Reportagem sobre Orquidofilia em Florianópolis

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As muitas orquídeas de Santa Catarina Seu Bento buscou nas flores um passatempo. Assim que finalizou o serviço militar obrigatório, foi trabalhar nas Centrais Elétricas de Santa Catarina (CELESC), onde ficou por 34 anos, até se aposentar em 1998. Logo que saiu, começou a procurar um hobby. “Sabe como é, né? Homem sempre tem que arranjar alguma coisa para fazer, senão enche o saco da mulher”, brinca sua esposa, dona Madalena. A primeira tentativa foi a de criar abelhas, mas a idéia não deu certo e ele decidiu adotar uma atividade mais fácil e menos dolorosa: a orquidofilia. A orquídea é uma família de plantas (Orchidaceae) bem-sucedida na tarefa de garantir sua perpetuação. São quase 25 mil espécies de orquídeas – cerca de quatro vezes a soma do número de mamíferos ou duas a de aves - presentes em quase todos os continentes, exceto na Antártida.

Se adaptam a diversas condições climáticas e

ambientais, são resistentes a condições extremas e algumas podem até mesmo sobreviver sem se fixar em qualquer substrato, como solo ou árvores. Em geral, são encontradas penduradas nestas últimas, mas apenas para conseguirem seu lugar ao sol. As orquídeas não são parasitas e fixam-se em troncos de árvores para fugir da competição por luz solar que é mais acirrada nas partes mais baixas das florestas, devido à copa da vegetação mais alta. Muitas aproveitam do apoio recebido para se alimentarem da matéria orgânica que cai lá do alto. Em 2002, Seu Bento comprou suas primeiras mudinhas. Com os dois filhos estudando em universidades particulares, Seu Bento não tinha dinheiro para pagar, no mínimo, cerca de R$ 30 em uma muda. Comprou uma caixinha com cerca de 20 plantas pequenas e decidiu cultivá-las. No começo, várias morreram, mas com os cursos que foi fazendo, aprendeu as técnicas de cultivo. Hoje seu orquidário, na sua casa na Vargem Grande, há 27 km do centro da cidade, abriga 3.500 mudas e é o lugar onde passa maior parte do verão. Seu Bento, geralmente, acorda, faz o café e fica durante a manhã toda no local. Almoça e volta para o orquidário por volta das duas e meia, só retornando às cinco da tarde. O verão é a melhor época do ano para replantar as mudas de orquídeas - trocar de vaso - porque é a época que menos chove. O excesso de água é a principal causa de morte das plantas. No vasinho, Seu Bento coloca apenas fibra de xaxim, mistura de cascas de pino, carvão e brita, para facilitar a saída da umidade. É um erro colocar muito adubo também. Nessa época do ano, no inverno, quase nenhuma planta tem flor. A fase de


florescimento vai apenas de setembro a março. Cada mudinha fica em um vaso ou, no caso das menores, em um copinho de café. Etiquetas indicam qual é o gênero, a espécie e a variedade de cada uma. Seu Bento anota também quais foram as mudinhas que ganhou de presente. Dentre elas, as espécies mais comuns são as Cattleya Intermedia e as Laelias Purpuratas, que são a flor do estado de Santa Catarina e do município de Florianópolis. Esse tipo de orquídea pode ser encontrada em toda a extensão do litoral do estado, em escarpas pedregosas, pedras, rochedos, matas alagadiças e terrenos arenosos. Já as Cattleyas são encontradas de 2 a 10 km do litoral, nas encostas da Serra do Mar e da Serra Geral. Hoje, existem 28 variedades de cada um desses tipos. Uma muda demora cerca de sete anos para dar uma flor pela primeira vez. Como seu Bento começou a cultivá-las em 2002, essa é a primeira vez que está vendo suas mudas florescerem. “Tem uma que eu comprei em Gramado, que descobri que é muito feia”, reclama o orquidófilo. Seu Bento é hoje o presidente da Associação dos Orquidófilos de Florianópolis (Assof), fundada em novembro de 1942 como Sociedade de Amadores de Orquídeas de Florianópolis. A ASSOF é uma entidade civil sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública por Florianópolis e por Santa Catarina. Já foram realizadas mais de 150 exposições oficiais e mostras de orquídeas em Florianópolis e em outras cidades. A Associação organiza três exposições anuais: em março, uma com a Cattleya Labiata, uma flor comum, principalmente, no nordeste. Em setembro, uma com a Cattleya Intermediata e em novembro a exposição de Laelias Purpuratas. A Assof produz um boletim mensal com notícias sobre a associação e matérias sobre orquídeas. A cirurgiã-dentista Marisa Salvador, uma das principais colaboradoras, passou a aproveitar o conteúdo que produzia para os informes e passou a publicá-los num blog, o Orquidoideira. Natural de Joinville, ela herdou o gosto pelas flores de seu pai, ao brincar entre as flores na casa da família, localizada em zona rural. Marisa aprendeu as técnicas de cultivo em um curso em uma loja de flores localizada num shopping da capital, há três anos. Desde então passou a incorporar as flores na sua vida. O apartamento de dois dormitórios na região central de Florianópolis abriga 40 espécies. Ela garante que aumentará a sua coleção assim que se mudar para uma casa com mais espaço. Em seu consultório é possível achar as flores tanto na recepção como na sala de atendimento, aos pés dos pacientes. Marisa é a mais jovem dentre os cerca de 50 integrantes da Assof. A maioria é


aposentada e tem mais de 65 anos de idade. A dentista é adepta à terapia floral e utiliza orquídeas também para o tratamento de seus pacientes que sofrem com traumas psicológicos. Além da beleza das flores, Salvador acredita que a flor tem algo de sublime, assim como consideram os adeptos dessa filosofia. E ainda que, para as pessoas, “cuidar de plantas é uma coisa boa, pois tem que ter sensibilidade”. Outra orquidófila, a psicóloga mineira Mara Rúbia começou a interessar-se pelas orquídeas ao se mudar para Florianópolis, 20 anos atrás. “A orquídea é uma flor que não tem como não ser notada e aqui existiam muitas. Assim como reparei quando cheguei, notei quando elas começaram a sumir e aí comecei a pesquisar sobre elas”, relata. As orquídeas estão desparecendo principalmente devido ao extrativismo. Mara, por isso, replanta orquídeas em seu sítio. Além de Marisa e Mara Rubia, pessoas como seu Bento, aposentados, são o principal alvo dos cursos do professor da Universidade Federal de Santa Catarina Giorgini Venturieri. Ele coordena o projeto de extensão “Orquídeas”, que oferece cursos de cultivo para amadores e produtores desde 2004 e tem como um dos objetivos fomentar a orquidofilia como forma de prazer pessoal. O projeto busca também viabilizar a exploração comercial da flor. O professor desenvolveu trabalho semelhante com o cupuaçu, fruta bem conhecida da população da região amazônica que tem sido incorporada à indústria alimentícia. À exceção de algumas poucas espécies que podem ser utilizadas na produção de baunilha, a grande maioria das orquídeas está presente nos mercados de coleção, paisagismo e decoração. O alto custo de algumas espécies, que pode chegar a até R$ 3.000, devido ao tempo necessário para a floração, é um obstáculo. Através de melhoramento genético ele busca criar espécies híbridas que produzam rapidamente e ao mesmo tempo sejam atraentes. “Todo mundo quer ter uma orquídea, mas nem todo mundo pode pagar”, acredita Venturieri. Orquídeas respondem bem a mutações genéticas e podem ser cruzadas até mesmo com plantas de outras espécies, o que aumenta o número de variações. “É uma planta promíscua”, considera o professor, que ressalta a facilidade em se reproduzir como fator determinante para esta ter conquistado o mundo. O diretor do Orquidário Catarinense Alvim Seidel, Donato Seidel Junior, porém, não quer pensar em híbridos. Há 103 anos no mercado, o orquidário atende principalmente a colecionadores internacionais, que costumam gostar das flores brasileiras. Cerca de 70% das suas quase 1.200 espécies são destinadas a compradores


diretos e principalmente revendedores na Alemanha, EUA e Japão, em sua maioria. O restante, destinado ao mercado interno, é vendido por vários estados do Brasil. O consumidor nacional gosta da variedade do seu estoque. Em ambos os casos o foco está em espécimes puros, que são mais valorizados pelos seus clientes. Seidel acredita que os híbridos, que florescem mais rapidamente e tem flores maiores, são mais valorizados pelo público leigo. Donato Seidel está na contramão do mercado de exportação de flores brasileiro e de orquídeas de Santa Catarina. O primeiro, que movimentou US$ 35 milhões em 2007, representa menos de 5% da produção total nacional, voltada em sua maioria ao consumo interno. O estado de São Paulo, responsável por cerca de 70% da produção, é também responsável por metade do consumo, sendo que somente a capital paulistana responde por 25%. O setor de exportação, ainda que em crescimento, esbarra em entraves burocráticos. “É uma série de fatores que complicam um pouco a exportação. Mesmo assim, a exportação tem crescido a cerca de 10% a 15% ao ano”, analisa Renato Opitz, presidente da Câmara Setorial de Flores e Plantas Ornamentais do Estado de São Paulo. O orquidário Alvim Seidel deixou de importar espécimes dos EUA há cerca de 30 anos por causa dessa burocracia. Donato Seidel aponta também burocracia nas fiscalizações. “Vocês não querem que a gente divulgue o produto brasileiro”, costuma queixar-se aos fiscais. A Câmara Setorial de Flores e Plantas Ornamentais nacional, subordinada ao Ministério da Agricultura, estabeleceu como meta a “curto prazo” aprimorar leis e normas regulativas para o setor, em março desse ano. Taís Bonfada e Eduardo Canter, no mercado de flores há cerca de 15 anos, mudarase do Rio Grande do Sul para Florianópolis e agora também integram o time de produtores do estado. Criaram o orquidário Mokara, que vende orquídeas pelas internet. Eles importam orquídeas de outros países, especialmente da Tailândia, um grande produtor a nível mundial, e fazem-nas florescer aqui. A especialidade do orquidário são as plantas do gênero vanda, do tipo que sobrevive sem substrato, mais caras que as do gênero laelia, mais populares. O casal aposta que o gênero vanda pode encontrar mais espaço no mercado de paisagismo, mesmo que seu público principal sejam atualmente colecionadores mais exigentes e seu produto mais restrito. O orquidário vende também as flores cortadas, que são usadas em arranjos. A aposta do Mokara revela outra particularidade do setor no estado. São Paulo responde por um volume maior na produção de vanda de corte, sinalizando que mesmo que Santa Catarina ocupe o primeiro lugar em termos de variedade orquidófila, a maior parte do cultivo se destina a coleções particulares ao invés de atividade comercial. “Eu não


sei como funciona a cabeça do colecionador”, desabafa o coordenador de Desenvolvimento da produção de flores e plantas ornamentais em Santa Catarina, Gilberto Zaffari. Zaffari crê que o estado é capaz de ampliar seus mercados e que São Paulo reduzirá seu mercado para algo em torno de 50% nos próximos anos, por haver uma tendência recente de investimento no setor ao longo do país. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), o número de produtores no estado passou de 115 para 500 e o de municípios com cultivo de 12 para 115 nos últimos 15 anos. Zaffari considera que o cultivo de orquídeas espanta investidores devido ao tempo necessário para a planta produzir e à baixa ocorrência de flores por exemplar. A demora em florescer faz com que o produtor tenha que operar com prejuízo nos primeiros anos enquanto a baixa produtividade obriga aos produtores ter um estoque grande para justificar o investimento. A região de maior concentração de plantadores de orquídea é dentro de um triângulo cujos vértices são as cidades de Florianópolis, Garuva e Rio do Oeste. Essas três cidades também são as pioneiras no cultivo da flor. Zaffari defende ainda que a floricultura é uma atividade economicamente atraente pois emprega grande quantidade de mão-de-obra, que deve ser mais especializada que em outras culturas. Ele destaca a auto-organização do setor, cujos produtores se agrupam em diversas associações ao longo do estado, especialmente os orquidófilos. O lucro nesse ramo tende a ser maior.“Produzir alimentos, infelizmente, não dá dinheiro nesse país”, arremata.


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