Francisco Vaz da Silva, Capuchinho Vermelho Ontem e Hoje

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Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................

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VARIANTES CLÁSSICAS ........................................

17

O Capuchinho Vermelho (por Charles Perrault) Capuchinho Vermelho (pelos irmãos Grimm) .....

19 25

VARIANTES ORAIS ................................................

33

Francesas O Conto da Avó (variante do Nivernais) ............. O Capucho Vermelho (variante dos Altos-Alpes) .................................. O Capuchinho Vermelho (variante dos Altos-Alpes)................................... A Menina e o Lobo (variante da Ardèche)............ O Capuchinho Vermelho (variante do Forez) ...... O Lobo e a Menina (variante da Haute-Loire)..... O Capuchinho Vermelho (variante da Isère) ....... A Menina e o Lobo (variante do Velay) ................ O Capuchinho Vermelho (variante dos Altos-Alpes)................................... O Bonezinho Vermelho (variante da Vendée)...... Retorno de Paris, ou A Aprendiz e o Carroceiro ................................. —7—

35 41 45 49 53 57 61 65 69 73 77


FRANCISCO VAZ DA SILVA CONTOS MARAVILHOSOS EUROPEUS

Italianas O Chapelinho Vermelho ....................................... A Ogra ................................................................... Tio Lobo ................................................................

81 85 89

Portuguesas A Menina do Chapelinho Vermelho ..................... O Chapelinho Encarnado ..................................... O Lobo e a Menina................................................ O Capuchinho Vermelho ...................................... Uma Menina Tinha Uma Avozinha ...................... O Capuchinho Vermelho ......................................

93 101 105 109 113 115

Asiáticas Tia-Avó Tigre (variante oral chinesa) .................. 119 Florbela e o Urso (variante literária chinesa) ....... 123 ADAPTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS.................... 133 Textos de Roald Dahl Capuchinho Vermelho e o Lobo ........................... 135 Os Três Porquinhos ............................................... 137 Texto de James Finn Garner Capuchinho Vermelho .......................................... 141 Textos de Angela Carter O Lobisomem ........................................................ A Companhia dos Lobos ....................................... A Companhia dos Lobos (guião radiofónico) ...... A Companhia dos Lobos (excertos do guião cinematográfico) ..................

145 149 165 195

PARA SABER MAIS: TÍTULOS SELECIONADOS................................... 231 —8—


Introdução

O

S CONTOS TRADICIONAIS ditos maravilhosos, ou de fadas, são narrativas que descrevem as tribulações da alma humana como quem fala de outra coisa. Por isso perduram no tempo e passaram das tradições orais de antanho para a literatura, os filmes e a Internet. Através das suas múltiplas variações os contos maravilhosos descrevem terríveis tribulações, dando simultaneamente a entender que o sacrifício propicia a renovação. Isto é, falam de tempos maus numa perspetiva otimista. Incitam auditores e leitores a não baixar os braços, convidam a porfiar. Proclamam que a crise é necessária ao crescimento, que a adversidade fornece alento e inspiração. Os contos tradicionais maravilhosos são, ontem como hoje, um importante recurso espiritual. Esta coleção de Contos Maravilhosos Europeus propõe-se colocar o universo dos contos tradicionais ao alcance do grande público, proporcionando conhecimentos especiali—9—


FRANCISCO VAZ DA SILVA CONTOS MARAVILHOSOS EUROPEUS

zados de um modo acessível a não especialistas. Cada um dos sete volumes da coletânea apresenta as variantes literárias mais relevantes de um certo conto (ou ciclo de contos) e aduz variantes orais ilustrativas do mesmo. Todas as variantes são apresentadas em texto integral, acompanhadas por comentários sucintos visando ajudar a elucidar a narrativa a que se referem. Lidos em sucessão, estes comentários servem também como pistas interpretativas para uma compreensão geral do tema. No final de cada volume uma bibliografia selecionada orienta os leitores interessados para leituras mais especializadas. Os contos apresentados resultam de uma seleção a partir de fontes diversas em várias línguas e foram traduzidos, ou atualizados ortograficamente, para o português contemporâneo a partir dos textos originais. Isto quer dizer três coisas. Em primeiro lugar, são apresentadas novas traduções das variantes literárias de cada conto. Em segundo lugar, variantes orais provenientes de vários pontos da Europa são traduzidas a partir das publicações especializadas que as divulgaram. E, em terceiro lugar, atualiza-se o texto das variantes portuguesas a partir das publicações originais, mesmo quando há reedições comerciais disponíveis, a fim de minimizar a possibilidade de erros de transcrição. O presente volume apresenta o tema de Capuchinho Vermelho, classificado pelos especialistas como Conto-Tipo 3331. Este conto, constantemente impresso em livros infantis ao longo de mais de um século, é um dos mais célebres do nosso tempo. Tem uma venerável pré-história nas tradições orais eurasiáticas. Abordar este tema implica tomar — 10 —


CAPUCHINHO VERMELHO, ONTEM E HOJE INTRODUÇÃO

consciência do hiato existente entre o tema de Capuchinho Vermelho que nós, leitores contemporâneos, conhecemos e aquele que as gentes de antanho ouviam, de memória viva, em serões e vigílias. A celebridade deste conto deve-se fundamentalmente a dois textos literários cujo sucesso se mede em múltiplas adaptações em livros infantis e no cinema. A primeira foi escrita em francês por Charles Perrault em 1695; a segunda, redigida em alemão, foi pouco a pouco aprimorada por Wilhelm Grimm (em colaboração com o seu irmão Jacob) desde 1812. É praticamente certo que Perrault se inspirou em variantes da tradição oral francesa do século XVII. E sabe-se que os irmãos Grimm usaram uma variante, assaz reminiscente da de Perrault, que lhes fora contada por uma senhora alemã de ascendência francesa. Assim, é de uma forma geral aceite pelos especialistas que a variante dos Grimm deriva da de Perrault, à qual acrescenta o episódio final do caçador. Esta hipótese é tão mais verosímil quanto o texto alemão omite um certo número de traços tradicionais, presentes de um modo constante nas versões orais, que Perrault disfarçara ao redigir o seu texto. Foi provavelmente por Perrault ter considerado estes motivos tradicionais impróprios para serem lidos e declamados por gente do seu meio social que os atenuou, tornando-os virtualmente invisíveis. Ora foi o texto de Perrault (reforçado pelo dos Grimm) que, resgatando o tema de Capuchinho Vermelho à obscuridade de uma tradição oral entretanto desvanecida, o trouxe até nós. Assim, os traços tradicionais escamoteados por Perrault caí— 11 —


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ram no esquecimento até aos nossos dias. Radica neste facto a ignorância moderna do tema tradicional. Este volume apresenta o conto Capuchinho Vermelho na plenitude dos seus traços tradicionais. A aventura (ou a desventura) da menina que encontra o lobo na casa da avó, tal como narrada na tradição oral, constitui um tema mais problemático do que as variantes modernas deixariam supor. Importa pois assinalar que, ao passar das versões literárias de Perrault e dos Grimm à matéria tradicional, sai-se do domínio da literatura para crianças. Os contos tradicionais eram narrados entre adultos. As crianças assistiam na medida em que, nas sociedades tradicionais, os pequenos participavam desde cedo nas atividades dos adultos. Mas os contos orais não eram ditos, nem imaginados, a pensar em crianças. O que não significa que os nossos petizes não possam, ou não devam, ter contacto com aquilo que se contava por essas aldeias fora. Aliás, alguns dos textos orais reproduzidos adiante foram narrados por crianças. Os contos tradicionais são um género complexo, que suscita níveis de leitura e de compreensão diversos em diferentes idades; assim, é previsível que cada jovem neles encontre aquilo que é adequado ao seu nível de entendimento2. No entanto, no que toca aos mais pequenos, cada parente e educador(a) deverá utilizar o seu discernimento e experiência para decidir que textos ler e quais deixar para cada jovem leitor descobrir mais tarde, autonomamente, ao seu próprio ritmo. O conto Capuchinho Vermelho tem uma vitalidade surpreendente — desde as formas arcaicas que assumiu na tradição oral até às variantes contemporâneas que consagram a — 12 —


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sua adaptação ao nosso tempo — e este volume acompanha as grandes linhas da sua evolução. Eis como. Num primeiro tempo realiza a passagem temática das variantes clássicas de Perrault e dos irmãos Grimm para as variantes orais. Estas provêm essencialmente de França e de Itália, onde a tradição deste conto foi mais vivaz; mas incluem-se também neste volume variantes recolhidas na tradição portuguesa. Todas elas manifestam influências dos textos clássicos de Perrault e dos Grimm, adaptadas à mentalidade nacional. E, para fins comparativos, apresenta-se duas instâncias de um conto do Sudeste Asiático que é tematicamente próximo de Capuchinho Vermelho. Seguidamente, consideram-se adaptações do tema tradicional à sensibilidade contemporânea mediante três abordagens distintas — duas curtas e ligeiras, a terceira mais sistemática e ambiciosa. Primeiro examinaremos um par de contos de Roald Dahl, um idiossincrático autor britânico que escreve para jovens, e que tende a salientar a dimensão macabra das situações que apresenta. Embora Dahl não pareça ter conhecido a tradição oral de Capuchinho Vermelho, intuiu uma virtualidade do mesmo ao imaginar uma heroína forte, colecionadora de casacos e outros apetrechos de pele, que constitui pois uma ameaça letal para o lobo. Depois veremos como James Finn Garner, um autor americano contemporâneo, reescreve o tema de Capuchinho Vermelho à luz da ideologia do «politicamente correto», que parodia. Cria uma tão convincente depuração do tema clássico à luz da ética pós-moderna que, pelo próprio excesso da purga realizada, é a ideologia contemporânea que aparece afinal satirizada. — 13 —


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Finalmente veremos como Angela Carter, apostada num projeto mais ambicioso, emulou o mecanismo da variabilidade folclórica para recontar o tema num modo sugestivo para a sensibilidade contemporânea. Em essência, Carter escreveu uma série de variantes de Capuchinho Vermelho que abordam o tema de pontos de vista ligeiramente diferentes. Cada variante explicita aspetos que outras omitem; assim as variantes iluminam-se mutuamente e, em conjunto, delineiam o universo simbólico do tema de Capuchinho Vermelho. Pela sua fidelidade ao material tradicional e pela reelaboração deste à luz de preocupações modernas, a autora britânica realiza uma exemplar atualização do tema tradicional. Dito isto, é tempo de passar à apresentação dos textos. Os comentários aos mesmos complementam a presente introdução no sentido de propiciar uma compreensão global do tema de Capuchinho Vermelho nos seus vários aspetos.

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