O que é o trabalho resenha crítica

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O QUE É TRABALHO Suzana Albornoz.

RESUMO DA OBRA

I O que a palavra trabalho significa Neste capítulo introdutório Albornoz deixa claro o objetivo do livro ao pedir ao leitor que abandone a ilusão de que o material apresentado irá informar todo o saber referente ao tema proposto. Segundo ela, seu livro tem como função fornecer a base introdutória necessária para que o conhecimento atenda o processo de evolução. A autora também enfatiza a importância da ligação entre a teoria e a prática e acredita que será mais fácil para aqueles que já passaram pela experiência de trabalhar se envolver nas discussões que o livro traz. Para Albornoz a palavra trabalho tem diversos significados em sua linguagem cotidiana. Sua significação atribuída ao homem sofre algumas transformações de acordo com seu conteúdo valorativo e prático. Para ilustrar esse fenômeno Albornoz exemplifica as várias designações das línguas europeias que servem para descrever a atividade laboral. Em português, entretanto, a palavra trabalho resume em uma só expressão o significado de realizar uma obra que dê conhecimento social, te designe e dure além da sua vida, e a do esforço rotineiro com base num resultado final, que exige repetições cotidianas e uma certa quantidade de incômodo. Apesar de ter seu significado designado e delimitado pelo dicionário o trabalho também ganha significação particular, podendo assim ter sua identidade ampliada por conceituações pessoais e culturais tendo seu uso ampliado daquele tido como usual. Trabalho, neste caso, pode ser um conjunto das deliberações de um grupo, uma tarefa escolar, ou mesmo o processo de nascimento de uma criança. Sua conceitualização negativa pode ser explicada por sua origem, em nossa língua, na palavra em latim tripalium, um instrumento de uso na agricultura que era comumente associado a práticas de tortura. E é dessa associação com o contexto de padecimento e de cativeiro que a palavra trabalho origina seu valor negativo. Na opinião de Albornoz todo trabalho supõe uma tendência para um fim e esforço. Para alguns trabalhos esse esforço será predominantemente físico, para outros, preponderantemente intelectual. Entretanto, essa classificação que


divide o trabalho corporal e mental não parece fazer sentido, sendo unicamente interesseira e de certa forma míope. Não existe um sem o outro e sua relação demonstra ser claramente dependente. Para muitos, o que distingue o trabalho humano do dos outros animais é que neste há consciência e intencionalidade, enquanto que os animais trabalham por instinto, programados, sem consciência. Tendo em vista isso, natureza e invenção se vinculam no trabalho humano em níveis diversos: da ação mais mecânica e natural a mais controlada e consciente. Nesse sentido uma ideia mais clara da palavra trabalho pode ser feita ao analisamos a história da experiência que o corresponde.

II O que o trabalho tem sido Nas sociedades primitivas e em seu princípio, o trabalho no primeiro estágio da economia isolada e extrativa é um esforço complementar apenas ao trabalho da natureza. Sua ação é secundária frente às forças da natureza e sua simplicidade carece de planejamento ou estruturação ( neste caso o adjetivo simples utilizado para caracterizar as sociedades isoladas é relativo). Como estágio consecutivo ao das economias isoladas, surge a introdução da agricultura como forma de organização da obtenção dos meios de subsistência e consequentemente da padronização da atividade laboral. Suas consequências vão desde a noção de propriedade particular ao surgimento do produto excedente. Entretanto a possibilidade de desigualdade em termos de tamanho de propriedades e trocas de excedentes tem como resultado final a dissociação da propriedade com o trabalho ao ponto em que se estabelece a desapropriação total de quem trabalha pelo suposto direito a propriedade pelo ocioso. Ao colocar em foco o desenvolvimento econômico da Antiguidade e da Idade Média Europeia, Albornoz estabelece a conexão entre a submissão do trabalho ao direito a propriedade e sua relação com o surgimento da desigualdade e a guerra ou táticas militares como instrumentos de manutenção da exploração laboral. O passo seguinte da evolução econômica para a autora é o comércio mediado pela moeda em substituição a troca em espécies. A prática do comércio dá início ao surgimento de uma nova classe social: a burguesia, que ao contrário dos senhores feudais, escravos e camponeses não dependem diretamente do cultivo de alimentos ou animais e faz com que o processo primário da obtenção de recursos tenha menos valor que seu trabalho comercial. Esse processo resulta, assim, numa intensa valorização da atividade distributiva comercial e torna sua classe burguesa dominadora.


Com a autonomia em relação as condições materiais as artes e a ciência acompanham a evolução econômica. Com a ideia da burguesia de aplicar a produção os conhecimentos adquiridos sobre a natureza e os fenômenos físicos a possibilidade de utilização do saber em novas tecnologias fez com que a expansão capitalista gerasse a Revolução Industrial. Com a automatização do trabalho surge a possibilidade da ampliação da ociosidade, que antes era privilégio de poucos, para um grande número de pessoas. Essa nova realidade traz não só uma questão prática a ser debatida (Como sustentar milhões de semi-inativos ou inativos?) como também uma questão existencial para os homens modernos em geral (Como alcançar a afirmação social sem o exercício do trabalho?). Contraditoriamente a realização do ócio para as grandes massas chega no mesmo período em que a era moderna faz a glorificação teórica do trabalho. Sendo assim a alternativa de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho muito longe de despertar sentimentos de libertação elicia emoções inquietantes.

III O que o trabalho está sendo Albornoz afirma que o trabalho hoje é um esforço planejado e coletivo, no contexto do mundo industrial, na era da automação. A substituição do colonialismo para o imperialismo econômico colocou em voga as organizações multinacionais. Esse fato fez com que existisse uma dependência da população em relação a essas organizações e grades empresas para a realização do trabalho. O trabalho autônomo passou a ser algo quase extinto e os fenômenos que estão associados a esse processo moderno constituem a realidade mundial atual. O crescimento demográfico e a urbanização são dois bons exemplos desses fenômenos consequentes. O crescimento demográfico se deve em grande parte as conquistas nas áreas de saúde com o advento da industrialização surge a necessidade dos trabalhadores se concentrarem perto de seu local de trabalho tendo como consequência dessa exigência laboral a urbanização. O trabalho, neste sentido, não só se coletiviza, mas também sofre uma divisão entre lugar de trabalho e moradia. Este fato toca de forma distinta as mulheres, tradicionalmente responsáveis pelo cuidado do lar e educação dos filhos. Embora não seja uma novidade o trabalho das mulheres, sua distancia do ambiente familiar é sim um ponto novo a ser discutido. Não só por conta do desenvolvimento da máquina tornar irrelevante a diferença da força física entre homens e mulheres, mas também pelo engajamento no trabalho industrial afastar as mulheres da casa e da família.


Outra separação que a industrialização faz, além do local de trabalho e local de moradia é a separação entre o processo de produção de uma mercadoria. Cada trabalhador ou funcionário entenderá apenas de uma etapa ou parte do processo de fabricação. Sendo assim, o alcance do trabalho perde seu valor porque não é mais possível ver o conjunto das atividades que o esforço se insere. A alienação objetiva do homem do produto e do processo de seu trabalho é uma consequência da organização legal do capitalismo moderno e desta divisão social do trabalho. O processo de especialização tem um efeito final que contradiz seu objetivo inicial. Depois de atingido um determinado ponto de fragmentação do processo de trabalho, em vez de acentuar-se a perfeição e beneficiar-se, pois, o aspecto técnico da produção, é este mesmo aspecto técnico que se perde. Comparando o trabalho na organização com o modelo artesanal de trabalho, é fácil perceber também a perda do aspecto lúdico. Ao contrário do sistema artesanal o contexto trabalhista das organizações não permite a flexibilidade necessária para se fazer pausas para o lazer durante o horário produtivo. Considerando essas implicações Albornoz acredita que não há condições para introduzi-se nenhum prazer no tempo de trabalho e que toda e qualquer tentativa dos departamentos de psicologia de atingir esse objetivo não passa de tentativas frustradas com base em ideologias com o intuito de maquiar a situação real. Uma das características mais distintas do mundo do trabalho em que vivemos é a sua submissão ao capital, aos interesses dos capitalistas e dos proprietários. O Estado se confunde e apoia os interesses capitalistas e divulga sua ideologia de submissão do trabalho tornando a população alienada sobre seu poder de decisão e fazendo com que o labor se transforme no significado do trabalho. Tendo em vista isso, necessidade do consumo é fabricada e os lugares de participação política são extintos.

IV Do que se tem pensado sobre o trabalho Existem inúmeros conjuntos de ideias ocorridas historicamente e que ainda podem estar influenciando nossos preconceitos sobre o trabalho. Os preconceitos gregos encontram expressão em uma teoria geral da atividade criadora como a que aparece em Aristóteles, um dos seus maiores filósofos. Para o pensamento antigo é a finalidade que dá sentido e comanda o sentido da atividade produtiva. A causa real da fabricação não está na vontade ou na força do artesão, mas fora dele, no produto feito, no fim a que se dirige a atividade. Para essa forma de pensar, o homem só age livremente quando a ação não gera nada além dela mesma, ou seja, quando utiliza as coisas e não


quando as fabrica. O ideal do homem livre, do homem ativo, aparece na Grécia antes como o do usuário que o do produtor. Para os gregos, a distinção entre diversos níveis de trabalho humano se dava num contexto social e cultural em que doméstico e público se separavam radicalmente. O nosso tempo desfez muitas das sagradas separações entre cidade de casa. Nesse sentido Hannah Arendnt julga ver no mundo contemporâneo a redução de todo trabalho ao nível de labor, de esforço rotineiro e cansativo com o único objetivo da sobrevivência. Estaria ocorrendo uma laborização do mundo, bem mais do que a elevação do trabalho produtivo ao plano da paxis pela politização da vida operária, segundo o plano socialista. A ideia de que o homem se faz a si mesmo e se eleva como ser humano através de sua atividade prática, com o seu trabalho, transformando o mundo material, é uma ideia moderna, alheia ao pensamento antigo. Na tradição judaica, entretanto, o trabalho é encarado como uma atividade penosa, a qual o homem está condenado pelo pecado. A Bíblia o apresenta como um castigo, um meio de expiação do pecado original. Nos primeiro anos do cristianismo o trabalho era visto como punição para o pecado, que também servia aos fins últimos da caridade, para a saúde do corpo e da alma e para afastar os maus pensamentos provocados pela preguiça e pelo ócio. Mas como o trabalho era deste mudo, mortal e imperfeito, não era digno por is mesmo. Com a Reforma protestante, o trabalho sofre uma reavaliação dentro do cristianismo. Para Lutero, o trabalho aparece como a base e a chave da vida. O ócio era uma evasão antinatural e perniciosa. Manter-se pelo trabalho era um modo de servir a Deus. O trabalho é o caminho religioso para a salvação. É visto como virtude e como obrigação ou como compulsão. Sua prática deve ser valorada, mas seus resultados não devem ser cobiçados, mas sim reinvestidos para que permitir e incentivar mais trabalho. Max Weber faz essa ligação entre a ética religiosa e a economia capitalista no sentido de associar o desejo do religioso como algo coincidente com os objetivos da sociedade. A procura de bens materiais e dinheiro ainda são condenados, mas a riqueza só é vista negativamente somente se constituir em uma tentação para a vadiagem e o relaxamento. A perda de tempo é o primeiro e o principal dos pecados. Toda hora perdida no trabalho redunda em hora perdida na glorificação de Deus. Pois o trabalho constitui a própria finalidade da vida. Para Karl Marx a essência do ser humano está no trabalho. O que os homens produzem é o que eles são. O homem é o que ele faz. E a natureza dos indivíduos depende, portanto, das condições materiais que determinam sua atividade produtiva.


Na contemporaneidade as massas de empregados, segundo Albornoz, não possuem nenhuma vontade obstinada de trabalhar, e sua rotina cotidiana traz poucas satisfações positivas. Os novos controles sociais criam nessas massas, através das propagandas veiculadas pelos meios de comunicação, uma carência irresistível para a produção e o consumo do supérfluo. O trabalho, pois, segundo Marcuse, não seria apenas alienado no mundo de hoje, mas alienante. A servidão ao trabalho sem sentido serve para castrar os indivíduos como seres políticos e pensantes. Assim, o trabalho hoje em dia não seria só alienante porque o esforço alienado imbeciliza e reduz a capacidade de opor-se ao sistema e superá-lo. O produto do trabalho e seu consumo escravizam, terminam o processo de alienação do indivíduo que não pode mais se destacar e opor. O trabalho torna-se necessário porque o produto é visto como tal e assim fecha-se o circulo da nova dominação. V O que o trabalho não é É preciso ter cuidado na hora de diferenciar trabalho e emprego. Muitas vezes fazemos uma preparação profissional para alcançar o saber ou o domínio de uma técnica ou alcançar a satisfação de uma nova capacidade. O que se pretende é depois do curso obter um emprego melhor, ou pelo menos o melhor emprego do nosso tempo. Pau Singer, conhecido economista brasileiro, distingue entre os setores de emprego: o setor de mercado, do emprego na produção capitalista, o setor autônomo, da produção simples de mercadorias, por artesanato ou em pequenas manufaturas, o setor de subsistência e o setor de emprego em atividades governamentais. O emprego hoje em dia não se entende como uma atividade peculiar, no sentido técnico do trabalho, mas sim como recurso de acesso, mesmo que parcial e defeituoso, a uma parte da renda e consequentemente ao consumo. As pessoas trabalham para antes poder consumir do que para produzir alguma coisa.

VI O que o trabalho ainda não é, mas pode ser. Para Borneman o trabalho deveria ser constituído como forma de prazer, o acento seria posto na criatividade sobre a produtividade. O trabalho seria resultado da alegria de criar, satisfação análoga a atividade de criar do artista. Numa sociedade feliz, sem classes, o objetivo supremo não será mais o rendimento, o desempenho, mas a criação. O trabalho não será mais uma carga que o homem suporta apesar dele mesmo porque sem ele não sabe do que viveria. A vida de todos os membros da sociedade será assegurada


independentemente de seus desempenhos e façanhas. De modo que o trabalho poderá tornar-se, enfim, uma atividade com sentido.

CONCLUSÃO A autora além de fazer um apanhado histórico da evolução e transformação da prática e significação do trabalho através dos tempos e sociedades como também expõe as diversas visões filosóficas e culturais desse conceito tão importante para o funcionamento da economia e consequentemente da população em geral. De forma crítica Albornoz demonstra sua opinião acerca da vivência do trabalho contemporâneo fazendo um paralelo de seu significado atual e antigo da mesma maneira que propõe uma forma que ela acredita ser mais assertiva de se vivenciar a prática laboral em substituição à forma atual. Sua opinião parece questionar o papel dos indivíduos enquanto pessoas economicamente ativas e exigir uma postura mais ativa politicamente no sentido de se preocupar com a organização, função e resultado dos sistemas envolvidos no processo do trabalho. Segundo seu ideal de sistema trabalhista, o trabalho deve ser vivido com algo prazeroso. Uma prática criativa, na qual o cidadão possa ser detentor de todo o processo e sendo assim valorize sua prática em sim, não como um meio para um fim, mas como algo excelente por si só. Apesar de ter coseguido o objetivo almejado ao escrever o livro a autora muitas vezes foi repetitiva em alguns assuntos e por vezes prolongou outros além do necessário. Sua contextualização histórica e filosófica sobre o trabalho foi excelente, entretanto algumas de suas conclusões pareceram radicais e um pouco ideológicas sobre o que deveria ser o trabalho. É evidente sua crítica ao capitalismo e sua consequente intervenção na significação da prática trabalhista, mas embora seja bastante evidente os diversos pontos negativos deste sistema econômico no livro, suas contribuições positivas para o mesmo assunto não são citadas. REFERÊNCIA ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 2004.



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