sentir | refletir | propor
Hip贸teses para o lugar - Favela Spama
Camila Vallad茫o Vicino
SENTIR | REFLETIR | PROPOR Hipóteses para o lugar - Favela Spama
Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie para a obtenção do título de arquiteta e urbanista
Orientadora: Profa Dra Lizete Maria Rubano
São Paulo, Dezembro de 2015
Obrigada Ă queles que tornaram esse processo mais valioso e um grande aprendizado
Sumário Introdução Apresentação
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Objetivo e linha de raciocínio
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Metodologia
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O direito à cidade na pequena escala
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Contribuição dos Situacionistas
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Afinal, o que é favela?
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1. Experiência: conceito e vivências
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Conceito
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Do individual ao coletivo
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No Spama
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2. Percepções
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A exclusão urbana: cidade partida entre o formal e o informal
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Preexistências
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Espacialidades - o uso dos espaços e as relações sociais
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3. Hipóteses
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Hipótese teórica
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Terceiro território
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Hipótese prática: o terceiro território e a construção de cidade
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Reticências....mas, e agora?
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Imagens
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Bibliografia
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Introdução | Apresentação Esse Trabalho Final de Graduação contempla uma parte teórica e um consequente exercício projetual. Elaborá-lo foi um processo de investigação e questionamento, sem a necessidade de conclusões objetivas. Toda a discussão se concentra no olhar para a Favela Spama. O Spama é composto por, aproximadamente, 500 moradias e localizase em Pirituba, na Zona Norte de São Paulo. É um local característico de pobreza, no entanto não é essa condição que se busca retratar, mas sim discutir como a Arquitetura e o Urbanismo podem ser utilizados enquanto instrumentos que auxiliam na construção de uma nova lógica de cidade, na luta contra a exclusão urbana e social em busca da cidadania.
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Introdução | Objetivo e linha de raciocínio Esse trabalho teve como objetivo organizar uma hipótese teórica e projetual que amparasse conceitualmente uma proposta de intervenção urbana para a favela Spama, tendo como ponto de partida as observações e reflexões resultantes após uma experiência pessoal vivida nessa favela. Devido ao seu carater empírico e reflexivo, trata-se de um ensaio em busca da construção do pensamento crítico. Inicialmente estava definido apenas o lugar de estudo, a favela Spama. A escolha do lugar ocorreu após eu participar, como voluntária, do projeto de Gestão Comunitária desenvolvido pela ong TETO 1 nessa mesma favela. Para iniciar o raciocínio teórico, reconheci que haviam dois possíveis caminhos: investigar processos de intervenção em áreas urbanas precárias já realizados, ou seja, pensar a intervenção projetual a partir de outras experiências, hipóteses e práticas, utilizando-as como catalizadores da reflexão; ou então, utilizar das minhas próprias percepções construídas após vivenciar a favela para refletir sobre o assunto. Escolhi a segunda opção por compreender ser possível utilizála como metodologia e devido sua condição empírica, que possibilitava reconhecer significados e singularidades do lugar que guiassem a teoria e o projeto, a partir de uma interpretação mais pessoal e sensível. Desse modo, através do olhar e crítica pessoal, enquanto agente externo ao lugar por não habitá-lo, formulados a partir da disciplina da Arquitetura e do Urbanismo, estruturei as experiências vividas e as percepções consequentes com o objetivo de utilizá-las como indicadores de uma realidade socioespacial singular para a reflexão teórica e posterior exercício de projeto.
O TETO é uma organização presente na América Latina e Caribe, que busca superar a situação de pobreza em que vivem milhões de pessoas nas comunidades precárias, através da ação conjunta de seus moradores e jovens voluntários.” - Fonte: www. teto.org.br. Acesso em 20/11/2015 1 “
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Portanto, através desse método e amparada por bibliografias específicas foi possível formular a seguinte hipótese: A intervenção em áreas urbanas precárias através da urbanização dos espaços vazios e da estruturação de espaços integradores, de modo que conecte a favela à cidade formal com base no reconhecimento de preexistências simbólicas e na proposta programática, tem condições de colaborar, até onde cabe o papel da Arquitetura e do Urbanismo, para que os moradores da cidade informal possam conquistar uma experiência positiva de cidade ao romper-se com a exclusão urbana e social existente, através da tentativa de afrouxar as barreiras que usualmente separam a cidade formal e informal e da criação de espacialidades que ofereçam uma outra experiência de cotidiano. Ter utilizado a favela como objeto de estudo desse Trabalho Final de Graduação foi consequência de uma preocupação pessoal sobre como melhorar as condições da vida cotidiana dos moradores do Spama, que vivem na completa ausência de urbanidade, ao mesmo tempo em que se encontram tão próximos do ambiente urbano formal e infraestruturado. Portanto, durante o processo buscou-se compreender quais eram as condições reais que fragilizam a qualidade de vida cotidiana e como poderíamos, a partir da abrangência desse exercício, atingir tais deficiências. Compreendeu-se, ao final, que intervir em uma favela desafia o diálogo entre o existente e o novo, sendo o resultado final uma mescla entre a rigidez da arquitetura formal e a infinita composição espontânea da autoconstrução e do autoplanejamento. Porém, mais do que o diálogo da materialidade, da forma e da composição, o que se estabelece de modo latente é a oportunidade de se construir uma outra compreensão de cidade, que é singular e peculiar a um lugar específico e à sua população, onde não basta reaplicar padrões rígidos pensados previamente, mas a qual pede que se olhe e se reconheça novas oportunidades e relações. Pode ser
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compreendida também como uma oportunidade de se pensar uma cidade mais humana, onde as pessoas são mais valorizadas através dos espaços por terem sido elaborados de modo a estimular a ação, o aprendizado, a cultura, assim como também o relaxamento, a distração, o lazer, o encontro. Espaços que integram a rua e o edifício, o externo e o interno, buscando a troca ao invés do rompimento, assim como o intercâmbio entre as potencialidades do formal e do informal. Simplificando, esses novos espaços urbanos visam romper com a “cidade de muros”, que estamos cada vez mais habituados a vivenciar, através do incentivo à sociabilidade, coletividade e criatividade. Gostaria de ressaltar que esse trabalho, mais do que uma formalidade acadêmica, foi um valioso processo de autoconhecimento por ter sido uma oportunidade de compreender, de modo critico, meus questionamentos formulados ao longo dos cinco anos de faculdade e das atividades extracurriculares das quais participei.
“Cidadãos de todos os países, derivem! Dissolvam as fronteiras e destruam os muros de todos os tipos, das prisões e asilos aos condomínios residenciais fechados, dos shoppings centers aos conjuntos habitacionais modernos!” (ANDRADE, 2008)
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Introdução | Metodologia A reflexão teórica é no âmbito desse trabalho a principal diretriz para a formulação da intervenção prática e foi construída a partir de diferentes dimensões, as quais podem exemplificar a bagagem que o arquiteto carrega e da qual utiliza na atividade prática projetual. É a partir dessas dimensões que essa monografia se estrutura. 1. Dimensão da experiência (capítulo 1): conhecer, presenciar e experimentar o território de uma favela foi uma contribuicão ímpar nessa temática. Estar presente no Spama foi fundamental para que fosse possível reconhecer o território físico e social existente e elaborar diagramas que representassem a realidade na escala próxima ao lugar. Por tal motivo, essa monografia possui forte caráter empírico. 2. Dimensão crítica-reflexiva (capítulo 2): após vivenciar, foi possível refletir criticamente sobre a realidade preexistente. A partir das sensações, sentimentos e questionamentos reconheceu-se percepções que guiaram o desenvolvimento do trabalho. 3. Dimensão bibliográfica (capítulo 2): As percepções conduziram à busca de bibliografia específica que pudesse fundamenta-lás teoricamente e aprofundar a discussão. A busca bibliográfica validou e ampliou a reflexão. 4. Dimensão prática (capítulo 3): O projeto, como resultado prático, tratase da síntese das abordagens anteriores.
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Introdução | O direito à cidade na pequena escala Inicialmente, como ponto de partida desse trabalho, encontrei-me com as ideias do geógrafo David Harvey (2014) quanto sua compreensão do que seria a conquista do direito à cidade, conceito constantemente em pauta atualmente. A maneira como aborda tal conceito tornou-se minha fonte de inspiração pessoal de busca por algo maior para as cidades e para as pessoas, que tangencia a conquista da liberdade do indivíduo em construir sua própria trajetória, livre de predeterminações econômicas, sociais, históricas e urbanas. Compreendo que se trata da busca pela própria realização plena da cidadania, pois “a questão do tipo de cidade que queremos não pode ser separada da questão do tipo de pessoas que queremos ser”. (HARVEY, 2014, p. 28) A primeira sensação ao vivenciar a favela foi objetiva: seu espaço reflete, através da ausência de urbanidade e direitos sociais, a completa exclusão que seus moradores estão sujeitos. Tal processo exclusivo é fruto de uma atuação política e ética onde os ideiais de direitos humanos ainda se baseiam em conceitos “individualistas e baseados na propriedade, e, como tais, nada contestam a lógica de mercado hegemônica liberal e neoliberal.”, pois, como prossegue Harvey (2014), “os direitos de propriedade privada e a taxa de lucro se sobrepõem a todas as outras noções de direitos em que se possa pensar”(p. 27). A exclusão urbana, representada pelo déficit habitacional nas grandes cidades, portanto, é consequência dessa mesma hierarquia de prioridades, que se materializa na prática através do urbanismo segregador, que incentiva, em primeira instância, a propriedade privada e o lucro do mercado imobiliário. Como resultado dessa dinâmica cria-se dentro do mesmo espaço urbano duas situacões opostas: a cidade formal e legal, e a formação da cidade informal, representada pelas favelas. Desse modo, entende-se as favelas como movimento coletivo em busca do direito de habitar a cidade, pois, apesar da sua condição urbana
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precária, possibilita que seus moradores vivam tangentes com a cidade formal, por mais que estejam à margem dela - condição explicada mais à frente através do conceito de barreiras invisíveis, as quais são responsáveis por criar a dicotomia entre essas duas cidades. Quando se trata do conceito de direito à cidade é enriquecedora a visão colocada por David Harvey (2014), formulada a partir das ideias de Henry Lefebvre e complementada pela visão do sociólogo urbano Robert Park (1967), que extrapola a condição do “direito de acesso individual ou grupal aos recursos que a cidade incorpora” (p. 28). O direito à cidade vai além e trata-se de um direito coletivo de “mudar e reinventar a cidade mais de acordo com nossos mais profundos desejos” (HARVEY, 2014, p. 28). Ou seja, possuir tal direito é dar ao cidadão a possibilidade de escolher, através do poder coletivo sobre o processo de urbanização, segundo palavras de Harvey (2014), “que tipo de pessoas queremos ser, que tipo de relações sociais buscamos, que relações com a natureza nos satisfazem mais, que estilo de vida desejamos levar, quais são os nossos valores estéticos.” (p.28). Harvey (2014) prossegue reivindicando a conquista desse direito através da revolução urbana, que pretenderia alterar as lógicas sistêmicas através da reivindicação de “algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização” (p. 30) Nesse trabalho olharemos para a busca do direito à cidade através do lugar, especificamente, e não do enfrentamento da questão urbana, representada pelas favelas de modo macro. Tal escala mantém sua pertinencia, segundo a visão de Milton Santos (2012), pois “cada lugar, é a sua maneira, o mundo” (p. 314). A mesma aproximação incita Fernando Pessoa, através de seu heterônimo Alberto Caeiro, no poema Pelo Tejo vai-se Para o mundo, pois por mais que o Tejo seja “mais belo que o rio que corre em minha aldeia”, ele “não é o rio que corre pela minha aldeia”. Todos conhecem o Tejo, porém “poucos sabem qual é o rio da minha aldeia”. A leitura do lugar é
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como reconhecer o rio da pequena aldeia, pois para compreender o “Tejo”, ou as questões em grande escala, deve-se antes compreender o fato do lugar. Nesse caso, aproximar-se da busca pelo direito à cidade, a partir da intervenção na pequena escala, é como criar um intermédio entre “o mundo e o indivíduo” (SANTOS, 2012, p. 314).
Pelo Tejo vai-se para o Mundo Aberto Caeiro O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios, e navega nele ainda, Para aqueles que vêem tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha, e o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso, porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
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Introdução | Contribuição dos Situacionistas A favela é a cidade não urbanizada, para a qual a intervenção buscará oferecer condições urbanas e sociais mais dignas ao cotidiano dos seus moradores. Como ferramenta, a urbanização cria a possibilidade de construir, a partir do diálogo com a cidade informal já existente, espaços coletivos que gerem uma nova experiência de cidade. Nessa ocasião, ao visualizar uma oportunidade de intervenção urbana, podemos nos perguntar: qual cidade gostaríamos de experimentar no sentido de fazê-la mais justa na distribuição das benesses? Dessa maneira, abre-se a discussão: gostaríamos de replicar as lógicas já utilizadas atualmente na construção da cidade urbanizada e formal, que criam essa “cidade de muros” constituída por espaços privatizados e controlados, em que a dimensão pública aparece rechaçada? Ou queremos aproveitar a oportunidade para repensar a construção do espaço urbano através da discussão de novas hipóteses, que busquem outras relações, outros espaços e outras possibilidades de vida cotidiana, com a intenção de possibilitar mais prazer e felicidade à vida na cidade? Essa foi uma reflexão inicial para o desenvolvimento desse trabalho e para ampará-la teoricamente na dimensão projetual, as ideias dos situacionistas compreendidas através da introdução feita por Paola B. Jacques (2003a) no livro a Apologia da Deriva - escritos situacionistas sobre a cidade, foram muito valiosas. A Internacional Situacionista (IS) foi um grupo de artistas, pensadores e ativistas que lutavam na Europa dos anos 50/60 “contra o espetáculo, a cultura espetacular e a espetacularização em geral, ou seja, contra a não-participação, a alienação e a passividade da sociedade” (JACQUES, 2003a, p. 13). Para os Situacionistas, “O principal antídoto contra o espetáculo seria o seu oposto: a participação ativa dos indíviduos em todos os campos da vida social, principalmente no da cultura”. (JACQUES, 2003a, p. 13)
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Ao tomar conhecimento dos objetivos de luta desse movimento urbano-cultural foi possível reconhecer, nas suas ideias e críticas, uma inspiração para se pensar a cidade, no caso representada na escala da intervenção na favela, através do coletivo e na escala da vida cotidiana, por ser a referência mais próxima do indivíduo e da sua rotina. Desse modo, a partir dessas diretrizes, seria necessário pensar o espaço urbano de maneira oposta às práticas atuais, pois essas intensificam apenas a “não participação, alienação e a passividade da sociedade” devido suas tendências segregadoras e excludentes. Apesar de terem seus fundamentos formulados na realidade dos anos 60, nos “primórdios dessa nova espetacularização urbana contemporânea” ainda hoje os desejos dos Situacionistas, frente à vida urbana tal como a observamos em São Paulo, por exemplo, parecem muito lógicos e necessários, afinal vivemos, e a cada dia mais, uma vida cotidiana sem surpresas e sem paixão, baseada em uma rotina de emprego, em busca de bens materiais; com mobilidade reduzida nas grandes cidades, privatizações dos espaços urbanos, segregação e, consequentemente, esvaziamento da vida urbana. Ou seja, ainda vivemos a própria cultura do espetáculo na qual não se participa, na qual não há coletivo, apenas se assiste enquanto indivíduo. O pensamento situacionista na arte migrou para o urbanismo através da crítica à espetacularização das cidades, ao planejamento como disciplina e à vida urbana em geral. Não resultou na construção de propostas reais de cidade, mas sim em uma crítica urbana situacionista e uma forma situacionista de uso do espaço urbano. Desse modo, no que tange à temática e à abrangência desse trabalho, considera-se animadora a busca de compreender como o processo de intervenção em favelas pode ser inspirado pela crítica urbana situacionista.
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Pensar o cotidiano através da ideia de um sujeito ativo em cidades como São Paulo não é tarefa fácil. Para os Situacionistas, a cidade que almejavam construir deveria ser “um ambiente apropriado para o despertar ilimitado de novas paixões” (JACQUES, 2003a, p. 18). Tratava-se de um objetivo inicial antes de abandonarem tal proposta prática para se aterem apenas “à critica feroz contra o urbanismo e o planejamento em geral. Se eles se posicionavam cada vez mais contra o urbanismo, ficaram sempre a favor das cidades, ou seja, eram contra o monopólio urbano dos urbanistas e planejadores em geral, e a favor de uma construção realmente coletiva do espaço.”(JACQUES, 2003a, p. 19). Assim, podemos tentar realizar um paralelo teórico de comparação ao nos perguntarmos se a favela não poderia ser, dada as devidas particularidades de contexto, uma construção coletiva de cidade, feita sem planejadores, sem normas e regras? Aqui faço uma tentativa de traduzir o mesmo pensamento elaborado na Europa dos anos 50/60 para a atual realidade brasileira. No entanto, mesmo que considerássemos as favelas uma exemplificação do que seria uma parte da cidade construída coletivamente, não poderíamos jamais secundarizar a ideia de que seu surgimento representa falta de opção e não o contrário. O quanto seria possível, dada essa condição, a conquista de um “ambiente apropriado para o despertar de paixões”, o que, definitivamente, não acontece na prática nas favelas, dada sua condição de resíduo e exclusão. Também poderíamos pensar no lugar da palavra “paixão”, a palavra “possibilidades”, ou seja, a criação de um ambiente urbano que gerasse possibilidades para cada indivíduo construir sua experiência cotidiana, a partir de um espaço urbano coletivo, enquanto ideia de possibilidades minimamente equalizadas. Aqui nos aproximamos da ideia de direito à cidade, de David Harvey (2014), a partir da formulação original de Lefebvre(1968).
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Por outro lado, ainda próximo dessa idealização da construção coletiva de cidade, está o fato da favela representar, na prática, uma outra possibilidade, mesmo que não intencional e racionalizada, de enfrentamento do território urbano, pela condição de ilegalidade e ausência de estruturação formal. Isso acontece porque a favela rompe, através da sua construção espontânea e desregrada, com o esperado, ou seja, com a mesma ordem racional urbana e arquitetônica aplicada na cidade formal. Pois então, seguindo ainda o pensamento situacionista, se a favela pode ser compreendida como uma construção coletiva de cidade, mas não “um ambiente apropriado para o despertar ilimitado de novas paixões”, imagina-se ser porque ainda falta a real “participação ativa dos cidadãos, o que só seria possível por meio de uma verdadeira revolução da vida cotidiana”. (JACQUES, 2003a, p. 19), conforme acreditavam os situacionistas na Europa, em relação à participação coletiva na construção das cidades, condição acrescida – na nossa realidade – da ausência de cidadania e direitos civis. Ou seja, por mais que haja a construção coletiva do lugar, pois cada morador construiu e se organizou espontaneamente no terreno em relação à rua e ao seu(s) vizinho(s), realizando – não esqueçamos – o sobretrabalho, não há uma efetiva participação ativa dos cidadãos no diaa-dia, enquanto coletivo, de maneira que extrapole o ambiente individual – sua casa, seu lote. Isso não acontece pois talvez essa condição esteja atrelada a ausência de cidadania, que implica – também – na vida pública. Trata-se, com essa analogia, de uma interpretação pessoal após reconhecer pontos semelhantes entre a critica urbana situacionista e suas propostas para um novo entendimento de cidade, e a dinâmica urbana da favela. Sem dúvida, essas condições, assim como se validaram em relação ao ambiente urbano formal, também podem ser reconhecidas na favela, onde também vigoram as mesmas dinâmicas de sociedade da cidade urbanizada, oficialmente.
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Assim como Harvey (que menciona em seu livro Cidades Rebeldes (2014), apoiar-se também em ideias situacionistas) o movimento queria estimular a revolução cotidiana e pretendia “usar a arquitetura e o ambiente urbano em geral para induzir à participação, para contribuir nessa revolução da vida cotidiana contra a alienação e a passividade da sociedade.” (JACQUES, 2003a, p. 20). Nesse ponto é possível compreender então que, segundo as ideias da IS, o ambiente urbano e sua arquitetura deveriam ser vivenciados com participação em busca de uma construção coletiva do espaço contra a alienação e a passividade dos cidadãos, fatos que representariam o início da revolução da vida cotidiana. Os Situacionistas propuseram atingir tais objetivos através da defesa do Urbanismo Unitário (UU), ou seja, “uma forma situacionista de viver, ou de experimentar, a cidade” (JACQUES, 2003a, p. 20). O UU compreendida ser necessária a construção de situações que levassem os habitantes à condição de “construtores, transformadores e vivenciadores” (JACQUES, 2003a, p. 20) dos próprios espaços da cidade de modo que se impedisse qualquer tipo de espetacularização urbana. Ou seja, o Urbanismo Unitário era a própria teoria crítica que pregava contra a banalização do cotidiano e a construção de situações era o meio que os situacionistas acreditavam ser capaz de revolucionar a vida cotidiana, segundo Jacques (2003a). Conforme prossegue a autora, “o pensamento urbano situacionista estaria então baseado na ideia de construção de situações” (JACQUES, 2003a, p. 21) e essa construção começaria “após o desmoronamento moderno da noção de espetáculo” (GEBORD, 1957 apud Jacques, 2003a, p. 21) a partir da participação, quando os habitantes se tornassem vivenciadores. Como outras ferramentas para a construção de situações, os situacionistas utilizaram-se da psicogeografia, ou seja, “o estudo dos efeitos exatos do meio geográfico, conscientemente planejado ou não, que agem diretamente sobre o comportamento afetivo dos indivíduos”(JACQUES,
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2003a, p. 22) e a deriva, “um modo de comportamento experimental ligado às condições da sociedade urbana: técnica de passagem rápida por ambiências variadas.” (JACQUES, 2003a, p. 22) Aproximando-se novamente da construção de uma linha de pensamento sobre intervenção em favelas a partir das ideias aqui expostas, o que nos servirá de apoio para esse trabalho são as críticas e os conceitos que os situacionistas utilizam para pensar em um novo modo de vida urbana, mais do que seus métodos próprios empregados para isso (a psicogeografia e a deriva). Ao dialogarem sobre a necessária participação dos cidadãos na vida urbana e sobre a importância da dimensão cotidiana nessa ação, suas ideias vão ao encontro da minha percepção ao vivenciar a favela. Nesse experiência teórica e prática que aqui se coloca, compreendi ser necessário pensar essa cidade informal através de outro modo, que rompa com a perspectiva sempre presente de ordenação, com a monofuncionalidade da habitação através de propostas de espaços que estimulem a vivência coletiva e pública. Esses espaços, além de programados poderão exercer papel de catalizadores de encontros e relações sociais que se tornam potencialidades para uma vida urbana mais politizada e coletiva, que pode ser representada pelas conquistas urbanas coletivas e também pela autogestão dos espaços pelos próprios usuários. Acredito, ainda de acordo com as ideias aqui expostas, que a experiência urbana deveria ser emancipatória e civilizatória e, por acreditar nisso, que penso no urbanismo como protagonista, assim como também acreditam os situacionistas ao propor um urbanismo unitário, enquanto crítica ao próprio urbanismo, que buscaria tanto “explorar os cenários atuais, pela afirmação de um espaço urbano lúdico tal como a deriva o reconhece, quanto construir outros, totalmente inéditos. Essa interpretação (uso da cidade atual, construção da cidade futura) implica o manejo do desvio arquitetônico. O urbanismo unitário não aceita a fixação das cidades no tempo”. (IS no 3, 1959 apud JACQUES, 2003a, p. 15)
“As cidades são ambientes da existência, sabemos que a relação positiva ou negativa com o ambiente determina a saúde física, psíquica e moral dos indivíduos e grupos sociais” (ARGAN, 2000 apud VIGLIECCA, 2012, p. 92)
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Introdução | Afinal, o que é favela? Como próximo passo é importante definir sobre quais parâmetros o termo favela é compreendido nesse trabalho. Para isso, utilizamos como base uma Declaração apresentada pelo Observatório de Favelas 2, o qual a fez com o objetivo “de contrubuir para a formação de um conceito de favela que abrigue a complexidade e a diversidade desse território no espaço urbano contemporâneo: 1 – Considerando o perfil sociopolítico, a favela é um território onde a incompletude de políticas e de ações do Estado se fazem historicamente recorrentes [...]. Portanto, as favelas são, de modo geral, territórios sem garantias de efetivação de direitos sociais, fato que vem implicando a baixa expectativa desses mesmos direitos por parte de seus moradores. 2 – Considerando o perfil socioeconômico, a favela é um território onde os investimentos do mercado formal são precários, principalmente o imobiliário, o financeiro e o de serviços. [...] Há, portanto, distâncias socioeconômicas consideráveis quando se trata da qualificação do tempo/ espaço particular às favelas e das condições presentes na cidade como um todo. 3 – Considerando o perfil socio-urbanístico, a favela é um território de edificações predominantemente caracterizadas pela autoconstrução, sem obediências aos padrões urbanos normativos do Estado. [...] A favela significa uma morada urbana que resume as condições desiguais da urbanização brasileira e, ao mesmo tempo, a luta de cidadãos pelo legítimo direito de habitar a cidade.
“O Observatório de Favelas é uma organização da sociedade civil de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. Buscamos afirmar uma agenda de Direitos à Cidade, fundamentada na ressignificação das favelas, também no âmbito das políticas públicas.” Fonte: www.of.org.br/apresentacao. Acesso em 20 nov. 2015 2
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4 – Considerando o perfil sociocultural, a favela é um território de expressiva presença de negros (pardos e pretos) e descendentes indígenas, de acordo com a região brasileira, configurando identidades plurais no plano da existência material e simbólica. [...] Superando os estigmas de territórios violentos e miseráveis, a favela se apresenta com a riqueza da sua pluralidade de convivências de sujeitos sociais em suas diferenças culturais, simbólicas e humanas.” (SILVA, 2009, p. 96) Aqui, também compreenderemos favela como áreas urbanas críticas, seguindo a denominação que o arquiteto Hector Vigliecca (2012) utiliza para denominar os “territórios que obviamente não tem legislação urbanística apropriada e onde, portanto, o procedimento de atuação deve ser inovador” (VIGLIECCA, 2012)
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“Nós compreendemos que as favelas constituem moradas singulares no conjunto da cidade, compondo o tecido urbano, estando, portanto, integrado a este, sendo, todavia, tipos de ocupação que não seguem aqueles padrões hegemônicos que o estado e o mercado definem como sendo modelo de ocupação e uso do solo nas cidades. Estes modelos, em geral, são referenciais em teorias urbanísticas e pressupostos culturais vinculados a determinadas classes e grupos sociais hegemonicos que consagram o que é um ambiente saúdavel, agradável às funções que uma cidade deve exercer no âmbito do modelo civilizatório em curso. [...] Acreditamos que uma definição de favela não deve ser construida em torno do que ela não possui em relação ao modelo dominante de cidade. Pelo contrário, elas devem ser reconhecidas em sua especificidade sócio-territorial e servirem de referência para a elaboração de politicas públicas apropriadas a estes territórios. Este reconhecimento já vem sendo realizado, em parte, por meio do Estatuto da Cidade, que define as favelas como áreas de especial interesse, que necessitam de regulação própria baseada em sua materialidade historicamente dada. É da concretude de sua morfologia que se estabelecem as referências possíveis do que é compreendido como morada digna, dotada de condições necessárias para o bem-estar e o bemviver. Enfim, uma morada onde grupos que se aproximam por valores, práticas, vivências, memórias e posição social, construam sua identidade como força de realização de suas vidas.”(Observatório de favelas,2009,p.21)
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1. Experiência CONCEITO E VIVÊNCIAS
EXPERIÊNCIA “Uma realidade não pode ser apreendida sem estarmos no lugar, na nossa área de atuação não há uma apreensão fora do fato urbanístico-arquitetônico” (JÁUREGUI, 2015)
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Esse trabalho utiliza-se da experiência vivida como parte da metodologia e pretende despertar a condição singular proveniente do experimentar, principalmente quando se trata de territórios complexos como as favelas, onde é preciso estar próximo para compreender realidade existente. Nesse capítulo é abordado o conceito de experiência através da abordagem do pedagogo Jorge Larrosa Bondía (2002). Ao ter contato com suas ideias foi possível compreender conceitualmente a experiência como ferramenta para a construção da práxis e do saber. Em seguida, está o relato sobre alguns eventos e considerações pertinentes ao trabalho voluntário realizado na ong TETO, os quais foram apropriados por esses trabalho para estruturar as reflexões.
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Experiência | Conceito Jorge Larrosa Bondía (2002) em seu artigo Notas sobre a experiência e o saber da experiência trata a experiência como aquilo que influência a construção pessoal de um indivíduo ao interiorizar algo que acontece a ele. Para explicar seu pensamento, inicia mostrando, em diferentes línguas, os diversos modos usados para se referir à ocorrência de uma experiência. Em espanhol, por exemplo, utiliza-se a expressão “algo que nos passa” enquanto, em português, “algo que nos acontece”. No entanto, em ambos os exemplos torna-se perceptível a presença do eu como receptor e processador de acontecimentos e sentimentos, ou seja, para um acontecimento tornar-se experiência é necessário que algo ocorra no interior do individuo, condição criada quando esse recebe o que chega e posteriormente lhe dá espaço – e não apenas age como espectador não envolvido. Assim, ao viver experiências nos retiramos da condição de que a “cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (BONDIA, 2002, p. 2). No entanto, para viver experiências, prossegue Bondia (2002), é necessário se afastar do caos contemporâneo vivido no dia a dia que nos insere em uma frenética necessidade informacional; opinativa, mesmo que na ausência de opiniões e argumentos; excessiva carga de trabalho; intensa velocidade; escassez de tempo; entre outras condições. O afastamento torna-se necessário, segundo o autor, pois esses elementos atuam como bloqueadores da possibilidade da experiência. Posto isso, é possível compreender que sem experiências ficamos a mercê das atribuições, valores, etiquetas e expectativas que são impostas, principalmente nos grandes centros urbanos, com base no pensamento hegemônico político, social e econômico vigente. Portanto, ao nos permitirmos experimentar, nos abrimos à possibilidade de despertar outros sentimentos, necessidades e uma outra consciência de si ao descontruir o que não nos cabe, não
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nos convém e apenas estava presente por influências externas. Nesse momento, há a oportunidade, como afirma Bondia (2002), de através das experiências vividas, o indivíduo se aproximar da conquista da consciência de si mesmo e do seu exterior, dessa vez sem estar totalmente vulnerável a esse, buscando romper com a completa alienação, ainda que o processo de alienação seja uma decorrência direta identificada no processo histórico da configuração do trabalho nas lógicas capitalistas (e estendendo-se a outras dimensões da vida.) Bondía (2002) encontra em Heidegger (1987) uma definição de experiência que engloba diversos fatores que discute ao longo do seu texto. “(...) fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tombar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiência, de um dia para o outro no transcurso do tempo. (HEIDEGGER, 1987 apud BONDIA, 2002. p.143)”
A partir desse pensamento, Bondía destaca a possibilidade da autotransformação a partir da experiência, pois quando algo nos passa ou nos toca consequentemente nos forma e nos transforma de modo que “somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação”. (BONDIA, 2002, p.19)
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Após contextualizar sobre esse conceito, aborda a existência de um novo saber, diferente daquele adquirido por informações e experimentos, ou seja, através de caminhos fechados e seguros. Trata-se do saber da experiência, que “se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece.” (BONDIA, 2002, p. 20) Desse modo, não se trata de verdades, mas de sentidos os quais vão se refazendo a partir do que é vivido, recebido e interiorizado. O saber da experiência é pessoal, individual e cabe apenas ao próprio individuo, pois “ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria”(BONDIA, 2002, p. 27). Conclui-se, portanto, ser a experiência uma possibilidade de libertação, a busca pelo rompimento com a alienação, a partir da qual é possível a tentativa de individualização e início da construção de uma nova consciência de nós mesmos. Assim, para concluir sobre o saber da experiência, Bondia (2002) afirma ser impossível a existência, se não for possível a experiência. (p. 28) “A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriarnos de nossa própria vida” (BONDIA, 2002, p. 27)
Como se tornar um sujeito da experiência? O sujeito da experiência não controla ou predetermina, mas ao contrário “perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz experiência dele se apodera.” (BONDIA, 2002, p. 25) Esse deve estar desarmado e exposto ao que lhe chega.
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“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requerer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” (BONDIA, 2002, p. 05)
Desse modo, estar aberto para as experiências urbanas ou de outra categoria, é uma tentativa em prol do rompimento com a “sociedade dos muros e das bolhas” onde as decisões, atitudes e valores tornam-se reféns do medo e da insegurança. Nessa lógica, que presenciamos no cotiadiano de nossas cidades, “a vida humana se fez pobre e necessitada, e o conhecimento moderno já não é o saber ativo que alimentava, iluminava e guiava a existência dos homens, mas algo que flutua no ar, estéril e desligado dessa vida em que já não pode encarnar-se”. (BONDIA, 2002, p. 28) Por fim, compreende-se que o conceito experiência possui considerável subjetividade e, portanto, diferentes abordagens ao ser estudado por outras ciências, como por exemplo pela psicologia ou sociologia. No entanto, nesse caso dialoga de maneira complementar ao processo vivenciado a partir das experiências no Spama e em outras favelas, as quais foram singulares no processo de formação e de reflexão crítica, por trazer à tona uma nova forma de consciência e possibilidade de autotransformação ao romper com uma constante alienação sobre o espaço urbano que estava vigente antes desse processo.
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Experiência | Do individual ao coletivo Sobre o trabalho voluntário na ONG TETO | Entre 2011 e 2015/10 trabalhei como voluntária em uma organização não-governamental chamada TETO. Foi através dessa ONG que conheci a favela Spama, de modo passageiro em 2012, quando realizamos uma intervenção pontual durante um final de semana. Foi apenas em 2014 que tive a oportunidade de conhecer mais profundamente sua dinâmica ao ingressar na equipe de Gestão Comunitária, formada por voluntários do TETO para trabalhar em parceria aos moradores do Spama. Reflexões sobre o projeto de construção de moradias de emergência Anterior ao trabalho no Spama, durante minha participação como voluntária de 2011 a 2014 conheci diversas favelas da Grande São Paulo ao trabalhar no projeto de construção de casas de emergência, o qual era realizado em certos finais de semana ao longo do ano. De modo suscinto, esse projeto objetiva construir, no mesmo lugar da moradia antiga (barracos de madeira) e junto com seus moradores, uma nova casa pré moldada de madeira com a intenção de garantir melhores condições de moradia à família habitante daquele lote. (Imagem 4, casa TETO | p.40). Esse projeto é considerado positivamente impactante, na maioria das vezes, pelas famílias que o recebem, pois a conquista de uma casa melhor estruturada intervém de modo estrutural na dinâmica do dia a dia daquele núcleo familiar - digo conquista, pois a família além de trabalhar na construção da nova moradia também ajuda a financiá-la. No entanto, depois de algum tempo participando do projeto compreendi que intervir na favela dessa maneira, apenas através da moradia individual, não fazia com que a vida daquele lugar enquanto coletividade sofresse algum impacto significativo. O chão da favela ainda continuava o mesmo, a falta de espaços de encontro e áreas de lazer permanecia, assim como a situação de insalubridade nas
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ruas e vielas e a exclusão social e urbana como um todo. Ou seja, apesar de reconhecer o impacto pontual da construção unifamiliar, percebi que a atuação dos voluntários e moradores deveria ir além e buscar trabalhar a favela através do conceito de construção de cidade, através da estruturação de seus espaços comuns e das necessidades coletivas para que os frutos fossem recebidos por todos. Desse modo, estaríamos mais próximos da busca por romper de fato com o forte estigma de exclusão que está presente na cidade informal. Reflexões sociais obtidas durante os finais de semana de construção das casas de emergência | Aproximadamente um mês antes do final de semana da construção das casas de emergência (que contemplava, em média, de 10 a 12 casas por favela) os trabalhos começavam pela escolha das famílias mais necessitadas e organização dos moradores. Em algumas favelas enfrentávamos mais dificuldades do que em outras para organizá-los em prol da construção das casas, pois mesmo que o projeto atingisse diretamente poucas familias também era necessária a ajuda da favela enquanto coletivo. Essa dificuldade era maior conforme o nível de interação entre as pessoas. Em locais onde a desunião entre os habitantes imperava, mais dificil era a mobilização. Quando havia uma presença marcante do líder comunitário, o processo era mais fluido. Compreendese, com base nesses fatos, que a sociabilidade facilita a organização em prol de melhorias, mesmo que individuais, e torna a gestão dos processos mais dinâmica e assertiva. No entanto, independente da situação social anterior, na maioria das vezes era perceptível a mudança na dinâmica da favela durante o final de semana de construção, apenas pelo fato de estar ocorrendo algo novo, com novas pessoas, novas perspectivas, mesmo para aqueles que não estavam recebendo a casa.
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O envolvimento das crianças com os voluntários e os afazeres da construção era nítida e impressionava. Durante o final de semana a atenção delas, e também dos adultos, voltava-se quase que de modo integral para esse novo evento que tomava espaço na dinâmica da favela. Com isso, o clima social se alterava. Se antes havia um clima pesado, de desunião, ao longo dos dias era possível perceber uma melhor harmonia entre os moradores em geral. Reconhecer tal fato me levou a refletir que talvez essa nova dinâmica se construisse após os moradores sentirem, mesmo que subjetivamente, que depois de tanto descaso público e exclusão aquele lugar era visto por alguém. No final de semana da intervenção, os voluntários estavam de algum modo reconhecendo aquele território e com isso os próprios moradores começavam a se reconhecer, a olhar com um mais olhar crítico em busca de mudanças - esse fato era possível perceber nas conversas que se travavam. Em geral, o que pude notar é que há um grande potencial de mobilização dentro da favela. Em certos casos, apenas é necessário haver alguma iniciativa externa que mostre as possibilidades aos seus moradores, os quais por estarem muito enraizados naquela situação não conseguem enxergar além e reconhecer o potencial de mudança presente enquanto força coletiva. No entanto, conforme abordado mais a frente durante o projeto de Gestão Comunitária, manter a mobilização permanente e o compromisso de todos em projetos coletivos também apresenta-se como uma dificuldade. Sobre olhar a favela enquanto cidade e não apenas sob o ponto de vista da moradia individual | Foi a partir do reconhecimento, por parte do TETO, da necessidade de intervir através da mobilização coletiva dos moradores em prol das necessidades comuns, que surgiu o projeto de Gestão Comunitária em algumas favelas onde já havia sido realizado o projeto de construção de casas de emergência. No Spama, a equipe de
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Gestão Comunitária se formou em 2014. Através desse projeto busca-se construir um envolvimento entre os moradores e os voluntários a partir de reuniões e dinâmicas para que seja possível organizar coletivamente projetos em prol da melhoria da qualidade de vida através do espaço coletivo, buscando, aos poucos, fazer com que o olhar “negativo” dos próprios moradores sobre seu território se torne mais otimista através do (re)conhecimento da possibilidade de transformação. Ressaltávamos nas reuniões comunitárias que essa possibilidade, no entanto, só seria atingida com êxito se houvesse uma participação coletiva. Por isso, os projetos e ações são decididos e elaborados pelos próprios habitantes, com os voluntários detendo apenas a função de orientá-los e empoderálos da possibilidade de êxito, para que desse modo fosse construída uma consciência sobre seu próprio território e da necessidade do envolvimento de todos para que as condições de precariedade da favela pudessem tomar novos rumos e não apenas esperar que as políticas públicas chegassem até o Spama.
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Experiência | No Spama Essa parte da monografia é um relato sobre minha experiência vivida no Spama em 2014-2015. Foi a partir dessas vivências que pude presenciar situações que me conduziram a tornar o Spama território de estudo dessa monografia.
O Spama: contexto urbano e local Spama é o nome da favela que localiza-se na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, na altura do número 2800, em Pirituba, na Zona Norte de São Paulo (imagem 5, contexto urbano | p. 43). Sua construção iniciou-se nesse terreno particular há cerca de 30 anos (aproximadamente em 1985), onde antigamente funcionava uma metalúrgica, que já estava desativada na época da ocupação do terreno. A Avenida Raimundo Pereira de Magalhães é uma importante via estrutural de Pirituba e interliga o bairro às outras regiões mais centrais da cidade, como o bairro da Lapa, e à marginal do Rio Tietê. Apesar de ser uma ocupação informal e representar a exclusão urbana através da precariedade do seu território, o Spama está fortemente inserido no contexto da cidade formal devido sua localização, e desse modo seus moradores possuem fácil acesso às infraestruturas urbanas, como pontos de ônibus, estações de trem (Estação Piqueri e Estação Pirituba, ambas da CPTM), supermercado, escolas, UBS, etc (imagem 6, equipamentos sociais | p. 43). A localização, portanto, é um ponto extremamente positivo para a comunidade. No entanto, o mesmo fator da localização pressiona a permanência da favela no local devido à intensa valorização imobiliária que a região vem sofrendo nos últimos anos, exemplificada através da construção de novos condomínios residenciais que tem ocorrido ao redor do Spama nos últimos anos, entre os quais um já encontra-se finalizado e o outro ainda
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está sendo construido (imagem 8, edifícios vizinhos | p. 44). Esta condição de instabilidade em relação à permanência da favela no local ressalta a importância dos moradores permanecerem unidos e mobilizados, condição a qual o projeto procurará incentivar, para que possam atuar como força de resistência política frente às tais pressões imobiliárias e sociais que estão sofrendo. De acordo com a valorização imobiliária do entorno em geral e pela precariedade urbana encontrada no Spama, esforços já estão sendo feitos pelos moradores, enquanto membros da União do Movimentos de Moradia, ONGs e políticos frente a subprefeitura Pirituba-Jaraguá na luta pela urbanização do território. Até o ano de 2014 a prefeitura ainda não havia ainda entrado na favela. No entanto, anteriormente ao processo de urbanização, é necessário resolver a questão fundiária do terreno, o qual ainda trata-se de uma propriedade particular e está sofrendo ação de reintegração de posse pela proprietária. No entanto, segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, através do Defensor Público Tiago Augusto Bressan que acompanha diretamente a situação, a comunidade está em vantagem devido ao tempo que ocupa o local (30 anos) e pelo fato do terreno ser mapeado como ZEIS – Zona Especial de Interesse Social – e portanto ser obrigatório, segundo o Plano Diretor Estratégico (Lei 16.050/14), `seu uso para moradia social. (Imagem 7, entorno | p. 43)
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A experiência da participação na equipe de Gestão Comunitária Sobre as reuniões e as necessidades | A equipe de Gestão Comunitária organiza reuniões semanais com os moradores para organizar os projetos que serão executados, os responsáveis por cada ação, as dificuldades, etc. Em um primeiro momento, realizamos uma dinâmica para compreender quais eram os sonhos da comunidade afim de determinar qual seria o primeiro projeto a ser iniciado e obtivemos a ordem de prioridade expressa na (imagem 9 e 10, reunião para definir prioridades | p. 46) Sobre as demandas urbanas | As principais demandas são de ordem urbana, ou seja, correspondem a precariedade existente na favela pela ausência de urbanidade. Tratam-se de demandas de infraestrutura que melhorariam as condições físicas do local e a relação das casas e dos moradores com a rua, principal espaço de representação de cidade e de convivência entre todos. Posteriormente, se coloca a necessidade de incluir espaços de lazer e de educação, situações “historicamente” deficitárias nas favelas, e também na cidade formal, devido a ausência do poder público. O projeto escolhido | Apesar da necessidade mais votada ser a pavimentação, devido sua complexidade por necessitar de recursos e mão de obra especializada os moradores optaram por realizar em primeira instância a votação para formar a Associação de Moradores e em seguida finalizar a implantação do esgoto, que haviam começado há alguns anos e ainda não estava finalizada.
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Dificuldades e estratégias Sobre o local de reunião | As reuniões inicialmente eram feitas aos sábados a tarde em um pequeno barraco, o mesmo que era utilizado aos sábados de manhã por outra ONG que atuava no trabalho educacional com as crianças. Por esse uso, o local era reconhecido por todos como “escolinha” (imagem 9, reunião para definir prioridades| p. 46). Localizava-se na rua principal do Spama, local de fácil acesso e visualização. As reuniões eram feitas de portas abertas, condição importante, e o quorum, apesar de variar consideravelmente entre os finais de semana, era bastante positivo chegando a somar até 30 moradores em algumas datas - no entanto, representação ainda pouco significativa em relação ao total de moradores. Sobre as dificuldades nas ações | No início, os moradores se mostraram bastante animados e confiantes com a possibilidade de melhorias caso as ações organizadas na reunião de gestão comunitária fossem executadas. No entanto, assim como já era esperado por nós, voluntários, durante o desenvolvimento do projeto algumas dificuldades iam se apresentando como, por exemplo, a falta de recursos financeiros, falta de comprometimento coletivo, falta de material para alguns projetos, etc. Por tais fatores, apesar da participação, o andamento do projeto era lento. Desse modo, para que fosse possível construir um trabalho duradouro havia a necessidade de compreensão por parte de todos das dificuldades existentes e que em alguns momentos andaríamos em ritmo mais lento.
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Sobre a mudança do local de reunião | Em um certo momento, o barraco cedido para as reuniões foi vendido para tornar-se moradia. Desse modo ficamos sem local para nos reunirmos e passamos a realizar os encontros nos bares (imagem 12, reunião em local provisório | p. 49) próximos à “escolinha”, porém o decréscimo do número de moradores participantes foi nítido. Refletimos sobre a perda do lugar fixo ter desestimulado os moradores por subjetivamente representar um enfraquecimento do projeto e da capacidade de organização. Ou então pode apenas ter distanciado aqueles que já não estavam muito envolvidos e com a mudança da dinâmica aproveitaram a situação para se afastar. Tecemos essas considerações apenas com a intenção de observar o que estava acontecendo, sem qualquer proposta de julgamento. Compreendíamos que o trabalho era complexo e lento, portanto apenas tentávamos entender onde poderíamos atuar para recuperar a mobilização. Desse episódio, compreendemos que o local das reuniões era importante e que deveria ser fixo e em um espaço comum da favela para que se construísse uma relação de pertencimento coletivo com esse espaço de participação. Sobre a votação para a Associação dos Moradores | Organizamos junto com os moradores o dia para a votação da Associação de Moradores do Spama. Esse dia representou um importante aprendizado sobre o espaço comum da favela, pois decidimos fazê-la no espaço aberto mais representativo da favela (imagem 13, votação para a Associação|p. 50), segundo os usos e a configuração espacial, no encontro entre as duas ruas principais (imagem 11, situação atual | p. 49) Por esse fato, conseguimos a participação de muitos moradores, o maior número até então. Todos que passavam por ali paravam para escutar. Refletindo sobre o ocorrido reconhecemos a importância e a força presente nos espaços comuns, já legitimados através das dinâmicas cotidianas.
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As estratégias | Ao nos depararmos com a dificuldade quanto a falta de espaço fixo para as reuniões, a diminuição do número de participantes e as dificuldades encontradas na execução dos projetos, elaboramos cartazes com fotos (imagem 17 e 18, apresentação de projetos| p.55) que exibiam resultados de outros projetos já realizados em outras favelas através da atuação do projeto de Gestão Comunitária, tanto no Brasil como em outros países. A intenção era estimular o imaginário dos moradores em acreditar ser possível transformar aos poucos a realidade. Colocamos os cartazes na porta de um bar estrategicamente posicionado e diversas pessoas, até mesmo as mais céticas em relação à participar das reuniões, se interessaram, parando para perguntar e ouvir. Todos se impressionavam com os resultados obtidos. Ao olharmos para esse evento entendemos que essa ação teve resultado positivo devido sua localidade de fácil acesso, ao se integrar a dinâmica de fluxos da favela, e por representar possibilidades as vezes imagináveis para quem vive no processo de exclusão, que é visualizar a favela como um lugar diferente, urbanizado e com os espaços comuns estruturados. Os projetos executados | No Spama, havia duas questões principais e de resolução relativamente simples que incomodavam os moradores: o projeto de implementação do esgoto (imagem 16, implantação do esgoto | p. 52) que começaram a construir, mas estava inacabado há algum tempo, e o problema do lixo na entrada da favela. Os moradores então se organizaram e após conseguirem arrecadar o dinheiro necessário para comprarem o material - com a colaboração financeira de todos os moradores da favela que usufruiriam da nova infraestrutura - um grupo de pessoas mais engajados nos afazeres coletivos terminaram de instalar a rede de esgoto informal. Quanto ao lixo na entrada da favela, o processo de construção da lixeira (imagem 15, construção da lixeira| p.53) foi semelhante ao do esgoto. Observando tais movimentos foi possível reconhecer e valorizar a força presente na mobilização coletiva, sem no entanto retirar da municipalidade a responsabilidade em prover urbanidade a todos através das infraestruturas urbanas básicas.
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Conclusão| As reflexões que realizamos ao longo desse primeiro ano de trabalho ocorreram de modo empírico, a partir de discussões entre os voluntários ao vivenciarmos cada situação. Nossa intenção era sempre a de tentar compreender questões subjetivas ao território e a comunidade, a qual não pertencemos, para assim conseguirmos otimizar o trabalho e os resultados junto aos moradores. Ao iniciarmos nossa relação de trabalho com o Spama compreendíamos de antemão a situação de descaso e esquecimento que aquelas pessoas vivem há 30 anos. No entanto, acreditamos no poder de superação e transformação através do envolvimento coletivo e da luta política, representada através de uma Associação legitima e ativa. Apesar das dificuldades, os projetos que já foram executados comprovaram a força de ação existente. É possível olhar a experiência da Gestão Comunitária por diversas frentes, no entanto para esse Trabalho a intenção foi utilizá-la para se aproximar de experiências que falem sobre espacialidades e algumas dinâmicas sociais decorrentes da condição espacial, questões importantes de serem reconhecidas para pensar a intervenção urbana. O trabalho de Gestão Comunitária continua até o momento, no entanto precisei me desligar para me dedicar a esse trabalho. Sou muito grata às experiências que pude viver e aos moradores que conheci, mas principalmente ao fato de poder olhar nesse momento para esse território enquanto experiência urbana e humana na cidade. Pessoalmente, acredito que a favela trata-se de um local muito rico socialmente, de uma singularidade que lhe é própria. Expressa uma força de ação popular daqueles que batalham dia a dia e mesmo assim com diversos motivos para pararem de sonhar, nunca o fazem e continuam acreditando na conquista de uma outra realidade, mais humana.
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E então, essa monografia e o exercício de projeto buscam mostrar de modo teórico e experimental como poderia ser essa outra realidade. Ou seja, qual a discussão se coloca ao pensar uma intervenção que considere a busca pela dimensão humana e espacial enquanto coletividade? Considero importante ressaltar novamente a dimensão empírica desse relato. Não há pretensão em tecer teorias nesse momento ou compreendê-lo como regra, apenas identificar momentos e situações que se apresentaram e incitaram reflexões. De modo geral, de tudo fica um grande aprendizado e a percepção que há muito a ser feito. O trabalho do arquiteto ao estar envolvido em tais territórios deve ser prático, teórico e sensível. A vivência torna-se essencial por atingir as dimensões humanas existente no espaço, que devem ser consideradas como primordiais na prática projetual.
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2. Percepções
PERCEPÇÕES “Apostamos na leitura da realidade com seus conflitos e contradições; despojandonos de fobias e modismos, procuramos chegar à capacidade de entender a franquezas dos sinais de realidade, evitando assim a rotina de repetição” (VIGLIECCA, 2012, p. 93)
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O trabalho na equipe de Gestão Comunitária e a vivência no Spama desencadearam percepções que, após serem amparadas teoricamente, auxiliaram no entendimento de qual modo o projeto poderia se inserir no contexto da favela para atingir os objetivos almejados. Esse capítulo aborda tais percepções, as quais sinalizam: - os assuntos que mais se destacaram na vivência empírica e que foram utilizados no direcionamento do pensamento prático; - também representam os temas que inicialmente, durante o conhecimento empírico, provocaram dúvidas e questionamentos sobre como interpretálos através da intervenção; - as principais diretrizes que embasaram a hipótese teórica e prática. É importante ressaltar que a escolha dos assuntos e seu desenvolvimento teórico partiram do empírico, portanto foram construídos através do olhar pessoal sobre o Spama, sem influência direta do diálogo com moradores ou outras fontes.
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Percepções | A exclusão urbana: cidade partida entre o formal e o informal Ao observar a favela a partir de dois pontos referenciais distintos, da cidade formal e ao presencia-lá fisicamente, é possível perceber a exclusão urbana em duas escalas: 1) na escala da cidade/metropolitana: A favela, enquanto movimento urbano, representa em primeira instância a exclusão do acesso à moradia na cidade formal (déficit habitacional). Seus moradores foram excluidos da possibilidade de habitá-la devido ao controle do mercado imobiliário sobre os valores da terra e pela falta de políticas públicas habitacionais que garantam o acesso à moradia para aqueles impossibilitados de arcar com os valores de mercado. Portanto, ao serem excluidos da cidade formal, a alternativa encontrada foi ocupá-la informalmente, constituindo as favelas. (imagem 23, favela paraisópolis| p. 64) 2) na escala próxima, olhando para o lugar específicamente: O próprio chão da favela expressa a exclusão urbana através da informalidade do seu território, que revela as marcas da ilegalidade pela falta de infraestrutura e ausência de direitos sobre à terra, situação responsável pela característica precariedade urbana encontrada nas favelas em geral. Segundo Erminina Maricato (2001), “o solo ilegal parece constituir a base para uma vida ilegal e esquecida de direitos e benefícios urbanos”. Desse modo, a exclusão urbana, enquanto ausência de cidade e do Estado, se revela a todo momento no cotidiano do seu território e na vida dos seus moradores. (imagem 24, ao fundo da favela Spama | p. 64)
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Movimento urbano de luta pelo direito de habitar a cidade No entanto, antes de tratar sobre a exclusão urbana a nível do cotidiano e do lugar, é importante contextualizar a favela enquanto movimento urbano em busca do direito de habitar a cidade. O direito à cidade é um direito de todos, pois é nela que estão presentes as oportunidades de trabalho, de estudo, de cultura e lazer, os equipamentos públicos, os espaços públicos etc. Conforme dita o Art. 2 do Estatuto da Cidade (2001), é de responsabilidade das políticas urbanas a “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2001). Porém, atualmente, o acesso a cidade formal ainda é restrito por estar submetido à propriedade privada regulamentada pelo mercado imobiliário. No entanto, conforme coloca Erminia Maricato (s.d), “o que poucos percebem é que grande parte da população urbana brasileira não tem condições de comprar a moradia no mercado privado legal”, fazendo com que a invasão de terras torne-se mais regra do que exceção nas grandes cidades. “O gigantesco crescimento de invasões de terra, em anos recentes, dá-se devido à falta de alternativas habitacionais, seja por parte do mercado privado (que não chega a atender 30% da população do país, segundos dados da Cibrasec) seja pelo diminuto alcance das políticas públicas. Sem subisídios, não há como incorporar a maior parte da populacão ao mercado, muito menos quando ele continua privilegiando os ganhos especulativos. Bancários, professores secundários, politicias, enfermeiros, todo um contingente de trabalhadores regularmente empregados é excluido do mercado, além dos trabalhadores informais.” (MARICATO, 1999)
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A situação anunciada por Erminia Maricato continua a se agravar e como consequência 2.162.368 pessoas habitam aglomerados subnormais3, segundo o CENSO de 2010 do IBGE. No entanto, a impossibilidade de habitar não exclui a necessidade de fazê-la e como consequência desse sistema surgem as ocupações informais, as favelas e loteamentos irregulares, construidos de maneira espontânea com a finalidade de garantir o acesso à cidade. Desse modo, compreende-se que “o gigantesco movimento de ocupação de terras urbanas, representado pela dimensão das favelas, não é liderado por nenhuma organização social que pretende constrariar a lei como vimos, mas sim, de um processo estrutural de exclusão”. (MARICATO, s.d). Não se trata de um ato de subversão, apenas um reflexo do processo de urbanização segregador. A favela não rompe apenas com as exigências legais urbanísticas, como também rompe com a ocupação legal da terra, sendo “o que define a favela é a completa ilegalidade da relação do morador com a terra.” (MARICATO, 2003). Portanto, o conceito de favela também se relaciona à situação completamente ilegal de ocupação do solo, que é a principal responsável pela baixa qualidade da moradia, pois tal fato é “consequência da situação juridica que define uma relação social: o ocupante não tem direito legal sobre a terra ocupada correndo o risco de ser despejado a qualquer momento.” (MARICATO, s.d). Ao olhar para a favela Spama em relação à sua inserção na metrópole, a luta pelo direito de habitar a cidade se afirma. Como já citado anteriormente, o Spama está localizado há aproximadamente 30 anos (desde 1985) na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, uma importante e extensa via para o bairro de Pirituba, na Zona Norte de São Paulo. Sua ocupação representa a necessidade e desejo dos seus moradores de estarem próximos às infraestruturas para que possam usufruir dos equipamentos públicos disponíveis, da oferta “É o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo: - irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou - carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública).” (IBGE, 2010) 3
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de trabalho e serviços, do fácil acesso ao transporte público, mesmo não podendo arcar com os custos do aluguel de uma moradia formal devido ao processo estrutural de exclusão socioeconômica no qual se encontram. Um estimativa da condição de renda dos moradores do Spama é dada pelo censo realizado pela ONG TETO (2014), que obteve os resultados expressos na imagem 21, gráfico de renda individual mensal | p. 63 Desse modo, a localização do Spama em relação a cidade formal (imagem 5, contexto urbano, e 6, equipamento públicos| p. 43) representa a conquista pelo direito à cidade enquanto localidade e acesso às suas estruturas. No entanto, ainda carrega consigo a dicotomia existente entre a cidade informal e formal, erguida sobre barreiras visíveis e invisíveis.
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As cidades formal e informal e suas barreiras invisíveis. A exclusão urbana resulta em duas configurações de cidade que convivem em um mesmo espaço urbano: a cidade formal, e legal, e a cidade informal, ilegal. Além das condicões legais que as diferem, há também outros fatores mais sensíveis que também concretizam essa separação. Segundo Milton Santos (2012), a cidade, como espaço urbano, representa a diversidade socioespacial, pois ao ser “palco da atividade de todos os capitais e de todos os trabalhos ela pode atrair e acolher as multidões de pobres expulsos do campo e das cidades médias pela modernização da agricultura e dos serviços” (p.323). Mas, é através da formação da cidade informal - das favelas - que a população pobre é acolhida enquanto possibilidade de abrigo e de vida urbana. Em termo legais, de acordo com Ghione (2013), a cidade formal é construida com base na legislação vigente, ou seja, nas normas estabelecidas para estruturar o espaço urbano de modo a garantir o bem estar e o desenvolvimento social sadio e civilizado - objetivos que podem ser questionados quanto suas conquistas na prática ao observar a situação atual das cidades brasileiras, ou seja, falta de mobilidade, de espaços públicos, de segurança, de moradia digna para todos, entre outros. Porém, considerando na teoria a busca de tais garantias, as normas estabelecidas regem sobre o “uso e ocupação do solo, as condicões de habitabilidade e segurança, a formalização das edificações, a acessibilidade, a integração social” (GHIONE, 2013). Como modelos reguladores da urbanização, estão vigentes em São Paulo: o Plano Diretor Estratégico (Lei no 16.050/2014), a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Lei 13.885/14 – a qual está sendo revisada através do PL 272/2015) e o Estatuto da Cidade (Lei 5788/90), que representa “toda uma nova maneira de pensar juridicamente a cidade em termos de princípios, processos e instrumentos, indo muito além dos termos da doutrina do legalismo liberal” (FERNANDES, 2001, p.23)
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A cidade formal é, portanto, traçada através da lógica racional e binária do urbanismo e do planejamento urbano-territorial. (JACQUES, 2003b, p. 15) e é nela que se encontram toda a infraestrutura de equipamentos que dão suporte à vida urbana, além também das oportunidades de emprego. No entanto, apesar da cidade formal ser o lugar onde se concentra a maior parte do vai-e-vem diário, atualmente percebe-se que tem ocorrido um esvaziamento de pessoas no seu espaço público principal, a rua, devido a um processo de individualização e construção de barreiras que tem se reforçado nos últimos anos e o qual tem sido incentivado, ou pelo menos permitido, de alguma forma pelas próprias normas que organizam seu espaço em busca do teórico “bem estar e desenvolvimento social”. Desse modo, criou-se uma “cidade de muros” baseada no planejamento urbano automobilístico onde se compreende que a segurança está apenas em locais privados, controlados e protegidos por barreiras, como muros, catracas, portões, entre outros elementos. Essa tendência pela busca da segurança e do conforto geram a “evidente predominância de critérios de individualidade, privacidade, egoísmo, arrogância, exclusão e reserva” (GHIONE, 2013). Desse modo, aplica-se na cidade formal “a autodefesa”, segundo Roberto Ghione (2013). A cidade informal se contrapõe às condições legais e outras características sensíveis da cidade formal, pois trata-se de uma ocupação espontânea que preconiza uma outra forma de uso dos espaços e de relações sociais. Segundo Ghione (2013), as formas espontâneas de ocupação, as quais incluem as favelas, seguem “padrões de assentamentos determinados pela própria necessidade de habitar perto de alguma fonte de subsistência e convívio cidadão, muitas vezes em locais e condições não aptas para a moradia humana.” Portanto, não há projeto ou parâmetros urbanísticos oficiais a serem seguidos e ocupam terrenos particulares desocupados, terras públicas, áreas ambientalmente frágeis etc.
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Quanto ao uso dos espaços públicos, percebe-se na cidade informal, como por exemplo no Spama, uma intensa apropriação pelos moradores dos espaços vazios entre as habitações, que normalmente são utilizados como ruas e vielas. Desse modo, observa-se que a convivência social na favela acaba por ser mais intensa do que na cidade convencional, fato que torna as relações sociais um aspecto característico desses espaços. Aqui, se tece a hipótese de que devido a uma maior aproximação entre os moradores, dada pelo uso dos espaços externos à unidade habitacional (que, muitas vezes, tem área reduzida ou pouca qualidade espacial), as relações se constroem mais com base na solidariedade e cooperação. Compreende-se que tais condições também são fruto de uma maior necessidade de ajuda mútua entre as pessoas na favela, que precisam contar umas com as outras para conseguir sustentar melhor as responsabilidades do dia-a-dia, devido às frágeis condições econômicas que possuem e pela infraestrutura pública. Ao tratar a favela enquanto comunidade a intenção, neste trabalho, é destacar que há, entre seus moradores, uma causa comum de luta, que é a ocupação e permanência no terreno, pela qual se constrói uma força coletiva a partir da união e articulação entre todos. Trata-se de uma luta representada pela ocupação e pelos direitos aos serviços urbanos, que se fortalece quanto maior for o sentimento de se tratar de uma causa em comum. No entanto, assim como no espaço formalmente urbanizado os edifícios se fecham em condomínios com portarias controladas e são cercados por muros para evitar o contato com o externo e o desconhecido, a favela, apesar de conter uma maior convivência dos seus moradores nos espaços vazios e uma frágil, quase inxistente, separação entre o espaço individual e o coletivo, em relacão à cidade formal essa também se fecha criando uma barreira invisível que não permite que ambos os territórios – formais e informais - se conectem de modo natural e espontâneo. Ou
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seja, os moradores da cidade formal na prática não são bem vindos na favela e portanto devem evitar adentrar seu espaço. Do mesmo modo, os moradores das favelas são vistos com preconceito na cidade formal. Voltando o olhar para o Spama enquanto local de estudo e reconhecimento das percepções, nota-se claramente a dicotomia existente entre a cidade formal e a informal através do modo específico de organização territorial de ambas e da presença das barreiras vísiveis e invisíveis. O Spama está incrustado na cidade formal, destacando-se do seu entorno devido à espontaneidade da sua ocupação desregrada, sem leis ou normas, em relacão à rigidez urbanística da cidade convencional. (imagem 25, foto aérea do entorno | p. 68) Seu entorno é composto majoritariamente por condomínios de edifícios de classe média alta, com portarias controladas 24 hrs e muros que os cercam isolando-os do espaço público. O mesmo acontece com os edifícios vizinhos ao Spama, que se separam do espaço da favela através de muros altos e rígidos. No entanto, a separação entre os “dois mundos” acontece apenas no nível da rua, pois visualmente as janelas dos apartamentos dão vista direta para o interior da favela. As diferenças entre as situações urbanas nesse caso estão colocadas de modo claro, assim como as diferentes maneiras de ocupar a cidade. Enquanto aos finais de semana percebe-se as calçadas da cidade formal vazias e desertas, em contraposição à avenida cheia de carros, na favela os espaços vazios, enquanto ausência de moradia, estão tomados por pessoas – adultos, adolescentes e crianças – que se reúnem em atividades diversas: rodas de conversa, sinuca, mesas com cervejas, brincadeiras, lavagem do carro, reparo nas casas, intervenção no espaço público buscando melhorias etc. Aos finais de semana, a vida comunitária na favela é intensa. É possível reparar também que na favela, apesar da ausência de um espaço público previamente definido e organizado formalmente, atribui-se ao espaço sem construção, aqui reconhecido como “espaço vazio”, uma condicão de espaço público pela sua apropriação e uso.
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Além das barreiras visíveis materializadas pelos muros, o Spama separa-se do seu entorno pela barreira que impede, sensivelmente, a conexão na prática entre os dois espaços – formal e informal – por mais que teoricamente, a partir da sua implantação, já estejam conectados. (imagem 27, frente da favela a partir da cidade formal | p. 71) Trata-se de uma barreira invisível, mas que define até onde o morador da cidade formal se sente a vontade para ir. Aqui pode-se até questionar o fato de não haver motivos para quem não mora na favela adentra-lá, já que não há o que se fazer ali não há equipamentos sociais ou serviços. No entanto aqui não se trata da necessidade, mas sim do fato dessa conexão não ocorrer, ocasionando um rompimento no fluxo e na dinâmica urbana, pois o Spama, assim como outra favela genérica, não trata-se de um condomínio, mas é parte da cidade. O mesmo acontece de modo recíproco, pois o morador da favela no seu tempo livre, por exemplo aos finais de semana para aqueles que não trabalham nesse período, dificilmente usufrui dos espaços públicos da cidade formal. Apesar do acesso ao espaço público formal ser aberto a todos, nem sempre os moradores das favelas, os favelados, se sentem bem vindos. Cada personagem, portanto, habita o universo - formal e informal - do qual provém, não invadindo o espaço alheio. Entende-se que a exclusão urbana representada pela falta de urbanidade no território informal e pela ilegalidade pode ser um fator que corrobora para a construção dessa situação. As condições físicas das favelas reafirmam esse distanciamento e segregação com a cidade formal, além de refletirem em outras formas de exclusão, assim como aponta Erminia Maricato ao afirmar, nas favelas, a presença da exclusão como um todo: social, econômica, ambiental, jurídica e cultural, pois a “ilegalidade urbanística convive com a ilegalidade na resolução de conflitos: não há, leis, não há julgamentos formais, não há Estado.” (MARICATO, 2003).
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Percepções | Preexistências Após compreender que as condições que atribuem precariedade e exclusão a favela não são de ordem da sua informalidade em primeira instância, mas sim da ausência de urbanidade e da ilegalidade em relação à posse da terra, é possível reconhecer as características espontâneas e orgânicas da ocupação como preexistência por representarem uma identidade espacial própria, ou seja, um universo espaço-temporal diferente do arranjo urbano formal, mas que já faz parte da cidade e da sua paisagem. (JACQUES, 2003b, p. 14). Paola Berenstein Jacques aproxima-se dessa identidade estética através de figuras conceituais no seu livro A estética da Ginga (2003b, entre elas fragmento e labirinto que serão abordadas nesse trabalho. Através desses conceitos foi possível compreender melhor as condições preexistentes e serão aqui utilizados para amparar a leitura territorial existente no Spama. Através do conceito de fragmento se reconhece a oportunidade de transformar – melhorar, aumentar, modificar conforme as possibilidades – dar cara e coração à propria moradia. No labirinto, a possibilidade de estar junto, de encaixar. A informalidade, portanto, representa de modo geral a flexibilidade, a liberdade. Além da preexistência física, há também dinâmicas sociais e relações preexistentes.
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Configuração territorial como preexistência “Observamos que existe um processo de maturação desses agrupamentos urbanos, um processo lento que, bem ou mal, consolida essa morfologia e ao final representa um esforço real e considerável dessas pessoas para estabelecer sua moradia” (VIGLIECCA, 2012, p. 93)
Considerar a favela como preexistência foi uma das diretrizes iniciais para o partido de projeto concebido como fruto do processo empírico e teórico que envolveu esse trabalho. Pensá-la dessa forma foi reconhecer em seu território a existência de uma singularidade que lhe é própria, fruto da construção coletiva e vernacular, que possui valor no processo que empreende, mais do que na sua forma final, pois, assim como coloca Paola B. Jacques (2003b) “não procuramos estudar as formas, mas sim os processos que as (trans)formam” ( p. 15). A autora introduz como hipótese principal a existência dessa singularidade estética de valor humano e cultural presente nas favelas, após suas investigações através da obra de Helio Oiticica. (p. 11). “Conceber um status estético às favelas, além de nos ajudar a entender melhor o seu dispositivo espacial próprio, pode também contribuir para pôr em xeque alguns antigos (pre) conceitos da própria arquitetura erudita como disciplina e prática profissional.” (JACQUES, 2003b, p. 12)
Percebe-se que a singularidade estética é resultado do processo de autoconstrução empreendido pelos moradores, não-arquitetos, ao construírem suas casas e ordenarem espacialmente a favela. Na cidade formal, a apropriação do espaço se constroi com o uso. Na favela, percebe-
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se que essa apropriacão se inicia a partir da construção do próprio espaço. No Spama, por exemplo, é possível notar o modo como foi feita a leitura do espaço pelos moradores para organizarem a disposição das casas, vielas e ruas principais (imagem 28, legibilidade | p. 76). É possível reconhecer a presença de uma disposição do espaço bastante legível, organizado através de duas ruas principais que se cruzam em um ponto central, que representa também o próprio centro espacial da favela. A rua que corta o Spama horizontalmente situa-se na cota mais elevada do terreno e se ramifica perpendicularmente em sete vielas que se moldam à topografia, mais acentuada, em declive (imagem 29, cotas | p. 76). As casas, por sua vez, se organizam entre as vielas buscando usufruir dessa topografia. Nos locais onde o terreno é mais irregular, ao fundo da favela, percebe-se que as casas se organizam de forma mais legível do que nos locais mais planos (ocupação mais à esquerda e a frente) “A geografia se configura, portanto, como o grande vetor quase sempre invisível, e torná-lá visível é o principal exercício de projeto, pois a cidadania está irremediavelmente ligada à legibilidade da geografia e à infraestrutura urbana”. (VIGLIECCA, 2012, p. 93)
Segundo Paola B. Jacques (2003b) a construção da favela é continua, feita dia-a-dia, incitada pela necessidade, pelo uso, pelas possibilidades, “mais do que o espaço, é a temporalidade que marca a diferença”. (JACQUES, 2003b, p. 15).
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“Além de fazer parte do nosso patrimônio cultural e artístico, as favelas vão se formando mediante um processo arquitetônico e urbanístico, vernáculo singular, que não somente difere do dispositivo projetual tradicional da arquitetura e urbanismo erudito – seria mesmo seu oposto – mas também se investe de uma estética própria, com características peculiares, completamente diferente da estética da cidade dita formal”. (JACQUES, 2003b, p. 13)
Desse modo, ao trabalhar a intervenção urbana em áreas precárias através do reconhecimento da preexistência busca-se ultrapassar o caráter político e social e atribuir dimensão cultural e estética ao processo de urbanização (p. 13). Esse diálogo, entre intervenção e preexistência, tende a ser mais árduo devido à complexidade encontrada no espaço, como coloca Jacques (2003b): “Hoje, com a sistematização das urbanizações, surge um novo problema, pois nós, arquitetos e urbanistas, não somos formados para trabalhar em favelas e, na maioria das vezes, desconhecemos a arquitetura dessas comunidades. Deparamo-nos em campo com um universo espaço-temporal completamente diferente daquele que estamos habituados. Além disso, as características culturais e estéticas próprias às favelas tornam o espaço muito difícil de ser apreendido formalmente”. (Pg. 13)
Para compreender melhor eessa característica espaço-temporal das favelas são utilizados os conceitos fragmento e labirinto.
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“Quando um homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranho, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação.” (SANTOS, 2012, p. 328)
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Uma aproximação sobre a autoconstrução através do conceito de fragmento Paola Bereinstein Jacques (2003b) aborda o conceito de fragmento para falar sobre “o abrigo das favelas”, ou seja, o elemento individual da moradia originado pela autoconstrução feita pelo próprio favelado. Conforme explica, “o termo abrigo vem de abrigar (apricare), que significa resguardar dos rigores do tempo, proteger, pôr em lugar coberto; a idéia de abrigar equivale à de cobrir, de revestir de uma matéria para se proteger, de se esconder ou de se esquentar num interior.” (JACQUES, 2003b, p. 26). A busca pelo abrigo é o objetivo inicial da autoconstrução e utiliza-se, no primeiro momento, do mínimo necessário de materiais e técnicas para atingi-lo. (p. 25) Materializando a idéia de abrigo, além da autoconstrução, a autora se utiliza da obra de Hélio Oiticica denominada Parangolé, que busca contextualizar, através da arte, sua experiência vivida na favela. Como explica Berenstein, “Os parangolés são capas, tendas e estandartes, mas sobretudo capas, que vão incorporar literalmente as três influências da favela que Oiticica acabava de descobrir: a influência do samba, [...]; a influência da coletividade anônima (...); a influência da arquitetura das favelas, que pode ser resumida na própria idéia de abrigar, uma vez que os Parangolés abrigam efetivamente e, ao mesmo tempo, de forma mínima, os que com eles estão vestidos.” (JAQUES, 2003b, p. 29)
No entanto, considera importante ressaltar que os parangolés “não são ilustrações dos abrigos das favelas (mimese), eles certamente se inspiram
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nesses abrigos, mas não de modo simplista e formal.” (JACQUES, 2003b, p.35).” Para Hélio Oititica, o parangolé “vai muito além do objeto, as capas, tendas e estandartes. É também um processo complexo de busca da ambiência das favelas (samba/sociedade/arquitetura) que não passa pelo formalismo simplista e estetizante. Trata-se da própria temporidade do espaço (...)” (JACQUES, 2003b, p. 36).
Aqui, através da idéia do parangolé, é possível fazer uma ponte com o processo representado pela autoconstrução, do qual buscamos nos aproximar com a intenção de compreender seu significado enquanto preexistência, ao olhar especificamente para a favela Spama. Percebe-se que a arquitetura da autoconstrução, “arquitetura das favelas” (JACQUES, 2003b, p. 32), viabiliza uma ambiência própria por extrapolar qualquer rigidez e intenção estética e por estar sempre em transformação, contendo uma temporalidade singular não presente na cidade formal. A idéia de fragmento pode narrar sobre a autoconstrução ao percebe-lá enquanto forma, composição, materiais. O abrigo é construido por fragmentos, ou seja, “por fragmentos de materiais heteróclitos, recolhidos pelo próprio construtor [o próprio morador]”. (JACQUES, 2003b, p. 23) Portanto, a moradia autoconstruida é erguida a partir de restos de materiais como pedaços de madeira, telhas, papelão; mas também de modo fragmentário (p. 24), pois inicia-se com o essencial, extremamente precário, e vai se transformando com o tempo, de acordo com as necessidades e possibilidades do morador-construtor, o qual Paola B. Jacques também chama de bricoleur-favelado (p. 25), como também arquiteto dos barracos (p. 32) ou arquitetos-favelados (p. 24). A moradia, portanto, nunca atinge
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seu estado de completude, pois por não seguir um projeto, está sempre em transformação. Como define a autora, “os barracos são fragmentários porque se transformam continuamente” (JACQUES, 2003b, p. 24). O termo bricoleur, utilizado para caracterizar o arquiteto da favela, refere-se à técnica da bricolagem, compreendida como “reciclagem arquitetural, sobretudo aleatória, que nasce da fragmentação de antigas arquiteturas”(JACQUES, 2003b, p. 25) . Ou seja, é a “construção com pedaços de todas as providências” (p. 24) , a qual resulta em uma “arquitetura do acaso, do lance de dados, uma arquitetura sem projeto” (p. 24). O morador da favela, ao utilizar dessa técnica ou prática construtiva constrói sua própria arquitetura, resultado de outras tantas. Desse modo, assim como nos Parangolés, na favela “o espectador não se torna apenas participante (participador, segundo HO), tornase também parte da obra quando a veste” (JACQUES, 2003b, p. 32). O processo de construção da própria moradia também faz com o que o morador torne-se parte da obra, através da sua participação protagonista na construção do seu próprio abrigo. Outra condicão do uso da bricolagem como técnica é o fato dessa atribuir ao espaço uma condição de fala, pois “conta, por meio das escolhas feitas entre possíveis limitados, o caráter e a vida de seu autor” (JACQUES, 2003b, p. 25) No Spama percebe-se as condições relatadas até aqui. As casas dos seus moradores são construidas por fragmentos, restos de construção, como observa-se nas imagens 31 e 32 (fragmentos | p. 83). Ao mesmo tempo, há também construções de alvenaria, que representam, segundo Paola B. Jacques (2003b), o último estágio da evolução de um abrigo, que não é mais tão fragmentado, “muito embora não deixe de ser fragmentário: a casa continua evoluindo.” (p. 24)
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As “tipologias de abrigo” na favela, ou seja, a casa de papelão, a casa de alvenaria e as infinitas possibilidades existentes entre esses dois extremos, contam a história do seu construtor-morador. O abrigo em fase inicial, que utiliza do mínimo de técnica e material necessário, transmite a idéia que o morador está a pouco tempo na favela, ainda se instalando e compondo sua moradia. Ou então, em outras circunstâncias, também pode traduzir uma condição de exclusão socioeconômica mais intensa, em relação aos outros moradores, a qual não permite que esse conquiste a casa de alvenaria por dificuldades econômicas. Ainda há a possibilidade de narrar sobre aquele morador que não quer construir de alvenaria, por mais que tenha condições econômicas para isso, pois intimida-se de construir “definitivo” (termo utilizado pelos próprios moradores) sem ter a posse da terra e, portanto, estar ameaçado de expulsão a qualquer momento. A autoconstrução, através da bricolagem, possibilita tecer tais narrativas através do olhar e reflexão sobre o abrigo enquanto objeto. No Spama, a maioria das casas foram construidas pelo próprios moradores, ou então através da ajuda que receberam de amigos e família. Esse processo envolve diretamente o morador através da sua participação, assim como fazem os parangolés, diferente do que ocorre quando constroise uma moradia formal, na qual o morador apenas torna-se agente de apropriação após essa ser finalizada. Conclui-se, desse modo, estar presente no processo da autoconstrução a dimensão humana, cultural e temporal, através do uso dos fragmentos e da sua condição fragmentária, característicos da bricolagem. Aqui, a partir do olhar para o Spama, considera-se que tais dimensões atribuem valor à preexistência, pois expressam um fazer arquitetônico característico e singular por ter o morador como o principal agente de transformação da moradia. Essa condição atribui à forma de ocupação e ao processo construtivo espontaneidade, autonomia e liberdade, através das possibilidades que encontram.
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No entanto, essa “arquitetura das favelas” ainda é compreendida com dificuldade pela cidade e pela arquitetura formal. Estima-se como hipótese que a dificuldade em reconhecer a “arquitetura do fragmento” ocorre devido ao fato da sua força estar precisamente em suas potencialidades anàrquicas que provocam tensões. (JACQUES, 2003b, p. 44). Assim como a favela representa a transgressão, não provocativa mas consequência de uma necessidade de abrigo, as construções promovidas pelo fragmento também representam esse conflito, através da sua expressão de informalidade, uma certa transgressão ao convencional, ao esperado. Desse modo, prossegue a autora, “o fragmento semeia a dúvida. Ele pode ser uma pedaço, uma etapa ou um todo, até, o contrário de si mesmo. O acaso se instala. A arquitetura tem grandes dificuldades em enfrentar os riscos do acaso, do aleatório, do arbitrário, do fragmentário”. (JACQUES, 2003b, p. 44)
Assim é possível tecer a hipótese do porquê a cidade formal busca anular o proceso da autoconstrução, da arquitetura informal, através da inserção da arquitetura formal para habitação social: devido sua complexidade de compreende-la, de não saber qual será o próximo passo, devido sua condição de temporalidade.
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Uma aproximação sobre a autoconstrução através do conceito de labirinto Através da figura conceitual Labirinto foi possível descrever a condição labiríntica presente na ocupação espontânea de um território, como aquela reconhecida na organização espacial do Spama. Paola B. Jacques (2003b) explica esse termo através do mito grego do labirinto de Cnossos, como também através das obras de Helio Oiticica, o qual busca retratar a experiência de labirinto vivenciada na favela da Mangueira (RJ), principalmente em sua obra Tropicália. No decorrer da sua aproximação também utiliza de outros autores que tratam, mesmo que através de outros termos, a experiência do labirinto como, por exemplo, os situacionistas através da psicogeografia e da deriva urbana. (p. 86) Em relação ao conceito de fragmento agora muda-se a escala. Segundo a autora, “não estamos mais na escala do abrigo, mas na escala do conjunto de abrigos, na escala do espaço deixado entre os barracos (...)” (JACQUES, 2003b, p. 65). Ou seja, o termo labirinto relaciona-se com a favela enquanto totalidade, forma de ocupação urbana, que se caracteriza por sua condição labiríntica através do contorno das suas vielas e meandros, sem permitir que seja possível compreender instantaneamente seu traçado. Desse modo, qualquer pessoa estrangeira ao lugar se perde facilmente. (p. 65). Experimentar o labirinto faz parte da experiência de se estar na favela e por ela percorrer. Essa situação resulta em um modo singular de perceber o espaço, pois “a experiência de subir ou descer uma favela reveste-se de uma percepção espacial única. À medida que se vai passando pelas primeiras “quebradas” se descobre um ritmo de caminhar diferente, imposto pelo próprio percurso das vielas. É o que chamam de ginga.” (JACQUES, 2003b, p. 66). Sua condição espacial, portanto, cria a ginga do andar, a qual se assemelha à ginga do samba e a facilita, uma vez que “os passistas
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parecem também se inspirar nos meandros das favelas-labirintos, como se produzissem os movimentos do corpo ao ir subindo das ladeiras da favela”. (JACQUES, 2003b, p. 67). Apesar da mudança de escala, a condição fragmentária também se mantém no labirinto: sua configuração espacial está sempre em transformação, devido à espontâneidade e à liberdade característica da formação do espaço. Só é possível ter uma visão fragmentária do labirinto, pois “se chegássemos a ver o labirinto num único olhar, em lugar dos habituais fragmentos de visão, teríamos o plano, dominaríamos o labirinto, que não seria mais labiríntico.” (JACQUES, 2003b, p. 91). Desse modo, ao olhar a favela de cima não é possível reconhecer o labirinto existente e experimentado ao percorres suas vielas, ao vivenciar o espaço, pois desse modo acham-se as saídas facilmente e o mistério, intrinseco à experiência labiríntica, acaba. (p. 66) Como afirma a autora, a “incerteza do caminho é intrínseca ao labirinto. O percurso é o próprio labirinto.” (JACQUES, 2003b, p. 86). Acabam-se as incertezas, acaba-se a experiência. Desse modo, a criação espontânea cria a cidade-labirinto, a favelalabirinto, oposta à cidade formal fruto do urbanismo regulador, pois “a arquitetura e, sobretudo, o urbanismo são antilabirínticos; existem para evitar o labirinto, a desordem e o caos espacial”. (JACQUES, 2003b, p. 91). A favela-labirinto existe por se construir de maneira espontânea, coletiva e fragmentária. A partir do momento em que a arquitetura e o urbanismo se aproximam da favela vai-se aos poucos alterando o mistério do labirinto pela monotonia dos traçados regulares, ao ponto que “os incertos caminhos de terra são substituidos pelo asfalto das ruas planejadas; o labirinto sobrevive, mas a experiência de percorrê-lo deixa de ser da mesma ordem” (JACQUES, 2003b, p. 90) devido ao fato de “antes de ser forma, o labirinto é um estado sensorial. Antes de ser espaço, é um caminho.” (JACQUES, 2003b, p. 84)
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No Spama essa experiência certamente se afirma ao percorrêlo. Perde-se muitas vezes a referência ao adentrar as vielas (imagens 33 e 34, labirintos no Spama | p. 87). No entanto, nesse caso específico, a condição labiríntica se reserva apenas à alguns locais, pois em outros, conforme é possível observar em sua implantação, possui uma legibilidade organizacional específica (imagem 28, legibilidade | p.76). De qualquer modo, a informalidade mantém a condição fragmentária do espaço. Nos próximos itens o objetivo geral é destacar a dimensão social preexistente na favela, ou seja, os moradores enquanto indivíduos e como modo de vida. Trata-se de uma preexistência importante de ser reconhecida, pois qualquer intervenção no espaço interferirá no cotidiano desses pessoas. O projeto, portanto, deve considerar tal fato para que seja pensado de maneira a impactar positivamente, sem desqualificar a relação dos moradores com o lugar que habitam e com o intuito de gerar cidadania e qualidade de vida através da intervenção. Ao olhar para as práticas do espaço é possível compreender melhor o modo pelo qual as pessoas se apropriam dos mesmos, servindo como indicador para o partido de projeto e sua dimensão programática.
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Percepções | Espacialidades – o uso dos espaços e as relações sociais. “Os valores de intimidade, como laços familiares, cultura original, estruturas de vizinhança, são elementos a reconhecer e a realocar sobre o suporte da nova morfologia. Realizamos a transformação sem destruição, nossas propostas não tratam de uma substituição da condicão atual. O projeto consiste num processo de restituição da urbanidade” (VIGLIECCA, 2012)
Ao estar no Spama foi perceptível a existência de uma dimensão humana que lhe atribui singularidade e valor, pois salta aos olhos a necessidade fundamental de reconhecer a presença de pessoas habitando aquele espaço, pessoas que possuem seus sonhos, necessidades, medos, vontades, gostos, como qualquer outra habitante da cidade formal (como qualquer outra pessoa!). É importante colocar essa condição, pois muitas vezes pode passar despercebida ao olhar a favela de longe, onde o que se vê é apenas sua condição física e estética. Estar no local, na escala próxima, atribui outros valores ao olhar, por isso sua importância no fazer projetual. Assim como se aprende na escola, que o papel aceita qualquer coisa (quanto ao desenho de projeto), mas a realidade (construtiva) não, na favela percebe-se que a intervenção pensada apenas através do papel também aceita qualquer decisão, porém ao transportá-la para a realidade, a executação e validação de uma intervenção torna-se um processo complexo que não aceita qualquer tipo de imposição, devido a existência de um fenômeno social de fato que aqui se busca reconhecer. Para que o projeto não seja uma imposição, deve partir da leitura do lugar em busca de perceber os usos e significados preexistentes através das espacialidades.
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No Spama, as espacialidades (imagem 45 | p. 114) construidas tornam-se bastante legíveis ao frequentá-lo, fato que atribui força de preexistência à configuração espacial já consolidada, em decorrência dos significados atribuídos ao espaço através dos usos. Para falar sobre a preexistência das espacialidades, inicialmente é importante explicar o conceito de espaço e de espaço praticado, ambos definidos por Michel de Certeau (2002). Nesse item a intenção é reconhecer quais são os usos do espaço que lhe atribuem significado e como as relações sociais se estabelem a partir dos usos. Para Certeau (2002), “o espaço é um lugar praticado” (p. 202), ou seja, “existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo [...] é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais” (CERTEAU, 2002, p. 202). Desse modo, o lugar, estabelecido como fixo, como estável, torna-se espaço quando é apropriado, praticado por “ações de sujeitos históricos (parece que um movimento sempre condiciona a produção de um espaço e o associa a uma história)” (CERTEAU, 2002, p. 203). Para complementar, Michel de Certeau utiliza das afirmações de Merleau-Ponty (1976) para quem “existem tantos espaços quantas experiências espaciais distintas.”(MERLEAU-PONTY, 1976 apud CERTEAU, 2002, p. 202). Entende-se, a partir das explicações conceituais, que o mesmo lugar pode abrigar diferentes espacialidades de acordo com o uso que se faz dele. A própria chegada ao Spama já anuncia sua espacialidade principal: a rua (imagem 36, entrada do Spama | p. 96). A rua é o principal espaço público da favela. Os bares também são espaços de intenso convívio social e no Spama não é diferente. A rua principal (imagem 35, rua principal | p. 96) é o espaço de encontro e interação entre seus moradores. Abriga diferentes espacialidades ao mesmo tempo, pois é utilizada simultâneamente como
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passagem de automóveis, entrada dos pedestres na favela, espaço onde as crianças brincam, local onde aos finais de semana acontece churrasco e pagode, onde as mulheres se encontram para conversar. Enfim, tantos usos atribuem à ela um significado de centralidade, pois é onde ocorrem os principais eventos e onde se estabelecem as principais dinâmicas sociais. Estar nela é ver e ser visto, é saber do que está acontecendo e participar das interações sociais. Ao chegar no Spama já é possível saber, através da movimentação ou ausência dela, o que está acontecendo na favela no dia. Existe um bom exemplo vivenciado pessoalmente para exemplificar essa condição. A rua principal, rua de chegada que liga a cidade formal ao Spama, está sempre movimentada, cheia de gente e barulho. Parece que sempre há um evento acontecendo. Porém, em um sábado chegamos ao Spama e a rua estava pacata, com poucas pessoas, condição atipica, principalmente aos finais de semana. Ficamos curiosos e perguntamos se estava tendo algum evento fora da favela, já que não estávamos encontrando o movimento e as pessoas que normalmente encontraríamos por lá. Foi então que descobrimos que o filho de um morador, um jovem bastante conhecido na favela, havia sido assassinato naquela manhã e por isso as pessoas estavam nas suas casas, de luto. Nesse dia eu pude ter a certeza do quanto essa espacialidade atribui significado à favela. É um lugar construido coletivamente, pois é o coletivo de moradores que ao praticarem diferentes atividades lhe atribuem significado. Me perguntei então como seria possível um projeto de intervenção não considerar tais fatos uma preexistência? Desse modo, ao frequentar o Spama foi possível compreender empiricamente que as espacialidades atribuem signficados, pois após frequentá-lo diversas vezes já sabia previamente que tipo de atividade iria encontrar em cada lugar. Em algumas vielas sempre haveria um grupo de meninas conversando, outras estariam sempre vazias por serem muito estreitas e escuras, em outras as crianças gostavam de brincar por possuirem
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uma largura maior (imagem 38, crianças no Spama | p. 97). Imagino que para as meninas que sempre costumam conversar em um mesmo espaço, aquele lugar possua algum significados, assim como para as crianças que sempre brincam na mesma viela. Para um personagem externo ao lugar, os espaços possuiam significados claros de acordo com o uso que se fazia deles. Onde sempre há pessoas é mais fáceis de acessar, pois representava espaços mais seguros do que outros onde não há ninguém. A entrada da favela, naquela rua compreendida como a principal centralidade, é confortável de estar, até mesmo sozinha, pois é possível sentir segura, já na área aos fundos da favela, onde normalmente está vazio, nunca frequentei sozinha (imagem 24, fundo da favela Spama | p.64). Um outro exemplo encaixa-se aqui. Um dia precisei ir até o antigo campinho de futebol para tirar fotos, que localiza-se ao fundo do Spama, então perguntei para um grupo de meninas se havia problema eu ir até lá. Elas me disseram que não, porém afirmaram que era melhor elas me acompanharem e assim o fizeram. Acredito que aquele espaço também possua para elas o mesmo significado para mim, de não ser seguro, pois o campinho estava desativado e nunca ninguém o frequentava (imagem 37, campinho | p. 97). As espacialidades ditam para o projeto o que é um espaço em potencial, que deve ser valorizado a partir da condição preexistente e o que é um espaço deficiente, que deve ser reestruturado para que se resignifique (imagem 47 e 48, potencialidades e deficiências | p. 117 e 118). Ao olhar para os usos dos espaços percebe-se a presença das relações sociais existentes como motivadoras desses usos. Não fossem elas, a rua principal, as vielas e os bares estariam vazios. Portanto, assim como a favela se estruturou fisicamente, pela construção das casas, organização das ruas e dos lotes, também houve um processo de construção das relações sociais que se firmaram através do lugar, ou seja, por dividirem a mesma comunidade os moradores estabeleceram vínculos sociais entre si. Alguns
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desses vínculos parecem terem sido estabelecidos pela necessidade, pois como já dito, o espaço físico da favela é construido coletivamente e portanto é necessária a troca de opiniões, de acordos sobre como deve-se organizar o terreno, como será a disposição das casas, largura das ruas, como irá organizar a infraestrutura autoconstruida etc. Ou seja, ao envolver a todos, além de atribuir condição de pertencimento por incluir o próprio morador no processo, a autogestão dos espaços também atua como suporte para que se estabeleçam trocas sociais. Em outras oportunidades que vivenciei, ao entrar em favelas onde a relação entre os moradores era frágil, quase inexistente, essa condição se refletia de modo negativo no lugar, nas condições das moradias e no ambiente como um todo. A condição social de uma favela era utilizada como um parâmetro importante na avaliação do local para organização dos trabalhos, pois notava-se que quanto mais frágeis fossem essas relações e o espírito de comunidade, mais difícil seria organizar as intervenções e buscar melhorias. No Spama nota-se a presença das relações que entende-se como “necessárias”, que se estabelecem em prol do bom funcionamento do espaço – autogestão do espaço - ou devido as necessidades pessoais, como a ajuda de um vizinho para olhar o filho durante o horário de trabalho, por exemplo, como daquelas “espontâneas”, criadas pelos laços de amizade que se formam. Também é notável a presença de laços familiares entre os moradores, pois há diversas gerações abrigando-se na mesma favela porém em casas diferentes. Nas moradias formais, por exemplo nos condomínios fechados e edifícios residenciais, não existem a necessidade de se estabelecer as relações “necessárias”, pois a figura do sindíco e do zelador cumprem tal função. Nota-se também que o espaço público é muito importante para sustentar e empoderar tais relações, pois é nele onde essas se criam e acontecem cotidianamente. Porém, são espaços frágeis quanto sua estrutura, ou seja, não são espaços projetados para receberem algum tipo de uso específico, além de servirem de passagem.
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Tanto as espacialidades quanto as relações sociais atribuem significados ao lugar cooperando para que se construa uma “identidade coletiva”, ou seja, reconheça-se uma singularidade que dá força política à favela através da força do coletivo. Essa unidade coletiva, singular, quando fortalecida trata-se de uma ferramento política de luta pelo direito à terra, aos direitos sociais, à permanecer no território. Uma favela onde os moradores estão unidos, se articulam facilmente e possuem um espaço de fortalecimento comunitário, como por exemplo uma associação de moradores, possui maior força política e de representatividade em algum momento em que seja necessário lutar por direitos. Romper com as espacialidades seria apagar o significado coletivo que havia sido construido e ao mesmo tempo enfraquecer o uso do espaço e as relações sociais. Assim, justifica-se o porquê da favela, enquanto espacialidade construida coletivamente, possuir força de preexistência, além de representar uma identidade espacial própria.
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O cotidiano Nesse item nos aproximaremos do significado da vida cotidiana através dos conceitos de Milton Santos (2012) e José de Souza Martins (2011). Antes de compreendê-los é importante destacar que Milton Santos atribui significado oposto ao conceito de lugar daquele atribuido por Certeau. Para Milton Santos, a favela é um lugar pois, “no lugar - um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é a criadora da comunhão, a politica se territorializa, com o confronto entre a organização e a espontaneidade” (SANTOS, 2012, p. 322).
Portanto, para o geógrafo o lugar não é apenas fixo e estável, mas adquire uma dimensão social. Trataremos, portanto, aqui a favela enquanto lugar com intenção de destacar a vida cotidiana. Em seu livro A Natureza do Espaço, Milton Santos (2012) coloca a necessidade de retomar o olhar sobre o lugar frente ao mundo atual global com o objetivo de encontrar seus novos significados (p. 315). Para tanto, como uma possibilidade de aproximação propõe olhar o lugar a partir de seu cotidiano (A. Buttimer; 1976; A. Garcia, 1992; A. Damiani, 1994 apud SANTOS, 20106. p. 213). Nesse trabalho buscou-se reconhecer a dimensão cotidiana na favela com a intenção de compreender de qual modo a arquitetura pode melhorar a qualidade de vida dos moradores ao intervir a partir dessa escala espaço-tempo. Segundo Lefebvre (1958 apud SANTOS, 2012) compreender a escala do cotidiano revela considerações sobre a experiência social em geral, pois “a práxis se revela também como
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totalidade”. (p. 316), portanto, não se trata de uma restrição, mas sim de, a partir da escala próxima, também ser possível reconhecer questões mais abrangentes. Para compreender melhor o significado da vida cotidiana buscouse também as considerações do sociólogo José de Souza Martins (2011) sobre a sociologia da vida cotidiana. Suas formulações contribuíram para a compreensão da dimensão do cotidiano, no âmbito desse trabalho, ao reconhecer na vida cotidiana a possibilidade de desfazer amarras do tempo e tornar o homem senhor de sua própria história, do seu próprio destino (p. 51), pois “o interesse pela vida cotidiana se difunde como um dos componentes mais nítidos do ceticismo decorrente das desilusões que tem acompanhado a notável capacidade de autoregeneração da sociedade capitalista.” (p. 51). Martins percebe haver no cotidiano - no espaço residual – esperança de melhoria das condições de vida da humanidade, após reconhecer a ineficácia prática das grandes narrativas na sociedade atual (luta de classes, revolução operária etc). Assim, olhar para o cotidiano pode significar “o refluxo das esperanças da humanidade num mundo novo de justiça, de liberdade e de igualdade.” (p. 51) Desse modo, pode-se interpretar a favela como uma consequência dessas desilusões e ineficácias, fruto de um sistema macroeconômico falho e uma sociedade desigual. Seguindo esse pensamento, olhar para o cotidiano da favela na busca de valorizá-lo e potencializá-lo significa reconhecer o homem comum imerso no cotidiano como o novo herói por carregar possibilidades de mudanças concretas, pois é “(...) no pequeno mundo de todos os dias [em que] está também o tempo e o lugar da eficácia das vontades individuais, daquilo que faz a força da sociedade civil, dos movimentos sociais”(p. 52). Compreendo, portanto, que a Arquitetura e o Urbanismo devem incentivar, através dos espaços do cotidiano, a promoção dessa força da qual fala Martins (2011).
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No Spama, o cotidiano dos moradores é considerado frágil devido, entre outras coisas, a falta de oportunidades de se realizar atividades de diferentes dimensões programáticas, por exemplo, atividades culturais, de lazer ou esporte. Nota-se que os adultos saem cedo para o trabalho e retornam ao final do dia e normalmente ficam em suas casas, realizando atividades domésticas de rotina ou então usufruem do espaço público, a rua. Já aqueles que por quaisquer motivos não trabalham, ou até mesmo jovens e crianças que só estudam, passam a maior parte do dia na favela, sem espaços que ofereçam a oportunidade de realizarem alguma atividade específica, que busquem agregar algum tipo de valor (educacional ou cultural, por exemplo) ao cotidiano. Trata-se, portanto, de um cotidiano pouco estimulado, devido as possibilidades serem limitadas. A percepção do cotidiano através dessas condições sinaliza a exclusão social devido à falta de oportunidades. Apesar do Spama estar bem localizado em relação à oferta de alguns tipos de equipamentos públicos, como escolas presentes na cidade formal, não há outros equipamentos, como por exemplo bibliotecas, centros culturais, CEUs. Há dois parques municipais relativamente próximos à favela, porém nota-se que não é comum para os moradores frequentá-los, exceto quando há algum evento em especial. Percebe-se que os principais afetados por esse cotidiano circunstrito ao território da favela são as crianças e jovens que querem experimentar novas atividades e vivenciar a cultura urbana. Algumas ONGs atuam no Spama com o objetivo de agregar atividades educacionais voltadas às crianças e adolescentes. No entanto, tratam-se de atividades voluntárias, de iniciativa privada, enquanto o Estado ainda se mantém ausente. Tais condições não afetam apenas o Spama, como é sabido, mas também estão presentes em outras regiões de São Paulo.
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Em uma das reuniões de Gestão Comunitária realizamos com os moradores uma dinâmica para conhecer os principais sonhos que a comunidade possuía em coletivo. Nota-se na imagem 10 (prioridades | p.46) que a conquista de espaços de lazer é considerada uma importante prioridade para os moradores, logo após a construção das redes de infraestrutura , matrizes de toda ação de urbanidade (infraestruturas urbanas – pavimentação, rede de água e esgoto, iluminação pública).
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3. Hip贸teses
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Hipóteses | Hipótese teórica A favela e suas condições espaço-temporal características, conforme colocadas por Paola B. Jacques (2003b), junto com os espaços novos criados a partir de uma intervenção urbana, pode vir a representar, de certa maneira e dada as devidas proporções, uma disseminação do Urbanismo Unitário, pelo menos através do modo como esse é descrito. Assim como o UU também traz a crítica ao urbanismo convencional, também a faremos ao compreender a informalidade da favela enquanto preexistência. Ali também se almeja a revolução do cotidiano e a participação coletiva: a perspectiva da leitura feita e do projeto proposto foi a de estimular tais questões a partir de espaços integradores moldados após um prévio reconhecimento de espacialidades já estabelecidadas e da construção de possibilidades para novas experiências cotidianas com base em uma agenda propogramática diversa. A partir daí, nessa perspectiva, seria provocada no lugar, ao menos uma pequena revolução cotidiana “contra a não-participação, a alienação e a passividade da sociedade” (JACQUES, 2003a, p. 13), pois dentro dessa dimensão espacial-programática estima-se a necessária autogestão dos espaços, assim como a possibilidade de estimular a integração comunitária para lutar por conquistas comuns, como por exemplo a legalização fundiária do terreno da favela contra as usuais tentativas de reintegração de posse. No caso, ao intervir (no sentido amplo) em favelas, buscamos romper com essa alienação e passividade dos próprios moradores em relacão à sua própria situação de exclusão urbana e social. Assim, no Spama tentamos criar espaços que incentivem a participação através de uma mudança de rotina, da vida cotidiana, pois compreende-se que uma maior participação fortalece a luta política da comunidade. Os Situacionistas, por sua vez, propunham práticas urbanas e usos do espaço de acordo com suas lógicas, por acreditarem que
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quando os habitantes se tornassem “construtores, transformadores e vivenciadores de seus próprios espaços, isso sim impediria qualquer tipo de espetacularização urbana” (JACQUES, 2003a, p. 20). No caso da favela, a “espetacularização” pode ser interpretada pela tentativa de torná-la um lugar “folclórico” devido sua excentricidade, como ocorre, em parte, na Rocinha ao transformá-la em lugar turístico para estrangeiros ou como fez Ruy Othake em Heliópolis ao colorir e “alegrar” o território frágil. Desse modo, ao final da aproximação da bibliografia e com base nas experiências e percepções, nos métodos utilizados para compreender os significados e singularidades do lugar, entende-se como hipótese teórica: o reconhecimento de dinâmicas preexistentes que passam pela condição urbana e pela estruturação social. A condição urbana que nos interessa destacar é a que aponta a dimensão pública como desejada e legítima, representada pelo espaço gregário. Do ponto de vista social, interessa-nos destacar as “sociabilidades criadas” em função das condições espaciais e de cidadania, que acabam por colocar demandas de solidariedade e cooperação. Tais perspectivas foram perseguidas através da construção do que Vigliecca (2012) chama de terceiro território, que validará a construção coletiva informal já estabelecida e utilizada e criará novas possibilidades de cidadania e diálogo urbano, de acordo com o modo como as novas intervenções se derem no contexto da cidade. No caso do Spama, compreende-se como terceiro território uma intervenção no espaço público que construirá, a partir das preexistências físicas (espacialidades) e sociais, novos espaços integradores que, por meio da sua apropriação pela população e da dimensão programática, pudessem contribuir para o fortalecimento da cidadania pelo lazer, fortalecimento político, geração de renda, integração comunitária – ou seja, condições que contribuíssem para superação da exclusão urbana através do rompimento da dicotomia entre territórios informais e formais e da valorização da vida cotidiana.
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Tal hipótese foi construída após compreender que: - a cidade informal não precisa ser formalizada para que tenha valor. Seu valor está na sua dimensão cultural, na construção coletiva, na liberdade de ocupação, nas relações sociais construídas, nos vínculos com a localidade (vale destacar aqui, que não estamos fazendo a apologia da precariedade e, sim, ressaltando aspectos que acabam por ser de interesse à constituição do espaço e à apropriação.) - O senso comum é algo construído coletivamente, como afirma Martins (2011). Assim, não cabe à Arquitetura e ao Urbanismo atribuir significados ao lugar, mas reconhecê-los. No entanto, tais disciplinas contribuirão com elementos, ou seja, construindo espaços que, ao serem legitimados pelo uso, poderão contribuir para a resignificação do lugar. - Atribuir dimensão pública para a favela (romper barreiras) a partir da estruturação dos espaços e da atividade programática. A dimensão pública ajudará também na resignificação do lugar a partir da conexão território formal - informal, por elementos de uma mesma cidade. Assim, ao inserir a favela na cidade e a cidade na favela, pela urbanidade, encontra-se uma maneira de legitimar o espaço autoconstruido e ocupado, perante seus próprios moradores e também perante cidadãos externos a esse espaço, e assim, torná-lo parte da cidade. “Embora reconheceçamos suas [da Arquitetura e do Urbanismo] limitadas possibilidades de ação e controle, também sabemos de seu extraordinário potencial em relação a visões econômicas, políticas, sociológicas, filosóficas e culturais; e é nessa direção que o urbanismo consegue sua verdadeira dimensão poética e seu cabal potencial
transformador”
(VIGLIECCA,
2012,
p.
93)
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Hipóteses | Terceiro território O conceito de terceiro território foi utilizado como mediador entre a hipótese teórica e prática a partir da compreensão de como o arquiteto Héctor Vigliecca o concebe em seus projetos. Seu trabalho e visão em relação à intervenção em áreas urbanas críticas (VIGLIECCA, 2012), como ele mesmo denomina as favelas, foram de muita contruibuição, desde o início, para se pensar as hipóteses de intervenção. “Os valores de intimidade, como laços familiares, cultura original, estruturas de vizinhança, são elementos a reconhecer e a realocar sobre o suporte da nova morfologia. Realizamos a transformação sem destruição, nossas propostas não tratam de uma substituição da condicão atual. O projeto consiste num processo de restituição da urbanidade” (VIGLIECCA, 2012, p. 93)
Para Vigliecca (2012), o terceiro território é “um novo conceito de leitura da realidade” (p.94), ou seja, a partir da leitura do lugar propõese uma nova estrutura que conforma uma relação com o existente, “estabelecendo uma nova unidade que simultaneamente, valoriza, estimula e dá sentido a essa morfologia, sem destruir nem excluir o que já existe” (p.94). O objetivo é formar um “terceiro território onde um não se concebe sem o outro”. Nesse caso, o diálogo entre existente e novo preza sempre pela busca da cooperação entre espaços, evitando que se crie ações isoladas. Foi pensando nesse conceito que a hipótese prática, na dimensão desse trabalho, ganhou forma e lugar. No caso da formulação de uma intervenção urbana no Spama, o terceiro território compreende-se através do diálogo e valorização da
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preexistência – espacial, formal e social – e a busca por provocar a condição da exclusão urbana ao inserir uma arquitetura como referência no espaço, que deve ser acompanhada da devida instalação de infraestrutura urbana para abastecer as moradias unifamiliares já existentes. É representado pelos edifícios construídos e pela revitalização do espaço público, explicada mais detalhadamente a seguir. A discussão da dicotomia cidade formalinformal que esses elementos provocam deve-se também ao modo como foram implantados, após reconhecimento do contexto urbano como um todo. Portanto, o terceiro território nesse projeto faz a intersecção entre o formal e informal com o intuito de que ambos os espaços dialoguem e se mesclem enquanto cidade.
“A ideologia não é a abstrata imagem de um futuro-catarse, é a imagem do mundo que tentamos construir lutando; planejando não se planeja a vitória, mas o comportamento que nos propomos manter (...)” (ARGAN, 2000 apud VIGLIECCA, 2012, p. 92)
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Hipóteses | Hipótese prática: o terceiro território e a construção de cidade É importante destacar que, apesar da hipótese prática estar separada da estruturação teórica, ao longo do processo ambas foram desenvolvidas paralelamente, pois uma é consequência da outra, tanto na dimensão do processo, quanto para o resultado final.
Metodologia do processo de projeto Como metodologia para elaboração de um projeto final de intervenção, percorreu-se os seguintes tópicos: - Reconhecimento pessoal do lugar; (capítulo 1. experiências) - Leitura e elaboração de diagramas; (capítulo 3. Hipóteses) - Discussão teórica e organização de conceitos; (capítulo 2. Percepções) - Elaboração de hipótese teórica (capítulo 3. Hipóteses)
Leitura e elaboração de diagramas. Visando o desenvolvimento do projeto a partir do contexto real existente, aplicou-se metodologia de percepção e leitura territorial através da elaboração de diagramas. Conforme ordem pensada para melhor compreensão do lugar, os diagramas abordam os seguintes assuntos: cotas; legibilidade; barreiras; elementos consolidados; espacialidades; potencialidades e deficiências.
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1- Cotas Ao olhar o modo de ocupação espontâneo do terreno, percebe-se que a implantação da favela segue as próprias condições topográficas do terreno como diretriz. Desse modo, reconhecer a topografia foi importante para compreender o modo como foi pensada a organização do espaço das moradias, os caminhos e vazios. No Spama, portanto, a topografia indica: - locais mais privilegiados para a ocupação devido às condições do terreno mais planas ou com pequenos desníveis. - a atuação da topografia como limitante da ocupacão, pois conforme se avança em direção à Rodovia dos Bandeirantes, localizada nos fundos da favela paralela à Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, o terreno tornase cada vez mais íngreme e também ainda mais inóspito pela presença da torre de alta tensão. Ao analisar conjuntamente a topografia e implantação, destacam-se alguns níveis estruturadores, importantes na caracterização da favela: - cota 771.00m: entrada principal a partir da Avenida Raimundo Pereira de Magalhães; - cota 776.00m: importante nível, onde se localiza a rua principal, consequente eixo estruturador da implantação das moradias e abertura das vielas. - cota 773.00m: importante viela paralela à rua principal;
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- cota 771.00m: novamente, porém dessa vez referente à localidade ao fundo da favela, último nível viável de ocupação devido às condições topográficas que se acentuam nesse espaço e pela proximidade das torres e linhas de alta tensão.
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Através do diagrama é possível perceber que as vielas foram implantadas perpendicularmente as curvas de nível, conectando as cotas principais.
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A
Corte AA | Sem Escala
A
Cotas
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2- Legibilidade A singularidade da implantação apresenta-se bastante clara e legível, conforme observa-se no diagrama de legibilidade (imagem 28, legibilidade | p. 76)
3- Barreiras Outro assunto importante são os limites físicos que atuam como barreiras de separação entre a favela e a cidade legal. Esse tema compõe a discussão teórica sobre a existência de barreiras visíveis e invisíveis que estabelecem uma dicotomia entre cidade formal e informal, reforçando o processo de exclusão. Como barreiras físicas se destacam no Spama: - os muros vizinhos, que separam o térreo dos edifícios residenciais da favela; - a rede e torre de alta tensão, singularidade desse lugar, que exigem o limite mínimo de 20m de distância entre as moradias e os fios. Para demarcar esse limite, a Eletropaulo utiliza-se de toras de madeira demarcando uma linha imaginária que indica até onde é seguro para ocupar. (imagem 44, limite ocupação | p. 114) Em relação aos muros, observa-se que do lado direito da imagem a implantação das moradias “dialoga” com esse elemento utilizando-o como fundo das casas, voltando-se “contra ele”. Desse modo, o muro não se torna uma empena cega, como ocorre com o da direita, que faz fronteira com o espaço vazio para acesso à favela.
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Há também presença de barreiras invisíveis, territoriais e sociais, quase imperceptíveis ao olhar à distância, representadas pelo limite estabelecido entre o ínicio da favela, já a partir da calçada à sua frente, e a cidade formal presente em todo o entorno do Spama. Apesar de serem parte de uma mesma cidade e estarem muito próximos (favela e cidade formal) ambas não dialogam e se excluem mutuamente. Esse ponto de intersecção entre lugares é um importante elemento para o projeto, que deve buscar facilitar a superação da condição de barrreira. Apesar de invísivel, nota-se a presença desse limite, devido:
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- às diferenças de condições de urbanidade; - à fragilidade, ou inexistência, de contato social entre os moradores da favela e os moradores do entorno urbanizado e de outra classe social. Quem não mora na favela, não é bem vindo em seu espaço, assim como os favelados não são bem quistos pelos moradores externos ao Spama .
Barreiras
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Espacialidades
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4 – Espacialidades Além dos componentes físicos do lugar, o reconhecimento das espacialidades a partir da observação das práticas sociais foi importante para o posterior desenvolvimento do projeto. Nota-se, a partir do diagrama, a importância do espaço livre e sua utilização como local de encontro entre os moradores. Esse espaço torna-se uma espacialidade a partir dos usos que ali se realizam, assim como também é identificado como eixo de estrutura comercial, pois é na sua proximidade que se instalam os principais comércios da favela, como bares, pequenos mercados e lanchonetes. O vazio torna-se, portanto, espaço comum para práticas sociais entre os moradores, rua de acesso e rua comercial, contínua à Avenida Raimundo Pereira de Magalhães conectando a cidade formal às moradias.
5- Elementos consolidados A hipótese teórica contribuiu para direcionar o que seriam considerados elementos consolidados do lugar, com os quais o projeto irá diaglocar. Esses elementos foram determinados segundo critérios teóricos por atribuirem singularidade e significado à ocupação do Spama e às dinâmicas sociais. Como elementos consolidados, considera-se: - autoconstrução; - implantação espontânea do núcleo organizada coletivamente; - eixos principais que atribuem legibilidade; - usos do espaço / espacialidades.
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6 – Potencialidades e deficiências Por fim, foi possível reconhecer as potecialidades e deficiências a partir das outras leituras. Tais condições sinalizaram, de modo objetivo, as diretrizes de projeto. Enquanto potencialidades, entendemos ser elementos que: - valorizam a vida comunitária e proporcionam legibilidade; - concedem singularidade ao território da favela pela sua construção espontânea e coletiva Potencialidades: as relações de sociabilidade existentes após 30 anos de ocupação do território; o intenso uso do espaço público existente (rua principal); a existência desse espaço único e em destaque que serve como palco para as principais vivências urbanas e coletivas da comunidade; a disposição territorial das moradias, que permite criar dois eixos de fluxos principais e garante um desenho de fácil leitura do território; a proximidade da favela com o bairro; a declividade do terreno potencializando as estratégias de projeto; o interesse social da comunidade em trabalhar para melhorar coletivamente seu próprio território; a mão de obra ali presente e ativa representada pela auto construção. Por outro lado classificam-se como deficiências os elementos que tornam a qualidade de vida e o cotidiano frágeis, como por exemplo a falta de infraestrutura urbana, ocasionando insalubridade, a falta de espaços equipados para promover encontros sociais, a ausência de espaços de lazer com qualidade e segurança para as crianças e vielas excesivamente estreitas ocasionando espaços sem vida e inseguros.
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Consolidados
Potencialidades
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DeficiĂŞncias
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Intervenção urbana e arquitetônica na favela Spama a partir da estruturação dos espaços públicos Em suma, o projeto busca desconstruir, na prática, a necessidade de estabelecer um modelo binário de urbanização onde parece não haver possibilidade de situações intermediárias, mas apenas de opostos: infomal ou formal; arquitetura ou cidade; favela ou urbanização. Preza-se, na dimensão desse trabalho e dessa localidade, a aplicação do conceito de terceiro território, ou seja, a construção de um ambiente pela inserção de elementos da arquitetura formal em um território informal, ditada a partir das condicionantes espaciais e sociais preexistentes. Portanto, o projeto possui como desafios: - Criar urbanidade (qualidade de vida através da construção de cidade) no território informal sem ter a obrigatoriedade de formalizá-lo, ou seja, atribuir rigidez à sua implantação e a configuração de suas moradias para que seja considerado parte da cidade; - Relacionar-se de modo harmônico com as preexistências; - Olhar para a dimensão humana e coletiva com objetivo de fortalecer a cidadania e o habitat através das relacões sociais; - Propor espaços e uma dimensão programática que possibilite usos diversos e superação das barreiras invisíveis;
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Nesse exercício de projeto, o terceiro território será exemplificado através da estruturação e urbanização dos espaços públicos do Spama: - construção de urbanidade através da instalação de infraestrutura urbana; - estruturação da rua principal; - introdução de novos espaços de permanência e circulação acessíveis; - construção de espaços que sustentem usos predefinidos; Tais intervenções possuem como objetivos: - propor espaços e programas que possibilitem o lazer, cultura, educação e esporte ao cotidiano dos moradores do Spama e também aos moradores do entorno; - espaços para encontros comunitários; - possibilitar, através da arquitetura, que a ação política a partir da favela se intensifique entre seus moradores através dos espaços para encontro, convivência, mas, principalmente ao propor espaços autogeridos pelos próprios moradores; - rompimento das barreiras invisíveis, ou seja, da condição de gueto existente na favela e o preconceito da cidade urbanizada para com o espaço informal, através do estímulo para que moradores externos ao Spama também usufruam de seus espaços públicos, atraidos por uma dimensão programática diferenciada do que é ofertado na escala do bairro atualmente. - reforçar práticas sociais; - prover espaços para geração de renda através do comércio.
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1. Diretrizes para construção de urbanidade
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- alargamento das vias principais e vielas para passagem de infraestrutura urbana (mínimo de 1,20m) – evitando remoções desnecessárias (não se alargou mais do que o mínimo necessário das vielas sem que houvesse alguma outra razão secundária para fazê-lo, como por exemplo abertura das clareiras); - Retirada de moradias que ultrapassam a distância mínima de 20m de segurança da linha de alta tensão; - abertura de clareiras em locais hiperadensados, condição que passa a comprometer por completo a qualidade de ventilação e iluminosidade das moradias; - Retirada de moradias que ocupavam isoladamente o espaço vazio principal, local da intervenção urbana; - instalação de infraestrutura (sistema público de água e esgoto; rede de iluminação) e drenagem urbana
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2. Organizando as remoções
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Quanto às remoções, a diretriz principal foi remover o mínimo possível. No entanto, como solução para as moradias removidas, foi estabelecido que essas passarão a ocupar o amplo terreno localizado no canto superior direito da favela, o qual atualmente é gerido pela primeira moradora do Spama e funciona como estacionamento. Compreende-se que as remoções, apesar de serem evitadas, são necessárias para uma conquista coletiva de melhor qualidade de vida, o que as justificam, assim como a desativação do estacionamento de carros também é justificada pela busca de benefícios para todos. Nesse novo local, a implantação das novas habitações poderá ser orientada por assessoria técnica, por exemplo.
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3 - Organizando as clareiras
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Para realizar a abertura das clareiras foram necessárias remoções, assim como para passagem de infraestrutura urbana. As clareiras representam a possibilidade de se criar novas microespacialidades. Após a remoção, a reorganização do território unifamiliar poderá ocorrer através da Assessoria técnica. O diagrama abaixo representa algumas maneiras de se reorganizar as moradias após a intervenção, tendo em vista que devido a alta densidade de ocupação ao interferir em um lote o seu vizinho poderá ser afetado também.
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4 – Organizando os espaços de convivência e a dimensão programática Os edifícios que comportarão os espaços de permanência com dimensão programática foram denomidados Unidades de Vida Articulada (U.V.A.), pois possuem a intenção de articular-se ao cotidiano dos moradores (do Spama e do bairro já urbanizado) a partir da localidade e dos programas oferecidos. Os espaços foram propostos para oferecer uma nova possibilidade de experência ao conectar as dinâmicas urbanas da favela à cidade formal e vice-versa visando superar a exclusão urbana e social existente atualmente. A implantação dessas Unidades foi pensada a partir dos diagramas que sinalizaram as espacialidades já existentes, potencialidades e deficiências, pois a intenção é utilizá-las como parte do processo de construção de urbanidade e melhoria da qualidade de vida cotidiana da favela. Desse modo, a localidade escolhida para o edifício principal (Edifício 1 da U.V.A.) foi contínua ao eixo de chegada à cota 776.00m, ao final da rua principal, devido aos seguintes motivos: - nesse caso, a legibilidade torna-se nítida tanto para a implantação da favela como no diálogo com a cidade formal. Quem passa na avenida pode reconhecer a presença do edifício e a possibilidade de acesso através da rua comercial; - essa localidade relaciona-se com a espacialidade preexistente de principal significado simbólico para a implantação da favela e uso dos moradores: o cruzamento entre as principais vias. A presença do edifiício reforçará esse significado; - O edifício pode usufruir da topografia acidentada na sua implantação, como também através dela se conectar a outras cotas de destaque, como a cota 773.00 m e cota 771.00 m.
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A partir dessa localidade, o edifício não se torna um equipamento para a favela somente, mas um equipamento público urbano. De modo coincidente, as moradias removidas para dar lugar a ele já se encontram praticamente em áreas de risco devido a topografia acentuada e o uso de técnicas rudimentares, ineficientes. Os outros edifícios da Unidade de Vida Articulada se expandem para o espaço atualmente ocupado pela cooperativa. Ou seja, a partir do desenho arquitetônico da cooperativa, foi possível reduzir sua taxa de ocupação e assim utilizar parte do seu espaço para implantar o edifício 2 da Unidade de Vida Articulada. Essa edificação encontra-se praticamente em frente ao edifício 1. Desse modo, cria-se uma centralidade espacial e social através dos equipamentos e espaços públicos.
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Avenida Raimundo Pereira de Magalh達es
Masterplan | sem escala HIPĂ“TESES | 127
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5. Estruturando a entrada da favela “A entrada da favela diz muito sobre nós” – Marcia, moradora do Spama Atualmente, para entrar no Spama utiliza-se uma mesma via para automóveis e pedestres, condição insegura para quem está a pé, principalmente para as crianças que fazem desse local um espaço de permanência. Também não há acessibilidade para vencer os cinco metros de desnível entre a cota da avenida Raimundo Pereira de Magalhães (770.00m) e a cota principal do Spama (776.00m). Esse eixo de entrada também estrutura os principais bares e pequenos comércios, conformando o espaço público da favela, onde se concentram crianças, jovens e adultos em atividades diversas (bares, conversas, lanchonetes, supermercados, rodas de samba, sinuca, churrascos etc). Todos os que chegam ou saem do Spama atravessam essa localidade. Desse modo, a proposta de intervenção reconhece esse eixo como uma espacialidade e procura dialogar com tal condição ao torná-lo rua comercial para pedestres, que conecta a Avenida à cota principal da favela, com espaços de circulação e permanência. Tal estrutura segue as seguintes diretrizes: - separação do fluxo de pedestre e fluxo de veículos. - acessibilidade através de rampas com inclinação de 8,33% que se conectam, a cada patamar, aos platôs onde estarão alocadas os boxes comerciais e os espaços para permanência. - o acesso aos platôs também é possível por pequenas escadas, localizadas ao lados das rampas de acessibilidade. Desse modo, é possível vencer, de modo sutil, o desnível entre a Avenida (771.00m) e a rua principal (776.00m), além de possibilitar que a
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cidade formal e informal se reconheçam como parte de um só todo, ao se conectarem física e sensivelmente. Outra condição predeterminante para esse partido foi a presença de um extenso muro de concreto (imagem 43, barreiras | p. 113) que faz divisa entre o terreno vizinho (edificio residencial em construção) e a favela. Assim, através da rua comercial, os módulos propostos encostam no muro, relativizando a empena cega criada pelo mesmo. Ao lado das rampas estão jardins de chuva que, além de cooperarem com a arborização, também auxiliam na drenagem urbana.
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Vista da rua comercial | sem escala
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Rua comercial | sem escala
Imagem 57 “Esse modo de reflexão tenta afirmar através da ação do desenho urbano e da arquitetura o objetivo final: um suporte físico adequado para a apropriação pertinente dos espaços, a incorporação do sentido de lugar e a legibilidades urbana, instrumentos insubstituíveis para transformar os habitantes em cidadãos.” (VIGLIECCA, 2012, p. 95)
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Fachada sudeste - Rua comercial e edifício 1 | sem escala HIPÓTESES | 133
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6 – Edifícios da Unidade de Vida Articulada. Unidade de Vida Articulada | Edifício 1 O principal partido arquitetônico dessa edificação foi integrar através das circulações verticais, escadas e rampas acessíveis, diferentes eixos importantes, como a cota 776.00m, 773.00 e 771.00m. Outra diretriz voltou-se à volumetrica, para que interagisse com o ambiente externo à ela, ou seja, com as vielas laterais através dos espaços e fechamentos. Pelo fato do local de intervenção estar em uma área de declive foi possível a conexão entre as cotas sem a necessidade de intervir de modo brusco no terreno, fator importante devido ao alto custo relacionado as intervenções mais radicais em relação à topografia (remoção de terra, fundação, muros de arrimo, etc). A partir de tais diretrizes estabeleceu-se que as circulações ficariam na lateral para que interagissem tanto com o ambiente interno quanto externo. A escada e rampa acessível conectam a cota 776.00m à cota 773.00m. Essa última assume papel de rua interna ao cruzar o edifício e conectar a viela da favela aos seus espaços internos e ao deck localizado à direita do prédio. O deck, na cota 773.00m, se conecta através de rampa acessível à passarela elevada localizada na cota 771.00m ao fundo do edifício, no limite dos 20m de distância necessários da torre de alta tensão. A passarela atua como limitante da ocupação, para que as moradias não avancem em direção à linha de alta tensão, assim como também conecta os diferentes níveis ao final de cada viela perpendicular à topografia, formando um corredor paralelo à rua principal (na cota 776.00m) e trazendo referência de urbanidade e circulação para os fundos da favela. Assim, conquistou-se uma rua interna, na cota 773.00, que atravessa o projeto e conecta a viela, de mesma cota, ao deck projetado
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como espaço de permanência e estar. Esse deck também tem a função prática de limitar o avanço da favela em direção a locais onde a topografia torna-se muito acentuada e que avança os 20m de distância segura. Assim, o deck /passarela elevado percorre todo o “fundo da favela”, tornando-se uma barreira física de dermacação dos 20m de distância. Ao longo do deck há rampas acessíveis com declividade de 8,33% que conectam os diferentes níveis onde as vielas terminam. Esse espaço pode ser utilidade como área de lazer e esporte para os moradores. Devido à localidade privilegiada desse edifício, em relação à Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, imaginou-se que sua dimensão programática deveria atuar na escala do bairro, ou seja, oferecer atividades para atrair também frequentadores externos à favela. Desse modo, seus espaços poderão abrigar programas culturais, que são excassos no bairro de Pirituba, segundo levantamento realizado (imagem xx, pg. xx). Desse modo, assume a função de uma mediateca ao oferecer espaços para música, informática, leitura e medias em geral. Portanto, tais progamas são uma possibilidade para novas experiências cotidianas. No primeiro pavimento, acima da cota da rua, localiza-se a quadra poliesportiva, importante equipamento de referência de lazer e esporte para a favela e também para o bairro, que não possui equipamentos públicos dessa categoria.
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U.V.A - EdifĂcio 1 | Planta pav. rua - cota 776.00m | sem escala
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U.V.A - EdifĂcio 1 | Planta pav. rua interna - cota 773.00m | sem escala
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U.V.A - EdifĂcio 1 | Planta pav. superior - quadra| sem escala
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U.V.A - EdifĂcio 1 | Planta cobertura| sem escala
Corte A A | sem escala
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Corte B B | sem escala
Corte C C | sem escala
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Fachada noroeste| sem escala
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Fachada sudoeste| sem escala
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Fachada nordeste| sem escala
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Detalhe 1| sem escala
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Corte setorial D D| sem escala
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Unidade de Vida Articulada | Edifício 2 Esse edifício localiza-se na cota principal (776.00). Seus espaços são pensados para abrigar atividades voltadas mais diretamente para o fortalecimento comunitário e do cotidiano dos moradores do Spama. Imagina-se ser um espaço autogerido e que seja utilizado para organizar reuniões comunitárias, fortalecer as relações sociais, para o incremento da atuação política dos moradores em relação ao contexto político urbano e para suporte às atividades realizadas pelas ONGs que atualmente já trabalham na favela. A escala da rua é muito importante, pois percebe-se ser onde tudo acontece na favela. Desse modo, cria-se apenas dois pavimentos. A circulação vertical principal – rampas acessíveis - por sua vez avança sutilmente conectando a escala da rua aos outros níveis, de modo que essa transição não se torne brusca e continue sendo mantida a relação com a rua através dos fechamentos vazados e da circulação, localizada nas laterais do edifício. Pela diferença de níveis foi possível criar mais espacialidades na cota 776.00m. Ambos os edifícios (1 e 2) têm a intenção de se colocar como espaços públicos contínuos à rua.
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U.V.A - Edifício 2 | Planta pav. térreo | sem escala
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U.V.A - Edifício 2 | Planta pav. superior | sem escala
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Corte A A|sem escala HIPĂ“TESES | 149
Corte B B|sem escala
Fachada sudoeste|sem escala
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Corte C C | sem escala
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Corte D D | sem escala
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Unidade de Vida Articulada – Cooperativa de Reciclagem
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A cooperativa de reciclagem ao ser reorganizada pôde ocupar uma dimensão menor do que a ocupada atualmente. Seu papel na favela é fundamental para geração de renda e conscientização ambiental. Seus espaços possuem uma implantação objetiva: galpão para separação dos materiais que chegam, espaço administrativo e espaço para funcionários. Juntos, os edifícios 1, 2 e a Cooperativa formam a Unidade de Vida Articulada, uma centralidade de cultura, lazer, cidadania e geração de renda para o bairro de Pirituba e uma possibilidade de discutir a superação da exclusão urbana e social vivenciada pelos moradores do Spama.
U.V.A. | Planta Cooperativa | sem escala
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Corte A A | sem escala
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Fachada sudoeste| sem escala
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Reticências...mas, e agora? Para finalizar, conclui-se que a experimentação que foi apresentada nesse trabalho, construída com base na sequência sentir-refletir-propor, representou apenas um modo, ainda utópico de intervir sobre o território informal em busca de cidadania e inclusão, tendo em vista a realidade das políticas públicas atuais. Não há conclusões a serem feitas, já que uma próxima questão se coloca de imediato: como, de fato, através da atuação profissional e da real possibilidade prática de intervenção pode-se trabalhar a favor da transformação da condição urbana, considerando conflitos e disputa pelo território? Ao longo desse último ano de graduação foi possível perceber que, além desse, diversos outros trabalhos também se dedicaram a discutir e se posicionar frente a assuntos urbanos críticos que tangenciam a Arquitetura e o Urbanismo: acesso à cidade, o déficit habitacional, a necessidade de espaços públicos democráticos, a falta de mobilidade, condições de cidadania para todos, a revitalização urbana, a recuperação de áreas degradadas, a gentrificação, as áreas verdes e proteção ao meio ambiente no espaço urbano...ou seja, pautas que representam a vontade de atuação em prol de mudanças reais para as cidades e seus habitantes, em busca de uma condição urbana mais democrática e justa. Considero, portanto, que essa dinâmica tem força para sinalizar que nós, estudantes e agora profissionais, nos importamos e compreendemos o papel social do arquiteto. No entanto permanece a pergunta, como continuar? Qual será o próximo passo possível de ser dado na luta por mudanças, frente a um mercado profissional elitizado e engessado enquanto possibilidades de atuação, onde a maioria das possibilidades profissionais se resumem a continuar trabalhando para a construção dessa cidade excludente e hegemônica com a qual não concordamos?
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Portanto, se considerarmos o que está por vir, as reflexões e hipóteses de experimentação não devem terminar por aqui, mas é a partir desse momento que tomam fôlego para seguir em frente em busca de uma outra realidade que acreditamos ser possível, com a condição de se continuar percebendo-a criticamente e pela busca constante de instrumental teórico e projetual. Como suposição inicial, na tentativa de fortalecer ainda mais esse movimento, após esses cinco anos de graduação acredito que a construção de debates e hipóteses em relação a tais temáticas sociais deva ser reforçada ainda mais dentro da graduação em Arquitetura e Urbanismo, a partir da proposta de experiências práticas e vivências, articuladas à construção do pensamento crítico. Que esse pensamento crítico signifique romper com a formação funcional, voltada majoritariamente ao mercado, e com a maneira de se pensar o projeto como resolução de problema ou investigação tecnológica, independente das condições sociais que ele tangencia e que, de fato, expressa.
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Imagens 1) Meninas no Spama | p. 10 | Fonte: TETO 2) Reunião de Gestão Comunitária | p. 28 | Fonte: TETO 3) Crianças no Spama | p. 28 | Fonte: TETO 4) Casa TETO | p. 40 | Fonte: TETO 5) Contexto urbano | p. 43 6) Equipamentos sociais | p. 43 7) Entorno | p. 43 8) Edifícios vizinhos | p. 49 | Fonte: TETO 9) Reunião de Gestão Comunitária para definir prioridades | p. 46 | Fonte: TETO 10) Cartaz de prioridades | p. 46 | Fonte: TETO 11) Situação atual | p. 49 12) Reunião de Gestão Comunitária em local provisório | p. 49 | Acervo pessoal 13) Votação para Associação de Moradores | p. 50 | Fonte: TETO 14) Chapa eleita para Associação de Moradores | p. 50 | Fonte: TETO 15) Construção da lixeira | p. 53 | Acervo pessoal 16) Implantação do esgoto | p. 52 | Fonte: TETO 17) Apresentação de projetos | p. 55 | Acervo pessoal 18) Moradoras segurando fotos de projetos já realizados | p. 55 | Fonte: TETO 19) Viela do Spama | p. 56 | Acervo pessoal 20 ) Moradores colando cartaz | p. 56 | Fonte: TETO 21 ) Gráfico de renda individual mensal | p. 63 | Fonte: TETO 22) Gráfico de carteira assinada | p. 63 | Fonte: TETO 23) Meninos olhando Paraisópolis | p. 64 | Fonte: Elpaís 24 ) Fundo do Spama | p. 64 | Acervo pessoal 25 ) Foto de satélite do entorno | p. 70
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26) Spama visto da Avenida | p. 70 | Acervo pessoal 27) Frente da favela a partir da cidade formal | p. 71 | Acervo pessoal 28) Diagrama de legibilidade | p. 76 29) Diagrama de cotas | p. 76 30) Viela principal - cota 773.00 | p. 77 | Acervo pessoal 31) Fragmentos | p. 83 | Acervo pessoal 32) Fragmentos | p. 83 | Acervo pessoal 33) Labirinto | p. 87 | Acervo pessoal 34) Labirinto | p. 87 | Acervo pessoal 35 ) Rua principal | p. 96 | Acervo pessoal 36) Entrada do Spama | p. 96 | Acervo pessoal 37) Campinho desativado | p. 97 | Acervo pessoal 38) Crianças no Spama | p. 97| Acervo pessoal 39) Fundo do Spama | p. 101 | Acervo pessoal 40) Festa do dia das crianças no Spama | p. 101 | Fonte: TETO 41) Corte do terreno | p. 111 42) Diagrama de cotas | p. 111 43) Diagrama de barreiras | p. 113 44) Limite da ocupação | p. 114 | Acervo pessoal 45) Diagrama de espacialidades | p. 114 46) Diagrama de elementos consolidades | p. 117 47) Diagrama de potencialidades | p. 117 48) Diagrama de deficiências | p. 118 49) Diagrama de construção de urbanidade | p. 121 50) Diagrama de remoções | p. 122 51) Organização das clareiras | p. 123 52) Dimensão programática | p. 125 53) Masterplan | p. 126-127 54) Vista da rua comercial | p. 129 55) Perspectiva da rua comercial | p. 129
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Imagens (continuação) 56) Rua comercial | p. 130 57) Perspectiva geral | p. 131 58) Fachada sudeste - Rua comercial e edifício 1 | p. 132 e 133 59) Perspectiva centralidade edifício 1, edifício 2 e rua comercial | p. 132 60) U.V.A - Edifício 1: planta pav. rua 776.00m | p. 136 61) U.V.A - Edifício 1: planta pav. rua interna 773.00m | p. 137 62) U.V.A - Edifício 1: planta pavimento superior | p. 138 63) U.V.A - Edifício 1: planta cobertura | p. 138 64) U.V.A - Edifício 1: Corte AA | p. 140 65) U.V.A - Edifício 1: Corte BB | p. 140 66) U.V.A - Edifício 1: Corte CC | p. 141 67) U.V.A - Edifício 1: Fachada noroeste | p. 141 68) U.V.A - Edifício 1: Fachada sudoeste | p. 141 69) U.V.A - Edifício 1: Fachada nordeste | p. 142 70) U.V.A - Edifício 1: Detalhe 1 | p. 142 71) U.V.A - Edifício 1: Corte setorial DD | p. 143 72) Perspectiva | p. 145 73) U.V.A - Edifício 2: planta pav. térreo | p. 146 e 147 74) U.V.A - Edifício 2: planta pav. superior | p. 146 e 147 75) U.V.A - Edifício 2: Corte AA | p. 148 e 149 76) U.V.A - Edifício 2: Corte BB | p. 148 e 149 77) U.V.A - Edifício 2: Fachada sudoeste | p. 148 e 149 78) U.V.A - Edifício 2: Corte CC | p. 159 79) U.V.A - Edifício 2: Corte SS | p. 151 80) U.V.A - Cooperativa: Planta | p. 152 e 153 81) U.V.A - Cooperativa: Corte AA | p. 154 e 155 82) U.V.A - Cooperativa: Fachada sudoeste | p. 154 e 155
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