Max, então eles ficaram juntos e ele rompeu com a outra mulher. Minha mãe não contou quem ela era. Ela apenas me disse que você não pode confiar nos homens. E ela me disse para não contar isso a ninguém.” “E você fez isso? Contou a alguém?” “Não até agora”, falou Isabelle.
Simon pensou numa Isabelle mais nova, guardando o segredo, nunca contando a ninguém, escondendo-o dos seus irmãos. Sabendo coisas sobre sua família que eles nunca saberiam. “Ela não deveria ter te pedido para fazer isso”, ele disse, de repente, zangado. “Não foi justo.” “Talvez”, disse Isabelle. “Eu achei que isso me fazia especial. Eu não pensava em como isso poderia me mudar. Mas eu observo meus irmãos entregarem seus corações e penso, Você não é mais esperta? Corações são frágeis. E acho que mesmo quando você o cura, você nunca será o que foi antes.” “Talvez você esteja melhor”, disse Simon. “Eu sei que estou melhor.” “Você está falando de Clary”, disse Isabelle. “Porque ela quebrou o seu coração.” “Em pedacinhos. Você sabe, quando alguém prefere o próprio irmão ao invés de você, isso não melhora a sua confiança em si. Eu achei que, talvez, uma vez que ela percebesse que nunca daria certo com Jace, ela desistiria e voltaria para mim. Mas, por fim, descobri que ela nunca pararia de amar Jace, se eles dessem certo ou não. E eu soube que se ela só estivesse comigo porque ela não poderia tê-lo, eu preferiria estar sozinho, então terminei tudo.” “Eu não sabia que você rompeu com ela”, disse Isabelle. “Eu achei...” “Que eu não tinha respeito próprio?” Simon sorriu ironicamente. “Eu achei que você ainda estava apaixonado por Clary”, disse Isabelle. “E que você não poderia ter algo sério com mais ninguém.” “Porque você pega caras que nunca lhe levarão a sério”, disse Simon. “Então você nunca precisa levá-los a sério.” Os olhos de Isabelle brilharam quando ela olhou para ele, mas ela não disse nada. “Eu me importo com você”, disse Simon. “Eu sempre me importei com você.” Ela deu um passo na direção dele. Eles estavam bastante perto um do outro na pequena sala, e ele podia ouvir o som de sua respiração, a pulsação mais fraca de seu batimento cardíaco abaixo. Ela tinha cheiro de xampu, suor, perfume de gardênia e sangue de Caçador de Sombras. O pensamento de sangue o fez se lembrar da Maureen, e o corpo dele tencionou. Isabelle notou — claro que notou, ela era uma guerreira, seus sentidos
finos sentiam até o movimento mais leve nos outros — e recuou, sua expressão enrijecendo. “Muito bem”, disse ela. “Bem, estou feliz que nós conversamos.” “Isabelle—” Mas ela já havia ido embora. Ele a seguiu pelo Santuário, mas ela estava se movendo depressa. Quando a porta da sacristia se fechou atrás dele, ela estava no meio da sala. Ele desistiu e observou Isabelle desaparecer nas portas duplas para o Instituto, sabendo que não poderia segui-la. ●●●● Clary se sentou, sacudindo a cabeça para aliviar a sonolência. Levou-lhe um momento para se lembrar de onde estava — em um quarto de hóspedes no Instituto, iluminado apenas pela luz que passava na única janela alta. Era uma luz azul — a luz do crepúsculo. Ela estivera deitada torcida no cobertor; sua calça jeans, a jaqueta e os sapatos estavam empilhados meticulosamente em uma cadeira perto da cama. E ao lado dela estava Jace, olhando para ela, como se ela tivesse o conjurado, sonhando com ele. Ele estava sentado na cama, vestido com seu traje de combate, como se tivesse acabado de voltar de uma luta, e o seu cabelo estava desarrumado, a luz fraca da janela iluminando as sombras debaixo dos seus olhos, os sulcos das suas têmporas, os ossos das suas bochechas. Nessa luz ele tinha a extrema e quase surreal beleza de uma pintura de Modigliani, todos os planos e ângulos alongados. Ela esfregou os seus olhos, piscando para afastar o sono. “Que horas são?” Ela disse. “Quanto tempo—” Jace a puxou para ele e a beijou, e por um momento ela congelou, subitamente muito consciente que só vestia uma fina camiseta e roupas íntimas. Em seguida foi sem hesitar para ele. Era o tipo de beijo demorado que transformava suas entranhas em água. O tipo de beijo que poderia ter feito fazêla sentir que não havia nada errado, que as coisas estavam da mesma forma que antes, e ele estava apenas feliz em vê-la. Mas quando suas mãos tentaram levantar a bainha de sua camiseta, ela as empurrou. “Não”, ela disse, seus dedos envoltos nos pulsos dele. “Você não pode
simplesmente me agarrar toda vez que me vê. Não é um substituto para uma verdadeira conversa.” Ele tomou uma respiração entrecortada e disse, “Por que você mandou uma mensagem para Isabelle ao invés de mim? Se você estava com problemas—” “Porque eu sabia que ela viria”, disse Clary. “E não tenho mais certeza sobre você. Não agora.” “Se algo tivesse acontecido com você—” “Então acho que mais tarde você teria ouvido. Sabe, quando você se dignasse em realmente atender ao telefone.” Ela ainda segurava os seus pulsos; soltou-os agora, e se sentou de volta. Era difícil, fisicamente difícil, ficar tão perto dele assim e não tocá-lo, mas ela forçou suas mãos a ficarem ao seu lado, e as manteve ali. “Ou você me diz qual é o problema, ou você pode sair do quarto.” Seus lábios se separaram, mas ele não disse nada; ela não se lembrava de falar com ele tão duramente assim há muito tempo. “Desculpe-me”, ele disse finalmente. “Quero dizer, eu sei, o modo que venho agindo, você não tem motivos para me ouvir. E eu provavelmente não devia ter entrado aqui. Mas quando Isabelle disse que você estava ferida, não pude me conter.” “Algumas queimaduras”, disse Clary. “Nada que importe.” “Tudo que acontece com você importa a mim.” “Bem, isso certamente explica porque você retornou minhas ligações nem uma vez. E da última vez que eu te vi, você fugiu sem me dizer o porquê. É como namorar um fantasma.” A boca de Jace se levantou levemente de forma esquisita de lado. “Não exatamente. Isabelle já namorou um fantasma. Ela poderia te contar—” “Não”, disse Clary. “Foi uma metáfora. E você sabe exatamente o que eu quero dizer.” Por um momento ele ficou em silêncio. Depois disse, “Deixe-me ver as queimaduras.” Ela estendeu os braços. Havia acentuadas manchas vermelhas na parte de dentro dos seus pulsos onde o sangue do demônio salpicou. Ele pegou os seus pulsos, bem de leve, olhando para ela por permissão primeiro, e os virou. Ela se lembrou da primeira vez que ele a tocara, na rua do lado de fora do Java Jones, procurando Marcas nas mãos dela, que ela não tinha. “Sangue de demônio”, ele
disse. “Elas irão sumir em algumas horas. Machucam?” Clary sacudiu a cabeça. “Eu não sabia”, ele disse. “Eu não sabia que você precisava de mim.” Sua voz estava trêmula. “Eu sempre preciso de você.” Ele inclinou a cabeça e beijou a queimadura no seu pulso. Uma onda de calor passou por ela, como um espeto quente que ia do pulso até a boca do seu estômago. “Eu não tinha percebido”, ele disse. Ele beijou a queimadura seguinte, no seu antebraço, e então a próxima, subindo do braço até o ombro, a pressão de seu corpo empurrando-a para trás até ela estar deitada nos travesseiros, olhando para ele. Jace se apoiou nos seus cotovelos para não esmagá-la com o seu peso e olhou para ela. Seus olhos sempre se escureciam quando se beijavam, como se o desejo trocasse a cor deles de algum jeito fundamental. Ele tocou a marca de estrela branca no ombro dela, aquela que ambos tinham, que os marcavam como filhos daqueles que tiveram contato com anjos. “Eu sei que eu tenho agido estranho ultimamente”, disse Jace. “Mas não é você. Eu amo você. Isso não mudará.” “Então o quê—?” “Acho que tudo que aconteceu em Idris — Valentim, Max, Hodge, até Sebastian — eu continuei ignorando tudo, tentando esquecer, mas sempre volta para mim. Eu... vou conseguir ajuda. Vou melhorar. Eu prometo.” “Você promete.” “Juro pelo Anjo.” Ele inclinou a cabeça para baixo e beijou a bochecha dela. “Para o inferno com isso. Eu juro por nós.” Clary enrolou os dedos na manga da camiseta dele. “Por que nós?” “Porque não há nada que eu acredite mais.” Ele inclinou a cabeça para o lado. “Se fôssemos nos casar”, ele começou, e deve ter sentido ela enrijecer debaixo dele, porque sorriu. “Não entre em pânico, não estou fazendo uma proposta agora. Eu estava apenas imaginando o que você sabe sobre casamentos de Caçadores de Sombras.” “Sem anéis”, disse Clary, passando os dedos atrás do pescoço dele, onde a pele era macia. “Só runas.” “Uma aqui”, disse ele, gentilmente tocando o braço dela, onde a cicatriz estava, com a ponta do dedo. “E outra aqui.” Ele deslizou o dedo pelo braço,
passando pela clavícula, e descendo até descansar sobre o coração palpitante. “O ritual é inspirado na Canção de Salomão. “‘Coloca-me como selo sobre o teu
coração, como selo sobre o teu braço: porque o amor é forte como a morte.’” “O nosso é mais forte que isso”, sussurrou Clary, lembrando-se de como ela o trouxera de volta. E dessa vez, quando os olhos dele se escureceram, ela estendeu o braço e puxou-o para a sua boca. Eles se beijaram por um longo tempo, até a maior parte da luz sumir do quarto e eles serem simplesmente sombras. Porém, Jace não mexeu as mãos ou tentou tocá-la, e ela sentiu que ele esperava por sua permissão. Ela percebeu que ela deveria ser quem levaria aquilo adiante, se quisesse — e ela queria. Ele admitira que havia algo de errado e que não tinha nada a ver com ela. Isso era progresso: progresso positivo. Ele devia ser recompensado, certo? Um pequeno sorriso torto se abriu no canto da boca. Quem ela estava enganado; ela queria mais por si mesma. Porque ele era Jace, porque ela o amava, porque ele era tão maravilhoso que às vezes ela sentia que precisava beliscá-lo no braço só para ter certeza que ele era real. E foi o que fez. “Ai”, disse ele. “Por que você fez isso?” “Tire a camiseta”, ela sussurrou. Ela pegou a bainha da camisa, mas ele já estava lá, levantando-a até a cabeça e a jogando casualmente ao chão. Ele sacudiu seu cabelo, e ela quase esperou que os fios dourados lançassem faíscas na escuridão do quarto. “Sente-se”, ela disse suavemente. Seu coração estava martelando. Ela geralmente não liderava a iniciativa nesse tipo de situações, mas ele não pareceu se importar. Ele se sentou lentamente, puxando-a com ele, até os dois estarem sentados no meio da confusão de cobertores. Ela foi lentamente para o colo dele, sentando nas suas coxas. Agora eles estavam cara-a-cara. Ela o ouviu tomar fôlego e ele ergueu suas mãos, levando-as à camisa de Clary, mas ela as empurrou para baixo de novo, gentilmente, para seus lados, e pôs as próprias mãos nele em vez disso. Ela observou seus dedos deslizarem pelo peito e braços, a onda em seu bíceps onde as Marcas negras se torciam, a marca em forma de estrela no seu ombro. Ela traçou o dedo indicador pela linha entre os seus músculos peitorais, pelo liso estômago e barriga com músculos definidos. Ambos respiravam com
dificuldade quando ela pôs as mãos na fivela do jeans, mas ele não se mexeu, só fitou-a com uma expressão que dizia: “O que você quiser.” Com seu coração batendo forte, Clary desceu suas mãos para a bainha da própria camiseta e puxou-a sobre a cabeça. Ela desejou estar usando um sutiã mais excitante — aquele era todo branco —, mas quando ela olhou de novo para a expressão de Jace, o pensamento se evaporou. Seus lábios estavam abertos, seus olhos quase negros; ela podia se ver refletida neles e soube que ele não se importava se o sutiã dela era branco, preto ou verde néon. Tudo que ele via era ela. Clary pegou as mãos dele, então, soltando-as, as colocou na sua cintura, como se dissesse, Agora você pode me tocar. Ele inclinou a cabeça à frente, a boca dela desceu sobre a dele, e eles estavam se beijando novamente, mas era feroz ao invés de letárgico, um quente e rápido ardente fogo. Suas mãos estavam febris: em seu cabelo, em seu corpo, puxando-a para baixo de forma que ela ficasse deitada debaixo dele, e quando suas peles nuas deslizaram juntas, ela ficou completamente consciente que, de fato, não havia nada entre eles, a não ser os jeans dele e o sutiã e calcinha dela. Ela enredou suas mãos em seu cabelo sedoso e desgrenhado, segurando sua cabeça enquanto ele a beijava em seu pescoço abaixo. Até onde estamos indo? O que estamos fazendo? Uma pequena parte de seu cérebro perguntava, mas o resto de sua mente gritava para aquela pequena parte se calar. Ela queria continuar tocando-o, beijando-o; ela queria que ele lhe segurasse e saber que era real, ele ali com ela, e que nunca partiria de novo. Seus dedos encontraram o fecho do seu sutiã. Ela se tencionou. Os olhos dele estavam grandes e luminosos na escuridão, o sorriso vagaroso. “Está tudo bem?” Ela assentiu. A respiração estava vindo rápida. Ninguém na sua vida a vira de topless — nenhum garoto, pelo menos. Como se sentisse o seu nervosismo, ele pôs uma mão gentilmente no rosto dela, seus lábios passando nos dela, roçando gentilmente por eles até o seu corpo inteiro sentir que estava se despedaçando em tensão. Ele procurou usar seus dedos longos calejados da mão direita para acariciar sua bochecha, e então seu ombro, tranquilizando-a. Mas ela ainda estava nervosa, esperando ainda a sua outra mão voltar ao fecho do sutiã, tocá-la de novo, mas ele pareceu estar pegando algo atrás dele — O que ele
estava fazendo? Clary pensou de repente no que Isabelle disse sobre ser cuidadosa. Oh, pensou. Ela se enrijeceu um pouco e recuou. “Jace, não tenho certeza, eu—” Houve um lampejo de Prata na escuridão, e algo frio e afiado perfurou-a de lado, em seu braço. Tudo o que ela sentiu por um momento foi surpresa; depois dor. Ela atraiu suas mãos para si, piscando, e viu uma linha de sangue escuro descendo por sua pele onde um corte superficial ia do seu cotovelo até o pulso. “Ai”, ela disse, mais em aborrecimento e surpresa do que dor. “O que—” Jace se lançou dela e da cama, em um único movimento. De repente estava de pé no meio do quarto, sem camisa, seu rosto tão branco quanto osso. Com uma mão apertando o braço ferido, Clary começou a se sentar. “Jace, o que—” Ela se interrompeu. Na sua mão esquerda, ele estava apertando uma faca — a de punho prateado que vira na caixa que pertencera ao seu pai. Havia uma fina mancha de sangue na lâmina. Ela abaixou o olhar para sua mão e, depois, para cima de novo, nele. “Eu não entendo—” Ele abriu a sua mão, e a faca ressoou no chão. Por um momento, ele pareceu querer fugir de novo, do jeito que fizera do lado de fora do bar. Então afundou para o chão e colocou a cabeça em suas mãos. ●●●● “Eu gosto dela”, disse Camille quando as portas se fecharam atrás de Isabelle. “Faz-me lembrar de mim mesma.” Simon se virou para olhá-la. Estava muito escuro no Santuário, mas ele podia vê-la claramente, as costas contra o pilar, suas mãos atadas atrás dela. Um guarda Caçador de Sombras estava posicionado perto das portas do Instituto, mas, ou ele não ouvira Camille, ou ele não estava interessado. Simon se aproximou um pouco mais de Camille. Os grilhões que lhe prendiam tinham uma estranha fascinação para ele. Metal sagrado. A corrente parecia brilhar de leve contra sua pele pálida, e ele achou que podia ver algumas gotas de sangue descendo ao redor das algemas em seus pulsos. “Ela não tem
nada a ver com você.” “É o que você acha.” Camille inclinou a cabeça para o lado; seu cabelo loiro parecia ardilosamente organizado ao redor do seu rosto, apesar de Simon saber que ela não poderia ter tocado nele. “Você os ama muito”, ela disse, “seus amigos Caçadores de Sombras. Como o falcão adora o mestre que lhe amarra e lhe cega.” “As coisas não são assim”, disse Simon. “Caçadores de Sombras e os Habitantes do Submundo não são inimigos.” “Você não pode sequer entrar na casa deles”, ela disse. “Você está preso do lado de fora. Mesmo assim, anseia por servi-los. Você ficaria do lado deles contra sua própria espécie.” “Eu não tenho uma espécie”, disse Simon. “Eu não sou um deles. Mas não sou um de vocês também. E prefiro mais ser como eles a como vocês.” “Você é um de nós.” Ela se mexeu impaciente, agitando as suas correntes, e soltou um pequeno ofego de dor. “Tem algo que eu não te disse, lá no banco. Mas é verdade.” Ela sorriu rijamente por causa da dor. “Eu posso sentir cheiro de sangue humano em você. Você se alimentou recentemente. De um mundano.” Simon sentiu algo dentro dele saltar. “Eu...” “Foi incrível, não foi?” Os lábios vermelhos dela se curvaram. “A primeira vez desde que se transformou em vampiro que você não está com fome.” “Não”, disse Simon. “Você está mentindo.” Havia convicção em sua voz. “Eles tentam nos fazer lutar contra a nossa natureza, os Nephilim. Eles só irão nos aceitar se fingirmos sermos quem nós não somos — caçadores, não predadores. Seus amigos nunca aceitarão o que você é, só o que você finge ser. O que você faz por eles, eles nunca farão por você.” “Eu não sei por que você se importa com isso”, disse Simon. “O que está feito, está feito. Não vou deixar você ir. Tomei a minha decisão. Eu não quero o que você me ofereceu.” “Talvez não agora”, disse Camille suavemente. “Mas, você irá. Você irá.” O guarda Caçador de Sombras recuou quando a porta se abriu, e Maryse entrou na sala. Estava sendo seguida por duas figuras imediatamente familiares a Simon: Alec, o irmão de Isabelle, e o seu namorado, o Bruxo Magnus Bane.
Alec vestia um escuro terno preto; Magnus, para a surpresa de Simon, estava vestido do mesmo jeito, com a adição de um comprido cachecol branco de seda com as pontas adornadas em borlas e luvas brancas. O cabelo estava em pé como de costume, mas para variar estava sem o encantamento. Camille, vendo-o, ficou imóvel. Magnus ainda não pareceu vê-la; ele estava escutando a Maryse, que dizia, meio desajeitada, que foi bom eles virem tão rápido. “Não esperávamos vocês até amanhã, no mínimo.” Alec produziu um barulho abafado de aborrecimento e observou o espaço. Ele não pareceu feliz, de forma alguma, por estar ali. Além disso, pensou Simon, ele não mudara muito — tinha o mesmo cabelo preto, os mesmos olhos azuis resolutos —, apesar de haver algo mais relaxado em relação a ele do que havia antes, como se tivesse crescido em si de alguma forma. “Felizmente há um Portal localizado perto da Opera House de Viena”, disse Magnus, lançando seu cachecol sobre o ombro com um grande gesto. “No momento em que recebemos sua mensagem, corremos para estarmos aqui.” “Eu ainda não vejo que isso tudo tem a ver com a gente”, disse Alec. “Então, vocês capturaram um vampiro que estava tramando algo indecente. Eles não fazem isso sempre?” Simon sentiu o estômago revirar. Olhou para Camille para ver se ela estava rindo dele, mas seu olhar estava fixo em Magnus. Alec, olhando para Simon pela primeira vez, corou. Era fácil perceber isso porque sua pele estava muito pálida. “Foi mal, Simon. Eu não me referi a você. Você é diferente.”
Você pensaria isso se tivesse me visto na noite passada, bebendo o sangue de uma garota de catorze anos? Simon pensou. Mas não disse isso, embora, só assentiu para Alec. “Ela é de interesse em nossa atual investigação sobre as mortes de três Caçadores de Sombras”, disse Maryse. “Nós precisamos de informações dela, e ela só irá conversar com Magnus Bane.” “Sério?” Alec olhou para Camille com intrigado interesse. “Só com Magnus?” Magnus seguiu seu olhar, e pela primeira vez — ou assim pareceu a Simon
— olhou diretamente para Camille. Algo crepitou entre eles, um tipo de energia. A boca de Magnus se torceu nos cantos num sorriso saudoso. “Sim”, disse Maryse, um olhar de confusão passando pelo rosto quando percebeu o olhar entre o bruxo e a vampira. “Isso é, se Magnus quiser.” “Eu quero”, disse Magnus, tirando as luvas. “Eu falo com Camille para vocês.” “Camille?” Alec olhou para Magnus com as sobrancelhas erguidas. “Você a conhece, então? Ou — ela te conhece?” “Nós nos conhecemos.” Magnus deu de ombros, bem de leve, como se dissesse, Que você pode fazer? “Ela já foi minha namorada uma vez.”
Capítulo
13
GAROTA ENCONTRADA MORTA
“SUA NAMORADA?” ALEC PARECEU ATÔNITO. COMO MARYSE. Simon não podia dizer se ele, por si mesmo, estava impassível. “Você namorou um vampiro? Uma garota vampira?” “Foi há cento e trinta anos atrás”, Magnus disse. “Eu não a tenho visto desde então.” “Por que você não me contou?” Alec exigiu. Magnus suspirou. “Alexander, eu tenho vivido por centenas de anos, eu estive com homens, com mulheres, — com fadas e bruxos e vampiros, e até mesmo um djinn ou dois.” Ele olhou de lado para Maryse, que parecia levemente horrorizada. “Muita informação?” “Tudo bem”, ela disse, embora parecesse um pouco lívida. “Eu tenho que discutir algo com Kadir por um momento. Eu voltarei.” Ela saiu, juntando-se a Kadir; eles desapareceram através da entrada. Simon deu também alguns passos para trás, fingindo estudar atentamente uma das janelas manchadas, mas sua audição vampira era boa o suficiente para que ele pudesse ouvir tudo o que Magnus e Alec estavam falando um para o outro, quer ele quisesse ou não. Camille, ele sabia, podia ouvir também. Ela tinha sua cabeça inclinada de lado como se escutasse, seus olhos baixos e pensativos. “Quantas pessoas mais?” Alec perguntou. ”Aproximadamente.” Magnus sacudiu sua cabeça. “Eu não posso contar, e isso não importa. A única coisa que importa é como eu me sinto a seu respeito.”
“Mais do que cem?” Alec perguntou. Magnus pareceu pasmo. “Duzentos?” “Eu não acredito que nós estamos tendo essa conversa agora”, Magnus disse, para ninguém em particular. Simon estava inclinado a concordar, e desejou que eles não estivessem a tendo na frente dele. “Por que tantos?” Os olhos azuis de Alec estavam muito brilhantes na obscuridade. Simon não podia dizer se ele estava com raiva. Ele não soava zangado, só muito intenso, mas Alec era uma pessoa reservada, e talvez isso era tão zangado quanto ele conseguia. “Você se entedia rápido com as pessoas?” “Eu vivo para sempre”, Magnus disse silenciosamente. ”Mas, não todos.” Alec pareceu como se alguém tivesse batido nele. “Então você só fica com elas enquanto elas vivem, e então você encontra outro alguém?” Magnus não disse nada. Ele olhou para Alec, seus olhos brilhando como os de um gato. “Você preferiria que eu passasse a eternidade sozinho?” A boca de Alec retorceu. “Eu vou atrás de Isabelle”, ele disse, e sem outra palavra se virou e voltou para o Instituto. Magnus o observou ir com olhos tristes. Não o tipo de tristeza humana, Simon pensou. Seus olhos pareciam conter a tristeza de grandes eras, como se as bordas afiadas da tristeza humana tivesse desgastado para algo mais suave pelo passar dos anos, da forma que a água do mar desgastava as beiras afiadas do vidro. Como se pudesse dizer o que Simon estava pensando sobre ele. Magnus o olhou de lado. “Escutando escondido, vampiro?” “Eu não gosto muito quando as pessoas me chamam assim?” Simon disse. “Eu tenho um nome.” “Acho que me lembrarei. Afinal, em cem, duzentos anos, será só eu e você.” Magnus considerou Simon pensativamente. “Nós seremos tudo o que restará.” O pensamento fez Simon sentir como se ele estivesse em um elevador que tinha, de repente, quebrado de suas trações e começasse a mergulhar em direção ao chão, mil histórias se passando. O pensamento tinha passado por sua cabeça antes, é claro, mas ele sempre o tinha afastado. A ideia de que ele ficaria nos dezesseis enquanto Clary envelheceria, Jace envelheceria, todo mundo que ele
conhecia, envelheceriam, cresceriam, teriam filhos, e nada mudaria para ele, era muito enorme e horrível para se contemplar. Ter dezesseis anos para sempre parecia bom até que você realmente pensasse sobre isso. Então não parecia mais uma grande perspectiva. Os olhos de gato de Magnus eram um verde dourado claro. “Olhar a eternidade na cara.” Ele disse. ”Não é muito divertido, é?” Antes que Simon pudesse responder, Maryse retornou. “Onde está Alec?” Ela perguntou, olhando confusa ao redor. “Ele foi ver Isabelle”, Simon disse, antes que Magnus fosse dizer alguma coisa. “Muito bem”, Maryse alisou a frente de seu casaco, embora ele não estivesse amassado. “Você não se importaria...” “Eu falarei com Camille,” Magnus disse. “Mas quero fazer isso sozinho. Se você quiser esperar por mim no Instituto, eu me juntarei a vocês lá quando eu terminar.” Maryse hesitou. “Você sabe o que perguntar a ela?” O olhar de Magnus era firme. “Eu sei como falar com ela, sim. Se ela deseja dizer algo, ela o dirá para mim.” Ambos pareceram ter esquecido que Simon estava lá. “Eu devo ir também?” ele perguntou, interrompendo seus olhares contestadores. Maryse olhou para ele, parcialmente distraída. “Ah, sim. Obrigada por sua ajuda, Simon, mas você não é mais necessário. Vá para casa se você quiser.” Magnus nada disse. Com um dar de ombros Simon se virou e foi em direção à porta que dava para a sacristia e a saída que o levaria para fora. Na porta ele parou e olhou de volta. Maryse e Magnus estavam ainda conversando. Embora o guarda já estivesse mantendo aberta a porta do Instituto, pronto para sair. Só Camille pareceu se lembrar que Simon estava lá. Ela estava sorrindo para ele do seu pilar, seus lábios curvados nos cantos, seus olhos brilhando como uma promessa. Simon se foi, e fechou a porta atrás dele. ●●●●
“Acontece toda noite.” Jace estava sentado no chão, suas pernas encolhidas, suas mãos pendendo entre seus joelhos. Ele tinha colocado a faca sob a cama próximo a Clary; ela manteve uma mão sobre ela enquanto ele falava — mais para reassegurá-lo do que por que ela precisava disso para se defender. Toda sua energia pareceu ter se esgotado de Jace; mesmo sua voz soava vazia e distante enquanto ele falava, como se ele estivesse falando com ela de uma grande distância. “Eu sonho que você vem ao meu quarto e nós... começamos a fazer o que estávamos fazendo. E então eu te machuco. Eu te corto ou estrangulo, ou te apunha-lo e você morre, olhando para mim com estes seus olhos verdes, enquanto sua vida se esvai entre minhas mãos.” “São apenas sonhos”, Clary disse gentilmente. “Você acabou de ver que eles não são”, Jace disse. “Eu estava bem acordado quando eu peguei aquela faca.” Clary sabia que ele estava certo. “Você está preocupado em estar ficando louco?” Ele sacudiu sua cabeça, levemente. Cabelo caiu sob seus olhos; ele o puxou para trás. Seu cabelo tinha ficado um pouco longo demais; ele não o tinha cortado por um tempo, e Clary se perguntou se era por que não podia estar incomodado. Como ela não pôde ter prestado mais atenção nas olheiras sob os olhos dele, as unhas mordidas, o abatido olhar exausto dele? Ela tinha estado tão preocupada se ele ainda a amava que não pensou em nada mais. “Eu não estou tão preocupado com isso, na verdade”, ele disse. “Eu estou preocupado em ferir você. Eu estou preocupado que qualquer que seja o veneno que está abrindo caminho em meus sonhos, se derramará em minha vida e eu irei...” A garganta dele pareceu fechar. “Você nunca me machucaria.” “Eu tinha essa faca em minha mão, Clary.” Ele olhou para ela, e então continuou. “Se eu te machucasse...” Sua voz morreu. “Caçadores de Sombras morrem jovens, grande parte das vezes”, ele disse. “Todos nós sabemos disso. E você queria ser uma Caçadora de Sombras, e eu nunca a impediria, por que não é minha função te dizer o que você quer fazer de sua vida. Especialmente quando eu estou tomando o mesmo tipo de riscos. Que tipo de pessoa eu seria se eu te dissesse que está tudo bem para mim arriscar a minha vida, mas não por você?
Então eu pensei sobre como seria para mim se você morresse. Eu aposto que você pensou sobre a mesma coisa.” “Eu sei como seria”, Clary disse, se lembrado do lago, da espada, e do sangue do Jace se espalhando sobre a areia. Ele esteve morto, e o Anjo o tinha trazido de volta, mas aqueles tinham sido os piores minutos da sua vida. “Eu quis morrer. Mas eu sabia o quão desapontado comigo você estaria se eu tivesse desistido.” Ele sorriu, um fantasma de um sorriso. “E eu pensei a mesma coisa. Se você morresse, eu não iria querer viver. Mas eu não me mataria, por que seja lá o que aconteça depois que nós morremos, eu quero estar com você lá. E se eu me matasse, eu sei que você nunca falaria comigo de novo. Em qualquer vida. Então eu viveria, e eu tentaria fazer algo da minha vida, até que eu pudesse estar com você de novo. Mas se eu te ferisse — se eu fosse a causa de sua morte — não há nada que me manteria afastado de destruir a mim mesmo.” “Não diga isso.” Clary sentiu um arrepio nos ossos. “Jace, você devia ter me dito.” “Eu não pude.” Sua voz era franca, conclusiva. “Por que não?” “Eu pensava que era Jace Lightwood”, ele disse. “Eu pensava que minha criação não tinha me afetado. Mas agora me pergunto se talvez as pessoas não possam mudar. Talvez eu sempre seja Jace Morgenstern, o filho de Valentine. Ele me educou por dez anos, e talvez esta é a mancha que nunca se apagará.” “Você acha isso por causa do seu pai”, Clary disse, e o pedaço da história que Jace tinha dito a ela uma vez veio em sua cabeça, amar é destruir. E então ela pensou em quão estranho que ela chamasse Valentine de pai do Jace, quando o sangue dele corria em suas veias, não nas do Jace. Mas ela nunca se sentiu sobre Valentine do modo que você poderia se sentir sobre um pai. E Jace tinha. “E você não quis que eu soubesse?” “Você é tudo o que eu quero”, Jace disse. ”E talvez Jace Lightwood mereça tudo o que ele quer. Mas Jace Morgenstern não. Em algum lugar lá no fundo eu devo saber disso. Ou eu não estaria tentando destruir o que nós temos.” Clary tomou um profundo fôlego, e o deixou sair lentamente. “Eu não acho que você esteja.”
Ele levantou sua cabeça e piscou. “O que você quer dizer?” “Você acha que isso é psicológico.” Clary disse. “Que há algo de errado com você. Bem, eu não acho. Acho que alguém está fazendo isso com você.“ “Eu não—“ “Ithuriel me enviou sonhos”, Clary disse. “Talvez alguém esteja te enviando sonhos.” “Ithuriel enviou sonhos para tentar ajudá-la. Guiá-la a verdade. Qual a razão desses sonhos? Eles são doentios, sem significado, sádicos—“ “Talvez eles tenham um significado”, Clary disse. “Talvez o significado não é o que você pensa. Ou talvez quem quer que te mande eles esteja tentando te ferir.” “Quem faria isso?” “Alguém que não goste muito de nós,” Clary disse, e afastou uma imagem da Rainha Seelie. “Talvez”, Jace disse suavemente, olhando abaixo suas mãos. “Sebastian—“ Então, ele não quer chamá-lo de Sebastian também, Clary pensou. Ela não o culpava. Era seu próprio nome também. “Sebastian está morto“, ela disse, um pouco mais mordaz do que ela pretendia. “E se ele tivesse tido esse tipo de poder, ele o teria usado antes.” Dúvida e esperança perseguiram de uma a outra sob o rosto do Jace. “Você realmente acha que alguém poderia estar fazendo isso?” O coração de Clary batia forte contra suas costelas. Ela não tinha certeza; ela queria tanto que isso fosse verdade, mas se isso não fosse, ela teria dado esperança a Jace por nada. Ambas suas esperanças. Mas então ela teve a sensação que fazia um tempo, desde que Jace tinha se sentido esperançoso sobre algo. “Acho que nós deveríamos ir a Cidade do Silêncio”, ela disse. “Os Irmãos podem entrar em sua mente e descobrir se alguém está mexendo aí dentro. Do modo que eles fizeram comigo.” Jace abriu sua boca e a fechou de novo. “Quando?” ele disse, finalmente. “Agora”, Clary disse. “Eu não quero esperar. E você?” Ele não respondeu, apenas saiu do chão e pegou sua camiseta. Ele olhou para Clary, e quase sorriu. “Se nós vamos para a Cidade do Silêncio, você pode
querer se vestir. Quero dizer, eu gosto do seu look sutiã e calcinha, mas eu não sei se os Irmãos do Silêncio gostarão. Só há uns poucos deles, e eu não quero que eles morram de excitação.” Clary se levantou da cama e jogou um travesseiro nele, mais por alívio. Ela buscou suas roupas e começou a colocar sua camiseta. Antes que ela fosse por sobre sua cabeça, ela captou a visão da faca repousando sobre a cama, brilhando como um forcado de prata. ●●●● “Camille”, Magnus disse. “Faz tempo, não é?” Ela sorriu. Sua pele parecia mais branca do que ele se lembrava, e veias escuras araneiformes estavam começando a se mostrar sob sua superfície. Seus cabelos eram ainda da cor de prata envelhecida, e seus olhos eram ainda tão verdes quanto os de um gato. Ela ainda era linda. Olhando para ela, ele estava em Londres de novo. Ele viu as luzes a gás e o cheiro de fumaça e sujeira e cavalos, o metálico cheiro penetrante do nevoeiro, as flores na Kew Gardens. Ele viu um garoto com cabelo preto e olhos azuis como os do Alec. Uma garota com um longo cabelo cacheado castanho e um rosto sério. Em um mundo onde, eventualmente, tudo ia embora para longe dele, ela era uma dos poucos remanescentes constantes. E então lá estava Camille. “Senti sua falta, Magnus”, ela disse. “Não, não sentiu.” Ele se sentou no chão do Santuário. Ele podia sentir o frio da pedra através de suas roupas. Ele ficou feliz por estar usando um cachecol. “Então por que a mensagem para mim? Apenas ganhando tempo?” “Não”, ela se inclinou a frente, as correntes chacoalhando. Ele podia quase escutar o sibilar onde o metal abençoado tocava a pele de seus pulsos. “Eu escutei coisas sobre você, Magnus. Eu ouvi falar que você está sob as asas dos Caçadores de Sombras ultimamente. Eu ouvi dizer que você ganhou o amor de um deles. Aquele garoto que você estava conversando, eu imagino. Mas bem, seus gostos sempre foram diversificados.” “Você esteve ouvindo rumores sobre mim”, Magnus disse. “Mas você
poderia simplesmente ter me perguntado. Todos esses anos eu estive no Brooklyn, não tão distante, e eu nunca ouvi falar de você. Nunca vi você em uma de minhas festas. Tem existido uma parede de gelo entre nós, Camille.” “Eu não a construí.” Seus olhos verdes se alargaram. “Eu sempre te amei.” “Você me deixou”, ele disse. “Você me fez de brinquedinho, e então me deixou. Se amor fosse comida, eu teria fome com os ossos que você me deu.” Ele falou sem demonstrar emoção. Tinha sido há muito tempo. “Mas nós temos toda a eternidade”, ela protestou. “Você devia saber que eu voltaria para você—“ “Camille,” Magnus falou com infinita paciência. “O que você quer?” Seu peito levantou e caiu rapidamente. Já que ela não precisava de respirar, Magnus sabia que isso era principalmente para dar efeito. “Eu sei que você é ouvido pelos Caçadores de Sombras”, ela disse. “Eu quero que você fale com eles em meu nome.” “Você me quer para fazer um acordo para você”, Magnus traduziu. Ela afastou seus olhos dele. ”Sua maneira de dizer sempre foi lamentavelmente moderna.“ “Eles estão dizendo que você matou Caçadores de Sombras”, Magnus disse. “Foi?” “Eles eram membros do Ciclo”, ela disse, seu lábio inferior tremendo. “Eles torturaram e mataram minha espécie no passado...” “Foi o porquê você fez isso? Vingança?” Quando ela estava em silêncio, Magnus disse. “Você sabe o que eles fazem para aqueles que matam Nephilim, Camille.” Os olhos dela brilharam. “Eu preciso que você interceda por mim, Magnus. Eu quero imunidade. Eu quero uma promessa assinada da Clave que se eu der a eles a informação, eles vão poupar minha vida e me libertar.” “Eles nunca a libertarão.” “Então eles nunca saberão por que seus companheiros tiveram que morrer.” “Tiveram que morrer?” Magnus inspirou. “Interessante escolha de palavras, Camille. Eu estou correto de que existe mais nisso? Mais do que sangue e vingança?” Ela ficou em silêncio, olhando para ele, seu peito subindo e caindo
artificialmente. Tudo nela era simulado — o cair de seu cabelo prateado, a curva de seu pescoço, até mesmo o sangue em seus pulsos. “Se você quer que eu fale com eles por você”, Magnus disse. “Você tem que pelo menos me dizer alguma coisinha. Uma amostra de boa fé.” Ela sorriu radiante. “Eu sabia que você falaria a eles por mim, Magnus. Eu sabia que o passado não estava completamente morto para você.” “Considere ele morto-vivo se você quiser”, Magnus disse. “A verdade, Camille?” Ela passou sua língua em seu lábio inferior. “Você pode dizer a eles”, ela disse, “que eu estava sob ordens quando eu matei aqueles Caçadores de Sombras. Não me incomodou fazer isso, pois eles tinham matado minha espécie, e suas mortes foram merecidas. Mas eu não o teria feito, a menos que à pedido de que o fizesse por alguém mais, alguém muito mais poderoso do que eu mesma.” O coração de Magnus bateu um pouco mais rápido. Ele não gostou do som disso. “Quem?” Mas Camille sacudiu sua cabeça. “Imunidade, Magnus.” “Camille—“ “Eles vão me jogar no sol e me deixar para morrer”, ela disse. “Isso é o que eles fazem para aqueles que matam Nephilim.” Magnus ficou de pé. Seu cachecol estava empoeirado por ter ficado no chão. Ele olhou para as manchas pesarosamente. “Eu farei o que eu posso, Camille. Mas não faço promessas.” “Você nunca faria”, ela murmurou, seus olhos semicerrados. “Venha aqui, Magnus. Chegue mais perto de mim.” Ele não a amava, mas ela era um sonho do passado, então ele se moveu em direção a ela, até que ele estivesse em pé próximo o suficiente para tocá-la. “Se lembra”, ela disse suavemente. “Lembra-se de Londres? Das festas no Quincey? Se lembra de Will Herondale? Eu sei que sim. O garoto dos seus, aquele Lightwood. Eles até mesmo se parecem.” “Parecem?” Magnus disse, como se ele nunca tivesse pensado sobre isso. “Garotos bonitos sempre foram sua fraqueza”, ela disse. “Mas o que uma criança mortal pode dar a você? Dez anos, vinte, antes que a decomposição comece a reivindicá-lo. Quarenta anos, cinquenta, antes que a morte o tome. Eu
posso te dar toda a eternidade.” Ele tocou a bochecha dela. Estava mais fria do que o chão tinha estado. “Você poderia me dar o passado”, ele disse um pouco triste. ”Mas Alec é meu futuro.” “Magnus—,“ ela começou. A porta do Instituto se abriu, e Maryse ficou na entrada, delineada pela pedra encantada atrás dela. Ao lado dela estava Alec, seus braços cruzados em seu peito. Magnus se perguntou se Alec tinha ouvido a conversa entre ele e Camille pela porta — por que não? “Magnus”, Maryse Lightwood disse. ”Vocês chegaram a algum acordo?” Magnus desceu sua mão. ”Eu não sei se eu chamaria isso de um acordo”, ele disse, se virando para Maryse. “Mas eu acho que nós temos algumas coisas para conversar.” ●●●● Vestida, Clary foi com Jace para o seu quarto, onde ele fez uma pequena mochila com coisas para trazer com ele para a Cidade do Silêncio, como se, ela pensou, ele estivesse indo para alguma festa sombria do pijama. Armas, na maior parte — umas poucas lâminas serafim; sua estela, e quase com uma reconsideração, a faca de cabo de prata, sua lâmina agora limpa do sangue. Ele colocou uma jaqueta preta de couro, e ela o observou enquanto a fechava, libertando as mechas soltas de seu cabelo loiro de sua gola. Quanto ele se voltou para ela, deslizando sua mochila em seu ombro, ele sorriu debilmente, e ela viu a leve lasca em seu inciso esquerdo que ela sempre achou que era adorável, uma pequena falha que seria, de outro modo, perfeito demais. Seu coração se apertou, e por um momento ela afastou o olhar dele, incapaz de respirar. Ele estendeu sua mão para ela. “Vamos.” Não havia como invocar os Irmãos do Silêncio para vir até eles, então Jace e Clary tomaram um taxi para o centro da cidade em direção a Houston e ao Marble Cemetery. Clary achou que eles poderiam simplesmente ir por um portal para a Cidade dos Ossos — ela tinha estado lá antes; ela sabia como se parecia — mas Jace disse que havia regras sobre esse tipo de coisa, e Clary não podia
afastar a sensação de que os Irmãos do Silêncio achariam isso bastante rude. Jace se sentou ao lado dela no passageiro do carro, segurando uma de suas mãos e traçando padrões nas costas dela com seus dedos. Era uma distração, mas não distraia o suficiente para que ela não pudesse se concentrar enquanto ele informava para ela o que tinha acontecido a Simon, a história de Jordan, a captura deles da Camille, e a exigência dela em falar com Magnus. “Simon está bem?” Ela perguntou preocupada. “Eu não sabia. Ele estava no Instituto, e eu nem o vi—“ “Ele não estava no Instituto; ele estava no Santuário. E ele parecia estar lidando bem. Melhor do que eu teria, mesmo para alguém que era até recentemente um mundano.” “Mas o plano pareceu perigoso. Quero dizer, Camille, ela é totalmente maluca, não é?” Jace traçou seus dedos sobre suas juntas. “Você tem que parar de pensar em Simon como o garoto Mundano que você costumava conhecer. Que precisa ser salvo. Ele está quase além de ser ferido agora. Você não viu aquela Marca que você deu a ele em ação. Eu sim. Como a ira de Deus sendo visitada sobre o mundo. Eu acho que você deveria estar orgulhosa.” Ela estremeceu. “Eu não sei. Eu a fiz por que eu tinha que fazê-la, mas ainda é uma maldição. E eu não sabia que ele ia passar por tudo isso. Ele não disse. Eu sei que Isabelle e Maia descobriram de uma sobre a outra, mas eu não sabia sobre Jordan. Que ele era o ex de Maia, ou qualquer coisa sobre isso.” Por que você não perguntou. Você estava ocupada demais se preocupando sobre Jace. Nada bom. “Bem”, Jace disse. “você disse a ele o que estava fazendo? Por que tem que ir dos dois jeitos.” “Não. Eu na verdade não disse a ninguém,” Clary disse, e contou a Jace sobre sua ida a Cidade do Silêncio com Luke e Maryse, o que ela tinha descoberto no necrotério do Beth Israel, e sua subsequente descoberta da Igreja de Talto. “Nunca ouvi falar disso”, Jace disse. “Mas Isabelle estava certa, há todo tipo de seitas bizarras de adoradores de demônios por aí. A maioria delas nunca teve na verdade sucesso em invocar um demônio. Parece que essa conseguiu.”
“Você acha que o demônio que nós matamos era aquele que eles estavam adorando? Você acha que agora eles podem — parar?” Jace sacudiu sua cabeça. “Aquele era só um demônio Hydra, um tipo de cão de guarda. Além do mais, ‘Sua casa inclina para a morte, e seus caminhos para a morte”. Soa como uma demônio feminina para mim. E os cultos que adoram demônios femininos frequentemente fazem coisas horríveis com bebês. Eles têm todos os tipos de ideias deturpadas sobre fertilidade e crianças.” Ele se sentou contra o assento, semicerrando os olhos. “Eu tenho certeza que a Clave irá a igreja e checará, mas aposto vinte contra um que eles que não encontrarão nada. Você matou o guarda demônio deles, então os discípulos vão limpar e se livrar da evidência. Nós poderíamos ter de esperar até que eles se estabeleçam em outro lugar de novo.” “Mas—“ O estômago de Clary apertou. “Aquele bebê. E as imagens no livro que eu vi. Eu acho que eles estão tentando fazer mais crianças como — como Sebastian.” “Eles não podem”, Jace disse. “Eles fecundam um bebê com sangue de demônio, que é muito ruim, sim. Mas você consegue algo como Sebastian apenas se o que você está fazendo é usar sangue demônio em crianças Caçadoras de Sombras. Senão o bebê morre.” Ele apertou a mão dela levemente, como se para reassegurar. “Elas não são pessoas boas, mas eu não posso imaginar eles tentando fazer a mesma coisa de novo, já que isso não funcionou.” O táxi parou cantando os pneus na esquina de Houston com a Second Avenue. “O medidor está quebrado”, o taxista disse. “Dez pratas.” Jace, que sob outras circunstâncias provavelmente teria feito um comentário sarcástico, jogou ao taxista uma nota de vinte e saiu do carro, segurando a porta aberta para Clary o seguir. “Pronta?” Ele perguntou enquanto iam em direção ao portão de ferro que dava para Cidade. Ela concordou. “Não posso dizer que minha última viagem aqui foi muito divertida, mas sim, estou pronta.” Ela tomou a mão dele. “Desde que nós estejamos juntos, estou pronta para qualquer coisa.” Os Irmãos do Silêncio estavam esperando por eles na entrada da Cidade, quase como se eles tivessem aguardado por eles. Clary reconheceu o Irmão Zachariah entre o grupo. Eles estavam em uma linha silenciosa, bloqueando o
ingresso de Clary e Jace na cidade.
Por que vocês vieram aqui, filha de Valentine e filho do Instituto? Clary não teve certeza de qual deles estava falando para ela em sua cabeça, ou se todos estavam. É incomum que crianças entrem na Cidade do Silêncio sem supervisão. O nome ‘crianças’ doeu, embora Clary estivesse ciente tanto quanto os Caçadores de Sombras sabiam, qualquer um abaixo de dezoito era uma criança e sujeito a regras diferentes. “Nós precisamos de sua ajuda”, Clary disse quando tornou evidente que Jace não ia dizer nada. Ele estava olhando de um dos Irmãos do Silêncio para o outro com uma curiosa indiferença, como alguém que tivesse recebido incontáveis diagnósticos terminais de diferentes médicos e agora, tendo alcançado o fim da linha, esperava sem muita esperança pelo veredicto de um especialista. “Não é o trabalho de vocês — ajudar Caçadores de Sombras?”
E ainda assim nós não somos servos, às suas ordens e chamado. Nem todo problema se enquadra em nossa jurisdição. “Mas este é”, Clary disse firme. “Eu acredito que alguém esteja tentando entrar na mente de Jace — alguém com poder — e mexer com suas memórias e sonhos. O forçando a fazer coisas que ele não quer fazer.” Hipnomancia, disse um dos Irmãos do Silêncio. A mágica dos sonhos.
Este é o território exclusivo dos maiores e mais poderosos usuários de mágica. “Como os anjos”, Clary disse, e ela foi recompensada por um pomposo silêncio surpreendente. Talvez, disse o Irmão Zachariah finalmente, vocês devam vir conosco as Estrelas Falantes. Isso não era um convite, claramente, mas uma ordem, pois eles se viraram imediatamente e começaram a ir para o coração da Cidade, sem esperar para ver se Jace e Clary os seguiam. Eles alcançaram o pavilhão das Estrelas Falantes, onde os Irmãos tomaram seus lugares atrás de sua mesa de basalto negra. A Espada Mortal de volta a seu lugar, cintilando na parede atrás deles como a asa de um pássaro prateado. Jace se moveu para o centro da sala e olhou para o padrão de estrelas metálicas queimadas em vermelho e dourado do chão. Clary o observou, sentindo seu coração doer. Era difícil vê-lo assim, toda sua costumeira energia se fora, como luz encantada sufocada sobre uma cobertura de cinzas.
Então, ele levantou sua cabeça loira, piscando, e Clary sabia que os Irmãos do Silêncio estavam falando dentro da mente dele, dizendo palavras que ela não podia ouvir. Ela o viu sacudir a cabeça e o escutou dizer, “Eu não sei. Eu pensei que eles não eram nada além de sonhos comuns.” A boca dele apertou, e ela não pôde se impedir de imaginar o que eles estavam perguntando a ele. “Visões? Acho que não. Sim, eu tive um encontro com o Anjo, mas é Clary que teve os sonhos proféticos. Não eu.” Clary ficou tensa. Eles estavam terrivelmente perto de perguntar sobre o que tinha acontecido com Jace e o Anjo naquela noite no Lago Lyn. Ela não pensou sobre isso. Quando os Irmãos do Silêncio espiavam em sua mente, o que eles viam? Apenas o que eles procuravam? Ou tudo? Jace então concordou. “Ótimo. Eu estou pronto se vocês estiverem.” Ele fechou seus olhos, e Clary, observando, relaxou ligeiramente. Isso deve ter sido como foi para Jace ao observá-la, ela pensou, a primeira vez que os Irmãos do Silêncio tinham escavado sua mente. Ela viu detalhes que ela não tinha notado até então, pois ela tinha sido pega dentro da rede da mente deles e da sua própria, retomando suas memórias, perdidas para o mundo. Ela viu Jace enrijecer como se eles tivessem tocado ele com suas mãos. Sua cabeça foi para trás. Suas mãos, em seus lados, abriram e fecharam, enquanto as estrelas no chão aos seus pés arderam com uma luz prata cegante. Ela piscou as lágrimas vindas do brilho, ele era um contorno escuro contra um lençol de prata cegante, como se ele estivesse em pé no coração de uma cachoeira. Tudo em torno deles era ruído, um suave sussurro incompreensível. Enquanto ela olhava, ele ficou de joelhos, suas mãos apoiadas contra o chão. O coração dela se apertou. Ter os Irmãos do Silêncio em sua cabeça tinha quase feito ela desmaiar, mas Jace era mais forte do que isso, não era? Lentamente ele se dobrou, suas mãos apertadas contra seu estômago, agonia em cada linha dele, embora ele nunca gritasse. Clary não podia mais suportar isso — ela se lançou em direção a ele, através dos lençóis de luz, e ficou de joelhos próxima a ele, jogando seus braços ao redor do seu corpo. As vozes sussurrando em torno dela aumentaram para uma tempestade de protestos enquanto ele virava sua cabeça e olhava para ela. A luz prata tinha removido seus olhos, e eles pareciam vazios e tão brancos quanto ladrilhos de mármore. Os lábios dele
formaram seu nome. E então se foi — a luz, o som, tudo isso, e eles ajoelhados juntos no chão do pavilhão, silêncio e sombra ao redor deles. Jace estava tremendo, e quando suas mãos soltaram uma da outra, ela viu que elas estavam ensanguentadas onde suas unhas tinham rasgado a pele. Ainda abraçando ele pelo braço, ela olhou para os Irmãos do Silêncio, lutando com a raiva. Ela sabia que era como estar furiosa com um médico que tinha administrado um doloroso, mas salvador tratamento, mas era difícil — tão difícil — ser razoável quando era alguém que você amava. Há algo que você não nos disse, Clarissa Morgenstern, disse o Irmão Zachariah. Um segredo que ambos tem guardado. Uma mão gelada se fechou em torno do coração de Clary. “O que você quer dizer?” A marca da morte está neste garoto. Era outro Irmão falando — Enoch, ela achou. “Morte?” Jace disse. “ Você quer dizer que eu vou morrer?” Ele não soou surpreso.
Queremos dizer que você estava morto. Você passou além do portal para o reino da sombra, sua alma desligada de seu corpo. Clary e Jace trocaram um olhar. Ela engoliu em seco. “O Anjo Raziel—“ ela começou. Sim, a marca dele esta por todo o garoto também. A voz de Enoch era sem emoção. Há apenas dois modos de trazer de volta os mortos. O modo da
necromancia, a feitiçaria negra do sino, livro e vela. Isso retornará uma aparência de vida. Mas apenas a própria mão direita do Anjo de Deus poderia colocar de volta a alma de um humano em seus corpos tão facilmente quanto a vida foi respirada dentro do primeiro dos homens. Ele sacudiu sua cabeça. O balanço da vida e da morte, do bem e do mal, é um delicado, jovens Caçadores de Sombras. Vocês o perturbaram. “Mas o Anjo Raziel,” Clary disse. “Ele pode fazer o que ele quiser. Vocês o adoram, não é? Se ele escolheu fazer isso—“ Ele o fez? Perguntou outro dos Irmãos. Ele escolheu? “Eu...” Clary olhou para Jace. Ela pensou, eu poderia ter pedido qualquer
coisa no universo. Paz no mundo, uma cura para doença, viver para sempre. Mas tudo o que eu quis foi você. Nós conhecemos o ritual dos Instrumentos, Irmão Zachariah disse. Nós sabemos que quem possuir todos eles, quem for seu senhor, pode pedir ao Anjo uma coisa. Eu não acho que ele poderia ter te recusado. Clary levantou o queixo. “Bem,” ela disse. “Agora está feito.” Jace deu um fantasma de uma risada. “Eles sempre podem me matar, sabia.” Ele disse. “Trazer as coisas de volta ao equilíbrio.” Suas mãos apertaram o braço dele. “Não seja ridículo.” Mas a voz dela estava tênue. Ela ficou mais tensa enquanto Irmão Zachariah se afastava do grupo reunido de Irmãos do Silêncio e se aproximava deles, seus pés deslizando silenciosamente sobre as Estrelas Falantes. Ele se aproximou do Jace, e Clary teve que lutar com a urgência de empurrá-lo quando ele se inclinou e colocou seus longos dedos debaixo do queixo do Jace, levantando o rosto do garoto para ele. Os dedos do Zachariah eram finos, sem rugas — os dedos de um homem jovem. Ela nunca pensou muito sobre a idade dos Irmãos do Silêncio antes, supondo que todos eles fossem enrugados e velhos. Jace, ajoelhado, olhou para Zachariah, que olhava para ele com sua cega expressão impassível. Clary não pôde se impedir de pensar nas pinturas medievais dos santos ajoelhados, olhando acima, suas faces repletas com o brilho de luz dourada. Eu gostaria de ter estado aqui, ele disse, sua voz inesperadamente gentil. quando você estava crescendo. Eu teria visto a verdade
em seu rosto, Jace Lightwood, e conhecido quem você era. Jace pareceu confuso, mas não se moveu para se afastar. Zachariah se virou para os outros. Nós não podemos e nem devemos ferir o
garoto. Laços antigos existem entre os Herondales e os Irmãos. Nós devemos ajudá-lo. “Ajudar com que?” Clary exigiu. “Vocês podem ver algo de errado com ele — algo dentro de sua cabeça?”
Quando um Caçador de Sombras nasce, um ritual é feito, um quantidade de feitiços de proteção colocadas sobre a criança pelos Irmãos do Silêncio e as Irmãs de Ferro. As Irmãs de Ferro, Clary sabia de suas pesquisas, eram as irmãs uma facção
dos Irmãos do Silêncio, até mesmo mais recolhidas do que seus irmãos, elas estavam a cargo da fabricação das armas dos Caçadores de Sombras. Irmão Zachariah continuou. Quando Jace morreu e foi ressuscitado, ele
nasceu pela segunda vez, com aquelas proteções e rituais despojadas. Isso o deixou tão aberto quando uma porta destrancada — aberto para qualquer tipo de influência demoníaca ou malevolência. Clary lambeu seus lábios secos. “Você quer dizer, possessão?”
Não possessão, influência. Suspeito que poderosos sussurros de poder demoníaco estão em seus ouvidos. Jonathan Herondale. Você é forte, você luta com ele, mas isso o desgasta como o mar desgasta a areia. “Jace”, ele sussurrou através de seus lábios brancos. “Jace Lightwood, não Herondale.” Clary se agarrando aos aspectos práticos, disse, “Como vocês podem ter certeza que é um demônio? E o que nós podemos fazer para isso deixá-lo em paz?” Enoch, soando pensativo, disse, O ritual deve ser feito novamente, as
proteções colocadas sobre ele uma segunda vez, como se ele tivesse acabado de nascer. “Vocês podem fazer isso?” Clary perguntou. Zachariah inclinou sua cabeça. Pode ser feito. As preparações devem ser
feitas, uma para as Irmãs de Ferro invocar, um amuleto fabricado... ele se interrompeu. Jonathan deve permanecer conosco até que o ritual termine. Este é o lugar mais seguro para ele. Clary olhou para Jace novamente, procurando em sua expressão — qualquer expressão — de esperança, alívio, satisfação, qualquer coisa. Mas o rosto dele estava impassível. “Por quanto tempo?” ele disse. Zachariah estendeu seus dedos. Um dia, talvez dois. O ritual é para
crianças; nós temos que mudá-lo, alterá-lo para se adequar a um adulto. Se ele fosse mais velho que dezoito, seria impossível. Assim, será difícil. Mas ele não está além da salvação. Não além da salvação... Não era isso o que Clary tinha esperado; ela esperava que dissessem que o problema era simples, facilmente resolvido. Ela olhou para Jace. A cabeça dele inclinada, seus cabelo caindo a frente; a parte de
trás seu pescoço parecia tão vulnerável para ela, isso fez sua cabeça doer. “Tudo bem”, ela disse suavemente. “Eu ficarei aqui com você—“ Não, Os Irmãos falaram em conjunto, suas vozes inexoráveis. Ele deve
permanecer aqui sozinho. Para o que precisamos fazer, ele não pode se dar ao luxo de ser distraído. Ela sentiu o corpo de Jace enrijecer. A última vez que ele tinha estado sozinho na Cidade do Silêncio, ele tinha sido injustamente aprisionado, presenciado as horríveis mortes da maioria dos Irmãos do Silêncio, e atormentado por Valentine. Ela não podia imaginar a ideia de outra noite sozinho na Cidade seria nada além de terrível para ele. “Jace”, ela sussurrou. “Eu farei o que quer que você queira que eu faça. Se você quiser ir...” “Eu ficarei”, ele disse. Ele levantou sua cabeça, e sua voz era forte e clara. “Eu ficarei. Farei o que quer que eu tenha que fazer para consertar isso. Eu só preciso que você ligue para Izzy e Alec. Diga a eles — diga a eles que vou ficar com Simon para ficar de olho nele. Diga a eles que eu os vejo amanhã ou depois de amanhã.” “Mas...” “Clary”, Gentilmente ele tomou ambas suas mãos e as segurou entre as dele. “Você estava certa. Isso não está vindo de dentro de mim. Algo esta fazendo isso a mim. A nós. Você sabe o que isso significa? Se eu puder ser... curado... então eu não tenho mais que estar com medo de mim mesmo quando eu estiver perto de você. Eu passaria mil noites na Cidade do Silêncio por isso.” Ela se inclinou para frente, esquecida da presença dos Irmãos do Silêncio, e o beijou, um rápido pressionar de seus lábios contra os dele. “Eu voltarei”, ela sussurrou. “Amanhã à noite, depois da festa na Ironworks, eu voltarei e verei você.” A esperança nos olhos dele foi o suficiente para partir seu coração. “Talvez eu esteja curado então.” Ela tocou seu rosto com as pontas dos dedos. “Talvez você esteja.” ●●●●
Simon acordou ainda se sentindo exausto pela longa noite de pesadelos. Ele rolou de costas e olhou para a luz vinda pela única janela em seu quarto. Ela não pôde se impedir de imaginar se ele dormiria melhor se ele fizesse o que os outros vampiros faziam, e dormisse durante o dia. Apesar do fato de que o sol não o ferisse, ele podia sentir a atração das noites, o desejo de estar sob o céu escuro e as estrelas cintilantes. Havia algo nele que queria viver nas sombras, que sentia a luz do sol como uma aguda dor cortante — como havia algo nele que precisava de sangue. E olhar como a luta tinha terminado para ele. Ele ficou de pé e jogou algumas roupas, então saiu da sala de estar. O lugar cheirava a torradas e café. Jordan estava sentado em uma das banquetas, seus cabelos arrepiados para todo lado como sempre, seus ombros curvados. “Ei”, Simon disse. “E aí?” Jordan olhou para ele. Ele estava pálido sob seu bronzeado. “Nós temos um problema.” Ele disse. Simon piscou. Ele não tinha visto seu colega lobisomem desde ontem. Ele veio do Instituto na noite passada e caiu exausto. Jordan não estava aqui, e Simon tinha percebido que ele estava trabalhando. Mas talvez algo tivesse acontecido? “O que há de errado?” “Isso estava jogado debaixo de nossa porta,” Jordan empurrou um jornal dobrado em direção a Simon. Era o New York Morning Chronicle, dobrado aberto em uma das páginas. Havia uma foto macabra no topo, uma imagem granulada de um corpo jogado em uma calçada, membros delgados curvados em ângulos estranhos. Dificilmente parecia humano, do modo que corpos algumas vezes não pareciam. Simon estava prestes a perguntar a Jordan porque ele teve que olhar isso, quando o texto abaixo na foto saltou. GAROTA ENCONTRADA MORTA A polícia diz que eles estavam atrás de ligações na morte de Maureen Brown de quatorze anos, cujo corpo foi descoberto na noite de domingo, às onze horas da noite, jogado em uma lixeira na parte externa da Big Apple Deli32 na Third Avenue. Embora nenhuma causa oficial da morte tivesse sido revelada 32
N/T: Deli – Delicatessen. No caso essa é uma loja real de delicatessen em NY.
pelo delegado, o dono da delicatessen que encontrou o corpo, Michael Garza, disse que a garganta dela foi cortada. A polícia ainda não encontrou a arma... Incapaz de continuar, Simon sentou pesadamente em uma cadeira. Agora que ele sabia, a foto era inquestionavelmente Maureen. Ele reconheceu suas luvas arco-iris, o estúpido chapéu cor de rosa que ela tinha usado quando ele a tinha visto da última vez. Meu Deus. Ele queria dizer. Mas as palavras não saíram. “Aquele bilhete não dizia”, Jordan disse em uma voz sombria, “que se você não fosse a aquele endereço, eles cortariam a garganta da sua namorada?” “Não”, Simon sussurrou. “Não é possível. Não.” Mas ele se lembrou. A amiguinha da prima de Eric. Qual era o nome dela? Aquela que tinha uma queda por Simon. Ela ia a todas as apresentações e dizia para todo mundo que era sua namorada. Simon se lembrou do telefone dela, seu pequeno telefone cor de rosa com adesivos nele, do modo que ela o segurou para tirar uma foto deles. A sensação de uma mão em seu ombro, tão leve quanto uma borboleta. Quatorze anos. Ele se curvou, envolvendo seus braços em torno de seu peito, como se ele pudesse se fazer pequeno o suficiente para desaparecer completamente.
Capítulo
14
QUE SONHOS PODEM VIR
JACE SE JOGOU INQUIETO NA ESTREITA CAMA NA CIDADE DO Silêncio. Ele não sabia onde os Irmãos dormiam, e eles não pareciam muito animados a revelá-lo. O único lugar ali que parecia ser para ele dormir era em uma das celas abaixo da Cidade onde normalmente mantinham prisioneiros. Eles deixaram a porta aberta para ele, para que assim, ele não se sentisse que estava na cadeia, mas o lugar não podia nem pelo máximo esforço de imaginação ser chamado de agradável. O ar era denso e grosso; ele tirara a camisa e se deitou nas cobertas usando apenas seus jeans, mas ainda estava muito quente. As paredes eram um cinza maçante. Alguém escrevera as letras JG na pedra logo acima da armação da cama, deixando-o a imaginar o que aquilo significava — e não havia mais nada no quarto a não ser a cama, um espelho rachado que lhe dava o seu próprio reflexo em pedaços torcidos e a pia. Sem mencionar as mais que desagradáveis recordações que o quarto trazia à tona. Os Irmãos entraram e saíram de sua mente a noite toda, até que ele se sentiu um trapo torcido. Já que eles eram tão sigilosos sobre tudo, ele não tinha ideia se haviam feito algum progresso. Eles não pareciam satisfeitos, mas, por outro lado, eles nunca pareciam. O verdadeiro teste, ele sabia, era dormir. O que ele sonharia? Dormir: possivelmente para sonhar. Ele virou depressa, escondeu o rosto nos braços. Ele
não achava que podia aguentar algum outro sonho sobre ferir Clary. Ele achou que podia realmente perder a cabeça, e a ideia o assustou. O prospecto de morrer nunca lhe assustara muito, mas o pensamento de ir à loucura era quase a pior coisa que podia imaginar. Mas dormir era o único jeito de saber. Ele fechou os seus olhos e decidiu dormir. Ele dormiu, e sonhou. Ele estava de volta no vale — o vale em Idris onde lutara com Sebastian e quase morrera. Era outono no vale, não verão como havia sido da última vez que estivera ali. As folhas explodiam em ouro, rubro, laranja e vermelho. Ele estava de pé na margem do pequeno rio — um riacho, na verdade — que cortava o vale ao meio. À distância, vindo até ele, estava alguém, alguém que ainda não conseguia ver claramente, mas as passadas dessa pessoa eram diretas e determinadas. Ele tinha tanta certeza que era Sebastian que não foi até a figura chegar perto suficiente para ver claramente, que ele percebeu que não podia ser. Sebastian era alto, mais alto que Jace, mas essa pessoa era pequena — o rosto na sombra, mas uma cabeça ou duas mais baixo que Jace — e magra, com os ombros finos da infância, e pulsos esqueléticos saindo das mangas muito curtas de sua camisa. Max. A visão do irmão menor atingiu Jace como um soco, e ele caiu de joelhos na grama verde. A queda não doeu. Tudo tinha as margens acolchoadas do sonho que era. Max tinha a mesma aparência de sempre. Um garoto de joelhos arredondados bem na beirada do crescimento e saindo daquele estágio de criancinha. Agora nunca sairia. “Max”, disse Jace. “Max, sinto muito.” “Jace.” Max ficou onde estava. Um pouco de vento veio e levantou o cabelo castanho do seu rosto. Seus olhos, atrás dos óculos, estavam sérios. “Não estou aqui por minha causa”, disse ele. “Não estou aqui para te assombrar ou fazer você se sentir culpado.” Claro que não está, disse uma voz na cabeça do Jace. Max sempre adorou
você, venerou você, achou que você era maravilhoso. “Os sonhos que você está tendo”, disse Max. “Eles são mensagens.”
“Os sonhos são influência de um demônio, Max. Os Irmãos do Silêncio disseram—” “Eles estão errados”, Max exclamou rapidamente. “Há só alguns poucos deles agora, e seus poderes estão mais fraco do que costumava ser. Esses sonhos querem te dizer alguma coisa. Você não está os entendendo direito. Não estão te dizendo para ferir Clary. Estão te alertando do que você já é.” Jace sacudiu a cabeça lentamente. “Não entendo.” “Os anjos me mandaram para falar com você porque te conheço”, disse Max, na sua clara voz de criança. “Eu sei como você está com as pessoas que ama, e nunca iria feri-los deliberadamente. Mas você não destruiu toda a influência do Valentine dentro de si ainda. A voz dele ainda sussurra para você, e você não acha que a ouve, mas ouve. Os sonhos estão dizendo que até matar essa parte de você, você não pode ficar com Clary.” “Então eu a matarei”, disse Jace. “Farei o que tenho que fazer. Só me diga como.” Max abriu um alegre sorriso e estendeu algo na sua mão. Era uma adaga com o cabo prateado — a adaga com o cabo prateado de Stephen Herondale, a da caixa. Jace a reconheceu imediatamente. “Pegue isso”, instruiu Max. “E vire-a contra si. A parte de você que está aqui no sonho comigo deve morrer. O que acordará depois será o purificado.” Jace pegou a faca. Max sorriu. “Bom. Há vários de nós aqui no outro lado que estão preocupados com você. Seu pai está aqui.” “Não Valentine—” “Seu pai real. Ele me disse para falar para você usar isso. Ceifará tudo o que está corrompido em sua alma.” Max sorriu como um anjo quando Jace virou a faca para si, a lâmina para dentro. Então, no último momento, Jace hesitou. Era muito perto do que Valentine fizera com ele, perfurando-o no coração. Ele pegou a lâmina e cortou uma longa incisão no seu antebraço direito, do cotovelo até o pulso. Não houve dor. Trocou a faca para a mão direita e fez o mesmo no outro braço. Sangue verteu nos longos cortes dos braços, um vermelho mais claro do que o sangue da cor de rubis na vida real. Ele derramou de sua pele e caiu na grama.
Ele ouviu Max soltar o fôlego suavemente. O garoto se curvou e tocou o sangue com os dedos da mão direita. Quando os levantou, brilhavam em escarlate. Ele deu um passo em direção ao Jace, depois outro. De tão perto, Jace podia ver claramente o rosto de Max — sua pele perfeita de criança, a translucidez das pálpebras, os seus olhos — Jace não se lembrava dele tendo olhos tão negros. Max pôs as mãos na pele do peito do Jace, logo acima do coração, e com o sangue começou a traçar um desenho ali, uma runa. Não uma que Jace já tenha visto antes, com cantos sobrepostos e estranhos ângulos à sua forma. Terminado, Max abaixou a mão e recuou, a cabeça inclinada para o lado, um artista examinando seu mais recente trabalho. Uma súbita onda de agonia passou por Jace. Sentiu como se a sua pele no peito queimasse. Max o observava parado, sorrindo, flexionando a mão ensanguentada. “Isso machuca você, Jace Lightwood?” disse, e sua voz não era mais a de Max, mas de outro alguém, alta, áspera e familiar. “Max —”, sussurrou Jace. “Como você lidou com a dor, agora a dor lidará com você”, disse Max, cujo rosto começara a brilhar e mudar. “Como causou mágoa, sentirá mágoa. Você é meu agora, Jace Lightwood. Você é meu.” A agonia o cegava. Jace caiu para frente, as mãos arranhando o peito, e ele tombou para a escuridão. ●●●● Simon se sentou no sofá, seu rosto nas mãos. Sua mente zunia. “A culpa é minha”, ele disse. “Eu poderia também ter matado Maureen quando bebi o sangue dela. Está morta por minha causa.” Jordan se esparramou na poltrona oposta a ele. Ele estava vestindo jeans e uma camiseta verde sobre uma camisa térmica de mangas longas com buracos nos punhos dessas mangas; ele estava com os dedos nesses buracos, preocupado com o assunto. A medalha dourada do Praetor Lupus no seu pescoço brilhava. “Qual é”, disse. “Não tinha como você saber. Ela estava bem quando a pus no táxi. Aqueles caras devem ter pegado e matado-a depois.”
Simon sentiu a cabeça leve. “Mas eu a mordi. Não vai voltar, não é? Não vai se tornar uma vampira?” “Não. Qual é, você sabe dessas coisas melhor do que eu. Você teria que ter dado a ela um pouco do seu sangue para ela se tornar uma vampira. Se ela tivesse bebido seu sangue e depois morrido, é, nós estaríamos lá no cemitério em vigilância. Mas ela não bebeu. Quero dizer, acho que você lembraria de ter feito algo assim.” Simon sentiu o gosto de sangue azedo no fundo da garganta. “Acharam que ela era minha namorada”, disse ele. “Alertaram-me que a matariam se eu não aparecesse, e quando não fui, eles cortaram a garganta dela. Ela deve ter esperado lá o dia inteiro, imaginando se eu iria. Esperando que eu aparecesse—” Seu estômago revirou, e ele se inclinou, respirando com dificuldade, tentando afastar os engasgos. “Sim”, disse Jordan, “mas a questão é: quem são eles?” Deu um olhar severo a Simon. “Eu acho que agora é a hora de você ligar para o Instituto. Não amo os Caçadores de Sombras, mas sempre ouvi que os arquivos deles são incrivelmente completos. Talvez eles tenham alguma informação sobre o endereço na nota.” Simon hesitou. “Qual é”, disse Jordan. “Você já fez muita bosta para eles. Deixe-os fazerem algo por você.” Dando de ombros, Simon foi pegar o telefone. Voltando à sala de estar, discou o número do Jace. Isabelle atendeu ao telefone no segundo toque. “Você de novo?” “Desculpe-me”, disse Simon, desajeitado. Aparentemente aquele pequeno intervalo no Santuário não suavizara a situação de Simon tanto quanto esperava. “Eu estava procurando Jace, mas acho que posso falar com você—” “Encantador como sempre”, disse Isabelle. “Eu achei que Jace estava com você.” “Não.” Simon sentiu uma agitação de preocupação. “Quem te disse isso?” “Clary”, respondeu Isabelle. “Talvez eles só estejam andando juntos por um tempinho.” Ela não parecia preocupada, o que fazia sentido; a última pessoa que mentiria sobre o paradeiro de Jace se ele estivesse em apuros era Clary. “Bom,
Jace deixou o telefone no quarto. Se você o ver, lembre-o que tem que estar na festa na Ironworks hoje à noite. Se ele não aparecer, Clary vai matá-lo.” Simon quase esqueceu que ele devia estar naquela festa de noite. “Certo”, disse. “Olhe, Isabelle. Estou com problemas aqui.” “Despeje. Adoro problemas.” “Eu não sei se você vai gostar muito desse aqui”, disse ele duvidoso, e contou a situação para ela rapidamente. Isabelle ofegou de leve quando ele chegou à parte em que mordera Maureen, e ele sentiu a garganta se contrair. “Simon”, ela sussurrou. “Eu sei, eu sei”, disse ele miseravelmente. “Você acha que eu não sinto muito? Eu estou muito além disso.” “Se você tivesse matado ela, você teria quebrado a Lei. Você seria um fora da lei. Teria que te matar.” “Mas não matei”, ele disse, a voz abalada um pouquinho. “Não fiz isso. Jordan jura que ela estava bem quando a pôs no táxi. E o jornal diz que a garganta dela foi cortada. Eu não fiz isso. Alguém fez isso para chegar até mim. Eu apenas não sei o porquê.” “Ainda não terminamos com esse assunto.” A voz dela era grave. “Mas primeiro vá pegar a nota que deixaram. Leia para mim.” Simon fez como foi pedido, e foi recompensado por um nítido influxo de respiração por parte de Isabelle. “Eu achei que esse endereço era familiar”, ela disse. “Foi onde Clary me disse para encontrar ela ontem. É uma igreja. O quartel-general de algum tipo de culto de adoradores de demônios.” “O que um culto de adoradores de demônios iria querer comigo?” Simon perguntou, e recebeu um olhar curioso de Jordan, que estava apenas ouvindo metade da conversa. “Não sei. Você é um Daylighter. Tem poderes malucos. É um alvo para lunáticos e magos sombrios. É assim que as coisas são.” Isabelle, sentiu Simon, poderia ter sido um pouco mais simpática. “Olhe, você vai para a festa na Ironworks, não vai? Nos encontraremos lá e conversaremos sobre os próximos passos. E eu vou falar para a minha mãe o que está acontecendo com você. Eles já estão investigando a Igreja de Talto, então podem acrescentar isso ao banco de
informações.” “Eu acho”, disse Simon. A última coisa que queria fazer era ir à festa. “E leve Jordan com você”, instruiu Isabelle. “Você pode aproveitar um guarda-costas.” “Não posso fazer isso. Maia vai estar lá.” “Eu vou falar com ela”, disse Isabelle. Ela parecia muito mais confiante do que Simon se sentiria se estivesse em seu lugar. “Vejo você lá.” Ela desligou. Simon virou para Jordan, que estava deitado no futon, a cabeça apoiada em um dos travesseiros costurados. “Quanto disso você ouviu?” “O bastante para reunir que vamos para uma festa de noite”, disse Jordan. “Eu ouvi sobre o evento na Ironworks. Eu não estou no bando de Garroway, então não fui convidado.” “Acho que agora você vem como o meu par.” Simon guardou o telefone de volta no bolso. “Tenho certeza suficiente sobre minha masculinidade para aceitar isso”, disse Jordan. “É melhor arranjarmos algo bom para você vestir, contudo”, ele gritou enquanto Simon voltava ao quarto. “Quero que você fique lindo.”
●●●● Anos antes, quando a cidade de Long Island era um centro de indústrias ao invés de um bairro moderno cheio de galerias de arte e lojas de cafés, a Ironworks era uma fábrica têxtil. Agora era uma enorme estrutura de tijolos cujo interior se transformara num pequeno, porém, bonito espaço. O chão era feito de quadrados sobrepostos de aço escovado; vigas finas de aço arqueavam para cima, enroladas em cabos de minúsculas luzes brancas. Escadarias adornadas de ferro forjado espiralavam para cima até as passarelas decoradas com plantas penduradas. Um cantilever de vidro no ápice abria-se para uma vista do céu noturno. Havia até um terraço do lado de fora, construído sobre o rio East, com uma visão espetacular da Fifty-Ninth Street Bridge, que se erguia à frente, estendendo-se desde o Queens até Manhattan como uma lança de gelo vistosa. O bando de Luke trabalhara duro para fazer o lugar parecer elegante. Havia
grandes vasos de estanho habilmente localizados contendo flores marfim com longos talos e mesas cobertas com linho branco arranjadas num círculo em volta de um palco erguido, aonde um quarteto de lobisomens de cordas fornecia música clássica. Clary não pôde deixar de querer que Simon estivesse ali; ela estava certa que ele acharia que Quarteto de Lobisomens de Cordas fosse um bom nome para a banda. Clary vagou de mesa em mesa, arrumando coisas que não precisavam de arrumação, remexendo em flores e endireitando objetos de prata que não estavam bagunçados. Só alguns dos convidados chegaram até agora, e nenhum deles eram pessoas que ela conhecia. Sua mãe e Luke estavam perto da porta, saudando pessoas e sorrindo, Luke inconfortável num terno, e Jocelyn radiante num vestido azul sob medida. Depois do que aconteceu nos dias anteriores, era bom ver a sua mãe parecer feliz, apesar de Clary imaginar o quanto disso era sincero e o quanto disso era só para os convidados. Havia uma certa rigidez na boca de Jocelyn que deixava Clary preocupada — ela estava mesmo feliz, ou só sorrindo através da dor? Não que Clary não soubesse como ela se sentia. Não importa o que estivesse acontecendo, ela não conseguia tirar Jace da cabeça. O que os Irmãos do Silêncio estavam fazendo com ele? Ele estava bem? Eles poderiam consertar o que havia de errado com ele, bloquear a influência demoníaca? Ela passara a noite anterior às claras fitando a escuridão de seu quarto e se preocupando até se sentir literalmente enjoada. Mais do que qualquer outra coisa, ela queria que ele estivesse ali. Ela escolhera o vestido que usava naquela noite — ouro pálido e mais adequado ao corpo do que qualquer coisa que geralmente vestia — com a esperança expressa que Jace gostasse; agora ele nem iria vê-la usá-lo. Aquilo era uma coisa superficial de se preocupar, ela sabia disso; andaria vestindo um barril pelo resto da vida se isso significasse que Jace iria melhorar. Além disso, ele estava sempre dizendo que ela era linda, e nunca reclamava do fato de que na maioria das horas ela vestia jeans e tênis, mas Clary achou que ele gostaria desse. De pé na frente do espelho à noite, quase se sentiu bonita. Sua mãe dissera que ela mesma teve um desabrochar tardio, e Clary, olhando para o próprio reflexo, imaginara se a mesma coisa podia lhe acontecer. Ela não era mais lisa
como uma tábua — aumentara o número do sutiã no ano passado — e, se semicerrasse os olhos, achava que podia ver — sim, aqueles eram definitivamente quadris. Tinha curvas, pequenas, mas você tinha que começar em algum lugar. Continuava usando joias simples — muito simples. Ela levantou a sua mão e tocou o anel Morgenstern em sua corrente em volta do pescoço. Havia voltado a usar, pela primeira vez em dias, naquela manhã. Sentia que era um gesto silencioso de confiança em Jace, uma forma de sinalizar sua lealdade, ele sabendo disso ou não. Ela decidiu que usaria aquilo até vê-lo de novo. “Clarissa Morgenstern?”, disse uma voz suave no seu ombro. Clary virou em surpresa. A voz não era familiar. De pé ali estava uma garota magra e alta que tinha aproximadamente vinte anos. A pele era pálida, da cor de leite, com várias veias verdes como seiva, e seu cabelo loiro tinha a mesma tintura esverdeada. Os olhos eram azuis sólidos, como mármores, e vestia um vestido azul curto, tão fino, que Clary achou que ela devia estar congelando de frio. Uma memória emergiu lentamente das profundezas. “Kaelie”, disse Clary lentamente, reconhecendo a garçonete fada do Taki que servira a ela e aos Lightwood em mais de uma ocasião. Um bruxulear a fez lembrar que havia uma insinuação sobre Kaelie e Jace já terem ficado, mas o fato parecia tão pequeno frente a tudo que acontecia que ela não se importou com isso. “Eu não sabia — você conhece Luke?” “Não me confunda com uma convidada nessa ocasião”, disse Kaelie, sua mão pequena traçando um gesto casualmente indiferente no ar. “Minha Senhora me mandou aqui para encontrar você — não para comparecer em festividades.” Olhou curiosa sobre o ombro, seus olhos todos azuis brilhando. “Apesar de eu não ter percebido que sua mãe estava se casando com um lobisomem.” Clary ergueu as sobrancelhas. “E...?” Kaelie examinou-a de cima a baixo com algum divertimento. “Minha lady disse que você era bem dura, apesar de ser pequena em tamanho. Na Corte seria menosprezada por ter uma estatura tão pequena.” “Nós não estamos na Corte”, disse Clary. “E não estamos no Taki, o que significa que você veio até mim, o que significa que tem cinco segundos para me dizer o que a Rainha de Seelie quer. Eu não gosto muito dela, e não estou no
clima para os seus joguinhos.” Kaelie apontou um dedo fino e de unha verde para o pescoço de Clary. “Minha lady disse para te perguntar”, ela disse, “por que você usa o anel Morgenstern. É em reconhecimento ao seu pai?” A mão de Clary foi ao pescoço. “É por Jace — porque Jace o deu para mim”, ela disse antes que pudesse se impedir, e então se xingou em silêncio. Não era inteligente contar à Rainha de Seelie mais do que devia. “Mas ele não é um Morgenstern”, disse Kaelie, “é um Herondale, e eles têm seu próprio anel. Um arranjo de garças, ao invés de estrelas da manhã. E isso não lhe cai melhor, uma alma que plana como um pássaro ao vento, ao invés de cair como Lúcifer?” “Kaelie”, Clary rangeu os dentes. “O que a Rainha de Seelie quer?” A garota fada riu. “Ora”, ela disse, “só te dar isso.” Ela estendeu a mão segurando algo, um minúsculo pingente sino de prata, com um gancho na ponta da alça para que pudesse ser preso a uma corrente. Quando Kaelie moveu a mão para a frente, o sino tocou, leve e agradável como chuva. Clary recuou. “Eu não quero presentes da sua lady”, disse, “pois eles vêm junto com mentiras e suposições. Não deverei nada à Rainha.” “Não é um presente”, disse Kaelie impacientemente. “É um meio de convocação. A Rainha lhe perdoa por sua teimosia anterior. Ela espera que haja um momento em breve, em que você irá querer a ajuda dela. Ela está disposta a oferecer isso a você, caso você escolha pedir. Simplesmente toque esse sino, e um servo da Corte virá e lhe trará até ela.” Clary sacudiu a cabeça. “Eu não vou tocá-lo.” Kaelie deu de ombros. “Então não custa nada pegá-lo.” Como se num sonho, Clary viu a própria mão se estender, os dedos pairando sobre o sino. “Você faria qualquer coisa para salvá-lo”, disse Kaelie, a voz baixa e doce como o toque do anel, “o que quer que lhe custe, não importa o que você pudesse dever a Hellor Heaven, não faria?” Vozes recordadas soaram na cabeça de Clary. ‘Você já parou para pensar
quais mentiras podem haver na história que sua mãe lhe contou, que serviram ao propósito dela de contá-las? Você realmente acha que sabe cada um dos segredos
de seu passado?’ Madame Dorothea disse que Jace se apaixonaria pela pessoa errada. Ele não está além de salvação. Mas será difícil. O sino tiniu quando Clary o pegou, fechando a mão com ele dentro. Kaelie sorriu, os olhos azuis brilhando como contas de vidro. “Uma sábia escolha.” Clary hesitou. Mas antes que pudesse jogar o sino de volta para a garota fada, ouviu alguém chamar seu nome, e virou para ver sua mãe andando pela multidão até ela. Ela virou de volta rapidamente, mas não se surpreendeu ao ver que Kaelie havia sumido, tendo dissolvido na multidão como névoa queimando na luz do sol da manhã. “Clary”, disse Jocelyn, alcançando-a, “eu estava te procurando, e depois Luke apontou para você, parada aí sozinha. Está tudo bem?” Parada aqui sozinha. Clary imaginou que tipo de feitiço Kaelie estivera usando; sua mãe devia ser capaz de ver a maioria. “Estou bem, mãe.” “Cadê Simon? Achei que ele viria.” É claro que ela pensaria em Simon primeiro, pensou Clary, e não Jace. Mesmo que Jace devesse vir, e como namorado da Clary, ele provavelmente tinha que ter chegado cedo. “Mãe”, disse, então parou. “Você acha que algum dia vai gostar do Jace?” Os olhos verdes de Jocelyn se suavizaram. “Eu notei que ele não estava aqui, Clary. Só não sabia se você iria querer falar sobre isso.” “Quero dizer”, continuou Clary, obstinada, “você acha que exista algo que ele possa fazer para fazer você gostar dele?” “Sim”, respondeu Jocelyn. “Ele poderia fazer você feliz.” Ela tocou o rosto da Clary levemente, e Clary apertou a própria mão, sentindo o sino se pressionar contra a pele. “Ele me faz feliz”, disse Clary. “Mas não pode controlar tudo no mundo, mãe. Outras coisas acontecem—” Atrapalhou-se com as palavras. Como poderia explicar que não era Jace fazendo-a infeliz, mas o que estava acontecendo com ele, sem revelar o que era? “Você o ama tanto”, disse Jocelyn gentilmente. “Me assusta. Eu sempre quis manter você protegida.” “E olhe como isso deu certo”, Clary começou, depois acalmou a voz. Não
era hora de culpar a mãe ou brigar com ela, não agora. Não com Luke observando-as na entrada, o rosto iluminado de amor e ansiedade. “Se você pelo menos o conhecesse,” ela disse, um pouco sem esperança. “Mas acho que todas dizem isso sobre o seu namorado.” “Você tem razão”, disse Jocelyn, surpreendendo-a. “Eu não o conheço, de forma alguma. Eu o vejo, e ele me faz lembrar um pouco da mãe dele, de algum modo. Eu não sei por que — ele não parece com ela, exceto que ela também era bonita, e tinha aquela terrível vulnerabilidade que ele tem—” “Vulnerabilidade?” Clary se espantou. Nunca achara que alguém a não ser ela mesma pensasse em Jace como vulnerável. “Ah, sim”, disse Jocelyn. “Eu queria odiá-la por tirar Stephen de Amatis, mas você simplesmente não podia deixar de querer proteger Céline. Jace tem um pouco disso.” Ela pareceu perdida em pensamentos. “Ou talvez, apenas seja que coisas bonitas, são tão facilmente quebradas pelo mundo.” Ela abaixou a sua mão. “Não importa. Tenho minhas memórias para combater, mas são minhas memórias. Jace não devia suportar o peso delas. Entretanto, direi uma coisa a você. Se ele não te amasse como ama — e isso está escrito na cara dele sempre que olha para você —, eu não o toleraria por nem um minuto. Então mantenha isso em mente quando ficar zangada comigo.” Ela recusou o protesto de Clary de que não estava zangada com um sorriso e um tapinha na bochecha, e rumou de volta a Luke, com um último pedido para Clary entrar na multidão e se misturar. Clary assentiu sem dizer nada, olhando a mãe enquanto esta se afastava, e sentindo o sino queimar no interior de sua mão onde ela o apertava, como a ponta de um fósforo aceso. ●●●● A área em volta da Ironworks era na maioria armazéns e galerias de arte, o tipo de bairro que esvaziava à noite, então não demorou muito para Jordan e Simon encontrarem um lugar para estacionar. Simon pulou do caminhão, só para encontrar Jordan já na calçada, olhando para ele criticamente. Simon não botara na mala roupas legais quando saiu de casa — não tinha nada mais extravagante que uma jaqueta que pertencera ao seu pai —, então, ele
e Jordan passaram a tarde rondando a East Village, procurando um traje descente para ele usar. Finalmente encontraram um antigo terno Zegna numa loja de consignação chamada Amor Salva o Dia, que na maior parte vendia botas brilhantes e lenços Pucci dos anos sessenta. Simon suspeitou que era ali que Magnus comprava a maioria das suas roupas. “Que foi?” disse agora, conscientemente abaixando as mangas do terno. Era um pouco pequeno demais para ele, apesar de Jordan opinar que se não abotoasse, ninguém notaria. “Estou tão ruim assim?” Jordan deu de ombros. “Você não vai quebrar espelhos”, disse. “Estava só imaginando se você estava armado. Quer alguma coisa? Uma adaga, talvez?” Abriu o terno dele só um pouco, e Simon viu algo longo e metálico brilhante no revestimento interno. “Não me admira que você e Jace se gostem tanto. Os dois são arsenais andantes malucos.” Simon sacudiu a cabeça em exaustão e virou para encarar a entrada da Ironworks. Estava do outro lado da rua, um imenso toldo dourado lançando uma sombra sobre um retângulo na calçada que fora decorada com um tapete vermelho escuro com a imagem dourada de um lobo estampada. Simon não pôde deixar de sentir um pouco de graça. Encostada em uma das vigas que seguravam o toldo estava Isabelle. Ela estava com o cabelo amarrado e vestia um longo vestido vermelho, cortado no lado para mostrar a maior parte de sua perna. Laços dourados corriam por seu braço direito. Pareciam braceletes, mas Simon sabiam que eram na verdade seu chicote electrum. Estava coberta de Marcas. Ligavam seus braços, subiam pela coxa, passavam como um colar pelo seu pescoço e decoravam o peito, a maior parte do que estava visível, graças ao grande decote do vestido. Simon tentou não encarar. “Oi, Isabelle”, disse. Ao seu lado Jordan também tentava não olhar. “Hã”, disse. “Oi. Sou o Jordan.” “Nós nos conhecemos”, Isabelle disse friamente, ignorando a mão estendida dele. “Maia estava tentando cortar sua cara. Por justa causa, também.” Jordan pareceu preocupado. “Ela está aqui? Está bem?” “Está aqui”, disse Isabelle. “Não que seja de sua incumbência sentir por ela
algo como ser algo de seu interesse —” “Sinto um senso de responsabilidade”, disse Jordan. “E onde está esse seu senso? Em suas calças, talvez?” Jordan ficou indignado. Isabelle acenou uma esbelta mão decorada. “Olhe, o que você fez no passado é passado. Sei que agora é Praetor Lupus, e disse para Maia o que isso significa. Ela está querendo aceitar que você está aqui e ignorar você. Mas isso é tudo o que você irá conseguir. Não a chateie, não tente falar com ela, nem olhe para ela, ou vou te dobrar ao meio tantas vezes que você vai parecer um lobisomem origami.” Simon bufou. “Nem ria.” Isabelle apontou para ele. “Ela também não quer falar com você. Então apesar do fato de ela estar totalmente linda hoje — e se eu fosse um menino avançaria nela —, nenhum de vocês pode falar com ela. Entenderam?” Assentiram, olhando para os sapatos como se fossem alunos recebendo detenção. Isabelle se desencostou da viga. “Ótimo. Vamos entrar.”
Capítulo
15
BEATI BELLICOSI
O INTERIOR DA IRONWORKS ESTAVA PUNGENTE COM FEIXES cintilantes de luzes multicoloridas. Vários convidados já estavam sentados, mas muitos estavam andando por lá, carregando taças de champagne cheias de um pálido líquido efervescente. Garçons — os quais, também eram lobisomens, Simon notou; o evento todo parecia estar provido com membros do bando de Luke — movendo-se por entre os convidados, servindo taças de champgne. Simon recusou uma. Desde sua experiência na festa de Magnus, ele não se sentia seguro bebendo qualquer coisa que não tenha sido feita por ele mesmo, e, além disso, ele nunca sabia quais líquidos, sem ser sangue, iriam cair bem e quais o fariam doente. Maia estava encostada a um dos pilares de tijolos, conversando e rindo com outros dois lobisomens. Ela usava um cintilante vestido justo de cetim laranja que destacava sua pele escura, e seu cabelo era um halo selvagem de cachos castanho-dourado ao redor do seu rosto. Ela viu Simon e Jordan, e deliberadamente se virou. A parte de trás do seu vestido era em decote em V, que mostrava muita pele nua, inclusive a tatuagem de borboleta de um lado ao outro na parte inferior de suas costas. “Eu acho que ela não tinha isso quando eu a conheci”, Jordan disse. “Aquela tatuagem, eu quero dizer.” Simon olhou para Jordan. Ele estava arregalando os olhos para sua ex-
namorada com o tipo de cobiça óbvia, Simon suspeitou, que ia levá-lo a tomar um soco de Isabelle na cara se ele não tivesse cuidado. “Vamos”, ele disse, colocando sua mão contra as costas de Jordan e empurrando levemente. “Vamos ver onde estamos sentados.” Isabelle, que estava os observando por cima de seu ombro, sorriu um sorriso felino. “Boa ideia.” Eles fizeram seu caminho pela multidão para a área onde estavam as mesas, apenas para descobrir que a mesa deles já estava meio ocupada. Clary sentada em um dos assentos, olhos baixos em uma taça de champagne cheia de algo que mais parecia cerveja de gengibre. Perto dela estavam Alec e Magnus, ambos com terno preto que vestiam quando chegaram de Viena. Magnus parecia estar brincando com a borda franjada do seu longa cachecol branco. Alec, com seus braços cruzados em cima do peito, estava encarando furiosamente o nada. Clary, vendo Simon e Jordan, pulou para seus pés, alívio evidente em seu rosto. Ela contornou a mesa para cumprimentar Simon, e ele viu que ela estava vestindo um vestido muito simples de seda dourada e sandálias douradas baixas. Sem saltos para lhe dar altura, ela parecia muito pequena. O anel Morgenstern estava em seu pescoço, sua prata reluzindo contra a corrente que o segurava. Ela ergueu-se para abraçá-lo e murmurou, “Eu acho que o Alec e o Magnus estão brigados.” “Parece mesmo,” ele murmurou de volta. “Onde está o seu namorado?” Com isso ela desatou os braços do pescoço dele. “Ele ficou preso no Instituto.” Ela virou-se. “Hey, Kyle.” Ele sorriu um pouco embaraçado. “É Jordan, na verdade.” “É, eu andei ouvindo.” Clary gesticulou em direção as mesas. “Bem, nós devíamos nos sentar. Eu acho que logo vai haver o brinde e outras coisas. E então, esperançosamente, comida.” Eles todos sentaram. Houve um longo, estranho silêncio. “Então”, finalmente disse Magnus, correndo um longo dedo branco em volta do aro de sua taça de champanhe. “Jordan, eu ouvi dizer que você está na Praetor Lupus. Vejo que você está usando um dos medalhões deles. O que diz nele?” Jordan assentiu. Ele estava corado, seus olhos cor de avelã cintilando, sua
atenção apenas parcialmente na conversa. Ele estava seguindo Maia pelo salão com seus olhos, seus dedos cerrando e abrindo na borda da toalha de mesa. Simon duvidou que ele estivesse ciente disso. “Beati Bellicosi: Abençoados são os guerreiros.” “Boa organização”, disse Magnus. “Eu conheci o homem que a fundou, por volta de 1800. Woolsey Scott. Respeitável família antiga de lobisomens.” Alec fez um barulho feio no fundo de sua garganta. “Você dormiu com ele também?” Os olhos de gato de Magnus se arregalaram. “Alexander!” “Bem, eu não sei nada sobre o seu passado, eu sei?” Alec demandou. “Você não me conta nada; você apenas diz que isso não importa.” A face de Magnus estava sem expressão, mas havia um sombrio matiz de raiva em sua voz. “Isso significa que toda vez que eu mencionar alguém que eu tenha conhecido você vai me perguntar se eu tive um caso com ele?” A expressão de Alec era inflexível, mas Simon não pode evitar ter um lapso de simpatia; a dor detrás de seus olhos azuis era clara. “Talvez.” “Eu conheci Napoleão uma vez.” Disse Magnus. “Nós não tivemos um caso, entretanto. Ele era chocantemente pudico para um cara francês.” “Você conheceu Napoleão?” Jordan, quem parecera ter perdido a maior parte da conversa, olhou impressionado. “Então é verdade o que eles dizem sobre os bruxos?” Alec deu a ele um olhar muito desgostoso. “O que é verdade?” “Alexander”, disse Magnus friamente, e Clary encontrou os olhos de Simon por sobre a mesa. Os dela estavam arregalados, verdes e cheios de uma expressão que diz uh-oh. “Você não pode ser rude com todo mundo que fala comigo.” Alec fez um gesto amplo e taxativo. “E porque não? Eu estou te constrangendo? Eu quero dizer, talvez você estivesse esperando flertar com o garoto lobisomem aqui. Ele é bem atraente, se você gosta do tipo cabelobagunçado, ombros-largos, escultural.” “Ei, agora”, disse Jordan rapidamente. Magnus pôs suas mãos na cabeça. “Ou há um monte de garotas aqui, desde que aparentemente seu gosto vai
em ambas as vias. Existe alguma coisa a qual você não tope?” “Sereias”, disse Magnus entre seus dedos. “Elas sempre cheiram a algas marinhas.” “Isso não é engraçado”, Alec disse selvagemente, e chutando para trás sua cadeira, levantou-se da mesa e retirou-se para dentro da multidão. Magnus ainda tinha sua cabeça em suas mãos, as pontas pretas de seus cabelos saindo por entre seus dedos. “Eu apenas não vejo”, ele disse para ninguém em particular, “porque o passado tem que importar.” Para a surpresa de Simon foi Jordan quem respondeu. “O passado sempre importa”, ele disse. “É o que eles te dizem quando você se junta ao Praetor. Você não pode esquecer as coisas que você fez no passado, ou você nunca vai aprender com elas.” Magnus olhou para cima, seus olhos verde-dourados reluzindo através de seus dedos. “Quantos anos você tem?” Ele demandou. “Dezesseis?” “Dezoito”, disse Jordan, parecendo ligeiramente assustado. A idade do Alec, pensou Simon, suprimindo um sorriso interior. Ele na verdade não achava o drama de Alec e Magnus divertido, mas era difícil não sentir um certo divertimento amargo com a expressão do Jordan. Jordan era duas vezes o tamanho de Magnus — apesar de ser alto, Magnus era esbelto pelo ponto da magreza — mas Jordan estava claramente com medo dele. Simon se virou para compartilhar um olhar com Clary, mas ela estava olhando para fora em direção a porta da frente, seu rosto ficara repentinamente branco osso. Largando seu guardanapo sobre a mesa, ela murmurou, “Com licença”, e se levantou, praticamente fugindo da mesa. Magnus jogou suas mãos para cima. “Bem, se vai ser um êxodo em massa...,” ele disse, e levantou graciosamente, jogando seu cachecol em volta do seu pescoço. Ele desapareceu no meio da multidão, provavelmente procurando pelo Alec. Simon olhou para Jordan, que estava olhando para Maia de novo. Ela tinha suas costas para eles e estava conversando com Luke e Jocelyn, rindo, jogando seu cabelo cacheado para trás. “Nem mesmo pense nisso”, Simon disse, e se levantou. Ele apontou para Jordan. “Você fique aqui.” “E faço o quê?” Jordan demandou.
“O que quer que seja que um Praetor Lupus faz nessas situações. Medita. Contempla seus poderes Jedi. Seja o que for. Eu volto em cinco minutos, e é melhor você estar aqui.” Jordan recostou-se cruzando os braços sobre o peito em um claro jeito rebelde, mas Simon já havia parado de prestar atenção. Ele se virou e moveu-se para dentro da multidão seguindo Clary. Ela era uma partícula de vermelho e dourado no meio dos corpos em movimento, coroada com seu retorcer de cabelos brilhantes. Ele a alcançou em um dos pilares envoltos em luz, e colocou uma mão em seu ombro. Ela se virou com uma assustada exclamação, olhos arregalados, mãos levantadas como que para afastá-lo. Ela relaxou quando ela viu quem era. “Você me assustou!” “Obviamente”, Simon disse. “O que está acontecendo? Com o que você está tão apavorada?” “Eu...” Ela abaixou sua mão com um encolher de ombros; apesar de ter forçado uma aparência de casual desdenho, o pulso em sua garganta estava como um beija-flor. “Eu pensei que vi o Jace.” “Eu notei”, Simon disse. “Mas...” “Mas?” “Você parece realmente assustada.” Ele não tinha certeza do por que tinha dito isso exatamente, ou o que ele estava esperando que ela respondesse. Ela mordeu seu lábio, do modo como ela sempre fazia quando estava nervosa. Seu olhar por um momento estava longe dali; essa era uma expressão familiar para Simon. Uma das coisas que ele sempre amou em Clary era como ela facilmente era apanhada por sua imaginação, como ela podia facilmente enclausurar-se em mundos ilusórios de maldições e príncipes e destino e mágica. Um dia ele tinha sido capaz de fazer o mesmo, tinha sido capaz de habitar mundos imaginários ainda mais emocionantes por serem seguros — por serem fictícios. Agora que o mundo real e o imaginário se colidiam, ele se perguntava se ela, como ele, ansiava pelo passado, pelo normal. Ele se perguntava se normalidade era algo como a visão ou o silêncio, que você não percebia que era precioso até perder isso. “Ele está passando por um momento difícil”, ela disse em uma voz baixa.
“Eu estou assustada por ele.” “Eu sei,” disse Simon. “Olha, não para bisbilhotar, mas — ele descobriu o que tem de errado com ele? Alguém descobriu?” “Ele—“ Ela interrompeu. “Ele está bem. Ele está apenas passando por um momento difícil que vem do período de algumas coisas do Valentine. Você sabe.” Simon sabia. Ele também sabia que ela estava mentindo. Clary, quem dificilmente escondia alguma coisa dele. Ele deu a ela um olhar duro. “Ele está tendo sonhos ruins”, ela disse. “Ele estava preocupado que houvesse algum envolvimento demoníaco—“ “Envolvimento demoníaco?” Simon ecoou em descrença. Ele tinha conhecimento de que Jace estava tendo sonhos ruins — ele havia dito isso — mas Jace nunca mencionou demônios. “Bem, aparentemente há tipos de demônios que tentam te alcançar através de seus sonhos”, Clary disse, soando como se estivesse arrependida de ter trazido isso à tona de qualquer modo, “mas, eu tenho certeza de que não é nada. Todo mundo tem sonhos ruins de vez em quando, não tem?” Ela colocou uma mão no braço do Simon. “Eu estou apenas indo ver como ele está. Eu vou voltar.” O olhar dela já estava deslizando por ele, em direção as portas levavam ao terraço; ele ficou para trás com um aceno de cabeça e deixou-a ir, observando-a se afastar em meio à multidão. Ela parecia tão pequena — pequena do modo como era na primeira série quando ele tinha caminhado para a porta da frente da casa dela e a observado subir as escadas, minúscula e determinada, sua lancheira batendo contra seu joelho enquanto ela ia. Ele sentiu seu coração, o qual já não batia mais, contrair, e ele se questionou se havia algo mais doloroso no mundo do que não ser capaz de proteger as pessoas que você amava. “Você parece doente”, disse uma voz em seu cotovelo. Rouca, familiar. “Pensando sobre que pessoa horrível você é?” Simon se virou e viu Maia inclinada contra o pilar atrás dele. Ela tinha uma linha de pequenas luzes brilhantes branca envolvida em torno do seu pescoço, e seu rosto estava corado com champagne e calor do salão. “Ou talvez eu devesse dizer”, ela continuou, “que vampiro horrível você é. Exceto que faz isso soar que você é ruim em ser um vampiro.”
“Eu sou ruim em ser um vampiro”, disse Simon. “Mas isso não significa que eu não tenha sido ruim em ser um namorado, também.” Ela sorriu torto. “Bat disse que eu não deveria ser tão dura com você”, ela disse. “Ele diz que garotos fazem coisas estúpidas quando garotas estão envolvidas. Especialmente os geeks33 que anteriormente não tiveram muita sorte com mulheres.” “É como se ele pudesse ver dentro da minha alma.” Maia balançou a cabeça. “É difícil ficar furiosa com você”, ela disse. “Mas eu estou trabalhando nisso.” Ela se virou. “Maia”, Simon disse. Sua cabeça tinha começado a doer, ele se sentiu um pouco tonto. Se ele não falasse com ela agora, contudo, nunca falaria. “Por favor. Espere.” Ela voltou e olhou para ele, ambas as sobrancelhas erguidas questionadoramente. “Desculpe-me pelo o que eu fiz”, ele disse. “Eu sei que eu disse isso antes, mas eu realmente quis dizer isso.” Ela encolheu os ombros, sem expressão, dando nada a ele. Ele engoliu a dor em sua cabeça. “Talvez Bat esteja certo”, ele disse. “Mas eu acho que há mais do que isso. Eu quis ficar com você porque — e isso vai soar bem egoísta — você me faz sentir normal. Como a pessoa que eu era antes.” “Eu sou um lobisomem, Simon. Não exatamente normal.” “Mas você — você é”, ele disse, tropeçando um pouco nas palavras. “Você é genuína e real — uma das pessoas mais reais que eu já conheci. Você queria aparecer e jogar Halo. Você queria falar sobre quadrinhos e ir para shows e sair para dançar e apenas fazer coisas normais. E você me tratou como se eu fosse normal. Você nunca me chamou de “Daylighter” ou “vampiro” ou nada mais além de Simon.” “Essas são todas coisas de amigos”, Maia disse. Ela estava recostada contra o pilar de novo, seus olhos brilhando suavemente enquanto ela falava. “Não coisas de namorada.” Simon apenas olhou para ela. Sua dor de cabeça pulsava como um batimento cardíaco. 33
http://pt.wikipedia.org/wiki/Geek
“E então você anda por ai”, ela adicionou, “trazendo Jordan com você. O que você estava pensando?” “Isso não é justo”, Simon protestou. “Eu não tinha ideia de que ele era seu ex—“ “Eu sei. Isabelle me contou”, Maia interrompeu. “Mas, de qualquer maneira, me sinto apenas mandando você para o inferno a respeito disso.” “Ah é?” Simon levantou o olhar para Jordan, o qual estava sentado sozinho na mesa redonda revestida de drapeados, como um garoto cujo o par do baile de formatura não tinha aparecido. Simon de repente se sentiu cansado — cansado de se sentir preocupado com todo mundo, cansado de se sentir culpado pelas coisas que ele havia feito e que provavelmente faria no futuro. “Bem, Izzy te contou que Jordan se designou para mim, pois assim ele poderia ficar perto de você? Você deveria ouvir o jeito como ele pergunta sobre você. Até mesmo o modo como ele diz seu nome. Cara, o jeito como ele me atacou quando ele pensou que eu estava traindo você—“ “Você não estava me traindo. Nós não estávamos exclusivos. Trair é diferente—“ Simon sorriu conforme Maia interrompia corando. “Eu acho ótimo que você o odeie tanto que você vai me defender contra ele, não importa o quê”, ele disse. “Se passaram anos”, ela disse. “Ele nunca tentou entrar em contato comigo. Nem uma vez.” “Ele tentou”, Simon disse. “Você sabia que na noite em que ele te mordeu fora a primeira vez que ele se transformou?” Ela balançou a cabeça, seus cachos chacoalhando, seus amplos olhos âmbar muito sérios. “Não. Eu pensei que ele sabia—“ “Que ele era um lobisomem? Não. Ele sabia que ele estava perdendo o controle de alguma forma, mas quem adivinha que está se tornando um lobisomem? Após o dia em que ele te mordeu, ele foi te procurar, mas o Praetor o barrou. Eles o mantiveram longe de você. E mesmo assim ele não parou de procurar. Eu não acredito que tenha se passado um dia nesses últimos dois anos em que ele não tenha se perguntado onde você estava—“ “Porque você está defendendo ele?” Ela sussurrou.
“Porque você deveria saber”, disse Simon. “Eu fui um idiota sendo um namorado, e estou em dívida com você. Você deveria saber que ele não pretendia te abandonar. Ele apenas me pegou como designado porque o seu nome estava mencionado nas anotações do meu caso.” Os lábios dela se abriram. Enquanto ela balançava sua cabeça, as brilhantes luzes em seu colar piscaram como estrelas. “Eu apenas não sei o que eu devo fazer com isso, Simon. O que eu deveria fazer?” “Eu não sei”, Simon disse. Sua cabeça estava sentindo como se tivessem unhas sendo esmagadas nela. “Mas eu posso te dizer uma coisa. Eu sou o último cara no mundo para o qual você deveria estar pedindo conselhos sobre relacionamentos.” Ele pressionou uma mão em sua testa. “Estou indo lá fora. Pegar um ar. Jordan está naquela mesa se você quiser falar com ele.” Ele gesticulou em direção às mesas e então, se distanciou, distanciou dos seus olhos questionadores, dos olhos de todos no salão, do som de vozes e risos elevados, e tropeçou em direção as portas. ●●●● Clary empurrou abrindo as portas que conduziam para o terraço e foi saudada por uma corrente de ar frio. Ela estremeceu, desejando que tivesse seu casaco, mas pouco disposta a voltar, se quer por um momento, para voltar à mesa para buscá-lo. Ela saiu para o terraço e fechou a porta atrás dela. O terraço era uma ampla extensão de lajes, rodeado por grades de metal. Tochas34 queimavam em grandes apoios de estanho, mas elas faziam muito pouco para aquecer o ar— o que provavelmente explicava porque ninguém estava aqui além de Jace. Ele estava de pé junto a grade, olhando para o rio. Ela quis correr para cima dele, mas ela não pode evitar o hesitar. Ele estava usando um terno escuro, o paletó aberto sobre uma camisa branca, e sua cabeça estava virada para o lado, longe dela. Ela nunca tinha visto ele vestido daquela forma antes, e isso o fazia parecer mais velho e um pouco distante. O vento do rio levantou seu cabelo louro, e ela viu a pequena cicatriz atravessando o lado de sua garganta onde Simon o tinha mordido uma vez, e ela lembrou que Jace tinha 34
Tiki Torches - http://yardsurfer.com/tiki-torches-ultimate-guide/
se deixado morder, tinha arriscado sua vida, por ela. “Jace”, ela disse. Ele se virou e olhou para ela e sorriu. O sorriso era familiar e pareceu destrancar algo dentro dela, a libertando para correr através da laje para ele e jogar seus braços em volta dele. Ele a pegou e segurou fora do chão por um longo tempo, seu rosto enterrado no pescoço dela. “Você está bem”, ela disse finalmente, quando ele a abaixou. Ela esfregou ferozmente as lágrimas que tinham se derramado para fora de seus olhos. “Eu quero dizer — os Irmãos do Silêncio não teriam deixado você ir se não estivesse tudo bem — mas eu pensei que eles tinham dito que o ritual ia levar um longo tempo? Até mesmo dias?” “Não levou.” Ele colocou suas mãos em ambos os lados do seu rosto e sorriu para ela. Por trás dele a ponte Queensboro se arqueava por cima da água. “Você conhece os Irmãos do Silêncio. Eles gostam de tornar uma grande coisa em tudo que eles fazem. Mas na verdade é uma cerimônia muito simples.” Ele sorriu. “Eu me senti meio estúpido. É uma cerimônia destinada a crianças, mas eu apenas me mantive pensando que se eu terminasse isso rápido, eu ia conseguir vê-la no seu vestido de festa sexy. Isso me levou até o fim.” Os olhos dele observaram-na de cima a baixo. “E deixe-me te dizer, eu não estou desapontado. Você está maravilhosa.” “Você também está muito bonito.” Ela riu um pouco através das lágrimas. “Eu nem mesmo imaginava que você tinha um terno.” “Eu não tinha. Eu tive que comprar um.” Ele deslizou seus polegares sobre suas bochechas onde as lágrimas as tinham feito úmidas. “Clary—“ “Porque você veio aqui pra fora?” Ela perguntou. “Está congelando. Você não quer voltar pra dentro?” Ele balançou sua cabeça. “Eu queria conversar com você a sós.” “Então fala”, Clary disse em um meio sussurro. Ela tirou as mãos dele do seu rosto e as colocou em sua cintura. A necessidade dela de ser segurada contra ele era quase esmagadora. “Tem algo mais errado? Você vai ficar bem? Por favor, não esconda nada de mim. Depois de tudo que aconteceu, você deve saber que eu posso lidar com quaisquer más notícias.” Ela sabia que estava tagarelando nervosamente, mas ela não conseguia evitar. Ela sentia como se seu coração
estivesse batendo a mil quilômetros por hora. “Eu apenas quero que você fique bem”, ela disse o mais calmamente que pode. Os olhos dourados dele escureceram. ”Eu fico revisando aquela caixa. Aquela que pertenceu ao meu pai. Eu não sinto nada sobre ela. As cartas, as fotos. Eu não sei quem eram aquelas pessoas. Elas não parecem reais para mim. Valentine era real.” Clary piscou; não era isso que ela esperava que ele dissesse. “Lembre-se, eu disse que isso poderia levar tempo—“ Ele não parecia ao menos a estar ouvindo. “Se eu realmente fosse Jace Morgenstern, você ainda me amaria? Se eu fosse Sebastian, você me amaria?” Ela apertou as mãos dele. “Você nunca poderia ser aquilo.” “Se Valentim fizesse em mim o que ele fez com o Sebastian, você me amaria?” Havia uma urgência para a questão que ela não entendeu. Clary disse, “Mas então não seria você.” Ele prendeu a respiração, quase como se o que ela tinha dito o machucasse — mas como poderia? Isso era a verdade. Ele não era como Sebastian. Ele era como ele mesmo. “Eu não sei quem eu sou”, ele disse. “Eu me olho no espelho e eu vejo Stephen Herondale, mas eu ajo como um Lightwood e falo como meu pai — como Valentine. Então, vejo quem eu sou em seus olhos, e tento ser esta pessoa, porque você tem fé nesta pessoa, e penso que a fé pode ser o suficiente para me fazer o que você quer.” “Você já é o que eu quero. Você sempre foi”, disse Clary, mas ela não pode evitar sentir como se estivesse chamando dentro de um quarto vazio. Era como se Jace não pudesse ouvi-la, não importando quantas vezes ela tinha dito que ela o amava. “Eu sei que você se sente como se não soubesse quem você é, mas eu sei. Eu sei. E algum dia você irá também. E enquanto isso você não pode ficar se preocupando em sobre me perder, porque isso nunca vai acontecer.” “Há um modo...” Jace ergueu seus olhos para ela. “Me dê sua mão.” Surpresa, Clary levantou sua mão, lembrando-se da primeira vez em que ele pegara sua mão daquela forma. Ela tinha a runa agora, a runa olho-aberto, nas costas de sua mão, aquela que ele tinha procurado na época e não tinha encontrado. Sua primeira runa permanente. Ele virou a mão dela, ostentando seu
pulso, a pele vulnerável de seu antebraço. Ela tremeu. O vento vindo do rio parecia como se estivesse entrando em seus ossos. “Jace, o que você está fazendo?” “Você se lembra do que eu falei sobre casamentos de Caçadores de Sombras? Como ao invés de trocar alianças, nós nos marcamos uns aos outros com runas de amor e compromisso?” Ele olhou para ela, seus olhos largos e vulneráveis sob seus espessos cílios dourados. “Eu quero marcar você de forma que ligue nós dois, Clary. É apenas uma pequena marca, mas é permanente. Você está disposta?” Ela hesitou. Uma runa permanente, quando eles eram tão jovens — sua mãe ficaria furiosa. Mas nada mais parecia estar funcionando; nada que ela dissera o convenceu. Talvez isso pudesse. Silenciosamente, ela puxou sua estela e a deu para ele. Ele a pegou, roçando nos dedos dela quando o fez. Ela estava tremendo mais forte agora, frio em todos os lugares exceto onde ele a tocava. Ele segurou com delicadeza o braço dela contra ele e abaixou a estela, tocando-a suavemente em sua pele, movendo-a gentilmente para cima e para baixo, e então, quando ela não protestou, com mais força. Tão fria como ela estava, a queimação da estela era quase bem vinda. Ela observou enquanto as linhas escuras espiralavam para fora da ponta da estela, formando um padrão de duras linhas angulares. Seus nervos formigaram em um súbito alarme. O padrão não falava de amor e compromisso por ela; havia algo mais lá, algo mais sombrio, algo que falava de controle e submissão, de perda e escuridão. Ele estava desenhando a runa errada? Mas este era o Jace; certamente ele sabia melhor que isso. E ainda assim um entorpecimento estava começando a espalhar-se pelo seu braço do lugar onde a estela tocara — um doloroso formigamento, como nervos acordando — e ela se sentiu tonta, como se o chão estivesse se movendo embaixo dela— “Jace.” A voz dela aumentou, tinindo com ansiedade. “Jace, eu não acho que isso está certo—“ Ele soltou o seu braço. Ele segurou a estela balançando levemente em sua mão, com a mesma graça com que seguraria qualquer arma. “Eu sinto muito, Clary”, ele disse. “Eu quero estar ligado a você. Eu nunca mentiria sobre isso.”
Ela abriu sua boca para perguntar a ele sobre o que ele estava falando, mas as palavras não vieram. A escuridão estava avançando muito rápido. A última coisa que ela sentiu foram os braços do Jace em volta dela enquanto ela caia. ●●●● Após o que pareceu uma eternidade perambulando entorno do que ele considerava uma festa extremamente chata, Magnus finalmente encontrou Alec, sentado sozinho em uma mesa num canto atrás de um jorro de rosas brancas artificiais. Havia um número de taças de champagne na mesa, a maioria meiocheia, como se os foliões passantes as tivesse abandonado lá. Alec parecia meio abandonado a si mesmo. Ele tinha seu queixo em suas mãos e estava encarando mal-humorado o nada. Ele não olhou para cima, nem mesmo quando Magnus engatou um pé na cadeira oposta à dele, girando-a em sua direção, e se sentou, descansando seus braços no encosto da cadeira. “Você quer voltar para Viena?” Ele disse. Alec não respondeu, apenas encarou o nada. “Ou nós podemos ir a qualquer outro lugar”, disse Magnus. “Qualquer lugar que você queira. Tailândia, Carolina do Sul, Brasil, Peru — Oh, espere, não, eu fui banido do Peru. Eu tinha me esquecido. É uma longa história, mas divertida se você a quiser ouvir.” A expressão de Alec dizia que ele não queria muito ouvir a história. Incisivamente ele se virou e olhou por cima da sala, como se o quarteto de cordas composto por lobisomens o fascinassem. Desde que Alec o estava ignorando, Magnus decidiu se distrair mudando a cor do champagne das taças na mesa. Ele fez uma azul, a próxima rosa e estava trabalhando em uma verde quando Alec o alcançou através da mesa e o golpeou no seu pulso. “Pare com isso”, ele disse. “As pessoas estão olhando.” Magnus olhou para seus dedos, os quais estavam soltando faíscas azuis. Talvez isso fosse um pouco óbvio. Ele dobrou seus dedos para baixo. “Bem”, ele disse. “Eu tenho que fazer alguma coisa para me impedir de morrer de tédio, desde que você não está falando comigo.”
“Eu não estou”, disse Alec. “Não estou falando com você, eu quero dizer.” “Oh?” disse Magnus. “Eu apenas perguntei se você queria ir para Viena, ou Tailândia, ou a lua, e não me recordo de você dizendo algo em resposta.” “Eu não sei o que eu quero.” Alec, sua cabeça inclinada, estava brincando com um garfo de plástico abandonado. Embora seus olhos estivessem desafiadoramente abatidos, sua cor azul clara era visível até mesmo através das suas pálpebras abaixadas, as quais eram pálidas e finas como pergaminhos. Magnus sempre achou os humanos mais bonitos do que quaisquer outras criaturas vivas na Terra, e tinha frequentemente se perguntado o porquê. Apenas alguns poucos anos antes da decomposição, Camille tinha dito. Mas era a mortalidade que fazia deles o que eles eram, a chama que resplandecia mais brilhante devido a seu oscilar. A morte é a mãe da beleza, como o poeta disse. Ele se perguntou se o Anjo já havia considerado fazer seus servos humanos, os Nephilins, imortais. Mas não, por toda sua força, eles caíam como os humanos, sempre tinham caído em batalha no decorrer de todas as eras do mundo. “Você tem aquele olhar de novo”, Alec disse irritadiço, olhando para cima através de seus cílios. “Como se você estivesse visualizando algo que eu não consigo ver. Você está pensando na Camille?” “Não realmente”, Magnus disse. “Quanto da conversa que eu tive com ela você ouviu ocasionalmente?” “A maior parte dela.” Alec cutucou a toalha de mesa com seu garfo. “Eu esta ouvindo na porta. O suficiente.” “De modo nenhum o suficiente, eu penso.” Magnus olhou para o garfo, e ele deslizou para fora do alcance de Alec e sobre a mesa em direção a ele. Ele bateu com sua mão sobre ele e disse, “Chega de inquietação. O que foi que eu disse para Camille que te incomodou tanto?” Alec ergueu seus olhos azuis. “Quem é Will?” Magnus exalou um tipo de risada. “Will. Santo Deus. Aquilo foi a muito tempo atrás. Will era um Caçador de Sombras, como você. E sim, ele parecia com você, mas você não é nada como ele. Jace é muito mais como Will era, na personalidade pelo menos — e meu relacionamento com você não é nada como o que eu tive com o Will. É isso o que está incomodando você?” “Eu não gosto de pensar que você apenas está comigo porque eu pareço
com algum cara morto de quem você gostou.” “Eu nunca disse isso. Camille deixou subentendido isso. Ela é uma mestra da implicação e manipulação. Ela sempre foi.” “Você não disse para ela que ela estava errada.” “Se você deixar Camille, ela atacará você por todos os lados. Defenda um lado, e ela vai atacar outro. O único modo de lidar com ela é fingir que ela não atingiu você.” “Ela disse que garotos bonitos eram sua ruína”, Alec disse. “O que faz isso soar como se eu fosse apenas mais um em uma longa linha de brinquedos para você. Um morre ou vai embora, você pega outro. Eu não sou nada. Eu sou — trivial.” “Alexander—“ “O que”, Alec continuou, encarando a mesa novamente, “é especialmente injusto, porque você é qualquer coisa, exceto trivial para mim. Eu mudei minha vida inteira por você. Mas nada nunca muda para você, muda? Eu acho que é isso o que significa viver para sempre. Nada nunca tem que importar tanto assim.” “Eu estou te dizendo que você importa—“ “O Livro Branco”, Alec disse, de repente. “Porque você o queria tanto?” Magnus olhou para ele intrigado. “Você sabe o porquê. É um livro de feitiços muito poderoso.” “Mas você queria ele para algo especifico, não queria? Um feitiço que estava nele?” Alec tomou uma respiração irregular. “Você não tem que responder; eu posso dizer pela cara que você fez. Era — era um feitiço para me fazer imortal?” Magnus sentiu-se abalado em seu âmago. “Alec”, ele sussurrou. “Não. Não, eu — eu não faria isso.” Alec o encarou com seu penetrante olhar azul. “Porque não? Porque, por todos esses anos, de todos os relacionamentos que você teve, você nunca tentou fazer nenhum deles imortal como você? Se você pudesse me ter com você para sempre, você não gostaria de ter?” “É claro que eu gostaria!” Magnus, percebendo que ele estava quase gritando, abaixou sua voz com um esforço. “Mas você não entende. Não se
ganha nada de graça. O preço de se viver para sempre—“ “Magnus.” Era Isabelle, se apressando na direção deles, seu telefone em sua mão. “Magnus, eu preciso falar com você.” “Isabelle.” Normalmente Magnus gostava da irmã do Alec. Não tanto no momento. “Adorável, maravilhosa Isabelle. Você poderia, por favor, ir embora. Agora é realmente uma péssima hora.” Isabelle olhou de Magnus para seu irmão, e de volta para Magnus. “Então, você não quer que eu te diga que Camille fugiu do Santuário e minha mãe está pedindo para você voltar para o Instituto agora para ajudá-los a encontrá-la?” “Não”, Magnus disse. “Eu não quero que você me diga isso.” “Bem, isso é muito ruim”, Isabelle disse. “Porque é verdade. Quer dizer, eu acho que você não tem que ir, mas—“ O resto da frase pairou no ar, mas Magnus sabia o que ela não estava dizendo. Se ele não fosse, a Clave poderia suspeitar que ele tivesse algo haver com a fuga da Camille, e isso era a última coisa que ele precisava. Maryse ficaria furiosa, complicando seu relacionamento com Alec ainda mais. E ainda— “Ela escapou?” Alec disse. “Nunca ninguém escapou do Santuário.” “Bem”, Isabelle disse, “agora, alguém conseguiu.” Alec esgueirou-se mais para baixo em seu assento. “Vai”, ele disse. “É uma emergência. Apenas vá. Nós podemos conversar mais tarde.” “Magnus...” Isabelle soou meio apologética, mas não havia confusão na urgência de sua voz. “Ótimo.” Magnus se levantou. “Mas”, ele adicionou, parando próximo a cadeira do Alec e se inclinado para perto dele, “você não é trivial.” Alec corou. “Se você diz”, ele disse. “Eu digo”, disse Magnus, e se virou para seguir Isabelle para fora do salão. Do lado de fora na rua deserta, Simon inclinou-se contra o muro do Ironworks, contra o tijolo coberto de hera, e olhou para o céu. As luzes da ponte desbotavam as estrelas então não havia nada para se ver exceto uma camada de escuridão aveludada. Ele desejou com uma ferocidade súbita que ele pudesse respirar no ar gelado para limpar sua cabeça, que ele pudesse senti-lo em seu rosto, em sua pele. Tudo que ele estava usando era uma fina camisa, e isso não
fazia diferença. Ele não podia tremer, e mesmo a lembrança de como isso parecia estava indo embora dele, pouco a pouco, todo dia, deslizando para fora como lembranças de outra vida. “Simon?” Ele congelou onde estava. Aquela voz, baixa e familiar, vagando como uma linha no ar frio. Sorria. Essa foi a última coisa que ela tinha dito para ele. Mas não podia ser. Ela estava morta. “Não vai olhar para mim, Simon?” Sua voz estava baixa como sempre, apenas um sopro. “Eu estou bem aqui.” Pavor arranhou seu caminho em sua espinha. Ele abriu seus olhos e virou sua cabeça lentamente. Maurren estava de pé no círculo de luz moldado por uma lâmpada da rua na esquina da Vernon Boulevard. Ela vestia um longo vestido branco virginal. Seu cabelo estava penteado reto por sobre seus ombros, brilhando amarelo na luz da lâmpada. Ainda havia um pouco de sujeira de túmulo preso nele. Havia pequenos chinelos brancos em seus pés. Seu rosto estava branco morto, círculos de ruge pintados em suas bochechas, e sua boca colorida com um rosa escuro como se tivesse sido desenhado com um marcador de texto. Os joelhos de Simon cederam. Ele deslizou pela parede em que tinha encostado até estar sentado no chão, seus joelhos dobraram. Sua cabeça parecia que ia explodir. Maureen deu uma pequena risada de menina e saiu de debaixo da luz da lâmpada. Ela se moveu em direção a ele e olhou para baixo; seu rosto tinha um olhar de satisfação divertida. “Eu imaginei que você ficaria surpreso”, ela disse. “Você é um vampiro”, Simon disse. “Mas — como? Eu não fiz isso com você. Eu sei que eu não fiz.” Maureen balançou sua cabeça. “Não foi você. Mas foi por sua causa. Eles pensaram que eu era sua namorada, você sabe. Eles me tiraram do meu quarto de noite, e me mantiveram em uma jaula por todo o dia seguinte. Eles me disseram para não me preocupar porque você viria por mim. Mas você não foi. Você nunca veio.” “Eu não sabia.” A voz de Simon rachou. “Eu teria ido se eu soubesse.”
Maurren arremessou seu cabelo loiro para trás de seus ombros em um gesto que, de repente e dolorosamente, lembrou Simon de Camille. “Isso não importa,” ela disse em uma pequena voz de menina. “Quando o sol se pôs, eles me disseram que eu poderia morrer ou poderia viver desse jeito. Como vampiro.” “Então você escolheu isso?” “Eu não queria morrer”, ela ofegou. “E agora eu vou ser bonita e jovem para sempre. Eu posso ficar fora a noite toda, e eu nunca preciso ir para casa. E ela toma conta de mim.” “De quem você está falando? Quem é ela? Você quer dizer Camille? Olha, Maurren, ela é louca. Você não deveria ouvi-la.” Simon cambaleou para seus pés. “Eu posso te ajudar. Achar um lugar para você ficar. Te ensinar como ser um vampiro—“ “Oh, Simon.” Ela sorriu, e seus pequenos dentes brancos apareceram em uma pequena linha precisa. “Eu não acho que você saiba como ser um vampiro tampouco. Você não queria me morder, mas você o fez. Eu lembro. Seus olhos ficaram totalmente negros como olhos de tubarão, e você me mordeu.” “Eu sinto muito. Se você me deixar ajudá-la—“ “Você poderia vir comigo,” ela disse. “Isso poderia me ajudar.” “Ir com você aonde?” Maurren olhou a rua vazia de cima a baixo. Ela se parecia com um fantasma em seu fino vestido branco. O vento o soprou ao redor de seu corpo, mas ela claramente não sentiu o frio. “Você foi escolhido”, ela disse. “Porque você é um Daylighter. Aqueles que fizeram isso comigo querem você. Mas eles sabem que você carrega a Marca agora. Eles não podem chegar a você, a menos que você decida ir até eles. Então eles me mandaram como uma mensageira.” Ela inclinou sua cabeça para o lado como a de um pássaro. “Eu posso ser alguém que não importa para você”, ela disse, “mas da próxima vez será. Eles vão continuar indo atrás das pessoas que você ama até que não reste nenhuma, portanto, você poderia vir comigo e descobrir o que eles querem.” “Você sabe?” Simon perguntou. “Você sabe o que eles querem?” Ela balançou sua cabeça. Ela estava tão pálida embaixo da difusa luz da lâmpada que ela parecia quase transparente, como se Simon pudesse ter olhado direto através dela. Do modo, ele supôs, como ele sempre tinha feito.
“Isso importa?” Ela disse, e estendeu sua mão. “Não”, ele disse. “Não, eu acho que não importa.” E ele pegou sua mão.
Capítulo
16
NOVA YORK: CIDADE DOS ANJOS
“CHEGAMOS”, DISSE MAUREEN A SIMON. Ela parou no meio da calçada e olhava para um grande prédio de vidro e pedra que se erguia diante deles. Foi claramente projetado para parecer um dos complexos de apartamentos de luxo que foram construídos no Upper East Side, em Manhattan, antes da Segunda Guerra Mundial, mas os toques da modernidade estragavam tudo — as grandes janelas, o telhado cor de cobre intocado por acetatos de cobre, os estandartes pendurados na frente do edifício, prometendo APARTAMENTOS DE LUXO A PARTIR DE $750,000. Aparentemente, a compra de um iria lhe garantir o uso de um jardim no terraço, uma academia, uma piscina aquecida e um serviço de portaria vinte e quatro horas, começando em dezembro. No momento, o lugar ainda estava em construção, e as placas de PROIBIDA A ENTRADA: PROPRIETADE PRIVADA estavam presas nos andaimes que cercavam o prédio. Simon olhou para Maureen. Ela parecia estar se acostumando rapidamente a ser vampira. Eles haviam corrido pela Queensboro Bridge e passado pela Segunda Avenida para chegar ali, e seus chinelos estavam em farrapos. Mas ela não diminuiu a velocidade, e não pareceu surpresa em não se cansar. Ela olhava para o prédio agora com uma expressão beatificada, seu pequeno rosto brilhando com o que Simon só podia supor que era por expectativa.
“Esse lugar está fechado”, disse ele, sabendo que aquilo era óbvio. “Maureen— ” “Silêncio.” Ela estendeu uma pequena mão e puxou um cartaz preso num canto do andaime. Ele se soltou com um estrondo de placas de gesso e pregos sendo arrancados. Alguns caíram ao chão, aos pés de Simon. Maureen jogou a placa de gesso quadrada para o lado e sorriu para o buraco que fizera. Um velho que estava passando, andando com um pequeno poodle vestido de xadrez numa correia, parou e observou. “Você devia arrumar um casaco para sua irmãzinha”, ele disse a Simon. “Magrela como está, ela vai congelar nesse frio.” Antes que Simon pudesse responder, Maureen virou-se para o homem com um sorriso feroz, mostrando todos os dentes, incluindo as presas afiadas. “Eu não sou irmã dele”, sibilou. O homem empalideceu, pegou o cachorro nos braços e saiu correndo. Simon sacudiu a cabeça para Maureen. “Você não precisava fazer isso.” As presas dela perfuraram o lábio inferior, algo que acontecia frequentemente com Simon antes de se acostumar com elas. Finas gotas de sangue desceram pelo seu queixo. “Não me diga o que fazer”, ela disse impertinente, mas as presas se recolheram. Ela limpou o queixo com o dorso da mão, um gesto de criança, lambuzando o sangue. Então, ela virou para o buraco que fez. “Vamos.” Ela passou agachada, e ele seguiu atrás. Eles atravessaram uma área onde a equipe de construção claramente depositava o lixo. Havia ferramentas quebradas por toda a parte, tijolos quebrados, sacolas plásticas velhas e latas de Coca-Cola sujando o chão. Maureen levantou a saia e abriu caminho graciosamente pelos destroços, um olhar de desgosto no rosto. Ela pulou por uma estreita vala e subiu uma fileira de degraus rachados de pedra. Simon a seguiu. Os degraus levavam para um conjunto de portas de vidro abertas. Atrás das portas, podia-se ver um saguão de mármore adornado. Um pesado candelabro apagado pendia do teto, apesar de não haver nenhuma luz para iluminar seus cristais suspensos. Seria muito escuro na sala para um humano enxergar. Havia uma mesa de mármore para o porteiro se sentar, uma espreguiçadeira verde debaixo de um espelho de bordas douradas, e elevadores em cada lado da sala. Maureen apertou o botão do elevador e, para a surpresa de Simon, este se acendeu.
“Aonde vamos?” Ele perguntou. Quando o elevador chegou, Maureen entrou, Simon logo atrás dela. O elevador tinha um interior dourado e vermelho, com espelhos de vidro fosco em cada parede. “Subir.” Ela apertou o botão do terraço e riu. “Até o Céu”, disse, e as portas se fecharam. ●●●● “Não consigo achar o Simon.” Isabelle, encostada num pilar na Ironworks e tentando não se preocupar, olhou para Jordan à sua frente. Ele era mesmo exageradamente alto, pensou ela. Devia ter pelo menos um metro e oitenta. Achou-o bastante atraente na primeira vez que o viu, com o cabelo escuro desarrumado e olhos esverdeados, mas agora que sabia que era o ex de Maia, ela o passou firmemente para o espaço mental que reservava para garotos fora de alcance. “Bem, eu não o vi”, disse ela. “Achei que você devia ser o protetor dele.” “Ele me disse que voltaria logo. Isso foi a quarenta minutos atrás. Pensei que ele fosse ao banheiro.” “Que tipo de guardião é você? Não devia ter ido ao banheiro com ele?” Exigiu Isabelle. Jordan ficou aterrorizado. “Homens”, disse, “não seguem outros homens para ir ao banheiro.” Isabelle suspirou. “O pânico homossexual latente irá segui-lo o tempo todo”, falou ela. “Tudo bem. Vamos procurar por ele.” Rodearam a festa, entrando e saindo na multidão de convidados. Alec estava sozinho numa mesa, zangado, brincando com um copo vazio de champanhe. “Não, eu não o vi”, ele disse em resposta à pergunta deles. “Apesar de admitir que não estava o procurando.” “Bem, então agora pode procurar conosco”, disse Isabelle. “Vai lhe dar algo mais a fazer além de se sentir miserável.” Alec deu de ombros e se juntou a eles. Eles decidiram se separar e rondar a festa. Alec subiu para procurar nas passarelas e no segundo piso. Jordan saiu para ver o terraço e a entrada. Isabelle ficou com a área da festa. Ela estava se
perguntando se olhar debaixo das mesas seria mesmo ridículo, quando Maia se aproximou por trás dela. “Está tudo bem?” Ela inquiriu. Ela olhou na direção de Alec, e depois na direção que Jordan havia tomado. “Eu reconheço uma formação de busca quando vejo uma. O que vocês estão procurando? Há algum problema?” Isabelle lhe colocou a par da situação de Simon. “Eu falei com ele por volta de meia hora atrás.” “Jordan também, mas ele sumiu agora. E já que tem gente tentando matá-lo ultimamente...” Maia abaixou o copo na mesa. “Vou ajudar vocês a procurar.” “Você não precisa. Eu sei que não está se sentindo superamigável com Simon agora—” “Isso não significa que eu não queira ajudar se ele estiver em apuros”, disse Maia, como se Isabelle estivesse sendo ridícula. “Jordan não devia estar observando ele?” Isabelle levantou as mãos. “Sim, mas aparentemente homens não seguem outros homens para ir ao banheiro, ou algo assim. Ele não estava fazendo muito sentido.” “Garotos nunca fazem”, disse Maia, seguindo-a. Elas entraram e saíram da multidão, mesmo Isabelle já tendo certeza que não iriam encontrá-lo. Ela sentia um pequeno ponto frio no meio do estômago que só aumentava e esfriava mais. Quando todos haviam voltado à mesa de onde haviam saído, ela parecia ter tomado um copo de água gelada. “Ele não está aqui”, ela disse. Jordan praguejou, depois olhou de forma culpada para Maia. “Desculpe-me.” “Já ouvi piores”, disse ela. “E agora, qual é o próximo passo? Alguém tentou ligar para ele?” “Cai direto na caixa postal”, respondeu Jordan. “Alguma ideia para onde ele poderia ter ido?” Perguntou Alec. “Na melhor das hipóteses, voltou ao apartamento”, disse Jordan. “Na pior, aquelas pessoas que estiveram atrás dele finalmente o pegaram.” “Pessoas que o quê?” Alec ficou confuso; enquanto Isabelle tinha contado para Maia a história de Simon, ainda não tivera a chance de contar para o irmão.
“Vou voltar ao apartamento para procurar por ele”, falou Jordan. “Se estiver lá, perfeito. Se não, mesmo assim é onde eu devia começar. Eles sabem onde ele vive; estiveram nos mandando mensagens lá. Talvez haja uma mensagem.” Ele não parecia acreditar muito no que dizia. Isabelle tomou uma decisão numa fração de segundo. “Eu vou com você.” “Você não precisa—” “Preciso sim. Eu falei para Simon que ele devia vir aqui hoje à noite; eu sou a responsável. Além disso, essa festa não está me animando muito mesmo.” “É”, disse Alec, aliviado com a ideia de sair dali. “Eu também. Talvez todos nós deveríamos ir. Contamos para Clary?” Isabelle sacudiu a cabeça. “É a festa da mãe dela. Não seria justo. Vamos ver o que podemos fazer só nós três.” “Nós três?” Perguntou Maia, um tom de irritação delicada assombrando sua voz. “Você quer vir com a gente, Maia?” Era Jordan. Isabelle congelou; não tinha certeza de como Maia reagiria ao ter o ex-namorado falando com ela diretamente. A boca da garota se apertou um pouquinho, e só por um momento ela olhou para Jordan — não como se o odiasse, mas pensativa. “É o Simon”, disse finalmente, como se isso decidisse tudo. “Vou pegar meu casaco.” ●●●● As portas do elevador se abriram num turbilhão de escuridão e sombras. Maureen deu outra risada aguda e dançou para a escuridão, deixando Simon para segui-la com um suspiro. Eles estavam numa grande sala de mármore sem janelas. Não havia pontos de luz, mas a parede da esquerda do elevador estava ajustada com um conjunto grande de portas duplas de vidro. Atrás delas, Simon podia ver a superfície lisa no telhado, e acima o negro céu noturno pontilhado com estrelas fracamente brilhantes. O vento soprava muito forte novamente. Ele seguiu Maureen pelas portas e saiu no ar frio soprando, o vestido dela tremulando como uma mariposa batendo
as asas numa ventania. O jardim do terraço era elegante como as placas prometiam. O chão era formado de lustrosos azulejos hexagonais de pedra; havia várias flores floresciam sob vidro e cercas vivas topiárias cuidadosamente cortadas nas formas de monstros e animais. O passadiço que eles seguiram era alinhado com minúsculas luzes brilhantes, em volta deles erguiam-se altos prédios de apartamentos de vidro e aço, suas janelas brilhando com eletricidade. O caminho terminava em um vão para uma fileira suspensa de degraus ladrilhados, sobre o qual era um imenso quadrado limitado em três lados pelo alto muro que rodeava o jardim. Claramente era uma área aonde os eventuais residentes do prédio iriam se socializar. Havia um grande bloco de concreto no centro do quadrado, que provavelmente algum dia teria uma grelha, pensou Simon, e a área era cercada por roseiras meticulosamente aparadas que floresceriam em junho, assim como as treliças adornando os muros um dia iriam sumir sob uma cobertura de folhas. Mais tarde seria um belo espaço, um jardim de luxo do Upper East Side onde você podia relaxar numa espreguiçadeira, com o rio East resplandecendo no pôr do sol, e a cidade se estendia diante de você, um mosaico de luz tremeluzente. Havia um porém. O chão ladrilhado fora deformado, salpicado com algum tipo de fluido negro e grudento que havia sido usado para desenhar um círculo irregular, dentro de um círculo maior ainda. O espaço entre os dois círculos era preenchido de runas rabiscadas. Mesmo Simon não sendo um Caçador de Sombras, já vira runas Nephilim suficientes para reconhecer quais vinham do Livro Branco. Essas não vieram. Pareciam ameaçadoras e erradas, como uma maldição rabiscada numa língua estranha. No centro do círculo estava o bloco de concreto. No topo dele um volumoso objeto retangular repousava, coberto com um tecido escuro. A sua forma lembrava um caixão. Mais runas estavam riscadas na base do bloco. Se o sangue de Simon pudesse mudar de temperatura, teria ficado frio. Maureen bateu palmas uma vez. “Oh”, disse na sua voz élfica. “É lindo.” “Lindo?” Simon olhou rapidamente para a forma sobre o bloco de concreto. “Maureen, que inferno—”
“Então você o trouxe.” Foi uma voz de mulher que falou, refinada, forte, e — familiar. Simon se virou. Parada na passagem atrás dele estava uma mulher alta com cabelo escuro curto. Era bem magra, vestindo um comprido casaco escuro, acinturada como uma mulher fatal de um filme de espionagem dos anos quarenta. “Maureen, obrigada”, ela continuou. Ela tinha um rosto rígido e lindo, precisamente plano, com a maçã do rosto saliente e grandes olhos escuros. “Você fez seu trabalho muito bem. Pode ir agora.” Virou o olhar para Simon. “Simon Lewis”, ela disse ela. “Obrigada por vir.” No momento em que ela disse o nome dele, ele a reconheceu. Da última vez que a vira, ela estivera na chuva do lado de fora do Alto Bar. “Você. Lembro-me de você. Me deu o seu cartão. A promotora musical. Nossa, você deve mesmo querer promover minha banda. Nem achava que éramos tão bons assim.” “Não seja sarcástico”, a mulher disse. “Não há sentido nisso.” Ela olhou para o lado. “Maureen. Você pode ir.” Sua voz fora firme dessa vez, e Maureen, que estivera pairando como um fantasma, chiou baixinho e correu para o caminho de onde eles haviam chegado. Ele a observou desaparecer nas portas que levavam aos elevadores, sentindo quase pena ao vê-la partir. Maureen não era muita companhia, mas sem ela, ele se sentia muito sozinho. Quem quer que a estranha mulher fosse, essa desprendia uma aura de poder obscuro que ele estivera muito drogado de sangue para perceber antes. “Você foi difícil para mim, Simon”, disse ela, e agora sua voz vinha de outra direção, há vários metros de distância. Simon girou, e viu que ela estava ao lado do bloco de concreto, no centro do círculo. As nuvens sopravam rapidamente sobre a lua, lançando sombras móveis no rosto dela. Devido estar na base da escada, ele teve que inclinar a cabeça para trás para olhá-la. “Achei que pegá-lo seria fácil. Cuidar de um simples vampiro. Um recentemente criado. Nem um Daylighter é algo que eu não tenha encontrado antes, mesmo não havendo um por cem anos. Sim”, acrescentou, com um sorriso ao olhar dele, “eu sou mais velha do que pareço.” “Você parece bem velha.” Ela ignorou o insulto. “Enviei minhas melhores pessoas atrás de você, e só um retornou, com uma história ridícula sobre fogo sagrado e a ira de Deus. Ele ficou inútil para mim depois disso. Tive que eliminá-lo. Foi muito aborrecedor. Depois disso, decidi que devia cuidar de você, eu mesma. Te segui àquele
estúpido show musical, e mais tarde, quando fui até você, eu a vi. Sua Marca. Como alguém que conhecia Caim pessoalmente, sou intimamente familiar com sua forma.” “Conhecia Caim pessoalmente?” Simon sacudiu a cabeça. “Você não pode esperar que eu acredite nisso.” “Acredite ou não”, disse ela. “Não faz diferença para mim. Sou mais velha que os sonhos de sua espécie, garotinho. Andei pelas trilhas do Jardim do Éden. Conheci Adão antes mesmo de Eva. Fui sua primeira esposa, mas não fui obediente a ele, então Deus me excluiu e fez para Adão uma nova esposa, uma modulada ao corpo dele que podia ser para sempre útil.” Ela sorriu fracamente. “Tenho muitos nomes. Mas você pode me chamar de Lilith, a primeira de todos os demônios.” Com isso, Simon, que não sentia arrepios há meses, finalmente tremeu. Ele já ouvira antes o nome Lilith. Não podia se lembrar de exatamente onde, mas sabia que era um nome associado à escuridão, com coisas malignas e terríveis. “Sua Marca me presenteou com um enigma”, disse Lilith. “Eu preciso de você, entende, Daylighter. Sua força de vida — seu sangue. Mas não poderia forçá-lo ou machucá-lo.” “Você — bebe sangue?”, perguntou Simon. Sentiu-se ofuscado, como se estivesse preso num estranho sonho. Certamente isso não podia estar acontecendo. Ela riu. “Sangue não é o alimento dos demônios, criança boba. O que eu quero de você não é para mim.” Estendeu uma mão fina. “Aproxime-se.” Simon sacudiu a cabeça. “Eu não vou entrar nesse círculo.” Ela deu de ombros. “Tudo bem, então. Só queria que você tivesse uma visão melhor.” Ela movimentou os dedos levemente, quase negligente, o gesto de alguém abrindo uma cortina. O tecido negro cobrindo o objeto em forma de caixão entre eles desapareceu. Simon fitou o que havia sido revelado. Não errara sobre a forma de caixão. Era uma grande caixa de vidro, longa e extensa o suficiente para uma pessoa se deitar dentro. Um caixão de vidro, pensou, como o da Branca de Neve. Só que esse não era nenhum conto de fadas. O caixão estava cheio de um líquido sombrio, e flutuando naquele líquido — nu da cintura para cima, o cabelo loiro-
esbranquiçado flutuando sobre a cabeça como algas marinhas brancas — estava Sebastian. ●●●● Não havia mensagens presas na porta do apartamento de Jordan, nada sobre ou debaixo do tapete de boas-vindas, e também nada imediatamente óbvio dentro do apartamento. Enquanto Alec ficava de guarda lá embaixo e Maia e Jordan revistavam a mochila de Simon na sala de estar, Isabelle, parada na porta do quarto de Simon, olhou em silêncio para o lugar em que ele dormira nos últimos dias. Era tão vazio — só quatro paredes, sem nenhuma decoração, um chão vazio só com um colchão futon e um cobertor branco dobrado no pé, e uma única janela que dava para a Avenida B. Ela podia ouvir a cidade — a cidade em que crescera, cujos barulhos sempre lhe cercaram, desde que era um bebê. Ela achava a quietude de Idris terrivelmente anormal sem os barulhos dos alarmes de carro, pessoas gritando, sirenes de ambulância e música tocando que nunca, em Nova York, parava direito, nem na calada da noite. Mas agora, olhando aqui o pequeno quarto de Simon, pensou sobre como aqueles barulhos eram solitários, como eram distantes, e se ele estivera sozinho aqui à noite, deitado aqui olhando para o teto, solitário. Por outro lado, não era como se ela nunca tivesse visto o seu quarto na casa dele, que provavelmente era cobertor de pôsteres de bandas, troféus esportivos, caixas daqueles jogos que adorava jogar, instrumentos musicais, livros — tudo que vinha junto com ter uma vida normal. Ela nunca pediu para ir lá, e ele nunca sugeriu isso. Ela tivera vergonha de conhecer a mãe dele, de fazer qualquer coisa que podia indicar uma relação maior do que estava querendo ter. Mas agora, olhando para essa concha vazia que era chamada de quarto, sentindo o vasto alvoroço sombrio da cidade em todo o seu redor, sentiu uma pontada de medo por Simon — misturada com uma igual pontada de lamento. Virou-se de novo para o resto do apartamento, mas parou quando ouviu baixos murmúrios vindo da sala de estar. Reconheceu a voz de Maia. Não parecia
zangada, o que era de se surpreender na verdade, considerando o quanto parecia odiar Jordan. “Nada”, ela estava dizendo. “Algumas chaves, papéis com pontos de jogo escritos neles.” Isabelle se inclinou na porta. Podia ver Maia, de pé em um lado do balcão na cozinha, a mão no bolso do zíper da mochila de Simon. Jordan, no outro lado do balcão, lhe observava. Observando-a, Isabelle pensou, não o que ela estava fazendo — da forma que garotos te observavam quando estavam tão na sua que se fascinavam com cada movimento seu. “Vou ver se tem algo na carteira.” Jordan, que havia trocado sua roupa formal para jeans e uma jaqueta de couro, franziu a testa. “Estranho ele ter deixado isso. Posso ver?” Estendeu a mão na direção do outro lado do balcão. Maia recuou tão rápido que deixou cair a carteira, a mão voando para cima. “Eu não estava...” Jordan lentamente recolheu sua mão. “Desculpe-me.” Maia respirou fundo. “Olhe”, ela disse, “eu falei com Simon. Sei que você nunca quis me Transformar. Sei que você não sabia sobre o que estava acontecendo contigo. Lembro-me de como foi. Lembro-me de estar aterrorizada.” Jordan abaixou as mãos lenta e cuidadosamente na superfície do balcão. Era estranho, pensou Isabelle, observar alguém tão alto se fazer parecer inofensivo e pequeno. “Eu devia estar lá por você.” “Mas o Praetor não deixaria você estar”, disse Maia. “E vamos admitir, você não sabia nada sobre ser um lobisomem; seríamos duas pessoas descuidadas andando em círculos. Talvez tenha sido melhor você não estar lá. Me fez fugir para onde consegui ajuda. Do Bando.” “Primeiro eu esperei que o Praetor Lupus te convidasse a entrar”, sussurrou. “Para que eu pudesse vê-la novamente. Então eu percebi que isso era egoísta e eu devia estar desejando não ter passado a enfermidade a você. Sabia que era meio a meio. Achei que você seria uma das sortudas.” “Bem, não fui”, falou ela com praticidade. “E ao longo dos anos formei você na minha mente, como, meio que, um monstro. Eu achei que soubesse o que estava fazendo quando fez isso para mim. Achei que era vingança por eu beijar aquele
garoto. Então te odiei. E te odiar deixou tudo mais fácil. Ter alguém para culpar.” “Você devia me culpar”, disse ele. “Foi minha culpa.” Ela correu o dedo pela superfície do balcão, evitando os olhos dele. “Eu te culpo. Mas... não do jeito que fazia antes.” Jordan estendeu uma mão e pegou o próprio cabelo com os punhos, puxando forte. “Não há um dia que passe que eu não pense sobre o que fiz a você. Eu te mordi. Te Transformei. Te fiz o que é. Levantei minha mão contra você. Feri você. A única pessoa que amei mais que qualquer outra no mundo.” Os olhos de Maia brilhavam com lágrimas. “Não fale isso. Isso não ajuda. Você acha que ajuda?” Isabelle deu uma tossida alta, entrando na sala de estar. “Muito bem. Encontraram alguma coisa?” Maia desviou o olhar, piscando rapidamente. Jordan, abaixando as mãos, disse, “Nada. Íamos olhar agora a carteira dele.” Ele a pegou de onde Maia havia deixado cair. “Aqui.” Ele jogou para Isabelle. Ela pegou e a abriu. Passe escolar, carteira de identidade do estado de Nova York, uma palheta de guitarra enfiada no espaço reservado a guardar cartões de crédito. Uma nota de dez dólares e um recibo de dados. Outra coisa lhe chamou a atenção — um cartão de trabalho, metido sem cuidado atrás de uma foto de Simon e Clary, o tipo de foto que você devia ter tirado numa cabine de fotos barata de uma farmácia. Os dois sorriam. Isabelle pegou o cartão e analisou-o. Tinha um desenho embaraçado e quase abstrato de uma guitarra flutuando entre as nuvens. Abaixo dali havia um nome: Satrina Kendal. Promotora de Bandas. Logo abaixo, estava escrito um número de telefone e um endereço do Upper East Side. Isabelle franziu a testa. Algo, uma memória, saltou no fundo de sua mente. Isabelle estendeu o cartão para Jordan e Maia, que estavam ocupados não olhando um para o outro. “O que vocês acham disso?” Antes que pudessem responder, a porta do apartamento abriu e Alec entrou por ela. Tinha um olhar zangado. “Vocês encontraram alguma coisa? Estou de pé lá em baixo por meia hora, e nem a coisa mais remotamente ameaçadora
apareceu. A menos que vocês contem o estudante da NYU35 que vomitou nos degraus da frente.” “Aqui”, disse Isabelle, passando o cartão para o irmão. “Veja isso. Algo não lhe parece estranho?” “Você quer dizer, além do fato de nenhum promotor de banda poder estar possivelmente interessado na banda ridícula de Lewis?” Alec inquiriu, pegando o cartão entre dois longos dedos. Linhas apareceram entre os olhos. “Satrina?” “Esse nome significa algo a você?” Perguntou Maia. Seus olhos ainda estavam vermelhos, porém sua voz estava firme. “Satrina é um dos dezessete nomes de Lilith, a mãe de todos os demônios. Ela é o motivo pelos quais os bruxos são chamados de filhos de Lilith”, disse Alec. “Porque ela criava demônios, e eles em troca passavam a raça de bruxos adiante.” “E você tem todos os dezessete nomes gravados na memória?” Jordan parecia em dúvida. Alec lhe atirou um olhar frio. “Quem é você mesmo?” “Ah, cala a boca, Alec”, Isabelle falou, no tom que só usava com o irmão. “Olhe, nem todo mundo tem o seu poder de memorizar fatos insignificantes. Não acho que você se lembre dos outros nomes de Lilith?” Com um olhar superior, Alec os disse: “Satrina, Lilith, Ita, Kali, Batna, Talto—” “Talto!” berrou Isabelle. “É isso. Sabia que estava lembrando de algo. Sabia que havia uma conexão!” Rapidamente, ela os deixou a par da Igreja de Talto, o que Clary encontrou lá e como isso se conectava com o bebê meio-demônio morto no Beth Israel. “Queria que você tivesse me contado isso antes”, disse Alec. “Sim, Talto é outro nome de Lilith. E Lilith sempre foi associada a bebês. Ela foi a primeira esposa de Adão, mas fugiu do Jardim do Éden porque não queria obedecer Adão ou Deus. Mas Deus a amaldiçoou por sua desobediência — qualquer filho que tivesse iria morrer. A lenda diz que ela tentou mais e mais vezes ter uma criança, mas todas nasceram mortas. No fim, jurou que teria sua vingança contra Deus enfraquecendo e assassinando crianças humanas. Pode-se dizer que ela é a deusa demônio das crianças mortas.” 35
N/T: New York University (Universidade de Nova York).
“Mas você disse que ela era a mãe dos demônios”, disse Maia. “Ela era capaz de criar demônios espalhando gotas de seu sangue na terra de um lugar chamado Edom”, disse Alec. “Uma vez que nasceram por causa de seu ódio por Deus e pela humanidade, se tornaram demônios.” Ciente de que todos o fitavam, ele deu de ombros. “É só uma história.” “Todas as histórias são verdadeiras”, Isabelle disse. Esse era o princípio de suas crenças desde que era criança, todos os Caçadores de Sombras acreditavam. Não havia religião, não havia verdade — e todos os mitos tinham um significado. “Você sabe disso Alec.” “Eu sei outra coisa também”, disse Alec, devolvendo à irmã o cartão. “Esse número de telefone e o endereço são ridículos. Sem chance de serem verdadeiros.” “Pode ser”, disse Isabelle, enfiando o cartão no bolso. “Mas não temos mais nenhum lugar para começar a procurar. Então vamos começar por lá.” ●●●● Simon só podia fitar. O corpo flutuando dentro do caixão — o de Sebastian — não parecia estar vivo; pelo menos, ele não estava respirando. Mas claramente também não estava exatamente morto. Havia sido há dois meses. Se estivesse morto, Simon tinha quase certeza, estaria numa forma muito pior do que estava. Seu corpo estava muito branco, como mármore; uma mão tinha uma bandagem, mas tirando isso ele estava sem marca. Ele parecia estar dormindo, os olhos fechados, os braços soltos nos lados. Só o fato do seu peito não levantar e descer indicava que havia alguma coisa muito errada. “Mas”, disse Simon, sabendo que soaria ridículo, “ele está morto. Jace o matou.” Lilith pousou uma mão pálida na superfície de vidro do caixão. “Jonathan”, ela disse, e Simon se lembrou de que esse era, na verdade, seu nome. A voz dela tinha uma estranha e suave qualidade quando o disse, como se cantasse para uma criança. “Ele é lindo, não é?”
“Hã”, disse Simon, olhando com repugnância a criatura dentro do caixão — o garoto que assassinou Max Lightwood, de nove anos. A criatura que matou Hodge. Que tentara matar todos eles. “Não faz muito o meu tipo.” “Jonathan é único”, ela disse. “Ele é o único Caçador de Sombras que já conheci que é parte Demônio Maior. Isso o torna muito poderoso.” “Ele está morto”, disse Simon. Sentia que, de alguma forma, era importante continuar repetindo esse argumento, mesmo que Lilith não parecesse entendê-lo direito. Lilith, olhando para Sebastian, franziu a testa. “É verdade. Jace Lightwood andou por trás dele e o apunhalou nas costas, atravessando o coração.” “Como você—” “Eu estava em Idris”, disse Lilith. “Quando Valentin abriu a porta do mundo dos demônios, passei por ela. Não para lutar em sua batalha estúpida. Menos curiosidade do que qualquer outra coisa. Que Valentine pudesse ter tanta insolência—” Fez uma pausa, dando de ombros. “O Céu o eliminou por isso, é claro. Vi o sacrifício que ele fez; vi o Anjo se erguer e se virar contra ele. Vi o que foi trazido de volta. Sou a mais antiga dos demônios; conheço as Leis Antigas. Uma vida por uma vida. Corri até Jonathan. Era quase tarde demais. O que era humano nele morreu instantaneamente — o coração parou de bater, os pulmões pararam de se expandir. As Leis Antigas não eram o suficiente. Tentei trazê-lo de volta naquela hora. Ele já estava muito longe. Tudo o que pude fazer foi isso. Preservá-lo até esse momento.” Simon imaginou brevemente o que aconteceria se saísse correndo — passava por esse demônio insano e se jogava do terraço do prédio. Não podia ser ferido por nenhuma criatura viva; esse era o resultado da Marca, mas duvidava que seu poder se estendia a protegê-lo do chão. Mesmo assim, era um vampiro. Se caísse de quarenta andares e esmagasse cada osso do corpo, iria se curar disso? Engoliu em seco e encontrou Lilith olhando para ele em diversão. “Você não quer saber”, disse na sua voz fria e sedutora, “que momento eu me refiro?” Antes que ele pudesse responder, ela se inclinou para a frente, seus cotovelos no caixão. “Suponho que saiba a história de como os Nephilim foram criados. Como o Anjo Raziel misturou o seu sangue ao sangue dos homens, e o
deu para um homem beber, e que este homem se tornou o primeiro Nephilim. Sabe?” “Já ouvi isso.” “Como consequência, o Anjo criou uma nova raça de criaturas. E agora, com Jonathan, uma nova raça renasceu de novo. Da mesma forma que Jonathan Caçador de Sombras liderou os primeiros Nephilim, esse Jonathan liderará a nova raça que pretendo criar.” “A nova raça que você pretende—” Simon levantou as mãos. “Você sabe de uma coisa, se quiser liderar uma nova raça começando com um garoto morto, sem problemas. Não vejo o que isso tem a ver comigo.” “Ele está morto agora. Ele não precisa permanecer assim.” A voz de Lilith era fria, sem emoção. “Há, é claro, uma espécie de Habitante do Submundo cujo sangue oferece a possibilidade de, digamos, ressurreição.” “Vampiros”, disse Simon. “Você quer que eu transforme Sebastian em vampiro?” “O nome dele é Jonathan.” O tom dela era agudo. “E sim, de certa forma. Eu quero que você o morda, beba seu sangue, e lhe dê a ele o seu sangue em troca— ” “Eu não vou fazer isso.” “Você tem tanta certeza disso?” “Um mundo sem Sebastian” — Simon usou o nome deliberadamente — “nele é um mundo melhor do que um mundo com ele. Eu não vou fazer isso.” Raiva crescia dentro de Simon, uma onda rápida. “Eu não poderia fazer nem que quisesse. Ele está morto. Vampiros não podem trazer os mortos de volta. Você devia saber disso, já que é tão esperta. Quando a alma deixa o corpo, nada pode trazê-la de volta. Felizmente.” Lilith virou o olhar para ele. “Você não sabe mesmo, sabe?” Ela perguntou. “Clary nunca te contou.” Simon começava a ficar de saco cheio. “Nunca me contou o quê?” Lilith riu. “Olho por olho, dente por dente, vida por vida. Para impedir o caos, deve haver ordem. Se uma vida é dada à Luz, deve-se dar uma vida à Escuridão também.”
“Eu não”, Simon disse lenta e deliberadamente, “tenho literalmente a mínima ideia do que você está falando. E não me importo. Vocês vilões e seus programas eugênicos assustadores estão começando a me irritar. Então vou embora agora. Pode tentar me impedir ameaçando ou me ferindo. Te estimulo a seguir em frente.” Ela olhou para ele e riu. “‘Caim se levantou,’” disse ela. “Você parece um pouco como ele cuja Marca você carrega. Ele era inflexível, e você também. Também imprudente.” “Ele se levantou contra—” Simon sufocou com a palavra. Deus. “Estou só interagindo com você.” Ele se virou para partir. “Eu não viraria as costas para mim se fosse você, Daylighter”, disse Lilith, e havia algo na sua voz que o fez olhar para ela de novo, onde se inclinava no caixão de Sebastian. “Você acha que não pode ser ferido”, ela falou com um olhar zombeteiro. “E de fato não posso erguer uma mão contra você. Não sou tola; eu vi o fogo sagrado do divino. Não tenho desejo de vê-lo voltado contra mim. Não sou Valentine para barganhar com o que não posso entender. Sou um demônio, mas um muito velho. Conheço a humanidade melhor do que você pode pensar. Entendo as fraquezas de orgulho, de desejo por poder, de desejo da carne, de ganância, de vaidade e de amor.” “Amor não é uma fraqueza.” “Ah, não é?” Disse ela, e olhou para um ponto atrás dele, com um olhar frio e afiado como uma estalactite. Ele se virou, não querendo, sabendo que devia, e olhou o que era. Ali no passadiço de tijolos estava Jace. Ele vestia um terno escuro e uma camisa branca. De pé à sua frente estava Clary, ainda no bonito vestido dourado que vestira na festa da Ironworks. Seu cabelo ruivo longo e ondulado saíra de seu nó e descia pelos seus ombros. Ela estava bastante quieta no círculo dos braços de Jace. Quase pareceria uma foto romântica se não fosse o fato de que em uma das mãos dele, Jace segurava uma faca longa e brilhante com punho de osso, e a sua ponta estivesse pressionada contra a garganta de Clary. Simon fitou Jace em total e absoluto choque. Não havia emoção no rosto de Jace, nenhuma luz em seus olhos. Ele parecia totalmente inexpressivo. Bem de leve, ele inclinou a cabeça.
“Eu a trouxe, lady Lilith”, ele falou. “Assim como você pediu.”
Capítulo
17
E CAIM SE LEVANTA
CLARY NUNCA SENTIRA TANTO FRIO. Mesmo quando se arrastou para fora do Lago Lyn, tossindo e cuspindo sua água envenenada na margem, ela não estava com tanto frio. Mesmo quando achara que Jace estava morto, ela não sentiu esta terrível paralisia gelada no coração. Naquela ocasião ferveu em raiva, raiva contra o seu pai. Agora ela apenas se sentia gelada, da cabeça às pontas dos dedos. Voltara à consciência no saguão de mármore de um estranho prédio, sob a sombra de um candelabro apagado. Jace estava carregando ela, um braço debaixo dos seus joelhos dobrados, o outro apoiando sua cabeça ainda tonta e grogue. Ela escondeu sua cabeça no pescoço dele por um momento, tentando se lembrar de onde ela estava. “O que aconteceu?” Ela sussurrou. Eles chegaram ao elevador. Jace apertou o botão, e Clary ouviu o ruído que significava que a máquina estava descendo até eles. Mas onde eles estavam? “Você esteve inconsciente”, disse ele. “Mas como —” Então se lembrou, e ficou em silêncio. Suas mãos nela, a ardência de sua estela na pele, a onda de escuridão que a tomara. Havia algo de errado com a runa que ele desenhara nela, em aparência e sensação. Ela ficou imóvel nos braços dele por um momento, então disse: “Me abaixe.”
Ele a abaixou, colocando-a de pé, e eles se olharam. Só um pequeno espaço separava os dois. Ela poderia estender a mão e tocar nele, mas pela primeira vez desde que o conhecera, ela não queria. Tinha a horrível sensação que olhava para um estranho. Ele parecia com o Jace, e soava como o Jace quando falava, e o sentia como o Jace quando ela o segurava. Mas seus olhos eram estranhos e distantes, como era o minúsculo sorriso abrindo na sua boca. As portas do elevador se abriram atrás dele. Ela se lembrou de estar na ala central do Instituto, dizendo “Eu te amo” para uma porta fechada de elevador. A brecha se abria atrás dele agora, tão negra como a entrada de uma caverna. Procurou a estela no bolso; não estava ali. “Você me nocauteou”, ela disse. “Com uma runa. Você me trouxe aqui. Por quê?” Seu rosto belo estava completamente e cuidadosamente inexpressivo. “Eu tive que fazer isso. Não tive escolha.” Ela virou e correu nessa hora, indo para as portas, mas ele era mais rápido do que ela. Sempre foi. Ele se empurrou à sua frente, bloqueando a passagem, e segurou firme as suas mãos. “Clary, não fuja”, disse. “Por favor. Por mim.” Ela o olhou incrédula. Sua voz era a mesma — ela soava como a do Jace, mas
não como ele —, como se fosse uma gravação da sua, ela pensou, todos os tons e padrões de sua voz ali, mas a vida que a animava não existia mais. Como não percebera antes? Ela achou que ele parecia distante por causa do estresse e dor, mas não. Era que ele não existia mais. Seu estômago revirou, e ela correu de novo para a porta, só que ele a agarrou pela cintura e a virou de volta para ele. Ela o empurrou, os dedos se prendendo no tecido da camisa, rasgando-a para o lado. Ela congelou, olhando fixamente. Na pele do seu peito, logo acima do seu coração, estava uma runa. Não era uma que já tenha visto antes. Não era preta, como eram as runas dos Caçadores de Sombras, mas vermelho escuro, a cor do sangue. E faltava a graça delicada das runas do Livro Branco. Era rabiscada, feia, suas linhas pontiagudas e cruéis, ao invés de curvilíneas e generosas.
Jace não parecia vê-la. Ele olhou fixo abaixo para si mesmo, como se perguntando o que ela estava encarando, então olhou para ela, confuso. “Está tudo bem. Você não me feriu.” “Essa runa —”, ela começou, mas se interrompeu abruptamente. Talvez ele não soubesse que aquilo estava ali. “Solte-me, Jace”, ela disse ao invés disso, afastando-se dele. “Você não tem que fazer isso.” “Você está errada sobre isso”, ele disse, e a agarrou de novo. Dessa vez ela não lutou. O que aconteceria se ela escapasse? Não podia simplesmente deixá-lo ali. Jace ainda estava ali, ela pensou, preso em algum lugar atrás daqueles olhos vazios, quem sabe bramindo por ela. Ela Tinha que ficar com ele. Tinha que descobrir o que estava acontecendo. Ela o deixou pegá-la e levá-la ao elevador. “Os Irmãos do Silêncio vão notar que você partiu”, ela disse, quando os botões do elevador se acendiam de andar a andar, enquanto o elevador subia. “Eles alertarão a Clave. Virão procurar—” “Não preciso temer os Irmãos do Silêncio. Eu não era um prisioneiro; eles não estavam esperando que eu quisesse partir. Eles não notarão que fugi até acordarem amanhã cedo.” “E se acordarem mais cedo que isso?” “Ah”, disse, com uma fria certeza, “eles não irão. É muito mais provável que os outros convidados na Ironworks notem que você sumiu. Mas o que eles podem fazer? Eles não têm ideia de onde você foi, e Rastreamento está bloqueado nesse prédio.” Ele alisou o cabelo em volta do rosto dela, e Clary ficou imóvel. “Você só precisa confiar em mim. Ninguém vai vir por você.” Ele não derrubou a faca até saírem do elevador, e então disse, “Eu nunca iria ferir você. Sabe disso, não sabe?”, mesmo quando puxou o cabelo dela para trás com a ponta da lâmina e pressionou a borda na garganta dela. O ar gélido alcançou seus ombros e braços nus assim que saíram no telhado. As mãos do Jace estavam quentes que ele a tocou, e ela podia sentir o calor dele através do fino vestido, mas não a esquentou, não do lado de dentro. Por dentro ela estava cheia de pontiagudas lascas de gelo. Ela ficou com mais frio ainda quando viu Simon, olhando para ela com seus enormes olhos escuros. O rosto estava inexpressivo de choque, como um pedaço
branco de papel. Ele estava olhando para ela, e Jace atrás dela, como se visse algo fundamentalmente errado, uma pessoa com o rosto virado do avesso, um mapa do mundo com todas as terras desaparecidas e nada a não ser oceano. Clary mal olhou para a mulher ao lado dele, com seu cabelo escuro e seu rosto pequeno e cruel. O olhar de Clary foi imediatamente para o caixão transparente em seu pedestal de pedra. Parecia brilhar de dentro, como se fosse iluminado por uma leitosa luz interna. A água que Jonathan estava flutuando dentro, provavelmente não era água, mas algum outro líquido menos natural. A habitual Clary, pensou calmamente, teria gritado ao ver o irmão, flutuando
imóvel e parecendo morto, totalmente parado no que parecia o caixão de vidro da Branca de Neve. Mas a Clary congelada só fitou com um choque remoto e distante. Os lábios vermelhos como sangue, a pele branca como neve, o cabelo preto como ébano. Bem, algo disso era verdade. Quando conhecera Sebastian, seu cabelo era preto, mas agora era branco como prata, flutuando em volta da cabeça como algas marinhas albinas. A mesma cor do cabelo do seu pai. O cabelo do pai deles. Sua pele estava tão pálida que parecia que podia ser feita de cristais luminosos. Mas seus lábios também não tinham cor, como também estavam as pálpebras dos seus olhos. “Obrigada, Jace”, a mulher que Jace chamara de lady Lilith disse. “Muito bem feito, e bem rápido. Achei que teria dificuldades com você a princípio, mas parece que me preocupei por nada.” Clary olhou fixamente. Apesar da mulher não ser familiar, a voz era familiar. Ouvira aquela voz antes. Mas onde? Ela tentou se afastar do Jace, mas seu aperto nela só aumentava. A borda da faca pressionou a sua garganta. Um acidente, falou pra si. Jace — até esse Jace — nunca iria feri-la. “Você”, ela disse para Lilith entre os dentes. “O que você fez com Jace?” “A filha de Valentine fala.” A mulher de cabelo escuro sorriu. “Simon? Você gostaria de explicar?” Simon pareceu que iria vomitar. “Eu não tenho ideia.” Ele soou como se estivesse se sufocando. “Acreditem em mim, vocês dois eram a última coisa que eu esperava ver.”
“Os Irmãos do Silêncio disseram que um demônio era responsável pelo que está acontecendo com Jace”, disse Clary, e viu Simon parecer mais perplexo que nunca. A mulher, contudo, só observou-a com os olhos como círculos obsidianos. “Aquele demônio era você, não era? Mas, por que Jace? O que você quer de nós?” “‘Nós’?” Lilith ribombou em risos. “Como se você importasse com isso, minha garota. Por que vocês? Porque são uma forma de eu alcançar meu objetivo. Porque preciso desses dois garotos, e os dois amam você. Porque Jace Herondale é a pessoa que você mais confia em todo o mundo. E você é alguém por quem o Daylighter morreria para salvar. Talvez você não possa ferido”, ela disse, virando para Simon. “Mas ela pode. Você é tão teimoso a ponto de se sentar no chão e observar Jace cortar a garganta dela ao invés de dar seu sangue?” Simon, parecendo morto, sacudiu a cabeça lentamente, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, Clary disse, “Simon, não! Não faça isso, o que quer que seja. Jace não iria me ferir.” Os olhos insondáveis da mulher viraram para Jace. Ela sorriu. “Corte-a”, falou. “Só um pouco.” Clary sentiu os ombros de Jace se tencionarem, da mesma forma que se tencionaram quando estivera mostrando a ela como lutar. Ela sentiu algo no pescoço, como um beijo pungente, frio e quente ao mesmo tempo, e sentiu um pingo quente de líquido derramar sobre a sua clavícula. Os olhos de Simon se arregalaram. Ele a cortara. Fizera mesmo isso. Ela pensou em Jace agachado no chão do quarto do Instituto, sua dor notória em cada linha do corpo. Eu sonho em você
entrando no meu quarto. E então machuco você. Corto, estrangulo ou apunhalo você, e você morre, olhando para mim com seus olhos verdes enquanto sua vida sangra entre minhas mãos. Ela não acreditara nele. Não mesmo. Ele era Jace. Nunca iria feri-la. Abaixou o olhar e viu o sangue manchando o decote do vestido. Parecia tinta vermelha. “Você está vendo agora”, disse a mulher. “Ele faz o que eu lhe digo para fazer. Não o culpe por isso. Está completamente sob o meu controle. Por semanas movi furtivamente por sua mente, vendo seus sonhos, aprendendo seus medos e vontades, suas culpas e desejos. Em um sonho, ele aceitou minha Marca, e essa
Marca está queimando por ele desde então — por sua pele, descendo até a alma. Agora a alma dele está em minhas mãos, para manipular como bem entender. Ele fará o que quer que eu diga.” Clary se lembrou do que os Irmãos do Silêncio disseram. Quando um Caçador
de Sombras nasce, um ritual é realizado, vários feitiços protetores são postos sobre a criança pelos Irmãos do Silêncio e pelas Irmãs do Ferro. Quando Jace morreu e então ressuscitou, nasceu por uma segunda vez, com aquelas proteções e rituais eliminados. Isso o teria deixado aberto como uma porta destrancada — aberto a qualquer tipo de influência ou malevolência demoníaca. Eu fiz isso, Clary pensou. Eu o trouxe de volta, e queria manter isso em segredo. Se ao menos tivéssemos contado a alguém o que aconteceu, talvez o ritual pudesse ser feito a tempo de manter Lilith fora de sua cabeça. Ela sentiu enjoo por aversão a si mesma. Atrás dela Jace estava em silêncio, imóvel como uma estátua, os braços em torno dela e a faca ainda no pescoço. Conseguia senti-la na pele quando tomou fôlego para falar, deixando a voz inalterável com um esforço. “Eu entendo que você controla Jace”, ela disse. “Não entendo o porquê. Certamente há maneiras mais fáceis de me ameaçar.” Lilith suspirou como se a coisa toda tivesse ficado tediosa. “Preciso de você”, ela disse, com paciência exagerada, “para convencer Simon a fazer o que eu quero, que é me dar o sangue dele. E preciso de Jace não só porque precisava de uma forma de trazê-la aqui, mas como um contrapeso. Todas as coisas em magia devem ser equilibradas, Clarissa.” Ela apontou para o círculo preto irregular desenhado nos ladrilhos, e então para Jace. “Ele foi o primeiro. O primeiro a ser trazido de volta, a primeira alma devolvida a esse mundo em nome da Luz. Portanto, ele deve estar presente para eu com sucesso devolver a segunda, em nome da Escuridão. Entende agora, garota ingênua? Somos todos necessários aqui. Simon para morrer. Jace para viver. Jonathan para retornar. E você, filha do Valentine, para ser a catalisadora disso tudo.” A voz da mulher demônio diminuíra para um baixo entoar. Com um choque de surpresa Clary percebeu que agora sabia onde ouvira a voz antes. Ela viu o seu pai, dentro de um pentagrama, uma mulher de cabelo preto com tentáculos no lugar dos olhos ajoelhada à sua frente. A mulher disse, A criança nascida com
esse sangue nela irá exceder com o poder dos Demônios Maiores dos abismos
entre os mundos. Mas irá queimar sua humanidade, como veneno queima a vida do sangue. “Eu sei”, Clary disse entre lábios rígidos. “Eu sei quem você é. Vi você cortar o pulso e derramar sangue num copo para o meu pai. O anjo Ithuriel me mostrou isso numa visão.” Os olhos de Simon iam de um lado ao outro entre Clary e a mulher, cujos olhos escuros tinham uma ponta de surpresa. Clary supôs que ela não se surpreendia facilmente. “Eu vi meu pai convocar você. Eu sei como ele te chamou. A Dama de Édon. Você é um Demônio Maior. Você deu seu sangue para fazer do meu irmão o que ele é. Você o transformou numa — numa coisa terrível. Se não fosse por você —” “Sim, tudo isso é verdade. Dei meu sangue para Valentine Morgenstern, e ele o deu para o garoto ainda bebê, e esse é o resultado.” A mulher colocou a mão gentilmente, quase com carinho, na superfície de vidro do caixão do Sebastian. Havia um sorriso estranho em seu rosto. “Você também pode dizer, de uma forma, que sou a mãe de Jonathan.” ●●●● “Eu te disse que esse endereço não era nada”, disse Alec. Isabelle o ignorou. No momento em que passaram pelas portas da entrada do prédio, o pingente de rubi no seu pescoço pulsara, fracamente, como a batida de um coração distante. Aquilo significava presença demoníaca. Sob outras circunstâncias, ela iria só esperar que o irmão sentisse a esquisitice do lugar assim como ela, mas ele claramente estava muito empenhado em pensar em Magnus para se concentrar. “Pegue sua pedra enfeitiçada”, disse para ele. “Eu deixei a minha em casa.” Ele atirou-lhe um olhar irritado. Era escuro no saguão, tão escuro que um humano normal não seria capaz de ver. Maia e Jordan tinham a excelente visão noturna dos lobisomens. Eles estavam em lados opostos da sala, Jordan examinando a grande mesa de mármore do saguão e Maia encostada na parede mais longe, aparentemente examinando os seus anéis. “Você devia trazê-la com você para todo lugar que for”, respondeu Alec.
“É? Você trouxe o seu Sensor?” Ela disparou. “Eu achei que não. Pelo menos eu tenho isso.” Tocou de leve o pingente. “Eu posso te dizer que há algo aqui. Algo demoníaco.” Jordan virou a cabeça para eles. “Tem demônios aqui?” “Eu não sei — talvez só um. Pulsou e parou”, admitiu Isabelle. “Mas é uma coincidência muito grande para isso ser só um endereço errado. Nós temos que verificar isso.” Uma fraca luz ergueu-se em torno dela. Ela examinou e viu Alec segurando sua pedra encantada, o brilho contido pelos seus dedos. Ela lançava estranhas sombras em seu rosto, deixando-o mais velho do que realmente era, seus olhos com um azul mais escuro. “Muito bem, vamos”, ele disse. “Nós veremos um andar por vez.” Eles andaram até o elevador, Alec primeiro, depois Isabelle, Jordan e Maia entrando na fila atrás deles. As botas de Isabelle tinham runas Silenciosas nas solas, mas os saltos de Maia batiam no chão de mármore quando andava. Franzindo a testa, ela parou para descalçá-los, e foi descalça durante o resto do caminho. Quando Maia entrou no elevador, Isabelle notou que ela usava um anel de ouro no dedão do pé esquerdo, com uma pedra azul-esverdeada. Jordan, deu uma olhada para baixo, em seus pés e disse num tom surpreso: “Eu me lembro desse anel. Eu o comprei para você na —” “Cale a boca”, disse Maia, apertando com força o botão para fechar a porta. As portas deslizaram, fechando-se, e Jordan seguiu em silêncio. Pararam em todos os andares. A maioria ainda estava em construção — não havia lâmpadas, e fios estavam pendurados nos tetos como vinhas. As janelas tinham tábuas de madeira pregadas nelas. O forro protetor do piso golpeava com o fraco vento como fantasmas. Isabelle manteve uma mão firme no pingente, mas nada aconteceu até eles alcançarem o décimo andar. Quando as portas se abriram, ela sentiu uma vibração no interior da mão fechada em forma de concha, como se ela estivesse segurando um passarinho ali e ele estivesse batendo as asas. Ela falou num sussurro: “Tem alguma coisa aqui.”
Alec apenas assentiu; Jordan abriu sua boca para falar algo, mas Maia o acotovelou forte. Isabelle passou pelo irmão, entrando no saguão fora dos elevadores. O rubi pulsava e vibrava na sua mão como um inseto irritado. Atrás dela, Alec sussurrou: “Sandalphon.” Uma luz acendeu em volta de Isabelle, iluminando o salão. Ao contrário de alguns dos outros andares que viram, esse parecia pelo menos parcialmente terminado. Paredes expostas de granito se erguiam ao seu redor, e o chão era de azulejos pretos. Um corredor levava a duas direções. Uma terminava num monte de materiais de construção e fios enrolados. A outra terminava numa arcada. Além da arcada, um espaço escuro chamava. Isabelle virou para olhar os seus companheiros. Alec guardou a pedra enfeitiçada e estava segurando uma lâmina brilhante de serafim, iluminando o interior do elevador como uma lanterna. Jordan sacou uma grande faca brutal e a apertava na mão direita. Maia parecia estar no processo de colocar o cabelo para trás; quando abaixou as mãos, estava segurando um alfinete longo com uma ponta de navalha. Suas unhas também cresceram, e seus olhos tinham um brilho feroz e esverdeado. “Sigam-me”, disse Isabelle. “Calmamente.” O rubi fazia tap, tap no pescoço de Isabelle enquanto ela atravessava o corredor, como o pulsar constante de um dedo insistente. Ela não ouvia os outros atrás dela, mas sabia que estavam ali por causa das longas sombras lançadas nas paredes escuras de granito. Sua garganta estava contraída, os nervos queimando, da forma que faziam antes de entrar em batalha. Essa era a parte que menos gostava, a antecipação antes da onda de violência. Durante uma luta nada importava a não ser a briga em si; agora ela tinha que lutar para manter a concentração na tarefa à frente. A arcada se ergueu sobre eles. Era de mármore entalhado, estranhamente antiquado para um prédio moderno como aquele, seus lados decorados com ornatos de arabescos. Isabelle ergueu o olhar brevemente enquanto passava, e quase se assustou. O rosto de uma gárgula sorridente estava esculpida na pedra, olhando com malícia para ela. Isabelle fez uma careta para ela e virou para examinar a sala em que entrara.
Era grande, de teto alto, claramente destinado a ser algum dia um apartamento completo. As paredes tinham janelas do chão ao teto, dando para uma vista do rio East com o Queens à distância, o símbolo da Coca-Cola brilhando em vermelho sangue e azul marinho na água escura. As luzes de prédios em volta brilhavam no ar noturno como enfeites de uma árvore de Natal. A sala em si era escura e cheia de sombras estranhas e curvadas, com espaços em intervalos regulares, baixo no chão. Isabelle semicerrou seus olhos, confusa. Elas não eram dotadas de vida; pareciam ser móveis alinhados em quadrado, como um bloco, mas o que—? “Alec”, ela disse suavemente. Seu pingente tremia como se fosse um ser vivo, seu coração de rubi dolorosamente quente na pele. Em um instante o seu irmão estava ao seu lado. Ele levantou a sua lâmina, jorrando luz na sala. A mão de Isabelle voou à sua boca. “Ah, Santo Deus”, sussurrou. “Ah, pelo Anjo, não.” ●●●● “Você não é a mãe dele.” A voz de Simon morreu quando disse isso; Lilith se quer virou para ele. Ela ainda estava com as mãos no caixão de vidro. Sebastian flutuava dentro dele, silencioso e inconsciente. Os pés estavam descalços, percebeu Simon. “Ele tem uma mãe. A mãe da Clary. Clary é a irmã dele. Sebastian — Jonathan — não ficará muito satisfeito se você machucá-la.” Com isso, Lilith ergueu o olhar, rindo. “Uma boa tentativa, Daylighter”, ela disse. “Mas eu sei a verdade. Vi meu filho crescer, sabe. Visitei-o muito na forma de uma coruja. Vi como a mulher que deu a luz a ele o odiou. Ele não morre de amores por ela, e nem devia, nem se importa com a irmã. É mais parecido comigo do que é com Jocelyn Morgenstern.” Seus olhos negros passaram de Simon para Jace e Clary. Eles não se moveram, não mesmo. Clary ainda estava envolta pelos braços do Jace, com a faca perto de sua garganta. Ele a segurava facilmente, sem cuidado, como se mal prestasse atenção. Mas Simon sabia como o aparente desinteresse de Jace rapidamente poderia explodir numa ação violenta. “Jace”, disse Lilith. “Entre no círculo. Traga a garota com você.”
Obediente, Jace avançou, empurrando Clary à sua frente. Quando cruzaram a barreira da linha pintada em preto, as runas dentro da linha lampejaram num súbito vermelho brilhante — e outra coisa também se iluminou. Uma runa no lado esquerdo do peito de Jace, logo acima do coração, brilhou de repente, com tanta claridade que Simon fechou os olhos. Mesmo com os olhos fechados, ainda podia ver a runa, um redemoinho vicioso de linhas agressivas, pintadas no interior de suas pálpebras. “Abra os olhos, Daylighter”, vociferou Lilith. “A hora chegou. Você dará seu sangue ou recusará? Você sabe o preço de sua escolha.” Simon olhou para o caixão, com Sebastian dentro — e olhou de novo. Uma runa que era gêmea à runa que brilhava no peito do Jace era visível no seu peito nu também, só começando a diminuir o brilho quando Simon olhou para ele. Num momento havia sumido, e Sebastian estava quieto e pálido de novo. Imóvel. Não respirando. Morto. “Não posso trazê-lo de volta para você”, Simon falou. “Ele está morto. Eu daria o meu sangue, mas ele não pode engolir.” A respiração dela silvou pelos dentes em exaspero, e por um momento os olhos brilharam com uma áspera luz ácida. “Primeiro você deve mordê-lo”, disse ela. “Você é um Daylighter. O sangue do Anjo corre pelo seu corpo, pelo seu sangue e lágrimas, pelo fluido de suas presas. Seu sangue de Daylighter irá revivê-lo o suficiente para que possa engolir e beber. Morda-o e lhe dê o seu sangue, e traga-o de volta para mim.” Simon fitou-a selvagemente. “Mas o que você está dizendo — está me dizendo que tenho o poder de ressuscitar os mortos?” “Já que é um Daylighter, você tem o poder”, ela disse. “Mas não o direito de usá-lo.” “O direito?” Ela sorriu, traçando a ponta de uma unha longa pintada de vermelho no topo do caixão de Sebastian. “A história é escrita pelos vencedores, dizem”, ela disse. “Pode não haver tanta diferença entre o lado da Luz e o lado da Escuridão como você acha. Afinal, sem a Escuridão, não há nada para a Luz queimar.” Simon olhava para ela inexpressivamente.
“Equilíbrio”, ela esclareceu. “Há leis mais antigas do que você pode imaginar. E uma delas é que você não pode ressuscitar o que está morto. Quando a alma deixa o corpo, esta pertence à morte. E não pode ser reavida sem um preço a pagar.” “E você está querendo pagar? Por ele?” Simon gesticulou em direção a Sebastian. “Ele é o preço.” Ela jogou a cabeça para trás e riu. Soou quase como uma gargalhada humana. “Se a Luz traz de volta uma alma, então a Escuridão tem o direito de trazer uma de volta também. Esse é o meu direito. Ou talvez você devesse perguntar para a sua amiguinha Clary do que estou falando.” Simon olhou para Clary. Ela parecia estar prestes a desmaiar. “Raziel”, ela disse fracamente “Quando Jace morreu—” “Jace morreu?” A voz de Simon subiu uma oitava. Jace, apesar de ser o assunto sob discussão, permaneceu sereno e inexpressivo, sua mão com a faca parada. “Valentine o apunhalou”, disse Clary, quase num sussurro. “E então o Anjo matou Valentine, e ele disse que eu poderia ter tudo o que queria. E disse que eu queria Jace de volta, eu o queria de volta, e ele o trouxe — para mim.” Seus olhos estavam grandes no seu pequeno rosto pálido. “Ele ficou morto por só alguns minutos... mal durou alguma coisa...” “Foi o bastante”, Lilith tomou fôlego. “Eu estava pairando perto do meu filho durante sua luta com Jace; eu o vi cair e morrer. Segui Jace até o lago, assisti Valentine matá-lo, e então como o Anjo o ressuscitou. Eu sabia que essa era a minha chance. Corri de volta ao rio e peguei o corpo do meu filho... o mantive preservado até esse momento.” Ela olhou carinhosamente para o caixão. “Tudo em equilíbrio. Um olho por olho. Um dente por dente. Uma vida por vida. Jace é o contrapeso. Se Jace vive, então Jonathan tem o mesmo direito.” Simon não pôde tirar os olhos da Clary. “O que ela está dizendo — sobre o Anjo — é verdade?” Ele disse. “E você nunca contou a ninguém?” Para a sua surpresa, foi Jace quem respondeu. Roçando sua bochecha pelo cabelo de Clary, ele disse, “Era o nosso segredo.” Os olhos verdes de Clary lampejaram, mas ela não se moveu. “Então você entende, Daylighter”, disse Lilith, “só estou pegando o que é meu por direito. A Lei diz que aquele que foi trazido de volta deve estar aqui no
círculo quando o segundo retornar.” Ela indicou Jace com um estalido desdenhoso de seu dedo. “Ele está aqui. Você está aqui, tudo nos conformes.” “Então você não precisa de Clary”, Simon disse. “Deixe-a fora disso. Deixe-a ir.” “É lógico que preciso dela. Preciso dela para motivá-lo. Não posso feri-lo, portador da Marca, ou ameaçá-lo ou matá-lo. Mas posso partir seu coração quando partir a vida dela. E eu irei.” Ela olhou para Clary, e o olhar de Simon seguiu o seu. Clary. Estava tão pálida que quase parecia azul, apesar de talvez aquilo fosse o frio. Seus olhos verdes estavam enormes no rosto branco. Um pingo de sangue seco descia da clavícula até o decote do vertido, agora marcado de vermelho. Suas mãos estavam nos lados, soltas, mas tremiam. Simon a viu como ela era, mas como também era aos sete anos, braços magrelos, sardas e aqueles prendedores azuis de plástico que usava no cabelo até completar onze anos. Ele pensou na primeira vez que ele percebeu que ela tinha a forma de uma verdadeira garota sob a camiseta folgada que ela sempre vestia, e como não tivera certeza se devia olhar ou desviar o olhar. Ele pensou na sua risada e no seu ágil lápis movendo-se por uma página, deixando desenhos meticulosamente desenhados para trás: castelos em espirais, cavalos correndo, personagens brilhantemente coloridos que inventava na cabeça. Você pode ir para a escola sozinha, a mãe dizia, mas só se Simon for com você. Ele pensou na sua mão na dele quando atravessavam a rua, e seu próprio senso da tarefa incrível que tomara: a responsabilidade por sua segurança. Já se apaixonara por ela uma vez, e talvez alguma parte dele sempre estivesse apaixonada, porque ela havia sido a primeira. Mas isso não importava agora. Ela era Clary; ela era parte dele; sempre foi e sempre seria. Enquanto a fitava, ela sacudiu a cabeça, bem de leve. Simon sabia o que dizia. Não faça isso. Não dê a ela o que ela quer. Deixe-a fazer o que quiser
comigo. Ele entrou no círculo; quando seus pés passaram pela linha pintada, ele sentiu um calafrio, como um choque elétrico, passar por ele. “Muito bem”, ele disse. “Vou fazer isso.”
“Não!” gritou Clary, mas Simon não olhou para ela. Ele observava Lilith, que abria um sorriso frio e satisfeito quando levantou a mão esquerda e passou-a pela superfície do caixão. A sua tampa desapareceu, saindo de forma que fez Simon lembrar estranhamente de abrir uma lata de sardinhas. Quando o vidro desceu, derreteu e correu gotejando pelos lados do pedestal de granito, cristalizando-se em pequenos cacos de vidro quando as gotas atingiam o chão. Agora o caixão estava aberta, como um tanque de peixes; o corpo de Sebastian flutuava dentro, e Simon pensou por um momento que viu o lampejo da runa no peito quando Lilith pegou no tanque. Conforme Simon assistia, ela pegou os braços dependurados de Sebastian e os cruzou sobre o peito com um gesto estranhamente cuidadoso, colocando o ferido sob o que estava inteiro. Ela tirou um punhado do cabelo molhado da testa pálida e quieta e recuou, sacudindo a água leitosa das mãos. “Ao trabalho, Daylighter”, disse. Simon avançou para o caixão. O rosto de Sebastian estava relaxado, suas pálpebras imóveis. No seu pescoço não era possível sentir pulsação. Simon se lembrou de como queria beber o sangue de Maureen. Como ele sentira a sensação de cravar os dentes na sua pele e libertar o sangue salgado abaixo. Mas isso — isso era se alimentar de um cadáver. O pensamento fez seu estômago revirar. Mesmo não olhando para ela, estava consciente do olhar de Clary sobre ele. Podia sentir sua respiração quando se inclinou sobre Sebastian. Também podia sentir Jace, observando-o com olhos indistintos. Chegando ao caixão, ele fechou as mãos em volta dos ombros escorregadios e frios do Sebastian. Ignorando a sensação de enjoo, ele se curvou e afundou os dentes na garganta do Sebastian. Sangue negro de demônio entrou por sua boca, amargo como veneno. ●●●● Isabelle caminhava em silêncio entre os pedestais de pedra. Alec estava com ela, Sandalphon na mão, lançando luz na sala. Maia estava num canto da sala, inclinada e tendo ânsia de vômito, sua mão apoiada na parede; Jordan estava
perto dela, parecendo querer estender os braços e reconfortá-la, mas com medo de ser recusado. Isabelle não culpava Maia por querer vomitar. Se ela não tivesse anos de treinamento, ela mesmo estaria vomitando nesse momento. Nunca vira nada como o que ela estava vendo agora. Havia dúzias, talvez cinquenta, de pedestais de pedra na sala. No topo de cada um havia uma cesta parecida com um miniberço. Dentro de cada cesta havia um bebê. E todos os bebês estavam mortos. Á princípio, ela tinha esperança, enquanto andava pelas filas de uma ponta à outra, que pudesse encontrar um vivo. Mas aquelas crianças estavam mortas fazia algum tempo. A pele delas estava cinza, seus rostinhos feridos e descorados. Estavam enroladas em finos cobertores, e apesar de estar frio na sala, Isabelle não achava que era tão frio para morrerem congelados. Ela não tinha certeza de como haviam morrido; não podia suportar a ideia de investigar mais de perto. Isso era claramente um problema para a Clave. Alec, atrás dela, tinha lágrimas correndo pelo rosto; ele praguejava em voz baixa quando eles alcançaram o último pedestal. Maia se endireitou e se encostou à janela; Jordan deu a ela algum tipo de tecido, talvez um lenço, para segurar no seu rosto. As luzes brancas e frias da cidade queimavam atrás dela, atravessando o vidro escuro como brocas de diamante. “Iz”, disse Alec. “Quem poderia ter feito algo assim? Por que alguém iria — até mesmo um demônio—” Parou de falar. Isabelle sabia no que ele estava pensando. Max, quando nasceu. Ela tinha sete, Alec nove. Eles ficavam do lado do berço do irmão mais novo, alegres e encantados por aquela fascinante nova criatura. Eles brincavam com seus dedinhos, riam com as caretas que ele fazia quando lhe faziam cócegas. Seu coração se retorceu. Max. Enquanto ela se movia pelas fileiras dos pequenos berços, agora transformados em pequenos caixões, uma sensação de medo esmagador começando a lhe pressionar. Ela não podia ignorar o fato de que o pingente no seu pescoço brilhava com uma luz constante e berrante. O tipo de brilho que ela esperaria que aparecesse quando encarasse um Demônio Maior. Ela pensou no que Clary vira no necrotério do Beth Israel. Ele parecia uma criança normal. Exceto pelas mãos. Elas se torciam em garras...
Com grande cautela, ela estendeu a mão para um dos berços. Com cuidado para não tocar no bebê, ela puxou para o lado o fino cobertor que enrolava seu corpo. Ela sentiu o ar sair dos pulmões com um ofego. Braços gordinhos de bebê normais, pulsos redondos de bebê. As mãos tinham uma aparência macia e nova. Mas os dedos — os dedos se torciam em garras, tão negras como osso queimado, com garras menores e mais afiadas nas pontas. Ela deu um passo involuntário para trás. “Que foi?” Maia avançou até eles. Ela ainda parecia enjoada, mas a sua voz era firme. Jordan a seguiu, as mãos em seus bolsos. “Que é que vocês encontraram?” Perguntou ela. “Pelo Anjo.” Alec, ao lado de Isabelle, olhava no berço. “Isso é — igual ao bebê que Clary estava falando a respeito? O bebê lá do Beth Israel?” Lentamente, Isabelle confirmou com a cabeça. “Eu acho que não era só um bebê”, disse. “Alguém está tentando fazer muito mais deles. Mais... Sebastian.” “Porque iriam querer mais dele?” A voz de Alec estava cheia de puro ódio. “Ele era rápido e forte”, disse Isabelle. Quase doía fisicamente elogiar o garoto que matou o irmão dela e tentou matá-la. “Acho que estão tentando formar uma raça de superguerreiros.” “Não funcionou.” Os olhos de Maia estavam escuros de tristeza. Um barulho, tão leve, que quase era inaudível, chegou à escuta de Isabelle. Sua cabeça levantou, sua mão indo ao seu cinto, onde o seu chicote estava enrolado. Algo nas espessas sombras na borda da sala, perto da porta, se moveu, apenas um tremeluzir de leve, mas Isabelle já saíra de perto dos outros e correra para a porta. Ela irrompeu no corredor perto dos elevadores. Havia algo ali — uma sombra que saíra da escuridão maior e se movia, circundando pela parede. Isabelle pegou velocidade e se jogou para frente, derrubando a sombra no chão. Não era um fantasma. Enquanto caíram juntos em um amontoado, Isabelle ficou surpresa ao ouvir um grunhido de surpresa bem humano vindo da figura sombria. Caíram no chão juntos e rolaram. A figura era definitivamente humana — leve e mais baixa que Isabelle, vestindo um conjunto de moletom cinza e tênis. Cotovelos pontudos surgiram, lançando-se na clavícula de Isabelle. Um joelho se enterrou no seu plexo solar. Ela ofegou e rolou para o lado, tateando
em busca do chicote. Quando o pegou, a figura já estava em pé. Isabelle rolou para o seu estômago, açoitando o chicote à frente; a sua ponta se enrolou no tornozelo do estranho e se firmou. Isabelle puxou o chicote, derrubando novamente a figura. Isabelle se levantou, pegando a estela com a sua mão livre, que estava enfiada na frente do vestido. Com um rápido golpe, terminou a Marca nyx no braço esquerdo. Sua visão se ajustou rapidamente, a sala toda parecendo se encher de luz conforme a runa de visão noturna fazia efeito. Ela podia ver quem lhe atacava mais claramente agora — uma figura magra em um agasalho de moletom e tênis cinza, recuando até bater de costas na parede. O capuz do agasalho caíra para trás, expondo o rosto. A cabeça era meticulosamente raspada, mas o rosto era definitivamente feminino, com as maçãs do rosto salientes e grandes olhos escuros. “Pare”, disse Isabelle, e puxou forte o chicote. A mulher gritou de dor. “Pare de tentar fugir.” A mulher expôs os dentes. “Verme”, ela disse. “Cética. Eu não lhe contarei nada.” Isabelle enfiou a estela de volta no seu vestido. “Se eu puxar esse chicote mais forte, ele vai cortar sua perna.” Ela açoitou de novo o chicote, apertando-o, e avançou, até estar de frente à mulher, olhando para ela. “Aqueles bebês”, disse. “O que aconteceu com eles?” A mulher deu uma risada borbulhante. “Não eram fortes o suficiente. Linhagem fraca, muito fraca.” “Muito fraca para quê?” Quando a mulher não respondeu, Isabelle vociferou, “Você pode me dizer ou perder a perna. Sua escolha. Não ache que não vou deixar você sangrar até morrer aqui no chão. Assassinos de crianças não merecem misericórdia.” A mulher sibilou, como uma cobra. “Se você me ferir, ela te matará.” “Quem —” Isabelle parou de falar, lembrando-se do que Alec disse. Talto é
outro nome de Lilith. Pode-se dizer que ela é a deusa demônio de crianças mortas. “Lilith”, disse. “Você adora Lilith. Você fez isso tudo... por ela?”
“Isabelle.” Era Alec, trazendo a luz de Sandalphon com ele. “O que está acontecendo? Maia e Jordan estão procurando por mais... crianças, mas parece que todas estavam naquela sala. Que está acontecendo aqui?” “Essa... pessoa”, disse Isabelle com desgosto, “é um discípulo da Igreja de Talto. Aparentemente eles adoram Lilith. E assassinaram a todos esses bebês por ela.” “Assassinato não!” A mulher lutou para se levantar. “Assassinato não. Sacrifício. Foram testados, mas eram fracos. Não é culpa nossa.” “Deixe-me ver”, disse Isabelle. “Você tentou injetar sangue de demônio nas mulheres grávidas. Mas sangue de demônio é tóxico. Os bebês não sobreviveram. Nasceram deformados, e então morreram.” A mulher choramingou. Era um som bem leve, mas Isabelle viu os olhos de Alec se estreitarem. Ele sempre foi melhor em ler pessoas. “Um daqueles bebês”, disse. “Um era seu. Como pôde injetar sangue de demônio no seu próprio filho?” A boca da mulher tremeu. “Eu não injetei. Fomos nós que tomamos a injeção. As mães. Nos deixou mais fortes, mais rápidas. Nossos maridos, também. Mas ficamos doentes. Cada vez mais. Nosso cabelo caiu. Nossas unhas...” Ela levantou suas mãos, mostrando as unhas enegrecidas, os dedos com as pontas cortadas e ensanguentadas, onde algumas outras unhas tinham caído. Seus braços estavam pontilhados com ferimentos pretos. “Nós todas estamos morrendo”, ela disse. Sua voz soava levemente satisfeita. “Estaremos mortas em dias.” “Ela fez você tomar veneno”, disse Alec, “e mesmo assim você a adora?” “Você não entendeu.” A mulher ficou rouca, sonhadora. “Eu não tinha nada antes de ser encontrada por Ela. Nenhum de nós tinha. Eu morava nas ruas. Dormia nas grades do metrô para não congelar. Lilith me deu um lugar para viver, uma família para cuidar de mim. Só estar na Sua presença é estar seguro. Nunca me senti segura antes.” “Você viu Lilith”, disse Isabelle, lutando para não parecer cética. Ela era familiarizada com cultos de demônios; fizera um relatório sobre eles uma vez, para Hodge. Ele lhe dera altas notas por causa disso. A maioria dos discípulos de adoradores de demônios imaginavam ou inventavam. Alguns conseguiam acordar demônios menores e fracos, que matava a todos quando eram libertados,
ou se contentavam em serem servidos pelos discípulos, todas as necessidades atendidas, e poucos pediam algo em troca. Nunca ouvira falar de um culto que venerava um Demônio Maior no qual os discípulos já haviam visto o demônio em carne. Muito menos um Demônio Maior poderoso como Lilith, a mãe dos feiticeiros. “Você esteve na presença dela?” Os olhos da mulher quase se fecharam. “Sim. Com Seu sangue em mim, posso sentir quando Ela está por perto. Como está agora.” Isabelle não pôde evitar que sua mão livre flutuasse até o pingente. Ele pulsava incansavelmente desde que entraram no prédio; ela assumira que era por causa do sangue demoníaco nas crianças mortas, mas a presença de um Demônio Maior nas proximidades, até faria mais sentido. “Ela está aqui? Onde?” A mulher parecia estar flutuando no sono. “Lá em cima”, ela disse vagamente. “Com o garoto vampiro. O que anda de dia. Ela nos mandou trazê-lo, mas ele era protegido. Não podíamos tocá-lo. Aqueles que foram encontrá-lo acabaram mortos. Então, quando o Irmão Adam retornou e nos contou que o garoto era protegido por fogo sagrado, lady Lilith ficou zangada. Ela o matou exatamente onde estava. Ele teve sorte, de morrer pelas mãos d’Ela, tanta sorte.” Sua respiração agitou. “E Ela é inteligente, lady Lilith. Ela encontrou outra maneira de trazer o garoto...” O chicote caiu da mão subitamente mole de Isabelle. “Simon? Ela trouxe Simon aqui? Por quê?” “‘Nada que vai até Ela’”, a mulher tomou fôlego, “‘retorna novamente...’” Isabelle caiu de joelhos, pegando o chicote. “Pare”, disse numa voz abalada. “Pare de se lamentar e me diga onde ele está. Onde ela o levou? Onde está Simon? Me conte, ou eu irei —” “Isabelle.” Alec falava pesadamente. “Iz, não precisa fazer isso. Ela está morta.” Isabelle fitou a mulher em incredulidade. Ela morrera, ao que parecia, entre uma respiração e outra, seus olhos arregalados, o rosto com linhas relaxadas. Era possível ver agora que, sob a inanição, calvície e os ferimentos, ela provavelmente era bem jovem, não mais que vinte anos de idade. “Deus do céu.” “Eu não entendi”, disse Alec. “O que um Demônio Maior quer com Simon? Ele é um vampiro. Tudo bem, é um vampiro poderoso, mas—”
“A Marca de Caim”, Isabelle disse distraidamente. “Isso deve ter algo a ver com a Marca. Tem que ser.” Ela andou até o elevador e apertou o botão para chamá-lo. “Se Lilith era mesmo a primeira esposa de Adão, e Caim era filho de Adão, então a Marca de Caim é quase tão velha quanto ela.” “Onde você está indo?” “Ela disse que eles estavam lá em cima”, disse Isabelle. “Vou procurar em cada andar até encontrá-lo.” “Ela não pode feri-lo, Izzy”, disse Alec na voz racional que Isabelle detestava. “Eu sei que você está preocupada, mas ele tem a Marca de Caim; é intocável. Nem um Demônio Maior pode feri-lo. Ninguém pode.” Isabelle olhou zangada para o irmão. “Então para que você acha que ela o quer? Para ter alguém para lavar suas roupas durante o dia? Realmente, Alec—” Um barulho ressoou, e a seta sobre o elevador mais longe se acendeu. Isabelle começou a andar em direção a ele, quando as portas se abriram. Luz saiu dali de dentro... e depois da luz, uma onda de homens e mulheres — carecas, magrelos e vestidos em agasalhos cinza e tênis — se lançaram para fora. Eles estavam brandindo suas armas brutas tiradas dos destroços da construção: cacos de vidro quebrado, barras de ferro cortadas, blocos de concreto. Nenhum deles falava. Em um silêncio tão enorme a ponto de ser sinistro, saíram do elevador como um só e avançaram na direção de Alec e Isabelle.
Capítulo
18
CICATRIZES DE FOGO
NUVENS HAVIAM ROLADO SOBRE O RIO, DO MODO QUE ELAS faziam às vezes a noite, trazendo uma névoa espessa com elas. Não escondeu o que estava acontecendo no telhado, apenas deitava uma espécie de nevoeiro obscuro sobre tudo o mais. Os prédios se elevando em torno deles eram sombrios pilares de luz, e a lua mal cintilava, uma lâmpada abafada, através das nuvens baixas passageiras. Os pedaços de vidro quebrados do caixão, espalhados no piso de azulejos, brilhavam como cacos de gelo, e Lilith, também, brilhava, pálida sob a lua, observando Simon enquanto ele se inclinava sobre o corpo imóvel de Sebastian, bebendo seu sangue. Clary mal podia suportar olhar. Ela sabia que Simon odiava o que ele estava fazendo; ela sabia que ele estava fazendo isso por ela. Por ela, e até mesmo um pouquinho por Jace. E ela sabia qual seria o próximo passo no ritual. Simon daria seu sangue, de boa vontade, a Sebastian, e Simon morreria. Vampiros podiam morrer quando seu sangue era drenado. Ele morreria, e ela o perderia para sempre — e isso — tudo isso — seria sua própria culpa. Ela podia sentir Jace atrás dela, seus braços ainda apertados em torno dela, o suave e regular palpitar de seu coração contra suas omoplatas. Ela se lembrou do modo que ele a tinha abraçado nos degraus do Salão dos Acordos em Idris. O
som do vento nas folhas enquanto ele a beijava, suas mãos quentes em cada lado de seu rosto. O modo que ela tinha sentido o coração dele bater e embora o batimento do coração de ninguém mais fosse como o dele, como cada pulsação de seu sangue combinasse com o dela própria. Ele tinha que estar lá em algum lugar. Como Sebastian dentro de sua prisão de vidro. Tinha que haver algum modo de alcançá-lo. Lilith estava observando Simon enquanto ele se inclinava sobre Sebastian, seus olhos escuros grandes e fixos. Clary e Jace poderiam muito bem não ter estado lá. “Jace”, Clary sussurrou. “Jace, eu não quero ver isso.” Ela se pressionou contra ele, como se ela estivesse tentando se aconchegar nos braços dele, então fingiu um retrair quando a faca roçou no lado de sua garganta. “Por favor, Jace”, ela sussurrou. ”Você não precisa da faca. Você sabe que eu não posso te ferir.” “Mas por que—“ “Eu apenas quero olhar para você. Quero ver seu rosto.” Ela sentiu o peito dele subir e cair uma vez, rápido. Um tremor veio através dele, como se ele estivesse lutando com algo, se afastando contra isso. Então ele se moveu, do modo que só ele podia se mover, tão rapidamente que era como um flash de luz. Ele manteve seu braço direito apertado ao redor dela, sua mão esquerda deslizou a faca em seu cinto. Seu coração pulou selvagemente. Eu podia correr, ela pensou, mas ele simplesmente a alcançaria, e isso era apenas num instante. Segundos depois ambos os braços vieram ao redor dela, as mãos dele em seus braços, a virando. Ela sentiu os dedos deles traçarem suas costas, seus braços nus arrepiando, enquanto ele a virava para encará-lo. Ela estava olhando para longe de Simon agora, longe da mulher demônio, embora ela pudesse sentir a presença deles em suas costas, arrepiando sua espinha. Ela olhou para Jace. Seu rosto era tão familiar. As linhas nele, o modo de seu cabelo cair em sua testa, a cicatriz apagada em sua bochecha, outra em sua têmpora. Os cílios, uma matiz mais escura que seu cabelo. Seus olhos eram da cor de um vidro amarelo pálido. Era onde ele estava diferente, ela pensou. Ele
ainda parecia como Jace, mas seus olhos eram claros e inexpressivos, como se ela estivesse olhando através de uma janela para um quarto vazio. “Eu estou com medo”, ela disse. Ele afagou seu ombro, enviando fagulhas através de seus nervos; com uma sensação doentia, ela percebeu que seu corpo ainda respondia ao toque dele. “Eu não deixarei nada acontecer a você.” Ela olhou para ele. Você realmente acha isso, não é? De algum modo você
não pode ver a falta de conexão entre suas ações e suas intenções. De algum modo ela afastou isso de você. “Você não será capaz de impedi-la”, ela disse. “Ela vai me matar, Jace.” Ele sacudiu sua cabeça. “Não. Ela não faria isso.” Clary queria gritar, mas ela manteve sua voz deliberada, cautelosa, calma. ”Eu sei que você está ai, Jace. O verdadeiro você.” Ela pressionou mais perto dele. A fivela do cinto dele cavando em sua cintura. “Você poderia lutar...” Isso foi a coisa errada a se dizer. Ele se enrijeceu, e ela viu um flash de angústia nos olhos dele, o olhar de um animal em uma gaiola. No instante seguinte se tornou inflexível. “Não posso.” Ela estremeceu. O olhar no rosto dele era terrível, tão terrível. Com seu tremor os olhos dele se suavizaram. “Você está com frio?” Ele disse e por um momento ele soou como Jace de novo, preocupado com seu bem estar. Isso fez sua garganta doer. Ela acenou, embora o frio físico fosse a última coisa em sua mente. “Posso por minhas mãos dentro de sua jaqueta?” Ele concordou. Sua jaqueta estava desabotoada; ela deslizou seus braços dentro, suas mãos tocando as costas dele levemente. Tudo estava estranhamente silencioso. A cidade parecia congelada dentro de um prisma gelado. Mesmo a luz irradiada dos prédios ao redor deles parecia imóvel e fria. Ele respirou lentamente, regular. Ela podia ver a runa sobre seu peito através do tecido rasgado da blusa dele. Parecia pulsar quando ele respirava. Era doentia, ela pensou, anexada a ele desse jeito, como uma sanguessuga, sugando o
que era bom, o que era Jace. Ela se lembrou do que Luke tinha dito a ela sobre destruir uma runa. Se
você desfigurá-la o suficiente, você pode minimizar ou destruir seu poder.
Algumas vezes na batalha o inimigo tentará queimar ou remover a pele do Caçador de Sombras, só para privá-lo do poder de suas runas. Ela manteve seus olhos fixos no rosto de Jace. Esqueça o que está acontecendo, ela pensou. Esqueça sobre Simon, sobre a faca em sua garganta. O que você diz agora importa mais do que qualquer outra coisa que você tenha dito antes. “Lembra-se do que você me disse no parque?” Ela sussurrou. Ele olhou abaixo para ela, surpreso. “O que?” “Quando eu disse que não falava italiano. Eu me lembro do que você me disse, do que aquela citação significava. Você disse que ela significava que o amor é a força mais poderosa na Terra. Mais poderosa do que qualquer outra coisa.” Uma linha minúscula apareceu entre as sobrancelhas dele. “Eu não...” “Sim, você lembra.” Continue cuidadosamente, ela disse para si mesma, mas ela não podia se impedir, não podia conter aquela tensão que veio à tona em sua voz. ”Você se lembra. A mais poderosa força que há, você disse. Mais forte que o céu ou o inferno. Ela é mais poderosa que Lilith também.” Nada. Ele a encarava como se não pudesse ouvi-la. Era como gritar em um escuro túnel vazio. Jace, Jace, Jace. Eu sei que você está ai. “Há um modo que você poderia me proteger e ainda fazer o que ela quer”, ela disse. “Não seria esta a melhor coisa?” Ela pressionou seu corpo mais perto contra ele, sentindo seu estômago contorcer. Era como abraçar Jace e não como isso, tudo ao mesmo tempo, alegria e horror misturados juntos. E ela podia sentir o corpo dele reagir ao dela, a batida do coração dele em seus ouvidos, suas veias; ele não tinha parado de querê-la, qualquer que fossem as camadas de controle que Lilith exercia sobre sua mente. “Eu a sussurrarei para você”, ela disse, roçando seus lábios contra o pescoço dele. Ela respirou o cheiro dele, tão familiar quanto o cheiro de sua própria pele. “Escute.” Ela inclinou seu rosto acima, e ele se inclinou para ouvi-la — e sua mão se moveu da cintura dele para segurar o cabo da faca no cinto dele. Ela a lançou acima, do modo que ele tinha mostrado a ela quando eles treinaram, balançando seu peso em sua palma, e golpeou a lâmina através do lado esquerdo do peito dele em um enorme e raso arco. Jace gritou — mais em surpresa do que dor, ela
adivinhou — o sangue irrompeu do corte, vertendo em sua pele, obscurecendo a runa. Ele colocou a mão em seu peito; quando ela se tornou vermelha, ele olhou para ela, seus olhos imensos, como se de algum modo ele estivesse genuinamente ferido, genuinamente incapaz de acreditar na traição dela. Clary girou para longe dele enquanto Lilith gritava, Simon não estava mais curvado sobre Sebastian; ele tinha se empertigado e estava olhando para Clary, as costas da mão dele comprimidas contra sua boca. Sangue negro de demônio pingava de seu queixo em sua camisa branca. Seus olhos estavam arregalados. “Jace”, A voz de Lilith soou em espanto. ”Jace, pegue-a — eu ordeno —“ Jace não se moveu. Ele estava olhando para Clary, para Lilith, sua mão ensangüentada, e de volta de novo. Simon tinha começado a se afastar de Lilith; de repente ele parou com uma sacudida e se dobrou, caindo de joelhos. Lilith rodopiou distanciando-se de Jace e avançou para Simon, sua face rígida contorcida. “Levante-se”, ela gritou. “Fique de pé! Você bebeu o sangue dele. Agora ele precisa do seu!” Simon lutou para se sentar, então deslizou flácido para o chão. Ele teve ânsia de vômito, tossindo sangue preto. Clary se lembrou dele em Idris, dizendo que o sangue de Sebastian era como veneno. Lilith recuou seu pé para chutá-lo — então cambaleou como se uma mão invisível tivesse empurrado ela, forte. Lilith guinchou — sem palavras, apenas um grito como o choro de uma coruja. Era o som do autêntico ódio e fúria. Não era um som que um ser humano podia ter feito; parecia como cacos de vidros afiados sendo dirigidos aos ouvidos de Clary. Ela gritou, ”Deixe Simon em paz! Ele está doente.Você não vê que ele está doente?” Ela imediatamente lamentou de ter falado. Lilith se virou lentamente, seu olhar deslizando para Jace, frio e imperioso. “Eu te disse, Jace Herondale.” Sua voz soou. “Não deixe a garota sair do círculo. Tire a arma dela.” Clary mal tinha percebido que ela ainda estava segurando a faca. Ela se sentia tão fria que estava quase dormente, mas por baixo disso uma corrente de incontrolável fúria por Lilith — por tudo — libertou o movimento de seu braço. Ela jogou a faca no chão. Ela derrapou nos azulejos, alcançando os pés de Jace. Ele olhou abaixo cegamente, como se ele nunca tivesse visto uma arma antes.
A boca de Lilith era um fino talho vermelho. Os brancos de seus olhos tinham desaparecido, eles estavam todo negro. Ela não parecia humana. “Jace”, ela sibilou. ”Jace Herondale, você me ouviu. E irá me obedecer.” “Pegue-a”, Clary disse, olhando para Jace. “Pegue-a e mate ela ou a mim. É sua escolha.” Lentamente Jace se curvou e pegou a faca. ●●●● Alec tinha Sandalphon em uma mão, uma hachiwara — boa para se esquivar de múltiplos ataques — na outra. Pelo menos seis discípulos estendidos a seus pés, mortos ou inconscientes. Alec tinha lutado com muito poucos demônios em seu tempo, mas havia algo de especialmente estranho sobre lutar com os discípulos da Igreja de Talto. Eles se moviam em conjunto, menos como pessoas e mais como uma sombria onda estranha — estranha por que eles eram tão silenciosos e tão bizarramente fortes e rápidos. Eles pareciam também totalmente sem medo da morte. Embora Alec e Isabelle gritassem para eles manterem-se para trás, eles se mantinham movimentando a frente em uma horda muda, arremessando a si mesmos nos Caçadores de Sombras com a autodestrutiva insensatez de roedores se jogando de um precipício. Eles tinham acuado Alec e Isabelle no saguão e para o grande salão aberto de pedestais de pedra, quando o ruído da luta trouxeram Jordan e Maia correndo; Jordan na forma de lobo, Maia ainda humana, mas com as garras inteiramente para fora. Os discípulos mal pareceram registrar a presença deles. Eles lutaram, caindo um após o outro enquanto Alec, Maia, e Jordan atacavam a esmo com facas, garras, e lâminas. Os padrões cintilantes do chicote de Isabelle no ar enquanto ele recortava através de corpos, enviando finas rajadas de sangue no ar. Maia especialmente estava se saindo bem. Pelo menos uma dúzia de discípulos jaziam caídos em torno dela, e ela estava sobre outro com uma fúria ardente, suas mãos em garras, vermelhas até os pulsos. Um discípulo atravessou o caminho de Alec e se jogou nele, mãos esticadas. Seu capuz estava levantado; ele não podia ver seu rosto, ou adivinhar o
sexo ou idade. Ele enviou a lâmina de Sandalphon no lado esquerdo de seu peito. Aquilo gritou — um grito masculino, alto e rouco. O homem caiu, agarrado a seu peito, onde chamas estavam lambendo as margens do buraco em seu casaco. Alec se afastou, esgotado. Ele odiava observar o que acontecia a humanos quando uma lâmina serafim perfurava suas peles. Subitamente ele sentiu um calor atravessar suas costas, e se virou para ver um segundo discípulo empunhando um pedaço irregular de vergalhão. Este estava sem capuz — um homem, seus rosto tão magro que suas bochechas pareciam que estavam enterradas em sua pele. Ele sibilou e se jogou de novo contra Alec, que saltou de lado, a arma assoviando inofensivamente por ele. Ele girou e chutou ela da mão do discípulo. Ela chacoalhou no chão, e ele retrocedeu, quase tropeçando em um corpo — e fugiu. Alec hesitou por um momento. O discípulo que o tinha atacado tinha o feito próximo à porta. Alec sabia que deveria segui-lo — pelo que sabia, o homem poderia estar fugindo para alertar alguém ou conseguir reforços — mas ele se sentia muito cansado, nauseado e um pouco indisposto. Essas pessoas podiam estar possuídas; elas mal podiam ser pessoas, mas ainda parecia demais matar seres humanos. Ele se perguntou o que Magnus diria, mas para dizer a verdade, ele já sabia. Alec tinha combatido criaturas como aquela antes, os servos de demônios. Quase tudo que era humano neles havia sido consumido pelos demônios por energia, deixando nada além de assassinos ansiosos por matar e um corpo humano morrendo lentamente em agonia. Eles estavam além do socorro: incuráveis, irreparáveis. Ele ouviu a voz de Magnus como se o bruxo estivesse diante dele. Matá-los é a coisa mais misericordiosa que você pode fazer. Enfiando sua hachiwara em seu cinto, Alec começou a perseguição, atravessando a porta e no corredor atrás do discípulo fugitivo. O corredor estava vazio, as portas dos elevadores distantes abertas, um estranho alarme alto soou no corredor. Várias entradas se bifurcaram do saguão. Indiferente, Alec escolheu uma aleatoriamente e se lançou através dela. Ele se achou em um labirinto de pequenas salas que eram mal acabadas — chapas de parede tinham sido precipitadamente levantadas, e buquês de fios multicoloridos brotavam de buracos nas paredes. A lâmina serafim jogou uma
colcha de retalhos de luz através das paredes enquanto ele se movia cautelosamente entre as salas, seus nervos a flor da pele. Um ponto de luz captou movimento, e ele saltou. Abaixando a lâmina, ele viu um par de olhos e um pequeno corpo cinza deslizando em um buraco na parede, a boca de Alec retorceu. Esta era a Nova York para você. Mesmo em um prédio tão novo quanto esse, haviam ratos. Finalmente as salas se abriram em um largo espaço — não tão largo quanto a sala com os pedestais, mas mais considerável que as outras. Havia uma parede de vidro aqui, com papelão com fita de um lado a outro nas divisões nela. Uma forma escura estava agachada em um canto da sala, perto de uma seção de tubulação exposta. Alec se aproximou cuidadosamente. Era um truque de luz? Não, a forma era reconhecidamente humana, uma curvada figura agachada em roupas escuras. A runa de visão noturna de Alec fisgou enquanto ele estreitava seus olhos, movendo-se a frente. A forma era uma mulher esbelta, pés descalços, mãos acorrentadas em frente a ela numa extensão de cabo. Ela levantou sua cabeça enquanto Alec se aproximava, e a luz fraca que se derramava pela janela, iluminou seu pálido cabelo loiro. “Alexander?” Ela disse, sua voz cheia de descrença. “Alexander Lightwood?” Era Camille. ●●●● “Jace.” A voz de Lilith veio como um chicote através da carne; mesmo Clary encolheu-se ao som dela. “Eu te ordeno—“ O braço de Jace se jogou para trás — Clary tensa, se retesou — e ele jogou a faca em Lilith. Ela chicoteou no ar, girando, e se enterrou em seu peito; ela tropeçou para trás, fora de equilíbrio. Os saltos de Lilith derraparam na pedra suave; a demônio se endireitou com um rosnado, alcançando-a para arrancar a faca de suas costelas. Cuspindo algo em uma linguagem que Clary não podia entender, ela a deixou cair. Ela caiu retinindo ao chão, sua lâmina meio comida, como se por um poderoso ácido.
Ela girou para Clary. “O que você fez a ele? O que você fez?” Seus olhos tinham sido todo negros a um momento atrás. Agora, eles pareciam protuberados e sobressaídos. Pequenas serpentes negras deslizaram dos buracos dos olhos, Clary gritou e se afastou, quase tropeçando em uma cerca viva baixa. Esta era a Lilith que tinha visto na visão de Ithuriel com seus olhos deslizantes e voz áspera ecoante. Ela avançou para Clary— E, de repente, Jace estava entre elas, bloqueando o caminho de Lilith, Clary viu. Era ele mesmo de novo. Ele parecia arder com um fogo justiceiro, como Raziel tinha no Lago Lyn naquela horrível noite. Ele puxou a lâmina serafim de seu cinto; o branco prateado dela refletia em seus olhos; sangue pingava da fenda em sua camisa e alisava sua pele. O modo que ele olhava para ela, para Lilith — se os anjos pudessem ascender do inferno, Clary pensou, eles pareceriam assim. “Michael,” ele disse, e Clary não tinha certeza se era a força do nome, ou a fúria em sua voz, mas a lâmina que ele segurava ardeu mais brilhante do que qualquer outra lâmina que ela tenha visto. Ela, por um momento, olhou de lado, cega, e viu Simon deitado em uma pilha amontoada sombria ao lado do caixão de vidro de Sebastian. Seu coração contorceu em seu peito. O sangue demoníaco de Sebastian o tinha envenenado? A marca de Caim não o ajudaria. Era algo que ele tinha desejado. Por ela. Simon. “Ah, Michael”, A voz de Lilith estava cheia de riso enquanto ela se movia em direção a Jace. “O capitão das hostes do Senhor. Eu o conheci.” Jace levantou a lâmina serafim; ela queimou como uma estrela, tão brilhante que Clary se perguntou se toda a cidade poderia vê-la, como um holofote riscando o céu. “Não chegue mais perto.” Lilith, para a surpresa de Clary, parou. “Michael matou o demônio Sammael, a quem eu amava.” Ela disse. “Por que isso, Caçadorzinho de Sombras, que seus anjos são tão frios e sem misericórdia? Por que eles destroem o que não obedecerá a eles?“ “Eu não tinha ideia que você era defensora de tal livre arbítrio”, Jace disse, e o modo que disse isso, sua voz pesada com o sarcasmo, reassegurou mais a Clary que ele era si mesmo de novo, do que qualquer outra coisa seria. ”Então, que tal nos deixar sair desse telhado agora? Eu, Simon e Clary? O que você diz,
demônio? Acabou. Você não me controla mais. Eu não machucarei Clary, e Simon não lhe obedecerá. E esse pedaço de porcaria que você está tentando ressuscitar — eu sugiro que você se livre dele antes que ele comece a apodrecer. Por que ele não vai voltar, e ele está a caminho de passar da validade.” O rosto de Lilith se contorceu. Ela cuspiu em Jace, e seu cuspe era uma chama negra que acertou o chão e se tornou uma cobra que se contorceu em direção a ele, sua mandíbula boquiaberta. Ele a esmagou com a bota e a arremeteu para o demônio, lâmina estendida, mas Lilith se fora como uma sombra quando a luz brilhou nela, sumindo e reaparecendo bem atrás dele. Enquanto ele girava, ela levantou o braço quase preguiçosamente e bateu sua palma aberta contra o seu peito. Jace saiu voando, Michael golpeada de sua mão, deslizando nos azulejos de pedra. Jace voou no ar e atingiu a parede baixa do teto com tal força que linhas de estilhaço apareceram na pedra. Ele bateu forte no chão, visivelmente atônito. Arfando, Clary correu para a lâmina serafim caída, mas nunca a alcançou. Lilith apanhou Clary com duas magras mãos geladas, e a atirou com uma força incrível. Clary colidiu em uma cerca baixa, os galhos cortando brutalmente sua pele, abrindo longos cortes. Ela lutou para se libertar, seu vestido emaranhado na folhagem. Ela escutou a seda rasgar enquanto se libertava e virava para ver Lilith arrastar Jace em pé, sua mão apressou-se na frente ensanguentada da camisa dele. Ela sorriu para ele, e seus dentes eram pretos também, e brilharam como metal. “Estou feliz que você esteja de pé, pequeno Nephilim. Eu quero ver seu rosto quando eu te matar, não apunhalando você nas costas como você fez com meu filho.” Jace enxugou seu rosto com sua manga; ele estava sangrando do longo corte em sua bochecha, e o tecido ficou vermelho. “Ele não é seu filho. Você deu um pouco de sangue a ele. Isso não faz dele seu. Mãe dos bruxos—” ele virou sua cabeça e cuspiu, sangue. “Você não é mãe de ninguém.” Os olhos de cobra de Lilith se lançaram para frente e para trás furiosamente. Clary, desemaranhando-se dolorosamente da cerca, viu que cada cabeça de cobra tinha dois olhos em si, brilhantes e vermelhos. O estômago de Clary revirou enquanto as cobras se moviam, seus olhares parecendo deslizar acima e abaixo no corpo de Jace. “Cortou a minha runa. Que rude.” Ela cuspiu.
“Mas eficaz”, Jace disse. “Você não pode me vencer, Jace Herondale.” Ela disse. ”Você podia ser o maior Caçador de Sombras do mundo conhecido, mais eu sou mais do que um Demônio Maior.” “Então, lute comigo”, disse Jace. “Eu te darei uma arma. Eu terei minha lâmina serafim. Lute comigo, um contra um, e veremos quem vence.” Lilith olhou para ele, sacudindo sua cabeça lentamente, o cabelo escuro girando em torno dela como fumaça. “Eu sou o mais velho dos demônios”, ela disse. “Eu não sou um homem. Eu não tenho orgulho masculino para você me enganar com isso, e eu não estou interessada em um luta individual. Esta é a fraqueza de seu sexo, não meu. Eu sou uma mulher. Eu usarei qualquer arma e todas as armas para conseguir o que eu quero.” Ela então o soltou, com um empurrão desdenhoso. Jace tropeçou por um momento, se empertigando rapidamente e alcançando o chão em direção a lâmina brilhante de Michael. Ele a levantou enquanto Lilith ria e levantava suas mãos. Sombras meio opacas explodiram de suas palmas abertas. Mesmo Jace pareceu chocado enquanto as sombras solidificavam em formas, as formas gêmeas de demônios ensombrecidas com cintilantes olhos vermelhos. Elas atingiram o chão e rosnaram. Eram cães. Clary pensou estupefata, dois delgados cachorros pretos parecendo cruéis que vagamente lembravam dobermanns. “Guardiões do inferno36,” Jace respirou. “Clary—“ Ele se interrompeu quando um dos cachorros saltou na direção dele, sua boca aberta tão imensa quanto a de um tubarão, um alto uivo latido irrompendo de sua garganta. Um momento depois o segundo saltou no ar, lançando-se em direção a Clary. ●●●●
“Camille”, a cabeça de Alec estava girando. “O que você está fazendo aqui?”
36
Hellhound – Cérbero. Guardiões das portas dos inferno.
Ele imediatamente percebeu que soou como um idiota. Ele lutou com o desejo de dar uma pancada em sua própria testa. A última coisa que ele queria era parecer como um tolo na frente da ex-namorada de Magnus. “Foi Lilith”, disse a vampira em uma voz baixa e trêmula. “Ela fez seus discípulos entrarem no Santuário. Ele não é guardado contra humanos, e eles são humanos — o bastante. Eles quebraram minhas correntes e me trouxeram aqui, para ela.“ Ela levantou suas mãos, as correntes ligando seus pulsos ao cano rangeram. “Eles me brutalizaram.” Alec se agachou, trazendo seus olhos ao mesmo nível dos da Camille. Vampiros não tinham hematomas - eles se curavam muito rapidamente para isso — mas seu cabelo estava emaranhado com sangue no lado esquerdo, que fez ele pensar que ela estava falando a verdade. “Vamos dizer que eu acredito em você”, ele disse. “O que ela queria com você? Nada que eu saiba sobre Lilith diz que ela tem um particular interesse em vampiros.” “Você sabe por que a Clave estava me prendendo,” ela disse. “Você deve ter ouvido.” “Você matou três Caçadores de Sombras. Magnus disse que você alegava estar fazendo isso por que alguém tinha ordenado—“ ele se interrompeu. “Lilith?” “Se eu te disser, você me ajudará?” O lábio inferior de Camille tremia. Seus olhos estavam imensos, verdes, suplicantes. Ela era muito bonita. Alec se perguntou se ela tinha alguma vez olhado para Magnus daquele jeito. Isso o fez querer sacudi-la. “Eu poderia”, ele disse, atônito com a frieza em sua própria voz. “Você não tem muito poder de barganha aqui. Eu poderia sair e deixar você para Lilith ter, isso não faria muita diferença para mim.” “Sim, faria.” Ela disse. Sua voz era baixa, “Magnus te ama. Ele não te amaria se você fosse o tipo de pessoa que abandona alguém indefeso.” “Ele amava você”, Alec disse. Ela deu um sorriso melancólico. “Ele parece ter escolhido melhor desde então.”
Alec balançou para trás em seus calcanhares levemente. “Olhe”, ele disse, “me diga a verdade. Se você o fizer, eu te liberto e a levo para a Clave. Eles a tratarão melhor do que Lilith trataria.” Ela olhou para seus pulsos, acorrentados ao cano. “A Clave me acorrentou”, ela disse. “Lilith me acorrentou. Vejo pouca diferença no tratamento entre os dois.” “Então, eu acho que é sua escolha. Confiar em mim, ou confiar nela.” Alec disse. Era uma aposta, ele sabia. Ele esperou por alguns instantes tensos antes que ela dissesse, ”Muito bem, se Magnus confia em você, eu confiarei.” Ela levantou sua cabeça, dando seu melhor olhar digno, apesar da roupa rasgada e cabelo ensanguentado. “Lilith veio a mim, não eu a ela. Ela tinha ouvido falar que eu estava procurando recobrar minha posição como líder do clã de Manhattan de Raphael Santiago. Ela disse que me ajudaria, se eu a ajudasse.” “Ajudá-la a assassinar Caçadores de Sombras?” “Ela queria o sangue deles”, Camille disse. ”Era para aqueles bebês. Ela estava injetando sangue de Caçadores de Sombras e sangue demoníaco em suas mães, tentando copiar o que Valentine fez a seu filho. Embora, não funcionasse. Os bebês tornaram-se coisas deformadas — e então eles morreram.” Apanhando o olhar revoltado dele, ela disse. “Primeiro eu não sabia o que ela queria com o sangue. Você pode não pensar muito de mim, mas eu não tenho inclinação para assassinar inocentes.” “Você não tinha que fazer isso”, Alec disse. ”Só por que ela ofereceu.” Camille sorriu cansada. “Quando você é tão velho como eu sou”, ela disse, ”é por que você aprendeu a jogar corretamente — fazer as alianças certas nos momentos certos. Aliar-se não só com o mais poderoso, mas com aqueles que você acredita que farão você poderoso. Eu sabia que se eu não concordasse em auxiliar Lilith, ela me mataria. Demônios não são de natureza confiável, e ela pensaria que eu iria a Clave com o que eu sabia sobre os planos dela de matar Caçadores de Sombras, mesmo se eu prometesse a ela que ficaria em silêncio. Eu apostei que Lilith era um perigo maior para mim do que sua espécie era.“ “E você não se importou em matar Caçadores de Sombras.”
“Eles eram membros do Ciclo”, Camille disse. “Eles tinham matado minha espécie. E a sua.” “E Simon Lewis? Qual era seu interesse nele?” “Todos querem o Daylighter do seu lado.” Camille deu de ombros. ”E eu sabia que ele tinha a Marca de Caim. Um dos vampiros subalternos de Raphael ainda é leal a mim. Ele passou a informação. Poucos seres do submundo sabem disso. Isso faz dele um aliado de valor incalculável.” “É isso que Lilith quer dele?” Os olhos de Camille se alargaram. Sua pele ficou muito pálida, e por baixo disso, Alec pode ver que suas veias tinham escurecido, o padrão delas começando a se espalhar na brancura de seu rosto como alargadas rachaduras em porcelana. Finalmente, vampiros famintos tornavam-se selvagens, então perdiam a consciência, uma vez que eles estivessem sem sangue por muito tempo. Quanto mais velhos eles fosse, mais eles podiam protelar, mas Alec não se impediu de imaginar quanto tempo havia sido desde que ela tinha se alimentado. “O que você quer dizer?“ “Aparentemente ela intimou Simon para encontrar com ela.” Alec disse. “Eles estão em algum lugar neste prédio.” Camille encarou por um longo momento, então riu. “Uma verdadeira ironia”, ela disse. “Ela nunca o mencionou para mim, e eu nunca o mencionei para ela, e ainda assim ambas estávamos atrás dele para nossos próprios fins. Se ela o quer, é pelo seu sangue”, ela adicionou. ”O ritual que ela está fazendo é mais seguramente de sangue mágico. O sangue dele — mistura de sangue do ser do submundo e do Caçador de Sombras — seria de grande uso para ela.” Alec sentiu um leve desconforto. “Mas ela não pode machucá-lo. A Marca de Caim—“ “Ela descobrirá um meio de burlar isso”, Camille disse. “Ela é Lilith, a mãe dos bruxos. Ela tem estado viva há muito tempo, Alexander.” Alec ficou de pé. “Então é melhor eu descobrir o que ela está fazendo.” As correntes de Camille chacoalharam enquanto ela tentava ficar de joelhos. “Espere — você disse que me libertaria.” Alec se virou e olhou ela abaixo. “Eu não disse. Eu disse que deixaria a Clave ficar com você.”
“Mas se você me deixar aqui, nada impede que Lilith me encontre primeiro.” Ela jogou seu cabelo emaranhado para trás, linhas de tensão mostraram-se em sua face. “Alexander, por favor. Eu te imploro—“ “Quem é Will?” Alec disse. As palavras saíram abruptamente, inesperadas, e para seu horror. “Will?” Por um momento o rosto dela ficou vazio; então se dobrou em um olhar de realização, e próximo a diversão. “Você escutou minha conversa com Magnus.” “Um pouco dela”, Alec exalou cuidadosamente. “Will está morto, não está? Quero dizer, Magnus disse que foi há muito tempo atrás que ele o conheceu...” “Eu sei o que está te incomodando, pequeno Caçador de Sombras.” A voz de Camille tornou-se musical e suave. Atrás dela, através das janelas, Alec podia ver o distante piscar de luzes de um avião que voava sobre a cidade. ”Primeiro você estava feliz. Você pensou no momento, não no futuro. Agora você percebeu. Você envelhecerá, e morrerá um dia. E Magnus não. Ele continuará. Vocês não envelhecerão juntos. Ao invés disso, vocês se separarão.” Alec pensou nas pessoas no avião, acima, no ar frio e gelado, olhando abaixo a cidade como um campo de diamantes cintilando, bem abaixo. É claro, ele nunca tinha estado em um avião. Ele só estava adivinhando como isso pareceria, solitário, distante, desconectado do mundo. “Você não pode saber disso”, ele disse. “Que nós nos separaremos.” Ela sorriu com pena. “Você é bonito agora,” ela disse. “Mas você será em vinte anos? Em quarenta? Cinquenta? Ele amará seus olhos azuis quando eles se apagarem, sua pele suave quando a idade cortar profundos vincos nela? Suas mãos quando elas tremerem e ficarem fracas, seu cabelo quando ficar branco—“ “Cale a boca”, Alec ouviu o estrondo em sua própria voz, e era envergonhante. “Apenas cale a boca. Eu não quero ouvir isso.” “Não tem que ser desse modo.“ Camille se inclinou em direção a ele, seus olhos verdes luminosos. “E se eu te dissesse que você não tem que envelhecer? Não tem que morrer?” Alec sentiu uma onda de fúria. “Eu não estou interessado em me tornar um vampiro. Nem mesmo se incomode em fazer a oferta. Nem se a única outra alternativa fosse a morte.”
Pelo mais breve dos instantes o rosto dela se contorceu. Isso se foi em um flash enquanto ela se controlava, ela sorriu um tênue sorriso e disse, “Esta não era a minha sugestão. Se eu te dissesse que há outro modo? Outro modo para vocês dois estarem juntos para sempre?” Alec engoliu em seco. Sua boca estava tão seca quanto papel. “Diga-me.“ Ele disse. Camille levantou suas mãos. Suas cadeias agitando. “Corte-as” “Não. Me diga primeiro.” Ela sacudiu sua cabeça. “Eu não farei isso.” Sua expressão era tão rígida quanto mármore, como era sua voz. “Você disse que eu não tinha nada para barganhar. Mas eu tenho. E eu não a revelarei.” Alec hesitou. Em sua cabeça ele tinha ouvido a voz suave de Magnus. Ela é
uma mestre em dedução e manipulação. Ela sempre foi. Mas, Magnus, ele pensou. Você nunca me disse. Nunca me alertou que seria desse jeito, que eu acordaria um dia e perceberia que iria para algum lugar que você não poderia me acompanhar. Que nós somos essencialmente não o mesmo. Não há “até que a morte nos separe” para aqueles que nunca morrem. Ele deu um passo em direção a Camille, e então outro. Levantando seu braço direito, ele trouxe a lâmina serafim abaixo, tão forte quanto ele podia. Ela tosquiou o metal de suas cadeias; seus pulsos se separaram, ainda em suas algemas, mas livres. Ela trouxe suas mãos acima, sua expressão exultante, triunfante. “Alec”, Isabelle falou da entrada; Alec se virou e a viu em pé lá, seu chicote do seu lado. Estava manchado de sangue; como estavam as mãos dela e seu vestido de seda. “O que você está fazendo aqui?” “Nada. Eu—“ Alec sentiu uma onda de vergonha e horror, quase sem pensar, ele moveu um passo em frente a Camille, como se ele pudesse obscurecêla da visão de sua irmã. “Eles estão todos mortos.” Isabelle soava sombria. “Os discípulos. Nós matamos cada um deles. Agora vamos lá. Nós temos que começar a procurar por Simon.” Ela apertou os olhos para Alec. “Você está bem? Você parece realmente pálido.” “Eu a libertei”, Alec botou para fora. “Eu não devia. É só—“
“Libertou quem?” Isabelle deu um passo dentro da sala. A luz ambiente da cidade cintilou em seu vestido, fazendo ela brilhar como um fantasma. “Alec, de que besteira você está falando?” A expressão dela era vazia, confusa. Alec se virou, seguindo seu olhar, e viu — nada. O cano ainda estava lá, um pedaço da corrente jazendo ao lado dele, a poeira no chão apenas ligeiramente agitada. Mas Camille se fora. ●●●● Clary mal teve tempo de colocar seus braços acima antes que o guardião do inferno colidisse com ela, uma bala de canhão de músculos e ossos e respiração quente e fedorenta. Seus pés saíram debaixo, ela se lembrou de Jace dizendo que o melhor modo de cair, como proteger a si mesmo, mas o conselho fugiu de sua mente e ela acertou o chão com os cotovelos, agonia se atirando através dela enquanto a pele se rasgava. Um momento depois o guardião estava sobre ela, suas patas, esmagando seu peito, seu rabo distorcido girando de um lado para o outro em uma grotesca imitação de um abanar. A ponta de sua cauda era pontuda com unhas com saliências iguais a uma clava medieval, e um rosnar rouco veio de seu tronco, tão alto e forte que ela pôde sentir seus ossos vibrarem. “A segure aí! Rasgue sua garganta se ela tentar fugir!” Lilith deu instruções enquanto o segundo guardião do inferno saltava em Jace; ele estava lutando com aquilo, rolando repetidamente, um redemoinho de dentes e braços e pernas e o chicotear perverso da cauda. Com dor Clary virou sua cabeça para o outro lado, e viu Lilith indo em direção ao caixão de vidro e Simon, ainda deitado em uma pilha. Dentro do caixão Sebastian flutuava, tão imóvel quanto um corpo afogado, a cor leitosa da água tinha se tornado escura, provavelmente com seu sangue. O guardião a prendendo no chão rosnou perto de sua orelha. O som enviou um golpe de medo através dela — e junto com o medo, fúria. Fúria por Lilith, e por si mesma. Ela era uma caçadora de Sombras. Uma coisa era ser derrubada por um demônio Ravener quando ela nunca tinha ouvido falar de Nephilim. Ela tinha um pouco de treinamento agora. Ela devia ser capaz de fazer melhor.
Qualquer coisa pode ser uma arma, Jace tinha dito para ela no parque. O peso do guardião era esmagador; ela fez um ruído sufocado e alcançou sua garganta, como se lutasse por ar. Ele latiu e rosnou, mostrando seus dentes, seus dedos se fecharam na corrente contendo o anel Morgenster ao redor de seu pescoço. Ela a arrancou, forte, e a corrente arrebentou, ela a chicoteou em direção a face do cachorro, açoitando o guardião brutamente nos olhos. O guardião levantou nas patas traseiras, uivando com dor, e Clary rolou para o lado, rastejando de joelhos. Com olhos ensanguentados, o cachorro se agachou, pronto para saltar. O colar tinha caído da mão de Clary, o anel rolou, ela se arrastou atrás da corrente enquanto o cachorro saltava— Uma lâmina brilhante varou a noite, golpeando a milímetros do rosto de Clary, separando a cabeça do cachorro de seu corpo. Ele deu um único urro e desapareceu, deixando para trás uma marca preta chamuscada na pedra, e o fedor de demônio no ar. Mãos vieram abaixo, levantando gentilmente Clary em pé. Era Jace. Ele tinha enfiado a ardente lâmina serafim em seu cinto, e a segurava com ambas as mãos, olhando para ela com uma expressão peculiar. Ela não podia descrevê-la, ou mesmo traçá-la — esperança, choque, amor, anseio, e raiva todos misturados juntos em sua expressão. Sua camisa estava rasgada em vários lugares, ensopada com sangue; sua jaqueta se foi, seu cabelo loiro manchado com suor e sangue. Por um momento eles simplesmente olharam um para o outro, o aperto sobre suas mãos dolorosamente fortes. Então ambos falaram ao mesmo tempo: “Você está—,” ela começou. “Clary”, Ainda apertando suas mãos, ele a puxou com ele, para longe do círculo, em direção a passarela que levava aos elevadores. “Vá”, ele disse asperamente. “Saia daqui, Clary.” “Jace—“ Ele tomou um fôlego estremecido. “Por favor”, ele disse, e então a soltou, puxando a lâmina serafim de seu cinto enquanto ele voltava para o círculo. “Levante-se”, Lilith rosnou, “levante-se.” Uma mão sacudiu o ombro de Simon, enviando uma onda de agonia através de sua cabeça. Ele tinha flutuado na escuridão; ele abriu seus olhos agora e viu o céu noturno, estrelas, e o rosto branco de Lilith pairando sobre ele. Os
olhos dela se foram, substituídos por cobras negras rastejantes. O choque da visão foi o suficiente para empurrar Simon em pé. No instante que ele estava ereto, ele teve ânsia e quase caiu de joelhos novamente. Fechando seus olhos de novo contra a náusea, ele escutou Lilith rosnar seu nome, e então a mão dela estava em seu braço, o guiando à frente. Ele a deixou fazê-lo. Sua boca estava cheia do sabor nauseante e amargo do sangue do Sebastian; ele estava se espalhando através de suas veias, também, o fazendo doente, fraco, e febril até seus ossos. Sua cabeça caiu como ela pesasse mil quilos, e a tontura estava avançando e retrocedendo em ondas. Abruptamente o aperto gelado de Lilith em seu braço se foi. Simon abriu seus olhos e descobriu que ele estava em pé diante do caixão de vidro como tinha estado antes. Sebastian flutuava em um líquido leitoso escuro, seu rosto suave, sem pulso em seu pescoço. Dois buracos escuros eram visíveis ao lado de sua garganta onde Simon o tinha mordido. Dê a ele o seu sangue, a voz de Lilith ecoou, não alta mas dentro de sua cabeça. Faça-o, agora. Simon olhou acima tonto. Sua visão estava nebulosa. Ele se esforçou para ver Clary e Jace através da escuridão invadindo. Use suas presas, Lilith disse. Corte seu pulso. Dê a Jonathan seu sangue. O
cure. Simon levantou seu pulso até sua boca. Curar ele. Ressuscitar alguém da morte era muito mais do que curá-los, ele pensou. Talvez a mão de Sebastian crescesse de volta. Talvez fosse isso que ela queria dizer. Ele esperou para suas presas virem, mas elas não vieram. Ele estava esgotado demais para estar com fome, ele pensou, e lutou contra o impulso insano de rir. “Não posso”, ele disse, meio arfando. ”Eu não posso—“ “Lilith!” A voz de Jace irrompeu através da noite; Lilith se virou com um sibilar incrédulo. Simon abaixou seu pulso lentamente, lutando para focar seus olhos. Ele focalizou no brilho em frente a ele, e veio o salto da chama de uma lâmina serafim, segura na mão esquerda de Jace. Simon podia vê-lo claramente agora, uma imagem distinta pintada na escuridão. Sua jaqueta se fora, ele esta imundo, sua camiseta rasgada e preta com sangue, mas seus olhos eram claros e
seguros e atentos. Ele não parecia mais como um zumbi ou alguém preso sonâmbulo em um sonho terrível. “Onde ela está?” Lilith disse, seus olhos de cobra deslizando a frente em seus pêndulos. “Onde está a garota?” Clary. O olhar anuviado de Simon procurou na escuridão ao redor de Jace, mas ela não estava em lugar algum. Sua visão estava começando a clarear. Ele podia ver o sangue lambuzando o chão de azulejos, e pontos de desfiada seda rasgada presas nos galhos afiados de uma cerca viva. O que pareceram como pegadas de patas manchadas do sangue. Simon sentiu seu peito se apertar. Ele olhou rapidamente de volta para Jace. Jace parecia zangado — muito zangado de fato — mas não perturbado do modo que Simon teria esperado que ele parecesse se algo tivesse acontecido a Clary. Então onde ela estava? “Ela não tem nada haver com isso”, Jace disse. “Você diz que eu não posso matá-la, demônio. Eu digo que posso. Vamos ver quem de nós está certo.” Lilith se moveu tão rápido, ela era um borrão. Um momento ela estava ao lado de Simon, no outro ela estava a um passo acima de Jace. Ela o golpeou com sua mão, ele mergulhou, girando abaixo dela, lançando a lâmina serafim em seu ombro. Ela gritou, rodopiando sobre ele, sangue jorrando deu seu ferimento. Era uma cintilante cor negra, como ônix. Ela trouxe suas mãos juntas como se quisesse esmagar a lâmina entre elas. Elas bateram uma na outra com um som como de um trovão, mas Jace já tinha partiido, a vários metros de distância, a luz da lâmina serafim dançando no ar diante dele como o piscar de um olho escarnecedor. Se tivesse sido qualquer outro Caçador de Sombras e não Jace, Simon pensou, ele já teria morrido. Ele se lembrou de Camille dizendo, ‘Homens não podem contender com o divino’. Caçadores de Sombras eram humanos, apesar de seu sangue de anjo, e Lilith era mais do que um demônio. Dor atravessou Simon. Com surpresa ele percebeu que suas presas tinham, finalmente, saído, e estavam cortando seu lábio inferior. A dor e ao gosto de sangue o impeliram a frente. Ele começou a se levantar, lentamente, seus olhos em Lilith. Ela certamente não parecia notá-lo ou o que ele estava fazendo. Seus olhos estavam fixos em Jace. Com outro súbito rosnar ela saltou nele. Era como observar mariposas para lá e para cá, observar os dois enquanto eles lutavam para
frente e para trás no teto. Mesmo com a sua visão vampira, Simon teve problemas em se firmar enquanto eles se moviam, saltando por cima das cercas, se lançando entre as passarelas. Lilith recuou Jace contra o muro baixo que cercava um relógio solar, os números em sua face distinguiam-se em um dourado brilhante. Jace estava se movendo tão rápido que ele era quase um borrão, a luz de Michael chicoteando em torno de Lilith, como se ela estivesse sendo envolvida em uma rede de brilhantes filamentos. Qualquer um teria sido cortado em tiras em segundos. Mas Lilith se movia como água escura, como fumaça. Ela parecia desaparecer e reaparecer à vontade, e embora Jace não estivesse claramente cansado, Simon podia sentir sua frustração. Finalmente aconteceu, Jace lançou a lâmina serafim violentamente em direção a Lilith — e ela a pegou no ar, sua mão se envolvendo em torno de sua lâmina. Sua mão estava pingando sangue negro enquanto ela empurrava a lâmina em direção a ela. As gotas, quando elas acertavam o chão, tornavam-se minúsculas cobras obsidianas que se contorciam na vegetação rasteira. Tomando a lâmina em ambas as mãos, ela a levantou. Sangue corria de seus pulsos e antebraços pálidos como faixas de alcatrão. Com um sorriso rosnado ela partiu a lâmina ao meio, uma metade fragmentou em um pó brilhante em suas mãos, enquanto a outra — o cabo e um caco irregular da lâmina — crepitou sombriamente, uma chama meio sufocada pela cinza. Lilith sorriu. “ Pobre pequeno Michael”, ela disse. “Ele sempre foi fraco.” Jace estava arfando, suas mãos apertadas em seus lados, seu cabelo pregado em sua testa com o suor. “Você e sua conversa fiada”, ele disse. “’Eu conheci Michael’, ‘eu conheci Sammael’. ‘O anjo Gabriel fez meu cabelo. É como ‘eu estou com o conjunto de personagens bíblicos.’” Este era Jace sendo valente, Simon pensou, valente e irritante por que ele pensava que Lilith ia matá-lo, e esse era o modo que ele queria ir, sem medo e de pé. Como um guerreiro. O modo que os Caçadores de Sombras faziam. Sua canção de morte sempre seria isso — piadas e superioridade e aparente arrogância, e aquele olhar em seus olhos que dizia, Eu sou melhor do que você. Simon não o tinha percebido antes.
“Lilith”, Jace continuou, conseguindo fazer que a palavra soasse como uma maldição. “Eu estudei sobre você. Na escola. Os céus amaldiçoaram você com a esterilidade. Mill bebês, e todos eles morreram. Não é este o caso?” Lilith segurou sua sombria lâmina cintilando, seu rosto impassivo. “Cuidado, pequeno Caçador de Sombras.” “Ou o que? Ou você me matará?” Sangue pingava do rosto de Jace de um corte em sua bochecha, ele não fez nenhum movimento para limpá-lo. “Vá em frente.” Não. Simon tentou dar um passo; seus joelhos se curvaram, e ele caiu, batendo com força suas mãos no chão. Ele tomou fôlego. Ele não precisava de oxigênio, mas ajudava de algum modo, a firmá-lo. Ele se estendeu e segurou a beirada de um pedestal de pedra, usando isso para se levantar. A parte de trás de sua cabeça estava martelando. Não havia jeito de que seria tempo suficiente. Tudo que Lilith tinha que fazer era dirigir a frente à lâmina denteada que ela segurava— Mas ela não o fez. Olhando para Jace, ela não se moveu, e de repente os olhos dele cintilaram, sua boca relaxou. “Você não pode me matar”, ele disse, sua voz se elevando. “O que você disse antes — eu sou o contrapeso. Eu sou a única coisa o prendendo” — ele arremessou um braço, indicando o caixão de vidro de Sebastian — “neste mundo. Se eu morrer, ele morre. Não é verdade?” Ele deu um passo para trás. “Eu poderia pular desse teto agora mesmo.” Ele disse. “Me matar. Acabar com isso.” Pela primeira vez Lilith pareceu realmente agitada. Sua cabeça chicoteou de um lado para o outro, seus olhos de serpente estremecendo, como se eles estivessem procurando o vento. “Onde ela está? Onde está a garota?” Jace limpou o sangue e o suor de seu rosto e sorriu para ela, seu lábio já estava dividido, e sangue corria em seu queixo. “Esqueça. Eu a mandei escadas abaixo enquanto você não estava prestando atenção. Ela se foi — a salvo de você.” Lilith rosnou. “Você mente.” Jace deu um outro passo para trás. Mais alguns poucos passos o trariam para o muro baixo, na margem do prédio. Jace podia sobreviver muito, mais uma queda de um prédio de quarenta andares poderia ser demais até mesmo para ele.
“Você se esquece”, disse Lilith, “Eu estava lá, Caçador de Sombras. Eu observei você cair e morrer. Observei Valentine chorar sobre seu corpo. E então vi o Anjo perguntar a Clarissa o que ela queria dele, o que no mundo ela mais queria, e ela disse você. Pensando que você poderia ser a única pessoa no mundo que poderia ter seus amados mortos de volta, e que não haveria nenhuma consequência. Isso é o que vocês pensaram, não é, vocês dois? Tolos.” Lilith cuspiu. “Vocês amam um ao outro — qualquer um pode ver isso, olhem para vocês — que tipo de amor que pode arder o mundo ou elevá-lo em glória. Não, ela nunca deixaria seu lado. Não enquanto ela pensasse que você esta em perigo.” Sua cabeça foi para trás, sua mão atirando, dedos curvados em garras. “Lá.” Houve um grito, e uma das cercas pareceu rasgar, revelando Clary, que tinha estado agachada se escondendo, no meio dela. Chutando e lutando, ela foi arrastada a frente, suas unhas arranhando o chão, lutando em vão por um ponto de apoio ou algo que ela pudesse agarrar. Suas mãos deixaram trilhas de sangue nos azulejos. “Não!” Jace foi a frente, então congelou quando Clary foi chicoteada para o ar, onde ela pairava, pendendo em frente a Lilith. Ela estava descalça, seu vestido de cetim — agora tão rasgado e imundo, parecia vermelho e preto ao invés de dourado — girando em torno dela, uma das alças de seu ombro rasgada e pendendo. Seu cabelo tinha saído completamente de suas presilhas faiscantes e se derramava sobre seus ombros. Seus olhos verdes fixos em Lilith com ódio. “Sua vadia”, ela disse. O rosto de Jace era uma máscara de horror. Ele realmente tinha acreditado quando disse que Clary tinha partido, Simon percebeu. Ele pensou que ela estava a salvo. Mas Lilith estava certa. E ela estava exultando agora, seus olhos de cobra dançando enquanto ela movia suas mãos como um títere37, e Clary girou e arfou no ar. Lilith estalou seus dedos, e o que pareceu como um estalar de um chicote prata, veio através do corpo de Clary, rasgando seu vestido e a pele sob ele. Ela gritou e apertou o ferimento, e seu sangue tamborilou sob os azulejos como chuva escarlate. “Clary”, Jace girou para Lilith. “Tudo bem.” Ele disse. Ele estava pálido agora, seu desafio se fora; suas mãos, apertadas em punhos, estavam brancas nas 37
Puppetter: Artista que manipula fantoches.
juntas. “Tudo bem. Solte-a, e eu farei o que você quer — como Simon — Nós deixaremos você—“ “Me deixar?” De algum modo as feições no rosto de Lilith se reorganizaram. Cobras giravam nos buracos de seus olhos, sua pele branca estava muito esticada e brilhante, sua boca muito grande. Seu nariz quase tinha desaparecido. “Você não tem escolha. E mais do que isso, você me aborreceu. Todos vocês. Talvez se você tivesse simplesmente feito como eu ordenei, eu o deixaria ir. Você nunca saberá agora, não é?” Simon soltou o pedestal de pedra, oscilou, e se firmou. Então começou a andar. Colocando seus pés, um após o outro, parecendo como imensos sacos pesados de areia molhada ao lado de um precipício. Toda vez que seu pé tocava o chão, ele enviava uma apunhalada de dor através de seu corpo. Ele se concentrou em se mover para frente, um passo de cada vez. “Talvez eu não possa te matar”, Lilith disse a Jace. “Mas eu posso torturála até além da resistência dela — torturá-la até a loucura — e fazer você assistir. Há coisas piores do que a morte, Caçador de Sombras.” Ela estalou seus dedos de novo, e o chicote prata desceu sobre o ombro de Clary dessa vez, abrindo um extenso corte. Clary se dobrou mais não gritou, apertando suas mãos em sua boca, se curvando como se ela pudesse se proteger de Lilith. Jace foi a frente para se jogar a si mesmo em Lilith — e viu Simon. Seus olhares se encontraram. Por um momento o mundo pareceu estar em suspenso, todo ele, não apenas Clary. Simon viu Lillith, toda a atenção dela focada em Clary, sua mão vindo para trás, pronta para atirar um golpe ainda mais perverso. O rosto de Jace estava branco com a angústia, seus olhos escurecendo enquanto eles encontravam os do Simon — e ele notou — e entendeu. Jace se afastou. O mundo borrou em torno de Simon. Enquanto ele saltava a frente, ele percebeu duas coisas. Uma, que era impossível, ele nunca alcançaria Lilith a tempo, a mão dela já estava pronta chicoteando a frente, o ar em frente a ela vivo com o turbilhão prata. E dois, que ele nunca tinha entendido bem antes o quão rápido um vampiro poderia se mover. Ele sentiu os músculos em suas pernas, suas costas, romperem, os ossos em seus pés e tornozelos fender—
E lá estava ele, deslizando entre Lilith e Clary enquanto a mão da demônio vinha abaixo. O longo e afiado fio prata o atingiu sobre o rosto e o peito — houve um momento de intensa dor — e então o ar pareceu queimar em torno dele como confetes cintilantes, e Simon ouviu Clary gritar, um som claro de choque e estupefação que cortou através da escuridão. “Simon!” Lilith congelou. Ela olhou de Simon para Clary, ainda suspensa no ar, e então abaixo para sua própria mão, agora vazia. Ela puxou um longo e irregular suspiro. “Sete vezes”, ela sussurrou — e foi abruptamente cortada enquanto uma luz cegante iluminava a noite. Deslumbrado, tudo o que Simon pode pensar foi em formigas queimando sob o feixe concentrado de uma lente de aumento, enquanto um grande raio de fogo mergulhava do céu, lançando-se através de Lilith. Por um longo momento ela ardeu em branco contra a escuridão, presa dentro de uma chama alucinante, sua boca aberta como um túnel em um grito silencioso. Seu cabelo elevado, uma massa de filamentos ardentes contra a escuridão — e então ela era ouro branco, atingida dispersa contra o ar— e então era sal, mil grânulos cristalinos de sal que choveram aos pés de Simon com um tipo de beleza medonha. E então ela se foi.
Capítulo
19
O INFERNO ESTÁ SATISFEITO
O BRILHO INIMAGINÁVEL IMPRESSO NAS COSTAS DAS pálpebras da Clary apagou na escuridão. Uma surpreendente longa escuridão que se rendeu lentamente para uma intermitente luz acinzentada com sombras. Havia algo duro e frio pressionado em suas costas, e seu corpo inteiro doeu. Ela ouviu o murmúrio de vozes acima dela, que enviou uma punhalada de dor em sua cabeça. Alguém a tocou gentilmente na garganta, e a mão foi removida. Ela puxou um fôlego. Seu corpo inteiro estava latejante. Ela semicerrou seus olhos, e olhou ao redor dela, tentando não se mover demais. Ela estava deitada nos azulejos duros do jardim na cobertura, uma das pedras da calçada escavando suas costas. Ela tinha caído no chão quando Lilith desapareceu, e estava coberta de cortes e contusões, seus sapatos desapareceram, seus joelhos estavam sangrando, e seu vestido estava fendido onde Lilith a cortou com seu chicote mágico, sangue brotando através das rendas em seu vestido de seda. Simon estava ajoelhado sobre ela, seu rosto ansioso. A Marca de Caim ainda brilhando embranquecida em sua testa. “O pulso dela está firme”, ele estava dizendo, ”mas vamos lá. Vocês tem todas aquelas runas de cura. Deve
haver algo que você possa fazer por ela—“ “Não sem uma estela. Lilith me fez jogar fora a estela da Clary, então ela não poderia pegá-la de mim quando ela acordasse.” A voz de Jace, baixa e tensa com angústia suprimida. Ele se ajoelhava do outro lado de Simon, no outro lado dela, seu rosto na sombra. “Você pode carregá-la para baixo? Se nós pudermos levá-la ao Instituto—“ “Você quer que eu a carregue?” Simon soou surpreso, Clary não o culpava. “Eu duvido que ela queira que eu a toque.“ Jace se levantou, como se ele não pudesse suportar permanecer em um lugar. “Se você pudesse—“ Sua voz falhou, e ele se virou, olhando para o lugar onde Lilith tinha estado até um momento atrás, um trecho vazio de pedra agora prateada com moléculas espalhadas de sal. Clary escutou Simon suspirar — um som deliberado — e ele se inclinou sobre ela, suas mãos em seus braços. Ela abriu o restante de seus olhos, e seus olhares se encontraram. Embora ela soubesse que ele notara que ela estava consciente, nenhum deles disse qualquer coisa. Era difícil para ela olhá-lo, para o rosto familiar com a marca que ela tinha dado a ele ardendo como uma estrela branca acima de seus olhos. Ela sabia, dando a ele a Marca de Caim, que ela estava fazendo algo enorme, algo terrível e colossal cujo resultado era quase totalmente imprevisível. Ela a teria dado de novo, para salvar a vida dele. Mas ainda assim, enquanto ele esteve lá, a marca ardera como relâmpago branco enquanto Lilith — um Demônio Maior tão velho quanto a humanidade — reduziu-se a sal, ela pensou.
O que eu fiz? “Eu estou bem”, ela disse. Ela se levantou em seus cotovelos; eles doeram horrivelmente. Em algum ponto ela aterrissou sobre eles e arranhou toda a pele. “Eu posso caminhar muito bem.” Ao som da voz dela, Jace se virou. A visão dele a dilacerou. Ele estava chocantemente machucado e ensanguentado, um longo arranhão correndo no comprimento de sua bochecha, seu lábio inferior inchado, e uma dúzia de brechas ensanguentadas em suas roupas. Ela não estava acostumava a vê-lo tão machucado — mas é claro, se ele não tinha uma estela para curá-la, ele não teria uma para curar a si mesmo também. A expressão dele estava completamente vazia. Mesmo Clary, acostumada a
ler seu rosto como se ela estivesse lendo as páginas de um livro, não podia ler nada nele. O olhar dele caiu para sua garganta, onde ela podia sentir a dor picando, o sangue incrustado lá onde a faca dele tinha a cortado. O nada da sua expressão cedeu, e ele olhou para longe antes que ela pudesse ver seu rosto mudar. Afastando a oferta de Simon com uma mão, ela tentou levantar-se. Uma dor ardente atravessou seu tornozelo, e ela gritou, então mordeu seu lábio. Caçadores de Sombras não gritavam de dor. Eles a suportavam estoicamente, ela lembrou a si mesma. Nada de choramingar. “É meu tornozelo”, ela disse. “Acho que ele deve estar torcido, ou quebrado.” Jace olhou para Simon. “Carregue ela”, ele disse. “Como eu disse a você.” Dessa vez Simon não esperou pela resposta da Clary; ele deslizou um braço debaixo de seus joelhos e o outro debaixo de seus ombros e a levantou; ela envolveu seus braços em torno de seu pescoço e o segurou forte. Jace foi à frente em direção a cúpula e as portas que davam para dentro. Simon seguiu, carregando Clary tão cuidadosamente como se ele fosse porcelana quebrável. Clary quase tinha se esquecido do quão forte ele era, agora que era um vampiro. Ele não mais cheirava como ele mesmo, ela pensou, um pouco saudosa — Simon cheirava a sabonete e loção após barba barata (o que ele realmente não precisava) e sua bala favorita de canela. Seu cabelo ainda cheirava como seu shampoo, mas por outro ele parecia não cheirar a nada, e sua pele onde ela tocava era fria. Ela apertou seus braços em torno do seu pescoço, desejando que ele tivesse um corpo um pouco quente. As pontas de seus dedos pareceram azuladas, e seus corpo parecia dormente. Jace, a frente deles, empurrou as portas duplas de vidro. Então eles estavam dentro, onde era misericordiosamente um pouco mais quente. Era estranho, Clary pensou, sendo segurada por alguém cujo peito não levantava e caia enquanto eles respiravam. Uma estranha eletricidade ainda parecia se agarrar a Simon, um remanescente da luz brutalmente brilhosa que tinha envolvido o teto quando Lilith foi destruída. Ela queria perguntar como ele estava se sentindo, mas o silêncio de Jace era tão devastadoramente completo que ela sentiu medo de quebrá-lo.
Ele alcançou o botão do elevador, mas antes de seu dedo tocá-lo, as portas se abriram por sua própria conta, e Isabelle pareceu quase explodir diante deles, seu chicote prata dourado vindo atrás dela como a cauda de um cometa, Alec a seguia, bem atrás de seus calcanhares; vendo Jace, Clary e Simon lá, Isabelle derrapou em uma parada, Alec quase tropeçando nela por trás. Sob outras circunstâncias isso teria sido quase engraçado. “Mas—“ Isabelle arfou. Ela estava cortada e ensanguentada, seu lindo vestido vermelho rasgado em torno de seus joelhos, seu cabelo preto vindo abaixo, fora de seu penteado, fios dele emaranhados com sangue. Alec parecia como se ele tivesse se saído um pouco melhor; uma manga de sua jaqueta estava fatiada do lado, embora não parecesse como se a pele por baixo tivesse sido ferida. “O que vocês estão fazendo aqui?” Jace, Clary e Simon todos olharam para ela sem expressão, muito chocados para responder. Finalmente Jace disse secamente. “Nós poderíamos fazer a vocês a mesma pergunta.” “Eu não — Nós pensávamos que você e Clary estivessem na festa”, Isabelle disse, Clary raramente tinha visto Isabelle não tão senhora de si. “Nós estávamos procurando por Simon.” Clary sentiu o peito de Simon descer, um tipo de arfar humano em reflexo pela surpresa. “Você estava?” Isabelle corou. “Eu...” “Jace?” Era Alec, seu tom comandando. Ele tinha dado a Clary e a Simon um olhar atônito, mas então a atenção dele se foi, como sempre fazia, para Jace. Ele podia não estar mais apaixonado por Jace, se ele realmente tivesse sido, mas eles ainda eram parabatai, e Jace era sempre o primeiro em sua mente em qualquer luta. “O que você está fazendo aqui? E pelo amor do Anjo, o que aconteceu a você?” Jace olhou para Alec, quase como se ele não o conhecesse. Ele parecia com alguém em um pesadelo, examinando uma nova paisagem, não por causa que ela fosse surpreendente ou dramática, mas para se preparar para qualquer horror que ela poderia revelar. “Estela”, ele disse finalmente, em uma voz rouca. “Você tem sua estela?” Alec alcançou seu cinto, parecendo perplexo. “É claro.” Ele estendeu a
estela para Jace. “Se você precisa de uma iratze—“ “Não para mim”, Jace disse, ainda na mesma estranha voz áspera. “Ela.” Ele apontou para Clary. “Ela precisa disso mais do que eu.” Os olhos deles encontraram o de Alec, dourado e azul. “Por favor, Alec”, ele disse, a aspereza se foi de sua voz tão subitamente quanto ela veio. “Ajude-a por mim.” Ele se virou e caminhou, na direção mais distante da sala, onde as portas de vidro estavam. Ele ficou lá, olhando através delas — para o jardim lá fora ou para seu próprio reflexo, Clary não podia dizer. Alec olhou para Jace por um momento, então veio em direção a Clary e Simon, estela na mão. Ele indicou que Simon deveria baixar Clary ao chão, o que ele fez gentilmente, deixando ela se apoiar contra a parede. Ele se afastou enquanto Alec se ajoelhava perto dela. Ela podia ver a confusão no rosto de Alec, e seu olhar de surpresa quando ele viu quão ruins os cortes em seu braço e abdômen eram. “Quem fez isso a você?” “Eu—“ Clary olhou desamparada em direção a Jace, que ainda estava de costas para eles. Ela podia ver o reflexo dele nas portas de vidro, seu rosto uma mancha branca, escurecida aqui e ali com hematomas. A frente de sua camisa estava escura com sangue. “É difícil de explicar.” “Por que você não nos chamou?” Isabelle exigiu, sua voz aguda com a traição. “Por que você não nos disse que estava vindo para cá? Por que não mandou uma mensagem de fogo ou qualquer coisa? Você sabe que nós teríamos vindo se você precisasse de nós.” “Não havia tempo”, Simon disse. “E eu não sabia que Clary e Jace estavam vindo para cá. Eu pensei que era o único. Não parecia certo arrastar você para meus problemas.” “Ar — arrastar-me para seus problemas?” Isabelle balbuciou. “Você—,“ ela começou — e então para a surpresa de todos, claramente incluindo ela mesma, ela se jogou em Simon, envolvendo seus braços ao redor de seu pescoço. Ele tropeçou para trás, despreparado pelo ataque, mas ele recobrou rapidamente o suficiente. Seus braços a rodearam, quase se atrapalhando no chicote pendendo, e ele a abraçou fortemente, a cabeça escura dela debaixo de seu queixo, ela não podia dizer bem — Isabelle estava falando muito suavemente — mas parecia como se ela estivesse xingando Simon sob sua respiração.
As sobrancelhas de Alec se levantaram, mas ele não fez nenhum comentário enquanto se inclinava sobre Clary, bloqueando sua visão de Isabelle e Simon. Ele tocou a estela em sua pele, e ela pulou com a dor aguda. “Eu sei que isso dói”, ele disse em voz baixa. “Acho que você bateu sua cabeça. Magnus deveria dar uma olhada em você. O que há com Jace? O quanto ele está machucado?” “Eu não sei.” Clary sacudiu sua cabeça. “Ele não me quer perto dele.” Alec colocou sua mão embaixo do queixo dela, virando seu rosto de um lado para o outro, e rabiscou uma segunda iratze leve no lado da garganta dela, bem abaixo da linha da mandíbula. “O que ele fez que pensa que foi tão terrível?” Clary lançou seus olhos em direção a ele. “O que faz você pensar que ele fez alguma coisa?” Alec soltou seu queixo. “Por que eu o conheço. E o modo que ele se pune. Não deixar você próxima a ele é punir a si mesmo, não punir você.” “Ele não me quer perto dele.” Clary disse, ouvindo a rebelião em sua própria voz e se odiando por estar sendo mesquinha. “Você é tudo o que ele quer”, Alec disse em um tom surpreendentemente gentil, e ele se sentou em seus calcanhares, empurrando seu longo cabelo preto de seus olhos. Havia algo de diferente acerca dele ultimamente, Clary pensou, uma segurança sobre si mesmo que não tinha estado lá quando ela o tinha conhecido primeiro, algo que permitia ele ser generoso com os outros, quando ele nunca tinha sido generoso com ele mesmo antes. “Aliás. como vocês dois acabaram aqui? Nós nem sequer notamos vocês saírem da festa com Simon—“ “Eles não saíram”, Simon disse. Ele e Isabelle afastados, mas ainda perto um do outro, lado a lado. “Eu vim aqui sozinho. Bem, não exatamente sozinho. Eu fui — convocado.” Clary acenou. “É verdade. Nós não deixamos a festa com ele. Quando Jace me trouxe para cá, eu não tinha ideia de que Simon ia estar aqui também.” “Jace trouxe você aqui?” Isabelle disse, atônita. “Jace, se você sabia sobre Lilith e a Igreja de Talto, você deveria ter dito algo.” Jace ainda estava olhando através das portas. “Acho que escapou da minha mente.” Ele disse sem emoção. Clary sacudiu sua cabeça enquanto Alec e Isabelle olhavam de seu irmão
adotivo para ela, como se para uma explicação pelo seu comportamento. “Não era realmente Jace”, ela disse finalmente. “Ele estava... sendo controlado. Por Lilith.” “Possessão?” Os olhos de Isabelle se arregalaram em surpresa. Sua mão apertou o cabo de seu chicote em reflexo. Jace se virou das portas. Lentamente ele alcançou acima e puxou sua camisa manchada para que eles pudessem ver a feia marca de possessão, e o talho sangrento que corria dele. “Isso”, ele disse, ainda na mesma voz sem emoção, “é a marca de Lilith. É como ela me controlava.” Alec sacudiu sua cabeça; ele parecia profundamente perturbado. “Jace, geralmente o único modo de romper uma conexão demoníaca como essa é matar o demônio que esta fazendo o controle. Lilith é um dos mais poderosos demônios que jamais—“ “Ela está morta”, Clary disse abruptamente. “Simon a matou. Ou acho que você poderia dizer que a Marca de Caim matou ela.” Todos eles olharam para Simon. “E quanto a vocês dois? Como vocês acabaram aqui?” Ele perguntou, seu tom na defensiva. “Procurando por você”, Isabelle disse. “Nós descobrimos o cartão que Lilith deve ter dado a você. Em seu apartamento. Jordan nos deixou entrar. Ele está com Maia, lá embaixo.“ Ela estremeceu. “As coisas que Lilith estava fazendo — você não acreditaria — tão horríveis—“ Alec levantou suas mãos. “Devagar, todo mundo. Nós explicaremos o que aconteceu com a gente, e então Simon, Clary, vocês explicam o que aconteceu do seu lado.” A explicação levou menos tempo que Clary pensou que iria, com Isabelle fazendo a maior parte da conversa gestos extensos que ameaçaram, de vez em quando, cortar os membros desprotegidos de seus amigos com seu chicote. Alec aproveitou a oportunidade para sair ao telhado para enviar uma mensagem de fogo para a Clave, dizendo a eles onde eles estavam e pedindo por reforços. Jace se afastou sem palavras para deixá-lo passar enquanto ele saia, e de novo, quando ele voltou para dentro. Ele também não falou durante a explicação de Simon e Clary do que tinha ocorrido no telhado, mesmo quando eles chegaram na parte onde Raziel tinha trazido Jace de volta da morte em Idris. Foi Izzy quem
finalmente interrompeu, quando Clary começou a explicar sobre Lilith sendo a ‘mãe’ de Sebastian e manter o seu corpo encerrado em vidro. “Sebastian?” Isabelle bateu seu chicote contra o chão com força o suficiente para abriu uma rachadura no mármore. “Sebastian está lá fora? E ele não está morto?” Ela se virou para olhar para Jace, que estava se inclinando contra as portas de vidro, braços cruzados, sem expressão. “Eu o vi morto. Eu vi Jace cortar a espinha pelo meio, e eu vi ele cair no rio. E agora você está me dizendo que ele está vivo lá fora?” “Não”, Simon se apressou em reassegurá-la. “Seu corpo está lá, mas ele não está vivo. Lilith não conseguiu completar a cerimônia.” Simon colocou uma mão sobre o ombro dela, mas ela a afastou. Ela havia ficado mortalmente da cor branca. “Não realmente vivo, não é morto o suficiente para mim”, ela disse. “Eu vou lá fora e vou cortá-lo em milhares de pedaços.” Ela se virou em direção as portas. “Iz!” Simon colocou a mão no ombro dela. “Izzy. Não.” “Não?” Ela olhou para ele incrédula. “Me dê uma boa razão que eu não deva picar ele em inúteis confetes em tema bastardo.” Os olhar de Simon se lançaram em torno da sala, descansando por um momento em Jace, como se esperasse que ele interrompesse ou adicionasse um comentário. Ele não o fez, ele nem mesmo se moveu. Finalmente Simon disse. “Olha, você entende o ritual, certo? Por que Jace foi trazido de volta da morte, isso deu a Lilith o poder de ressuscitar Sebastian. E para fazer isso, ela precisava de Jace lá e vivo, como — o que ela chamou isso—“ “Um contrapeso.” Colocou Clary. “A marca que Jace tem em seu peito. A marca de Lilith.” Em um aparente gesto inconsciente, Simon tocou seu próprio peito, sobre o coração. “Sebastian tem também. Eu vi os dois brilharem ao mesmo tempo quando Jace entrou no círculo.” Isabelle, seu chicote girando ao lado dele, seus dentes mordendo seu lábio inferior vermelho, disse impacientemente, “E?” “Eu acho que ela estava fazendo uma ligação entre eles”, Simon disse. “Se
Jace morrer, Sebastian não poderia viver. Então se você cortar Sebastian em pedaços—“ “Isso poderia ferir Jace”, Clary disse, as palavras vertendo enquanto ela percebia. ”Ah, meu Deus. Ah, Izzy, você não pode.” “Então nós vamos deixá-lo vivo?” Isabelle soou incrédula. “Corte ele em pedaços se você quiser”, Jace disse. “Você tem a minha permissão.” “Cala a boca”, Alec disse. “Pare de agir como se sua vida não importasse. Iz, você não estava escutando? Sebastian não está vivo.” “Ele não está morto, também. Não morto o suficiente.” “Nós precisamos da Clave”, Alec disse. “Nós precisamos dá-lo aos Irmãos do Silêncio. Eles podem quebrar a conexão dele com Jace, e então obtenha todo o sangue que você quiser, Iz. Ele é filho do Valentine. E ele é um assassino. Todos perderam alguém na batalha em Alicante, ou conhece alguém que perdeu. Você acha que eles serão gentis com ele? Eles irão despedaçá-lo lentamente enquanto ele está vivo.” Isabelle olhou para seu irmão. Muitas lentamente lágrimas brotavam em seus olhos, se derramando em suas bochechas, listrando a sujeira e sangue em sua pele. “Eu odeio isso”, ela disse. “Eu odeio quando você está certo.” Alec puxou sua irmã para mais perto e beijou o topo de sua cabeça. “Eu sei que você odeia.” Ela apertou a mão do seu irmão brevemente, então a puxou. “Ótimo”, ela disse. ”Eu não tocarei em Sebastian, mas eu não posso suportar estar a essa distância dele.” Ela olhou em direção as portas de vidro, onde Jace ainda estava. ”Vamos lá para baixo. Nós podemos esperar pela Clave na entrada. E precisamos encontrar Maia e Jordan; eles estão provavelmente se perguntando onde nós fomos.” Simon limpou sua garganta. “Alguém deveria ficar aqui para manter um olho — nas coisas. Eu farei isso.” “Não.” Era Jace. ”Você vai para baixo. Eu ficarei. Tudo isso é minha culpa. Eu devia ter me assegurado que Sebastian estava morto quanto eu tive a chance. E como pelo resto disso...” A voz dele falhou. Mas Clary se lembrou dele tocando seu rosto na entrada
escura no Instituto, lembrou-se dele sussurrando, Mea culpa, mea máxima culpa.
Minha culpa, minha culpa, minha mais atroz culpa. Ela se virou para olhar para os outros; Isabelle tinha empurrado o botão de chamar, que estava ligado. Clary podia ouvir o distante zumbido do elevador subindo. A sobrancelha de Isabelle levantou. “Alec, talvez você devesse ficar aqui com Jace.” “Eu não preciso de ajuda”, Jace disse. “Não há nada para se lidar. Eu ficarei bem.” Isabelle jogou suas mãos para o alto enquanto o elevador chegava com um pulo. “Ótimo. Você venceu. Fique emburrado aqui sozinho se você quer.” Ela entrou no elevador, Simon e Alec se apinhando atrás dela. Clary foi a última a seguir, virando-se para olhar para Jace enquanto ela ia. Ele tinha se voltado para olhar as portas, mas ela podia ver o reflexo dele nelas. Sua boca estava comprimida em uma linha lívida, seus olhos escuros. Jace, ela pensou enquanto as portas do elevador começavam a fechar. Ela desejou que ele se virasse para olhar para ela. Ele não o fez, mas ela sentiu fortes mãos, subitamente, em seus ombros, impelindo a frente. Ela escutou Isabelle dizer, ”Alec, pelo amor de Deus o que você—“ enquanto ela tropeçava nas portas do elevador e se empertigava, se virando para olhar. As portas estavam fechando atrás dela, embora através delas ela pudesse ver Alec. Ele deu a ela um lastimável meio sorriso e um dar de ombros, como se para dizer, o que mais eu posso fazer? Clary deu um passo a frente, mas era tarde demais; as portas do elevador bateram fechadas. Ela estava sozinha na sala com Jace. ●●●● A sala estava bagunçada com os corpos mortos — todas figuras caídas em agasalhos de capuz cinza, arremessadas ou emborcadas ou inclinadas contra a parede. Maia estava na janela, arfando, olhando para a cena em frente a ela incrédula. Ela tinha feito parte da batalha de Brocelind em Idris, e pensou que era a pior coisa que ela veria. Mas de algum modo isso era pior. O sangue que
corria dos membros mortos do culto não era a linfa de demônio, era sangue humano. E os bebês — silenciosos e mortos em seus berços, suas pequenas mãos em garras dobradas uma sobre a outra, como bonecas... Ela afastou o olhar de suas próprias mãos. Suas garras ainda estavam para fora, manchadas com sangue da raiz ao topo; ela as retraiu, e o sangue correu de suas palmas, manchando seus pulsos. Seus pés estavam descalços e ensanguentados, e havia um longo arranhão em um ombro nu ainda gotejando em vermelho, embora ele já tivesse começado a curar. Apesar da veloz cura licantropica providenciada, ela sabia que acordaria amanhã coberta de hematomas. Quando você é um lobisomem, contusões raramente duram mais que um dia. Ela se lembrou de quando ela tinha sido humana, e seu irmão, Daniel, tinha tornado a si mesmo um expert em beliscá-la em lugares onde os hematomas não apareceriam. “Maia.” Jordan veio através de uma das infinitas portas, mergulhando um bando de fios pendurados. Ele se empertigou e se moveu em direção a ela, escolhendo seu caminho entre os corpos. “Você está bem?” O olhar de preocupação em seu rosto deu um nó em seu estômago. “Onde estão Isabelle e Alec?” Ele sacudiu sua cabeça. Ele portava muito menos danos visíveis do que ela tinha. Sua espessa jaqueta de couro o tinha protegido, como os seus jeans e botas. Havia um longo arranhão em seu rosto, sangue seco em seu cabelo castanho claro e manchando a lâmina da faca que ele segurava. “Eu procurei no andar inteiro. Eu não os vi. Há mais alguns corpos em outras salas. Eles devem ter—“ A noite foi iluminada como uma lâmina serafim. As janelas ficaram brancas, a luz brilhante ardeu através da sala. Por um momento Maia pensou que o mundo tinha ardido em incêndio, e Jordan, se movendo em direção a ela através da luz, pareceu quase desaparecer, branco sobre branco, em um campo cintilante de prata. Ela se escutou gritar, e se moveu cegamente para trás, batendo sua cabeça na chapa de vidro da janela. Ela colocou suas mãos para cobrir seus olhos— E a luz se foi. Maia abaixou suas mãos, o mundo girando em torno dela. Ela foi a frente às cegas, e Jordan estava lá. Ela colocou seus braços ao redor dele — os jogou ao redor dele, do jeito que ela costumava quando ele vinha pegá-la
em casa e a acalentaria em seus braços, enrolando os cachos de seus cabelos em seus dedos. Ele então tinha sido mais magro, ombros estreitos. Agora músculos distribuíam em seus ossos, e abraçá-lo era como abraçar algo completamente sólido, um pilar de granito no meio de uma tempestade soprando no deserto. Ela se agarrou a ele, e ouviu a batida de seu coração debaixo de sua orelha, enquanto as mãos dele alisavam seu cabelo, um toque rude e tranquilizador, confortante e... familiar. ”Maia... está tudo bem...” Ela levantou sua cabeça e pressionou sua boca na dele. Ele tinha mudado em tantas formas, mas a sensação de beijá-lo era a mesma, sua boca tão suave como sempre. Ele ficou rígido por um segundo com surpresa, e então a reuniu contra ele, suas mãos fazendo lentos círculos em suas costas nuas. Ela se lembrou da primeira vez que eles tinham se beijado. Ela tinha dado a ele seus brincos para pô-los no porta-luvas de seu carro, e a mão dele tinha tremido tanto que os derrubou e então se desculpou várias vezes até que ela o beijou para calá-lo. Ela achou que ele era o garoto mais doce que ela tinha conhecido. E então ele foi mordido, e tudo mudou. Ela se afastou, tonta e sem fôlego. Ele a soltou instantaneamente; ele estava olhando para ela, sua boca aberta, seus olhos atordoados. Atrás dele, através das janelas, ela podia ver a cidade — ela meio que esperou ela estar achatada, um destruído deserto branco lá fora da janela — mas tudo estava exatamente o mesmo. Nada tinha mudado. Luzes piscavam intermitentes nos prédios do outro lado da rua; ela podia escutar a fraca precipitação do tráfego abaixo. “Nós devemos ir”, ela disse. ”Devemos procurar pelos outros.” “Maia”, ele disse. “Por que você acabou de me beijar?” “Eu não sei”, ela disse. ”Você acha que nós devemos tentar os elevadores?” “Maia—“ “Eu não sei, Jordan”, ela disse. ”Eu não sei por que beijei você, e eu não sei se eu vou fazer isso de novo, mas sei que estou enlouquecendo e preocupada com meus amigos e quero sair daqui. Ok?” Ele concordou. Ele parecia como se tivesse um milhão de coisas que ele queria dizer, mas tinha determinado não dizê-las, pelo que ela ficou grata. Ele correu uma mão em seu cabelo despenteado, coberto com pó de gesso branco, e
concordou. “Ok” ●●●● Silêncio. Jace ainda estava inclinado contra a porta, só agora ele tinha sua testa pressionada contra ela, seus olhos fechados. Clary se perguntou se ele sequer sabia que estava na sala com ele. Ela deu um passo a frente, mas antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele empurrou as portas abertas e caminhou de volta ao jardim. Ela ficou imóvel por um momento, olhando após ele. Ela podia chamar o elevador, é claro, descer nele, esperar pela Clave no saguão com todos os outros. Se Jace não quis conversar, ele não quis conversar. Ela não podia forçá-lo. Se Alec estivesse certo, ele estivesse se punindo, ela apenas tinha que esperar até que ele se recuperasse. Ela se virou em direção ao elevador — e parou. Uma pequena chama de fúria veio através dela, fazendo seus olhos queimarem. Não. Ela não tinha que deixá-lo se comportar desse jeito. Talvez ele pudesse ser desse jeito com todos os outros, mas não com ela. Ele devia mais a ela do que isso. Eles deviam um ao outro mais do que isso. Ela girou e foi a caminho das portas. Seu tornozelo ainda doía, mas as iratzes que Alec tinha posto nela estavam funcionando. A maior parte da dor em seu corpo tinha diminuído para uma entorpecida dor latejante. Ela alcançou as portas e as empurrou, indo para o terraço com uma encolhida quando seus pés descalços tiveram contato com os azulejos congelando. Ela viu Jace imediatamente; ele estava ajoelhado próximo aos degraus, nos azulejos manchados com sangue e linfa e brilhando com sal. Ele se levantou enquanto ela se aproximava, e se virou, algo cintilante pendendo de sua mão. O anel de Morgenstern, em sua corrente. O vento tinha surgido; ele soprava seu cabelo dourado escuro sobre seu rosto. Ele o empurrou impacientemente e disse. “Eu lembrei que nós deixamos isso aqui.” Sua voz soou surpreendentemente normal. “Este é o porquê você quis ficar aqui em cima?” Clary disse. “Para pegá-lo
de volta?” Ele virou sua mão, então a corrente balançou para cima, seus dedos fechando-se sobre o anel. “Eu estou ligado a ele. É estúpido, eu sei.” “Você poderia ter dito, ou Alec poderia ter ficado—“ “Eu não pertenço ao resto de vocês”, ele disse abruptamente. ”Depois do que eu fiz, eu não mereço iratzes e cura e abraços e ser consolado ou o que quer que meus amigos vão pensar que eu preciso. Eu preferi ficar aqui com ele.” Ele empurrou seu queixo em direção ao lugar onde o corpo imóvel de Sebastian permanecia no caixão aberto, sobre seu pedestal de pedra.”E certo como o inferno, eu não mereço você.” Clary cruzou seus braços sobre seu peito. “Você alguma vez pensou sobre o que eu mereço? Que talvez eu mereça a chance de falar com você sobre o que aconteceu?” Ele olhou para ela. Eles só estavam a alguns pés de distância, mas parecia como se um inexprimível abismo colocava-se entre eles. “Eu não sei o porquê você até mesmo olharia para mim, muito menos falar comigo.” “Jace”, ela disse. “Aquelas coisas que você fez — não era você.” Ele hesitou. O céu estava tão negro, as janelas iluminadas dos arranha-céus próximos tão brilhantes, era como se eles estivessem no centro de uma rede de jóias brilhantes. “Se não era eu”, ele disse, ”então por que eu posso me lembrar de tudo o que fiz? Quando pessoas estão possuídas, e voltam disso, elas não se lembram do que elas fizeram quando o demônio as desabitou. Mas eu me lembro de tudo.” Ele se virou abruptamente e se afastou, em direção a parede do jardim do telhado. Ela o seguiu, feliz pela distância posta entre eles e o corpo de Sebastian, agora escondido da visão pela fileira de cercas vivas. “Jace!” ela chamou, e ele se virou, suas costas para a parede, afundando contra ela. Atrás dele uma equivalente cidade iluminada a noite como as torres demônio de Alicante. “Você se lembra do por que ela queria que você se lembrasse”, Clary disse, o alcançando, um pouco sem fôlego. “Ela fez isso para torturá-lo tanto quanto ela fez para Simon fazer o que ela queria. Ela quis que você observasse a si mesmo machucar as pessoas que você ama.” “Eu estava observando”, ele disse em uma voz baixa. ”Era como se parte de mim estivesse fora a distância, observando e gritando para eu parar. Mas o resto
de mim sentia-se completamente em paz e como se o que eu estivesse fazendo fosse certo. Como fosse a única coisa que eu poderia fazer. Eu me pergunto se isso era como Valentine se sentia sobre tudo que ele fazia. Como fosse tão fácil estar certo.” Ele olhou para longe dela. “Eu não posso suportar”, ele disse.”Você não deveria estar aqui comigo. Você deveria ir.” Ao invés de sair, Clary se moveu para ficar ao lado dele contra a parede. Seus braços já estavam envolvidos ao redor de si mesma; ela estava tremendo. Finalmente, relutantemente, ele virou sua cabeça para olhar para ela de novo. ”Clary...” “Você não tem que decidir”, ela disse, “aonde eu vou, e quando.” “Eu sei.” A voz dele estava rouca. ”Eu sempre soube disso sobre você. Eu não sei por que eu tinha que me apaixonar por alguém que é mais teimosa do que eu.” Clary ficou em silêncio por um momento. Seu coração tinha se contraído com aquelas duas palavras — “me apaixonar.” “Todas aquelas coisas que você disse para mim”, ela disse em um quase sussurro, ”no terraço no Ironworks — você as quis dizê-las?” Seus olhos dourados apagaram. ”Que coisas?” Que você me amava, ela quase disse, mas pensou bem — ele não tinha dito aquilo, disse? Não as palavras em si. A implicação tinha estado lá. E a verdade do fato, que eles se amavam um ao outro, era algo que ela sabia tão claramente quando ela sabia seu próprio nome. “Você me perguntou se eu te amaria se você fosse como Sebastian, como Valentine.” “E você então disse que não seria eu. Olhe como errado isso acabou por ser.” Ele disse, a amargura colorindo sua voz. “O que eu fiz hoje a noite—“ Clary se moveu em direção a ele; ele ficou rígido, mas não se afastou. Ela segurou a frente de sua camisa, inclinou-se para mais perto, e disse, pronunciando claramente cada palavra. ”Aquele não era você.” “Diga isso para sua mãe”, ele disse. ”Diga isso para Luke, quando eles perguntarem de onde veio isso.” Ele tocou sua clavícula gentilmente; a ferida estava curada agora, mas sua pele, e o tecido de seu vestido, estavam ainda manchados escuros com sangue.
“Eu direi a eles”, ela disse, ”direi a eles que foi minha culpa.” Ele olhou para ela, olhos dourados incrédulos. ”Você não pode mentir para eles.” “Eu não. Eu trouxe você de volta”, ela disse. ”Vocês estava morto, e eu o trouxe de volta. Eu atrapalhei o equilíbrio, não você. Eu abri a porta para Lilith e seu estúpido ritual. Eu poderia ter pedido por qualquer coisa, e eu pedi você.” Ela firmou o aperto em sua camiseta, seus dedos brancos com o frio e a pressão. “E eu faria isso de novo. Eu te amo, Jace Wayland — Herondale — Lightwood — o que quer que você queira se chamar. Eu não me importo. Eu te amo e sempre amarei você, e fingir que poderia ser de algum outro modo é apenas perda de tempo.” Um olhar de grande dor passou em seu rosto que Clary sentiu seu coração apertar. Então ele tomou seu rosto entre suas mãos. Suas palmas eram quentes contra suas bochechas. “Lembra-se quando eu disse a você”, ele disse, sua voz tão suave quanto ela havia escutado, “que eu não sabia se havia um Deus ou não, mas de qualquer forma, nós estávamos completamente por nossa conta? Eu ainda não sei a resposta, eu só sei que havia uma coisa como fé, e que eu não merecia tê-la. E então havia você. Você mudou tudo o que eu acreditava. Você sabe aquele verso de Dante que eu citei para você no parque? L’amor Che move Il sole e l’altre stelle’?” Seus lábios se curvaram um pouco nos lados enquanto ela o olhava. ”Eu ainda não sei falar italiano?” “É um pedaço do último verso de Paradiso — o Paraíso de Dante. ‘Minha vontade e meu desejo mudaram pelo amor, o amor que move o sol e as outras estrelas.’ Dante estava tentando explicar a fé, eu acho, como um amor dominante, e talvez ele é blasfemo, mas isso é como eu acho que eu te amo. Você entrou em minha vida e de repente eu tinha uma verdade para me firmar — que eu te amava e você me amava.” Embora ele parecesse olhar para ela, seu olhar estava distante, como se fixo em algo distante. “Então eu comecei a ter esses sonhos”, ele continuou. ”E eu achei que talvez eu estivesse errado. Que não te merecia. Que eu não merecia estar
perfeitamente feliz — quero dizer, Deus, quem merece isso? E depois desta noite—“ “Pare”, ela tinha agarrado sua camisa; ela afrouxou seu aperto agora, espalmando suas mãos contra seu peito. Seu coração estava acelerando sob as pontas dos dedos dela, as bochechas dele coraram; e não apenas pelo frio. “Jace. Embora tudo que aconteceu hoje à noite, eu sabia de uma coisa. Que não era você me machucando. Não era você fazendo aquelas coisas. Eu tenho uma absoluta certeza incontestável que você é bom. E isso nunca mudará.” Jace tomou um fôlego estremecido profundo. “Eu nem sei como tentar merecer isso.” “Você não tem. Eu tenho fé o suficiente em você”, ela disse. “Para nós dois.” As mãos deles deslizaram em seu cabelo. A névoa da respiração exalada cresceu entre eles, uma nuvem branca. “Eu senti tanto sua falta”, ele disse, e a beijou, sua boca gentil sobre a dela, não desesperada ou faminta do modo que tinha sido das últimas vezes que ele a tinha beijado, mas familiar e terna e suave. Ela fechou seus olhos enquanto o mundo pareceu girar em torno deles como um cata-vento. Deslizando suas mãos em seu peito, ela se esticou acima o máximo que ela podia, envolvendo seus braços em torno de seu pescoço, levantando-se nas pontas dos dedos para encontrar sua boca com a dele. Os dedos dele correram em seu corpo, sobre sua pele e seda, e ela estremeceu, inclinando-se nele, e ela tinha certeza que ambos tinham gosto de sangue e cinzas e sal, mas isso não importava; o mundo, a cidade, e todas as suas luzes e vida pareceram ter encolhido para isso, apenas ela e Jace, o coração ardendo de um mundo congelado. Ele se afastou primeiro, relutantemente. Ela percebeu o porquê um momento depois. O som de buzinas de carro e pneus derrapando na rua abaixo era audível, mesmo aqui em cima. “A Clave”, ele disse resignado — embora ele tivesse limpado sua garganta para por as palavras para fora, Clary ficou satisfeita em ouvir. Seu rosto ruborizado, como ela imaginou que o dela estava. ”Eles estão aqui.” Com suas mãos nas dele Clary viu, por sobre a beira da parede do telhado, que uma quantidade de carros pretos tinha se encostado de frente ao andaime.
Pessoas se juntando. Era difícil reconhecê-los a esta altura, mas Clary pensou ter visto Maryse, e várias outras usando vestimentas de combate. Um momento depois a caminhonete de Luke rugiu no meio fio e Jocelyn saltou. Clary saberia que era ela, só pelo modo que ela se movia, a uma maior distância do que desta. Clary se virou para Jace. “Minha mãe”, ela disse, ”é melhor eu descer. Eu não quero que ela venha aqui em cima e veja — e veja ele.” Ela empurrou seu queixo em direção ao caixão de Sebastian. Ele retirou seu cabelo para trás de seu rosto. “Eu não quero deixar você longe das minhas vistas.” “Então, venha comigo.” “Não. Alguém deve ficar aqui em cima.” Ele tomou sua mão, a virou e soltou o anel de Morgenstern nela, a corrente se unindo como metal líquido. O fecho tinha se dobrado quando ela a arrancou, mas ele tinha conseguido empurrá-lo de volta na forma. “Por favor, pegue-o.” Seus olhos lançaram-se abaixo, e então, incertos, voltaram ao seu rosto. “Eu queria entender o que ele significou para você.” Ele deu de ombros levemente. ”Eu o usei por uma década”, ele disse. “Uma parte de mim está nele. Isso quer dizer que eu confio em você com meu passado e todos os segredos que o passado carrega. E além do mais—“ ligeiramente ele tocou uma das estrelas esculpidas em torno do arco— “’o amor que move o sol e todas as outras estrelas.’ Aparenta que este é o quê as estrelas simbolizam, não Morgenstern.” Em resposta ela soltou a corrente sobre sua cabeça, deixando o anel se assentar no seu lugar de costume, sob sua clavícula. Ele pareceu como uma peça de quebra-cabeças encaixando no lugar. Por um momento os olhos deles se prenderam em comunicação muda, de algum modo, mais intensa do que o contato físico que tinham tido; ela segurou a imagem dele em sua mente nesse momento como se ela estivesse a memorizando — o cabelo dourado emaranhado, as sombras lançadas pelos seus cílios, os anéis de dourado mais escuros dentro da luz âmbar de seus olhos. ”Eu voltarei logo”, ela disse. Ela apertou sua mão. “Cinco minutos.” “Vá”, ele disse rouco, soltando sua mão, e ela se virou e foi de volta no caminho. No momento que ela se afastou dele, ela estava fria de novo, e no
momento que ela alcançou as portas do prédio, ela estava congelando. Ela parou enquanto abria a porta, e olhou de volta para ele, mas ele era apenas uma sombra, emoldurada pelo brilho do horizonte de Nova York. O amor que move o sol e todas as estrelas, ela pensou, e então, como se em um eco em resposta, ela ouviu as palavras de Lilith. O tipo de amor que arde o mundo ou o eleva em glória. Um arrepio passou por ela, e não apenas vindo do frio. Ela olhou para Jace, mas ele tinha desaparecido nas sombras; ela se virou e foi para dentro, a porta deslizando fechada atrás dela. ●●●● Alec se foi escadas acima para procurar por Jordan e Maia, e Simon e Isabelle estavam sozinhos, juntos; sentados lado a lado sobre a espreguiçadeira verde do saguão. Isabelle segurava a pedra enfeitiçada de Alec em sua mão, iluminando a sala com um brilho quase espectral, faíscas dançando partículas de fogo do candelabro. Ela tinha dito muito pouco desde que seu irmão os tinha deixado juntos. Sua cabeça estava curvada, seu cabelo escuro caindo a frente, seu olhar em suas mãos. Elas eram mãos delicadas, dedos longos, mas com calos como os de seu irmão tinham. Simon nunca tinha notado antes, mas ela usava um anel de prata em sua mão direita, com um padrão de chamas em torno do arco dele, e um L esculpido no centro. Lembrou a ele o anel que Clary usava ao redor de seu pescoço, com seus desenhos de estrelas. “Ele é o anel da família Lightwood”, ela disse, percebendo onde seu olhar estava preso. “Todas as famílias tem um emblema. O nosso é o fogo.” Combina com você, ele pensou. Izzy era como o fogo, em seu flamejante vestido escarlate, com seu humor tão inconstante como faíscas. No telhado ele quase pensou que ela o estrangularia, seus braços em torno de seu pescoço enquanto ela o chamava de cada nome sob o sol, enquanto o agarrava como se ela nunca o deixasse ir. Agora ela estava olhando a distância, tão intocável quanto uma estrela. Era tudo muito desconcertante. Então você os ama, Camille tinha dito, seus amigos Caçadores de Sombras. Como o falcão ama o mestre que prende e os cega.
“O que você nos disse”, ele disse, um pouco hesitante, observando Isabelle girar um fio de seu cabelo ao redor de seu indicador, “— lá em cima no telhado — que você não sabia que Clary e Jace estavam faltando, que você veio aqui por mim — era verdade?” Isabelle olhou para cima enfiando seu fio de cabelo atrás de sua orelha. “É claro que é verdade”, ela disse indignada. ”Quando nós vimos que você se foi da festa — e você esteve em perigo por dias, Simon, e com a fuga de Camille—“ ela se deteve um pouco. ”E a responsabilidade de Jordan por você. Ele estava surtando.” “Então foi ideia dele vir procurar por mim?” Isabelle virou-se para olhar para ele por um longo momento. Seus olhos eram insondáveis e escuros. “Fui eu quem notou que você se foi”, ela disse. ”Fui eu que quis te encontrar.” Simon limpou sua garganta. Ele se sentiu estranhamente tonto. ”Mas por quê? Eu pensei que agora você me odiasse.” Foi a coisa errada a se dizer. Isabelle sacudiu sua cabeça, seu cabelo escuro voando, e se afastou um pouco dele na espreguiçadeira. “Ah, Simon. Não seja obtuso.” “Iz.” Ele se estendeu e tocou seu pulso, hesitantemente. Ela não se afastou, apenas o observou. “Camille disse algo para mim no Santuário. Ela disse que os Caçadores de Sombras não se importavam com Habitantes do Submundo, apenas os usava. Ela disse que os Nephilim nunca fariam nada por mim, que eu fizesse por eles. Mas você fez. Você veio por mim. Você veio por mim.” “É claro que eu vim“, ela disse, em uma voz um pouco abafada. “Quando eu pensei que algo tinha acontecido a você—“ Ele se inclinou em direção a ela. Seus rostos estavam a centímetros um do outro. Ele podia ver as faíscas refletidas do candelabro em seus olhos negros. Seus lábios estavam repartidos, e Simon podia sentir o calor de sua respiração. Pela primeira vez desde que ele tinha se tornado um vampiro, ele podia sentir calor, como uma carga elétrica passando entre eles. ”Isabelle”, ele disse. Não Iz, não Izzy. Isabelle. “Eu posso—“ O elevador sibilou, as portas se abriram, e Alec, Maia, e Jordan saíram. Alec olhou com suspeita para Simon e Isabelle enquanto eles recuavam, mas
antes que ele pudesse dizer alguma coisa, as portas duplas do saguão se arremessaram, e Caçadores de Sombras se derramaram no salão. Simon reconheceu Kadir e Maryse, que imediatamente atravessaram a sala até Isabelle e a pegaram pelos ombros exigindo saber o que havia acontecido. Simon ficou de pé e se afastou, sentindo-se desconfortável — e quase colidiu com Magnus, se apressando pela sala até Alec. Ele não pareceu ver Simon de modo algum. Depois disso, em cem, duzentos anos, será apenas você e eu. Nós seremos tudo que resta, Magnus disse para ele no Santuário. Sentindose indizivelmente sozinho entre a multidão de Caçadores de Sombras, Simon se pressionou contra a parede na vã esperança que ele não seria notado. Alec olhou acima quando Magnus o alcançou, o segurou e o puxou para perto. Seus dedos traçando o rosto de Alec como se checando por contusões e danos; sob sua respiração, ele estava murmurando, ”Como você pôde — sair desse jeito e nem mesmo me falar — eu poderia ter te ajudado.” “Pare.” Alec se afastou, sentindo-se rebelde. Magnus se conteve, sua voz solene. “Me desculpe”, ele disse. “Eu não deveria ter deixado a festa. Eu deveria ter ficado com você. Aliás, Camille se foi. Ninguém tem a menor ideia de onde ela foi, e já que vocês não podem rastrear vampiros...” Ele deu de ombros. Alec afastou a imagem de Camille em sua mente, acorrentada à tubulação, olhando para ele com aqueles olhos verdes impetuosos. “Não importa”, ele disse. “Ela não importa. Eu sei que você estava tentando me ajudar. Aliás, eu não estou zangado com você por ter deixado a festa.” “Mas você estava zangado”, Magnus disse. “Eu sei que estava. Esse é o porquê de eu estar tão preocupado. Saindo e se pondo em perigo só por que você está zangado comigo—“ “Eu sou um Caçador de Sombras”, Alec disse. “Magnus, isso é o que eu faço. Não é sobre você. Da próxima vez se apaixone por um avaliador de seguros ou—“ “Alexander”, Magnus disse. “Não vai haver uma próxima vez.” Ele inclinou sua testa contra a de Simon, olhos verdes dourados olhando para o azul. O coração de Alec acelerou. “Por que não?”, ele disse. “Você vive para sempre. Nem todo mundo vive.”
“Eu sei que eu disse isso”, Magnus disse. “Mas, Alexander—“ “Pare de me chamar assim”, Alec disse. “Alexander é como meus pais me chamam. E acho que é muito prematuro você ter aceitado minha mortalidade tão fatalisticamente — todo mundo morre, blah, blah — mas como você acha que me faz sentir? Casais comuns podem ter esperança — esperança de envelhecerem juntos, esperança de viverem longas vidas e morrerem ao mesmo tempo, mas não podemos esperar por isso. Eu nem mesmo sei o que é que você quer.” Alec não estava certo do que ele tinha esperado em resposta — raiva ou defensiva ou até mesmo humor — mas a voz de Magnus apenas baixou, falhando ligeiramente quanto ele disse, “Alex — Alec. Se eu dei a você a impressão que eu tinha aceitado a ideia de sua morte, eu posso apenas me desculpar. Eu tentei, eu pensei que eu tinha — e ainda imaginei ter você por cinquenta, sessenta anos mais. Eu pensei que poderia estar pronto então para deixá-lo ir. Mas é você, e eu percebi agora que eu não estarei nem um pouco mais pronto para perder você do que eu estou agora.” Ele pôs suas mãos gentilmente de cada lado do rosto de Alec. “Que é não de forma alguma.” “Então o que nós fazemos?” Alec sussurrou. Magnus deu de ombros, e sorriu de repente, com seu cabelo preto bagunçado, e o brilho em seus olhos verdes dourados, ele parecia como um adolescente levado. “O que todo mundo faz”, ele respondeu. “Como você disse. Esperança.” Alec e Magnus tinham começado a se beijar no canto da sala, e Simon não estava muito certo para onde olhar. Ele não queria que eles pensassem que ele estava olhando para eles no que era, claramente, um momento particular, mas para onde quer que ele olhasse, ele encontrava os olhos encarando dos Caçadores de Sombras. Apesar do fato que ele tinha lutado com eles no banco contra Camille, nenhum deles olhava para ele com particular amabilidade. Uma coisa era Isabelle aceitá-lo e preocupar-se com ele, mas Caçadores de Sombras era outra coisa inteiramente diferente. Ele podia dizer o que eles estavam pensando. “Vampiro, Ser do Submundo, inimigo” estava escrito em todos seus rostos. Foi como alívio quando as portas se abriram e Jocelyn veio voando, ainda usando seu vestido azul da festa. Luke estava a apenas poucos passos atrás dela.
“Simon!”, ela exclamou tão logo o avistou. Ela correu até ele, e para sua surpresa o abraçou impetuosamente antes de soltá-lo. “Simon, onde Clary está? Ela está—“ Simon abriu sua boca, mas nenhum som veio. Como ele poderia explicar para Jocelyn, de todas as pessoas, o que aconteceu esta noite? Jocelyn, que estaria horrorizada ao saber o tanto da maldade de Lilith, as crianças que ela tinha assassinado, o sangue que ela tinha derramado, tudo tinha sido no propósito de fazer mais criaturas como o próprio filho falecido de Jocelyn, cujo corpo jazia agora no topo do telhado onde Clary estava com Jace? Não posso dizer nada disso, ele pensou. Não posso. Ele olhou atrás dela, para Luke, cujos olhos azuis descansava nele com expectativa. Atrás da família de Clary ele podia ver os Caçadores de Sombras se juntando em torno de Isabelle enquanto ela, provavelmente, recontava os eventos da noite. “Eu—”, ele começou impotente, e então as portas do elevador se abriram de novo, e Clary saiu. Seus sapatos se foram, seu adorável vestido de seda em trapos ensangüentados, contusões já desaparecendo em seus braços e pernas. Mas ela estava sorrindo — até mesmo radiante, mais feliz do que Simon tinha a visto parecer a semanas. “Mãe!”, ela exclamou, e então Jocelyn voou até ela e a estava abraçando. Clary sorriu para Simon sobre o ombro de sua mãe. Simon olhou em torno da sala. Alec e Magnus ainda estavam envolvidos um com o outro, e Maia e Jordan tinham desaparecido. Isabelle ainda estava cercada de Caçadores de Sombras, e Simon podia ouvir os arfares de horror e surpresa aumentarem do grupo a cercando, enquanto ela recontava a história. Ele suspeitou que alguma parte dela estava se divertindo com isso. Isabelle adorava ser o centro das atenções, não importava qual a razão. Ele sentiu uma mão descer sobre seu ombro. Era Luke. “Você está bem, Simon?” Simon olhou para ele. Luke parecia como ele sempre o era, sólido, professoral, totalmente de confiança. Nem mesmo o mínimo apagava que sua festa de noivado tivesse sido interrompida por uma dramática emergência súbita. O pai de Simon tinha morrido há tanto tempo atrás, que ele mal se lembrava dele. Rebecca lembrava partes sobre ele — que ele tinha uma barba, e a
ajudava a construir elaboradas torres de blocos — mas Simon não. Era uma das coisas que ele sempre pensou que tinha em comum com Clary, que tinha os ligado; ambos com pais falecidos, ambos criados por mães solteiras fortes. Bem, pelo menos uma daquelas coisas tinha se tornado verdade, Simon pensou. Embora sua mãe namorasse, ele nunca teve uma presença paterna consistente em sua vida, além de Luke. Ele achava que de certo modo, ele e Clary dividiam Luke. E o bando de lobisomens procuravam Luke por orientação, também. Para um solteirão que nunca teve filhos, Simon pensou,
Luke tinha uma admirável quantidade de crianças para cuidar. “Eu não sei”, Simon disse, dando a Luke a resposta honesta que ele gostaria de ter dado a seu próprio pai. “Acho que não.” Luke virou Simon para encará-lo. “Você está coberto de sangue”, ele disse. ”E aposto que não é seu, por que...” Ele gesticulou em direção a Marca na testa de Simon. “Mas ei“, sua voz era gentil. “Mesmo coberto de sangue e com a Marca de Caim, você ainda é Simon. Pode me contar o que aconteceu?” “Não é meu sangue, você está certo”, Simon disse rouco. “Mas é meio que também uma longa história.” Ele inclinou sua cabeça para trás para olhar para Luke; ele sempre se perguntou se ele teria outra espichada algum dia, crescer mais alguns centímetros além dos 1.75 metros que tinha agora, ser capaz de olhar para Luke — sem mencionar Jace — direto nos olhos. Mas agora isso nunca aconteceria. “Luke”, ele disse. “Você acha que é possível fazer algo tão ruim, mesmo que você não quisesse fazê-lo, que você nunca pode voltar atrás? Que ninguém pode te perdoar?” Luke olhou para ele por um longo e silencioso momento. Então disse, “Pense em alguém que você ame, Simon. Ame de verdade. Há alguma coisa que eles poderiam fazer que significaria que você pararia de amá-los?” Imagens saltaram através da mente de Simon, como páginas de uma sequência animada de quadros cinematográficos. Clary, virando para sorrir para ele, sua irmã o beliscando quando ele era só um bebê; sua mãe, dormindo no sofá com a coberta puxada em seus ombros; Izzy— Simon excluiu os pensamentos apressadamente. Clary não tinha feito nada de tão terrível que ele precisasse dispensar perdão para ela; nenhuma das pessoas que ele estava pensando tinha. Ele pensou em Clary, perdoando sua mãe por ter
roubado suas memórias. Ele pensou em Jace, o que ele tinha feito no telhado, como ele parecera depois. Ele fez o que ele fez sem sua própria escolha, mas Simon duvidava que Jace fosse capaz de perdoar a si mesmo, levando em conta. E então ele pensou em Jordan — não perdoando a si mesmo pelo o que tinha feito a Maia, mas, de qualquer modo, seguindo em frente, se juntando ao Praetor Lupus, fazendo uma vida de ajudar aos outros. “Eu mordi alguém”, ele disse. As palavras saltaram de sua boca, e ele desejou que pudesse as engolir de volta. Ele se preparou para o olhar de horror de Luke, mas ele não veio. “Sobreviveu?” Luke disse. “Essa pessoa que você mordeu. Ela sobreviveu?” “Eu—“ Como explicar sobre Maureen? Lilith tinha ordenado a ela algo, mas Simon tinha certeza que eles não tinham visto o fim dela. ”Eu não a matei.” Luke concordou de pronto. “Você sabe como lobisomens se tornam líderes de bando”, ele disse. ”Eles tem que matar o antigo líder do bando. Eu o fiz duas vezes. Eu tenho cicatrizes para provar.” Ele puxou ligeiramente a gola de sua blusa para o lado, e Simon viu a beirada de uma grosseira cicatriz branca que parecia imperfeita, como se o peito dele tivesse sido arranhado. “A segunda vez foi intencional. Matar a sangue-frio. Eu quis me tornar o líder, e assim foi como eu fiz.” Ele deu de ombros. “Você é um vampiro. Está em sua natureza querer beber sangue. Você se segurou por um longo tempo sem o fazer. Eu sei que você pode andar sob o sol, Simon, e seu orgulho em ser um garoto humano normal, mas você ainda é o que é. Como eu sou. Quanto mais que você tenta subjugar sua verdadeira natureza, mais ela te controlará. Seja o que você é. Ninguém que realmente ama você irá impedi-lo.” Simon disse rouco. “Minha mãe—“ “Clary me disse o que aconteceu com sua mãe, e que você tem ficado com Jordan Kyle”, Luke disse. “Olha, sua mãe mudará de ideia, Simon. Como Amatis, comigo. Você ainda é o filho dela. Eu falarei com ela, se você quiser.” Simon sacudiu sua cabeça silenciosamente. Sua mãe sempre gostara de Luke. Lidar com o fato que Luke era um lobisomem provavelmente tornaria as coisas piores, não melhores. Luke assentiu como se ele compreendesse. “Se você não quiser voltar para a casa do Jordan, você é mais do que bem vindo para ficar no meu sofá hoje à
noite. Tenho certeza que Clary ficará feliz em ter você por perto, e nós podemos conversar sobre o que você quer fazer sobre sua mãe amanhã.” Simon endireitou os ombros. Ele olhou para Isabelle do outro lado da sala, o lampejo de seu chicote, o brilho do pingente em sua garganta, o menear de suas mãos enquanto ela falava. Isabelle, que não tinha medo de nada. Ele pensou em sua mãe, o modo que ela tinha se afastado dele, o medo em seus olhos. Ele tinha estado se escondendo dessa lembrança, fugindo dela, desde então. Mas era a hora de parar de fugir. “Não”, ele disse. ”Obrigado, mas eu acho que não preciso de um lugar para passar hoje a noite. Acho... que vou voltar para casa.” ●●●● Jace ficou sozinho no telhado, olhando acima a cidade, o East River uma cobra negra prateada serpenteando entre Brooklyn e Manhattan. Suas mãos, seus lábios, ainda quentes do toque de Clary, mas o vento no rio era gelado, e o calor estava apagando rápido. Sem uma jaqueta o ar cortava através do material fino de sua camisa, como a lâmina de uma faca. Ele puxou um profundo fôlego, sugando o ar frio para seus pulmões, e o soltou lentamente. Seu corpo inteiro sentia-se tenso. Ele estava esperando pelo som do elevador, as portas se abrindo, os Caçadores de Sombras inundando o jardim. Eles seriam primeiro solidários, ele pensou, preocupados sobre ele. Então, quando eles entendessem o que tinha acontecido — então viria o modo desconfiado, os olhares significativos trocados quando pensassem que ele não estava olhando. Ele tinha sido possuído — não só por um demônio, mas um Demônio Maior — tinha agido contra a Clave, tinha ameaçado e machucado outro Caçador de Sombras. Ele pensou em como Jocelyn olharia para ele quando escutasse o que ele tinha feito a Clary. Luke poderia entender, perdoar. Mas Jocelyn. Ele nunca tinha sido capaz de falar para ela honestamente, dizer as palavras que poderiam tranquilizá-la. Eu amo sua filha, mas do que eu mesmo pensei que fosse possível amar qualquer coisa. Eu nunca iria machucá-la. Ela apenas olharia para ele, ele pensou, com aqueles olhos verdes que eram tão iguais ao de Clary. Ela iria querer mais do que isso. Ela iria querer ouvi-lo
dizer que ele não tinha certeza que falava a verdade. Eu não sou como Valentine. Não é? As palavras pareceram carregadas no ar frio, um sussurro apenas para seus ouvidos. Você nunca conheceu sua mãe. Você nunca conheceu seu pai. Você deu seu coração a Valentine quando era uma criança, como as crianças fazem, e você fez a si mesmo uma parte dele. Você não pode tirar isso de si mesmo com um corte limpo de uma lâmina. Sua mão esquerda estava fria. Ele olhou abaixo e viu, para seu choque, que de algum modo ele tinha pegado o punhal — o punhal de prata gravada de seu verdadeiro pai — e o estava segurando em sua mão. A lâmina, embora corroída pelo sangue de Lilith, estava sem danos agora, e brilhava como uma promessa. Um frio, que não tinha nada haver com o tempo, começou a se espalhar através do seu peito. Quantas vezes ele tinha acordado daquela maneira, arfando e suando, o punhal em sua mão? E Clary, sempre Clary, morta aos seus pés. Mas Lilith estava morta. Acabou. Ele tentou deslizar o punhal em seu cinto, mas sua mão não parecia querer obedecer ao comando que sua mente estava dando. Ele sentiu uma sensação de ferroadas de calor em seu peito, uma dor ardente. Olhando abaixo, ele viu que a fina linha de sangue que tinha dividido a marca de Lilith ao meio, onde Clary tinha cortado com a faca, tinha curado. A marca brilhava avermelhada contra seu peito. Jace parou de tentar enfiar o punhal em seu cinto. Os nós de seus dedos tornaram-se brancos enquanto sua contenção apertava-se sobre o cabo, seu pulso girou, desesperadamente tentando virar a lâmina sobre si mesmo. Seu coração estava martelando. Ele não tinha aceitado as iratzes. Como a marca tinha curado tão rápido? Se ele pudesse cortá-la de novo, desfigurá-la, mesmo temporariamente— Mas sua mão não o obedeceria. Seu braço ficou imóvel em seu lado como seu corpo se tornou, contra sua própria vontade, em direção ao pedestal onde o corpo de Sebastian repousava. O caixão tinha começado a brilhar, com uma nuvem de luz esverdeada — quase o brilho de uma luz encantada, mas havia algo de doloroso sobre esta luz, algo que parecia penetrar nos olhos. Jace tentou dar um passo para trás, mas suas pernas não se moviam. Suor gelado gotejou em suas costas. Uma voz sussurrou
em sua mente.
Venha aqui. Era a voz de Sebastian.
Você acha que está livre por que Lilith se foi? A mordida do vampiro me acordou; agora o sangue dela em minhas veias o impele. Venha aqui. Jace tentou afundar seus calcanhares, mas seu corpo o traiu, o carregando a frente, embora sua mente consciente esforçasse contra isso. Mesmo quando ele tentou vacilar, seus pés moveram-se a frente no caminho, em direção ao caixão. O círculo pintado brilhou verde enquanto ele se movia através dele, e o caixão pareceu responder com um segundo flash de luz esmeralda, E então ele está em pé a frente dele, olhando abaixo. Jace mordeu forte seu lábio, esperando que a dor pudesse tirá-lo do estado de sonho que ele estava. Não funcionou. Ele sentiu o gosto de seu próprio sangue enquanto ele olhava para Sebastian, que flutuava como um corpo afogado na água. Aquelas são as pérolas que são seus olhos. Seus cabelos eram algas incolores, seus cílios fechados azuis. Sua boca tinha um conjunto frio e rígido da boca de seu pai. Era como olhar para um jovem Valentine. Sem sua vontade, absolutamente contra sua vontade, as mãos de Jace começaram a levantar. Sua mão esquerda permaneceu na ponta de seu punhal contra o lado de dentro de sua palma direita, onde as linhas de vida e amor cruzavam uma na outra. Palavras se derramaram de seus lábios. Ele as escutou como se vindas de uma distância imersa. Elas não eram em uma língua que ele conhecia ou entendia, mas ele sabia o que elas eram — ritual de invocação. Sua mente estava gritando para seu corpo parar, mas isso pareceu não fazer diferença. Sua mão esquerda veio abaixo, a faca apertada nela. A lâmina fatiou um raso corte, limpo, certo através de sua palma direita. Quase instantaneamente ela começou a sangrar. Ele tentou puxar de volta, tentou empurrar seu braço para longe, mas era como se ele tivesse preso em cimento. Enquanto ele observava com horror, as primeiras gotas de sangue espalharam-se sobre o rosto de Sebastian. Os olhos de Sebastian se abriram. Eles eram negros, mais negros do que os de Valentine, tão negros quanto os da demônio que tinha chamado a si mesma
de sua mãe. Eles se fixaram sobre Jace, como grandes espelhos negros, dando a ele de volta sua própria face, retorcida e irreconhecível, sua boca formando as palavras do ritual, derramando em seguida em um balbuciar sem sentido como um rio de água negra. O sangue estava fluindo mais livremente agora, tornando o nebuloso líquido dentro do caixão um vermelho mais escuro. Sebastian se moveu. A água ensanguentada deslocou e derramou enquanto ele se sentava, seus olhos negros fixos em Jace. A segunda parte do ritual. A voz dele falou dentro da cabeça de Jace. Ele
está quase completo. Água escoou dele como lágrimas. Seu cabelo pálido, emplastrado em sua testa, parecia não ter cor. Ele levantou uma mão e a estendeu, e Jace, contra o grito dentro de sua mente, estendeu o punhal, lâmina a frente. Sebastian deslizou sua mão ao longo do comprimento da fria e afiada lâmina. Sangue brotou em uma linha através de sua palma. Ele atirou a faca de lado e tomou a mão de Jace, a apertando com sua própria. Ela era a última coisa que Jace tinha esperado. Ele não podia se mover para puxá-la. Ele sentiu cada dedo frio de Sebastian enquanto eles envolviam sua mão, pressionando seus cortes juntos. Era com ser apertado pelo metal frio. Gelo começou a se espalhar nas veias de sua mão. Um tremor passou sobre ele, e então outro, poderosos tremores físicos tão dolorosos, parecia como se seu corpo estivesse sendo virado ao avesso. Ele tentou gritar— E o grito morreu em sua garganta. Ele olhou abaixo para as mãos dele e de Sebastian, apertadas juntas. Sangue corria através de seus dedos e abaixo em seus pulsos, tão elegantes quanto renda vermelha. Ele brilhou na fria luz elétrica da cidade. Se movia não como líquido, mas como fios vermelhos em movimento. Ele envolvia suas mãos juntas em uma ligação escarlate. Uma peculiar sensação de paz assaltou Jace. O mundo pareceu dissolver-se, e ele estava em pé sobre o pico de uma montanha, o mundo se esticando diante dele, tudo nele seu, para o tomar. As luzes da cidade em torno dele não eram mais elétricas, mas era a luz de milhares de diamantes — como estrelas. Elas pareciam brilhar sob ele com seu benevolente brilho que dizia, Isso é bom. Isso é
correto. Isso é o que seu pai teria desejado.
Ele viu Clary em sua mente, seu rosto pálido, o caimento de seu cabelo ruivo, sua boca enquanto se movia, formando as palavras: Eu voltarei. Cinco
minutos. E então a voz desapareceu enquanto outro falar sobrepujava ele, o afogando. A imagem dela em sua mente regrediu, varrida suplicantemente na escuridão, como Euridice tinha desaparecido quando Orfeu tinha se virado para olhar para ela pela última vez. Ela a viu, seus braços brancos estendendo-se a ele, e então as sombras se fecharam sobre ela e ela se foi. Uma nova voz falou na mente de Jace agora, uma voz familiar, uma odiada, agora estranhamente bem-vinda. A voz de Sebastian. Ela pareceu vir através do sangue, através do sangue que passava pela mão de Sebastian na dele, como uma corrente impetuosa. Nós somos um agora, irmãozinho, você e eu, Sebastian disse.
Nós somos um.
FIM. A série Instrumentos Mortais continua em City Of Lost Souls, que será publicado em maio de 2012.
(se o mundo não tiver acabado até lá)
Clary, Apesar de tudo, não posso suportar a idéia de que este anel seja perdido para sempre mais do que posso suportar a idéia de te deixar para sempre. E embora eu não tenha nenhuma opção sobre isso, pelo menos posso escolher sobre o outro. Deixo para você nosso anel de família, já que você tem tanto direito a ele quanto eu. Estou escrevendo isso vendo o sol nascer. Você está adormecida, seus sonhos se movendo por trás de suas pálpebras inquietas. Eu gostaria de saber o que você está pensando. Quem dera eu pudesse deslizar em sua cabeça e ver o mundo como você o faz. Quem dera eu pudesse me ver da forma que você vê. Mas talvez eu não queira ver isso. Talvez fizesse eu sentir mais do que já sinto que estou perpetuando uma espécie de grande mentira sobre você, e eu não poderia suportar isso. Eu te pertenço. Você poderia fazer qualquer coisa que quisesse comigo e eu deixaria você fazer. Você poderia pedir qualquer coisa de mim e eu partiria a mim mesmo tentando te fazer feliz. Meu coração me diz que este é o melhor e maior sentimento que já tive. Mas minha mente sabe a diferença entre querer o que você não pode ter e querer o que você não deveria querer. E eu não deveria querer você. Eu te vi dormir a noite toda, vi a luz da lua vir e ir, projetando sua sombra em seu rosto em branco e preto. Nunca vi nada mais belo. Penso na vida que eu poderia ter tido se as coisas fossem diferentes, uma vida onde esta noite não é um acontecimento singular separado de todo o resto que é real, mas sim cada noite. Mas as coisas são diferentes e não posso olhar para você sem sentir que te enganei para você me amar. A verdade que ninguém está disposto a dizer em voz alta é que ninguém tem uma chance contra Valentine mais do que eu. Posso estar perto dele como ninguém mais pode. Posso
fingir que desejo me unir a ele e ele vai acreditar em mim, até aquele último momento em que eu acabar com tudo, de uma forma ou de outra. Tenho algo de Sebastian, posso encontrá-lo no lugar onde meu pai se esconde. E isso é o que vou fazer. Então eu menti para você na noite passada. Eu te disse que só queria uma noite com você. Mas quero todas as noites com você. E é por isso que tenho que sair pela janela agora, como um covarde. Porque se eu tivesse dito isso a você cara a cara, eu não poderia ir embora. Eu não te culpo se você me odeia, eu gostaria que você odiasse. Enquanto eu ainda puder sonhar, vou sonhar com você.
- Jace
Esta obra foi digitalizada/traduzida pela Comunidade Traduções e Digitalizações para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício da leitura àqueles que não podem pagar, ou ler em outras línguas. Dessa forma, a venda deste e‐book ou até mesmo a sua troca é totalmente condenável em qualquer circunstância. Você pode ter em seus arquivos pessoais, mas pedimos por favor que não hospede o livro em nenhum outro lugar. Caso queira ter o livro sendo disponibilizado em arquivo público, pedimos que entre em contato com a Equipe Responsável da Comunidade – tradu.digital@gmail.com Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras. Traduções e Digitalizações Orkut - http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=65618057 Blog – http://tradudigital.blogspot.com/ Fórum - http://tradudigital.forumeiros.com/portal.htm Twitter - http://twitter.com/tradu_digital Skoob - http://www.skoob.com.br/usuario/mostrar/83127