Indumentária Kuikuro

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Beleza e tradição na indumentária do povo Kuikuro Maíra Elluké

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Beleza e tradição na indumentária do povo Kuikuro Maíra Elluké Novembro/2011

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Capa: Camila Penha com fotos de Maíra Elluké e Oswaldo Forte Fotos: Maíra Elluké, Oswaldo Forte e Raimundo Paccó Textos e pesquisa: Maíra Elluké Edição de imagens: Maíra Elluké e Camila Penha Orientação do projeto experimental: Profa. Dra. Sheila Costa Projeto gráfico: Camila Penha Revisão de texto: Melissa Mõngé e Sheila Costa Revisão de conteúdo: Maíra Elluké

E44i Elluké, Maíra. Beleza e tradição na indumentária do povo Kuikuro / Maíra Elluké. – Brasília : Universidade Católica de Brasília, 2011. 46 p. : il. ; 30 cm. ISBN

1. Povo indígena - Brasil. 2. Trajes – Índios. 3. Índios – Kuikuro. 4. Índios - Usos e costumes - I. Universidade Católica de Brasília. III. Título. CDU 7.031.3(81) Ficha elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Católica de Brasília – UCB 4


Para minha filha Hanna, por sua intensa alegria 5


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Agradecimentos Sou grata aos amigos da causa indígena, que me ajudaram durante toda a execução deste catálogo. Agradeço a Naine Terena, que me emprestou equipamento fotográfico para a produção das primeiras imagens feitas no Xingu. Agradeço também a Oswaldo Forte e Raimundo Paccó, fotógrafos inspirados, pelo carinho e principalmente por me ajudarem a compor a maior parte das fotografias do catálogo, já durante a XI edição dos Jogos dos Povos Indígenas. E aos parentes Kuikuro, da aldeia Ipatse, no Alto Xingu-MT, por existirem e por levarem alegria e beleza por onde quer que passem. Sem a amizade de Kuiawa, Maricá, Mutuá e Yamalui Kuikuro esse trabalho não existiria. Obrigada ainda ao Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), em especial a Marcos Terena, pelo convite para ser assessora de imprensa da ONG e pelo apoio financeiro para realização desse projeto. Sem minha vivência nos eventos indígenas do ITC, a concretização deste catálogo não seria viável. Agradeço ainda minha irmã Melissa Mõngé, pelo amor incondicional, ajuda e pelas dicas durante a execução do trabalho. Obrigada também à Camila Penha, pela execução do projeto gráfico, pela amizade e por todo apoio. E por fim, agradeço ao meu pai, Carlos Terena, por ser exemplo, inspiração e referência não só para mim, mas também aos povos indígenas do Brasil. E por despertar em mim, ainda muito pequena, o orgulho de ser indígena.

Preparação do tronco para o Kuarup (festa dos mortos), Aldeia Ipatse, Alto Xingu 7


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Pinturas tradicionais Kuikuro feminina e masculina (rosto de รกguia)

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“As fotografias são tecidos malhas de silêncios e de ruídos. Precisam de um narrador para desdobrar seus segredos. As fotografias são romances que se escrevem sobre elas, dentro delas, com elas” ETIENNE SAMAIN “O corpo e a pessoa não são concebidos como entidades biológicas que crescem e adquirem suas características automaticamente, por determinação biológica e genética, mas como verdadeiros artefatos, moldados e esculpidos ao modo e no estilo da comunidade” ELS LAGROU

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Homens na preparação da indumentária para o início das festividades do Kuarup (festa dos mortos), Aldeia Ipatse, Alto Xingu


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Apresentação Dados do Instituto Socioambiental revelam que o Parque Nacional do Xingu, criado pelo Governo Federal em 1961, constitui a uma área aproximada de 2.797.491 hectares na Amazônia meridional, que abriga cerca de quatro mil indígenas. A paisagem da localidade é bastante variada. Trata-se de uma região de transição ecológica entre o cerrado característico do centro-oeste brasileiro mais ao sul e a Floresta Amazônica, conforme se acompanha a junção dos rios que seguem em direção ao rio Amazonas. A vasta área do Parque Nacional Indígena do Xingu é subdividida em três grandes regiões, denominadas: Alto, Médio e Baixo Xingu. Situado mais ao sul, se estabelece o que é chamado de área cultural alto-xinguana (FRANCHETTO, 2003), considerada a parte de maior intensidade cultural indígena, além de existir uma grande interação entre os povos ali encontrados. É nesta área que está localizada a aldeia Kuikuro Ipatse, objeto central deste trabalho. A região dominada pelos Kuikuro tem o clima polarizado em duas definidas estações: a das chuvas, que compreende os meses de novembro a abril e a da seca, que geralmente ocorre entre maio e outubro. A estação marcada pelas chuvas é caracterizada pela cheia dos rios, o que resulta na dificuldade para se conseguir peixe. Situação bem diferente da vivida pelos irmãos Villas Boas há cerca de vinte anos e descrita em um dos seus inúmeros trabalhos pelo Xingu: “Os rios transbordam invadindo as matas marginais. Cardumes numerosos de determinadas espécies de peixes deixam o leito dos rios e ganham as matas inundadas para comer os frutos que caem. Os índios, por sua vez, nas suas esguias canoas de casca, insinuam-se por entre as árvores, conseguindo realizar à ponta de flechas e chuços de madeira, rendosas pescarias dos peixes que mais apreciam” (VILLAS BOAS, 1976:12). Já nos rios, lagos e lagoas da região “é grande também a variedade de peixes, destacando-se, pela quantidade e qualidade, os tucunarés, pacus, piaus, jaraguis, curimatãs, matrinxas, trairões, piranhas, corvinas, surubins, barbados, piratingas, jaús, piraras, ponhas, poraquês [peixe elétrico] e muitos outros de menor tamanho” (VILLAS BOAS, 1976:10). Há também uma grande diversidade de cobras e serpentes aos arredores da aldeia Ipatse. Nas inúmeras vezes em que fui aos rios da região para tomar banho, era comum encontrar exemplares de sucuris e jararacas. Várias espécies de lagartos, jacarés e jabutis também são companheiros diários dos moradores da aldeia. Veados marrons, com pequenas manchas brancas e exóticos gafanhotos gigantes de cor lilás furta cor, também habitam a região. 12


Ao norte do Parque Indígena do Xingu, localizam-se o que se denominou de Médio e Baixo Xingu, onde se encontram aldeias indígenas de etnias totalmente distintas culturalmente e socialmente entre si. Pode-se dizer que esses grupos são mais isolados por sofrerem menos interferências dos “não indígenas” e por serem considerados por vários estudiosos como agressivos. Trata-se dos Trumai (grupo periférico ao sistema alto-xinguano), Ikpeng (também conhecidos como Txicão), Suyá, Yudjá (mais conhecidos como Juruna) e Kaiabi. QUEM SÃO OS KUIKURO, ONDE E COMO VIVEM O povo Kuikuro é considerado o de maior população do Alto-Xingu, com cerca de 650 habitantes, distribuídas em quatro aldeias (Afukuri, Ipatse, Lahatuá e Tavununu). As intensas alianças políticas e matrimoniais entre os Kuikuro e os Yawalapiti ajudaram a reerguer os Yawalapiti não só como aldeia, mas também como povo local em meados dos anos 50. Também em decorrência de inter-casamentos entre vários outros povos do Xingu, os Kuikuro vivem hoje em diversas aldeias do Alto-Xingu, principalmente nas localidades de outros povos Karib da região. Também são considerados pelos próprios xinguanos os mais tradicionais daquela região, já que são um dos poucos povos que mantêm as tradições, ritos, cantos e línguas de seus antepassados com mais entusiasmo. Eles constituem um subsistema Karib com outros povos que falam dialetos provenientes da mesma língua, como os Kalapalo, Matipú, Nahukwá e Yawalapiti. São populares entre os outros povos indígenas por produzirem em grande escala artesanal os famosos colares e cintos de caramujo. A aldeia do povo Kuikuro é organizada de forma circular. Com formato de elipse, as grandes ocas são construídas com a base de finos e firmes troncos de madeira e cobertas de milhares de fios de sapé, até o chão. A construção segue um padrão, de forma a deixar todas as casas com aparência idêntica. A disposição dos fios de sapé é feita de forma perfeccionista, como tudo que é produzido pelos Kuikuro. Todas as ocas possuem duas entradas, posicionadas uma frente à outra, sempre no centro. A disposição das redes dentro das ocas obedece uma ordem hierárquica. Diante da interferência dos “não-índigenas”, não só na aldeia Ipatse, mas em outras por todo Xingu, é comum encontrar dentro de várias ocas televisões, fogão, rádio e outros eletrodomésticos. No centro da aldeia localiza-se a casa-das-flautas (ou casa-dos-homens). Trata-se de uma oca onde as mulheres não podem entrar, pois nela ficam guardadas as flautas sagradas, conhecidas como kagutu. De acordo com a tradição alto13


xinguana, somente os homens podem ter acesso a esse instrumento, que deve ficar sempre longe dos olhos de qualquer mulher, seja ela visitante ou moradora da aldeia. Logo na frente da casa-das-flautas encontra-se uma praça central, um local na teoria, público, mas que é destinado na maior parte das vezes aos homens. É neste local que são enterrados os finados importantes (lideranças e caciques), além de ser a localidade da aldeia em que os Kuikuro realizam os rituais tradicionais de dança, lutas (huka-huka e ikindene), os chefes (anetü) da aldeia recebem os visitantes e pronunciam seus discursos e também onde acontecem os rituais de pajelança e agradecimento. Ao redor das imediações habitadas, fica a mata, “com uma rede intricada de trilhas que levam às roças e às outras aldeias” (HERRERO, FERNANDES & NETO 2006:40). Para sair da aldeia para tomar banho ou fazer qualquer outra atividade é comum o uso de bicicletas. Para outros, mais modernos, usam-se motocicletas. Na aldeia Kuikuro existem cerca de cinco bicicletas em cada casa, que abrigam mais ou menos vinte pessoas. Já a proporcionalidade de motos em relação aos moradores é bem menor. Em toda aldeia existem pelo menos cerca de quatro motocicletas. A alimentação dos Kuikuro é baseada em diversos tipos de peixe e nos derivados da mandioca-brava (farinha, beijú e mingau). Ao redor da aldeia encontram-se dezenas de pequizais, que geralmente começam a dar frutos a partir de outubro. Durante esse período, os Kuikuro incorporam em sua alimentação o pequi e seus derivados, como os mingaus e caldos. É comum encontrar também alguns limoeiros nos arredores da aldeia Ipatse. Quando algum de seus integrantes vai à cidade, sempre trazem alimentos não-tradicionais desses povos. Carne vermelha e de frango, são novidades nenhum pouco bem recebidas por eles. A INDUMENTÁRIA

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É praticamente impossível dissociar a cultura estética e seus elementos dos inúmeros mitos e simbologias em que a cultura do povo Kuikuro está imersa. A riqueza artesanal, possível graças não só ao grande número de matérias-primas encontradas nos arredores da aldeia Ipatse, mas principalmente pela criatividade e originalidade ligadas à cultura dos povos indígenas. Diante desse novo mundo não só nos quesitos culturais ou sociais, mas principalmente nas questões estéticas, percebe-se claramente que a comunicação está diretamente ligada às simbologias e mitos que estão envoltos na tradição indígena. Além de comunicar e estabelecer regras, a indumentária do povo Kuikuro é responsável por constituir o conjunto de regras dentro da aldeia. Entre as principais características do “ser Kuikuro” estão os desenhos geométricos alusivos aos animais e às crenças tradicionais. E o uso intenso de vermelho, preto e amarelo nas composições dos trajes.


Tintas de urucum e jenipapo no rosto e o tradicional cabelo cortado em formato de cuia 15


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Ornamentação para festividade no interior da oca

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Beleza e Tradição

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O artesanato Kuikuro Apesar de os homens participarem com afinco na confecção do artesanato, na aldeia, são as mulheres as especialistas no assunto. Antigamente os homens dedicavam-se somente aos artigos de uso doméstico, em ocasiões especiais, como para presentear os sogros. Atualmente eles produzem artesanato principalmente de maneira quase que industrial, não só para trocar com os visitantes que vão às aldeias, mas, sobretudo de forma comercial, para vender durante as idas à cidade. Entre os artigos que mais produzem, estão: rede, esteiras (para alimentos e para descanso), colares de sementes e de miçangas, pulseiras dos mais diversos modelos e materiais, brincos de pena e sementes e o uluri – palavra na língua bakairí, difundida por toda área do Alto Xingu, para designar uma pequena tanga feminina. Consta de um triângulo de casca de árvore, medindo os

Tradicional amarração da etnia e guerreiro Kuikuro durante preparação para festividade 20


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maiores 5,5 cm de largura por 2 cm de comprimento, cujo o vértice, voltado para baixo, prende um cordel perianal. O uluri é suspenso por um outro cordel atado a um ente de fios que contornam as cadeiras” (G. RIBEIRO, 1988: 185). Apesar de ser produzido em larga escala na aldeia, exclusivamente para as mulheres, o uluri é um artigo pouco vendido fora da aldeia, por se tratar de um artefato usado pelas mulheres em ritos especiais. Na aldeia não é qualquer um que pode se dedicar ao artesanato. Fazendo uma comparação com a vida na cidade, os Kuikuro acreditam que não é qualquer pessoa que tem o dom para produzir esses artigos, existem aqueles que nasceram para criar e confeccionar esses produtos. A importância da expressão estética indígena carrega valores e simbolismos que traduzem aspectos e tradições de sua cultura. A infinidade de matérias-primas é inegável, devido à criatividade dos Kuikuro e à imensa gama de possibilidades por entre os caminhos da aldeia Ipatse. As sementes usadas nos colares, pulseiras, cintos, lanças, brincos e outros adornos são naturais e colhidos na mata. Homens, mulheres, idosos e crianças se revezam na produção dos artefatos. Os adornos de sementes não fazem parte da indumentária dos Kuikuro. São feitos apenas para comercialização fora da aldeia.

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Apresentação do ritual Yamarikumã (festa das mulheres)


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Pele pintada: tintas e grafismos A diversidade de matérias-primas usadas na confecção das tintas usadas nas pinturas corporais é outro aspecto importante na cultura dos Kuikuro. Primeiramente, o urucum, nome de origem tupi uru-ku, que significa “vermelho”. A semente do fruto é retirada e amassada e dela se faz a tinta, que é usada pelos Kuikuro de duas formas distintas. Da forma pura, pode ser passado em todo corpo (no caso dos mais idosos), no rosto (na testa e na parte superior dos olhos), no cabelo (com diversos formatos) e nas costas, peitoral e braço (conforme preferência, mas sempre partindo das variações de grafismos prédeterminados). A outra forma em que o urucum é utilizado é como óleo. Acrescenta-se à semente amassada resíduos de alguns tipos de plantas, o que torna a cor da tinta alaranjada e mais duradoura. Essa forma do urucum é usada exclusivamente por mulheres. Já a tinta retirada da semente de jenipapo, de cor preto-azulada, dá vida aos grafismos impressos nos corpos Kuikuro. Os desenhos permanecem na pele por cerca de sete dias ou dependendo da intensidade da tinta, podem durar até três semanas. A diversidade de formas e tamanhos dos desenhos geométricos varia de acordo com os animais homenageados (onça, pássaro, peixe...) e com o tipo de indumentária para cada festividade.

O vermelho do urucum e os desenhos geométricos da etnia 25


Estabelecimento de hierarquias Os elementos estéticos, as cores e a indumentária do povo Kuikuro são responsáveis pelo estabelecimento de hierarquias e pelo comunicar e como se comportar na aldeia. As mulheres, por exemplo, quando são lideranças na comunidade, tatuam no braço esquerdo três linhas de cerca de 10 cm. Esse símbolo representa a importância e o trabalho que desempenha como chefe das mulheres dentro da aldeia. Geralmente, duas ou no máximo cinco mulheres de toda aldeia são designadas para o comando de um determinado tipo de trabalho. Os homens mais velhos, com mais experiência e que já não participam mais das lutas e dos ritos de dança, usam outro tipo de pintura corporal, mais simples do que a dos jovens Kuikuro. Os idosos deixam de lado as pinturas mais trabalhadas, com grafismos e geralmente pintam o corpo e cabelo somente com urucum. Meninos a partir

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Cacique Kuikuro: apenas as lideranças da aldeia usam os artefatos com pele de onça. A indumentária é o prêmio após uma caça bem sucedida

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dos três anos já podem se pintar e utilizam-se de inúmeras variações de motivos gráficos para o rosto, as costas, pernas, braços e peitoral. Além disso, durante as festividades em que lutam, é comum pintar-se com uma única cor, geralmente preta. Assim como os adornos utilizados por cada faixa etária. Os caciques são os únicos, por exemplo, que podem usar cocares de pêlo de macaco ou onça. Isso denota que eles são mais importantes que o restante da aldeia e por conta disso merecem usar uma indumentária mais trabalhada e que dê um destaque estético e visual muito maior. Isso é mais facilmente compreendido quando se passa a entender que o tipo de material usado na confecção desses ornamentos é mais difícil de conseguir, o que, conseqüentemente, restringe a utilização destes por qualquer pessoa. As tornozeleiras e caneleiras usadas pelos homens Kuikuro são feitas em fibra de algodão coloridas. Usadas exclusivamente pelos lutadores de huka-kuka (tradicional luta alto-xinguana). Tais adornos são usados sem o rigor estético envolvido na cultura Kuikuro, de forma que são utilizados apenas para proteger a parte inferior da perna durante as lutas intertribais.

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Tornozeleira kuikuro: adorno usado pelos lutadores da aldeia

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Integrantes da etnia e sua indumentรกria tradicional

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Artefato “do branco”: Miçangas É comum ouvir de alguns anciões da etnia Kuikuro que a miçanga começou a chegar no Xingu há muitos anos. Mais precisamente foi entre os anos de 1884 e 1887, trazido pelo etnólogo alemão Karl von den Steinen quando realizou os primeiros contatos com os indígenas da região. Influenciados pelo “primeiro visitante”, outros estudiosos, como os irmãos Orlando e Cláudio Villas Boas e Nilo Veloso, também levaram mais matéria-prima do tipo como forma de presentear os xinguanos. Dessa forma, a miçanga foi totalmente incorporada como matéria-prima de grande parte do artesanato desenvolvido não só pelo povo Kuikuro, mas também por todas as etnias existentes no Alto-Xingu. Hoje, as miçangas são usadas por todos dentro da aldeia, especialmente na confecção de cintos, pulseiras e colares.

Miçangas: Mil e uma possibilidades 33


Adorno cobiçado: Colares de concha de caramujo Onde quer que os Kuikuro estejam, estão com seus tradicionais colares de conchas de caramujo. Por onde quer que passem fazem sucesso. Os colares estão no topo da lista dos artesanatos mais valiosos dentro da aldeia. Não só pelo trabalho que dá para ser confeccionado, mas pelo fascínio que causa nos amantes do artesanato indígena. Além disso, o colar é uma especialidade não só dos Kuikuro, mas também dos Kalapalo. Eles sempre tiveram papel importante nas trocas altoxinguanas. Foi por volta da década de 1970, que os indígenas começaram a dizer com segurança que o colar de caramujo era igual ao dinheiro de ‘civilizado’ mas, acrescentavam, dinheiro nada valia no mato, pois só na cidade servia para a troca. Já que ao sair da aldeia, os Kuikuro percebiam o quanto os “brancos” gostavam e o quanto valorizavam a peça. Muito mais do que dentro da aldeia. A confecção dos adornos pode ser feita tanto por homens quanto por mulheres. As peças características do Xingu são consideradas jóias, tanto pela delicadeza quanto pelo critério minucioso de produção. Os colares masculinos são maiores e o das mulheres, menores, mas igualmente belos. Parte fundamental da indumentária, os colares Kuikuro tradicionais são finalizados, nas extremidades, com três contas de concha de caramujo pretas.

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O desejado colar tradicional Kuikuro


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Arte plumária Sem nenhum significado aparente dentro da cultura dos Kuikuro, a arte plumária é usada em busca da pura beleza. Por ser um povo que preza a estética e o equilíbrio entre as peças da indumentária, as plumas arrematam o que os integrantes da etnia chamam de “belo”. Para os Kuikuro, em especial, a arte estabelece a comunicação entre os integrantes da etnia e universo a sua volta. Além disso, os Kuikuro acreditam que a força mágica que rege a vida na aldeia é atribuída às penas de pássaro. Os majestosos cocares, usados em festividades são feitos de penas que caem das asas e da calda de pássaros, durante as trocas periódicas de plumagem. A marca dos Kuikuro nos cocares e braçadeiras são as cores preta, vermelha e amarela – predominantes em toda indumentária. As penas geralmente são sobrepostas em camadas, formando um mosaico de cores. Tal trabalho exige uma cuidadosa execução e na maioria das vezes é realizado pelos homens da aldeia.

Cocar de festividades para homens e mulheres 37


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Braรงadeira Kuikuro para festividades 39


Brincos: adorno masculino Produzidos com penas nas cores preta, vermelha e amarela, os brincos Kuikuro são tradicionalmente usados apenas pelos homens adultos. O ritual de furação de orelha é realizado durante a “festa dos pássaros”, tradicionalmente chamada de iponhe. De acordo com a mitologia Kuikuro, apenas os meninos que possuem as qualidades de se tornarem futuros líderes da etnia recebem os brincos. A cerimônia é ainda considerada um rito de passagem para a vida adulta. A partir daí, os meninos deixam de lado as brincadeiras e passam a ficar perto dos homens da aldeia, aprendendo o trabalho, as tradições e os costumes junto aos adultos e idosos.

A beleza do artefato exclusivo para os homens 40


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Beleza e tradição na indumentária do povo Kuikuro Este catálogo foi impresso em novembro de 2011 pela Central Park Conveniência, em Brasília-DF. Composto em Lithos Pro, com miolo em papel Couché Fosco 150g e capa em Couché Fosco 170g com laminação BOPP fosca, com tiragem experimental de cinco exemplares.

LAGROU, Els. Arte indígena no Brasil: agência, alteridade e relação. Belo Horizonte: C/Arte, 2009.

CRÉDITOS DAS FOTOS

RIBEIRO, Berta G. Dicionário do Artesanato Indígena. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1988.

Páginas 6, 11, 21-b, 27, 42 e 43 – Maíra Elluké Páginas 8, 16, 17, 21-a, 23, 24-b, 24-c, 30, 31, 32, 35, 36 e 41 – Oswaldo Forte Páginas 9, 15, 24-a, 29, 38, 39 – Raimundo Paccó REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Pedro. Kwaríp: mito e ritual no Alto Xingu. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1974. FERREIRA, Maria Beatriz Rocha (org.). Cultura Corporal Indígena. São Paulo: Unicentro, 2003. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.

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PAIVA, Raquel. & BARBALHO, Alexandre (orgs.). Comunicação e cultura das minorias. São Paulo: Editora Paulus, 2009.

SAMAIN, Etienne. Modalidade do olhar fotográfico. In Luiz Eduardo R. Achutti (Org.). Ensaios (sobre o) Fotográfico. Série Escrita Fotográfica. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1998, p. 109-144. TOLEDO, Vera Regina. FERREIRA, Maria Beatriz Rocha. & SIMSON, Olga R. de Moraes von (orgs.). Jogo, celebração, memória e identidade: reconstrução da trajetória de criação, implementação e difusão dos Jogos Indígenas no Brasil. Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2011. VILLAS BOAS, Orlando. & VILLAS BOAS, Cláudio. Xingu: os índios, seus mitos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. Sites: www.funai.gov.br www.socioambiental.org.br


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