Exercícios sobre línguas e abandonos

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ExercĂ­cios sobre lĂ­nguas e abandonos



“Há que experimentar o prazer para, só depois, bem suportar a dor. Vim ao mundo molhado pelo desenlace. A dor do parto é também de quem nasce. Todo parto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se — em lágrimas — do paraíso, é condenar-se à liberdade. Houve, e só depois, o tempo da alegria ao enxergar o mundo como o mais absoluto e sucessivo milagre: fogo, terra, água, ar e o impiedoso tempo.” Vermelho Amargo - Bartolomeu Campos de Queirós



Aos que me abandonaram. No parto, na vida, na morte. Aos amores que se foram, na honestidade do desencantamento. Àqueles que se deixaram em mim, costurados e pespontados pelo fio dourado do encontro. À língua e à linguagem, que fizeram com que eu me abandonasse.



existe um monstro cujo bafo de ternura me orienta essa semana todos falam de deus eu já perdi o emprego e a fé não que uma coisa tão bonita se pareça com uma tão feia não que uma coisa seja só bonita ou só feia a fé é importante, assim como o emprego hoje eu falo da falta isso pra mim é importante do mundo só sei do monstro cujo bafo de ternura me leva.


pela primeira vez escrevi sobre meu pai do pai que eu não conheço muitas coisas eu herdei mochila invisível nos ombros coluna arcada pra frente tamanho inadequado do dente as regras de uma vida sem lei do pai que eu não conheço muitas cores eu ganhei um certo tom de melancolia cara redonda de pandeiro dificuldade de mostrar o traseiro obrigação de seguir adiante (…) do pai que eu não conheço muitas casas eu forjei e na sua ausência, ele deu muito me deu fome medo de homem o Oliveira do nome sede de mundo eu digo que nem doeu ele só não deixou fotografia posso ter encontrado na rua também não sei quem é minha tia pode ser você que me leu o pai que eu não conheço é você? o pai que eu não conheço sou eu.


amor eu fui ao fundo do poรงo sรณ pra ouvir a tua risada


às vezes é preciso o susto do sutiã aberto sozinho pela rua os segundos intermináveis diante do estranho, que adivinha pra que lado você vai dar o passo, num pas de deux forçado em frente ao metrô o embuste da música que começa parecendo muito com aquela tua preferida passar 5 ou 12 dias tristes pensando nos versos de Adrienne Rich, que morreu ano passado mas só me chegou agora saber da cola de farinha e água, ou do cheiro ruim do broto de feijão nascendo no algodão lembrar que somos feitos de esquecimento e, à medida em que dobramos uma esquina, alguém apaga um trecho do caminho correr continuar não sabendo com precisão o que é preciso, fora teu abraço, ou você nu me sorrindo vezes sem conta.


Spinoza ela me pediu uns versos poderiam ser cinza chumbo vida aperreada mas ela festeja ao dirigir um carro velho em direção ao túnel Rebouças sempre fala a mesma coisa “adoro passar por aqui fico do tamanho das árvores” diz que sente a presença de deus e em voz alta conversa com ele olhando pro céu e pro Cristo como quem tem a senha pra vida eu olho pra ela equiparada às copas sobre o elevado e volto a acreditar em algo que não sei o que é faço um poema azul.


no momento em que a galinha degolada ainda corre e o link fechado do YouTube insiste em cantar é lá que eu vou fixar residência nesse instante de descuido onda a mão luminosa da fé toca a escabrosa cauda do niilismo deixando sua digital furta-cor cintilar é lá na calçada desse delay irreal que eu vou botar minha cadeira de praia e dar bom dia boa tarde pro absurdo.


sobre dezembro esse poema é feito de saudade de pessoas que atualmente odeio tem cheiro de cachorro molhado num banho de lago no antigo jardim zoológico esse poema é feito de saudade dos homens que me deixaram tem gosto do luxuoso pudim de leite moça da padaria que ficava perto do colégio esse poema é feito de saudade de comemorar por pentelho nascido tem jeito de ovo colorido da conta herdada no botequim da esquina esse poema foi feito de saudade terminou numa maca gelada num corredor de hospital onde me disseram: “até que viveu muito” coloquei um velho vestido e a despeito disso a falta ganha cor com o tempo hoje meu avô fazia anos, faz sol.


te vejo como quem à beira do corredor da morte cultiva dúvidas sobre a última refeição desejada aceita por isso te invejo neandertal, erectus que diante da natureza supõe seu tamanho e sucumbe pra você morrer de vulcão ou paixão de amor ou tremor no fundo é a mesma coisa ser presa da surpresa meteoro ou soluço.


domingo soube que você desmaiou de fome e a má água que nos separa há tantos anos ficou fria a ponto de me congelar as tripas senti o gosto de sal e óleo das batatas-fritas que contei tentando medir o seu amor hábito que não largo eu vou medindo tudo vendo fotos no dia das crianças lembrei das pessoas falando que eu me parecia com você que eu tinha herdado seus cachos olha, não só na imagem te imito mas na sociabilidade na falta de apreço pelo trabalho ou quando apareço com informações inúteis em momentos inoportunos e a má água em que boiamos esses anos todos que te impediu de pedir ajuda me fez gentil com as palavras por isso lhe escrevo essas 19 linhas.


audio guide espada bizantina tantos caminhos nas vísceras do inimigo espelho vitoriano quantos olhares guardou consigo atravesso o museu pensando não somos como as estrelas, separadas pelo tempo de qual acervo eu e você faremos parte dos que serraram coração ou dos que inócuos se findaram? o que dirão de nós os domingos?


ode à incompletude (deselogio ao Fábio Jr.) a parte de mim que te pertence é tão xadrez ela fala russo, toca tecnobrega na festa é completamente desavergonhada desprovida de qualquer limite o pedaço que você ocupou tão legalmente é a minha capitania menos hereditária é aquilo que mudei porque era doído é também o que há em mim de mais familiar parece que sempre foi desse jeito o enxerto meu que você leva para a noite é tão bebum é tão animado, tão novo, tão ranzinza é o meu olhar maroto sobre o mundo o tasco meu que te foi consignado aquele que você levou para conhecer o mundo vê o Rio com olhos muito mais corteses faz amizades improváveis pelas quebradas a interseção de nossos conjuntos me ensinou que somos únicos mas não somos unitários o naco que te cabe nesse latifúndio me ajudou a prestar atenção no outro me tornou humana, quase vegetariana é a minha fração mais bonita, da qual mais me orgulho mas não sinto falta dela não pois foi quando arranquei essa parte de mim pra te dar que me vi a par do mistério dos planetas me senti a parte de tudo e a partir disso sigo querendo muito mais da vida completa não serei nunca.


família pouco me lembro dos intempéries tempos embora me faltem algumas unhas segurei firme a grande mala repleta de imagens santinhos, mangas bufantes que só me deram o ônus do excesso eu nunca pude jogar tudo no mar fiz das tralhas tesouro um barato balanço até que um dia amanheci sem nada deitada sobre meu rúptil barquinho.


matrioshka no tempo das coisas não olvidadas em alguma dimensão ukelele, sem complexidades eu continuo a te encontrar ainda saio à tarde do trabalho e corro só pra deitar ao seu lado por algumas horas antes do meu rosto acolher o sereno nessa semana eu chorei com um sms surpresa – carinho cada vez mais caro – what’s up? teve aniversário do Garcia Márquez li cartas de alguns kamikazes e é como se tua lembrança recente condiscípula das antigas e notívagas aulas fosse a mãe de todas as emoções seguintes feito Keats morando em Quintana todo encantamento é teu parente.


exercícios sobre psicologia romântica se com silêncio te poupo dos meus pleitos literários é porque não te quero constrangido por tão pouco entre o porto e o parto há tanto (...) o amor nunca me levou ao fundo do posso mas deixe que eu te conte desse despertencimento deixe que eu te dê um banho de balde sou alma volátil, de esponja nuvem e eu te prometo tudo que não se nega a ninguém.


post ao pai entre o bar e a banda larga 30 anos minha mĂŁe achou meu pai no Facebook disse que ele tem uma filha cabeleireira e uma piscina de cimento eu nĂŁo quis vĂŞ-lo preferi um poema concreto na rede me deitei com Kafka.


dia de chuva continuam a escrever na timeline do luthier morto como a música de seus violinos ainda violam a caixa-preta de algum ouvido o raptado rinoceronte de Dürer regalo para o santo padre após naufrágio e empalho chacoalha seu soberano chifre na quietude da xilogravura que é a agrura inevitável do fantástico viver pra sempre.


eu gosto dos que choram como se dançassem mais dos conquistados do que dos conquistadores do idioma geográfico da luz dos tradutores dos que se arrependem amargamente da Sabina Spielrein do design dos carros antigos das sementes de coisas que não me lembro de coisas que não podem ser escritas da sensação de ser compreendida da dança do louva-a-deus mais do tempo da borboleta do que o da estrela de ouvir o silêncio das coisas do Magritte e do Chagall (e não sei de qual dos dois gosto mais) do cheiro que o amor deixa nas mãos da poesia da bula do seu remédio da vileza das coisas lindas que me diz eu gosto, ainda que doa, de trocar o coração de lugar por isso gosto do meu corpo junto ao seu, mais que tudo.


explicação eu tinha um coração de leão igual ao de Ricardo, aquele safado só tinha coragem lá dentro um dia me falaram que a coragem não podia morar ali despejaram a pobre então ela foi residir na minha cachola meu coração hoje é de muppet feito de espuma e arame mas tenho saudade de pintar as paredes de rasgar livros de roubar livros de me plantar na porta da casa do garoto da escola que eu era a fim de ir sem o endereço de matar aula pra ver o mar por isso bebo e escrevo poema eu tenho muita saudade.


Légère



eu não acredito num deus que não obriga as mulheres bêbadas a retirar a maquiagem antes de dormir.


légère as costas recaíam no banheiro adeus soutien ao voltar pra sala o professor de francês dizia que 'leve' tem feminino as alunas de italiano chegam pra protestar contra o desleixo do reitor nessa assoberbante estação clamam por alívio sugerem um topletaço pra falar a verdade e à liberdade de idioma o único pleito que me pega quando penso em peito é a sua mão a palma apalpando o seio num jeito curioso de medir o miocárdio.


caixa postal – carta de amor para o corpo corpo é cofre e código morse de mão, não só fábrica de gente nem fuga de mente demente sendo a cabeça também corpo como plataforma de mãos que espaldam punhos que politizam no fim tudo é corpo até no corporativo e carece de reto papo quem explica o curvilíneo tem visto pra um voo vasto se produz autoabraço forte dá luz, é todo terreno farto tanto tamanho como cansaço tudo mais que é dito ambíguo olhe com ternura pra teu umbigo despeje sobre esse sagrado pasto o topo de amor que te foi banido.


engodo pra cada amor uma tatuagem porque o amor não merece menos a colher do amor não espera nada além de um prato bem fundo pra acolher o objeto amado sorver seu caldo se embriagar enlouquecer depois um laser pra apagar e muito líquido que periquito anda bebendo pra esquecer o lugar lânguido, não ilustrado que é o esculacho de não amar.


a teus pés no dia em que ela nasceu Waldo, seu pai, leu um pouco depois escreveu em seu diário “será inteligente, alegre felicidades, Ana Cristina!” estou com seu livro nas mãos e o cara da Travessa me diz que Leminski vende mais.


honestidade os pelos do meu púbis crescem uns lentos sonolentos pra dentro outros jorram florescem e fenecem na mata selvagem devastada sempre incongruentes fiéis a seus próprios tempos os pelos do meu púbis têm mais vontade do que eu.


as mulheres varrem o estacionamento vazio são muitas as vassouras primas das árvores a nossa volta o velho azul marinho são muitos os uniformes e é tão sério o tergal primo das garrafas de plástico intimida até as folhas.


não-absurdinhos Caymmi gostava de Blitz os ornitorrincos são os únicos mamíferos que não sonham não tendo uma fila à mão, há que se entrar num site de fofoca por dia pra sentir o tempo deslizar suave em toda sua extensão Sócrates criou seu próprio modo perfeito de existir, e eu sempre me pergunto como ele conseguiu o metro quadrado mais caro no Rio de Janeiro é uma terra na planta astral (em qualquer casa) no bairro que se chama Recreio, nem sinal dos bandeirantes, quando se atravessa num riso a Rua das Acontecências a mulher vive depauperada por ter um buraco a mais pra cuidar, talvez por lá entre uma porção a mais de nada, doida pra virar alguma coisa, de preferência cantante.


você precisa de macumba você precisa de maconha você precisa de marido você precisa de vergonha e de mulher você precisa ser maluca botar a mão numa cumbuca de olhos fechados você precisa ouvir os outros eles sabem com precisão o que é preciso você não.



Retrato de pessoas conhecidas, esquecidas e inventadas



Pedro tem um aquário de desenho animado na cabeça como um escafandro-vitrine de ideias pelo qual vejo seus pensamentos desfilando pelos olhos, pelo nariz por todos seus buracos calmamente quando acontece de lhe acender um mau agouro ou lhe pega à força a seca de Sampa não me falta sua face bem feita ainda que de vinco na testa e limpa de pretensões burlescas olho nos poros porque quero ver o que me diz a paz.


Julia, ontem usei teu atalho e foi estranho eu já te esqueci há sete estações mas cortando caminho pelo Hortifruti o coentro era menos forte que teu riso.


Vitória deve ser de virgem por falta de tempo vago ou competência o astral não soube um signo só pra ela nasceu sob o quinto elemento o silêncio num daqueles feriados no Japão dia do mar deve morrer na idade oriental de morrer de maneira que ninguém perceba na hora do chá, talvez nem morra.


Tarsila ela é loira e como todos os loiros, veio ao mundo quarada numa intimidade precoce com a soberana estrela que a faz ultrapassar barreiras de fatores na proteção solar ela fala francês lindamente, contrariando as leis da linguística não tem somente uma língua mãe todas querem lhe dar o peito feito a negra pintada por sua homônima famosa ela tem dentes incertos e brancos a assimetria mais perfeita que já se teve notícia e quando ela pergunta “o quê?” – precisa ouvir duas vezes as coisas eles aparecem num eclipse bucal sobre mim vou lhes ser omisso quanto aos olhos, o perfume e todo resto pra que possam a sós imaginar como Tarsila é bonita de dar dó, de dar nó, de dar pó em tudo que vem antes e depois dela.


Matilde em você eu gosto o gosto da estrada essa tua estranha mania de se sentir em casa em qualquer lugar em você, neblina, a sina do sanhaço uma vocação pra nave, ou nau a cantar paisagens ao pé do ouvido cabem tantos corpos e vozes na tua carcaça morena vira armazém de brisa, um banco vasto de voos talvez de tanto ir, você se fez grande, gaiata gaivota e sendo pequena a minha costela-gaiola coloquei no peito tua 3X4 pra te seguir cá debaixo com a nuca não, não é torcicolo é que com o queixo no colo te sinto colada a minha caixa torácica e mesmo com os olhos bem fixos no chão sem um adeus português ando a tropeçar de ternura por ti.


Isabel teu cheiro passaríamos à procura pela vida inteira a metáfora perfeita pra detê-lo mas tua essência escrita no papel seria como as tirinhas que a moças oferecem na porta da perfumaria ainda que inebrie sem a pele é sempre irreal tua presença de lavanda lava os fundilhos da calma.


entre os dentes de Érica passa ar ela abre a boca e tudo passa.



Linguística prática



“Mesmo em maio - com manhãs secas e frias - sou tentado a mentir-me. E minto-me com demasiada convicção e sabedoria, sem duvidar das mentiras que invento para mim. (...) contemplei a rua e sofri imprecisa saudade do mundo, confirmada pela crueldade do tempo. A vida me pareceu inteiramente concluída. Inventei-me mais inverdades para vencer o dia amanhecendo sob a névoa. Preencher um dia é demasiadamente penoso, se não me ocupo das mentiras.” Vermelho Amargo - BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS



in tento deitada inerme uma teta exata aponta pro teto espeta estrela me faz um esteta e do verso anotado a tentativa triste de retratar o tato da sua beleza tanta.


custoso conceber Columbine Candelária todo câncer cerebral ser conterrâneo planetário de Mandela.


é preciso estar atento tudo na vida é dois e mais veja a oficina que faz conserto de aparelhos de poluir e perder tempo na parede tem pôster da boceta do mês no chão um bichano adotado.


ode a Magritte Kim Carnes por um m não é açougue em Ipanema.


poemeta fluo entre a metalinguagem e vocĂŞ me metendo a lĂ­ngua.


eu te amo como a blusa que descansa na maรงaneta.


DDA Eça não dispersa se não te capo a cedilha.


elegia eu te amo atĂŠ a hora de ir dormir meu bem inteira nunca li uma PiauĂ­.


streap neurรณtico tire o n tire o u.


terceira versão cagalume virou pirilampo língua já teve trema e você, peçoa não tema que mudar é coisa única que não muda.


comum é uma palavra-gaiola catraca é uma palavra-festa lânguido é uma palavra-sussurro sossego é uma palavra-sofá pernóstico é uma palavra-risada criança é uma palavra-brinquedo você é uma palavra bonita que eu gosto de ter na boca dentre muitas outras da galáxia Gutenberg.


pão de forma a fotógrafa gringa sorri constrangida constatando a grafia do nome de seu trabalho ao conhecer o despropósito sorrio de volta do equívoco certo eu conto pra ela que a leveza com s é a mais leve de todas.


a estatística do Wordpress diz que alguém da Irlanda esteve em meus poemas hoje penso na onda do Google que pôde ter trazido o forasteiro de tão esplêndido lugar continuo a receber no novo número de celular mensagens para Josete que comprou nas Casas Bahia e não pagou penso na onda que ela está tirando com o fogão e a geladeira novinhos há no mundo coisa mais humana procurar e não achar com exatidão o que se procura?


a vida sem paixĂŁo um mĂ­mico numa sala escura.


perguntinhas felicidade no indicativo presente tem conjugação, o concurso público é a solução, Saint-Exupéry é ruim mas é bom, num corpo o amor e a paixão coabitam, e todas as discórdias por terra (Palestina, Crimeia, Malvinas e a menina que beliscou minha bunda no escorrega) são culpa do ruído, seria a linguagem um deslize sobre o humano?


no Oceano Índico há uma ilha que se chama Reunião.


no Gula Gula o velho e a moรงa um na boca do outro todos olham absortos com Inveja Inveja.


explicando o acordo ortogrĂĄfico autoestima guardou seu hĂ­fen dentro da bolsa pra se poupar do uso indiscriminado.


uma enorme teta que dói do leite empedrado ou o homem de meia idade que leva uma parte do cabelo acaju junto a um constrangido palmo de raiz branca através de imagens pratico a autoexplicação do mundo sem saber desenhar .


aberto um caminhão de caixão espanta quem segue de pé junto no ônibus.


uma boca que replica os sons mais sonoros (flato, flanco, flauta doce…) dá saída a todo sossego um sorriso que demencia qualquer tédio retarda trajes severos requer biquínis sortidos uma risada língua celeste, estrela que é dente um buraco acima do queixo pra sugar contentamento súbito e seguir.


da despedida sobre vocĂŞ falo queu quero.


o piscineiro beijou a menina no mar.


a sala está sempre cheia. estou aqui também, vendo o respeitado autor de gramáticas despejar nuvens de sintagma pela boca. sua fala-leito nunca me atém. toda vez que o ouço, abro a escotilha do cocuruto. fujo para longe. não sou afeita à norma, bem que eu gostaria, já que os mais espertos espectros dizem que a liberdade tem casa lá. eu não. agora, por exemplo, penso forte no Buko, signo que espanta todo meu macio entorno. é como o vinco profundo que fiz sem querer no seu livro. lembrei agora e o tirei da bolsa. lindo. tem um par de seios na capa. é uma dessas traduções duvidosas. comprei só pelo vício de comprar, mesmo não sabendo há quantos meses minha conta não vê um tom próximo ao azul. repito a vida: tem coisa mais certa não, dar aquilo que não se tem. dentro da compacta conferência, abro as páginas com o prazer de uma manhã de sol, e espero que a freira sentada na minha frente o sinta. aqui está o velho safado contando de seu amor por Lydia, que, na verdade, se chama Linda. ela tinha esculpido a cabeça do poeta em argila. todas as rugas e rusgas expostas ali. tudo tão vivo. e o desejo, que nunca aprendeu etiqueta, essa coisa de bater antes de entrar. nas constantes brigas, a cabeça ia de um lado para o outro. amanhecia na varanda. era largada no sereno. vivia no banco do carona, a cabeça. sempre em trânsito. dentro dela, a língua. ambos contando com o amparo da lei e não entendendo por muito tempo o conforto. variam. vão longe.


a vida é isso que acontece enquanto você resiste à furação de olho ou glúten.


re: “teu livro o único que amanheceu comigo” para Luiza

nos cílios o rímel é o que resta sorrio com eles pra tudo que teima você na lembrança de ontem fixação prolongada fica até mais bonita no contato com a água que eu jogo no rosto pra encarar o hoje.




Prendendo a respiração pra ouvir a conversa no busão



memento mori Gustavo postou que morrer poderia ser apenas nos livrar da ideia de que estamos esquecendo alguma coisa Alejandra Pizarnik diz que morrer é uma maneira de aprender a dormir na memória de um muro ou de um animal que sonha eu conheço pouco o assunto das mortes aprecio as breves não a de uma borboleta branca mas morrer de texto como a Isabel ouvir pela primeira vez uma música bonita e dar uma morridinha Ésquilo foi morto por uma águia que atirou uma tartaruga em sua cabeça da morte o certo é terceirizar pesquisas mais profundas .


deposite aqui seu tĂ­tulo da janela se vĂŞ dois meninos eles olham pro lado olham pro outro atitude suspeita eles encostam no carro eles vĂŁo roubar o carro os meninos se beijam.


pra ter assunto eu sempre desço um ponto antes esqueço o nível ouço conversa por não ter pressa e andar a pé já vi a morte e tive sorte é que esses passos sempre me levam de encontro ao pouso de um mistério que em tudo pode, do tiro na rua a você tirando o brinco, existir.


pai, filho e wi-fi senta do meu ladinho que aqui tรก pegando o Google.


freak-Freud show para Patrícia

ela me diz que passado presente e futuro à noite fazem ménage na mente de modo que nunca se sabe ao certo quem é quem eu não sou capaz de pensar tão grandes coisas por isso me dedico a ouvi-la nas horas vagas a loto de digressões pueris – toda vez que brincava com fogo sonhava a cama inteira e assim se vai levando o dia acordado a gente dança tango com o tédio.


explicação II existem no mundo apenas duas raças o sádico e o sanguessuga todo mundo é meio sádico a manicure caprichando no bife o bêbado a tratar mal sua bile o palhaço ladrão de risos o cirurgião tarado por cortes o diretor do filme triste que te deixa chorando sozinho o amante que ao ouvir “me bate!” responde “não” todo mundo é meio sanguessuga quando põe o outro em sua dieta ssssssshhhhrrrrrrr sobretudo o poeta ele viu por aí tudo que você lê e pensar que ainda há quem o use como tratamento alternativo em certos casos graves gangrenas, problemas de circulação.

* em árabe, melancolia é doença, sangue preto pisado, parado no coração ou no fígado.


Via Láctea para o Marcelo na Alemanha, para a Alemanha no Marcelo

ele me contou que depois de ter passeado pelas costelas de Eva a mulher gigante do Tivoli Park sempre esteve dentro de alguma coisa os túneis que atravessava eram enormes minhocas com luzes nas espinhas e costelas de concreto quando a vida lhe alardeou sua velha semente deixando ao alcance de um abraço uma parte perdida do coração ele percebeu que não estava dentro da grande sala de espera pro céu ao ver os rastros esbranquiçados das estrelas se viu também farelo que faz o universal mingau uma partícula da gota que escorre do peito de Hera à noite ele dorme no estômago de uma baleia que é onde dormem os homens com recheadura de sonho.


para Fabrício Branco a moça de Moçambique não troca de roupa muda o penteado nos pés que carregam o recheio da moça e que levaram o homem do meio do mapa calçado é luxo até hoje mas na extremidade de cima do seu corpo negro que cocuruto mais rico nos fios e tranças cada dia um assunto se mostra pro mundo tão velho da moça.


Psicografados pelo travesseiro



semana passada sonhei que algumas ruas não desalagavam nunca mais a água era azul Punta Cana como se deus tivesse brincado de pequeno químico ali antes de ir pro trabalho eu descia do ônibus pra nadar fazia isso junto com alguns animais que estavam por lá ao léu baleia, tartaruga, lontra e hipopótamo que no sonho eu chamava de rinoceronte nenhum faz parte do jogo do bicho.


autĂłpsia sou uma boneca russa cheia de grandes e pequenos vocĂŞs.


la grande bellezza você insiste que tudo não passa de um eterno fim de festa “la vida es una orgía lenta”, você canta enquanto procuram algo pra esconder suas vergonhas você dança sobre a bandeja toma chá de carqueja depois se endireita como uma nova espécie de mariposa lépida que misteriosamente aparece sobre as garrafas vazias.


havia uma menina que resolveu adotar um morcego o bicho apareceu na sua varanda com um corte comprido na asa e a menina corria e corria pela casa atrás do incauto não sossegou enquanto não o emendou com esparadrapo eu fiquei na dúvida de qual dos três eu era embora a menina tivesse a minha cara embora eu andasse com um solar desgosto, plantando bananeira no ar embora o poema fosse feito desse simples branco-avarento que deixa sempre seu contorno preto-colante após o banho embora o sonho fosse grande e todo meu.



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