A influência do jornalismo gonzo na obra de Arthur Veríssimo

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

CAMILA BORGES CORRÊA

A INFLUÊNCIA DO JORNALISMO GONZO NA OBRA DE ARTHUR VERÍSSIMO

PORTO ALEGRE 2012


CAMILA BORGES CORRÊA

A INFLUÊNCIA DO JORNALISMO GONZO NA OBRA DE ARTHUR VERÍSSIMO

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Orientador: Prof. Me. Vitor Necchi

PORTO ALEGRE 2012


CAMILA BORGES CORRÊA

A INFLUÊNCIA DO JORNALISMO GONZO NA OBRA DE ARTHUR VERÍSSIMO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo.

Aprovada em: ____de__________________de________.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________ Prof. Alexandre Elmi

______________________________________________ Prof. Me. Fabian Chelkanoff Thier

______________________________________________ Prof. Me. Vitor Necchi


AGRADECIMENTOS

Ao Vitor Necchi, orientador e pessoa maravilhosa, por ter confiado e mantido a calma em todos os meus momentos de insegurança. A segunda-feira nunca antes foi tão esperada, a tranquilidade e o abraço de cada encontro foram fundamentais para tudo acontecer. Aos meus pais, Jaqueline Borges Corrêa e Carlos Eduardo da Silva Corrêa, por terem me proporcionado fazer esta faculdade, possibilitarem todas as experiências de vida que tive nesses anos todos e por se manterem firmes nas mudanças de humor. Pelo amor incondicional e por sempre estarem ao meu lado. Pela amizade, conselhos e confiança ininterrupta. Obrigada por tudo! Amo vocês. Pela descoberta de grandes amigas, Ita Pritsch e Greisly Picolotto, que compartilharam do mesmo nesses longos meses. Por uma ter apoiado a outra quando achamos que tudo estava perdido. Pelas ligações e encontros. Pelo choro e riso. Por todo o carinho e atenção. Pelo amor que cresceu. Aos queridos, Mariana Bartz, Lívia Stumpf, Ricardo Gruner e Thiago Couto, que insistiram em perguntar, mandar relaxar e dizer que tudo daria certo e que logo a vida teria mais alegria. As amigas Joana Barboza e Natália Costa, pela compreensão de todos os “não vai rolar”, pelo apoio, confiança e amor. Pela alegria de sempre. Ao amigo e primo, Felipe Abdala, por me fazer acreditar e não desistir. A Caroline Fraga e Gabrielly Winter, a amizade de infância é para sempre. A amiga “psicodália”, Cinthya Portes, que mesmo longe foi presente nas madrugadas, nos momentos de desabafo, choro e ao compartilhar muitas alegrias. Ao amigo Rafael Raffa Ramos, que acompanhou cada segundo com a maior atenção e carinho. Pelos conselhos e por sempre fazer com que tudo ficasse bem. Ao querido amigo Ricardo Araújo, que mesmo a uma América de distância soube acalmar o coração e por repetidas vezes dizer que era para confiar. Ao Arthur Veríssimo, repórter, inspiração e pessoa incrível. Pela atenção, conselhos, e pela entrevista que virou conversa interminável e inesquecível. Ao Bob Dylan, pelo lindo show e pelas músicas que embalaram cada linha. Aos demais amigos queridos que não cabem nessa página. Obrigada pela compreensão e por todo o amor sempre. Estou voltando!


“Algumas pessoas escrevem suas histórias como ficção, outras arriscam alto o bastante para vivê-las e alguns tolos tentam fazer as duas coisas ao mesmo tempo.” Hunter S. Thompson


RESUMO A presente pesquisa se propõe analisar a influência do Jornalismo Gonzo, criado e representado por Hunter Thompson, nas reportagens do brasileiro Arthur Veríssimo. O objetivo é identificar quais influências e características do estilo gonzo podem ser encontradas nas reportagens desenvolvidas por Veríssimo para a Revista Trip. Para tanto, selecionou-se textos de Arthur Veríssimo e identificou-se características pontuais do estilo, a fim de perceber influências de obras de Hunter Thompson. A metodologia empregada foi análise de conteúdo e baseou-se na hipótese de Arthur Veríssimo ser gonzo jornalista ao aventurar-se em reportagens que sofrem influência do estilo e pontuar quais características seus textos apresentam. Ao longo dessa investigação, realizou-se uma revisão de questões a respeito do Jornalismo Gonzo, a influência do estilo criado por Thompson em diversas áreas artísticas, na literatura e na imprensa.

Palavras-chave: Jornalismo Gonzo. Hunter Thompson. Arthur Veríssimo.


ABSTRACT

The follow research intends to analyze the influence of Gonzo Journalism, created and represented by Hunter Thompson, in reports from the Brazilian Arthur Veríssimo. The goal is to identify what gonzo‟s influences and characteristics can be found in Veríssimo‟s writing for Trip Magazine. For this, ir was selected Arthur Veríssimos‟ texts and it was identified specific characteristics of style, in order to realize influences of Hunter Thompson‟s work. The methodology used was content analysis and it was based on the assumption that Arthur Veríssimo is a gonzo journalist as venturing in reports which are influenced by the style and to show which features his writings have. Throughout this investigation, we carried out a review of issues concerning the Gonzo Journalism, the influence of style created by Thompson in various artistic fields, in literature and press.

Key-words: Gonzo Journalism. Hunter Thompson. Arthur Veríssimo.


SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8

2

JORNALISMO GONZO .................................................................................. 10

2.1

ORIGENS DO JORNALISMO LITERÁRIO ..................................................... 10

2.2

O NOVO JORNALISMO ................................................................................. 12

2.3

O JORNALISMO GONZO E HUNTER THOMPSON ...................................... 17

3

INFLUÊNCIAS DO JORNALISMO GONZO .................................................. 27

3.1

NA LITERATURA ............................................................................................ 28

3.2

NO CINEMA ................................................................................................... 32

3.3

NA TELEVISÃO .............................................................................................. 33

3.4

NA IMPRENSA ............................................................................................... 33

3.5

NA MÚSICA .................................................................................................... 38

3.6

ILUSTRAÇÕES GONZO ................................................................................ 38

4

ANÁLISE ........................................................................................................ 40

4.1

METODOLOGIA ............................................................................................. 40

4.2

A REVISTA TRIP............................................................................................. 44

4.3

O REPÓRTER ARTHUR VERÍSSIMO ............................................................ 45

4.4

ANÁLISE DE CONTEÚDO ............................................................................. 47

4.4.1 Todo Arthur quer Serguei ............................................................................. 50 4.4.2 Capim Santo .................................................................................................. 54 4.4.3 Afuá Urgente ................................................................................................. 57 4.4.4 Ihhh, Deu Zebra! ........................................................................................... 60 4.4.5 Educação, garbo e elegância ....................................................................... 62 4.4.6 Significa?....................................................................................................... 64 4.4.7 Silvio Santos vem aí ..................................................................................... 66 4.4.8 Cabra cego .................................................................................................... 69 4.4.9 Famoso Quem ............................................................................................... 71 5

CONCLUSÃO ................................................................................................. 74


REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79 ANEXO A – Todo Arthur quer Seguei ........................................................................ 82 ANEXO B – Capim Santo ......................................................................................... 87 ANEXO C – Afuá Urgente ......................................................................................... 89 ANEXO D – Ihhh Deu Zebra! .................................................................................... 91 ANEXO E – Educação, garbo e elegância ................................................................ 92 ANEXO F – Significa? ............................................................................................... 95 ANEXO G – Silvio Santos vem aí ............................................................................. 99 ANEXO H – Cabra cego ......................................................................................... 101 ANEXO I – Famoso quem ....................................................................................... 102


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1 INTRODUÇÃO O Jornalismo Gonzo é conhecido por ser obra de um homem só, isso porque foi moldado pelo caráter peculiar e controverso do jornalista Hunter Thompson, criador e maior representante do estilo. Thompson foi ignorado por editoras durante anos, depois de descoberto inspirou fãs e imitadores que podem ter falhado ao tentar copiá-lo, o que faz pensar que não há como classificar outros autores e artigos como gonzo. Apesar de ser o principal autor, as peculiaridades narrativas do estilo de Thompson influenciaram jornalistas e escritores que utilizam características para a produção de seus trabalhos que podem ser considerados gonzo. Entre eles se destaca o jornalista brasileiro Arthur Veríssimo, conhecido pela vertente gonzo que permeia seus textos publicados na Revista Trip. Identificar quais as características do jornalismo gonzo, do pai e representante Hunter Thompson, podem ser encontradas em reportagens do jornalista brasileiro Arthur Veríssimo é o que norteia esta pesquisa. Considerado uma versão radical do Novo Jornalismo, o Jornalismo Gonzo surgiu no momento de ebulição da contracultura norte-americana, o que tornou Thompson um ícone na história e no jornalismo, por fugir as regras do modelo de jornalismo vigente, falar abertamente sobre atividades ilegais com drogas e, seus temas preferidos, como sexo, esportes e política. Pelo fato de o jornalismo gonzo não ser facilmente definido por características, ser um estilo sem regras, o gonzo jornalista deve redigir seus textos de forma instintiva, de acordo com o que ele busca, narrar em primeira pessoa baseado na experiência participativa, misturar a ficção e realidade, além de mostrar um alto nível de pequenos detalhes que ganham grandes dimensões pelas mãos do escritor. O jornalista Arthur Veríssimo se aventura no estilo gonzo e viaja pelo mundo em busca de reportagens que possam ter o olhar de quem vivencia e retrata cada experiência nos mínimos detalhes, fortemente baseados em suas pesquisas, imersão na pauta, apuração e seu papel de personagem-narrador. Os temas abordados nas matérias para a Revista Trip unem comportamento, música, cultura e personagens. Este trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro apresenta a história do jornalismo literário com base em autores como Tom Wolfe (2005), Edvaldo Pereira Lima (2004) e Vitor Necchi (2007), que foram fundamentais para compreender e


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introduzir o momento do Novo Jornalismo até o surgimento do Jornalismo Gonzo. André Czarnobai (2003), auxiliou no estudo do estilo gonzo e da vida e obra do seu principal autor, Hunter Thompson, além dos próprios livros do jornalista, que serviram para descobertas curiosas e importantes a respeito da sua vida e obra. No segundo capítulo é realizada uma análise com referência em obras do cinema, literatura, ilustração, música e imprensa que sustentam suas influências no jornalismo gonzo, autores como Jann S. Wenner e Joe Levy (2008), Felipe Pena (2006), Ralph Steadman (2008) e novamente André Czarnobai (2003), tiveram papel fundamental para a conceituação desta fase do trabalho. No capítulo final, para a estruturação da análise, foi abordada a técnica análise de conteúdo de Fonseca Junior (2010) e Bardin (1988, apud FONSECA JUNIOR, 2010), antes da análise propriamente dita, será apresentado o repórter Arthur Veríssimo e a Revista Trip. O objeto de estudo desta análise é composto por 9 reportagens do repórter Arthur Veríssimo realizadas ao longo de 1ano, no período de 13 de maio de 2011 a 17 de maio 2012, postadas no site da Revista Trip: "Todo Arthur quer Serguei" (VERÍSSIMO, 2011a); "Capim Santo" (VERÍSSIMO, 2011b); "Afuá urgente" (VERÍSSIMO, 2011c); "Ihhh Deu Zebra!" (VERÍSSIMO, 2011d); "Educação, garbo e elegância" (VERÍSSIMO, 2011e); "Significa?" (VERÍSSIMO, 2011f); "Silvio Santos vem aí" (VERÍSSIMO, 2011g); "Cabra Cego" (VERÍSSIMO, 2012a); "Famoso Quem" (VERÍSSIMO, 2012b). Estes textos foram apresentados individualmente para esclarecer o tema, contexto e características. Após, foi inserida a identificação através da categorização – pré-estabelecida no primeiro capítulo –, para que possamos chegar a uma conclusão se os textos apresentam características dentro do contexto do jornalismo gonzo e quais são elas, buscando as semelhanças e diferenças que aparecem no estilo.


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2 JORNALISMO GONZO O Jornalismo Gonzo surge em meados da década de 1960, nos Estados Unidos, justamente no momento de maior visibilidade do Jornalismo Literário. O presente trabalho inicia-se com um breve histórico do Jornalismo Literário, enfatizando o Novo Jornalismo e a vertente Jornalismo Gonzo, chamada por André Czarnobai de “filho bastardo do New Journalism” (CZARNOBAI, 2003)

2.1 ORIGENS DO JORNALISMO LITERÁRIO Jornalismo e literatura absorvem elementos um do outro desde o século 18, isso porque o elo com a escrita e a palavra é comum entre os dois. As formas de comunicação, reportagem e principalmente livros jornalísticos aproximam o jornalismo da literatura em função do avanço das técnicas narrativas em que os jornalistas se inspiravam para tornar suas histórias mais próximas da realidade. Segundo Wolfe (2005, p. 19), novas ideias começaram a fervilhar e os limites das reportagens especiais estavam abrindo espaço para um jornalismo que pudesse ser lido como um romance. “Nunca desconfiaram nem por um minuto que o trabalho que fariam ao longo dos dez anos seguintes, como jornalistas, roubaria do romance o lugar de principal acontecimento da literatura”, o que já poderia ser visto no realismo social do século 18. Na época, os romancistas desenvolviam características de longas e detalhadas pesquisas de campo para escrever e reproduzir textos com veracidade, o que mais tarde veio a aparecer nas reportagens e no jornalismo – a verossimilhança na hora de reportar acontecimentos. Num primeiro movimento, o jornalismo bebe na fonte da literatura. Num segundo, é esta que descobre, no jornalismo, fonte para reciclar sua prática, enriquecendo-a com uma variante bifurcada em duas possibilidades: a de representação do real efetivo, uma espécie de reportagem – com sabor literário – dos episódios sociais, e a incorporação do estilo de expressão escrita que vai aos poucos diferenciando o jornalismo, com suas marcas distintas de precisão, clareza e simplicidade. (LIMA, 2004, p. 178)

No século 19, essa relação entre jornalismo e literatura foi aperfeiçoada por autores do realismo social europeus, como Honoré de Balzac (1799 - 1850) e William Thackeray (1811 - 1863), e impulsionou um dos momentos de maior importância da cultura do século 20, com o surgimento de autores americanos como


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Ernest Hemingway (1899 - 1961) e William Faulkner (1897 - 1962), que deram continuação ao gênero literário e inspiraram autores responsáveis pela criação do Novo Jornalismo, que será apresentado ainda neste capítulo do trabalho. Lima exemplifica características de técnicas literárias utilizadas por Hemingway: Hemingway usava técnicas literárias normalmente ausentes da reportagem de então: estruturação cena a cena, diálogo, imagens, humor, ironia e personalização. Na condição de jornalista literário, Hemingway escreveu não ficção com o escopo amplo de um escritor de ficção e com um arsenal de artifícios literários comprovados. (LIMA, 2004, p. 190)

Segundo Lima (2004), a imprensa e a literatura confundiram conceitos até o século 20, quando diversos jornais começaram a falar de arte literária em seus cadernos alternativos. Para Necchi (2007), a reportagem literária ultrapassa o ponto de vista óbvio retratado a partir da realidade de uma pauta, os autores de textos não ficcionais fazem uso de recursos da literatura e podem atuar como observadores ou se inserir na ação, e, diante dessa nova opção, pode-se abandonar as amarras do lead no jornalismo e trabalhar a profundidade dessa vertente. Profunda observação, imersão na história a ser contada, fartura de detalhes e descrições, texto com traços autorais, reprodução de diálogos e uso de metáforas, digressões e fluxo de consciência – a gama de recursos é ampla para que a realidade seja expressa de maneira elaborada sob os mais variados aspectos. (NECCHI, 2007, p.5)

É comum tratar jornalismo literário e Novo Jornalismo como sendo o mesmo fenômeno, isto porque essa vertente é considerada a mais expressiva do jornalismo literário em função do seu surgimento na década de 1960, no momento forte em que a contracultura possibilitava muitos questionamentos sobre instituições, sociedade, governo e a liberdade de expressão. Na época, as pessoas tentavam se recuperar do trauma que a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) havia deixado em suas vidas e países. Isso possibilitou a abertura de um ciclo de mudanças. Os hippies pregavam paz, amor e sexo livre. Filosofias de vida e espiritualidade, principalmente orientais, ganhavam adeptos. Olhares se voltavam novamente para a literatura beatnik e seus autores Jack Kerouac, William Burroughs e Allan Ginsberg, que na década anterior diferenciavam-se por evitar padrões formais de texto e desenvolverem diferentes abordagens de temas. O impacto se deu no modo de fazer jornalismo, que veio a se alimentar de um estilo literário e não ficcional na


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escrita, baseado na realidade para relatar os fatos, foi quando surgiram obras de autores como Truman Capote, Norman Mailer, Gay Talese e Tom Wolfe (NECCHI, 2007). A preocupação do Jornalismo Literário, então, é contextualizar a informação da forma mais abrangente possível – o que seria muito mais difícil no exíguo espaço de um jornal. Para isso, é preciso mastigar informações, relacioná-las com outros fatos, compará-las com diferentes abordagens e, novamente, localizá-las em um espaço temporal de longa duração. (PENA, 2008, p. 14)

2.2 O NOVO JORNALISMO O Novo Jornalismo, também chamado de New Journalism, foi um movimento jornalístico – que Tom Wolfe recusa-se a chamar de movimento – surgido no começo da década de 1960 nos Estados Unidos. Considerado o momento mais expressivo do Jornalismo Literário, Wolfe descreve o Novo Jornalismo como: Descoberta de que é possível na não ficção, no jornalismo, usar qualquer recurso literário, dos dialogismos tradicionais do ensaio ao fluxo de consciência, e usar muitos tipos diferentes ao mesmo tempo, ou dentro de um espaço relativamente curto [...] para excitar tanto intelectual como emocionalmente o leitor. (WOLFE, 2005, p. 28)

Os chamados maneirismos de Wolfe, como travessões, itálicos, pontos e exclamações, eram considerados pelo próprio justamente a chance de fazer algo novo no jornalismo, a oportunidade de explorar possibilidades e experimentar, como afirma Czarnobai: Outra característica marcante nos textos do New Journalism é o uso de figuras de pontuação pouco convencionais no jornalismo, como reticências e exclamações, além de interjeições, onomatopéias e palavras sem sentido. (CZARNOBAI, 2003, p15)

Como mostra Pena (2005), Tom Wolfe usou uma definição para expressar a diferença entre jornalismo tradicional e o Novo Jornalismo americano que busca evitar o tom bege pálido que caracteriza a “imprensa objetiva”. Isto é, o jornalista não precisa seguir rigorosamente o manual de redação. Wolfe, autor do manifesto The New Journalism escrito em 1973, apontou quatro características básicas para escrever uma reportagem do gênero:

a) reconstruir a história cena a cena;


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b) registro de diálogos completos; c) apresentar as cenas pelos pontos de vista de diferentes personagens; d) registrar gestos, hábitos, costumes, comportamento, formas de expressão e demais características dos personagens.

No início da década de 1960, os Estados Unidos encontravam-se no ápice da contracultura, a atenção estava voltada aos valores sociais e humanitários. No jornalismo, buscava-se a diferença nas reportagens que seguiam o modelo básico do lead, pois as redações compartilhavam dois tipos de jornalista conforme Czarnobai (2003), os que se faziam responsáveis por conseguir “os furos de reportagem” e os “gênios da reportagem”, chamados por Wolfe (1976, p.12) de “especialistas em reportagem”. Os especialistas em reportagem, segundo Lima (2004), foram muito importantes para dar visibilidade ao Novo Jornalismo. Já os jornalistas de “furos de reportagens” alcançaram o que queriam noticiar, mas era perceptível a insatisfação com a objetividade jornalística, “expressa na famosa figura do lead, uma prisão narrativa que recomenda começar a matéria respondendo às perguntas básicas do leitor” (PENA, 2006, p. 53). Essa frustração que começou a se abater entre jornalistas na época impulsionou o crescimento do Novo Jornalismo em publicações como Herald Tribune, Daily News, The New York Times, New York Herald Tribune, The New Yorker e Esquire, até chegar ao formato de livroreportagem, com a clássica A sangue frio, de Truman Capote, em 1966, que antes disso havia sido publicada na revista The New Yorker, em 1965. Antes ainda da década de 1960, alguns textos já experimentavam os passos que o Jornalismo Literário daria até chegar ao Novo Jornalismo. Tom Wolfe, entre outros autores, no prefácio de sua antologia, atribui à reportagem Joe is home now – escrita por Hersey em 1944 – o início/a estreia/a inauguração do estilo. Escrito no mesmo ano por Hersey, “Survival”, uma matéria que trata do relato de sobreviventes do naufrágio de um barco no Pacífico Sul, é considerada por outros autores como a primeira obra do Novo Jornalismo. Mas foi Hiroshima também de Hersey, a considerada mais célebre reportagem do Novo Jornalismo e de “grande influência sobre outros autores da New Yorker, como Truman Capote e Lilian Ross...” (WOLFE, 2005, p. 75). “Hiroshima” foi publicada primeiramente na revista The New Yorker em agosto de 1946, um ano após o lançamento da bomba atômica na cidade de Hiroshima pelos norte-americanos, chocando os leitores na época. Hersey


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trabalhou em uma apuração baseada na história de seis sobreviventes da tragédia durante seus 17 dias de permanência no Japão, como conta Necchi: A publicação original provocou um choque. Abalou seus leitores porque apresentou o relato minuncioso de como uma cidade e quase 250 mil pessoas acabaram dizimadas. Abalou porque não se ocupou com questões técnicas da bomba nem revelou alguma novidade, mas contou histórias singulares de seis sujeitos, seis sobreviventes. A humanização que brotou do texto desnudou para os Estados Unidos o horror que haviam cometido. (NECCHI, 2007, p. 2)

Segundo Pena (2006), alguns historiadores consideram Daniel Defoe o primeiro jornalista moderno, pois em 1725 produziu uma série de reportagens policiais que misturavam literatura e jornalismo, e utilizava técnicas narrativas de romance para tratar de fatos reais. O termo Novo Jornalismo já havia sido utilizado em 1887, mas apresentado de “forma jocosa para desqualificar o britânico WT Stead, editor da Pall Mall Gazette” (PENA, 2006, p.52). Podemos então perceber que o Novo Jornalismo como ficou conhecido, foi cunhado por Hersey, articulado por Wolfe e praticado por diversos outros escritores. Truman Capote, escritor de romance de não ficção – como o mesmo preferia ser chamado –, utilizou técnicas do jornalismo literário para escrever o perfil de Marlon Brando, chamado “O Duque em seus Domínios”. Capote ficou tão próximo do ator que esqueceram sua função de jornalista e tornaram-se amigos, o que deu maior liberdade de interpretação e auxiliou no texto minimalista por parte de escritor. Na reportagem “A sangue frio”, o jornalista se inseriu durante cinco anos na cidade de Holcomb, interior dos Estados Unidos, para contar o caso do assassinato de uma família de fazendeiros, um crime brutal que abalou a região. Antes de ser editado em livro em 1966, os últimos quatro capítulos da publicação de Capote saíram na revista The New Yorker. Em 1962, Gay Talese escreveu a reportagem-perfil sobre o exlutador de peso pesado Joe Louis e um perfil de Frank Sinatra sem ao menos conversar com o artista, mas mantendo relações estreitas com todos que cercavam a vida do cantor. Joseph Mitchel escreveu O Segredo de Joe Gould baseado no convívio por mais de 20 anos com as histórias e “cadernos” de Joe Gould. Wolfe e Talese, impulsionados pela intensidade, detalhamento e maior tempo para aprofundar informações com as fontes, ultrapassaram os limites convencionais do jornalismo, como descreve Wolfe (2005 p. 37): “[...] tinham desenvolvido o hábito de passar dias, às vezes semanas, com as pessoas sobre as quais escreviam.


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Tinham de reunir todo o material que o jornalista convencional procurava – e ir além”. Com certeza não tinha nada a ver com o trabalho de nenhum outro escritor. E, no entanto, acredito que os jornalistas e literatos que se enfureceram foram sinceros. Acho que olharam o trabalho que uma dúzia ou mais de escritores, Breslin, Talese e eu entre eles, faziam para o New York e a Esquire e ficaram perplexos, tontos... Isso não pode estar certo... Essa gente deve estar chutando, improvisando, inventando o diálogo [...] Em resumo, eles precisavam acreditar que a forma nova era ilegítima... uma “forma bastarda”. (WOLFE, 2005, p. 43)

As críticas e o rótulo da negação afirmavam que essa era a nova “forma bastarda” de fazer jornalismo. Elas vinham de chefes da literatura e conservadores do tradicional jornalismo (WOLFE, 2005). A primeira indicação da não ficção como uma forma artística séria apareceu no artigo escrito por Dan Wakefield na Atlantic, em junho de 1966, chamado “The personal voice and the impersonal eye”. Wakefield atribuía o novo prestígio da não ficção a dois livros de um tipo inteiramente diferente: A sangue frio, de Truman Capote, e uma coletânea e artigos de revista com um título que era um pentâmetro trocaico, o qual, tenho certeza que lembraria se fizesse um esforço. [...] A história de Capote, contando a vida e a morte de dois vagabundos que estouraram as cabeças de uma rica família rural de Kansas, foi publicada em capítulos na The new Yorker, no outono de 1965, e saiu em forma de livro em fevereiro de 66. Foi uma sensação – e um baque terrível para todos os que esperavam que o maldito Novo Jornalismo ou Parajornalismo se esgotasse como uma moda. (WOLFE, 2005, p. 45)

Após o trabalho meticuloso que causou espanto e levou ao sucesso o livro A sangue frio, de Capote, o Novo Jornalismo ganhou profissionais que buscavam uma “reportagem abrangente que permite que se retratem cenas, diálogos extensos, status de vida e vida emocional, além dos dados usuais do ensaio-narrativa” (WOLFE, 2005, p. 82). Começaram a surgir reportagens extraordinárias feitas por repórteres que ousavam para conseguir se aproximar de fontes e ambientes. Foi então que Hunter S. Thompson, um repórter freelancer, surgiu com a reportagem “Hell‟s Angels: medo e delírio sobre duas rodas”, escrita durante os 18 meses em que viveu com o grupo de motociclistas chamado Hell‟s Angels, que na época assustava a sociedade americana com suas motos, vestimentas e atitudes violentas.


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Os Angels escreveram o último capítulo para ele ao espancá-lo quase até a morte numa casa à beira da estrada, a oitenta quilômetros de Santa Rosa. Ao longo de todo o livro Thompson havia procurado um insight único que resumisse tudo o que tinha visto [...] A frase que procurava lhe veio num flash do coração das trevas: “Exterminem os brutos todos!”. (WOLFE, 2005, p. 47)

Reconhecido como o momento mais expressivo do Jornalismo Literário, a vertente Novo Jornalismo não é a única manifestação do jornalismo literário. Algumas características como ficção e factualidade também podem ser encontradas no Jornalismo Gonzo. Com certeza, hoje é possível perceber três categorias de obras quanto ao emprego de recursos literários: as puramente de ficção, que tratam dos produtos do imaginário elaborados pelo escritor; as jornalísticas, que se apropriam dos recursos literários apenas para reportar melhor a realidade; e as que mesclam a ficção e o factual. (LIMA, 2004, p. 180)

De acordo com as características descritas por Lima (2004), podemos dizer que o Novo Jornalismo é facilmente enquadrado na segunda definição, já o Jornalismo Gonzo poderá transitar entre a segunda e a terceira – pois apresenta as características de subjetividade ao definir a ficção e a realidade, e faz uso da narração em primeira pessoa – a imersão do repórter na pauta, para reportar a realidade e dar maior verossimilhança aos fatos. Pena (2008) fala que o jornalismo gonzo é uma versão mais radical do Novo Jornalismo e que Thompson “levou até as últimas gotas de sangue o seu estilo de reportagem, caracterizado por um envolvimento pessoal com a ação que estava descrevendo, sem medir as consequências, por mais perigosas que fossem”. Pena também cita uma outra definição para o jornalismo gonzo: Consiste no envolvimento profundo e pessoal do autor no processo da elaboração da matéria. Não se procura um personagem para a história; o autor é o próprio personagem. Tudo que for narrado é a partir da visão do jornalista. Irreverência, sarcasmo, exageros e opinião também são características do Jornalismo Gonzo. Na verdade, a principal característica dessa vertente é escancarar a questão da impossível isenção jornalística tanto cobrada, elogiada e sonhada pelos manuais de redação. (PENA, 2008, p. 57)


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2.3 O JORNALISMO GONZO E HUNTER THOMPSON

O Jornalismo Gonzo nasceu no meio das inquietações do Novo Jornalismo e auge da contracultura norte-americana. Hunter Thompson, criador dessa vertente do Novo Jornalismo, é considerado o único que conseguiu levar seus textos carregados de características gonzo, como a imersão do repórter na pauta e a subjetividade da distinção entre a veracidade e ficção, até o final de seus dias. Segundo Timothy Ferris, na apresentação do livro Reino do Medo, de Hunter Thompson, apesar de o autor ter sido ignorado pelas editoras durante anos, quando descoberto inspirou fãs e imitadores que falharam ao tentar copiá-lo. Seu estilo de vida peculiar e controverso, por utilizar bebidas e comprimidos para se estimular, e tratar o tema do uso de drogas de maneira diferente - apesar de ter feito o uso de mescalina e LSD ele mantinha certa distância dessas substâncias - foi fundamental para originar uma nova maneira de fazer jornalismo, chamado por Czarnobai (2003) de o “filho bastardo do gonzo jornalismo” e considerado por Wolfe um extremo do Novo Jornalismo. Criador e principal representante de uma modalidade de jornalismo literário denominada Gonzo Journalism, Thompson propôs a transposição da barreira essencial que separa o jornalismo da ficção: o compromisso com a verdade. Também chamado de jornalismo fora-da-lei, jornalismo alternativo e cubismo literário, o gênero inventado por Thompson tem sua força baseada na desobediência de padrões e no desrespeito de normas estabelecidas, além da insistência em quatro grandes temas: sexo, drogas, esporte e política. (CZARNOBAI, 2003,p.26)

Autor e estilo se confundem tanto que definitivamente não há como falar de Jornalismo Gonzo sem associar ao seu criador Hunter Thompson. Hunter Stockton Thompson nasceu em 18 de julho de 1939, apesar de ser uma data incerta, pois algumas biografias registram o nascimento em 1937, em Louisville, Kentucky, estado localizado na parte sul dos Estados Unidos. Thompson cresceu com pai e mãe alcoólatras, mas descreve no livro Reino do Medo (THOMPSON, 2007, p. 31) que eram pessoas de bem e foi criado da mesma maneira que seus amigos “para acreditar que a Polícia era nossa amiga e protetora”. Não demorou muito para ele entrar em contato com bebida, política, guerra e medo. Aos quatro anos de idade, já compartilhava com o pai o hábito de ouvir notícias no rádio sobre a Segunda Guerra Mundial, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor. Segundo Thompson, esses momentos entre um gole e outro de uísque com o pai acabaram se tornando “o


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ponto alto do meu dia, e logo me viciei nesses momentos. Nunca eram especialmente felizes, mas eram sempre excitantes” (THOMPSON, 2007, p. 67). Thompson conta como seu pai o influenciou em interesses como velocidade, patriotismo e como encarar o medo: Considero o medo meu amigo, mas não sempre. Nunca dê as costas ao Medo. Ele deve estar sempre à sua frente, como algo que pode precisar ser abatido. Meu pai me ensinou isso, junto com algumas outras coisas que mantiveram minha vida interessante. Quando lembro dele agora, penso em carros velozes, japoneses cruéis e agentes mentirosos do FBI. (THOMPSON, 2007, p.67)

Na infância hiperativa de Thompson, ele já dava sinais de seus interesses por armas e violência nas brincadeiras, gastava sua energia em fins violentos e destrutivos. Era conhecido na vizinhança por atirar pedras e usar armas de pressão. O interesse por armas acompanhou Thompson ao longo de sua vida. A escrita também apareceu cedo na vida de Thompson. Aos oito anos de idade foi convidado pelo amigo Walter Kaegi Jr. a escrever sobre as batalhas da Guerra Civil NorteAmericana para um jornal de bairro chamado Southern Star (CZARNOBAI, 2003). Ainda criança, Thompson teve seu primeiro contato com o FBI. Aos nove anos, dois agentes foram à casa do garoto acusando-o de ser o principal suspeito de um crime federal que o levaria a uma sentença de cinco anos de prisão. Os agentes aterrorizaram seus pais dizendo que ele tinha derrubado uma Caixa Postal Federal na frente de um ônibus em alta velocidade. O fato era verdade, mas obviamente Thompson não admitiu para o FBI. O menino questionou os agentes, que não souberam dizer quem o havia denunciado. Diante dos questionamentos até de seu pai, os agentes acabaram indo embora, Thompson não precisou responder pela acusação e nem ir preso pelo crime e a Caixa de Correio foi colocada novamente no local. Para o jornalista, ficou uma lição diferente da que havia sido ensinada pelos seus pais anteriormente e que o influenciou no gonzo jornalismo, que não se deve acreditar fielmente em uma primeira acusação vinda de agentes do FBI, você pode ser inocente, eles podem estar equivocados ou não ter provas do crime: Jamais acredite na primeira coisa que um agente do FBI lhe disse sobre qualquer coisa – principalmente se ele parece acreditar que você é culpado de um crime. Talvez ele não tenha provas. Talvez esteja blefando. Talvez você seja inocente. Talvez. A Lei pode ser obscura a respeito dessas coisas... Mas é uma jogada que definitivamente vale a pena. (THOMPSON, 2007, p. 36)


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Os interesses na infância influenciaram os temas abordados nas reportagens de Thompson. Para o autor, escrever sobre o que se conhece torna a produção do texto muito mais fácil, por isso o uso da primeira pessoa, do autor vivendo os fatos no Jornalismo Gonzo. Até os 15 anos, Thompson foi um esportista, tendo participado e criado vários times de baseball e basquete. Na mesma época da morte de seu pai, vítima de embolia cerebral, Thompson se aventurava em uma vida desregrada com tendência autodestrutiva. Após, ele foi trabalhar em uma loja de doces onde mais comia do que vendia, acabou ganhando peso e teve que sair do time Castlewood (GIANNETI apud CZARNOBAI, 2003). Thompson seguiu escrevendo sobre esportes para o Southern Star. Mais tarde, o principal evento de turfe norte-americano, o Kentucky Derby, originou sua primeira reportagem gonzo. Apesar de uma boa infância, ele relatou o quanto sofreu com perseguições durante o colegial, o que acabou levandoo a uma noite da cadeia no dia da formatura. Recordo minha infância com grande carinho, mas eu não a recomendaria como um modelo de sucesso aos outros. Na verdade, já foi sorte ter sobrevivido a ela: fui caçado & perseguido durante a maior parte de minha trajetória no colégio por um Supervisor de Liberdade Assistida cruel & pervertido que envenenou minha muito admirada vida social e acabou me colocando na cadeia na noite da formatura da minha classe. (THOMPSON, 2007, p.71)

Aos 17 anos Thompson foi acusado de estupro e foi condenado a sessenta dias de prisão. Na época, menor de idade não tinha direito a fiança, mas um mês depois completou dezoito anos, pagou a fiança e foi liberado. A lição que aprendi naqueles trinta dias de prisão foi jamais retornar para lá. Ponto. Não era Necessário. Meus companheiros de prisão tinham me chamado de “O Presidente”, e lindas garotas foram me visitar nas tardes de quinta-feira, mas eu tinha juízo suficiente para não sentir nenhum orgulho disso. (THOMPSON, 2007, p. 74)

Depois do episódio na prisão, Thompson, em liberdade, se alistou na Força Aérea e foi encaminhado a base do Eglin. Durante o tempo que esteve lá, por volta de 1975, escreveu o jornal da base Command Courrier e para publicações externas – o que era proibido, deixando alguns comandantes furiosos, mas entusiasmando


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soldados que admiravam suas matérias. Além disso, chegou a exercer o cargo de editor de esportes na publicação militar. (THOMPSON, 2007) O jornalista considerado fora-da-lei mantinha até mesmo no exército seus velhos hábitos com bebidas e sexo. Mesmo assim, conseguiu ser dispensado com direito a honras de Eglin. Ao ser liberado, teve aulas de contos na Universidade de Columbia, em Nova York, quando trabalhou de copiador na revista Time e em um pequeno jornal da região, em seguida foi demitido de ambos. Morou em Porto Rico para escrever sobre boliche na revista El Sportivo. Isso ocorreu um pouco depois de ter aceitado o convite feito pela National Observer, em 1960, para ser correspondente durante dois anos na América Latina (CZARNOBAI, 2003). Ao retornar para os Estados Unidos, em 1962, percorreu toda a costa do país fazendo a cobertura de festivais de música e assuntos de interesse público para a National Observer. Por incluir política em suas reportagens, Thompson teve algumas relações atrapalhadas. A sua insistência em acrescentar conteúdo político às matérias contribuiu para que ele fosse designado para resenhar livros, mas antes disso os atritos com o National Observer começaram a se agravar com a recusa do jornal em publicar um tributo ao presidente Kennedy. Por fim, Thompson demitiu-se do National Observer quando recusou-se a escrever um artigo sobre o livro de Tom Wolfe The Kandy-Colored Tangerine Flake Streamline Baby. (CZARNOBAI, 2003,p.28)

Voltando aos Estados Unidos, Thompson trabalhou na Observer e escreveu dois romances, Prince Jellyfish e Rum: Diários de um jornalista bêbado. Esse último ficou guardado durante quase 40 anos. Publicado em 1998, foi a primeira experiência do autor na ficção. O livro trata de um jornalista que se muda para Porto Rico para trabalhar no Daily News, com a intenção de fugir da correria de Nova York. Rum mostra o olhar do protagonista-jornalista sobre a cultura e política de um país completamente desconhecido por ele, a situação dos porto-riquenhos que emigravam para os Estados Unidos e de jornalistas que deixavam suas cidades de origem para ganhar dinheiro trabalhando como correspondentes em outros países. Apesar de ser considerada ficção e não jornalismo gonzo, essa obra apresenta princípios defendidos por Thompson sobre o jornalismo ideal, a imersão na reportagem e a participação do repórter na notícia para entendê-la por completo para poder retratá-la. Percebe-se que o gosto pelo jornalismo, mulheres e rum é comum entre o protagonista e Thompson. A partir de então o jornalista, influenciado


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pelo escritor Hemingway, começa a dar passos do que viria a ser o gonzo jornalismo. Neste livro, aparece pela primeira vez a figura do alter ego de Thompson – o jornalista Paul Kemp – utilizado como recurso literário. O alter ego mais conhecido do escritor apareceu no livro-reportagem Medo e Delirio em Las Vegas, o chamado Raoul Duke. Utilizando a técnica de imersão total na pauta, Thompson decidiu viver durante 18 meses com os Hell‟s Angels, uma gangue de motociclistas que percorria os Estados Unidos na década de 1960. Os Angels não tinham uma boa reputação no país e isso piorou depois que o secretário de Segurança da Califórnia, Thomas C. Lynch, os considerou uma ameaça. Na imprensa, os principais meios de comunicação publicavam matérias sensacionalistas baseadas nos relatórios feitos por Lynch, que ficou conhecido Lynch Report, que os mostrava como baderneiros e vândalos, além de atribuir a eles denúncias de consumo de drogas, brigas e estupro. Thompson resolveu questionar esse relatório e não defendê-los, mas mostrar a veracidade dos fatos e mostrar os dois lados da história. A idéia de Thompson era mostrar às pessoas até que ponto o Lynch Report se baseava na realidade, comparando trechos do relatório com as suas experiências na convivência com o grupo. (CZARNOBAI, 2003,p.29)

Nos 18 meses em que Thompson conviveu com os Angels, praticou todas as atividades, legais ou ilegais, que eles faziam. Foi quando teve o primeiro contato com o LSD, além de outras drogas que já havia experimentado. Chegou até a levar uma surra de alguns membros do Hell‟s Angels. Em 1965, um artigo do jornalista sobre os Hell‟s Angels foi publicado na revista Nation, até que em 1967 saiu a publicação do livro Hell’s Angels – Medo e Delírio Sobre Duas Rodas. Hell’s Angels deu ênfase a carreira gonzo de Thompson, e pelo fato de mostrar os dois lados da história e deixar que os leitores tivessem suas próprias opiniões a respeito dos motociclistas, o livro é considerado a sua obra mais próxima do Novo Jornalismo. Hell's Angels provavelmente é o único livro de Thompson que poderia ser chamado de new journalism [...] é o primeiro – e único – livro no qual Hunter mantém um estilo controlado de se expressar, no sentido de "escritura nãogonzo". (OTHITIS,1994, apud CZARNOBAI, 2003, p. 31)

A visibilidade que Thompson ganhou foi de grande importância para iniciar o trabalho com o Jornalismo Gonzo. A fama e o reconhecimento como escritor o


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tornou um ícone da contracultura mundial. A primeira reportagem gonzo de Thompson aparece na edição de junho de 1970 da revista esportiva Scanlan’s Monthly. Enviado para cobrir o evento esportivo mais importante de Louisville, o Kentucky Derby, Thompson encontra o ilustrador Ralph Steadman, passa dias bebendo e esquece da corrida. É quando ele acaba escrevendo uma análise desfavorável sobre a população americana que lá vivia e como eram suas vidas. Thompson é o personagem principal e guia o leitor nas análises ácidas, abandona a imparcialidade e se mistura aos fatos, característica que veio a se tornar presente em todas as obras do escritor. O “Kentucky Derby é decadente e degenerado”, é o primeiro texto gonzo da história do jornalismo. Após ler o texto, Bill Cardoso, jornalista e amigo de Thompson, escreveu uma carta dizendo: “Eu não sei que porra você está fazendo, mas você mudou tudo. É totalmente gonzo” (CARROLL apud OTHITIS apud CZARNOBAI, 2003, p.31). Para chegar mais próximo da informação verdadeira, Thompson busca a verossimilhança, mesmo ela sendo extremamente flexível. A reportagem gonzo é diferente do que se vê no jornalismo rotineiro: com a imparcialidade, objetividade e impessoalidade na hora de construir a informação. O jornalista gonzo ultrapassa os limites procurando o retrato mais fiel da cena que participa, se intromete, é subjetivo, se faz presente no texto e, se precisar deixar a notícia mais verossimilhante, recorre a técnicas literárias. Jornalismo Gonzo consiste no envolvimento profundo e pessoal do autor no processo da elaboração da matéria. Não se procura um personagem para a história; o autor é o próprio personagem. Tudo que for narrado é a partir da visão do jornalista. Irreverência, sarcasmo, exageros e opinião também são características do Jornalismo Gonzo. Na verdade, a principal característica dessa vertente é escancarar a questão da impossível isenção jornalística tanto cobrada, elogiada e sonhada pelos manuais de redação. (PENA, 2006, p.57)

A apuração dos fatos é o grande diferencial do Jornalismo Gonzo em função do repórter ser o personagem principal. Para Thompson, o verdadeiro gonzo jornalista deveria ter o “talento de um grande jornalista, o olho de um fotógrafo, e os culhões de um ator” (THOMPSON, 2004, p.47), ou seja, viver a ação e reportá-la com detalhamento ímpar. Na reportagem “Medo e Delirio em Las Vegas – uma jornada selvagem ao coração do sonho americano”, Thompson ganhou a fama do gonzo jornalista. Convidado pela Sports Ilustrated para cobrir a corrida de motos Mint 400 no deserto


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de Nevada, ele e seu advogado samoano Oscar Zeta Acosta, no livro chamado Dr. Gonzo, pegam a estrada rumo a Las Vegas num conversível vermelho cheio de todos os tipos de drogas, um gravador sensível e a ideia de descobrir o sonho americano. Como já havia feito antes, a corrida foi deixada de lado e Thompson se esbaldou no universo fascinante e louco de Las Vegas para realizar uma profunda análise sociológica dos viciados em jogos e degenerados que perambulam pelos cassinos e ruas de Nevada. Neste livro, o seu alter ego Raoul Duke aparece de forma mais marcante pela primeira vez. O artigo foi recusado pela Sports Ilustrated, mas aproveitado em duas edições da revista Rolling Stone de 1971, o que depois o transformou no livro-reportagem mais famoso do autor e um clássico da contracultura norte-americana. Apesar do sucesso e do status que o livro trouxe a Thompson, ele considerou o trabalho um fracasso como Gonzo Jornalismo. Isto porque a meta do autor era anotar tudo o que acontecia em um grande caderno e enviá-lo para a revista, sem edição alguma. E agora, seis meses depois, esta coisa horrível está pronta. E eu gosto dela – apesar de ter fracassado no que eu estava tentando fazer. Este livro não funciona nem um pouco como o verdadeiro jornalismo Gonzo – e, mesmo que funcionasse, eu não poderia admitir isso de jeito nenhum. (THOMPSON, 2004, p. 48)

A fama de Medo e Delírio deu origem a dois filmes baseados em textos de Thompson. Um em 1980, chamado Where The Buffalo Roam, com Bill Murray no papel do jornalista, e outro em 1998 com Johnny Depp interpretando Hunter Thompson e direção de Terry Gilliam em Fear and Loathing in Las Vegas, com tradução Medo e Delírio em Las Vegas. Em 2012, Johnny Depp está presente na adaptação para o cinema do livro Rum: Diário de um jornalista bêbado, no papel de Paul Kemp. O filme é dirigido por Bruce Robinson, que também assina a adaptação do roteiro. O estilo gonzo de Thompson continuou aparecendo nas revistas Rolling Stone, Playboy e São Francisco Chronicle. Também publicou em veículos mais conservadores como Esquire e Vanity Fair. Em 1972, escreveu uma série de reportagens para a Rolling Stone sobre a campanha presidencial, o que originou mais uma saga de medos e delírios: “Fear and Loathing on the Campaing Trail '72”, texto que criticava brutalmente candidato Richard Nixon. Uma das últimas reportagens foi “The Curse of Lono”, sobre a Maratona de Honolulu, que mais uma


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vez mostra o desvio do foco principal e acaba tratando do folclore local. A Grande Caçada aos Tubarões trata-se da reunião dos melhores artigos publicados em revistas, e, Generation of Swine, coletânea de suas colunas enquanto crítico de mídia no San Francisco Examiner. Em 2003, foi lançado o livro Reino do Medo, autobiografia de Hunter Thompson concluída dois anos antes de seu suicídio, com criticas ao governo Bush e uma grande reflexão sobre sua história. Estes são alguns dos livros assinados por Thompson. Em meados de 1970, Thompson distanciou-se das pessoas e mudou-se para sua fazenda, Owl Farm, em Woody Creek, Colorado. Continuou escrevendo artigos para jornais e revistas, mas aos poucos foi vivendo cada vez mais sozinho nas montanhas. Em 1991, passou por mais uma situação com a polícia, acusado de assédio sexual. Depois disso, ainda foi preso por porte de drogas e acabou inocentado, pois a polícia havia invadido sua casa ilegalmente. Escreveu uma coluna semanal no site da emissora de tevê a cabo ESPN. Fez duras críticas ao governo Bush e refletiu sobre sua história em o Reino do Medo, em 2003. Hunter Thompson se suicidou com um tiro na cabeça em 20 de fevereiro de 2005. O jornalista deixou um bilhete revelando que sentia fortes dores na região da bacia após uma cirurgia e o quanto estava abatido, desacreditado com a sociedade. Suas cinzas foram lançadas ao céu em um pequeno foguete na forma do símbolo Gonzo, que aparece em alguns de seus livros, a cerimônia bancada pelo seu amigo Johnny Depp, que interpretou o personagem Raoul Duke na adaptação do livro Medo e Delírio em Las Vegas para o cinema. O estilo de Thompson, conhecido por ir contra uma política nacional repressiva, repudiar a moral e trazer à tona aspectos reais dentro de uma ficção que confunde à primeira vista, além de usar deliberadamente ironia, sarcasmo e humor, foi fundamental para criar o jornalismo gonzo. Algumas características do jornalismo gonzo presentes na obra de Hunter Thompson são citadas por André Czarnobai (2003) com referência nas sete características de Othitis (OTHITIS apud CZARNOBAI, 2003), autora que afirma Thompson como o único jornalista gonzo que existiu:

a) Captação participativa. Quando o gonzo jornalista vivencia a experiência na busca de mais informações. Transforma-se no personagem-narrador e acaba interferindo na história.


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b) Ficção e realidade. O uso de personagens e situações ficcionais para aumentar o nível de informações apresentado ao leitor e dar maior dramaticidade à cena descrita, sem expressar a diferença entre ficção e realidade.

c) Drogas e bebidas. Apesar de não regra o uso de drogas para que um texto seja considerado Gonzo, o abuso de drogas e também de bebidas alcoólicas é recorrente na obra de Thompson. O fato do uso abusivo de drogas no livro Medo e Delírio contribui para que se acredite, erroneamente, que o Jornalismo Gonzo é apenas um formato de reportagem feito sob o efeito de drogas.

d) Narração em primeira pessoa. Em função da captação de dados ser feita de forma participativa, o uso da primeira pessoa imprime legitimidade às histórias contadas pelo Gonzo jornalista, o que torna o trabalho um "jornalismo confessional".

e) Citações famosas. Por ser muito utilizado por Thompson esse recurso com citações de músicas ou autores famosos, serve para situar o leitor no ritmo da narrativa e oferecer uma prévia do que encontrará nas páginas a seguir.

f) Fuga do assunto principal. A tendência que Thompson tem de mudar de um assunto para outro como uma tentativa de escrever sobre aquilo que ele acredita que os seus leitores querem ler. A maioria das suas reportagens apresenta no início do trabalho a tarefa de cobrir determinado tema para a imprensa tradicional, mas Thompson acaba se deixando levar a escrever sobre o componente humano presente na história.

g) Sarcasmo e ironia. O sarcasmo está presente na maior parte do tempo nas obras de Thompson. O humor em Thompson brota do absurdo, irônico e idiota, tanto em coisas que as pessoas dizem quanto em situações em que ele se coloca.

h) Descrição extrema das situações. Observador rigoroso, Thompson percebe os pequenos detalhes que fogem à atenção da maioria das pessoas e aplica-os à sua escrita de duas formas. Em uma delas, se apresenta discretamente. Na outra, consegue expor todos os detalhes pertinentes a um objeto ou pessoa em duas ou


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três frases, enquanto cria uma representação visual muito forte do que está descrevendo. Como em Medo e Delírio, o carro não é um conversível vermelho, mas um "Grande Tubarão Vermelho".

Diferente de outras práticas de jornalismo, o jornalismo gonzo não é facilmente definido com características. Segundo Czarnobai (2003), o formato de uma reportagem gonzo pode ser definido somente de acordo com o que busca o escritor, o foco para construir a narrativa está na experiência participativa do autor e pequenos detalhes que parecem menos importantes, mas acabam ganhando uma dimensão exagerada. Apesar de Thompson ser o principal autor nesse estilo e criador de conceitos e princípios, não existem regras no jornalismo gonzo. O gonzo jornalista mistura fato e ficção, redige seus textos de forma instintiva.


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3 INFLUÊNCIAS DO JORNALISMO GONZO Hunter Thompson foi o criador e maior representante do jornalismo gonzo, mas sempre apareceram imitadores e fãs que tentaram copiá-lo sem sucesso, segundo Timothy Ferris, “todos falharam terrivelmente, claro; ninguém escreve como Hunter” (THOMPSON, 2007, p. 13). Em uma entrevista à revista Rolling Stone em 28 de novembro de 1996, quando questionado sobre o que dizer aos que buscavam se tornar escritores, Thompson contou sobre o início de sua carreira que foi praticamente baseada e influenciada por autores como Hemingway e Faulkner: Eu acho que uma das coisas nas quais eu dei um escorregão no início, como um mecanismo de autodefesa, era copiar de outros escritores. Copiar uma página de Hemingway ou de Faulkner. Três páginas. Aprendi muito sobre o ritmo fazendo isso. Eu realmente vejo a escrita como música. Vejo meu trabalho essencialmente como música. É por isso que gosto de ouvi-la sendo lida bem alta por outras pessoas. Gosto de ouvir o que eles estão tirando dela. Me diz o que você vê. Gosto que as mulheres leiam. Se cabe musicalmente, vai chegar a qualquer ouvido. Deve ser isso que as crianças relatam. (WENNER; LEVY, 2008, p. 376)

As técnicas utilizadas por Thompson para captar informações e escrevê-las vêm de um processo que inicia no levantamento de dados e estudo prévio sobre o tema, trabalho de campo e análise sobre todo o material coletado, o que permite que o autor construa personagens e situações ficcionais, sem perder a verossimilhança. Conforme a mais famosa definição para Gonzo Jornalismo pelo próprio Hunter Thompson, como cita Czarnobai (2003). Um estilo de reportagem baseada na ideia do escritor William Faulkner segundo a qual a melhor ficção é muito infinitamente mais verdadeira que qualquer tipo de jornalismo – e os melhores jornalistas sempre souberam disso. (BURNS,2001, apud CZARNOBAI, 2003, p.34)

Segundo Tom Wolfe em The New Journalism, assim como Geroge Plimpton e John Sack, Hunter Thompson é um tipo diferente de jornalista. Isto porque alguns jornalistas que vivenciaram a década de 1960 começaram a ousar em técnicas e captações de dados para relatar suas histórias. Mesmo ainda não considerado texto gonzo, Plimpton, Sack e Thompson se mostravam a fim de trazer ao leitor maior proximidade com os fatos e participavam da ação ao invés de testemunhá-la para poderem ir mais a fundo na hora de escrever. Estes novos autores foram de certa


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maneira considerados responsáveis por formar as bases do jornalismo gonzo valorizando a técnica de imersão extrema na pauta. (CZARNOBAI, 2003).

3.1 NA LITERATURA A falta de regras no Jornalismo Gonzo leva a pensar que não há como classificar novos autores e artigos de gonzo, o humor é uma característica marcante em quase toda a obra de Thompson. O jornalista gonzo ironiza o objeto de seu trabalho, não se leva a sério, foge as regras e é contra qualquer tipo de veneração, elimina ícones. Entretanto, as peculiaridades narrativas do estilo de Thompson influenciaram jornalistas e escritores que tomaram posse de características para a produção de seus trabalhos que podem ser considerados gonzo. Mas bem antes de Thompson surgir e criar o termo gonzo, a história literária já dava passos em direção a este gênero, como por exemplo, a história em quadrinhos As Aventuras de Tintim, que surgiu no ano de 1929 pelas mãos do belga Georges Prosper Remi, conhecido como Hergé. Tintim é um jovem jornalista belga que é auxiliado pelo seu cão Milu em todas suas viagens em que coleta informações para suas reportagens. Segundo Sérgio Codespoti, no texto “Tintim completa 80 anos de aventuras”, publicado no site Universo HQ em 2009, apesar de ter sido criado com destino ao público infantil, Tintim logo ganhou visibilidade e teve o crescimento do elenco de personagens caricatos na edição do Capitão Haddock. A série era publicada semanalmente e ao final de cada história era publicada em livro. Logo depois veio a revista Le Journal de Tintim, que ganhou adaptações para o cinema, desenhos animados e teatro. A popularidade de Tintim tornou a série de história em quadrinhos europeia uma das mais famosas do século 20, foi traduzida para mais de 60 línguas e teve mais de 200 milhões de exemplares vendidos. No Brasil, a série foi publicada de 1960 e 1970 pelas editoras Flamboyant e Record. Hoje a Companhia das Letras é quem tem os direitos autorais e recentemente completou a coleção com 24 álbuns. Os desenhos claros e expressivos de Hergé fez com que a HQ fosse muito admirada e reconhecida pelo seu estilo linha clara. Os temas de gêneros variados envolvem aventura, fantasia, mistério, espionagem e ficção. Mas a característica marcante encontrada nas histórias de Tintim é o humor muito bem acompanhado de comentários satíricos e de cunho politico-cultural. Depois de 80 anos e nenhuma aventura inédita prevista, Tintim continua sendo


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conhecido pela sua popularidade e suas aventuras em quadrinhos ainda estimulam leitores no mundo todo. Pioneiro no jornalismo em quadrinhos por produzir grandes reportagens com o auxílio da linguagem verbovisual, Tintim também era o personagem-narrador das histórias, reportava as experiências vividas, falava o que pensava, além de participar da vida dos entrevistados. Esse estilo de reportar décadas mais tarde foi consagrado na forma do jornalismo gonzo, criado e representado por Hunter Thompson. Conforme Czarnobai (2003), a relação entre artistas da palavra e o uso abusivo de bebidas ou drogas já vem de um grande histórico, entre eles incluem-se Baudelaire, Hemingway, DeQuincey, Bukowski, Burroughs e outros autores da geração beatnik. Mas nem por isso se pode conceituar o jornalismo gonzo um estilo praticado somente à base de efeitos do uso de drogas. No jornalismo gonzo, o repórter deve tomar partido, usar a subjetividade, narrar em primeira pessoa, vivenciar o fato, ultrapassar os limites em busca de um retrato mais fiel das suas experiências e, se for preciso, recorrer à literatura para deixar mais verossimilhante à notícia. Essa relação com as drogas se dá pelo fato de Thompson deixar claro que usava vários tipos e abusivamente, como o trecho de Medo e Delírio em Las Vegas, quando Thompson descreve o material que levava no porta-malas do carro para sua cobertura da Mint 400: O porta-malas do carro mais parecia um laboratório móvel do departamento de narcóticos. Tínhamos dois sacos de maconha, 75 bolinhas de mescalina, cinco folhas de ácido de alta concentração, um saleiro cheio até a metade com cocaína e mais uma galáxia inteira de pílulas multicoloridas, estimulantes, tranquilizantes, berrantes, gargalhantes... Além de um litro de tequila, outro de rum, uma caixa de Budweiser, meio litro de éter puro e duas dúzias de amilas. (THOMPSON, 2010a, p.12)

No livro Paraíso na Fumaça, o autor Chris Simunek, que também é editor de Cultivo da High Times, revista norte-americana especializada no cultivo e uso da maconha, expõe sobre os bastidores e reportagens feitas para a revista e relata suas experiências com diversos tipos de drogas. Ao relatar as histórias, Simunek utiliza a narrativa em primeira pessoa, com senso se humor aguçado, tornando difícil diferenciar a ficção da realidade. O jornalismo gonzo pode se valer de várias técnicas de reportagem, desde a captação participativa, personagem-narrador, fuga do assunto principal, imersão na pauta, até o humor, sarcasmo, ironia e o uso de drogas e álcool, que se tornam


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elementos adicionais; vem do próprio repórter decidir se é realmente fundamental ou não. O ilustrador Ralph Steadman relata em “Delírio da Era Gonzo” (STEADMAN, 2008) o quanto Thompson tomava nota de tudo a sua volta “era um trabalhador incansável, que virava noites apurando fatos; nenhuma dica era insignificante demais para ser investigada, estivesse ele bêbado ou sóbrio”. Isso mostra o trabalho de apuração profundo e minimalista que Thompson empregava ao mesmo tempo em que tomava pílulas amarelas o tempo todo no discorrer do texto “America‟s Cup”. Como Thompson vivia oferecendo suas pílulas a ele, Ralph, que sofria de um longo enjoo, tomou a decisão de aceitar tomar uma. Foi quando entrou em uma derradeira experiência com drogas e álcool: Comecei a me sentir esquisito. O irmão de Richard Nixon – pelo menos acho que era o irmão dele – estava encostado no piano, com o corpo na diagonal; conversava com ar indiferente com uns outros caras de olhos vermelhos com pinta de iatistas, e não dava a menos bola para uns cachorros que rosnavam e também tinham olhos vermelhos – cachorros dos quais eu tentava me esquivar. As pessoas começavam a derreter e eu me sentia incrivelmente bem. Para onde quer que olhasse, eu via iatistas que, por mais parrudos que fossem, derretiam e sumiam no ar. Naquele momento, eu era o rei do pedaço. Hunter estava ali comigo, me vigiando. Me seguia feito uma babá. (STEADMAN, 2008)

Em Gonzo – O filho bastardo do New Journalism, André Czarnobai classifica alguns autores e sua produção como algo anterior ao jornalismo gonzo. Para escrever sobre a equipe de futebol americano Detroit Lions no livro Paper Lion, George Plimpton decidiu conviver, se exercitar e até mesmo jogar em uma partida da pré-temporada com os jogadores durante os preparativos para a temporada de 1966 da National Football League. Na época, o sucesso do livro foi comparado a A Sangue Frio, de Truman Capote (CZARNOBAI, 2003). Tendo em vista dar maior profundidade a um extenso artigo sobre a guerra chamado “M”, John Sack convenceu o exército norte-americano a incorporar-se a uma companhia de infantaria no Fort Dix, onde participou com os soldados de todos os treinamentos militares para ser enviado ao Vietnam na primeira linha de combate. Após ser publicado na Esquire o artigo foi transformado em livro (CZARNOBAI, 2003). Hunter Thompson resolveu conviver com a gangue de motoqueiros Hell‟s Angels por 18 meses. Em companhia deles participou de todas as atividades legais


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e ilegais do grupo, consumindo drogas e álcool e levando algumas surras, tendo levado a pior delas no Dia do Trabalho, em 1996. Se no New Journalism a técnica de acompanhar a fonte por semanas ou mesmo meses a fio recebia o nome de imersão, no Gonzo Journalism o termo demonstra-se insuficiente posto que a imersão neste gênero implica um envolvimento muito mais pronunciado do repórter com o objeto do seu trabalho. Esta afirmação, contudo, não significa que um artigo gonzo exija mais tempo de investigação do que um encaixado nos padrões do New Journalism, mas sim que necessite de uma proximidade maior entre o investigador e o que é investigado, a ponto dos dois se mesclarem e se confundirem. (CZARNOBAI, 2003, p. 49)

Um exemplo desta técnica aparece no livro Medo e Delírio em Las Vegas, quando Thompson busca explorar as possibilidades do sonho americano e misturase aos jogadores dos cassinos de Las Vegas, da mesma maneira que participa de uma convenção de policiais sobre narcóticos. Segundo o próprio Thompson, a reportagem gonzo deve ser redigida à medida que a ação acontece, sem revisão ou edição. Isto torna a espontaneidade e a urgência peças-chave, assim como lembra as técnicas narrativas utilizadas pelos escritores beatniks como Jack Kerouac em O Livro dos Sonhos (CZARNOBAI, 2003). É bom que o leitor saiba que este livro não passa de uma compilação de sonhos anotados às pressas, à medida que ia despertando – e estão todos descritos da maneira mais espontânea e fluida, tal como sucede durante o sono, por vezes até mesmo antes de me sentir totalmente acordado. (KEROUAC,1998, apud CZARNOBAI, 2003, p. 3)

A narração em primeira pessoa tem o papel de tornar o gonzo mais humano e tangível. O fato do jornalista se tornar o narrador-personagem que vive a experiência dá ao leitor o acesso à informação sem imparcialidade jornalística, sem comprometer o objetivo inicial de informar. Além de ser uma das regras no gonzo jornalismo, essa narrativa dá maior ênfase na relação do repórter com experiência vivida do que no acontecimento contado, trazendo a força da verossimilhança ao relatar os fatos a partir do ponto de vista do narrador. Entretanto, alguns representantes do Novo Jornalismo, como Norman Mailer, trabalharam na captação de dados de forma participativa utilizando o foco narrativo em terceira pessoa. No livro Os Exércitos da Noite, Mailer utiliza essa técnica que difere na forma de coletar dados. Como citados anteriormente, Sack, Plimpton e Thompson também fizeram o uso da captação participativa como repórteres (CZARNOBAI, 2003).


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3.2 NO CINEMA Segundo Czarnobai (2003), o documentário A Outra Hollywood, do dinamarquês Andres Dalgaart, mostra o reconhecimento do termo gonzo na identificação de obras baseadas na indústria de filmes pornográficos norteamericana. Nestes filmes – a maioria deles feita em uma noite –, o personagem principal é quem observa através da câmera, e não é filmado como normalmente acontece. Entre os maiores nomes do gênero estão Seymore Butts e John Stagliano. Butts é diretor de mais de 60 filmes gonzo e conhecido por, além de exercer o papel de diretor e operador de câmera em todos os seus filmes, também contracenar com as atrizes. John Stagliano é reconhecido pela série Buttman‟s, em que a ação se passa com mulheres sendo abordadas na rua. Tanto se deu o sucesso e a popularidade de filmes gonzo no mercado da pornografia que atualmente existem categorias específicas de premiações como a AVN Awards, realizada todos os anos pela AVN Publications, Inc. No filme Borat – o segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja à América, dirigido por Larry Charles, o ator e comediante inglês Sacha Baron Cohen interpretou um jornalista e interferiu na narração da história ao longo das gravações. A participação direta de Borat leva os entrevistados a darem declarações polêmicas e sinceras. Além de atuar no filme, ele também é um projeto de Cohen. O objetivo do filme é obter um retrato fiel da sociedade americana, mas logo que chega aos Estados Unidos o foco já se torna outro. Isto porque ao chegar no quarto do hotel o repórter acaba criando uma paixão platônica pela atriz Pâmela Anderson ao vê-la na televisão e decide ir até a Califórnia para conhecê-la. Ao longo da sua jornada até o novo destino muitas histórias acontecem. Os entrevistados que aparecem na tela não sabiam que o filme era um pseudo-documentário e respondiam às perguntas, sarcasmos e ironia presentes no humor ácido de Cohen. Os únicos que sabiam a verdadeira realidade do filme eram os intérpretes de Borat, Azamat, a prostituta Luenell, e a atriz Pamela Anderson. Assim como Hunter Thompson, Sasha Baron Cohen utiliza a mentira como uma forma de conseguir atingir seus objetivos. A mistura marcante de ficção, realidade e comédia presentes no longa-metragem impressionou o público no mundo inteiro (PESCE, 2009). O filme é na verdade um pseudo-documentário, que mostra o repórter Borat Sagdiyev, interpretado por Cohen, rumo a uma viagem aos Estados Unidos


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para supostamente aprender lições culturais para o seu país, o Cazaquistão. (PESCE, 2009)

3.3 NA TELEVISÃO Na televisão o senso de humor juntamente com a narrativa em primeira pessoa levou matérias de dois repórteres a serem consideradas gonzo. O apresentador do programa Weird Weekends, da BBC 2 de Londres, Louis Theroux, e o nova-iorquino Michael Moore, da NBC, responsável e produtor dos programas The Awful Truth e TV Nation (CZARNOBAI, 2003).

3.4 NA IMPRENSA

A relação do jornalismo gonzo com a contracultura também é responsável pela aparição do jornalismo de rock, conceituado por Christine Othitis o “primo do New Journalism” (OTHITIS apud CZARNOBAI, 2003). Apesar de não ser considerado Jornalismo Gonzo e nem Novo Jornalismo, o jornalismo de rock utiliza técnicas como ficção na hora de apurar os fatos e ganhou maior visibilidade nas décadas seguintes com o crescimento da indústria fonográfica nos Estados Unidos e, principalmente, com publicações como a revista Rolling Stone (CZARNOBAI, 2003). A revista Rolling Stone ao longo dos anos ganhou reconhecimento por fazer análises que davam espaço a novos pontos de vista, mantendo o foco de informar e o comprometimento com a verdade em coberturas sobre política, além do foco principal que é a música. Jann Wenner conta como se deu a fase de experimentos da revista: Estávamos explorando junto deles, encontrando um novo território jornalístico à medida em que caminhávamos. Éramos famintos por informação, por histórias sobre como a música e a cultura que amávamos tomou forma, e quem eram essas pessoas que as faziam.(WENNER; LEVY, 2008, p. 11).

No livro As Melhores Entrevistas da Revista Rolling Stone (2008), Wenner declara que escritores como Tom Wolfe e Hunter Thompson influenciaram o modo de fazer jornalismo da revista, além de leitores no mundo inteiro.


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A Rolling Stone era diferente. No início, nós éramos devotos não apenas ao rock and roll, mas à cultura e política que se encontravam ao redor da música, que a formava e era formada por ela. [...] Nossos repórteres iam fundo nos assuntos, e os músicos com os quais conversávamos respondiam prontamente. Eles estavam cansados da trivialidade das revistas de fãs e das estações de rádio. Nós os apresentamos a uma nova oportunidade de articulação sobre o que estavam pensando e fazendo, a fim de comunicarem-se com seu público de maneira diferente e direta. (WENNER; LEVY, 2008, p. 9)

Após o movimento hippie, muito americanos sentiam-se à vontade para fazer experimentos com drogas. Segundo Czarnobai (2003), a fama relacionada a Thompson com as drogas e arruaças o transformara em um ídolo dos jovens e representantes da contracultura. Os leitores começaram a se identificar com Thompson por poder partilhar durante a leitura as suas experiências ou curiosidades a respeito delas. Todos os textos de Thompson publicados na Rolling Stone e na Playboy provocavam filas em bancas de revistas após a publicação de Hell‟s Angels. Segundo Othitis, Hunter Thompson “é provavelmente um dos poucos escritores de hoje que tenha groupies, de fato" (OTHITIS apud CZARNOBAI, 2003, p. 71). Nas grandes cidades eram feitas camisetas e pôsteres com o rosto de Thompson e o logo do Jornalismo Gonzo – um punho em forma de adaga cuja mão segura um botão de peiote, um alucinógeno indígena extraído de algumas espécies de cacto. Em função disso, ele virou inspiração para um personagem do ilustrador Gary Trudeau na conhecida tira de jornais Doonesbury, chamado Uncle Duke (CZARNOBAI, 2003). No texto “Ali contra Foreman”, no artigo “Delírio da Era Gonzo” (2008), Ralph Steadman relata o momento em que alguns repórteres ficam em Zaire após o adiamento da luta que deveriam cobrir entre Muhammad Ali-George Foreman. Estes ficam somente para beber, se drogar e ter uma transa barata, e começam a bater na porta do quarto de Thompson atrás de remédio, conforme Steadman descreve: Hunter tinha comprado um enorme saco plástico cheio de maconha africana, pelo equivalente a 40 dólares. A coisa tinha as dimensões de um saco de golfe. Os repórteres que tinham ficado na África desde o adiamento da luta entraram na onda da erva e vagavam em busca de nova dose com expressões de máscaras africanas de vodu. Muitos haviam esquecido o motivo pelo qual estavam ali, mas continuavam a enviar mensagens para os seus jornais pedindo mais dinheiro para produzirem reportagens que, acreditavam, fariam história. Alguns viraram nativos. (STEADMAN, 2008)


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A fuga do assunto principal também é um elemento considerado normal ao aparecer entre os representantes do jornalismo gonzo, que nem sempre é causada pelo uso de drogas. Isso se dá em função do caráter confessional adotado na maioria dos artigos, em que o repórter é o personagem principal. Therry Southern é um desses representantes do gênero que surgiu na década de 1960 escrevendo para a Esquire e Rolling Stone. Southern abordava temas polêmicos contra o consumismo exagerado, a repressão política, a hipocrisia da alta burguesia e a vulgaridade da classe média. Além de ser conhecido no eixo de sexo, drogas e rock and roll por frequentar a noite de Londres, do Village ou de Hollywood, e estar acompanhado dos amigos beats, dos Beatles e dos Rolling Stones. Tom Wolfe o considerava escritor do estilo gonzo por se parecer com Hunter Thompson. Norman Mailer o admirava e considerava sua prosa “mortífera” (CZARNOBAI, 2003). Em uma das reportagens mais conhecidas de Southern, “Red Dirt Marijuana and Other Tastes”, ele vai cobrir uma competição de manuseio de bastão, bastante praticada por líderes de torcida das equipes esportivas dos colégios norteamericanos. Ao chegar a Oxford, Southern conhece um taxista que indica onde conseguir uma dose de uísque, o leva até uma destilaria artesanal onde negros produziam um licor de milho chamado de “relâmpago branco” ou nigger-pot. Isso faz com que o repórter mude completamente o foco da pauta e passe a descrever toda a experiência que passa ao conversar com um menino, o taxista e ao beber o licor. Após a experiência, Southern vai ao Dixie National Baton Twirling Institute no campus de Ole Miss e acaba retratando as informações do campeonato minunciosamente, além de abordar temas como o racismo presente na região e não citar em momento algum o uso de drogas (CZARNOBAI, 2003). Na imprensa brasileira existem alguns adeptos do jornalismo gonzo. Na coluna no site Digestivo Cultural (2002), o repórter Luiz Cesar Pimentel relata no texto “Propostas discordantes no jornalismo”, quando escreveu para a edição de estreia da Revista Zero a reportagem “É duro ser Deusa”, que passou uma tarde em companhia de uma ex-deusa viva no Nepal, onde o dom divino surge com data de expiração. Depois conta como o repórter Dagomir Marquezi se passou por saxofonista do grupo Jota Quest e participou de um show em Mogi das Cruzes para fazer a reportagem “Puro Rock‟n‟roll”, publicada em agosto de 2001 na Superinteressante, número 8, ano 15 (DANTON, 2002).


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No blog Medo e Delírio, Luciane Castro exprime a vertente gonzo em vários textos regados a ironia e humor baseados em situações cotidianas em São Paulo, como no exemplo do texto “Banguela pra mim, banguela pra tu”. Luciane descreve os sorrisos tortos, feios e até banguelas ou com chapa que se encara e nem por isso se deixa de ver outras coisas mais interessantes nas pessoas. Ao final do texto, ela publica um vídeo da banda de rock ACDC falando do sorriso feio, mas carismático do guitarrista e fundador Angus McKinnon Young. Em um trecho do texto ela explica por que escolheu o tema de amor banguela na pauta do Medo e Delírio: Sou obrigada a manter o amor na pauta do Medo e Delirio. Este se faz presente em vários aspectos da minha, da sua, da nossa vida tão linda. A mais nova resenha do amor bandido se configura na força e na banguelice. Antes uma explicação razoável pela preferência desdentada… Já dizia meu Tio Tirdão, que a mulher perfeita não tinha dentes, era orelhuda e tinha cabeça chata. Calma, nenhuma conotação racista ou preconceituosa, apenas uma visão da estética da mulher que tem o perfil sexual perfeito para realizar o que a maioria dos homens mais gostam. (CASTRO, 2012)

A

jornalista

Cecília

Giannetti,

conhecida

como

uma

das

maiores

representantes do estilo gonzo no Brasil, publicou no site Irmandade Raoul Duke o texto “A Noite é Longa e a Saia é Curta na Lapa mas o Mar não tá pra Piranha: a Lapa é o Rio em 2002”. Em uma visita ao bar Arco-Íris, Giannetti fala sobre a realidade da noite carioca contemporânea e a história do bairro e suas figuras mais conhecidas. (CZARNOBAI, 2003). O site Irmandade Raoul Duke, atualmente desatualizado e contando apenas com uma postagem de conteúdo, já foi considerado o principal veículo online brasileiro de Jornalismo Gonzo. O nome foi inspirado no pseudônimo usado por Hunter Thompson para a primeira publicação em capítulos de Medo e Delírio em Las Vegas na Rolling Stone. Apesar de Thompson não explicar o uso de pseudônimos, os jornalistas brasileiros que fazem gonzo utilizam para justamente não serem ligados ao gênero. A má fama do estilo, quando associada ao consumo de drogas, pode levar jornalistas a assinarem suas matérias com o pseudônimo. No próprio site Irmandade Raoul Duke muitos repórteres faziam uso desta opção, como por exemplo, a repórter M.R., que preferiu se esconder nas iniciais do nome ao discorrer sobre uma experiência com o Santo Daime no texto “A Libélula Azul do Falso Mexicano”. Um dos criadores do site também assinou sempre suas matérias como Suruba. A descrição de uma festa árabe com muita bebida, que acabou com todo mundo


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assistindo ao filme Where the Buffalo Roam, parece ter sido tranquila e mesmo assim foi assinada como Simbi%nte. Até mesmo Matias Maxx, citado anteriormente não publica com o nome verdadeiro (CZARNOBAI, 2003). Também no Brasil, o escritor, sociólogo e criador de uma ciência chamada Gonzologia, Eduardo Fernandes, exemplifica muito bem a questão do sarcasmo e humor no gonzo presente no texto publicado na Revista Trip (2002) “Nossos Coreanos são mais Japoneses: até os organizadores da Copa do Mundo confudem Coreia com Japão”. Ao relatar uma cena de sexo que o chama atenção, Fernandes descreve detalhadamente o fato, inclusive ligando a cena à personagens e filmes famosos. As paredes estavam forradas de fios de videogames e cases de Playstation. Caminhei pelo cenário de Blade Runner até que algo me chamou a atenção: um casal de vinte e poucos anos transava atrás de um estande (entre bonecos do Dragon Ball Z e das Meninas Superpoderosas). Fatality-show. A garota se contorcia, bolinada por um japonês (ou seria coreano?). Ao fundo, um velho cartaz do jogo Street Fighter. Ela teria orgasmos abençoados por Zangief. E segurava a camiseta do rapaz, na qual se lia: made in Taiwan. Era o amor nos tempos do silício e nem precisei pagar para assistir. (FERNANDES, 2002)

Um dos brasileiros mais conhecidos por se aventurar no estilo gonzo é o repórter Arthur Veríssimo – que terá maior ênfase ao longo do terceiro capítulo –, também da Revista Trip. Segundo Pena (2006), o blog Jornalismo de Merda que não existe mais, do jornalista curitibano André Pugliesi, abusava de relatos bizarros em lugares inusitados, como por exemplo, idas a um clube de swing, baile de velhinhos em busca de companhia e etc. Para Pena, tanto Veríssimo quanto Pugliesi produzem textos que sofrem influência de Thompson, como ele relata em um fato tão gonzo quanto o próprio autor em uma reportagem após a morte do criador do estilo gonzo. Todos, é claro, bebem na fonte de Hunter Thompson. Quando ele morreu, homenagearam o mestre com textos de despedida. Mas ninguém foi tão feliz quanto Matthew Shirts, que, em um artigo reproduzido no jornal O Estado de S. Paulo de 28 de fevereiro de 2005, escreveu que sua frase favorita sobre a morte do escritor foi riscada em giz no quadro negro de uma loja de bebidas em São Francisco. O autor sintetizou o espírito gonzo com uma homenagem simples, mas direta: “De luto pelo Hunter: 10% de desconto em todas as biritas fortes.” Em seu primeiro drinque no inferno, Thompson brindou ao comerciante e iniciou um novo livro. Nunca esteve tão à vontade. (PENA, 2006, p. 59)


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3.5 NA MÚSICA Segundo Czarnobai (2003), o uso de epígrafes e pseudônimos é muito presente na geração de autores modernos em textos e ilustrações gonzo. Aparece no texto “Hippie Hop Lapa: Uma Visita ao Front”, de Matias Maxx, publicado no site Irmandade Raoul Duke. Maxx fala sobre sua participação em uma tradicional festa na Lapa chamada Hip Hop Rio, organizada pelo movimento hip hop do Rio de Janeiro. Os versos que Maxx utiliza de epígrafe são parte da letra da música Equipamento Precário, do grupo de hip hop Carioca Inumanos: Um dois, um dois, isto não é um teste/ você não é um b-boy só pela roupa que veste/ se você é emecee mande uma rima que preste/ grafiteiro ou pixador vai jorrar seu jet/ Hip Hop é tipo respirar um ato espontâneo/ cultura marginal, direto do subterrâneo. (MAXX,2002, apud CZARNOBAI, 2003, p. 78)

3.6 ILUSTRAÇÕES GONZO

Muitos artigos de Thompson ganharam forma nas ilustrações de Ralph Steadman. O traço ácido e impiedoso de Ralph relaciona-se perfeitamente com a escrita espontânea de Thompson. A ilustração gonzo criada pela dupla alucinada e improvável Thompson e Ralph traduz a prosa insana e feroz do que é gonzo. Em trechos de “Delírio da Era Gonzo” (2008), Ralph relata várias experiências em que acompanhou Thompson em suas pautas; ele cita momentos como a proposta feita pelo jornalista de viajar pelo país afora sacaneando de tudo um pouco: A gente pode ir a praticamente qualquer lugar e mandar uma série de artigos tão anárquicos e aterradores que o mundo jornalístico jamais será o mesmo. Ficará zonzo. Já pensou nas possibilidades alucinantes de uma empreitada como essa? Pura loucura... numa escala nunca vista até hoje... a gente pode viajar com cortesãs e com carregadores de bagagem, voando de um lugar para o outro, num delírio de drogas e bebida. Já pensou? (STEADMAN, 2008)

No próprio Medo e Delírio em Las Vegas, Thompson já pretendia chamar Ralph Steadman para ilustrar o delírio todo. Enviou uma carta a Steadman com o manuscrito maluco em que ele estava trabalhando pedindo para ilustrar o texto dele mostrando todo o horror que passou na companhia de Oscar Acosta, o “advogado samoano” que defendia o direito dos chicanos. Em conversa com Ralph, Thompson explica o plano louco de alugar um conversível vermelho cheio de drogas de todos os tipos do qual eles pretendiam sair vivos:


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Pedi que ele me acompanhasse nessa viagem rumo ao Coração do Sonho Americano. Eu ia convidar você, mas achei que desde aquela investida em Rhode Island, para a America‟s Cup, você devia estar cheio. E eu precisava de um advogado, mesmo que fosse de Samoa. Bom, ele é hispânico, Ralph, mas para temperar a reportagem escrevi que era de Samoa. Soa melhor. Enfim, o motivo do meu telefonema é saber se você topa fazer uns desenhos daqueles bem pirados para essa reportagem. (STEADMAN, 2008)

Inspirados em Ralph Steadman, os ilustradores da Irmandade Raoul Duke, Luiz Pellizzari e Nelson Azevedo, buscam chegar o mais próximo dos traços caóticos do gonzo de Steadman. A definição que Steadman dá para o gonzo jornalismo é de que “gonzo é a essência da ironia. Você não deve ousar levá-lo a sério. Você tem de rir” (CZARNOBAI, 2003, p. 81). A maior parte dos escritores contemporâneos que produzem gonzo tem em comum com Thompson o fato de não escreverem para jornal. Textos gonzo são encontrados em revistas, publicações alternativas, online e em livros. Toda a obra de Thompson inclui publicações em livros. Entre as definições e conceitos expostos até agora, pode-se encontrar diversos textos e formatos adeptos do jornalismo gonzo publicados online, como a Irmandade Raoul Duke, “Medo e Delírio”, “Delírio da Era Gonzo”; revistas como a Rolling Stone, High Tomes e Trip; a história em quadrinhos belga do Tintim, no cinema pornográfico gonzo e no filme Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América. Podemos perceber que Hunter Thompson é o criador e principal representante do jornalismo gonzo, o único que seguiu ao pé da letra todas as características do estilo, não há como separar autor e obra, mas não é mais o único autor que escreveu gonzo. No documentário Gonzo the life and work of Dr. Hunter S. Thompson, Johnny Depp, lê escritos do autor que diz que Thompson já sabia durante muito tempo que já não era um bom escritor: Criativamente, já tinha escrito todo o seu grande material. Não tinha sido realmente produtivo em cinco ou seis anos. Acho que simplesmente tinha se acabado a energia. Nos últimos anos de Hunter, com o fim de realmente se entusiasmar para escrever no que chamamos o Hunter mais essencial se necessitava quase tinha que sentir-se como uma patada à entre - coxa. 1 (THE LIFE..., 2007)

1

Trecho lido pelo ator Johnny Depp na abertura do documentário sobre a vida do autor.


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4 ANÁLISE Este capítulo tem como objetivo identificar as características do Jornalismo Gonzo encontradas nas obras de Hunter S. Thompson nas reportagens do jornalista brasileiro Arthur Veríssimo publicadas na Revista Trip. Além disso, antes da análise propriamente dita, será apresentado o repórter Arthur Veríssimo e a Revista Trip.

4.1 METODOLOGIA O presente trabalho utilizará a análise de conteúdo, definido em 1952 por Bernard Berelson e citado por autores como Bardin (1988, apud FONSECA JUNIOR, 2010), que significa “uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” (DUARTE, apud FONSECA JUNIOR; 2010, p. 282). A análise de conteúdo é uma técnica de investigação destinada a formular, a partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar a seu contexto. (KRIPPENDORFF, apud FONSECA JUNIOR, 2010, p. 284)

Com o objetivo de deduzir de maneira lógica, a inferência na análise de conteúdo trabalha com índices postos em evidência e o tratamento de mensagens manipuladas por quem irá analisá-las para inferir a respeito de quem envia ou recebe a mensagem. A inferência, considerado por Fonseca Junior (2010) como o momento de maior produção da análise de conteúdo, divide-se em duas modalidades. Nas inferências específicas, uma situação está ligada diretamente ao problema de pesquisa. As inferências gerais ultrapassam os fatos e sua ligação com o problema analisado é muito mais ampla. A análise de conteúdo apresenta uma diversidade de abordagens dos seus fundamentos conceituais. Fonseca Junior (2010) cita a definição de Bauer (2002) para a análise de conteúdo, que é considerada uma técnica híbrida por possibilitar o uso do formalismo estatístico e a análise qualitativa de materiais, tanto o aspecto quantitativo quanto o qualitativo podem ser usados de acordo com o objetivo que busca o pesquisador. Segundo Fonseca Junior, a análise de conteúdo pode ser chamada também de análise de mensagens dentro dos métodos de pesquisa em comunicação de massa, como


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acontece com a análise semiológica ou análise de discurso. Mas diferente delas, apenas a análise de conteúdo utiliza a sistematicidade e a confiabilidade. A análise de conteúdo é sistemática porque se baseia num conjunto de procedimentos que se aplicam da mesma forma a todo o conteúdo analisável. É também confiável – ou objetiva – porque permite que diferentes pessoas, aplicando em separado as mesmas categorias à mesma amostra de mensagens, possam chegar às mesmas conclusões. (LOZANO apud FONSECA JUNIOR, 2010, p. 286)

Para Krippendorff (1990, apud FONSECA JUNIOR, 2010), a análise de conteúdo apresenta três características principais: (a) orientação fundamentalmente empírica, exploratória, vinculada a fenômenos reais e de finalidade preditiva; (b) transcendência das noções normais de conteúdo, envolvendo as ideias de mensagem, canal, comunicação e sistema; (c) metodologia própria, que permite ao investigador programar, comunicar e avaliar criticamente um projeto de pesquisa com independência de resultados. (FONSECA JUNIOR, 2010) Na análise de conteúdo, o pesquisador também deve considerar os marcos de referência. Segundo Krippendorff (apud FONSECA JUNIOR, 2010), os dados são os elementos básicos da análise, portanto é preciso esclarecer quais dados serão analisados, como foram definidos e onde foram buscados. É fundamental explicar o contexto desses dados, porque um determinado discurso ocorre baseado em um contexto e algumas condições do contexto influenciam na construção do discurso. O pesquisador deve conhecer o texto, seus dados e contextos para mais adiante poder realizar a inferência. O objetivo da inferência deve ser apresentado com clareza, pois está ligado ao material que será analisado. Toda análise de conteúdo relaciona os dados obtidos com alguns aspectos de seu contexto. Devem ser estabelecidos critérios para validar os resultados alcançados para que outras pessoas também comprovem se as inferências estão corretas (FONSECA JUNIOR, 2010). Bardin (1988, apud FONSECA JUNIOR, 2010) dividiu o método de análise de conteúdo em cinco etapas, começando pela organização da análise em três fases cronológicas. A pré-análise é basicamente o planejamento do que será feito através da sistematização das ideias iniciais, juntando-as com as que foram desenvolvidas ao longo do trabalho, formando o plano de análise. A exploração do material significa a análise de acordo com o que foi apresentado anteriormente – se bem


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abordado – na pré-análise, o tratamento dos resultados obtidos e interpretação, para que os resultados venham a ser significativos e corretos (FONSECA JUNIOR, 2010). Para iniciar a análise de conteúdo, é preciso ter um ponto de partida. Segundo Krippendorff (apud FONSECA JUNIOR, 2010), é preciso estabelecer um objetivo de pesquisa. Alguns pesquisadores baseiam-se em uma leitura dos dados para então estabelecer o seu objetivo de pesquisa, procedimento chamado por Bardin (1988, apud FONSECA JUNIOR, 2010) de leitura flutuante. Mas os dois métodos podem se complementares (FONSECA JUNIOR, 2010). As aplicações da análise de conteúdo apresentam-se em seis categorias organizadas por Krippendorff (apud FONSECA JUNIOR, 2010). O enfoque sistêmico possibilita

ultrapassar

os

dados

existentes

para

chegar

a

pontos

ainda

desconhecidos. É possível saber se as mensagens estão de acordo com normas pré-estabelecidas. O índice é uma variável que aparece de maneira importante em uma investigação dependendo do grau em relação a outros fenômenos. Qualquer discurso possui como principal característica a intervenção da linguagem, de acordo com a exposição e argumentação sistemáticas. A troca de mensagens ocorre dentro de um determinado contexto e modifica as relações estabelecidas entre duas ou mais pessoas. Os processos institucionais são objeto de particular interesse da análise de conteúdo, principalmente presente em organizações de comunicação em massa, como por exemplo, a adaptação de uma obra literária para o cinema (FONSECA JUNIOR, 2010). Após a leitura dos dados e o planejamento do trabalho, deve ser constituído o corpus, quando é selecionado o conjunto de documentos a serem submetidos à análise. As principais regras para a constituição de corpus foram definidas por Bardin (1988 apud FONSECA JUNIOR, 2010) e Barros e Targino (2000, apud FONSECA JUNIOR, 2010), como a regra da exaustividade, quando todos os documentos relativos ao assunto pesquisado, durante o período, devem ser considerados; a regra da representatividade, quando é definido o tamanho da amostra, a amostragem será rigorosa se a amostra estiver de acordo com a representatividade inicial do universo. Entre os tipos de amostragem, as mais comuns são a não probabilística de semanas compostas e a probabilística de semanas compostas. Na primeira, a amostragem é feita de acordo com o calendário e o dia inicial da análise, na outra semana o próximo dia e assim por diante, até chegar ao último dia da semana na sétima semana. Na segunda opção, é possível


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analisar aleatoriamente – considerado uma vantagem – até fechar o número de edições estabelecido (FONSECA JUNIOR, 2010). O corpus também influencia a ênfase da pesquisa. Se a quantidade de material analisado for muito grande, será preciso procedimentos estatísticos para visualizar o conjunto, optando assim pela análise quantitativa. Desta maneira, é maior a abrangência, mas sem profundidade. No caso de aprofundar o conteúdo, é necessária uma menor quantidade de dados para realizar uma análise qualitativa. Os documentos devem ser do mesmo gênero para estar dentro da regra da homogeneidade. Também precisam estar dentro da regra de pertinência, adequados aos objetivos da pesquisa como objeto de estudo, período de análise e procedimentos (FONSECA JUNIOR, 2010). A codificação é o processo de transformação dos dados brutos de forma sistemática, segundo regras de enumeração, agregação e classificação, visando esclarecer o analista sobre as características do material selecionado. (BAUER,2002 apud FONSECA JUNIOR, 2010, p. 294)

A codificação tem a função unir o material da análise e a teoria do pesquisador para que a análise de conteúdo possa interpretar somente o que estiver em destaque no referencial de codificação. Para isso, existem três fases da codificação: o recorte, quando são escolhidas as unidades de registro e de contexto; a enumeração, regras para enumerar; e a classificação e agregação, que se refere à escolha das categorias (FONSECA JUNIOR, 2010). As unidades de registro são partes da amostragem. Na análise de conteúdo, podem ser palavras-chave de um discurso, personagens de um filme ou romance, os acontecimentos de um período histórico, etc. Nas unidades de contexto, muitas vezes é necessário se referir ao contexto na qual estão inseridas, como, por exemplo, a contextualização de palavras marcantes de acordo com o que está no discurso. As regras de enumeração referem-se a uma quantificação das unidades de registro que devem chegar ai estabelecimento de índices, segundo Krippendorff (1988), onde é possível encontrar três índices nas pesquisas sobre comunicação em massa: (a) a frequência com que aparece um símbolo, ideia ou tema tende a ser interpretada como medida de importância, atenção ou ênfase; (b) o equilíbrio na quantidade de atributos favoráveis e desfavoráveis de um símbolo, ideia ou tema tende a servir como medida de orientação ou tendência; (c) a quantidade de associações e de classificações manifestadas sobre um símbolo, ideia ou tema pode


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ser interpretada como uma medida de intensidade ou força de uma crença, convicção ou motivação (FONSECA JUNIOR, 2010, p. 295). A categorização consiste no trabalho de classificação e reagrupamento das unidades de registro em número reduzido de categoria, com o objetivo de tornar inteligível a massa de dados e sua diversidade. (FONSECA JUNIOR, 2010 p. 298)

Para Bardin (1988, apud FONSECA JUNIOR, 2010), a categorização apresenta critérios que podem ser “semântico (categorias temáticas); sintático (verbos, adjetivos); léxico (classificação das palavras segundo seu sentido); e expressivo (categorias que classificam as diversas perturbações na linguagem, por exemplo)”. Entre elas existem mais duas etapas da categorização, o inventário, que consiste em isolar o elemento, e a classificação, que reparte estes mesmos elementos e os organiza em grupos para melhor analisar a mensagem. As principais características de uma categorização, segundo Bardin (1988, apud FONSECA JUNIOR, 2010) e Barros e Targino (2000, apud FONSECA JUNIOR, 2010), são a exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a objetividade e fidelidade, e a produtividade (FONSECA JUNIOR, 2010). O presente trabalho fará a análise de conteúdo de 9 reportagens do repórter Arthur Veríssimo selecionadas no site da Revista Trip e realizadas ao longo de 1ano, no período de 13 de maio de 2011 a 17 de maio 2012.

4.2 A REVISTA TRIP Há 26 anos a Revista Trip agregou em suas publicações entrevistas, esportes fora do comum, aventuras, fotos sensuais, música e o jornalismo gonzo. Lançada em 23 de julho de 1986, a Trip atualmente é considerada a mais importante publicação voltada ao público jovem formador de opinião do Brasil, segundo o site da própria revista. Segue uma linha editorial com foco na diversidade e inovação. Seu leitor, de 16 a 39 anos, predominante do sexo masculino, procura o novo, histórias que o identifiquem, e encontra-o em cada um dos 44 mil exemplares da sua tiragem mensal. Tem uma relação de intimidade e cumplicidade com a revista. É um leitor crítico, que faz questão de encontrar sempre um conteúdo editorial de vanguarda e gerador de discussões. É fiel e associa tudo o que está na


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revista a seu estilo de vida, absorvendo esse conteúdo como parte do seu dia a dia. (REVISTA..., [1996?])

A versão on-line da Revista Trip foi criada em abril de 1996 e uma das primeiras do país a publicar seu conteúdo em site. Procura-se manter a estética e editorial da revista na sua versão na internet, além de manter todo o conteúdo da revista na íntegra e postagens no mesmo dia em que ela chega às bancas. Com cerca de 12 milhões de page views e 450 mil unique visitors por mês, o site também disponibiliza reportagens exclusivas e conteúdos multimídia, além de fazer uso das redes sociais como Facebook, YouTube, Twitter, Flickr e Orkut.

4.3 O REPÓRTER ARTHUR VERÍSSIMO Viagens em busca de aventuras pelo mundo, reportagens que buscam outro olhar – o olhar de quem vive a situação –, experiências vivida, textos que vão da cultura pop, música, personagens até comportamento, são alguns exemplos do jornalismo praticado pelo repórter Arthur Veríssimo, que está na revista desde o seu início, em 1986. A vertente gonzo que permeia os textos de Veríssimo ganha força na sua pesquisa, principalmente na apuração e aprofundamento da pauta, além de claro, interagir nos acontecimentos. O jornalista Arthur Veríssimo Vieira de Mello Pereira nasceu no Rio de Janeiro, em Guanabara no ano de 1959. Aos cinco anos de idade mudou-se para São Paulo. Foi uma criança muito ativa praticou vários esportes como ginástica olímpica, salto ornamental, vôlei, esgrima e basquete. Seu trabalho como jornalista iniciou em 1979, na revista brasiliense de música Transe. Arthur também trabalha com televisão, escreve crônicas curtas para revistas, e já escreveu para uma coluna no Jornal do Brasil, logo antes de se tornar um tabloide. Em entrevista concedida para este trabalho, Veríssimo contou que também foi um dos primeiros a atuar como DJ nos anos de 1980, mesma época em que conheceu Paulo Lima, editor da Revista Trip, onde iniciaria sua carreira em 1986 - ano de lançamento da revista -, mesmo sem completar o curso de jornalismo. Ao longo dos primeiros dez anos, trabalhou em reportagens ocasionalmente. "Já fiz reportagens altamente provocativas, para alguns até agressivas. Eu provoco, mas vivo embaixo de um guarda-chuva, essas matérias da Trip parece que eu crio a liberdade por conta da minha flexibilidade, mas todo mundo é engessado para


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escrever. Mas gosto de escrever bastante, imagina escrever num jornal, que horrível".2. As publicações na Trip ocorrem todo o mês e seguem uma cronologia, algumas matérias caem devido a temática, quando, por exemplo, a produção não consegue pegar pessoas específicas, montar a matéria. Arthur explicou que nos últimos anos as matérias que têm feito para a revista obedecem duas linhas editoriais, são duas linguagens, a linguagem textual e fotográfica da revista e o que é feito de audiovisual. As reportagens de personagens é uma linha bastante desenvolvida pelo jornalista, que além de resgatar personagens esquecidos na memória popular brasileira, fala sobre essas pessoas que segundo ele “fazem parte do DNA do Brasil e depois a coisa vai pelo mundo, abro um leque maior e vou a festivais religiosos, peregrinações, transes coletivos”. As matérias que Veríssimo faz para a revista são – a grande maioria – encomendadas, mas todas têm uma identidade, uma assinatura.

Seus textos

breves seguem a tendência. O uso da imagem é uma de suas características principais, para dar uma leitura mais confortável para o leitor. Segundo o jornalista, o tipo de texto que ele desenvolve é de exploração, descobertas, espiritualidade, xamanismo, “essa que é a minha batida. O Hunter Thompson é mais ligado na desordem na anarquia e na política”. Segundo Veríssimo, ao longo da sua juventude o interesse pelo misticismo oriental só aumentou, praticou aulas de yoga, massagem, tantra e meditação, o que “me conduziu ao guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh (Osho). Durante anos fui seu discípulo, tendo assim degustado do néctar dos seus ensinamentos”. Em função disso o jornalista realizou muitas viagens para a Índia ao longo de vinte anos. “Como explorador mergulhei na multiplicidade desse povo e sua cultura ancestral”. (VERÍSSIMO, 2010). Karma Pop é o fruto saboroso de minhas andanças e peregrinações nessa terra abençoada. Aqui retrato a oportunidade que tive de vivenciar a efervescência que é o megafestival Khumba Mela. (VERÍSSIMO, 2010)

No seu livro Karma Pop, Arthur Veríssimo conta o resultado de suas viagens ao longo de 20 anos para aquela terra. Entre festivais sagrados, gurus, peregrinos e muitos personagens, ele relata o Khumba Mela, o festival religioso mais antigo da 2

Entrevista concedida por Arthur Veríssimo para o presente trabalho em 23.05.2012


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história da humanidade, realizado em quatro cidades sagradas: Haridwar, Allahabad, Nassik e Ujjain. O festival do Ganesh, que acontece na cidade de Mumbai, festejando o deus mais popular da Índia. Além de retratar a rota de peregrinação mais antiga do planeta, no Himalaia, onde visita as nascentes dos principais rios indianos: Yamuna, Ganges, Mandakini e Alaknanda. Nas reportagens de Arthur Veríssimo a apuração é fundamental. Para Arthur é preciso estudar um tema para desenvolver um bom texto, e principalmente, não só estudar, mas também sair para a rua, buscar livros, se informar com outras fontes, ir até o local. “Tem que ter sempre uma pré-produção e isso facilita porque você surfa lá em cima em onda de 10 metros”. Considerado um exercício mental para o jornalista, a leitura é como o xadrez, um deslocamento, é o prazer do texto, e pelo bem estar. As influencias de autores da literatura no trabalho e vida do repórter são baseadas em Camões, Jerome David Salinger, Marco Andrade, Richard Burton, e outros tantos autores modernos. "A minha guinada como jornalista usando a narração em primeira pessoa é pura experiência própria, é aquilo que o Hunter Thompson usa, mas de uma outra tonalidade. Já tive uma vida Hunter Thompson, ele é uma lenda, Charles Bukowski, é um autor que me agrada, e Jack Kerouac é ícone. [...] O Xico Sá descreveu muito bem o tipo de jornalismo que eu faço, “jornalismo gozo”, não gonzo, o jornalismo que eu faço é prazeroso". No âmbito de jornalista, escritor, formador de opinião, alguns grupos de pessoas adoram seus textos, outras nem o conhecem e algumas o ignoram, mas Arthur não se importa com isso. Além da Trip, atualmente Arthur divide seu tempo com mais quatro projetos, desde consultorias para a Globo, um programa para o canal Futura, a TV Trip, e daqui alguns meses começará a gravar uma série com a Discovery. “Claro que é o meu trabalho, de onde tiro para pagar contas. Além de isso tudo já ter impregnado, está no meu DNA.”

4.4 ANÁLISE DE CONTEÚDO

Este trabalho tem como objetivo identificar qual é a influência do jornalismo gonzo, criado por Hunter Thompson, em um conjunto de textos do jornalista Arthur Veríssimo. Um dos expoentes a se aventurar na prática do estilo no Brasil, Veríssimo é reconhecido pelos textos publicados na Revista Trip. O método adotado


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nesta pesquisa será a análise de conteúdo que, baseado na leitura e pesquisa dos dados, irá deduzir a inferência a partir de índices postos em evidência igualitariamente nos nove textos analisados. O conjunto de documentos que será submetido à análise constitui-se de nove reportagens do repórter Arthur Veríssimo publicadas no site que publica o conteúdo da Revista Trip, realizadas ao longo de um ano, no período de 13 de maio de 2011 a 17 de maio 2012: "Todo Arthur quer Serguei",13 de maio de 2011, Trip 199; "Capim Santo", 15 de junho de 2011, Trip 200; "Afuá urgente", 20 de julho de 2011, Trip 201; "Ihhh Deu Zebra!", 18 de agosto de 2011, Trip 202; "Educação, garbo e elegância" 22 de setembro de 2011, Trip 203; "Significa?" 24 de outubro de 2011, Trip 204; "Silvio Santos vem aí", 19 de dezembro de 2011, Trip 206; "Cabra Cego" 09 de março de 2012, Trip 208; "Famoso Quem" 17 de maio de 2012, Trip 210. As reportagens serão apresentadas e exploradas individualmente, fazendo o uso das regras de codificação para esclarecer as características do texto e contexto. Utilizase as regras de enumeração, além de apresentar a frequência e o motivo pelo qual aparece um símbolo, tema ou ideia. O tratamento dos resultados e interpretações está baseado nas estatísticas, síntese e seleção de resultados, hipóteses e interpretação. Para que se possa chegar a uma conclusão se os textos de Arthur Veríssimo apresentam características dentro do contexto do jornalismo gonzo e quais são elas, será feita uma identificação dessas obras de Veríssimo com o jornalismo gonzo criado e representado por Hunter Thompson, buscando as semelhanças e diferenças que aparecem na diversidade do gênero. Foram selecionadas categorias baseadas nas características apresentadas no capítulo dois:

a) Captação participativa. Quando o gonzo jornalista vivencia a experiência na busca de mais informações. Transforma-se no personagem-narrador e acaba interferindo na história.

b) Ficção e realidade. O uso de personagens e situações ficcionais para aumentar o nível de informações apresentadas ao leitor e dar maior dramaticidade à cena descrita, sem expressar a diferença entre ficção e realidade.


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c) Drogas e bebidas. Apesar de não ser a regra o uso de drogas para que um texto seja considerado Gonzo, o abuso de drogas e também de bebidas alcoólicas é recorrente na obra de Thompson. O fato do uso abusivo de drogas no livro Medo e Delírio contribui para que se acredite, erroneamente, que o Jornalismo Gonzo é apenas um formato de reportagem feito sob o efeito de drogas.

d) Narração em primeira pessoa. Em função da captação de dados ser feita de forma participativa, o uso da primeira pessoa imprime legitimidade às histórias contadas pelo Gonzo jornalista, o que torna o trabalho um "jornalismo confessional".

e) Citações famosas. Por ser muito utilizado por Thompson, esse recurso com citações de músicas ou autores famosos, serve para situar o leitor no ritmo da narrativa e oferecer uma prévia do que encontrará nas páginas a seguir.

f) Fuga do assunto principal. A tendência que Thompson tem de mudar de um assunto para outro como uma tentativa de escrever sobre aquilo que ele acredita que os seus leitores querem ler. A maioria das suas reportagens apresenta no início do trabalho a tarefa de cobrir determinado tema para a imprensa tradicional, mas Thompson acaba deixando-se levar a escrever sobre o componente humano presente na história.

g) Sarcasmo e ironia. O sarcasmo está presente na maior parte do tempo nas obras de Thompson. O humor em Thompson brota do absurdo, irônico e idiota, tanto em coisas que as pessoas dizem quanto em situações em que ele se coloca.

h) Descrição extrema das situações. Observador rigoroso, Thompson percebe os pequenos detalhes que fogem à atenção da maioria das pessoas e aplica-os à sua escrita de duas formas. Em uma delas, se apresenta discretamente. Na outra, consegue expor todos os detalhes pertinentes a um objeto ou pessoa em duas ou três frases, enquanto cria uma representação visual muito forte do que está descrevendo. Como em Medo e Delírio, o carro não é um conversível vermelho, mas um "Grande Tubarão Vermelho".


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4.4.1 Todo Arthur quer Serguei 3

A reportagem "Todo Arthur quer Serguei", postada em 13 de maio de 2011, na Revista Trip número 199, tem a missão de encontrar um novo Arthur Veríssimo. O repórter busca seu novo sucessor à altura do escriba e que seja seu homônimo, com o nome de Arthur Veríssimo, em um concurso lançado no Brasil. Os dois candidatos selecionados, chamados de Arthur (1) e Arthur (2), inicialmente se mostram motivados com as propostas e orientações repassadas por Arthur Veríssimo, chamado pela Revista Trip de “repórter excepcional”, com o desafio de “lidar com a libido e os mistérios de Serguei”. Serguei, há anos é amigo e virou personagem das entrevistas e reportagens de Veríssimo, por isso é considerado pelo jornalista apto para ajudá-lo a escolher o candidato. Os dois rapazes selecionados no concurso aguardavam no aeroporto com plaquinhas de identificação para o encontro com o convidado de Saquarema, o rock star pansexual Serguei. Entre os desafios que foram lançados estava o de interagir com Serguei, assim como Arthur já havia feito com selinho e beijo na boca, deixando-os com risos nervosos. Assim que se encontram, Serguei corre para os braços de Arthur e o beija, perguntando em seguida quem eram os rapazes com plaquinhas. Arthur responde ao seu ouvido e Serguei cumprimenta-os com o “clássico abraço de tamanduá”. Em seguida se dirigem para a van que os aguardava rumo à sessão de fotos. Apelidado carinhosamente por Veríssimo de “fauno intergaláctico”, Serguei inicia seu papo sem limites que gira em torno de rock e sacanagem numa sucessão de movimentos corporais malucos, como um “helicóptero sem eixo”. Questionado por Arthur (1) sobre sua vida e rotina, Serguei começa a falar sobre sua genitália. Beijos e selinhos rolam soltos, e os "Arthures" mostram que estavam realmente dispostos a ocupar a vaga do excepcional repórter na revista. Na vez de Arthur (2), ele pergunta se foi Serguei quem introduziu o panvegetalismo no Brasil, a religião que abraça árvores, e descobre que o primeiro a praticar o abraço em árvores foi Albert Einstein no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Serguei continua, e conta que atualmente namora e transa um cajueiro, deixou o seu antigo jatobá por não ser mais o mesmo. As histórias de seus causos amorosos vêm à tona, e mais uma vez conta dos seus famosos encontros com Janis

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(VERÍSSIMO, 2011a)


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Joplin. O homem falava incontrolavelmente, até que Veríssimo percebe que o “elfo” necessita de comida, sexo e oxigênio, e resolve levá-los a um restaurante, onde Serguei continua contando suas histórias desenfreadamente, dando indícios de que a noite de São Paulo seria longa, repleta de outras histórias e muito beijo na boca. Arthur (2) tenta mudar de assunto, perguntando como Serguei faz para manter sua boa disposição física, e mais uma vez são levados insistentemente para onde tudo começou: “Sexo e orgia”, respondeu. Veríssimo percebe que será preciso desconversar o convidado que só pensa em transar. Brincando, diz para Serguei ir para o baixo Augusta, perto do local em que estavam e provavelmente onde ele iria ao encontro de suas tão desejadas orgias sexuais. Após, vários questionamentos surgem na mente e no coração do repórter, já que os candidatos a sua vaga corresponderam muito bem às expectativas. Ainda não estava preparado para encontrar alguém que ocuparia sua vaga e muito menos deixar seu posto. Diante de tal dúvida, deixou a decisão com os leitores da revista. O texto, repleto de gírias e apelidos sobre o concurso que escolheria o sucessor de Arthur Veríssimo na Revista Trip, contou com a ajuda e o desafio dos candidatos a encarar a figura caricata que é Serguei. Ao longo de toda a matéria, percebe-se o quanto Veríssimo sente-se à vontade com seus leitores e tem liberdade para escrever o que pensa e relatar o que vive na pauta. a) Captação participativa. Está presente no texto do início ao fim. Arthur Veríssimo retrata as situações que vivencia com os dois candidatos à sua vaga e o convidado Serguei. O próprio repórter é o personagem-narrador de sua história e conta detalhadamente o contato com os dois rapazes, suas reações antes de conhecerem o convidado e durante, como no trecho em que os prepara para o desafio de encontrar Serguei: Os dois rapazes acompanham com atenção redobrada as minhas dicas e orientações. Percebo que a dupla está motivada e calibrada para o rito de passagem. Minha última frase os deixa aturdidos. “Tem que ter selinho, beijo na boca, igualzinho à foto que fizemos antes.” Um olha para o outro e caem numa gargalhada nervosa. Sim, para me auxiliar nessa inglória tarefa, ninguém melhor do que um dos personagens com os quais mais interagi nos últimos anos. De entrevistado a amigo, de amigo a colega de reportagens, o geriátrico e orgástico Serguei teria o ângulo mais privilegiado para me ajudar a julgar os predicados dos candidatos ao meu posto. (VERÍSSIMO, 2011a)


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Ao longo do texto, perguntas dos "Arthures" para Serguei com as devidas reações do convidado são relatadas. Veríssimo se diz algumas vezes impressionado com a disponibilidade dos candidatos. O tempo todo faz o intercâmbio com os outros personagens e suas próprias experiências com Serguei. Em função de ter deixado claro já no início da matéria que conhecia Serguei há alguns anos, Arthur Veríssimo, ao perceber que o convidado já estava ofegante de tanto falar, decide convidá-los para um jantar, interferindo na história: Percebo que o elfo necessita de comida, oxigênio e sexo, pois sua voz começa a falhar. Convoco todos para um jantar em um charmoso restaurante nos Jardins. A figura pantagruélica de Serguei incendeia o local. Dispara sua metralhadora giratória de frases desconexas entre um ravióli ao pesto e outro. (VERÍSSIMO, 2011a)

b) Ficção e realidade. Não utiliza personagens nem situações ficcionais. Utiliza-se da figura caricata que é Seguei para relatar sua fama de rock star, casos amorosos com Janis Joplin e o sexo com árvores. Conhecido por suas histórias bizarras e loucas, o personagem Seguei ajuda a penetrar o imaginário dos leitores de maneira com que a ficção e a realidade se misturem, pois em algumas de suas histórias ele é conhecido por “enfeitá-las” a sua maneira. c) Drogas e bebidas. Não aparece em momento algum do texto indício ou comentário sobre o uso de bebidas ou drogas. d) Narração em primeira pessoa. Arthur Veríssimo ocupa-se de narrar toda a experiência de conversar algumas horas com dois candidatos que deve escolher para ser seu sucessor e o convidado Serguei, desafiando-os a fazer tudo que ele já havia feito com o entrevistado. O que imprime legitimidade às histórias contadas são os momentos que se tornam confessionais, como no trecho em que o repórter conta algumas de suas experiências com Serguei: Durante algumas edições na Trip, Serguei e eu já nos beijamos, vivemos aventuras amansando o rebelde Theo Becker, resgatamos Rosana (Como uma Deusa) em um karaoke. Na atual conjuntura, nosso fauno intergaláctico está no ar semanalmente com o programa Serguei Rock Show no Multishow, e recentemente assinou contrato na TV Record, onde participa do programa de Tom Cavalcante. Serguei está na mídia. Serguei está na moda. (VERÍSSIMO, 2011a)


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e) Citações famosas. Não faz menção a música. Não são citações diretas, somente de nomes famosos para contextualizar a história com o entrevistado. Cita somente o nome de Albert Einstein para situar o leitor na narrativa quando Arthur (2) questiona Serguei se ele foi o primeiro seguir a religião que abraça árvores no Brasil: Arthur (2) pergunta ao druída se ele é o introdutor do panvegetalismo no Brasil, isto é, a religião de abraçar as árvores. Com sua memória mesozoica, Serguei esclarece que o primeiro a espalhar essa bênção de abraçar árvores foi o gênio Albert Einstein no Jardim Botânico no Rio. (VERÍSISSIMO, 2011a)

Comenta a conhecida história de amor que o convidado teve com Janis Joplin quando Arthur (1) decide saber mais sobre a virilidade de Serguei, a qual ele já deve ter contado milhares de vezes. Arthur (1) embrenha querendo saber sobre a virilidade do fauno. Era tudo que Serguei desejava falar. Despeja uma sucessão de histórias de seus causos amorosos. Regurgita situações escatológicas e meigas. Repete pela bilionésima terceira vez seus encontros com Janis Joplin. (VERÍSISSIMO, 2011a)

f) Fuga do assunto principal. Apesar de o texto ter desviado um pouco quando só se ouve histórias contadas por Serguei, não houve fuga do assunto principal. Isto porque o objetivo da matéria era desafiar dois rapazes candidatos a ocuparem o cargo de Arthur Veríssimo como “repórter excepcional” na Revista Trip. O desafio era lidar com a figura caricata e sem papas na língua que é Serguei. Ao longo do texto eles participam fazendo perguntas ao entrevistado, Veríssimo comenta no texto o quanto percebe a disponibilidade dos candidatos a preencherem sua vaga e ao final retorna ao foco, que é escolher seu sucessor, fala de suas dúvidas e decide deixar para o leitor escolher. Quem sabe um dia abdique deste posto, porém sinto que ainda não estou preparado para tomar uma decisão de tamanha envergadura. Entrego aos desígnios do Olimpo a decisão de qual dos efebos iremos escolher? O que me aguarda? O que o destino me oferece? Estarei condenado como Napoleão a um exílio ou serei lembrado pela minha generosidade ao investir e acreditar na minha continuidade? Minha missão está cumprida? A decisão cabe a vocês, caríssimos leitores. (VERÍSISSIMO, 2011a)

g) Sarcasmo e ironia. A ironia aparece o tempo todo no texto de Veríssimo. Assim como Thompson, Arthur utiliza humor em coisas que os "Arthures" dizem, quando Serguei fala e também em situações em que ele se coloca.


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Convoco todos para um jantar em um charmoso restaurante nos Jardins. A figura pantagruélica de Serguei incendeia o local. Dispara sua metralhadora giratória de frases desconexas entre um ravióli ao pesto e outro. Acreditem, todos estamos cansados e esgotados de tantas fotos e falantina desenfreada. Serguei tá com a macaca, parece que recém-levantou da cama e quer seguir em frente pela noite de SP. O Pterodáctilo quer aparecer, beijar e circular. (VERÍSISSIMO, 2011a)

h) Descrição extrema das situações. O próprio Arthur se descreve como um observador que acompanha o desempenho dos dois candidatos na sessão de fotos e na troca de beijos e selinhos com Serguei. Além disso, percebe os pequenos detalhes que passam despercebidos à maioria das pessoas, assim como Hunter Thompson também é detalhista. Aplica-os à narrativa às vezes discretamente, em outras, consegue expor todos os detalhes de uma pessoa em poucas frases, criando uma representação visual muito forte do que está descrevendo. Quando Serguei inicia sua conversa na van com os "Arthures", muita sacanagem está sendo dita e a inquietação dos braços do convidado é percebida por Veríssimo como “um helicóptero sem eixo”. 4.4.2 Capim Santo 4 A reportagem “Capim Santo” foi postada em 15 de junho de 2011, na Revista Trip número 200. Arthur Veríssimo e seu fotógrafo vão para o interior de São Paulo, na cidade de Americana, visitar a primeira “igreja Niubingui Etíope Coptic de Sião do Brasil”, onde o uso da Cannabis é sagrado. Chegando à chácara onde fica localizada a igreja, são muito bem recebidos por mais de 30 pessoas que aguardam para assistir ao documentário Run From The Cure, entre elas o responsável pela sede, Geraldo Antonio Baptista, conhecido como Ras Geraldinho Rastafári. Além de ativista social, ambientalista, publicitário, ancião da igreja Niubingui, ele também se considera o maior conhecedor em maconha do país. Logo que inicia a conversa, Ras Geraldinho Rastafári acende um baseado enquanto troca suas sábias ideias com Veríssimo e mostra a ele uma “Bíblia sagrada branca com a folha da Cannabisna capa”. Ao contar a Ras que esteve em duas edições da CannabisCup em Amsterdã, Geraldinho decide levá-lo para conhecer sua planta favorita, e Veríssimo impressiona-se pelo tamanho e cheiro. 4

(VERÍSSIMO, 2011b)


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A igreja, conforme Ras Geraldinho, defende a planta para o uso medicinal e industrial. A chácara apresenta alvará fornecido pela Prefeitura Municipal de Americana, onde diz que o local é uma entidade religiosa de direito e de fato. Mas, como o Brasil é um Estado laico, fumar maconha em uma igreja Rastafári não é o mesmo que tomar um chá de ayahuasca em uma cerimônia do Santo Daime, portanto, o alvará pode ser considerado temporário. Depois de algum tempo conversando com outras pessoas presentes na igreja, Arthur conversa com Ras Junior Ali, vice-presidente da entidade, que diz que a igreja está aberta a qualquer pessoa, já que o fundamental é compartilhar ideias e colocar em pauta assuntos da sociedade. Ao final da exibição do documentário, iniciou-se um debate sobre os rumos da maconha. Questionado sobre problemas com a justiça, Ras Geraldinho contou que, um ano antes, a Delegacia de Investigação sobre Entorpecentes invadiu sua propriedade levando seis pés de maconha que seriam usados na liturgia religiosa, além de fazê-lo prestar depoimento e ser indiciado. Apesar de não ter sido chamado pela Justiça até a data da reportagem, Ras reclamou que teve seus direitos violados, já que não tinham mandado judicial. Ele ainda conta que o uso da planta sagrada é apenas para consagração. No final da reportagem, Arthur e todos os presentes na reunião são convidados a partilhar de uma refeição, de onde saem alimentados e convidados para visitar mais vezes o local.

a) Captação participativa. Aparece na conversa em meio às plantas no terreno da entidade, quando Arthur conta a Ras Geraldinho que esteve em duas edições da CannabisCup em Amsterdã, o que surpreende Ras fazendo com que leve Veríssimo até sua planta favorita: Peço para Nelson, o fotógrafo que me acompanha, registrar algumas passagens e saio com o profeta de Americana para conhecer suas plantas no terreno da igreja.Conto ao Ras que já estive em duas edições da CannabisCup em Amsterdã. Admirado, Geraldinho flutua até sua planta numberone. Fico boquiaberto diante de um imenso arbusto de maconha em seu estado de maturidade, exalando um aroma telúrico.(VERÍSSIMO, 2011b)

b) Ficção e realidade. O texto não apresenta personagens nem locais ficcionais.


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c) Drogas e bebidas. A pauta é sobre o uso da Cannabis para a consagração religiosa. Ao longo da matéria, Arthur relata as três vezes em que Ras Geraldinho acende um “turbobaseado”, além de comentar do aroma das plantas na maturidade, o uso da planta há mais de 35 anos por Geraldinho e os livros em que se encontra conteúdo sobre a maconha. Apesar de contar sobre sua participação em duas edições do festival em Amsterdã, CannabisCup, Veríssimo não deixa claro se faz o uso ou não da droga. A fumaça no ambiente é densa e perfumada. Ras Geraldinho acende outro baseado e nos mostra uma Bíblia sagrada branca com a folha da Cannabis na capa. A edição é a famosa versão do Rei James para a igreja anglicana. Segundo Geraldinho, no livro encontram-se diversas citações relacionadas à maconha. (VERÍSSIMO, 2011b)

d) Narração em primeira pessoa. Faz-se presente o caráter confessional desse tipo de narração realizada com a captação participativa. Veríssimo mostra-se presente o texto todo, como se pode perceber no trecho em que ele torna público seu pensamento que remeteu a perguntas e respostas da sua própria mente escritas no papel: Ras Geraldinho Rastafári não se faz de rogado e acende um turbobaseado. Suas sábias palavras são dignas de um antropólogo e sacerdote radical da nova era. Ele se parece com alguém? Aciono minha memória e depois de rebobinar meu hard disk encontro num canto recôndito o personagem. Adivinhem? Freewheelin Franklin, líder dos enfumaçados Freak Brothers, das histórias alucinantes de Gilbert Shelton. A mente de Ras Geraldinho é puro néctar de THC, seus desdobramentos e sinapses revelam um universo que poucos conhecem. (VERÍSSIMO, 2011b)

e) Citações famosas. Aparecem quatro vezes na matéria, em nomes de autores de livros sobre a maconha, como por exemplo, Jack Herer, autor de The Emperor Wears no Clothes, a citação de Freewheelin Franklin, o líder dos enfumaçados Freak Brothers, das histórias de Gilbert Shelton, e a Bíblia com a folha da Cannabis na capa, edição de Rei James para a igreja anglicana. Logo no início, ao chegar à porta da igreja, Veríssimo reconhece o hino rastafári que ouvia na adolescência, Rastafari is, de Peter Tosh, que retrata citando trechos da música: Da porta da igreja, escuto uma música das antigas vinda do fundo do tabernáculo. Aquele mantra eu já conhecia desde a minha púbere adolescência. "Rastafari is /Lord of Lords and Savior/He‟s the mighty/Mighty onn, Thunderable, Thunderable one/Rastafari is." O hino rastafári ecoado pela voz do sumo sacerdote Peter Tosh. (VERÍSSIMO, 2011b)


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f) Fuga do assunto principal. A reportagem de Veríssimo não apresenta fuga do assunto inicial, que é o uso sagrado da Cannabis em uma igreja Niubingui por seus discípulos e Ras Geraldinho Rastafári.

g) Sarcasmo e ironia. Estão presentes de maneira sutil em alguns trechos como quando Arthur compara o pensamento de Ras Geraldinho com o do maior ativista pró-hemp, chamado Jack Herer, e autor do livro que o jornalista considera uma obra-prima, “que conta tudo aquilo que você queria saber sobre a maconha, mas não aprendeu na escola”. E quando descreve a mente de Geraldinho como “puro néctar de THC”, o princípio ativo encontrado na Cannabis.

h) Descrição extrema das situações. Observando cada centímetro da igreja Niubingui Etíope Coptic de Sião do Brasil, Veríssimo relata a música ambiente, as pessoas que se fazem presentes no local, a atmosfera da sede e sua plantação, além de reconhecer em Ras Geraldinho alguns personagens que serviram de influência na sua formação sábia sobre a maconha, sua mente puro néctar de THC e os baseados que ele acendeu durante a reportagem que Arthur chamou de “turbobaseado”. 4.4.3 Afuá Urgente 5 A reportagem Afuá Urgente foi postada em 20 de julho de 2011, na Revista Trip número 201. A 100 km do porto de Macapá, capital do Amapá, Arthur embarcou em uma viagem que levaria cinco horas percorrendo o delta do rio Amazonas rumo à Ilha de Marajó, mais precisamente a pequena cidade de Afuá, para descobrir como é viver sobre duas rodas. Logo que chega à cidade de 40 mil habitantes, Arthur percebe que ruas e casas são construídas sobre palafitas de madeira, conhecida por alagar toda vez que as águas dos rios sobem e, por esse motivo, veículos motorizados são proibidos em Afuá, tornando a bicicleta e invenções derivadas os únicos meios de transporte. Unindo lazer, atividade física e trabalho, o secretário da Cultura, Esporte e Lazer da cidade, Raimundo Carlos, mais conhecido como Pisca, conta que a cidade, além de não poluir, oferece boa qualidade de vida aos que lá vivem. Ao total são 15 5

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mil bicicletas para os 40 mil habitantes. Arthur conhece também o radialista e inventor Raimundo do Socorro Souza Gonçalves, o Sarito, que criou a primeira leva de bicitáxis do local e o levou para conhecer a rádio Afuá. Após caminhar pela cidade e conhecer alguns personagens do local, Arthur e a equipe da revista alugam bicicletas e vão percorrer os 25 km de ciclovias estreitas e sem proteções laterais. Ao longo do percurso, param para comer o tradicional açaí e admirar a vegetação da floresta. Retornando para o centro da cidade percebe-se movimentação intensa entre pessoas circulando, uma ambulância e de dentro do hospital sai o apelidado de “boto misterioso”. Sarito convida-os para conhecer outros locais da cidade, no caminho entram em uma das três oficinas de Afuá, a do senhor Pipoca, repleta de apetrechos para personalizar bicicletas e até criar novos modelos com carroceria, direção de carro, quatro rodas e tudo o mais. Depois de pegar o jeito de como andar de bicicleta nas ruas estreitas de Afuá, conhecer as figuras populares da cidade, Arthur retorna para Marabá com a consciência de que, no meio da floresta amazônica, Afuá conseguiu uma alternativa sustentável com o uso da bicicleta.

a) Captação participativa. Arthur vivencia toda a experiência de entrarem em um barco lotado de pessoas que parecia que iria virar a qualquer momento no meio do rio Amazonas. Ao chegar à cidade, foi reconhecer os personagens mais populares e que poderiam lhe passar mais informações sobre a pequena cidade sustentável, o uso e criação de bicicletas de diversos modelos, além de andar nas bicicletas nas ruas estreitas e difíceis de se locomover. Fiz um test drive com um bólido de quatro rodas e direção de carro. Os primeiros movimentos foram um sacrifício, mas depois peguei o jeito e circulei a trancos e barrancos pelas ruas estreitas. (VERÍSSIMO, 2011c)

b) Ficção e realidade. O texto não apresenta o uso de ficção seja para personagens ou locais.

c) Drogas e bebidas. Não aparece em momento algum ao longo da matéria indício de uso de bebidas ou drogas.

d) Narração em primeira pessoa. A história é contada com base no que os moradores da cidade fazem para mantê-la sustentável, limpa, com qualidade de vida


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e mobilidade urbana. As oficinas de bicicleta, os problemas com as águas dos rios quando sobem, as figuras que ajudam Arthur a desvendar a cidade de Afuá e a viagem de cinco horas em um barco superlotado prestes a virar no rio Amazonas deixou ainda mais confessional a posição do repórter que relata a experiência no barco. Durante um bom tempo fiquei observando a abóboda celestial com suas estrelas e constelações, e lá pelas tantas fui esticar o corpo numa rede. Quando peguei no sono senti o barco chacoalhando intensamente. Sonolento, olhei para os lados e captei imensa balbúrdia: pessoas choravam e clamavam por Jesus para apaziguar as águas e os ventos. A água espirrava pelo convés e laterais do Fé em Deus com força titânica. Não deu em nada. Da mesma forma como apareceu repentinamente a borrasca, um oceano de tranquilidade instalou-se no turbulento rio Amazonas.(VERÍSSIMO, 2011c)

e) Citações famosas. Quando se refere ao gosto do açaí servido na região da Ilha de Marajó, Veríssimo conta o quanto o sabor é intenso e o caldo é denso, de causar estranhamento a quem nunca experimentou. Mas confessa, em uma comparação com o desenho animado do Popeye, que o açaí o deixou com uma boa sensação: “Depois de algumas colheradas me senti como o marinheiro Popeye, cheio de energia e procurando minha Olivia”.

f) Fuga do assunto principal. Arthur mantém durante todo o texto seu assunto principal: como é viver sobre duas rodas.

g) Sarcasmo e ironia. A ironia está presente no início do texto quando o repórter compara a pontualidade britânica com a ribeirinha, também comenta sobre o barco Fé em Deus que se encaminhou para o destino lotado e ao embalo de muita música tecnobrega. Os bons ventos amazônicos e o movimento da maré indicavam que teríamos uma noite exuberante navegando o rio Amazonas. A pontualidade ribeirinha foi britânica, e a embarcação Fé em Deus soltou suas amarras precisamente às 23h, conforme estabelecido, do porto de Macapá, capital do Amapá. O barco se deslocava suavemente pelo delta do rio Amazonas, com passageiros em excesso e tecnobregabombando no convés.(VERÍSSIMO, 2011c)

h) Descrição extrema das situações. Está sendo relatado no texto como vivem os moradores de Afuá, cidadezinha a 100 km da capital do Amapá, uma das


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muitas ao oeste da Ilha de Marajá. Arthur descreve e caracteriza cada personagem que aparece, fazendo com que seja possível imaginar a criatura. A oficina mecânica, os modelos de bicicletas que podem ser criados, as peças, o fato de a cidade alagar em toda cheia dos rios, a presença de pontes de madeira que servem como rua e todo o ambiente repleto de bicicletas incessantes no meio da floresta, ar puro, qualidade de vida, numa cidade que respira sustentabilidade e dá exemplo, remete a um “laboratório em plena selva”. Na pousada Barriga Cheia alugamos nossas bicicletas e saímos com a missão de percorrer a ciclovia que envolve toda a cidade. As ruas e as vias de acesso na sua maioria são estreitas, o ciclista tem que estar atento pois não existe proteção nas laterais das pistas e numa vacilada pode raspar, trombar com outro bólido e se estatelar no terreno alagado, 1 m abaixo. Todas as casas são de madeira, construídas em cima de palafitas. Segundo a prefeitura, são 25 km de ciclovias na área urbana de Afuá, sendo 60% de madeira e o restante de concreto.(VERÍSSIMO, 2011c)

4.4.4 Ihhh, Deu Zebra! 6

A reportagem "Ihhh Deu Zebra!", publicada em 18 de agosto de 2011, na Revista Trip número 202, traz o repórter excepcional Arthur Veríssimo se fazendo passar por uma zebra em um cativeiro. Ao vestir uma fantasia de zebra e entrar no setor dos rinocerontes-brancos do Zooparque de Itatiba, interior de São Paulo, Veríssimo fica cara a cara com o segundo maior mamífero da terra. A fantasia de zebra aparece, pois apesar de presas fáceis na savana elas têm suas listas como camuflagem, e quando a manada está unida elas causam ilusão de óptica nos predadores. Conhecidos pela fama de reagir a ataques violentamente quando seus sentidos de olfato e audição são manifestados, os rinocerontes não notam o repórter no seu cativeiro, até que a roupa de viscose que Arthur vestia o faz suar frio, de medo e calor. Não demorou muito para o rinoceronte sentir seu cheiro, quando Arthur percebeu que o animal o havia encontrado, já apontava seu chifre e vinha em sua direção. O repórter também agiu rápido e conseguiu fugir do perigo que o aguardava. Ao final do texto, Arthur dá a moral da história: que não devemos nos meter a besta e tentar passar despercebidos, pois no final pode ser pior.

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(VERÍSSIMO, 2011d)


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a) Captação participativa. Veríssimo se veste com uma fantasia de zebra e entra em um cativeiro de rinocerontes. Arrisca-se ao se colocar em frente a um animal que obedece a seus instintos, podendo atacar a qualquer momento, assim que percebesse o repórter no seu habitat. Me esgueirava pelos cantos próximo às saídas de emergência. Com os sentidos potencializados e usando poderosas lentes acompanhava tudo com um olhar de 360 graus. Suava frio na fantasia de viscose. Num dado momento, percebi que um dos rinos havia detectado meu suador. Movimentava sua cabeça farejando minha sombra. Como uma arma letal, seu chifre apontou para meu corpo zebrado. Avançou como um míssil. Como um velociraptor, não titubeei e driblei os obstáculos, afastando-me do perigo iminente.(VERÍSSIMO, 2011d)

b) Ficção e realidade. Arthur Veríssimo deixa claro que ele se veste de zebra para entrar em um cativeiro com rinocerontes. Tudo que é relatado desde seus pensamentos, os animais e ele ali são realidade.

c) Drogas e bebidas. Também não há registro de consumo.

d) Narração em primeira pessoa. Está presente no texto, o repórter se veste de zebra para sentir na pele o que é estar em um cativeiro de rinocerontes. O tom confessional ganha força já de início, quando Veríssimo fala que chega de mansinho com sua fantasia e quando começam a surgir questionamentos em sua mente como: “caminho grávido de dúvidas e receios no setor dos rinocerontesbrancos”.

e) Citações famosas. Este texto não apresenta nenhuma citação famosa.

f) Fuga do assunto principal. A moral da história era sentir na pele como é a vida de animal em cativeiro. O assunto continuou sendo o mesmo.

g) Sarcasmo e ironia. No momento que Veríssimo decide fantasiar-se de zebra para saber como é a vida de um animal em cativeiro, ele já se coloca em uma situação irônica por entrar justamente no habitat do rinoceronte, um grande e imprevisível predador. Também aparece no último trecho quando ele conta a moral da história de ter feito essa experiência:


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Moral da história: não se meta a besta se vestindo de zebrinha esquálida no habitat do rinos ou pode dar zebra. E afinal: a zebra é preta de listras brancas ou branca de listras pretas? (VERÍSSIMO, 2011d)

h) Descrição extrema das situações. Ao longo da matéria Arthur discorre meticulosamente a respeito das zebras, rinocerontes, seus medos, dúvidas, e como fez para encarar o mamífero de 2 metros de altura e 5 metros de comprimento. Como, por exemplo, no trecho em que ele se coloca junto dos animais:

Apesar da miopia possuem excelente olfato e audição e atacam, sem mais nem menos, árvores, veículos e cupinzeiros na savana africana. Lá estava este incauto inca venusiano, ops, zebra, de gaiato no habitat de um grupo de rinocerontes prestes a encarar sua lauta refeição de fim de tarde. Seguia a orientação do tratador. Esperava os rinos no recinto que dá acesso ao refeitório.(VERÍSSIMO, 2011d)

4.4.5 Educação, garbo e elegância 7

Na matéria "Educação, garbo e elegância", postada em 22 de setembro de 2011, na Revista Trip número 203, o repórter Arthur Veríssimo participa de um curso de etiqueta. Chamado de repórter ogro da revista, ele aceita o desafio de polir seus modos praticando um curso da milenar arte da etiqueta, contando com regras, protocolos e atitudes para melhorar seu convívio social. Na zona sul de São Paulo, Morumbi, Veríssimo procurou pela melhor professora de etiqueta, Virgínia Gargiulo, que ensina a arte de receber e ser recebido. Virgínia nasceu em berço de ouro, a casa repleta de louças, quadros e outros pertences herdados da família Ming. Seu pai foi fundador da TV Tupi, Humberto Gargiulo, e seu padrinho foi Assis Chateaubriand. Logo de cara, Virgínia indica educadamente que Arthur deve se sentar para iniciar as perguntas. No papel de jornalista, aluno e convidado, ele quer saber mais sobre a vida de Virgínia, que conta sobre sua infância com governantas e o colégio interno na Suíça. É possível perceber o quanto a professora é recatada. Arthur percebe uma distância entre ele e a professora no sofá e a questiona. A chamada zona perdigoto é um limite de distância fundamental para não receber salpicos de saliva vindos de alguém. Apesar de risadas depois da explicação, Virgínia mantém a compostura e em seguida faz elogios à postura de Veríssimo, que

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(VERÍSSIMO, 2011e)


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se sente lisonjeado. Mas também leva alguns puxões quando diz precisar ir ao banheiro quando o certo seria toalete. Virgínia se dirige até a mesa, onde ensina ao “repórter ogro” como usar os talheres, como dobrar alfaces, comer pizza, lagosta e azeitonas. Para canhotos como ele, a anfitriã dá a dica de trocar os talheres de lugar após o primeiro prato ter sido servido, isto é, muitas regras. Ao final da curta aula, o jornalista aprendeu várias dicas de etiqueta e ainda pediu indicação de livros para Virgínia, que passou os da autora Cláudia Matarazzo e um de banquetes no Palácio de Buckingham. Ao final da reportagem, Arthur também mostra suas principais regras de etiqueta chamada de “O guia de boas maneiras do Arthur”, cada um dos itens contém dicas bizarras de como se comportar em diversos países e culturas diferentes.

a) Captação participativa. Arthur se disponibiliza a frequentar uma aula de etiqueta, mas à sua maneira. Sempre muito educado em suas experiências, ele ouve e concorda muitas vezes com a professora recatada. No final da matéria coloca suas 10 dicas de etiquetas baseadas em suas viagens e experiências pelo mundo. Mas também questiona sobre sua vida em berço de ouro: Sou aluno, repórter e convidado. Me sento no sofá e inicio perguntas vitais. Quero saber de onde vem a herança de bons modos e requinte. Ela sorri discretamente e narra sua saga. Nascida em berço de ouro, Virgínia teve em sua casa, desde a infância, uma rígida governanta prussiana. Estudou em colégio interno na Suíça por muitos anos e foi coleguinha de filhos de sheiks, sultões, grão-vizires e nababos.(VERÍSSIMO, 2011e)

b) Ficção e realidade. Não está presente no texto.

c) Drogas e bebidas. Também não são citados ao longo da matéria.

d) Narração em primeira pessoa. Arthur deixa claro sua confissão de jornalista quando explica porque resolveu fazer o curso de etiqueta: Para me lapidar e melhorar a minha vida, resolvi me submeter a um curso de etiqueta, para que possamos juntos exonerar algumas falhas arraigadas. Saí em busca do melhor professor para elucidar os mistérios da conduta à mesa, do uso de talheres, da postura e do controle no exibicionismo, indo da língua solta à vestimenta apropriada. (VERÍSSIMO, 2011e)


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e) Citações famosas. Utiliza quando refere-se às dicas de livro que pede à professora de etiqueta, as indicações que ela faz contextualiza sua atmosfera de riqueza e etiqueta: “Ela me indica os livros de Cláudia Matarazzo e mostra uma obra ilustradíssima em inglês: For the Royal Table: Diningatthe Palace, com cenas coruscantes dos banquetes no Palácio de Buckingham.”

f) Fuga do assunto principal. O repórter mantém o foco no assunto principal, que é saber sobre etiqueta, e segue até o final.

g) Sarcasmo e ironia. A ironia aparece no trecho em que Arthur refere-se aos ogros, mal educados, que convivemos diariamente: Mas, no trânsito, em restaurantes, aeroportos, shows, no trabalho e nas ruas, notamos que os ogros e seus pares femininos infelizmente ainda dominam o cenário. Há pouquíssimos Shreks bem-educados.

O humor também é identificado no texto quando o repórter, antes de ir embora, faz uma última pergunta à Virgínia: Antes de me despedir, a pergunta definitiva: e se a pessoa sofrer de flatulência e estiver prestes a soltar um pum? Saia sutilmente e flutue até o toalete; um bom anfitrião sempre deixará no lavabo medicamentos para essas situações urgentes, ela ensina. Anotou?

h) Descrição extrema das situações. Os detalhes da casa onde será realizado o curso etiqueta logo são notados e descritos por Veríssimo: A placa na frente da casa no Morumbi, zona sul de São Paulo, indica que ali é um local de boas maneiras. Logo na entrada fui recebido com polidez e cortesia pela professora Virgínia Gargiulo, que ensina a arte de receber e ser recebido. A anfitriã nos conduz para a ala da residência onde ministra suas aulas de lapidação social. (VERÍSSIMO, 2011e)

4.4.6 Significa?

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Na fotonovela "Significa?", postada em 24 de outubro de 2011, na Revista Trip número 204, Arhur Veríssimo e Evandro Santo, o Christian Pior do Pânico, fazem um manual do hétero inseguro, isto é, a nova fobia social: o medo de parecer 8

(VERÍSSIMO, 2011f)


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gay. Nas fotos feitas por Kiko Ferrite, Arhur e Evandro posam com atitudes supostamente de héteros que têm problemas com si próprios. Como por exemplo, andar de moto sem encostar os corpos, comer distantes um do outro com o principal: “preservar os restos do lanche à mostra como sinal de sua ausente vaidade. Cebola é sempre um plus”, olhar bundas de mulheres, não fazer comentários quando outro homem experimenta roupas em uma loja ou cabeleireiro.

a) Captação participativa. Arthur Veríssimo encara fazer uma fotonovela sobre as “toscas técnicas derivadas de uma nova fobia hétero: o medo de parecer gay”. Além de viver a experiência de se passar por alguém inseguro sexualmente, ele mostra os pré-conceitos e preconceitos presentes na nossa sociedade.

b) Ficção e realidade. Utiliza personagens e situações ficcionais, quando Veríssimo e Christian Pior se passam por dois homens que têm problemas com diversas situações que podem fazer com que eles pareçam gays. Com isso aumenta o nível de informações apresentado ao leitor resultando numa maior dramaticidade à cena fotografada e descrita, sem expressar a diferença entre ficção e realidade, mostrando a nova fobia hétero.

c) Drogas e bebidas. Os dois personagens não fazem o uso de drogas e não é citado na narrativa.

d) Narração em primeira pessoa. Não está presente a narração em primeira pessoa, pois o repórter Arthur Veríssimo decide encarar um personagem fictício criado em cima da mais nova fobia hétero que é o medo de parecer gay.

e) Citações famosas. Aparecem quando Arthur e Christian estão em uma luta de MMA, considerada atividade de macho, e ao ver que pode perder para o convidado, os pensamentos de Veríssimo remetem “ai meu Ganesh! Perder para o Pior não dá”. Ao final da luta, Pior é quem pensa “Steven Seagal é meu pastor, nada me faltará”.

f) Fuga do assunto principal. Durante a fotonovela os personagens encarnados por Arthur e Christian Pior continuam no foco de não parecer gays.


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g) Sarcasmo e ironia. Estão presentes o tempo todo no texto criado para os personagens, isto porque repórter e convidado estão ironizando as mais variadas situações em que héteros morrem de medo de parecer gays. Como por exemplo na caixa de texto que fala “Treinando MMA – aí vale tudo mesmo. Eis uma atividade de macho”.

h) Descrição extrema das situações. Aparece em todas as caixas de texto antes das falas e pensamentos dos personagens uma explicação da cena que virá e o porquê eles estão se comportando assim. Os héteros precisam também evitar a todo custo fixar seus olhos nos olhos. [...] Para manter intactas a reputação e a psique, o hétero precisa deixar claro que sua libido é um moto contínuo. Assim, aponta seu olhar a praticamente todo glúteo feminino que abunda a seu redor.(VERÍSSIMO, 2011f)

4.4.7 Silvio Santos vem aí 9

A reportagem Silvio Santos vem aí, publicada em 19 de dezembro de 2011, na Revista Trip número 206, leva o repórter excepcional Arhur Veríssimo a montar uma barraca em frente ao salão de coiffeur de Silvio Santos. Diante das manifestações, ocupações e todas as formas de indignação que se espalhavam pelo mundo em 2011, Veríssimo decidiu tornar pública uma causa que devastava a revista: entrevistar o apresentador Silvio Santos, que tanto nega qualquer tipo de entrevista, então Arthur decidiu “ocupar o Jassa”. Ao lado de uma banca de jornal entre as avenidas Faria Lima e Cidade Jardim, em São Paulo, o repórter montou sua barraca para a espera do apresentador Silvio Santos que sempre passa no seu coiffeur para dar uma aparada nos cabelos nos dias de gravação. Assim que descobriu que na quarta-feira Silvio iria gravar, montou seu acampamento cheio de apetrechos selecionados para não passar frio. Cada objeto possuía uma história diferente, como o “manto sagrado do Himalaia bordado por monges cegos (um must have de meu closet)”, comes e bebes, entre eles “fogareiro para fazer chá de darjelling orgânico (um capricho que não passo sem)”. 9

(VERÍSSIMO, 2011g)


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Enquanto a noite passava, Veríssimo ficou relembrando momentos em que acampou até que caiu no sono tendo um sonho com a lenda Silvio Santos e o Baú da Felicidade. Isso o fez acordar às 5h15min e conhecer o florista Vic Meirelles, que surgia simpatizante à causa. Assim que o dia amanhece e o sol aparece, o guru do amor Prem Baba surgiu e deixou Arthur mais feliz com sua companhia para conversar sobre estas manifestações e ouvir as sábias palavras de força e solidariedade à causa “Ocupa Jassa”. Eis então que surge o apresentador em seu carro, acena para a equipe da revista e entra no Jassa. Pouco depois Otávio Mesquita, conhecido de Veríssimo, aparece e promete ajudar na tarefa de convencer Silvio a dar uma entrevista. Quarenta minutos depois, Silvio Santos surge e conversa com Arthur, que presenteia o apresentador com seu livro Karma pop, fala sobre a Trip, os três anos em que foi funcionário do Silvio, o que ele responde com “ok, muito bom”. Aproveitando, Arthur tenta uma palavrinha de Silvio a respeito das ocupações e protestos no mundo, e obtém como resposta uma propaganda da liquidação dos produtos que restaram no Baú da Felicidade, algo completamente sem lógica, sem eira nem beira. O acampamento foi desfeito e Veríssimo teve uma certeza relatada na matéria: “protestar adianta!”.

a) Captação participativa. Está presente na reportagem. Arthur Veríssimo decide acampar em frente ao salão de cabeleireiro de Silvio Santos para conseguir roubar do apresentador (já que ele não dá entrevistas) uma entrevista sobre ocupações e protestos no mundo no ano de 2011. Inspirado por esses levantes, resolvi tornar pública uma causa que há muito assolava a Trip: entrevistar Silvio Santos. Inflamado, inconformado, torneime um porta-voz para declarar nossa indignação diante das inúmeras negativas. Marchei ao salão do coiffeur que há décadas cuida, com muito esmero, da juba de Silvio Santos. Decidi ocupar o Jassa. (VERÍSSIMO, 2011g)

b) Ficção e realidade. O texto não apresenta, pois Arthur relata o que realmente fez para conseguir falar com Silvio Santos.

c) Drogas e bebidas. Não está presente na reportagem o uso de drogas ou bebidas.


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d) Narração em primeira pessoa. Veríssimo relata sua experiência de acampar em frente ao salão do coiffeur do apresentador Silvio Santos para conseguir uma entrevista. Durante a noite na sua barraca e a madrugada ele conhece um florista que se solidariza e encontra Prem Baba, o guru do amor que lhe proporciona ouvir sábias palavras a respeito das ocupações e protestos pelo mundo, assim como quer ouvir respostas para isso do próprio Silvio Santos. O sol nasce, e meu dia se ilumina com a presença de Prem Baba, o guru do amor. Pergunto a ele sobre as manifestações recentes no mundo árabe, na Europa e nos Estados Unidos. Qual seria o melhor remédio diante de tamanho mal-estar da civilização? Qual o desejo oculto por trás dessa metafísica Porta da Esperança? Prem Baba avisa ser impossível conter esse impulso de rebeldia popular. Seu conselho é voltar-se para dentro buscando a paz e a verdade dentro de si mesmo, através da meditação, da oração e da comunhão com o plano espiritual. No dia de seu aniversário, com uma agenda repleta de compromissos e comemorações, Prem Baba encontrou tempo para me presentear com palavras de força e solidariedade à nossa causa. Ocupa Jassa.(VERÍSSIMO,2011g)

e) Citações famosas. Está presente em alguns trechos da reportagem quando cita os nomes de Hebe, Ratinho e Otávio Mesquita, e algumas frases feitas que Silvio usa para se promover. Aparece também no sonho que Arthur teve com Silvio Santos enquanto aguardava para encontrar com o apresentador: Estava frente a frente com Silvio Santos, e ele me indicava para abrir a “porta da esperança”. Seus bordões ricocheteavam nessa aventura pelo umbral do desconhecido. O primeiro foi o sonoro grito de “Róóquei!” Suas risadas e seus haikais conduziam minha trip. “Vem pra cá, vem pra cá. É solteiro, casado ou tico-tico no fubá? Quem quer dinheiro? Qual sua caravana?”(VERÍSSIMO, 2011g)

f) Fuga do assunto principal. Arthur não foge do assunto principal, vai e volta com os outros personagens sobre as ocupações no mundo, relembra de momentos de acampamento na sua vida, mas não perde o foco na entrevista com Silvio Santos em saber o que ele está achando das manifestações mundiais.

g) Sarcasmo e ironia. Estão presentes no diálogo que Arthur teve com Silvio Santos, curto e de uma força direta de corte incrível. Educado e atencioso, SS emite a primeira frase: “Oi, oi, mas que recepção. Pode falar, meu filho, o que você deseja?”. Dançando e rodando, solto o verbo: “Desculpe perturbá-lo, mas nós representamos a Revista Trip, que está fazendo 25 anos. Trouxe este livro de presente para você”. Entrego a ele o calhamaço Karma pop, sobre as minhas aventuras pela Índia. Silvio exclama: “Muito obrigado! Você é muito gentil”. Eu emendo: “Silvio, fui seu


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funcionário por três anos”. Rápido e desconcertante, ele me dá um corte e complementa: “OK, muito bom”. Insisto que gostaríamos de saber sua opinião sobre as ocupações e os protestos ao redor do mundo. Silvio dá um salto triplo e desce em um parafuso mental: “A única coisa que posso dizer a vocês é que no próximo domingo nós faremos uma liquidação na avenida Ataliba Leonel. Uma megaliquidação dos produtos que sobraram do Baú da Felicidade”. (VERÍSSIMO, 2011g)

h) Descrição extrema das situações. Aparece no texto o tempo todo, mas fica em evidência quando Veríssimo conhece o florista Vic Meirelles. Às 5h15 da matina, como por encanto, desfilando pelo canteiro de cimento da avenida Faria Lima, surge o primeiro simpatizante da nossa causa, o florista Vic Meirelles. Abraçado a um vaso de arruda, deslizando de pantufas, cobertor da vovó e travesseiro de plumas, Vic transbordava alto astral. Sua solidariedade é contagiante. Ocupa Jassa é nosso lema . (VERÍSSIMO, 2011g)

4.4.8 Cabra cego 10 A matéria "Cabra cego", postada em 09 de março de 2012, na Revista Trip número 208, retrata o desafio de Arthur Veríssimo de passar algumas horas do dia com os olhos vendados, totalmente na escuridão. Acostumado a ser cobaia da revista para experimentos, ele topa sentir na pele como é a vida de um deficiente visual. No dia do desafio, pela manhã recebe o estagiário da Trip, Hivanildo Lopes, que será o seu guia vidente, como são chamados os acompanhantes de deficientes visuais. Arthur coloca uns óculos de natação lacrado de fita isolante e dá início ao dia em que irá começar com uma rotina em São Paulo: uma prática de asthanga yoga, uma volta no Playcenter, passar pela avenida Paulista, almoçar em um restaurante vegetariano e, ao final, passear pelo MIS (Museu da Imagem e do Som). Ao chegar no Playcenter, uma funcionária o conduz até a montanha-russa, o que o deixa muito tonto, com náuseas, ouvindo o barulho do motor do brinquedo, mas mesmo assim Arthur dá duas voltas no tal carrinho que sobe e desce em alta velocidade. Ao sair da montanha-russa, o repórter achou que ia ter um "treco", mas se concentrou na sua respiração para voltar ao normal. Na Avenida Paulista, ele percorre o piso tátil que serve para ajudar os deficientes visuais a se locomover. Os cheiros de perfume, cigarro, gasolina e odores mais fortes ganham intensidade no olfato de Arthur. Durante o passeio, o repórter batiza seu acompanhante Hivanildo

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(VERÍSSIMO, 2012a)


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com o nome de uma figura que conheceu em uma de suas viagens para a Índia, SaruWell. O rapaz até gosta do novo apelido. Esbarram em um profeta que fala que Vênus irá explodir e Arthur volta a ter náuseas, precisam sair daquele local. Se dirigem ao restaurante, logo que chega, Veríssimo sente os cheiros de comida que vêm do lugar. Após o almoço decidem percorrer o MIS, lá todas as informações a respeito das exposições são passadas para Arthur, que deixa as reflexões invadirem sua mente e finaliza a experiência constatando que sem poder ver a imaginação vai além, e que pessoas podem ser cegas por outros motivos senão a deficiência visual, como os cegos pelo ódio, dinheiro, poder e etc. Quando tira o óculos, o repórter agradece a SaruWell poder ajudá-lo a enxergar algo que ainda não conhecia do seu próprio eu.

a) Captação participativa. É o que faz a matéria. Arthur decide passar algumas horas do dia cumprindo uma rotina sem poder ver. A experiência mostra algumas coisas para o repórter. Há muito fui incumbido de ser a cobaia sênior nos experimentos xamânicos, sociais, antropológicos e sensitivos desta tripulação que é a Trip. Desta vez este precioso corpo humano passaria por uma experiência de completa mudança na estrutura, na anatomia e no comportamento: viveria um dia como deficiente visual, totalmente vendado.(VERÍSSIMO, 2012a)

b) Ficção e realidade. No texto não é utilizado esse recurso.

c) Drogas e bebidas. Não aparece em momento algum indicação do uso de bebidas ou drogas.

d) Narração em primeira pessoa. A narração toda é feita a partir dos olhos vendados de Arthur. Com o desafio de não poder enxergar, ele precisa de outra pessoa para guiá-lo, além de transcender seu equilíbrio interior, como relata. O que constato é que posso ver sem olhar: a imaginação transfigura o mundo. Ao final, tiro o aparato dos meus olhos e agradeço profundamente a SaruWell por me ajudar a enxergar aquilo que não conhecia das entranhas do meu ser. (VERÍSSIMO, 2012a)

e) Citações famosas. Quando está no museu, Arhur é informado das exposições, como a do desenhista polaco PiotrKunc.


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f) Fuga do assunto principal. O foco da reportagem continua o mesmo ao longo das experiências que Veríssimo vive no dia de olhos vendados.

g) Sarcasmo e ironia. Quando relata sua volta na montanha-russa, Arthur ainda tem que encarar as brincadeiras do fotógrafo da revista: Então escuto uma voz maliciosa: “Você aguenta mais uma?”. Era Kiko, o fotógrafo. Fazer o quê? Ossos do ofício. O repuxo inicial e a subida íngreme já me eram familiares, estava mais seguro. Foi vapt-vupt, mas ao final tive que ser arrancado, pois estava grudado no assento como ventosa de polvo. (VERÍSSIMO, 2012a)

h) Descrição extrema das situações. Está presente o tempo todo no texto. Como Arthur não estava enxergando, descreve meticulosamente o que sente: Deixei de lado minhas grossas lentes de miopia e fui presenteado com uns óculos de natação completamente lacrados com fita isolante. Meu mundo escurece e mergulho na penumbra, perco referências e sinto desconforto. Hivanildo se manifesta e me leva para a sala. Meus sentidos encontram-se à flor da pele e mando ver na prática de ioga. Durante os movimentos, purifico com intensidade meus órgãos internos e externos. A impossibilidade de enxergar me impedia de desviar a atenção, deixando a prática ainda mais renovadora. Suo feito um beduíno. Ao final, no relaxamento, viajo pelas entranhas do meu corpo e dou um cochilo. Desperto em outra dimensão, completamente cego e doido por um banho. Tomo uma chuveirada, me enxugo e, com extrema paciência, coloco as roupas que havia previamente colocado sobre a cama, seguindo metodicamente as orientações que havia gravado em minha memória. (VERÍSSIMO, 2012a)

4.4.9 Famoso Quem 11

A matéria "Famoso Quem", postada em 17 de maio de 2012, na Revista Trip número 210, fala do dia que Arthur Veríssimo viveu um dia de celebridade no calçadão de Osasco. Uma tenda com almofadas e objetos indianos foi montada na movimentada rua Antônio Angu com uma faixa que dizia: “tire uma foto com o grande Arthur Veríssimo!”. Quem passava pelo local olhava, ficava intrigado, mas poucos paravam para tirar foto ou reconheciam o repórter. Quando Veríssimo tocou uma concha, como se fosse um berrante, para chamar o povo, se formou uma multidão de pessoas em volta da tenda. Um baiano corajoso foi o primeiro a sair na foto e se aproximar do repórter. Raul comentou que já tinha ouvido falar sobre Arthur 11

(VERÍSSIMO, 2012b)


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–“acho que te vi na IstoÉ, com o Serguei...”. Alguns só fazem a foto porque estão ali e se jogam nas almofadas da tenda. Juvenal lembra-se das reportagens de Veríssimo para a TV e comenta sobre as suas viagens pelo México, Filipinas, Cuba, Índia, etc. Depois de algum tempo no sufoco de ser uma celebridade, Arthur decide meditar, ali mesmo na tenda, quando reabriu os olhos percebeu a chuva que estava chegando, foi quando finalizaram a sessão de fotos. Ao final da matéria, Veríssimo chega a conclusão de que “o anônimo é uma forma de ser apenas mais um, como se nunca fizesse muita diferença se posicionar, opinar individualmente. Uma situação bem diferente da que vivi no calçadão de Osasco.”

a) Captação participativa. Arthur se coloca em uma rua movimentada de São Paulo para ver quem o reconhece e para tirar fotos. Como é ser anônimo ou uma celebridade. "Para convocar o pessoal, peguei meu berrante em forma de concha e toquei um som dualém. A multidão anônima cercou a tenda".

b) Ficção e realidade. Não apresenta no texto, Arthur encara o desafio de descobrir quem o reconhece e como é passar anônimo pelas ruas de São Paulo.

c) Drogas e bebidas. O texto não toca neste assunto em momento algum.

d) Narração em primeira pessoa. O caráter confessional está presente no texto o tempo todo, quando Veríssimo conta a reação das pessoas que o reconheceram ou não, sobre como era se sentir na pele de uma celebridade. Percebo mais sorrisos amistosos no entorno. Luiz Carlos é mais um que me conhece da TV, dessa vez do SBT. “Achei bacana conhecê-lo pessoalmente, ainda mais que eu sou do interior e, pra quem é do interior, tudo é novidade!” (VERÍSSIMO, 2012b)

e) Citações famosas. Para explicar o que é anonimato no texto, Arthur cita o dicionário Aurélio: “„estado daquilo que é anônimo‟; 'guardar o anonimato, não se revelar o autor de um fato, de um escrito”.

f) Fuga do assunto principal. O assunto principal é o mesmo até o final. Descobrir como é o anonimato, Arthur posiciona-se como uma celebridade no centro de Osasco para ver quem o reconhece ou não, e quem quer tirar foto com o famoso.


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g) Sarcasmo e ironia. Aparecem no texto quando Veríssimo relata sua posição de celebridade no meio de uma tenda em uma rua movimentada de São Paulo. Meu nome estava escancarado em uma faixa na nossa tenda-parangolé, convidando as pessoas a chegar junto para uma foto: “Tire uma foto com o grande Arthur Veríssimo!”. E lá estava este escriba provocando a curiosidade da multidão, sendo julgado, acariciado e bombardeado por palavras, afagos e perdigotos. No calçadão de lojas, produtos e serviços, o corpo estranho era nossa tenda de tecidos, estátuas e almofadas made in India. No meio disso, eu era apenas uma picanha maturada, uma chuleta nesse açougue da curiosidade. (VERÍSSIMO, 2012b)

h) Descrição extrema das situações. Como bom observador, durante a matéria e ao final do texto, o repórter descreve a sensação de ter ficado o dia em uma tenda tentando viver como uma celebridade que podia ou não ser reconhecida nas ruas de São Paulo. Mesmo com muitas pessoas o reconhecendo, Arthur passou como anônimo para muitos que passavam pelo local e até mesmo tiraram uma foto com o “grande”. Esgotado de tanto zum-zum, fecho os olhos e entro em estado meditativo. Transcendi intolerâncias, rejeições, desconfianças e estranhamentos. Estava sossegado e relax. Renovado, abri os olhos apenas quando algumas gotas de chuva finalizaram nossa empreitada. Na minha humilde conclusão, deduzi que o anônimo é o típico sujeito que atua para si próprio, pois não se comunica e não troca – e quem não se comunica se trumbica. O anonimato é uma forma de ser apenas mais um, como se nunca fizesse muita diferença se posicionar, opinar individualmente. Uma situação bem diferente da que vivi no calçadão de Osasco. (VERÍSSIMO, 2012b)


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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste trabalho procurou-se identificar quais as características do jornalismo gonzo, criado e praticado por Hunter Thompson, podem ser encontradas nas reportagens do jornalista brasileiro Arthur Veríssimo. Para isso, foram consideradas características pontuais do estilo que Thompson abusa em seus textos, buscando as semelhanças e diferenças na diversidade que o gonzo apresenta. Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica fundamental para construir uma base sólida a respeito do Jornalismo Gonzo, que surgiu no momento de ebulição do Jornalismo Literário, sendo considerado a vertente mais radical do Novo Jornalismo. Thompson criou um jornalismo sem regras e que somente ele conseguiu representar, principalmente por ter surgido do estilo de vida peculiar que levava. Mas também por praticar experiências literárias ficcionais baseadas em uma apuração verdadeira, utilizar a narrativa em primeira pessoa e experimentar um jornalismo completamente subjetivo, sem contar as atividades ilícitas que fazia uso. Para tanto, alguns autores acreditam que não exista outro jornalista gonzo, apenas Hunter Thompson, mas como já visto no presente trabalho, o estilo inspira outros autores e fãs no mundo todo, que utilizam características gonzo na produção de seus trabalhos. Reconhecido por ser adepto ao estilo gonzo que permeia suas reportagens na Revista Trip, o jornalista Arthur Veríssimo busca trazer para suas reportagens a narrativa de quem vivencia a experiência e a retrata detalhadamente, vinda de uma profunda imersão na pauta e apuração dos temas que trata. Por meio da análise de características específicas dentro do estilo gonzo na obra de Hunter Thompson, recorre-se à análise de conteúdo para o estudo do objeto, a fim de investigar e identificar quais dessas características podem ser consideradas presentes em algum momento nos textos de Arthur Veríssimo. A análise das 9 reportagens foi realizada com a apresentação, exploração e categorização do material, para poder se chegar a fase de interpretação e tratamento de resultados. Dos 9 textos selecionados para analisar buscou-se dentro do período de 1 ano, de 13 de maio de 2011 a 17 de maio 2012, as publicações do conteúdo no site da Revista Trip: "Todo Arthur quer Serguei" (VERÍSSIMO, 2011a); "Capim Santo" (VERÍSSIMO, 2011b); "Afuá urgente" (VERÍSSIMO, 2011c); "Ihhh Deu Zebra!" (VERÍSSIMO, 2011d); "Educação, garbo e elegância" (VERÍSSIMO,


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2011e); "Significa?" (VERÍSSIMO, 2011f); "Silvio Santos vem aí" (VERÍSSIMO, 2011g); "Cabra Cego" (VERÍSSIMO, 2012a); "Famoso Quem" (VERÍSSIMO, 2012b). Para realizar a identificação de características do jornalismo gonzo que influenciam e permeiam os textos de Arthur Veríssimo recorre-se ao modelo de categorização dessas características utilizado na análise para compor um melhor resultado de um modo geral deste estudo.

a) Captação participativa. Arthur Veríssimo se coloca no papel de gonzo jornalista nas 9 reportagens analisadas que publicou na revista Trip. Vivencia a experiência, inclusive aceita desafios propostos pela revista na busca de mais informações e do aprofundamento da pauta. Arthur segue a linha de ser sempre o personagem-narrador e interferir nas pautas sempre que surge uma oportunidade, seja para questionar, contar histórias, fazer comparações ou fazer parte de experimentos.

b) Ficção e realidade. Arthur Veríssimo não permite deixar o leitor saber se utiliza a ficção ou se tudo o que é relatado é real. Utiliza em apenas 2 reportagens personagens que podem ser considerados ficção, mas não ao ponto de confundir o leitor. Em "Todo Arthur quer Serguei" (VERÍSSIMO, 2011a), utiliza-se da figura caricata que é Serguei, baseado em sua fama de rock star, o caso amoroso com Janis Joplin, o sexo com árvores, entre outras histórias bizarras e malucas. A segunda matéria é "Significa?" (VERÍSSIMO, 2011f), a fotonovela conta com personagens e situações ficcionais de Veríssimo e Christian Pior no papel de dois homens que têm problemas com diversas situações que podem fazer com que eles pareçam gays. Este recurso conta com personagens e situações ficcionais criados para aumentar o nível de informações que o leitor receberá e proporcionar maior dramaticidade à cena descrita, deixando subjetivas a ficção e realidade.

c) Drogas e bebidas. No conjunto de reportagens analisadas Arthur não cita usar drogas ou beber. Somente a matéria "Capim Santo" (VERÍSSIMO, 2011b), que é sobre o uso da Cannabis para consagração religiosa, Arthur conta que Ras Geraldinho fuma baseados durante a entrevista, mas não deixa claro se fuma também, apenas reconhece e repara no cheiro. Apesar do abuso de drogas e bebidas alcoólicas ser recorrente na obra de Thompson, o jornalismo gonzo não é


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apenas um formato de reportagem feito sob o efeito de drogas. Portanto, não é regra o uso de drogas para que um texto seja considerado Gonzo.

d) Narração em primeira pessoa. Utiliza-se em 8 dos 9 textos a captação de dados ser feita de forma participativa. Arthur narra em primeira pessoa quase todas as reportagens imprimindo legitimidade às histórias contadas e deixando seus textos como um "jornalismo confessional". A única matéria em que a narrativa não está em primeira pessoa é "Significa?" (VERÍSSIMO, 2011f), isto porque a fotonovela conta com personagens e situações ficcionais. O repórter Arthur Veríssimo faz o papel de um personagem fictício criado em cima da mais nova fobia hétero que é o medo de parecer gay.

e) Citações famosas. Assim como Thompson, Arthur também utiliza este recurso com citações de músicas, livros e nomes famosos em grande parte de seu trabalho. As citações situam o leitor no ritmo da narrativa e oferecem uma prévia do que encontrará ao longo da história. O único texto que não apresenta essa característica é o "Ihhh Deu Zebra!" (VERÍSSIMO, 2011d), em que ele se veste com uma fantasia de zebra e entra em um cativeiro de rinocerontes.

f) Fuga do assunto principal. Diferente de Thompson, que tende a mudar de um assunto para outro na tentativa de escrever sobre aquilo que ele acredita que os seus leitores querem ler, pode-se perceber que Arthur procura não sair do foco que é seu assunto principal, mantendo sempre o foco no tema da pauta que foi relatada inicialmente.

g) Sarcasmo e ironia. Estão presentes juntamente com o humor em todas as reportagens analisadas. Pode-se identificar essas características tanto em coisas que as pessoas dizem quanto em situações em que ele se coloca quando aceita os desafios propostos como “repórter excepcional”.

h) Descrição extrema das situações. O próprio Arthur se descreve como um observador nato. Nos 9 textos analisados ele percebe os pequenos detalhes que passam despercebidos à maioria das pessoas, assim como Hunter Thompson também é detalhista. Aplica-os à narrativa às vezes discretamente, em outras,


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consegue expor todos os detalhes de uma pessoa em poucas frases, criando uma representação visual muito forte do que está descrevendo. Como por exemplo, na reportagem "Todo Arthur quer Serguei" (VERÍSSIMO, 2011a), quando Serguei inicia sua conversa na van com os "Arthures", muita sacanagem está sendo dita e a inquietação dos braços do convidado é percebida por Veríssimo como “um helicóptero sem eixo”.

Hunter Thompson é sem dúvida uma importante influência na obra de Arthur Veríssimo. Pode-se perceber a tendência de encaixar características do estilo gonzo no seu modo de fazer jornalismo, o autor explora a captação participativa, usa a imagem para aproximar o texto do leitor e do que ele procura, emprega um papel fundamental na apuração e interage com fontes e pauta. Além disso, Arthur faz o uso da narração em primeira pessoa baseada em experiências vivenciadas, o que torna o gonzo mais humano e palpável, e imprime um papel ao repórter de informar o leitor sem a imparcialidade jornalística, sem comprometer o objetivo de transmitir informação e sem perder a verossimilhança. O repórter descreve de maneira extrema suas histórias, ambientes e personagens dentro do contexto do tema abordado, sem permitir que o leitor perceba se considera a ficção ou se tudo o que é relatado é real. Em grande parte das reportagens analisadas as citações de músicas, livros e nomes famosos situam o leitor dentro da narrativa. O sarcasmo, ironia e humor estão presentes nos seus textos, seja nas experiências de Arthur ou do seu personagem-tema. Entre as características do jornalismo gonzo apresentadas nesta pesquisa, Arthur Veríssimo, o “repórter excepcional” da revista Trip, somente hesita em sair do foco do assunto principal e não cita em seus textos o uso de drogas ou bebidas para o consumo próprio e/ou para narrar suas reportagens. Apesar de Arthur Veríssimo fazer, na maioria das vezes, matérias encomendadas para a revista Trip, a vertente gonzo brota em seus textos, indo de acordo com sua identidade autoral. Assim como Thompson, no âmbito de repórter, escritor e formador de opinião Arthur Veríssimo reconhece que é admirado e rejeitado, mas isso não faz a menos diferença no seu trabalho. Portanto, nota-se que para ser considerado um jornalista gonzo não é necessário dominar todas as características baseadas em um estilo de fazer jornalismo a moda Hunter Thompson – que mesmo assim continua sendo o principal representante do gonzo. É o


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conjunto de caracter铆sticas do estilo criado por Hunter Thompson que torna um rep贸rter ou um texto gonzo.


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REFERÊNCIAS

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ANEXO A – Todo Arthur quer Serguei


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ANEXO B – Capim Santo


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ANEXO C – Afuá Urgente


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ANEXO D – Ihhh Deu Zebra!


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ANEXO E – Educação, garbo e elegância


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ANEXO F – Significa?


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ANEXO G – Silvio Santos vem aí


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ANEXO H – Cabra cego


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ANEXO I – Famoso quem


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