Caminhos Marginais Uma estรณria contada e recontada
Carlinhos Alves
[1]
[2]
2 Capitulo 1 Infância, como?
No seu trajeto de volta para casa, Rafael via uma realidade cheia de cores. Enxergava com nitidez, tudo ao seu redor. Cartazes, semáforos, carros de pequeno e de grande porte, também tinha compreensão das pessoas que o olhavam com desconfiança. Rafael tinha uma grande estatura, levando em conta seus conterrâneos, que não ultrapassavam na maioria das vezes 1,60m de altura. Já Rafael média 1,92m, cabelos grisalhos, um pouco despenteados, com 85 quilos, um belo senhor, que se destacava entre os demais cearenses. Porém, se sentia deslocado, sem rumo. Não se sentia bem em estar no meio dos outros da sua idade madura. Gostava de cultivar a solidão, tinha por companheiro o silêncio, a monotonia, o descaso com o real. Nos seus 48 anos de vasta experiência, havia passado por vários momentos em sua trajetória, como ser pensante. As recordações passavam como um furacão na sua mente. Tantas atitudes precipitadas, tantos medos, tantas dores. Qual real motivo
4 para alguém com seu conhecimento e com tanta vivência se perder dessa maneira. Já na suas primeiras lembranças aos 8 anos de idade, a fase em que gostava de brincar de bola de gude com os seus amigos de infância. Juntos ele e seus amigos faziam apostas. "Quem ganhasse as partidas, podia escolher; ou ficava com a bolinha de gude nova, ou então ganhava o ‘dinheiro’”. Na verdade o câmbio usado entre os meninos eram as carteiras de cigarros usados, que desmanchadas viravam notas de mentiras. As
bilas
eram
algo
comum
naquela
infância
distante
de
computadores. Os meninos não imaginavam, nem tinham acesso a WhatsApp, Facebook, Twitter. O som estridente das bolinhas de gude batendo uma nas outras eram a forma com que as crianças conseguiam se divertir. A capacidade que eles adquiriam nesse tipo de brincadeira era tremendo. Conhecida em Portugal como berlinde, de acordo com a Wikipédia é uma pequena bola de vidro maciço, pedra ou metal. Nos jogos com a bolinha, se praticam várias modalidades do jogo, seja o círculo, jogo da mata, covinha, triângulo. O certo é que quando você acerta sua
[4]
5 bila na de seu concorrente você perde a sua peça do jogo e seu oponente fica com uma a mais e bem mais perto da vitória. Como Rafael era o que mais se dava mal nessa competição, passava quase todas as tardes, recolhendo e procurando carteiras de cigarro, jogadas por aí no chão, em busca de pagar o “débito”. Era uma fase que os adultos fumavam muito cigarro. A propaganda de esporte ligado ao cigarro era uma das ferramentas da indústria do fumo para cativar os “viciados” em nicotina. Para o “banco” da criançada que juntava aquelas notas de carteira de cigarros era mesmo um prato cheio. Isso mesmo para os perdedores que perdiam seu precioso tempo, nas ruas catando esse material. Nessa época, a brincadeira preferida dos garotos entre tantas outras, era o "racha" no campo de areia, vizinho ao trilho de trem, onde quem não usava caneleiras, voltava para casa após uma tarde inteira brincando de travinha, todo arrebentado, com os joelhos saindo grande quantidade de sangue. O corpo cheio de grude, do suor e da areia e o fedor do sol escaldante. Na hora eles nem percebiam o que acontecia com seu corpo. O importante é que naquele momento do futebol, a areia vira campo,
[5]
6 as travinhas viravam a meta e os times formados de três jogadores eram como a seleção brasileira. Quando acontecia de chover, as águas faziam a parte importante de lavar os meninos sujos do grude da areia escuro do campinho. Mas nem sempre chovia e por isso, os moleques estavam como que perdidos sem ter como se esquivar do que lhe espera mais adiante. As mães quando se deparavam com tal situação, ficavam irritadíssimas e se apossava de algum instrumento, principalmente o cinturão dos pais. Às vezes puxavam a orelha dos garotos. Tome peia. Os garotos, além do prejuízo do racha, tinham um tremendo prejuízo nas mãos maternas, que nessa hora se transformavam em mãos cruéis e macabras. Que sofrimentos para os meninos! Para o pobre garoto, não tinha explicação. Até que ele tentava dizer algo em sua defesa: - Mãe eu estava só me divertindo, não posso? Sou criança quero brincar, tô nem ligando pra senhora. Ela intervinha: - Me tem respeito seu branquelo sem vergonha. Agora você vai ver o quê vou fazer quando eu lhe pegar.
[6]
7 Cada vez que o cinto encostava-se a seu corpo, ficava uma marca. Porém a maior delas estava no seu coração e na sua alma, que se reprimiam quase por completo todas as dores. Aos 10 anos, Rafael ganhou um skate do pai. Foi um momento de pura alegria. Todos os dias, quando ele chegava da escola, corria para o telhado da sua casa, onde estava guardado o seu novo "companheiro". Nem esperava muito tempo. A mãe dormindo e Rafael só curtindo pelas trilhas da Avenida Jovita Feitosa. Os carros vinham em alta velocidade, às vezes tinham que diminuir, até quase parar buzinando atrás do garoto. Na verdade ele nem ligava, só queria era se divertir. No seu ser, a grande vontade de viver, ser herói, conquistar o mundo. Aos finais de semana, era o melhor momento, quando se encontrava com o seu tio, irmão da sua mãe, que tinha um skate dos mais radicais. Assim, Rafael aprendeu algumas manobras legais, como 360°, quando o skatista dá uma volta completa com parte do skate inclinado para cima, em seu próprio eixo. Era uma manobra tradicional, diferente de outros 360° conhecidos, como o Underflip, ou Flip Old School, onde o que gira é o
[7]
8 skate, enquanto o skatista fica parado. Rafael não conhecia essas manobras mais avançadas desse mundo. Apenas gostava de se divertir. Um dia resolveu brincar na calçada em frente a sua casa. Sentou-se no skate e pediu para o seu irmão Henrique o empurrar calçada abaixo. Eles revezavam; hora Rafael empurrava Henrique e outra hora era empurrado. Como a calçada era toda esburacada, os garotos já estavam bastante cansados, foi só ouvirem a mãe chamando para almoçar, que interromperam a brincadeira. Rafael ia tomar o banho com certo medo da água, que não era sua amiga preferida. Mas como a sua mãe o vigiava e só o deixava comer depois do banho, o garoto tinha que passar por esse sacrifício. Seu banho era rápido e sempre era num esfregão da sujeira, que existia em seu corpo. A fome era tão grande dentro do seu estomago, que ele mal se enxugava e já ia mesmo todo molhado para a mesa pedindo comida a sua mãe. O “ódio” que ela tinha dele era proporcional a raiva que ela trazia da lida do dia-a-dia de trabalho, em casa.
[8]
9 Às 16h, lá estavam eles na mesma brincadeira. Henrique agora o empurrava na calçada acima, num momento de inversão do caminho. Sem perceber o buraco à frente, continuaram em alta velocidade e o inesperado aconteceu, o skate virou e Rafael se cortou todo na calçada áspera. A sorte é que depois de virar algumas vezes, caiu em um monte de areia vermelha que fazia parte de uma casa que estava sendo reformada. Mesmo assim, aconteceu um momento jamais presenciado até aquele instante. Um garoto soltou vários gritos de dor. O céu já estava meio nublado quando eles ainda estavam brincando e a chuva os molhou. A mãe não perdeu a oportunidade de criticar: - Teve o castigo que merecia quem mandou ser desse jeito? -Que jeito? Se perguntava Rafael, sem saber por que motivo a sua genitora era assim, tão rude com sua pessoa. O bairro Otávio Bonfim onde eles moravam fica localizado a oeste do Centro da Cidade de Fortaleza, oficialmente seu nome é Farias Brito. Ali era uma povoação por onde passava o ciclo do Charque que era próximo à estrada de ferro que levava ao Soure (hoje Caucaia). Nas
[9]
10 proximidades da Estrada do Gado, os padres Franciscanos vindos da Alemanha construíram uma Igreja Nossa Senhora das Dores. A família de Rafael morava em casa alugada no outro lado do trilho, já ao lado do bairro Parquelândia. Rafael nesse tempo começava a se descobrir como o sexo "dominante" em busca da caça. Isso porque sua prima de 12 anos era só se exibindo para ele. O agarrando quando tinha oportunidade pelos corredores da casa dos avôs de ambos. Os meninos não sabiam ao certo o que estavam fazendo. Era uma descoberta inocente, sem maldade. As brincadeiras eram uma imitação da vida adulta, que eles observavam os pais fazendo. Muitas vezes os dois se juntam aos outros primos e vão brincar de esconde - esconde. Era nessa hora, que os primos se conheciam melhor, no esconderijo, bem no escuro, mãos iam para todos os lados e descobriam os segredos e mistérios da sexualidade. Claro que nem tanto, pois Rafael era virgem e permaneceria assim um bom tempo. Em 1982, o Brasil passava por mudanças rápidas. A abertura política levava as ruas muitas pessoas com único objetivo, um país
[ 10 ]
11 mais democrático. Porém o pensamento do povo ainda era muito arcaico. Existia uma educação a base da palmatória. Talvez, senhor Adalberto vivesse nesse questionamento. Na sua época era bem educado, ficando de joelho em cima dos caroços de feijão, ou ajoelhar em milho, prática bem antiga de 1760, quando Marques de Pombal, pois fim a educação vigente na época no Brasil e impôs esse tipo de punição. Com muita disciplina em casa. Ele também sofrera a época da ditadura militar. Por isso quando conheceu a senhora Ângela, logo quis juntar-se a ela, que era desquitada do primeiro esposo. Nesses tempos existia um ar de machismo na sociedade. Os homens ainda queriam serem os senhores do lar. As mulheres não podiam, pois tinham de ficar em casa cuidando das coisas da família. Ou seja, limpando, lavando, fazendo comida, na simples ansiedade de ver seu marido e seus filhos satisfeitos. Adalberto era um homem muito dado as mulheres em geral. Também bebia muito, porém era inteligente, sempre tirava notas boas. Mesmo sem
estudar
muito.
Acabou
se
formando
em
Direito
pela
Universidade Federal do Ceará (UFC) e foi trabalhar em um fórum da
[ 11 ]
12 cidade como defensor público. Isso claro, depois de sofrer como advogado das pequenas causas. Conta-se que Adalberto só andava armado de faca e um dia foi fazer uma prova de Direito Constitucional II, um pouco bêbado, com uma “celular de cachaça” dentro das calças. Ele era ainda um jovem de 24 anos e foi antes de se juntar com Ângela. Chegou à Faculdade de Direito da UFC, no Centro da Cidade em frente à Praça da Bandeira por volta de 16h. Três horas antes da prova. Enquanto os colegas seus passavam com livros na mão, indo direto para a biblioteca estudarem, o jovem ficava ali bebendo a cana pura, com os moradores de rua e com alguns alunos que estavam ali matando o tempo. Pouco tempo depois, já com o nível alcoólico bastante elevado, Adalberto vai para sala de aula fazer a prova e tranquilamente entra na sala e com os olhares desconfiados dos amigos, senta na sua cadeira no fundo da sala e espera o inicio da prova. Alguns dias depois, as notas estão afixadas no mural da instituição e a nota dele aparece em primeiro lugar, enquanto alunos que eram mais estudiosos ficam com nota abaixo do esperado.
[ 12 ]
13 Já “junto” com Ângela, anos mais tarde, Adalberto estava no aguardo do primeiro filho esperado para o casal e principalmente ele, que queria que fosse do sexo masculino. Na época não existia tecnologia suficiente na área médica para identificar qual o sexo do bebê que viria. Só se sabia na hora exata do parto. Era um período todo especial para os brasileiros, pois estávamos com nossa seleção canarinha em mais uma Copa do Mundo de futebol. Por isso a expectativa na família, era que viesse um peladeiro para alegrar a todos. O nome seria Rivelino. Dona Ângela está em casa, decorando tudo, com fitinhas verdes e amarelas. Adalberto enche os balões com cores da seleção brasileira. Na rua tudo está colorido. As pessoas independentes de classe social se unem em um só coração torcendo pelo esquadrão comandado por Zagalo. Minutos antes do inicio do jogo, a senhora Ângela começa a sentir as dores de parto. Nesse momento a bolsa rompe e ela sente um liquido sair. Adalberto se apressa em levá-la ao hospital. E bem durante um gol marcado por Rivelino para o Brasil, nasce uma bela
[ 13 ]
14 menina (Sarah), para a frustração de alguns que já contavam com um novo e futuro atleta. Era uma excitação geral nas ruas do país. Tantas vezes acostumados a ver os jogos da Copa do Mundo na sala de cinema, muitos dias depois dos jogos terem acontecido, agora era de frente para telinha da TV. Não precisava também mais ficar ali com o radinho imaginando como seria o gol, como seria o lance. Era agora, uma emoção em tempo real, ver o estádio lotado, a torcida fazendo a ola mexicana e os lances geniais de uma seleção inesquecível. Era uma tarde de 17 de junho de 1970, no estádio de Guadalajara. Brasil x Uruguai. A seleção brasileira, ainda com a seleção celeste engasgada de 20 anos atrás, quando o Brasil em pleno Maracanã lotado saia derrotado por 2 x 1 perante 200 mil testemunhas. Agora era diferente. Eram 90 milhões em ação. O Brasil do Ame-o ou Deixe-o. Depois de uma bola errada do zagueiro Carlos Alberto Torres de presente para o Uruguai. O jogador Cubilla, deixa os brasileiros perplexos, com a bola no canto direito do goleiro Felix.
[ 14 ]
15 No fim do primeiro tempo, o cruzamento de Tostão, encontra o pé direito de Clodoaldo. Empate, alívio geral. No segundo tempo, um Brasil pressiona mais com grandes jogadas de Pelé e acaba virando com Jairzinho. Mas foi no terceiro gol da seleção canarinha, que a família ficou mais feliz, pois o passe de Pelé foi magistral para Rivelino, que coloca no canto do goleiro Mazurkiewickz. Sarah era a felicidade de todos. E o Brasil se vingava dos uruguaios. Passado quase um ano depois da Copa em que o Brasil fora consagrado Tricampeão, nasce Rafael, uma época em que o pai Adalberto bebia muito e era violento com sua mulher Ângela. A criança nasce raquítica, cabeça grande, achatada, solta um choro tímido, medroso, como se quisesse dizer: - Não quero nascer nessa família, pois estou no local errado, quero voltar de onde eu vim. Mas já era tarde, a realidade estava ali. Colocava-se bem na sua frente, como quem diz: - Eu não pedi para vim dessa forma, porque não pude escolher o lugar e as pessoas certas, para nascer e crescer feliz?
[ 15 ]
16 Adalberto aos poucos, foi largando a vida de alcoolismo. Começou a participar de um grupo de auto-ajuda para dependentes do álcool. Procurava a cada dia evitar o primeiro gole. Vivia sempre nesse dilema, de passar 24 horas sem beber. Ele também decidiu buscar uma vida mais religiosa, com regras e espiritualidade. Na sua congregação, logo iniciou os trabalhos voltados para dar o pão a quem têm fome. Com essas atitudes, fez grandes progressos como ser mais humano. Se integrou juntamente com sua esposa Ângela em um grupo de Maçonaria. Voltou a acreditar que da sua união com a companheira, viria algo bom. E realmente os fatos que se sucederam foram excelentes, pois sua mulher estava grávida mais uma vez. Dessa vez em uma boa fase da vida onde tudo eram flores. Henrique nasceu mais escuro que os outros irmãos. Nem um pouco parecido com o pai, porém com todos os traços da mãe; que era como se fosse uma índia. Esse foi o filho por quem ela mais devotou afeto. Muito mais que Sarah e Rafael.
[ 16 ]
17 Por isso em todas as viagens, seja para Canindé ou Juazeiro do Norte, a principal figura presente era a de Henrique. Ele sempre estava junto com os pais. Os outros dois ficavam na casa dos avôs paternos, aprendendo muita coisa errada, junto daquela família, cheia de intrigas e divisões. Os tios eram falsos moralistas, preconceituosos. Cheios de maldade, inveja e principalmente interesse por quem tinha condição financeira privilegiada. Por essa razão, tratavam Adalberto com muito interesse. Pois sua posição social era boa e ele tinha uma boa conta bancária. Um homem sem maldades no coração, que dava uma mesada para todos os sobrinhos e até alguns irmãos. Todos fingiam admiração, respeito, mas no fundo, queriam mesmo era arrancar dele tudo o quê ele podia dar. Rafael pensava: - Fazer o quê? Eu quero é brincar, todo o resto esquece. Eles são adultos se virem. Porém de uma hora para outra, a fase boa de Adalberto parecia está chegando ao fim. A vida dele voltava a ser apenas
[ 17 ]
18 irresponsabilidades. Farras sem precedentes o levaram ao fracasso. Além do mais, o seu contato com mulheres de todos os tipos fizeram do seu corpo uma moradia de doenças sexualmente adquiridas. Por sorte não pegou a mais devastadora doença ( e sem esperanças de cura) que o mundo já conheceu; o vírus da AIDS, o HIV. Voltou a espancar a mulher. Num desses dias, ele chegou em casa com muita ira, colocou os três filhos na varanda, se trancou com a mulher dentro da residência, pegou uma faca, lhe deu um chute e a obrigou a lavar as louças. Esse dia foi terrível para Rafael, que cada vez mais odiava o seu pai, por se assim tão cruel, a ponto de fazer coisas escabrosas na frente dele e de seus irmãos. A dona Ângela resolveu se separar do marido. Deixar o lar, onde foi muito feliz e ao mesmo tempo tão sofrida, sua vida e a de seus filhos. Resolveu ir para casa de sua mãe. Quando chegou na casa da mãe, se dirigiu a delegacia das mulheres e denunciou o seu ex-marido. Foi feito um B.O (Boletim de Ocorrência), porém ficou por isso mesmo. Nada feito que puna a brutalidade desse homem.
[ 18 ]
19 Ainda não existia a Lei 11.340 de agosto de 2006, conhecida popularmente por Lei Maria da Penha, sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. A biofarmacêutica Maria da Penha foi agredida por seu companheiro o professor colombiano Marco Antônio Heredia Viveros, que atirou nela simulando um assalto e depois tentou
matá-la
por
meio
de
choque
elétrico,
deixando-a
paraplégica. O acusado foi condenado a oito anos de prisão, cumprindo apenas dois anos da pena. Rafael sentia com muita dor o rompimento. Assim se retraiu cada vez mais. Se isolando aos poucos. Deixando o contato com alguns amigos e vivendo uma vida de abstração, brincando sempre sozinho com seus brinquedos. Vivendo uma vida, hora de sonho, hora de realidade, de herói e bandido. Cheia de emoções, onde só ele sabia que bem o fazia essa brincadeira de fantasiar as coisas a sua volta. Pensando dessa maneira, queria viver uma ilusão, que pudesse ser diferente da sua vida real. Ainda se divertia jogando futebol de botão em seu "estrelão", com seus times preferidos. Onde sempre esses times venciam os
[ 19 ]
20 campeonatos criados pela sua própria cabeça. Rafael fazia uma tabela gigantesca em uma cartolina de papel e colocava a classificação dos times de todo mundo. É claro que o seu clube do coração estava entre os melhores do ranking. Era o 2° lugar ( nas suas estatísticas particulares), para não parecer a si próprio, que estava o vendo beneficiado. Para não pairar dúvida da sua honestidade de garoto. A mãe de Rafael, que veio a capital onde passou alguns anos, tempo suficiente para decidir voltar a sua cidade de origem, levando os três filhos. Na alma, uma chaga aberta. Afinal foram muitos anos que passara na companhia do marido. Como toda jovem sonhadora, Ângela saíra de uma cidade do interior, com o desejo de conhecer os segredos do que tinha na capital alencarina. Ela cedo ouvira falar de que tudo era mais bonito, que existiam cinema, praças bonitas e até uma bela praia. A orla marítima de Fortaleza, com 25 km de extensão, tinha inicio na Barra do Ceará e se estendia até a divisa entre Sabiaguaba e Caça e Pesca.
[ 20 ]
21 Sua irmã de Fortaleza era casada com um grande empresário, do ramo de joalheria e ótica. Ângela fora ajudar no atendimento, no setor de vendas e conseguia se comunicar bem com a clientela. Estava ganhando boas comissões e com isso conseguia comprar suas roupas e investir em material escolar, já que frequentava a Escola Justiniano de Serpa no Centro da Cidade. Suas idas e vindas diárias começavam pela aula de manhã e pelo trabalho com sua irmã à tarde. Antes não faltava é claro, os passeios pela Praça do Ferreira, onde ia tomar caldo de cana com pastel no Leão do Sul. E por lá nos fins de tarde, rolavam as paqueras, com muito cuidado, sobre os olhares das irmãs e da mãe. Mas foi nesse movimento que encontrou o Adalberto, jovem galanteador que ficava trocando de banco na praça em busca de puxar conversa com as jovens e quando uma dava atenção as suas gracinhas, ele caia de pau em cima e lançava mão de todas as suas artimanhas, para tentar usufruir dos prazeres das moças. Que iam de alguns beijos, algumas mãos bobas e quando muito, uma mão nos seios bonitos das jovens.
[ 21 ]
22 Mas com o rompimento com ele, muitos anos depois, o jeito foi encarar a dureza de voltar para terra natal, sem efetivamente ter conquistado os seus objetivos e de quebra voltar com mais três filhos sem ter muito que oferecer a eles. Na viagem de volta, ao reencontrar com suas origens, dentro de um caminhão que levava os móveis velhos, desgastados com o tempo, ia também a incerteza no coração. Pensava ela, “se haveria vida feliz desse momento em diante.” Chegando em Acopiara, foi morar em uma casa que herdou de sua madrasta, mulher essa que havia lhe criado, já que sua mãe natural a abandonou no meio de sua infância. Foi dona Ângela se acomodando na cidadezinha de altos e baixos e a irmã de Rafael, Sarah já começara a mostrar que era muito de namorar, mesmo tendo apenas 12 anos. Sarah não parecia que tinha sofrido tanto com toda separação dos pais, pois a sua beleza era brilhante diante de todos os percalços Rafael por ter tido educação rígida, era ainda muito machista, quando via a sua irmã com algum namorado, pegava o cinturão e como no seu subconsciente imitando o pai, dizia:
[ 22 ]
23 - Vou pegar os dois e dar uma surra neles e acabar com essa pouca vergonha. Um garoto de 11 anos e a mentalidade muito atrasada e cheia
de
preconceitos,
com
mitos
e
tabus,
rodando
seus
pensamentos marcados de dor e sofrimento. Rafael jamais imaginaria que tão confusão mental em relação ao amor, iria se arrastar por toda sua vida, o atormentando nos momentos cruciais. Nesses anos, Rafael e Henrique se misturavam a brincar com a molecada local e aprontavam de tudo. Tocavam a campainha das casas e saiam correndo. Pegavam carona na traseira de ônibus e caminhões, saltando logo que a velocidade diminuía. Desciam estradas de asfalto em cima dos carrinhos de rolimã, feitos de madeira, correndo grande perigo de serem atropelados por algum veículo desgovernado que passasse naquele lugar, na hora errada. Pulavam das pontes, dentro dos açudes e rios, caçavam muçuns dentro d'água quase que escassas. Quando os pegavam, os amarravam em sacos grandes, os deixando lá até morrerem por falta d'água. O animal era um tipo de enguia- d’água doce, um peixecobra, encontrado em rios, lagoas e açudes da América do Sul, que
[ 23 ]
24 possui hábitos noturnos e se alimenta de verme, pequenos peixes, entre outros. Os meninos também jogavam bola nos campinhos de terra batida. Não era o mesmo de quando moravam em Fortaleza, os garotos pareciam mais toscos, molengas e com mais velocidade. Um dia daqueles, brincando com seus colegas e seu irmão, foi desafiado a lutar contra os gêmeos, bastante temidos nas redondezas por serem bons de briga. Rafael temia o que poderia acontecer com sua integridade física. Cosmo e Damião era o nome dos dois jovens branquelos, com cabelos de cuia, estilo Beatles. Eles se valiam de serem dois meninos com corpo avantajado e com o murro bem potente. Não existia nada sobre MMA, mas os meninos já aprendiam a se defender bem desde cedo. Arma mesmo era para gente grande que tinha medo de levar uma surra na rua e por isso logo queria usar das armas de fogo, para esconder sua covardia. Uma decisão difícil, pois se lutasse poderia levar uma grande surra. Porém se desistisse, a garotada o teria como um garoto covarde. Mesmo assim com medo, ele foi para a sua batalha pessoal, os seus
[ 24 ]
25 temores interiores o faziam fraquejar às vezes nas decisões mais importantes. Logo no inicio da luta, Rafael acertou um golpe em cheio na cabeça de Antônio e ele caiu. Em seguida, veio Francisco e o agarrou por trás e Rafael ficou quase sem ar. Antônio se levantou e deu um chute certeiro no olho esquerdo de Rafael, que se esforçou e conseguiu livrar-se de Francisco. Nesse chove não molha de golpes, a turma de adolescentes interrompeu a luta decretando um empate. Rafael imaginava que poderia ter vencido se tivesse ido com mais vontade. Em outro dia, Antônio sozinho deu uma surra em Rafael e fez com que o assunto fosse encerrado por ai e a fama dos gêmeos permanecesse inabalável e continuasse fazendo efeito positivo entre a meninada. Em uma cidade vizinha morava um garoto que era o terror dos garotos da cidade interiorana. Um jovem franzino, olhos confusos, louro e com certa liderança sobre os outros. Rafael tinha um medo enorme também desse garoto. Às vezes ficava desejando que acontecesse mal com ele. Talvez até a morte por exemplo. Tudo que Lunga mandava Rafael fazia, já com
[ 25 ]
26 medo de que fosse chamado a uma disputa que o vencedor já se conhecia. No bairro alto, tinha um menino que desde cedo era meio estranho. Agarrava os amigos no escurinho e fazia sexo com a maioria. Rafael por ser "macho", nunca aceitou as influências de Marcos (ou Suzana na fase adulta). Por isso logo atraiu as revoltas do garoto que o chamou para brigar. O local escolhido foi a praça da Igreja Matriz, onde estava havendo uma festa organizada pela Prefeitura Municipal. Os amigos mais íntimos de Rafael o incentivaram a lutar dizendo: - Nós te damos proteção no combate, você começa a briga, se estiver em desvantagem nós entramos e te damos a cobertura necessária. Ele com medo, preferiu não arriscar e desistiu, mesmo que por dentro ele quisesse ser um herói através dessas brigas da infância. E na verdade tinha capacidade para derrotar qualquer um oponente. Rafael, aos 12 anos era assediado pelas garotas, porém quando se aproximavam dele, tinham pouco espaço para se declararem, pois o garoto era muito tímido, quase não abria a boca e as meninas acabavam desistindo dele.
[ 26 ]
27 Nesse mesmo ano, ele conheceu Cândida que se apaixonou por sua pessoa. No começo tudo dava muito certo, viviam de mãos dadas. Não se largavam um minuto. Até que o hálito de cigarro da garota começou a incomodá-lo. Juntando a isso os amigos que o incentivavam, a largar ela. E foi o que logo depois Rafael fez; mesmo gostando dela. Um pouco depois começou a paquerar com uma prima de sua mãe, a Janaína, uma ruiva gatíssima. Era o tempo da brincadeira chamada "cai no poço". Às pessoas ficavam no circulo e uma era escolhida para ir ao meio e ser vendada, sendo rodada até parar e apontar para alguém que essa pessoa não via. A pessoa podia pedir algo a essa pessoa escolhida na brincadeira. O garoto Rafael, foi brincar próxima a sua casa com os amigos. Chamou Jussara que aceitou de imediato. Ela parecia está muito contente com o jovem, pois o olhava com gracejo. Rafael ficou no meio rodou e parou. O seu dedo indicador apontava para Jussara. Sem saber quem era, pediu um beijo. Porém conseguiu receber apenas um selinho. Depois foi a vez de David rodar, ao final apontava também pare ela o seu indicador; Sem imaginar se era garoto ou garota.
[ 27 ]
28 Resolveu fazer o mesmo solicitar um beijo. Ela lhe deu um beijo forte profundo de língua e tudo. Rafael ficou bastante irritado pelo que havia presenciado. Em outro dia, Rafael tomou coragem e marcou um encontro com Jussara e começou a namorá-la, porém por ser retraído e de poucas palavras, não sabia como conversar com ela sobre qualquer assunto que fosse. Passado aquele dia, em uma noite ele e seu amigo Jonas foram furtar azeitonas, daquelas doces e escuras em uma escola pública. Chegando a escola foi fácil. Pularam o muro, se fartaram da deliciosa fruta. No retorno, ele avistou coisa terrível, um jovem com outras duas jovens aos beijos e abraços. Sendo que uma delas era Jussara, foi uma grande decepção, não houve como conter as lágrimas. Quem foi que mandou não ter assunto com a jovem, chegou outro mais esperto e aproveitou a oportunidade. Acabou vacilando feio. Anos mais tarde encontraria Jussara, obesa, estragada e com um batalhão de filhos. Nada haver com aquela menina, que por onde passava atraía os olhares dos rapazes. Rafael de certa forma ficou feliz por dentro, pois era como castigo da própria vida, aqui se faz
[ 28 ]
29 aqui se paga. Agora carregava tristeza em seu coração, por ver que aquela bela, se tornou fera. No carnaval, Rafael saia com os amigos para festas maneiras, atrás do trio elétrico, novidade importada da Bahia, presente em todo o Brasil. Época que começou a fumar, beber, menos transar, não tinha chegado o momento, só bem depois. O jovem desorientado, descuidado, cheio de vícios das suas amizades meio malandras. Tinha uma grande ousadia, porém medo de tudo. Ele sentia na pele a triste realidade de ter pais separados e viver com a mãe em situação financeira difícil, vivendo de favores, sendo muitas vezes humilhada, criticada. Era muito destacada na cozinha e para sobreviver, vivia fazendo salgadinhos para os filhos venderem e ganhar uma comissão por isso. Henrique, ao lado de Rafael, saia todos os dias de porta em porta, bar em bar, oficinas mecânicas, indústrias. Na grande maioria dos lugares, os consumidores não pagavam em dia. Tinham que ter jogo de cintura.
[ 29 ]
30 Rafael também vendia picolé junto com uns amigos ganhava seu dinheiro honesto. Mesmo que seu coração ficasse dilacerado com aquela situação miserável. O seu desejo às vezes era de nunca ter nascido, ou ter vindo para essa esfera cósmica em outra família, quem sabe mais equilibrada mentalmente, com mais recursos financeiros. Rafael sonhava muito, vivia uma realidade interior fantástica mágica. O seu mundo introspectivo vivia impregnado em seu ser a ilusão de uma suprema felicidade. Quase não se ligava afetivamente às pessoas e vivia em profunda depressão. Sua mãe, mesmo tendo sofrido muito com o relacionamento com o seu Adalberto, queria que os meninos fossem passar às férias na capital com o pai. Rafael foi quem mais relutou para fazer essa viagem. Não queria ir de maneira alguma, voltar aquele inferno de antes. No fim, depois de insistir muito, concordou com a mãe e viajou com o destino que o esperava. As mudanças que o fariam outra pessoa para sempre.
[ 30 ]
31 Nessas férias, Rafael acabou sentido muito acolhimento por parte dos avôs. Divertiu-se com os primos, com a turma do bairro e se esqueceu dos momentos difíceis passados em Acopiara. E no determinado dia da volta, tudo mudou, de maneira incrível. O adolescente não queria mais ir embora. Chorou, afirmou que não desejava voltar, acabou comovendo o pai, os avôs e até sua tia Esmeralda. Rafael querendo ficar estava ansioso para ser feliz, porque a vida que tinha agora poderia ser menos dolorosa do que a vida pobre e miserável do interior de pobreza. Via-se um grande jovem; pelo menos nos seus pensamentos. O desejo não era ficar com o pai, porém essa era a única opção no momento, se quisesse morar na capital alencarina. As lembranças de momentos difíceis, não paravam de atormentar seus pensamentos em relação a tudo que tinha passado ao lado de seu Adalberto na sua infância. Ângela ficou muito ressentida por se vê distante de um de seus filhos. Na verdade como mãe se sentia traída. Pensou ela:
[ 31 ]
32 - como um garoto de tão pouca idade, consegue tomar uma decisão dessas? Mas Ângela ao mesmo tempo se conforma consigo mesma, porque acreditava que não poderia dar o conforto que o filho esperava. Aliás, ele tinha muita vaidade escondida, demonstrando sinais de rebeldia e autonomia desde sua mais breve idade. Algum tempo depois, sua irmã Sarah tomava decisão semelhante de morar com o pai e os avôs em Fortaleza, porém o seu sentimento não era o mesmo de seu irmão Rafael, trocava a mãe pelo pai, já Rafael tinha na sua decisão um desejo contido de liberdade, sonhos maiores. Queria o poder, o crescimento as custa de um trabalho bem remunerado, pois sabia do seu potencial intelectual. Já via na sua visão do futuro uma oportunidade de fazer algo que lhe levaria quem sabe, ao reconhecimento do grande público. No interior seriam restritas as chances de ser alguém na vida. Talvez se tivesse ficado com a mãe, teria uma sorte menor como agricultor, vaqueiro, tangerino. Cargos que não levavam ao prestígio próprio, nem a riqueza patrimonial.
[ 32 ]
33
Capitulo 2 Juventude existe?
Logo seu Adalberto começou a procurar um colégio para o jovem em uma escola pública próximo da sua casa. Entrou em contato com alguns amigos para tentar uma vaga, pois o ano letivo já havia se iniciado. O jovenzinho fez tudo para não estudar, escondeu-se, fingiu doença, ameaçou voltar para a cidade onde morava. E com muita
[ 33 ]
34 luta conseguiu evitar passar o último semestre do ano em uma escola. Na verdade o único desejo era brincar, viver a ociosidade. Com o tempo, ganhou verdadeira paixão pelo futebol e começou a acompanhar os colegas aos estádios de futebol, logo criou gosto pela coisa e escolheu o seu time "mais querido". Quando estava no palco principal do grande espetáculo, seu coração batia mais acelerado. Olhava para todos os lados e só enxergava os torcedores, com suas bandeiras, baterias, as camisas uniformizadas. Na garganta do torcedor o grito dos hinos mais conhecidos. O grande momento mesmo é aquele em que o time entra em campo, são minutos de grande solta de fogos, uma beleza aos olhos dos presentes. Um show de pirotecnia, que tomava conta de todos. Rafael era mesmo apaixonado pelo seu clube de coração, quando acontecia uma derrota, era como se um mundo acabasse na sua frente. Passava dias tristes, não comia nada, não brincava com os amigos.
[ 34 ]
35 Para tirá-lo desse estágio, somente com uma vitória sobre o adversário; principalmente se fosse de virada em uma final de Clássico Rei. Seu amor esportivo não parava por aí, se estendia também a prática pessoal, pois o jovem colocou na cabeça de que seria jogador e já se via como um grande craque no futuro. Assim saiu tentando a sorte nos três grandes clubes da capital: Ceará, Fortaleza, Ferroviário. Chegou a passar alguns meses em processo de seleção. Chegou a ser elogiado por alguns companheiros. Só não tinha mesmo era apoio em casa. O seu pai fazia ironias com suas tentativas e não o estimulava a continuar. O jovem carregava essa carga negativa nas suas costas e acabava desistindo dos seus sonhos, como esse de ser jogador profissional. Mesmo sem apoio suficiente, tentou por longos anos ser um jogador de verdade. Jogou futsal na escolinha do Sumov, jogou também nos times do seu bairro; nesses clubinhos, Rafael se tornou não só um jogador amador, como fazia e tudo. Orientava os seus
[ 35 ]
36 colegas, como se fosse um treinador, escalando o time em todos os jogos. Inclusive Rafael era o patrono do seu pequeno clube. Por ser individualista, nunca queria ir para o banco de reservas. Em alguns momentos não dava para aguentar a pressão dos seus companheiros pré-adolescentes e tinha que amargar o banco de reservas. Nessas horas, Rafael ficava torcendo pelo time levar um gol e então ser ele chamado de volta as quadras e quem sabe fazer os gols da virada. Na verdade ele era um goleador nato, fazia muitos gols, mesmo não tendo a mínima habilidade com a bola pesada, era um tremendo perna de pau. Na sua tabela, onde anotava todos os jogos do seu time de bairro o Grêmio, constava em 2 meses, 25 jogos, 50 gols e um recorde de 9 gols em uma dessas partidas. . Mesmo com esses números pessoais, o seu time contava com mais derrotas do que vitórias. Não havia espírito de coletividade, era individualista por completo, buscava méritos só para si.
[ 36 ]
37 Houve na cidade um grande torneio, com todos os times da região metropolitana. Rafael escreveu o Grêmio, conseguiu os 16 jogadores necessários para a competição. Ganhou o material completo, até as chuteiras e a bola. Quando saiu a tabela, o adversário do Grêmio seria o time do bairro da Piedade, o Estrela Vermelha. O jogo estava marcado para acontecer em um domingo pela manhã. Rafael como de costume, ia fazer uma das suas várias ações que tinha no clube. Ia à casa da cada um dos jogadores acordá-los para o grande jogo da existência desse time de bairro. Todos estavam prontos, sabendo que cumpririam uma missão grande, porém sabendo que as chances de vitória eram mínimas. Primeiro porque o time nunca tinha feito um treino se quer no futebol de campo, o estilo era quadra de futsal. Também, o time se formou as pressas e o adversário já era antigo time do subúrbio e tinha muita experiência. Para piorar a situação, antes do inicio da partida, a ala mais liberal se reuniu em um canto a parte e começou a fumar um
[ 37 ]
38 baseado. O cheiro tomou conta do ambiente. Rafael se via preocupado com tudo isso, porém não interferia na vida pessoal dos seus colegas de time, eles fumavam tranquilamente. Quando o jogo começou, metade do time estava literalmente "viajando", não sabiam diferenciar a bola de futebol dos jogadores adversários. Mesmo assim os trinta minutos iniciais se desenrolaram sem maiores perigos para ambos os goleiros. O time do Grêmio não marcava nenhum jogador do time adversário e por isso os jogadores dos anfitriões estavam sempre na “banheira”. Logo aos 31 minutos, apesar de toda sorte até aquele momento, com um chute de longa distância, o Estrela Vermelha abriu o placar. Daí por diante foi só bola na rede do Grêmio. 13 gols. Para descontar, houve um pênalti a favor do time de Rafael, nos últimos minutos da partida convertido pelo lateral esquerdo. O massacre só não foi maior, pois não havia mais tempo. O juiz trilhou o apito e fim de papo. Na volta para casa, todos estavam alegres, apesar do resultado adverso. Uma Kombi que estava passando em frente ao campo, foi à carona que os levou de volta. Só Rafael estava desolado
[ 38 ]
39 com o vexame, pois no seu vocabulário, não existia a palavra derrota, mas vencer só da próxima vez. Na região onde morava e brincava com os colegas, Rafael logo criou afeição por uma negra muito bonita e que era considerada na gíria da moçada como uma galinha, ou seja, ficava com todo mundo que pintasse lhe azarando. Toda vez que
Karina passava, o jovem
parava as
brincadeiras com os colegas e ia com toda alegria, beijar a mão da sua amada donzela. Que mesmo tendo muita atenção dos outros, admirava a sua persistência em cortejá-la. Para sua surpresa, numa noite dessas, que as coisas mudaram para Rafael. Ele foi chamado por Bruno, para ter uma conversa com alguém que o esperava bem na esquina da rua: D. Pedro I. Quem diria Karina o esperava para uma séria conversa. - Você que ficar comigo? Perguntou a jovem Karina com um ar de firmeza. - Sim. Respondeu o jovem, com voz meio engasgada.
[ 39 ]
40 - Então hoje a noite na festa lá no Sindicato dos Bancários, vamos nos encontrar, certo? Ela fala como impondo e sentindo seu domínio sobre o jovem Rafael. -
Certo.
Novamente
Rafael
é
curto
e
responde
afirmativamente o convite da jovem. Apesar de sair apressado e envergonhado para casa, Rafael exala felicidades pela chance que compreende que recebera da vida. Não consegue se conter e fica de olhos ligados no relógio de parede, torcendo para o tempo passar e logo chegar a noite e o momento mais que especial com a garota dos seus sonhos. Chegando à festa, logo encontra Karina, não demora muito e começam logo a se beijar. Estavam por trás de uma Kombi e as bocas não se desgrudavam de maneira nenhuma. Rafael não conseguia puxar nenhum assunto com a jovem. Então ela sugeriu: - Vai tomar uma coca cola lá dentro e daqui a pouco você volta e a gente continua. Ele foi beber o refrigerante com seu pai que estava numa mesa com os amigos. Depois de uns 15 minutos voltou e se deparou com o inesperado. Lá estava Karina aos beijos com Hugo.
[ 40 ]
41 Rafael ficou meio tonto com a cena, sem defesa, com medo, sentimentos confusos, não conseguiu nem pensar direito, só mesmo o pranto que rolou da sua face. Saiu correndo e viu-se como partido seu coração, uma cratera que se abriu aos seus pés e uma dura realidade a vida lhe mostrava: que as pessoas não são muito de confiança. Depois de passado certo tempo, cerca de meia hora, Rafael havia se recomposto, pelos menos exteriormente e com elegância saiu da festa de cabeça erguida, passando bem perto de Hugo e Karina, como se nada de mais tivesse ocorrido. Daquele dia em diante, Rafael cada vez mais se retraíra e buscava criar um mundo intocável dentro de si, onde pudesse viver sem medo e com a certeza de felicidade. A sua mente vagava pela abstração do real, tornando irreal todas as coisas visíveis e transformando o seu castelo interior, um reino de magia e paz. Até os 13 anos, Rafael, sofria de incontinência urinária e fazia xixi na rede. O jovem pensava que ia passar a vida assim. Talvez por causa da ignorância do seu pai, o garoto tinha se retraído muito,
[ 41 ]
42 guardando dentro de si os maiores talentos e tesouros que o mundo desconhecia. Mas Rafael escutando de trás da porta seu pai conversar com um especialista descobriu que até 15 anos o jovem consegue controlar a sua urina. Rafael mesmo sabendo disso, não tinha tanta confiança interior pra superar esse momento, o jeito era viver a vida introspectiva, dentro dela o voyeurismo; pois adorava ver as primas nuas, as tias se despindo e gostava de sentir o cheiro forte das calcinhas sujas e irresistíveis. Foi um tempo de excessiva masturbação; se via nitidamente na sua magreza, que ele aplicava a fórmula de “cinco contra um”. A sua prima paixão de infância, já não se oferecia a ele, porém a outros jovens do bairro. Por isso Rafael logo percebeu que tinha sido apenas um passatempo. Porém houve um dia que ela fez um desempenho estripe para ele. Foi demais; cada roupa tirada a excitação aumentava, até que completamente nua, ela sentou no seu colo, porém não foi dessa vez que ele perdera a virgindade.
[ 42 ]
43 À noite, perto da meia noite, Rafinha subia lentamente a cama de sua prima e acariciava as suas nádegas com carinho e delicadeza, pegava os seus peitos e cheirava todo o seu corpo. Ela deixava no começo, porém um dia ela fez o pior, o entregou para os tios e ele ficou todo vermelho, ao levar uma bronca na frente de alguns parentes. Desse dia em diante, ele ficou conhecido, como “tarado da meia noite”, depois disso nunca mais mexeu com a sua prima e partiu para outras garotas. E também se contentou em olhar as revistas de mulher pelada. Nas suas amizades, no bairro do Jardim América, tinha por principal amigo, um garoto em especial, eram inseparáveis, para qualquer ocasião um era defensor do outro. Eram como irmãos de sangue, porém torciam times de futebol diferente, eram adversários verdadeiros, firmes nas provocações e na defesa de seu time de coração. Eles estudavam no mesmo colégio e tinham idade semelhante, por diferença apenas de alguns meses. Um determinado dia, Diego e Rafael começaram mais uma de suas intermináveis brigas sobre futebol. Ofensa tão grande que foi
[ 43 ]
44 preciso, que amigos interviessem para evitar o quebra pau que ia acontecer de alguma forma. Desse dia em diante, estavam rompida as relações entre eles. Antes desse acontecimento, alguns anos atrás, quando Rafael, tinha uns 15 anos, foi desafiado por Jefferson uma das cabeças do bairro, para uma briga de igual para igual. O jovem como sempre, morto de medo, porém aceitou a briga no meio da rua. Na metade da briga, os amigos intervieram, propondo que eles fossem brigar numa casa velha abandonada. Só que o Diego quis se meter e ajudar o seu amigo e o dois reiniciaram a briga contra Jefferson. Em poucos minutos, o imobilizaram; na verdade Diego pulou no seu pescoço e o deixou paralisado no chão, com a cabeça exposta para o chute arrasador de Rafael. Porém Rafael, não concretizou essa ação, pediu a seu amigo Diego, para que soltasse Jefferson, já estava de bom tamanho. Deixou Jefferson seguir seu caminho. Alguns diriam que Rafael era covarde, mas no fundo do coração, ele tinha mesmo é pena, remorso, algo dizia dentro de si que não queria ver ninguém sofrendo. Era honra para ele ajudar os
[ 44 ]
45 mais humildes e debilitados. Pois ele mesmo tinha nos olhos escuros a marca do sofrimento, da dor presa, esperando um dia para soltar um grito de “liberdade”. Ele, por ter um andar meio retraído, desajeitado, colecionava a maioria dos apelidos no meio da garotada. Alguns apelidos eram por seu aspecto físico. Jackie Magro, todo duro, lombriga seca, nariz de guarda chuva, etc. Tudo isso o irritava demais. Nesse tempo os garotos se reuniam em um cruzamento de duas ruas conhecidas; ficavam todos juntos bem na esquina, esperando alguém passar para que eles começassem o insulto, pois eles mexiam com todos. Rafael ficava no embalo, no meio da galera, só na molecagem, até que os olhares se voltavam para ele e os apelidos eram dirigidos a sua pessoa. A partir disso, ele se distanciou da galera. Quando ia passando pela esquina, se tremia todo, por já saber que insultavam com ele, ou com sua mãe. Às vezes ele tentava se esconder, porém sempre um dos meninos o via passando e começava o apelido, a gozação.
[ 45 ]
46 Era tanta risada, que Rafael, se sentia humilhado, começava a perder a segurança de si, não sabia como se colocar em algum grupo de amigos, achava todos iguais e não leais. Queria um grupo respeitador, porém ninguém era comum a ele, do seu jeito meio “nerd”. Rafael ficou só e desarticulado. Nessa sua solidão meio forçada, arrumou por companheira a televisão; passava quase que todo o dia ligado no “plin plin” e sabia de có e salteado, toda a programação desse canal, desde o Show da Xuxa pela manhã, passando pela sessão aventura, armação ilimitada; as novelas das 18h 19h e 20h. Virou um guia de assuntos televisivos para a família. Quando chegava alguém e lhe perguntava sobre o que passaria na telinha, ele respondia sem pestanejar: - Hoje na Sessão Aventura: Duro da Queda, na novela das 20h Tieta, na Xuxa, o desenho do Hemam. Logo se viciou no mecanismo e já acordava, mal merendava, corria para a TV. Nessa sua paquera com o mecanismo eletrônico, ele vivia em êxtase, quase que desligado de tudo, sentia-se um participante concreto da realidade fictícia.
[ 46 ]
47 Já com 16 anos, começava a viver uma metamorfose na vida sexual, porém ainda era virgem e sentia-se frustrado por isso. O banheiro de casa tornou-se o lugar preferido de sua estada. Eram horas e horas em prazer a sós e aos poucos foi sentindo algo estranho, uma vontade de se conhecer como as garotas fazem. Começou como por brincadeira a introduzir objetos em seu ânus. Eram os momentos em que se via de outra maneira, não mais como o garoto machista, porém como a boneca na flor da idade, pronta para se entregar ao primeiro que aparecesse, oferecendo carrinho e atenção. Rafael se olhava no espelho e introduzia lentamente outro objeto em seu ânus, em quanto se masturbava e se descobria. Até mesmo colocava a cueca de forma a aparecer como um fio dental, para maior excitação nos seus jogos de sensualidade. Essas brincadeiras escondidas chegaram a durar uns dois anos, porém logo foram esquecidas por ele, que voltou a se comportar como um “homem”, viril e a caça da fêmea ideal, para quem sabe enfim ter sua primeira experiência sexual.
[ 47 ]
48 Já estava pois se aproximando dos 18 anos e poderia realizar o seu sonho de frequentar um Cine Pornô. Uma ideia fixa que mantinha desde a sua adolescência e que não estava tão longe de acontecer. Sua irmã Sarah, que havia retornado a cidade interiorana de Acopiara na Região Centro Sul do Estado do Ceará, conhecera um rapaz radialista chamado Gustavo Santos e estava noiva e prestes a casar. Muito apaixonada, vivia um grande momento, achava que enfim tinha encontrado o par perfeito, um homem certo para ela. Por ser uma jovem muito bonita, era motivo de disputas por vários rapazes que queriam a honra de sua companhia. Provocou muitas decepções entre diversos dos seus enamorados, fazendo até chegarem à loucura real. Porém era por demais apegada ao Pai e tudo que fazia contava imediatamente a ele. Foi assim na sua primeira transa, quando tinha 17 anos, numa conversa revelou ao pai que não era mais moça, estava em uma nova fase da vida. Agora virara mulher de verdade.
[ 48 ]
49 Seu Adalberto, nada falou quando soube pelos lábios da filha, no fundo tinha alegria, porque sabia que a filha estava vivendo algo especial. Fez isso quem sabe pra apagar o seu passado ausente como genitor. O pior ainda estava por vim. Agora Sarah estava preparando a casa para morar com Gustavo, aproveitou e convidou Rafael para conhecer o seu noivo e passar uns dias com a mãe Ângela, que já não via há anos. Na chegada a Acopiara, Rafael sentiu o gosto de respirar o ar puro da cidade em que vivera apenas seis meses da sua vida, uma passagem meteórica, porém de aprendizado, em que soube ver a partir daquela
realidade chocante que o cercava, todas as
dificuldades que enfrentara, quase que passando fome. Aqueles amigos de antes, estavam todos distantes; os poucos que ainda restavam eram já rapazes com formação acadêmica, ou mesmo técnica e que quase não se lembravam das brincadeiras da infância. Só Rafael guardava bem os momentos bons que havia curtido. Até os momentos ruins, em que se sentia humilhado lembrava com saudade. Para ele tudo era igual, as pessoas apenas tinham crescido.
[ 49 ]
50 Parecia que quanto mais velho ficava, mais bobo se tornava. Isso era observado ao olhar as suas amizades na capital que eram com garotos sempre mais jovens que ele. Talvez porque se sentia inferior as outras pessoas da sua idade e quando estava no meio dos mais jovens sentia-se um professor, ensinando coisas que a galerinha ainda não sabia direito como se fazia. Seu irmão Henrique, apesar da distância era o colega mais interessante para Rafael. Por morarem em cidades distantes, se correspondiam por cartas e dessa forma exerciam um jornalismo juvenil, só pertencente a eles, através dos artigos em forma de cartas enviados um ao outro Nessa sua última vinda a Acopiara, Rafael soube que uns meninos estavam fazendo intrigas com seu irmão e planejando darem uma surra no jovem. Ele nem pensou muito e foi lá encarar os ditos
cujos,
mesmo
que
o
medo
fosse
maior
que
a
coragem. Ele sabia que se fosse partir para a briga, não levaria vantagem contra os caras; então chegou logo se impondo pela palavra e gesticulação:
[ 50 ]
51 - Quem é o cara que está querendo bater no meu irmão? Apareça se têm coragem de levar uma surra? Os rapazes com medo, achando que Rafael era valente, empurraram um deles que falou: - Tudo não passou de um mal entendido, vamos conversar com calma e todas as coisas vão dar certo. Daí em diante se tornaram colegas e Rafael levou a fama de famoso Valentão. Sarah convidou os dois irmãos para a ajudarem na mudança dos móveis para a casa que haviam alugado, onde moraria com o futuro esposo. Chegando à casa de Gustavo, foram os dois: Henrique e Rafael se encarregando de colocar os móveis no caminhão com os pertences do noivo. Rafael estava ajudando no carregamento, quando viu uma moça linda; olhos verdes claros, cabelos castanhos encaracolados, cintura modelada, com apenas de 17 anos, uma jovem muito atraente. Renata era sobrinha de Gustavo e tinha um filho do seu exmarido, que tinha ido embora para o Recife (Veneza brasileira). O jovem Rafael, logo que a observou, foi falar com sua irmã:
[ 51 ]
52 - Quem é aquela moça? Estou interessado em lhe conhecer. Apresenta-me? Sarah concordou e disse: - Sim, mais tarde na festa de aniversário de Gustavo vou lhe apresentar aí você fala com ela e ver se dá certo alguma coisa. O rapaz ficou nas nuvens, era sonho por cima de sonho. Olhos abertos a mente longe, sua cabeça estava fora da realidade. Era um daqueles momentos em que Rafael preferiu refletir sozinho, aquelas cenas românticas que ainda poderiam vim a acontecer no futuro. Todo esperto se aprontou para a festa que iria a noite. No seu coração, era enorme a alegria. (Pensando alto): - Oba é logo que vou realizar meu sonho de tanto tempo. Um dia antes Rafael tinha feito 18 anos e estava pronto para uma grande noite. Claro que nem imaginava o que o esperava de tão bom pela frente. Aos poucos os convidados iam chegando, se aproximando para cumprimentar o aniversariante. Eram grandes personalidades locais: comerciantes, industriais, advogados, médicos, jornalistas,
[ 52 ]
53 entre tantos outros desconhecidos que de penetra se aproveitavam para comer as guloseimas da festa. O jovem Rafael foi chamado para dar uma de ajudante na cozinha, auxiliando a sua mãe que se exercitava fazendo salgados, doces, comidas típicas. A pessoa que servia diretamente os convidados, era Renata, com seu jeito provocante, dava um ar de sensualidade ao ambiente. Renata estava sendo paquerada por um empresário, o Seu Afrasânio, dono de uma empresa de calçados. Por certo seria lógico para qualquer moça daquelas movidas a interesse aceitar um convite para sair com esse senhor. Era por certo uma noite cheia de confortos e fartura; tudo aquilo que o dinheiro poderia comprar. Não poderia comprar lógico o sentimento, mas quem se importava com sentimentos numa crise como estava. Rafael quando notou tal ocorrido, logo falou com sua irmã que disse: - É melhor se conformar, essa menina não é flor que se cheire, esqueça e vá se divertir que faz bem. Com essas palavras de Sarah, a festa acabou para ele, o jeito foi ficar de frente a TV, no
[ 53 ]
54 sofá. Ficou assim até o som da música que tocava sumir e todos aqueles bêbados se dirigirem para as suas casas e talvez no outro dia acordarem de ressaca, com o conforto e cuidado de suas esposas. Pronto a casa estava em um silêncio só; parecia ser o destino dele: "morrer solitário como cachorro doido", essa frase ficava martelando em sua cabeça, desde que seu avô a proferiu há alguns anos atrás. Porém Rafael não queria engolir isso, era forte, só que não sabia ainda. Já era perto de meia-noite, o som da radiola tocava bem baixinho na sala da casa e Rafael se lembrava do passado de todas as dificuldades que passara na infância pobre e conturbada pelas brigas constantes dos pais. Isso fazia que a dor viesse como se alguém quisesse roubar qualquer tipo de alegria que esse jovem pudesse pensar em ter. Mas na verdade será que ele não era muito melancólico? Porque lá vinha ela, Renata a dama da beleza (uma delicia de mulher), uma verdadeira pérola, jóia rara. A bela jovem dirige uma pergunta a ele:
[ 54 ]
55 - Posso sentar ao seu lado, nesse sofá? Rafael sem pestanejar, ainda tremendo e apavorado, sem conseguir acreditar que ela o havia escolhido para essa noite em vez do grande empresário, cheio de dinheiro e prestigio, diz: - Claro, fique a vontade. Entre conversas e caricias, os dois ficam, como se fosse um casal que se conhecesse há anos e tivessem uma intimidade profunda. São coisas que a ciência não explica, porque o seu pensamento era pessimista e cético. Como as "energias vibratórias" que tanto os palestrantes de auto-ajuda falavam poderiam agir a seu favor? Alguns dizem que: "Querer é poder". Rafael nunca acreditou bem nesse contexto de realidade. Deve ser por isso que não atraia muito as bondades para sua pobre vida. Tinha ele um espírito fraco, duvidoso, com medo da própria sorte no futuro. Rafael combina cuidadosamente com Renata um encontro para depois da meia-noite, quando todos estarão dormindo. Gustavo deitado na sua rede na sala, não se dá conta do que estava para acontecer no quarto em frente a ele.
[ 55 ]
56 Renata deixara a janela entreaberta, deixando a oportunidade para o jovem Rafael, que sorrateiramente vai se aproximando na ponta dos pés e abre levemente a janela e salta para dentro do quarto, atrás de sua gata que estava no cio. Eles se deitam no chão e vão conversando sobre sexo, ambos falam sobre o que vai acontecer naquele momento. Ela o indaga com curiosidade: - Você é virgem? Ele para não demonstrar sua total inexperiência, responde: - Não já tive várias relações por aí. Ela insiste: - Conta-me, não tenha vergonha, pode deixar que eu te ensine tudo bem direitinho, confia em mim. Finalmente Rafael se entrega: - Ta legal vou confessar, nunca fiz nada antes, a não ser masturbação. É a primeira vez, não sei nem pode onde começar. Ele deita, colocando seu órgão sexual perto da vagina dela. Sem saber o que fazer, aguarda todos os direcionamentos da sua companheira. Renata pega o pênis de Rafael e o introduz na sua
[ 56 ]
57 vagina. Pronto, começa a esquentar o clima, as coisas vão ficando interessantes, apesar de o jovem meio bêbado não saber o que estava acontecendo, fica meio desnorteado. Depois dos acontecimentos, tudo fica em silêncio e os dois dormem. Antes de amanhecer o dia, Renata acorda Rafael e ele volta pelo mesmo lugar por onde tinha entrado. Já estava perto do raiar do dia, no seu quarto deitado na rede Rafael estava radiante, quem se aproximasse poderia notar seu sorriso contagiante. Era um ar eufórico, talvez passageiro, sem nenhuma preocupação responsável ou consciência do que havia ocorrido, poucas horas antes. Já era perto de onze horas, estavam Ângela, Henrique, Sarah e Gustavo assistindo TV, quando o telefone toca. Era o patrão de Gustavo, o proprietário da rádio que ele trabalhava. Ele rapidamente se despede de todos e sai. Pouco tempo depois entrou Renata na casa, para a felicidade de Rafael. Podia-se notar, porém que sua mãe não gostou muito de ver a jovem, tentou esconder o ciúme que tinha de Rafael, porém era claro no seu olhar de reprovação, que não estava nem um pouco
[ 57 ]
58 satisfeita. Todos assistiam a programação em silêncio, sem nada dizerem, até que Rafael pegou na mão de Renata e a levou para o outro cômodo da casa. Lá ficaram se curtindo, aproveitando o clima de romance no ar. À noite Renata prometera aparecer, porém não veio e Rafael ficou triste e voltou rapidamente a viver sua vida normal de sempre, porém sem mais essa de "último interiorano virgem". Estava agora com uma visão completamente diversa da que tinha anteriormente. Os dias se passaram e Rafael voltou para a cidade de Fortaleza, com muita alegria e vontade de viver. Quando chegou a primeira coisa que fez foi escrever uma carta de amor para Renata. Nela dizia com todas as suas palavras bem colocadas, que havia encontrado o amor da sua vida, era a jovem mãe Renata. Passados três meses desses fatos, sua irmã reaparece na casa dos avôs em Fortaleza, trazendo más noticias do seu relacionamento com o noivo Gustavo. Os dois haviam rompido o relacionamento. Contava também que estava com raiva de Rafael, porque a sua carta fora usada como motivo de piada pela sobrinha de Gustavo.
[ 58 ]
59 Os dois irmãos discutiram porque ele não acreditava que sua amada Renata, havia feito tal desfeita em relação a sua carta. Só depois de ficar só, conseguiu refletir e avaliar realmente que sua irmã tinha razão. Com seus dezoito anos, ele já começara a sentir vontade de trabalhar, fazer algo diferente, ganhar seu próprio dinheiro e crescer como ser humano. Sabia que essa desilusão amorosa era normal e poderia conseguir outra jovem para si. Dentro de casa onde vivia, havia uma incoerência grande. O pai era um homem sem rumo, mudava de religião como se trocava de camisa. Fora Pastor quando era mais novo, pensou em ser Padre, foi espírita, membro da maçonaria, budista, macumbeiro e continuava sempre mudando de acordo com suas conveniências. O forte de seu Adalberto eram as mulheres, diferente do filho Rafael, ele não perdia a oportunidade; quando via um rabo de saia, corria para cima. Chegava a dá em cima de mulheres casadas. Uma vez deu em cima de uma empregada doméstica que trabalhava na casa do seu irmão.
[ 59 ]
60
Capitulo 3 Fui Crente? Quando? O grande sonho de Rafael era casar-se, ter filhos e um bom emprego, viver uma vida sossegada, bem longe da casa onde residia no Jardim América em Fortaleza. Porém numa dessas viagens para o interior, foi de encontro ao destino, que lhe reservava surpresas emocionantes. O seu irmão Henrique morava com uma irmã por parte de mãe, era Elisângela filha do primeiro casamento de Ângela . Que por
[ 60 ]
61 sinal tinha se casado aos 15 anos, um casamento arrumado pela família, porém Ângela com seu forte temperamento tinha fugido para Fortaleza, por não querer viver uma vida infeliz com um homem que mal conhecia, apesar de ter tido Elisângela como por acidente do destino. Henrique trabalhava como vendedor de uma grande loja de confecções no centro da cidade de Senador Pompeu e nas horas vagas era radialista de uma FM Local. Rafael chegou numa tarde bem quente, o sol rachando as cabeças de todos que desciam do ônibus. Pela primeira vez, ele sentia um gosto de incompreensão de tanta miséria nas casas feitas de taipa e cobertas de telha de amianto. Olhava bem atento os rostos ressequidos daqueles garotos que não sabiam o que era vida boa, farta. Faltava de tudo para aqueles garotos, que viviam de pés no chão e tinham um barrigão provavelmente cheio de vermes. Era a realidade vivida pelo nordestino, que tinha no sangue a circular pelo corpo as durezas de lutas intermináveis e resistências teimosas contra a seca perversa.
[ 61 ]
62 Logo na chegada, fora bem recebido por todos os habitantes que souberam da sua estada por lá. Com alguns dias, foi se enturmando com os amigos de seu irmão. Henrique estava um participante fervoroso do grupo de oração da igreja. Só falava nesse grupo; bastava sair do trabalho e lá estava Henrique na sua missão pelo Reino de Deus. Rafael não entendia bem o que era aquilo, mesmo sendo três anos mais velhos do que seu irmão. Porém com o pouco tempo em que lá estava resolveu abraçar a fé, só porque via que os outros gostavam, por isso entrou na onda do momento, pensava que quem sabe estava seguindo um caminho de valor, cheio de coisas boas. Fez um seminário de vida no espírito santo, uma espécie de Work Shopping da fé, onde todos experimentavam suas emoções em orações e revisão de suas vidas. Entregou-se a Jesus, a transformação exterior era enorme, os seus atos foram realmente mudados, porém lá no fundo sentia que aquilo não era muito certo, algo que não podia naquele momento definir, porque estava em estado de transe. Só tinha certeza que estava em um caminho novo.
[ 62 ]
63 Quando voltou para Fortaleza, depois das férias, achava-se preparado para assumir essa vida essa vida de irmãos em cristo. Procurou então um grupo próximo da sua casa. Quando achou, se fez adepto permanente. Toda a quarta-feira faltava à aula na escola que estudava a noite para ir ao encontro e se entregar como uma ovelha ao seu pastor. Era algo assustador, um desejo flamejante de seguir nesse rumo, estava contagiado por essa nova realidade, um misto de alegria e dor. Porém ele vivia uma vida irreal, sem compromisso com a vida normal de todo mundo. Nessa época arrumou o seu primeiro emprego em uma indústria têxtil que era gerenciada por sua Tia Conceição. Ele trabalhava como uma espécie de faz tudo. Realizava o trabalho pesado. Ao final do dia, ia apressado para casa, tinha que se arrumar e ir para a escola. Nesse tempo conheceu uma nova garota que mexeu com seu coração mais uma vez. Era Gabriela, uma líder estudantil, que reparará no jeito tímido de Rafael e se apaixonara por ele, chegando a contar esse sentimento para seus amigos mais íntimos.
[ 63 ]
64 Rafael procurou de várias maneiras marcar um encontro com Gabriela que já não mais estudava na mesma escola que ele. Foram precisos meses para que finalmente em uma noite dessas, acontecesse o tão esperado encontro, foi um papo entre os dois com grande proveito para ambos. O jovem Rafa, não perdeu tempo e no caminho para deixar a jovem em casa, tascou-lhe um beijo daqueles em que as nuvens param, os carros batem, o coração acelera e o namoro começa. Começava como um relacionamento saudável, bom de se ter, porém aos poucos Rafael foi ficando diferente, o ciúme começara a tomar conta de seu ser. Abandonou o emprego, a religião e começou obcecadamente a viver em razão da bela Gabriela. Ele passava o dia pensando na jovem, “Como será que ela está? Com quem está? O que será que está aprontando?” Era verdade que ela era meio fria, não ligava nunca para ele, quem tomava a iniciativa sempre era Rafael, que sempre estava ligando e buscando agradá-la de todas as maneiras. Possíveis e impossíveis. Era um relacionamento um tanto platônico, vivido apenas por um lado. De forma em que a solidão era melhor companheira do que
[ 64 ]
65 Gabriela. Nela parecia existir uma espécie de segredo, que ninguém conhecia. Alguns a chamaram de “mulher homem sim senhor”, porque fazia anos que não namorava ninguém. Achavam que ela era mesmo uma bela lésbica enrustida. Por isso esse relacionamento com Rafael era até um tanto surpreendente a ponto de o acharem um garoto excepcional, talentoso para o amor. Na verdade não era bem assim, apenas foi ele simples na conquista e conseguiu amolecer o coração da jovem. Ela tinha um mistério, ou vários, escondidos em seu olhar sombrio. No local onde namoravam em uma praça bem próxima da casa da jovem. Isso era uma grande incógnita, “Por que não iam logo para dentro da casa da moça?” Lá ele poderia conhecer a sua sogra, seus cunhados, ver bem direitinho a realidade da sua namorada. Porém Gabriela impôs umas condições para que pudesse ele ter a chance de entra na sua casa, seriam um passo dado todos os dias bem devagar e foi assim que aconteceu. Nos primeiros dias, foi concedido a Rafael a oportunidade de se aproximar da casa, ficando apenas a dois quarteirões de distância. Nos outros dias ele chegou bem perto, ficando apenas a uma
[ 65 ]
66 casa do referido local. Chegou a ver o condomínio onde morava sua namorada, as pessoas que lá moravam, porém não passou desse local, tinha que se conformar com isso. Talvez esse fosse o motivo principal, pelo qual o jovem Rafa, se sentisse meio enciumado dela, acreditando que ela tinha um motivo meio estranho, para não permitir o seu acesso ao local que habitava. “Será que lá dentro, está esperando o seu amante, sentado no sofá, assistindo TV e tendo todas as atenções dos familiares?”. Tratado como um Rei pensava Rafael. Porém lá no fundo sabia ele que era pura insegurança da sua parte, pois Gabriela gostava muito dele, só não sabia demonstrar esse sentimento. Com o tempo a agressividade do Rapaz aumentou, começou a gritar com ela, puxar com força pelo seu braço e fazer grandes escândalos nas ruas por onde passavam. Até que um dia, nessas manhãs perdidas, Rafael fora buscar Gabriela na escola. Chegando ao local, todo feliz ficou na portaria a esperar que saísse a bela jovem. Enquanto esperava, fumava o cigarro, pelo
[ 66 ]
67 menos tentava, pois não sabia tragar o bagulho. Fazia isso apenas para mostrar para os outros que “se garantia”, era “o cara”. Quando tocou o sino, todos iam saindo, numa pressa muito grande como se fossem pegar o trem das 18h, porém era quase hora do almoço e estavam com muita fome. De repente aparece Gabriela, que beleza! Sorridente e feliz, nem tanto, porque quando vê Rafael mal o cumprimenta. Ele indagava o porquê: - O que foi que eu fiz? - Me deixa em paz. Disse ela. Ele continua - Vamos conversar me explica, porque está me tratando assim? E por alguns minutos continuam a discutir, até que um grito interrompe aquele dialogo: - Me laaaaarga. Era Gabriela dando o grito de independência, liberdade, não mais queria o rapaz. Depois disso, ele dobrou na rua seguinte e nunca mais viu aquela jovem. Rafael caiu em depressão, ficou assim por meses, não mais queria comer, ou viver, estava ficando mais encolhido,
[ 67 ]
68 recolhido, fechado no seu mundo egocêntrico, agora não mais tão belo. A solidão que se tornara antes o refúgio prazeroso, hoje virou uma completa escuridão. Os fantasmas cresciam na sua frente e se confrontavam com essa pobre e frágil criatura. Que pena! Ele pensou em se suicidar, tirar essa vida que não era muito boa, contudo a covardia era mais forte e permaneceu vivo para as histórias que viriam. Sem fazer nada, ou coisa alguma, resolveu voltar para a Igreja e se tornar um crente fiel, dessa forma se dedicou integralmente. Deixou de lado o futebol, os amigos de rua, a família e correu para os braços de Deus. Eram dias de alivio, mesmo sem compreender o que passava naquele culto, continuava porque tinha a certeza de que o “Senhor me conduziria”. As pessoas começaram a notar o fervor desse jovem e logo o insinuaram para abraçar o sacerdócio. Gláucio tivera até uma visão - Você será padre vi isso na minha frente, não adianta tentar fugir é o seu destino.
[ 68 ]
69 Rafael ficou com medo e pensou que agora perderia tudo, as paqueras, iria reduzir sua vida ao oratório, vida de renúncia e castidade. Chegou há passar uma semana com a certeza em seu intimo de que seria Padre. Confirmaria a visão que tiveram dele. Na sua inteira dedicação passava por cima de todos, com uma determinação intensa. Pensava firmemente ter encontrado a “verdade absoluta”. Sua programação semanal era toda dedicada à religião, não mais tinha tempo para os amigos, para os estudos e nem pensava em trabalho. Se tornara para a sociedade um inútil e sendo para a sua igreja
um
verdadeiro
comprometido.
Dessa
maneira
foi
se
aprofundando cada vez mais, lendo a bíblia de cabo a rabo, decorando cada versículo, aprendendo cada parábola, salmo e por ai vai. Geralmente cuidava das coisas de seu grupo de oração, porém esquecia-se de si próprio, pois só usava roupas amassadas e barba grande, parecendo um frei capuchino, faltava apenas vestir o hábito e fazer os votos de castidade.
[ 69 ]
70 Na sua mente inquieta, descontrolada, não bastava apenas ser membro, tinha que ser totalmente entregue a vida de cristão. Eram horas e horas, fazendo as continhas do terço, até formar um grande rosário. Depois vinha a oração pessoal, a missa, a reunião, a pregação, as leituras das escrituras, o louvor, a conversa sobre os profetas, até o ponto de olharem para ele e o acharem um desconhecido, um fanático de carteirinha, coisa que já havia feito dos 12 anos aos 18 anos, quando era dedicado ao futebol. Nesses tempos, apareceu-lhe uma jovem com seus 1,83m, 75 kg, 23 anos e uma beleza de patricinha. Rafael logo se apaixonou por ela e começou a investir nesse relacionamento, que começou de repente e se tornou um prato cheio para a vida dele. Agora tinha dois amores, o de Penélope e o de Deus. Não sabia com quem ficaria o certo é que estava se dedicando ao duplo relacionamento. Penélope era muito diferente de Gabriela, pois tinha uma personalidade extrovertida, comunicativa, espontânea, por onde passava fazia amizades. Fora quando criança apresentadora de programa infantil na TV.
[ 70 ]
71 No inicio os dois sabiam bem dosar o seu relacionamento, Rafael parece que aprendera a lição e buscava dar liberdade a namorada, de forma que ela trabalhava, estudava e pagava os lanches para ele. Quando saiam juntos era só alegria, o jovem sentia que estava levando ao seu lado um grande troféu, como um prêmio que pensava “merecer por sua dedicação a fé” Aos poucos, porém o relacionamento foi se desgastando, porque havia uma grande diferença entre os dois. Um era bem sucedido (no caso ela), o outro era desempregado, não estudava e não tinha nenhuma perspectiva de progresso no futuro próximo. Ele sentia-se com complexo de inferioridade em relação a ela. Todas as amizades eram por ela, tinha amigos de várias espécies.
Rafael
foi
começando
a
viver
em
função
desse
relacionamento, esquecendo-se dos poucos amigos que tinha se entregando a uma paranóia enorme, sem precedentes. Isso era mais ou menos próximo de seus 23 anos e ele já estava passando da idade de ter o seu primeiro emprego de carteira assinada. Tinha também o desejo de ser “locutor de rádio”, por isso
[ 71 ]
72 entrou para a rádio católica e começou a procurar uma vaga nos horários disponíveis e conseguiu um horário nas madrugadas entre meia noite e seis da manhã, uma verdadeira tapa buraco. Mesmo dessa maneira aceitou o desafio e enfrentou as noites em claro. Foi uma experiência mística, pois ele ficava sozinho nos estúdios durante toda a noite. Começando assim a fazer desse horário, espaço para retiros solitários de oração. No fundo seu coração estava partido, por saber que Penélope era muito inteligente e ele se sentira que não acompanharia o ritmo da jovem. Sempre ele que ligava para ela, marcando os encontros de amor. Ela sempre de alguma forma, fazia um charme colocando barreiras entre os dois, isso cansava Rafael e dava a ele motivos para se queixar com ela. Sendo assim, foram começando a se desfazer os laços entre os dois. Tudo era motivo para briga, desde as amizades dela, até a sua ausência continua do relacionamento. O estopim que levou a 1° ruptura foi assim: Rafael chamou sua namorada para uma festa em um clube em Fortaleza, ela prontamente se negou a ir para esse local. Então Rafinha se reuniu
[ 72 ]
73 com os amigos e partiu para a curtição. Chegando ao local planejado, pagou o ingresso, ultrapassou a roleta e adentrou-se no recinto onde estava rolando “altas músicas católicas” De repente ele vê em sua frente à dita cuja que negara o seu convite um dia atrás. Ele se dirigiu a sua presença com muita raiva e começou um disparar de questionamentos sobre “O que você estava pensando? você não disse que não viria?” Ele sentira-se traído passado para trás. Porém ficaram os dois dançando ao som das músicas tocadas, com um ar de seriedade e antipatia. Penélope, disse a Rafael que iria tomar o refrigerante e saiu acompanhada da amiga Bety. Ele logo começou a imaginar um milhão de bobagens, achando que ela queria era se afastar da sua pessoa. Resolveu segui - lá discretamente sem que fosse percebido de longe a observa – lá, com olhares de desconfiança total. Ela comprou o lanche e ficou lá conversando com a amiga. Rafael entrou no banheiro e voltou a imaginar na sua mente “suja” que poderia estar sendo traído, passado para trás. Fechou
[ 73 ]
74 rapidamente o zíper da calça jeans e saiu feito um louco em direção a moça. Ela estava de mão dada com um amigo e foi surpreendida com um puxão de seu namorado que deixou uma marca em seu braço. Logo Érico partiu para cima de Rafael e começaram a brigar murro para um lado, bolsa da para o outro, até que se meteram e separaram os dois que estavam exaltados. Ela estava chorando bem próxima da confusão. Ainda foi ofendia por ele que disse: - Você é uma vagabunda. Pronto estava acabado tudo, era o inicio do romper de um namoro de início tão belo. Dentro do jovem havia raiva, angústia, medo, alma lavada, porém tristeza pela ofensa dita em hora impensada. Ninguém compreendia bem o que passava com Rafael, um jovem tão bonito e inteligente, com tudo para dar certo na vida, como cair num golpe desses? Os meses seguintes foram de fofocas, intrigas, revoltas entre os dois.
[ 74 ]
75 Até que ela arrumou um novo amor, um rapaz amigo de Rafael. Foi um despedaçar de coração, uma dor que rompera o silêncio com um pranto contido há tempos. Um grito de conflitos por perder a jóia preciosa. O jeito foi voltar a ser como antes, só na vida de oração, esquecendo de tudo ao seu redor, agora ele estava com mais sede de Deus, um mistério que poucos conheciam. Só quem se entregara sem perguntas desfrutara de tão belo sentimento. Resolveu preencher todos os dias da semana com seu “culto”, seja em casa ou na igreja. Com isso, aos poucos foi tornandose um grande pregador, saia em viagens constantes para diversas localidades em busca de fieis para o rebanho do senhor. Era muito tímido, porém quando via aquela multidão de pessoas na sua frente, apoderava-se dele uma força sobrenatural e falava sem medo, algumas palavras sábias e bem articuladas. Chegava a arrancar da platéia, minutos de aplausos, que se ecoavam por grandes ginásios onde ocorriam todos os eventos. Rafael era sempre chamado para protagonizar peças teatrais onde ele era o padre ou Jesus Cristo. Ele ia, porém não gostava de
[ 75 ]
76 tais comparações porque já voltava nele aquele desejo de casar e ter filhos e constituir uma família. Onde andava, era paquerando as meninas, não perdia tempo, estava doido para agarrar algumas, mas tinha medo dos castigos de Deus, porque acreditava que se fizesse assim estava pecando e logo corria para o Padre para se confessar seus muitos pecados; dizia ao Padre: - Eu falei mal daquela menina, pensei coisa errada, etc. Então recebia de resposta: - Meu filho isso não é pecado, devemos confessar só uma vez no mês, não toda semana como você faz você. Ele ficava meio em cucado e sem jeito e sem jeito, porém às vezes se confessava duas vezes por dia, uma verdadeira paranóia. Aos poucos Rafael ia se sentido meio deslocado foi, porém num certo dia que tudo iria mudar na sua vida. Em uma das falas do coordenador do grupo foi dito: - Entre para a vida de monge, viva isolado só para Deus e deixe essa realidade profana e ingrata. Pronto ditas essas palavras Rafael “acordou”.
[ 76 ]
77 Sentiu-se sufocado, preso, como se tivesse de ser obrigado a seguir dessa forma a vida. Então resolveu se afastar de tudo que era ligado à religião. Apenas ia para missas aos domingos. Começou a ver que existia um mundo ao seu redor, pessoas diferentes, de várias religiões, de vários tipos de cultura, de classes sociais distintas. Percebeu que até aquele momento, não tinha vivido nada apenas seguido ao vento das marés. Tinha entrado nessa de igreja por causa do irmão Henrique. Por isso estava querendo ser igual ao irmão mais novo. Descobriu que em si havia uma grande pessoa e que ele era diferente do irmão, podia ser muito mais, a partir da sua própria história de vida. Observou como ele era antes: preconceituoso, machista, fanático, antidemocrático e outros adjetivos. Também tomou ciência de que ele herdara “maldita herança” de personalidade de seu pai. Por isso a partir daquele momento decidira romper com todo esse conceito de vida. Era tempo de reconstruir o que nunca havia sido construído. Começou a dizer para si mesmo:
[ 77 ]
78 - Está na hora de viver a vida de verdade, sem medo de ser feliz. Esse sou eu, não sou meu irmão tenho personalidade própria, posso tomar minhas decisões com autonomia, pois sou um ser pensante e decidido de que serei diferente dos meus pais. Ele nunca imaginava o que poderia vim depois, porém naquele instante, viu-se como um novo ser humano, sem o peso da moral e bons costumes. Capitulo 4 Tudo mudou No mês de fevereiro tudo estava ficando pronto, o carnaval a festa da carne, dos prazeres se aproximava. Era dia 17 uma quinta feira, toda Avenida
Domingos
Olímpio
estava
enfeitada
de
confetes,
serpentinas, faixas. As arquibancadas foram armadas em lugares estratégicos, para que possa acontecer o desfile dos maracatus e escolas de samba. Os organizadores esperavam um público bom, apesar de a cidade nesse tempo ficar quase que completamente deserta, pois a maioria da população dirigia-se para as praças e serras, acompanhar o carnaval do trio elétrico, o som da boa música do Jazz e Blues.
[ 78 ]
79 A primeira noite sexta-feira era o dia em que se esperava atingir a meta dos horários, entre o começo 17h e o fim às 23h. A imprensa foi a primeira a chegar com seus cabos, câmeras, antenas de transmissão, repórteres, cinegrafistas. No meio deles um se destacava o operador de cabos Rafael Medeiros, que nos seus 29 anos conseguira um emprego de carteira assinada, por intermédio de um conhecido seu que trabalhava como repórter de televisão. Na verdade esse jovem queria estar no lugar do colega fazendo as entrevistas e apresentando o evento ao vivo pela TV Diário, que cobria todos os anos essa grande festa de carnaval. Rafael tinha que tirar os garotos que ficavam pisando nos cabos e abrir espaço para os câmeras gravar tudo, sem perder um detalhe se quer que fosse. Entre uma gravação e outra se aproveitava para paquerar as garotas que se aproximavam para ver os desfiles das escolas que eram bem frequentadas por gays e trasvestis. No último dia, terça feira, todos estavam exaustos, acabados de tanto trabalho e também das noites em claro na ilha de edição da
[ 79 ]
80 redação da TV. Dessa forma aconteceu algo impressionante, Cláudio Cabral ligou para o celular de Rafael dizendo: - Que estou doente e não poderia cobrir o evento. E os outros repórteres estão no interior em outros carnavais. No dialogo o operador de cabo, o câmera e o diretor de programação resolveram que poderiam apenas passar as imagens, sem repórter no local. Tudo pronto, a transmissão entra no ar ao vivo, com links em Aracati, Guaramiranga e em Fortaleza. A apresentadora conversa com os repórteres que vão dizendo o acontecido em cada local de animação. Era o momento de se comunicar com Fortaleza e então fala: - Direto da Avenida Domingos Olímpio vamos mostrar as imagens das festas do ultimo dia, onde se apresentam as escolas e maracatus vencedores. De repente uma voz entra no ar: - Está previsto para começar dentro de instantes com o bloco Unidos de Acaracuzinho, ganhador da categoria Escola de Samba, logo em
[ 80 ]
81 seguida vem o Ás de Fogo, como melhor figurino... E para fechar a noite Maracatu Nação Fortaleza como melhor grupo de Maracatu. Pronto tudo estava consumado, Rafael por acaso e por ousadia fora demitido do cargo de carregar os cabos. Sua tristeza foi grande não poderia ter feito aquilo, tinha perdido o emprego, mas no fundo sabia que havia rompido com o ser antigo medíocre que era. Agora se comportando como um homem, que é consciente de seu talento. Sendo sexta-feira, lá está Rafael Medeiros em casa sem emprego, porém feliz, mesmo recebendo criticas dos familiares. Nada poderia tirar a certeza de que era um homem de coragem e fibra. Resolveu sentar-se na cadeira de balanço e escutar música suavemente. Eram canções de amor, de juventude, de esperança: ♫ Linda, pobre de mim pobre de nós ♫. O telefone tocou várias vezes e ele nem aí para o aparelho que gritava seu nome. Um pouco irritado resolveu atender, para ver se podia ficar em paz, descansando: - Alô, quem fala? Pergunta Rafael. - Bem boa noite, queria falar com Rafael Medeiros, ele está?
[ 81 ]
82 - É o próprio, quem deseja falar? A voz do outro lado da linha responde: - Aqui é da Columbia Pictures e Television, vimos à transmissão que aconteceu durante o carnaval e nos reunimos, toda equipe e resolvemos entrar em contato com a empresa onde trabalhava, descobrimos que você era o rapaz que segurava os cabos.. - Eu sei por isso fui demitido. - É sobre isso que quero falar com você, estamos precisando de alguém para cobrir a guerra que acontece no Oriente Médio, será que daria para ser o nosso correspondente? Enviando noticias diárias do acontecimento? - Como? Não entendi pode repetir de novo? Perguntou perplexo Rafael. Parecia que ele estava participando de uma pegadinha; na verdade era o que pensava, mal poderia imaginar que tudo era real e não um sonho. Isso se confirmou logo depois, quando fora tirar o passaporte na Polícia Federal na Avenida Borges de Melo. Dois dias depois
[ 82 ]
83 estava indo a Recife tirar o visto de trabalho e logo depois voltou a Fortaleza para fazer as malas e viajar. Então
no
Aeroporto Internacional
Pinto
Martins, com
embarque marcado para o Rio de Janeiro no vôo das 16h15. Tudo acontecendo bem rápido na sua vida. Segunda viagem que realizava de avião, a primeira tinha sido ao Recife. Levantando asas para uma vida inesperada, cheia de surpresas. Alguns anos depois sua vida era marcada pela película Cidade de Deus, onde notara a violência que tomava conta da Cidade Maravilhosa. Isso pôde viver antes ao vivo, quando desembarcou no Rio e se dirigiu ao Leblon, se alojando em um apartamento bem arejado e com visão privilegiada de tudo que poderia acontecer em um filme policial. Porém não ficou muito tempo, pois teve que três dias depois viajar para seu primeiro trabalho como jornalista. Ele que não era formado na área, tinha um curso de graduação na área de Ciências Exatas, Licenciado em Física. Na sua ida ao local de conflito no Oriente Médio, percebeu que estava presente em uma realidade que vira de longe pela TV,
[ 83 ]
84 pelos jornais e revistas e ouvido no rádio. Eram rostos sisudos, compenetrados e atentos. Jovens de 12 anos com armas na mão, granadas no bolso e coletes a prova de bala, os protegendo de todos os inimigos. O grande perigo é que nesse local não se poderia confiar muito em ninguém, todos eram suspeitos de qualquer coisa. Rafael falava friamente dos acontecimentos transmitidos via satélite para os lares. Eram corpos mutilados, dilacerados, sofridos por uma luta em uma causa que nem bem conheciam. Os líderes do movimento usavam quem sabe de seu poder de persuasão, fazendo das pessoas verdadeiros zumbis humanos. Porém no meio de toda essa realidade cruel e sangrenta, ainda existiam os vendedores de tecidos, produtos alimentícios, armas, que com a insistência e a conversa mansa, conseguiam tirar o pouco dinheiro que sobrava na economia Iraniana. As mulheres eram a parte mais atingida, porque não tinham suas liberdades garantidas, eram submetidas a um regime patriarcal
[ 84 ]
85 e autoritário. De outro lado elas eram protegidas por viverem em suas casas, do campo de batalha. Com 5 meses nesse local, Rafael viu que suas incertezas, questionamentos, medos, eram quase nada comparados com aquelas pessoas, presas em uma luta que começara nem se sabe o porque. O jovem adulto estava sentido algo de especial pela cidade e pedira para o diretor de programação deixá-lo como correspondente permanente. Também havia conhecido uma pessoa que mexera com ele. Era Tália Aurasat, filha de um burocrata do regime autoritário e braço direito do ditador. Sabia ele que esse romance escondido poderia dar em “foguete” e dos grandes, porém o amor falou mais alto. Fingindo ser funcionário do Palácio Real, entrava todas as noites escondido no quarto da jovem. Que tinha um quarto bem confortável com sauna, piscina, TV a cabo, cama giratória e ainda uma porta secreta que dava para um subterrâneo, sendo nesse local o encontro dos dois. Denis Aurasat pai da moça era casado com 6 mulheres e tinha 37 filhos, porem a mais próxima dele era Tália, que fora
[ 85 ]
86 prometida a um jovem de uma família Iraquiana, da seita dos xiitas. Esse casamento estava marcado para o final desse ano. Rafael
sabia
que
a
única
maneira
de
impedir
tal
acontecimento era fugir para o Brasil com ela. Então começou a arquitetar em seu pensamento como faria isso, sem ninguém dar conta. Perguntava-se: - Como passar a fronteira, sem ser notado? E Tália, o que fariam com ela se não desse certo o plano? Quem poderia dar-me cobertura nessa missão arriscada? E se me pegarem que fim terei eu? Tália nunca gostara tanto de uma pessoa como Rafael. Ele era um anjo que apareceu na sua vida, trazendo esperança de uma relação aberta e democrática. Onde as mulheres teriam direitos iguais ao homem, como acontecia no Brasil. Em suas longas conversas pela madrugada no Palácio Real, trocaram experiências sobre suas vidas, afastados por uma cultura tão anacrônica entre os dois povos. Ela fala: - Sabe bebê, aqui eu fui educada como um bicho, um computador que apenas obedece a ordens de quem manuseia.
[ 86 ]
87 Ele replica: - Lá no meu país existe liberdade de expressão, direitos iguais para todos, porém na prática não é bem assim, as pessoas são muito malandras, querem sempre levar vantagem sobre os outros. E continua: - Nas verbas enviadas para projetos sociais, sempre acontece desvio ou superfaturamento, o povo poucas vezes consegue ver o benefício concreto para suas vidas. Tália se impressiona: -Mas aqui não é assim, temos pouca liberdade de fala, mas temos acesso a todos os bens sociais possíveis. A única maneira de interromper esse belo diálogo era o romance, a paixão, a troca de carícias, o suor dos corpos deleitados de prazer. Ela o mostrava tudo que aprendera no Kama Sutra, a escondida sozinha sem ninguém vela há alguns anos atrás. Todas as posições que arrancaram o gozo fulgural eram praticadas em local bem escondido dos membros da segurança real. Rafael planejara tudo com a ajuda de um advogado peruano que morava próximo a capital. Conseguiria passaportes falsos e
[ 87 ]
88 sairiam pela fronteira ao Sul, depois pegariam um vôo com escala na França, onde se dirigiram de volta para o Brasil. Eram 16h03 quando chegou como sempre no Palácio Real e cumprimentando os guardiões passou para onde estava Talita. Ele colocou-a dentro de um carro e saiu com o pretexto de levar mercadoria para a Receita Federal. Porém na saída o guarda avistou no porta-malas um lenço róseo que era usado pela filha de Denis. Então acionaram a polícia, que se comunicou com os postos espalhados pelos quatros cantos do país. Conseguiram
passar
por
três
postos
sem
serem
reconhecidos, estavam quase atravessando a fronteira, quando foram surpreendidos por uma multidão de políciais e presos, sendo deportados para a prisão de Atalak-Ratiref, que era de segurança máxima. Talita fora poupada por enquanto, mas Rafael fora amarrado numa estaca e chicoteado 306 vezes. Ficou desfalecido, quase sem vida. Logo a Colombo Pictures e Television souberam do ocorrido e mobilizou a imprensa mundial pedindo pela libertação de seu repórter.
[ 88 ]
89 A pedido da ONU, fora marcado 2 julgamentos, o primeiro pelas leis locais e o segundo através de acordos bilaterais entre os dois países: Brasil e Irã. Poucos dias após o fato, Talita casou-se com o Iraquiano e foi embora com ele e sua comitiva. Dentro do coração estava uma dor, ver seu amor preso e sem nenhuma chance de sobrevivência. Rafael sabia que era difícil escapar dessa vivo. Porém sabia que um dia fora um homem de fé e resolveu esperar tudo com uma fé inabalável. Junto com ele haviam três presos condenados a pena de morte, um deles na noite que se aproximava. Ás 18h30 começou o cerimonial de execução. Fora convidado o Califa orador, que fez o discurso de lamento: - Por sermos um país religioso, aprendemos desde cedo com nossos antepassados a respeitar a moral e bons costumes, acima de qualquer liberdade individual. Assim esse homem Kosak Trataf, que desrespeitou as nossas leis, foi condenado a pena de execução, morrerá amarrado ao grande tronco e com a contagem regressiva, será sumariamente lançada contra ele disparos de tiros de 33 soldados.
[ 89 ]
90 Rafael nos dias seguintes observou várias mortes e discursos. O seu julgamento estava próximo e fazia com que ele se conformasse cada vez mais, com o seu fim trágico, mesmo ainda restando um pouco de fé em seu nobre coração. Eram 15h30 do dia marcado para a 1° audiência com o juiz e posteriormente a apresentação da defesa, com autos do processo. Foi um julgamento rápido e a condenação estava decretada. Antes, porém o advogado de defesa recorreu ao júri internacional, presidido pela ONU. Nesse 2° momento, a opinião pública se mobilizou com manifestos nas ruas, praças, embaixadas de todo mundo. O Brasil inclusive pediu que ele fosse deportado e julgado pelas leis brasileiras. Os acordos entre os dois países não foram respeitados e então Rafael fora mesmo condenado a execução para o dia 25/12 em pleno Natal e sem mais nenhum direito de recorrer da sentença. Talita Aurasat apesar de casada e longe em outro país, não se esquecera de seu grande amor. E por isso tomou a coragem de contar tudo para seu marido, mesmo com a certeza de que não
[ 90 ]
91 escaparia viva dessa. Então preparou um jantar especial para ele, com as comidas mais variadas que aprendera em seu país de origem. Ás músicas selecionadas para que as dançarinas pudessem se exibir e que empolgassem os convidados e que eles dançassem juntos. A festa foi até a madrugada. Com os homens meio cambaleantes, na volta para suas casas. A jovem aproveitou o momento a sós com seu marido e começou a falar: - Sabe amor, antes de conhecer você pessoalmente, fui surpreendida por um amor que tomou conta de mim. Ele era inteligente, carinhoso e compreendia-me como mulher, me tratava como igual, sem achar que o homem deve ser mais do que nós mulheres. Ela falava e ele endurecia o rosto e ficava abismado: - Como? Não entendi, continue. Talita então completou: - Não podemos escolher quem devemos gostar, mesmo que nossos pais possam escolher nossos casamentos, dentro de nosso coração o amor maior permanece. Não que você seja ruim, pelo
[ 91 ]
92 contrário, é um excelente homem, mais gosto de um rapaz latinoamericano, que está preso em meu país e pode ser executado a qualquer momento. Imediatamente ele chamou os guardas. Ela se apavorou, pensava que seria morta ali mesmo, por declarar o que o coração seu falava. Karan Tradef falou: - Vocês devem preparar tudo, hoje à noite eu partirei para uma viagem longa, espero que cuidem de Talita enquanto eu volto. O grande orador discursava para os guardas enquanto Rafael como estava amarrado esperava o golpe final, o grande fim de um homem que não temera a morte por causa do amor. Acabado o discurso, todos os olhares se voltaram para o jovem adulto, as armas prontas para mais uma execução, como qualquer outra; aliás, seria a quarta daquele dia, onde ocorreriam dez. Gritaram: - Atirar, apontar e...! Um grito se ouviu entre os disparos; era Karau Tradef, com a solicitação de cancelamento do ocorrido. Ele perdoara Rafael e fizera
[ 92 ]
93 o pedido de intervenção junto ao grande júri Iraniano. A partir daquele momento, Rafael era propriedade de Karau. A viagem de volta foi cansativa, mas logo chegaram ao Iraque em Bagdá. Talita que não tinha qualquer noticia do marido, estava triste, pois achava que perdera Rafael e logo perderia a sua vida. Escuta-se o badalar dos sinos, alguém chega é Karau Tradef. Entra ele em seu escritório, manda chamar Talita. Quando ela abre a porta, toma um susto, vê-se de frente com Rafael. Não sabe se o abraça ou apenas fica olhando. Por ordem do marido, que diz: - O que vocês estão esperando, eu não fui tão longe assim para que fiquem assim, vamos, podem se abraçar. Só tem essa noite, amanhã ele partira e você ficará. Essa noite é de despedida. No momento Talita ainda em choque com tudo que estava ocorrendo saiu com Rafael e foi ver as estrelas no jardim. Sabia que não teria outra oportunidade para estar novamente com Rafael e já se sentia grata por seu marido ter sido tão bom e clemente em toda essa situação.
[ 93 ]
94 Na manhĂŁ seguinte Rafael voltou para o Brasil. Talita mesmo distante estava feliz, pois conseguiu preserva a vida de seu grande amor. PorĂŠm ficou cada vez mais admirando a maturidade de seu marido, que teve uma atitude generosa.
[ 94 ]
95
Capítulo 5 morro é do Caralho!!!
Depois de alguns meses de trabalho na redação em um jornal carioca, Rafael resolve variar um pouco, quer ficar mais perto do povão dos morros. Desde criança ouvira falar sobre a violência, o tráfico, a prostituição, a miséria, tinha o desejo de mudar essa realidade e sabia que se colocasse um pouco de sua ajuda como jornalista, veria a mudança do regime implantado pelos grandes lideres do tráfico de drogas. Na verdade era um risco muito grande fazer denúncia no meio de uma realidade tão perigosa e contraditória. Mas não pensou duas vezes e comprou um barraco bem velho, logo na subida para o centro comunitário: Velha Marta.
[ 95 ]
96 Começou a participar das reuniões dos moradores para deliberar sobre os problemas mais urgentes, como falta de saneamento, acesso melhor ao centro da cidade, limpeza urbana com coleta adequada do lixo. Rafael já passara na vida por maus lençóis e queria dedicar seu tempo a ajudar as pessoas na resolução de problemas que precisassem. Nos primeiros dias quando souberam da sua presença na favela, foram lhe procurar. Era o correspondente do Chefão daquele setor, preocupado com presença de pessoa tão conhecida e que poderia causar muitos desconfortos, por ter a imprensa como ferramenta de denúncia. Após horas trancafiados, no barraco junto com Rafael, o Chefão saiu dizendo para seus comparas que tinha um acordo. O rapaz poderia ficar com a condição que nos seis primeiros meses ele não se metesse no negócio da drogas. Esse seria o preço para continuar morando naquela área e poder dar seguimento nas lutas por mudança social naquela comunidade.
[ 96 ]
97 Durante a manhã Rafael trabalhava na confecção de coluna sobre moda, além de artigos sobre esporte e culinária para o jornail de bairro e para um grande jornal do Ceará. A tarde fazia um programa de rádio na FM Comunitária Unidos do Pokeluche. Sobre a vida dos habitantes da favela onde abordava os problemas a serem resolvidos e dava voz dos moradores para qualquer tipo de denúncia. Naquele morro, o processo de comercialização de drogas, era o mesmo de todos os outros existentes na capital fluminense. A única diferença era que esses traficantes não incentivavam os jovens a ajudá-los no trabalho. Eles tinham o dever de trabalhar e estudar, somente aos 20 teria o direito de escolher, se queriam realmente ser cidadão comum ou entrar na furada vida de criminosos. Jaraquara, o grande mentor da região, fazia uma triagem apurada na escolha dos seus ajudantes. A ficha dos estagiários deveria ser limpa e não se permitia que houvesse mortes por causas banais. O sistema era o seguinte, homens solteiros, sem filhos e com habilidades em manuseio de armas, tendo que ter curso oficial de tiro expedido pelos órgãos competentes na área de segurança pública.
[ 97 ]
98 Mulheres só eram permitidas em casos extremos, pois na visão de todos, a presença dela poderia confundir os adversários e as informações vazarem. Caso houvesse romance entre elas e um policial, por exemplo. As crianças eram afastadas de qualquer atividade ilícita e tinham educação contrária ao uso de drogas, pois as “cabeças” do crime viam a droga apenas como meio de vida e não como algo bom para os seus filhos. Jaraquara era um líder carismático e respeitado por todos, sendo conhecido pela sua democracia e solidariedade. Era um homem de diálogo, que sabia viver bem com os outros chefões do tráfico, espalhados por São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Fortaleza, uma conexão muito bem planejada. Na verdade ele entrara nessa vida por acaso, nota-se isso pela sua aparência física, por ser descendente de alemão, vindo para o Brasil com seus avós anos atrás, se estabelecera em Copacabana, ficando por vontade própria, quando fugira e se perdera na Favela Vidigal.
[ 98 ]
99 Nessa época com 10 anos de idade, sem saber a língua portuguesa, fora recebido por um casal de mulatos que gostara logo de cara dele, resolvendo o esconder. Começou a aprender a se comunicar através de sinais com outras pessoas e logo estabeleceu contato com mercadores locais. E foi chamado a se aviãozinho, levando informações e soltando pipas quando a polícia se aproximava do morro, dando oportunidade de todos fugirem. Jaraquara (Alexander Juniosk) tinha sido educado em um regime perfeito, com erudição clássica, porém algo mudaria a sua vida aqui para frente. Derrepente a polícia chega e na corrida atrás dos bandidos, atira certeiramente no grande Chefão da época, que antes de morrer fala com Alexander, o pedindo que daquele momento em diante fosse o novo líder dos negócios. Com essa promessa feita, ele rege sua vida por esse caminho, porém no seu coração havia um desejo de acabar com aquilo aos poucos, por isso que decidira implantar um regime reacionário de mudança, sem que ninguém percebesse o que acontecia.
[ 99 ]
100 Alguns maliciosos do seu bando tentaram insuflar os outros a reagir aquela situação, pois não queriam sair daquela vida, onde ganhavam muito dinheiro e também por não se sentirem membros dos sistema social. Jaraquara gostava muito de Rafael, porém não queria problemas com a imprensa e desejava que houvesse um silêncio prévio do rapaz, pelo menos enquanto as
coisas iam
se
normalizando. Naquele verão o movimento era intenso, os compradores eram muitos, faziam até uma agenda de melhores horários para que as negociações fossem realizadas com maior êxito. Venderam tanto que começarão a incomodar os adversários vizinhos. Os inimigos há muito planejavam um momento para invadir. E numa noite sem menos esperar entraram no morro e houve muito tiro, muitas mortes, inclusive Jaraquara que fora pegue de surpresa no seu esconderijo, quando tentava arrumar as suas coisas de viagem. O morro ficou em luto durante uma semana, nada de tráfico durante esses dias. Rafael que até aquele momento tinha liberdade
[ 100 ]
101 de expressão sentia que sem seu amigo, as coisas poderiam piorar, porém decidiu não arredar o pé de lá. Dizia aos amigos mais próximos: -Vamos colocar de pé o sonho de Jaraquara, ver esse morro livre do tráfico e os moradores todos inseridos na sociedade. Na queda do grande líder, em seu lugar subiu um homem de cor negra, forte, feio e de nome comum, Antônio Piolho. Resolveu mudar todo o sistema que existia. As crianças voltariam a ser aviõezinhos. Os jovens teriam chance de roubar para se envolverem no crime e depois integrarem a quadrilha com a experiência adquirida. O centro comunitário fora fechado e de agora em diante, qualquer reclamação se resolveria diretamente com ele. O sistema de gambiarra (luz roubada clandestinamente) estava de volta, tudo como um morro comum era um local excluído e sem perspectiva de vida digna. A rádio comunitária agora funcionava 24 horas com músicas de alusão ao crime e apologia as drogas. O programa de Rafael
[ 101 ]
102 Medeiros, ficara fora da programação, inclusive fora dado a ele um ultimato de 2 meses para que deixa-se o morro. A traição se tornara coisa comum entre os criminosos, as mortes aumentaram e muitos foram presos e levados para Bangu I. A insegurança era grande; depois das 20h era dado o toque de recolher, não se podia mais ver mulher nas ruas, só homem com 20 anos e apto para o crime. Rafael ficava sentado em sua cadeirinha, de balanço, vendo tudo, porém com uma “mordaça na boca”, pois não podia falar nada, corria o risco de perder a vida. Testemunhou várias mortes e sabia que a sua se aproximava, caso não saísse logo daquela região de terror. Lembrou-se dos tempos de menino, tomando banho de açude, correndo descalço pelas ruas sem preocupação. Não conseguia entender como o ser humano chegava à situação tão massacrante. E falando com Jurandir seu amigo de calçada comentava: - Tudo podia ser diferente, bastava que um cedesse aqui, outro acolá e o mundo melhorava. Os grandes se liberassem a metade do
[ 102 ]
103 dinheiro que tinham e repartissem com os mais miseráveis a fome acabava no mundo. Se os políticos fossem mais honestos e repassassem as verbas para o local adequado, as pessoas certas, os bens sociais seriam alcançados. Jurandir também falou: - Eu sei, porém existem muitas diferenças, culturais, de religião, tradições, costumes. Por exemplo, na África, quando a menina completa 11 ou 12 anos, tem seu clitóris arrancando, para que não sinta prazer e assim não traia o marido. No Afeganistão a mulher é obrigada a vestir uma roupa que a cobre da cabeça aos pés, usando a burca, ninguém ver se são bonitas ou feias. Os EUA como Roma no passado querem ser o grande país do mundo, para isso impõe suas decisões até sobre a ONU, em busca de poder e prestigio. O socialismo em Cuba, que é bom, porém é uma ditadura que proíbe a manifestação de pensamento contrário ao governo; muitos colegas seus, jornalistas estão sendo mortos. Rafael ouve atentamente e depois fala também:
[ 103 ]
104 - Então vamos lutar para acabar com as injustiças, começando por nossa realidade, o morro perigoso, onde vivemos, não podemos ficar calados, vamos à luta para conquistarmos a liberdade. O papo entre eles continua. Dia a dia vão conseguindo mobilizar uma massa expressiva, que se reúne em blocos separados, em horários estratégicos. O primeiro grupo às 05h30, o segundo as 15h30 e o terceiro às 24h30. Horário onde todos estão dormindo ou trabalhando. Fazem um programa de ação, estruturam “o grande dia”, em que vencerão pela revolução, os poderosos do crime organizado. Porém a notícia vaza para Piolho, que sem dizer nada planeja uma forma de contra revolução. Ele detinha o poder das armas e decide sozinho sem ajuda de outros morros, vencer o motim, ainda inédito na história das favelas. O dia marcado era sábado a noite, onde acontecia à maior concentração de pessoas para se divertir nos bailes funk e também para comprar drogas. Rafael nunca imaginara que sua vida poderia tomar um rumo assim. Sempre sonhara com uma esposa, filhos, uma vida pacata, sem muitos atropelos. Porém dentro de si havia uma inquietude muito
[ 104 ]
105 grande, não conseguia ficar parado, sempre estava em movimento, para lá e para cá. Era uma pessoa conhecida nos quatros cantos do mundo, principalmente pelo caso que tivera com Talita, aliás, a última mulher que teve. Já fazia um ano desde aquele relacionamento marcante. Por onde ele passava, fazia amizades e inimizades, mais inimigos, porém todos os respeitavam por ver coerência nas suas palavras. Por sinal ele não tinha medo de dizer o que pensava, era homem de opinião própria. O confronto se iniciara logo na madrugada, por ser momento propício de execução do projeto de tomada do morro. Piolho já esperando tudo, se antecipou e pegou a todos de surpresa. Foram cercados e rendidos, um número de 300 homens, que entregaram as armas e ficaram todos de joelhos, com as mão para cima, em posição de rendimento total. Os homens de Piolho começaram o massacre, a carnificina, tiros e mais tiros, não escapando se quer um para contar a história. Rafael que estava no comando do segundo grupo, soube do acontecido e preparou a revanche, desceram pelo lado esquerdo de
[ 105 ]
106 acesso ao morro e se defrontaram com os homens do tráfico. Mortes para um lado e para o outro. Restaram poucos de cada lado. O 3° grupo de moradores, veio em reforço e conseguiram acabar com os traficantes restantes. Perto das 11h da manhã a revolução conquistara o objetivo de libertação da favela. Rafael fora levado nos braços pela multidão, que festejava com alegria. O pagode em fim tocara no morro de uma maneira diferente. Mataram muitas galinhas e fizeram aquela comida boa, em que dividida chegara ao alcance de todas as bocas famintas e satisfeitas. Os discursos eram feitos em tom de homenagem, ao velho chefe do morro, que ensinara o povão que eles poderiam um dia viver sem drogas. Rafael se responsabilizou pela coordenação de reconstrução daquela área, tinham o projeto de derrubada das casas em regime de risco e construir casas mais adequadas e dignas. Logo a noticia se espalhava pelo Rio de Janeiro, um acontecimento jamais visto antes e que era patrocinado por empresas interessadas em ver crescer um novo mercado consumidor.
[ 106 ]
107 Se essa moda pegasse quem sabe, dentro de poucos anos, não existira mais tráficos, as favelas seriam libertas e todos seriam mais felizes em uma cidade justa. O grande porém é que nas favelas vizinhas a repercussão gerou confusão, os moradores queriam seguir o exemplo da favela revolucionária. Pensavam que dando certo lá poderiam imitar esse exemplo de coragem. Então os presidentes de associação de moradores, reuniram-se em assembleia geral para deliberar possíveis ações de rebeldia contra os chefões do tráfico de drogas e de armas. Foram marcadas três reuniões com esse objetivo. Em todas elas havia a presença de deputados estaduais, prefeitos, ministros, que começaram a se aproximar do caso e acompanhar de perto todas as possíveis ações de revolta. Em todos os anos que passaram até hoje jamais houve uma ação concreta em relação ao fim da violência. Resolveram chamar Rafael Medeiros o grande mentor dessa ação de revolução. No seu discurso já na terceira e última reunião ele falou assim: - Companheiros, autoridades, classe oprimida, a revolução que houve na favela Vidigal, foi um caso extraordinário, uma promessa ao velho
[ 107 ]
108 líder que lá esteve. Para que mudemos essa situação é preciso que acabemos com os privilégios dos políticos e que os grandes empresários deixem de ser egoístas e pensem um pouco mais nas pessoas humildes não as tratando como subalternas e sim com dignidade. Na verdade o homem só será livre com um governo livre, porém com responsabilidade social. Para alguns esse discurso não mobilizava as pessoas a lutarem, porém fazia o contrário, dava chance de o medo e o terror voltar a tomar conta de todos. Ele, porém continuou: - A causa de vocês é justa e não tiro o direito que tem de lutar por liberdade, se o diálogo não resolve o problema é melhor partir para a luta corpo a corpo. O governo fica no seu gabinete, recebendo visita e cassando a bunda, enquanto nós ficamos aqui, a mercê de marginais que são nossos irmãos, porém não mais nos conhecem, deixaram que a ganância tomasse conta de seus corações e almas. Rafael depois do discurso voltou para o Vidigal, enquanto ainda reaparelhava a cidade alternativa, montara centro
de
treinamento esportivo, cursos profissionalizantes. A FM voltara a
[ 108 ]
109 funcionar com programas de reivindicação. As escolas tinham merenda para aqueles jovens que passavam o dia estudando. Abriram-se as portas para o 1° emprego. A imprensa pode circular livremente nessa favela, transmitindo para todo mundo a força que o povo tem quando resolver se unir por alguma causa justa. Dizem que tudo que é bom, dura pouco, parece que essa frase voltaria a fazer efeito na Cidade Maravilhosa. Os traficantes mais perigosos resolveram se mobilizar em defesa dos seus interesses queria a destruição total do morro Vidigal e que os moradores voltassem a respeitar a liderança imposta por ele. Chefes do tráfico que eram inimigos declarados esqueceram as diferenças nessa hora. Sua causa era injusta, destruir sonhos e esperanças de um povo que sonhava com liberdade, igualdade, saúde, fraternidade e não a violência. O Rio de Janeiro não continuava mais lindo, o medo tomava conta de todos, a qualquer momento poderia acontecer algo inesperado. Os helicópteros da polícia começam a fazer vistoria sobre a cidade, buscando detectar qualquer ato de desordem. A notícia de que haverá uma grande guerra entre uma favela e todas as outras
[ 109 ]
110 ultrapassam as fronteiras do Brasil e toma conta dos principais jornais, que publicam ou transmitem com detalhes, todas as armações e planejamento que vazam entre os moradores. O Iraque vê essa notícia com grande atenção, principalmente, uma moradora chamada Talita, que consegue identificar seu grande amor, entre os lideres do povo. O sentimento ainda é muito forte, ela não consegue conter as lágrimas e fica notória a sua revolta diante de tal situação. O seu marido Karau Tradef resolve ajudá-la e liga para Rafael solicitando informações precisas de como está tudo no momento. Rafael fala assim para Tradef: - Bem aqui em Vidigal, estamos muito tranquilos, a reconstrução do morro acontece gradualmente, as pessoas respiram um ar de satisfação. O medo não existe mais. Não queremos ser uma nova Canudos, nem Caldeirão, o objetivo é parecido, estarmos vivendo aqui uma sociedade igualitária, porém o principal aqui é acabarmos com a violência que é gerada pela desigualdade dos mais ricos e dos mais pobres. Karau interrompe:
[ 110 ]
111 - Você tem um sonho muito ousado, lhe admiro, mas é difícil sermos assim a sociedade que você vive é muito liberal, permite de tudo, por isso que a situação está assim. Dou-lhe uma dica, sai dai venha para cá, Talita está bela e a sua espera. - Não posso deixar as pessoas sozinhas, sem lenço e sem documento, preciso ajudá-las a superar seus conflitos internos e externos.
Pois
dentro
de
qualquer
momento,
podemos
ser
surpreendidos com a invasão da favela e precisamos estar preparados para lutar até o fim. Rafael fala com uma sinceridade imensa. - Então se é assim aguarde reforços, pois estaremos chegando a qualquer momento, eu e minhas tropas de ordeiros, lutando com vocês. Vamos vencer e convencê-los a aderir à causa justa com vocês. Conclui Tradef. Poucos minutos depois de desligado o telefone, ouviu-se os primeiros tiros em direção a Vidigal. Muitos que estavam nas ruas conversando foram atingidos, as crianças eram as primeiras vítimas da sangrenta batalha. Rafael logo reuniu os companheiros e começou a fazer defensiva, conseguindo destruir alguns adversários.
[ 111 ]
112 A FM fora invadida e dentro dela acertados a tiros o locutor do momento que dizia no seu programa ao vivo: - Bom dia que alegria de viver... Não deixem de sonhar. As mulheres foram violentadas, estupradas e com poucos mais de três horas de conflitos, lá estava totalmente destruído o sonho de paz. Rafael juntamente com 300 homens fugira e escondera-se no litoral da cidade, em um hotel de luxo, que eles mesmos fizeram questão de invadir. Nesse local, planejaram retomar a sua favela e recuperar as mulheres presas em mãos inimigas. Logo a vitória contra Vidigal fora anunciada em todos os meios de comunicação. Os grandes chefões estavam festejando o resultado positivo, porém nunca poderiam imaginar o que viria depois. Os próprios moradores de seus morros decidiram fazer revolução e entraram em choque com os lideres sendo, porém massacrados com grande crueldade. Em dois dias só existia destruição em todos os morros as cabeças da cocaína, estavam sozinhas não existia mais nada, o
[ 112 ]
113 pagode, a pelada nos campinhos de futebol, os aviõezinhos, os mulatos, o papo nas esquinas, tudo tinha sumido. Até que ponto chegou a violência levando vidas importantes. Os habitantes das áreas mais nobres chegaram a comemorar a morte da pobreza, porém quando se deram conta de que sobrarão ainda os homens do tráfico ficaram aterrorizadas. Um mês depois dos conflitos a cidade estava deserta, os consumidores de droga decidiram não mais comprá-las, afetando diretamente o comércio da droga. Mais uma vez os inimigos se uniram e decidiram invadir a área mais rica da cidade para saquear, violentar, sequestrar pessoas ilustres e tudo que poderiam fazer para que recuperassem do dinheiro e o poder perdidos, sem a ajuda que tinham dos moradores mortos por ele mesmos. Rafael e seu bando estavam planejando acabar com os lideres restantes, porém eles estavam no meio da elite, fazendo vitimas a cada instante. Karau Tradef chegou de avião de grande porte, junto com seu exército e se alojaram no antigo Vidigal, quando
[ 113 ]
114 se soube disso, os grandes do crime deixaram a zona rica e voltaram para as favelas, com o objetivo de aniquilar os novos visitantes. As forças armadas brasileiras resolveram se intrometer na guerra de muito tempo, apenas de observação. E por incrível que pareça, ficou do lado do tráfico contra os “invasores Iraquianos” Karau Tradef mandara chamar Rafael que prontamente o atendeu. De longe quando se viram, correram e abraçaram-se longamente. E conversaram por um bom tempo. A noite fizeram uma festa na favela Vidigal, realizando um ritual em que pediram a vitória sobre os inimigos no combate próximo. . Rafael bebeu até se embriagar e começou a dançar e a festejar freneticamente. Depois de muito movimento o rapaz resolveu dormir e foi para o quarto preparado pela comitiva real. Deitou-se e dormiu. Quando acordou se deparou com uma surpresa. Talita apareceu linda, jovem e dançando para ele, com todo o ritmo da dança do ventre. Rafael perguntou-se em voz alta: - Será sonho?Alucinação? É você mesmo Talita?
[ 114 ]
115 - Claro não reconhece a sua serva de longe, vim para dar-te força para a luta que o aguarda, pois precisa de mim para recuperar o animo e energia. Então sem mais palavras e sobre a proteção de Karau Tradef, os dois passam uma bela e romântica e também sensual noite de amor. Pela manhã com o animo renovado Rafael toma a frente no planejamento da missão que toma proporções gigantescas e sendo agora questão de honra vencer. Uma semana se passa e o combate final começa, os iraquianos partem para a 1° favela, Rocinha e em um dia e uma noite, conquistaram a vitória. Na 2° favela Morro da Mangueira, a dificuldade é menor e tudo acaba em duas horas e vinte e cinco minutos. Faltavam poucas favelas para o fim do combate. Nesse momento então em ação as forças armadas brasileiras, que entram em choque com as favelas restantes e se aliam aos iraquianos em defesa da liberdade. Enfim tudo acaba o inferno termina, “A cidade maravilhosa” de agora em diante poderá ser um lugar de paz, onde se
[ 115 ]
116 poderá viver tranquilamente. Os Iraquianos retornam ao seu lar e são reconhecidos como herói em seu país. Rafael sai de cena sigilosamente sem ninguém perceber e parte para Fernando de Noronha, onde fica por lá mais ou menos um ano. Desse arquipélago acompanha as notícias sobre como vai o Rio de Janeiro, a cidade que não tem mais morros, nem samba, nem pagode, nem mulata. Torna-se aos poucos uma cidade desenvolvida, exemplo de conquista, porém aos poucos as desigualdades voltam e começam a surgir as diferenças iniciais em que o 1° reduto de miséria aparece, um lugarejo, onde os grupos vivem de esmolas. E depois de assaltos, alguns até já começam a negociar pequenas armas e outros quilos de cocaína. Aparece o 1° líder Jacaúna, que começa a implantar um sistema de negociações. A polícia, vendo que ganha pouco, começa também a se aliar a Jacaúna e vive recebendo subversões para silenciar sobre o que acontece no pequeno gueto. O chefe desse bando é um jovem de classe médica que revoltado com a família, quando resolve assumir a
[ 116 ]
117 vida do crime. Logo o Rio de Janeiro volta à rotina de tiroteio, mortes, tráfico, assaltos, estupros. Agora se começa a investir pesado em segurança, todo ou quase todo orçamento é para combater o crime.
[ 117 ]
118 Capitulo 6 Cultura sim, pagode não
A estada em Fernando de Noronha foi boa, porém Rafael resolve passar uma temporada em Paris na França. Quer conhecer a Torre Eiffel, viver as artes, a música, escutar as vozes de grandes vultos do passado, pesquisar a história da Revolução Francesa, dos grandes pensadores ilustrados, visitar museus, respirar um ar diferente. E na verdade queria mesmo era se esconder dos holofotes que o procuravam sempre para que contasse suas histórias de vida. Ainda restava um bom dinheiro em sua conta, em vista das premiações ganhas por ele. A mais recente e mais importante fora o Prêmio Nobel da Paz, por seus trabalhos de libertação do Rio de Janeiro. Então queria apenas descansar, curtir por longo tempo essa vida de conforto. Primeiro resolveu morar em Nantes, numa casinha bem próxima do campo, onde podia a noite escutar o canto dos pássaros e observar a lua, coisa que nunca fizera com atenção. Já
[ 118 ]
119 estava quase com 31 anos e não sabia como se comportar entre as pessoas daquela localidade. Rafael queria encontrar por ali, uma pessoa para ser sua esposa e para lhe dar muitos filhos, mas quem seria a sortuda? Ele sempre saia bem cedo 05h da manhã para fazer o cooper e na volta passava no supermercado para comprar os ingredientes para o seu almoço e jantar. Noutro dia encontrou um rapaz muito interessante, segundo ele. Era Junet Meliunte, alto, mais ou menos 1.98, por tanto mais alto que Rafael. Eles logo pegaram simpatia um pelo outro. E marcaram um jantar a dois no restaurante de comida típica francesa. Rafael pensava alto: - Quem sabe minha procura não esteja ligada em um homem, pode ser uma nova opção de vida, ter uma sexualidade diferente da tradicional. Eu posso ter uma boneca linda e maravilhosa dentro de mim e vou tentar desenvolve - lá com responsabilidade. A noite Rafael começava a se aprontar, comprou umas camisinhas, uma calcinha, um vibrador, se vestiu lentamente. Olhou-
[ 119 ]
120 se no espelho como ficava de calcinha e resolveu vestir por baixo da roupa social que estava usando. Janet já era mais declarado, chegou no restaurante depois de Rafael com uma calça coladinha, com batom nos lábios e maquiagem no rosto. Pediram o prato principal, uma especialidade da casa. E para acompanhar um vinho de 1759, bem velho e de sabor encorpado. A conversa se deu de uma forma agradável, Rafael começava a gostar de Janet e se interessar por sua pessoa. Janet o convidou para ir ao seu apartamento, ele aceitou e foi a caminho quem sabe da uma nova descoberta até agora vivida apenas na adolescência, porém sozinho, sem a presença de outra pessoa do mesmo sexo.·. Sentou-se Rafael no sofá, Janet fora ao toalete se trocar e com pouco tempo depois voltou, com uma roupa sensual e aos poucos foi fazendo strip-tease. Quando o rapaz viu aquela coisa grande na sua frente cabeluda e em ereção, resolveu desistir de tudo, porque tomou consciência de que não queria fazer aquilo. Pensou consigo mesmo: - Eu, fazer boquete, dar o meu cú para outro cara, tô fora. Eu gosto mesmo é de mulher..
[ 120 ]
121 Janet ainda tentou, fazendo umas caricias nele, porém de nada adiantou, o rapaz decidira desistir. E então resolveram conversar. Janet contou como chegou a ser homossexual: - Bem desde pequeno, tinha vontade de me vestir como minhas primas, eu ficava espiando elas trocando de roupa, as pessoas pensavam que eu tinha interesse de vê-las nuas. Na verdade queria era saber como elas se aprontavam. Quando tinha 10 anos, fui violentado por meu tio de 45 anos, que fez tudo comigo, barba, cabelo e bigode. Depois desse dia, eu mesmo fui procurá-lo e queria ter mais sexo com ele. Então comecei a me oferecer para os meus primos, que por não ter meninas disponíveis aproveitavam e me usavam como experiência para o futuro. Rafael perguntou: - Você nunca se interessou por meninas? - Teve uma vez que eu namorei uma jovem, até que gostava dela, porém não podia ver um amigo dela que logo, marcava encontros às escondidas. Depois de dois anos de relacionamento ela descobriu, quando pegou o seu melhor amigo em cima de mim. Daí para frente, não teve nenhuma mulher que mexesse comigo, a ponto
[ 121 ]
122 de me relacionar de novo. E você como veio parar nessa comigo? Indagou Janet. - Bem, quando era adolescente, tive umas duvidas sobre minha sexualidade e nos últimos tempos não venho conseguindo encontrar nenhuma mulher que mexa comigo. Ai você apareceu, que por sinal é bonito, então pensei porque não, quem sabe poderia dar certo. Só que quando dançava vi que eu gosto mesmo é de se relacionar com mulheres. Concluiu Rafael .
Depois dessa noite, Rafael não vê mais Junet Meliant e
continua sua rotina de sempre. Até encontrar homens bonitos e começar a perceber que tem admiração pela beleza masculina, sem com tudo isso querer uma relação homossexual. Vai para o estádio de futebol ver o Paris Saint Germain jogar contra o poderoso time do Real Madrid, pela Superliga da Uefa de futebol. O estádio está lotado, a torcida sentada, acompanha todo o espetáculo sem promover nenhum tipo de quebra-quebra, como Rafael observara outras vezes em jogos em Fortaleza sua terra natal, que, aliás, já não via fazia tempo.
[ 122 ]
123 No Castelão estádio de terceiro mundo a torcida quando ficava revoltada com o time, começava a quebrar as cadeiras da arquibancada. O Jogo que Rafael via na Espanha acabou 2 x 0 para o time Espanhol, porém os torcedores locais aplaudiram o resultado da partida. Chegando em casa Rafael resolve preparar o jantar e liga para uma colega que conhecera no curso que agora fazia na Universidade. Era Nery uma descendente de índio que fora mora na França por um período para conhecer os estudos superiores. Era também cearense, só que da região do Cariri, no interior. Eles se dariam muito bem e conversavam durante horas e horas, sem que se cansassem. Pensavam coisas parecidas e eles ficaram jogando baralho até de madrugada e depois foram dormir juntinhos no quarto, porém como se fossem irmãos, abraçados e sonhando, estavam muito felizes um com o outro. Quem sabe dessa amizade sairia algo bom, puro e verdadeiro para a felicidade geral. Rafael tinha ligado para sua mãe, para saber as novidades de Acopiara, como estava seu irmão Henrique, sua irmã Sarah, enfim os parentes que por muitas vezes eram esquecidos por ele. Na sua
[ 123 ]
124 busca de encontrar a si mesmo, acabava esquecendo-se de tudo e de todos. Henrique casara-se e era um empresário bem sucedido no ramo jornalístico. Sarah continuava suas andanças em busca do “Amor de um príncipe”, estava com o 55° namorado, vivendo em Portugal na Europa. Sua mãe Ângela se casara novamente com um homem 15 anos mais novo que ela e era muito feliz com isso. O pai Adalberto era um doente que vivia de hospital em hospital, hora no manicômio, hora solto, perturbando a paz das pessoas. Num final de semanas desses, Rafael ligou para Sarah e a chamou para esquiar nos Alpes suíços, junto com seu namorado e também Nery. Era um lugar muito frio, onde se aglomerara numerosa população. O frio que estava por fora de alguns, ficava geralmente dentro da maioria dos frequentadores que ali iam. Somente Nery levara tudo na brincadeira, ela que vivera na pobreza,
quando
pequena,
agora
via
aquele
conforto
com
estranheza. Achava que aquelas pessoas tinham perdido a inocência, simplicidade da vida e que “cheios de cultura” esqueciam-se daqueles mais próximos.
[ 124 ]
125 Sarah era sempre provocante deixara o namorado de cabelos em pé. Porque paquerava descaradamente na cara dura, todo o gato que via pela frente, com exceção do irmão Rafael é claro. O português era tímido, porém esperto para o trabalho e era muito honesto e tinha um olhar galanteador. Por isso ela não desgrudava dele. Nos últimos dias de passeio, eles resolveram ficar interno no hotel, cada um no seu quarto. Rafael e Nery como eram amigos não se importavam de ficar juntos no mesmo local. Sobre a lareira que esquentava os corpos, aconteceu a virada em suas vidas. Nery olhava o rapaz dormir sentado sobre a poltrona e o tira desse lugar e o coloca sobre a cama e o cobre com o lençol, mas fica junto com ele. Os dois abraçados, só que dessa vez ela o vê de uma maneira diferente. O seu olhar observa que ele homem grande é alguém interessante, nesse momento, se quebra o conceito puro de amizade e se encarna a paixão incontrolável, que lhe encoraja a fazer caricias por todo o corpo dele e lentamente a tirar a sua roupa. Ele acorda quando a jovem está toda nua sobre seu corpo e também recai o seu conceito de simples amigos, quando vê a beleza
[ 125 ]
126 morena, lábios carnudos, sensualidade exacerbante e o tempero tropical que o deixa sem reação. Ele, porém a toca, na sua bunda, mãos bobas que acendem o desejo de ambos, ela também o toca no pênis e provoca reações favoráveis. Suas mãos másculas acariciam a vagina raspadinha de Nery e sacia a mulher desejosa de carinho. Por serem amigos íntimos conversam pouco na hora da transa, é como se já tivessem feito aquilo antes somente em pensamentos. Nessa noite eles dão duas gozadas consecutivas um fato que somente o desejo autêntico que motiva ambos, a estarem juntos naquele instante. A confiança é muito grande e ocasiona entre eles o sentimento de partilha de realizações no ato sexual. Depois dessa viagem Sarah retorna ao Brasil com seu agora noivo português para apresentá-la a dona Ângela. Quem sabe esse relacionamento é um novo e forte compromisso que se realiza e é durável. Rafael e Nery voltam à normalidade na França. Continuam amigos, porém uma vez ou outra, fazem dessa amizade um colorido novo para ambos.
[ 126 ]
127 O rapaz já com 31 anos costuma durante os momentos de folga dos estudos ou trabalho como correspondente, passear pelos campos e pela cidade, observando as construções históricas e antigas. Uma delas lhe chama a atenção em especial é a Catedral grande, bela, parecida com a que tem em Fortaleza, porém com uma diferença, na França ele observa a frieza com que é tratada a fé, poucas pessoas adentram a igreja, que serve mais como patrimônio histórico do que como local de peregrinações, como acontece no Brasil constantemente. Várias tarde, Rafael vai para a igreja, mesmo sem uma alma para conversar. Ali dentro daquela imensa nave, que era a igreja, Rafael sentiu-se estranho todo o tempo que passou da sua vida até aquele momento passava um filme em sua cabeça. Os romances passageiros, o grande amor, a brincadeira de infância, a violência do pai contra sua mãe, a falta de estrutura familiar. Foram dias após dias, dentro daquele lugar, repensando suas atitudes, projetos, sonhos, ideais, tudo que poderia ter feito e não fez por medo de errar. Pensava nos preconceitos que existe na sociedade, os erros dos grandes ditadores.
[ 127 ]
128 Em certo dia, Rafael estava lá na Igreja, sozinho como nos dias anteriores, em busca de encontrar respostas para o seu questionamento. Quando sentiu em seu ombro, um toque era um frade que cuidava do local. Surpreso com aquela pessoa interrompeu o seu momento de reflexão e tentou um diálogo com o religioso, porem logo o homem se afasta e entra na sacristia, o rapaz o segue, chegando lá, encontra tudo vazio, ninguém esta nesse local. O pavor aumenta não se sabe de onde veio aquele sujeito e para onde foi só se sabe que alguém esteve ali, isso era bem verdade, pois os olhos haviam visto nitidamente aquele espectro de gente. Então o rapaz resolveu não mais voltar naquele local, com o medo de encontrar um fantasma, ou algo parecido. Mas, era tarde demais, mesmo não entrando na catedral, de longe começou a ver novamente o frade. Resolveu se aproximar do local para constatar se era real ou não aquela suposta visão. Correu atrás em direção a igreja, o homem também saiu correndo, apenas chegou dentro e já não mais via ninguém, tudo era como antes, deserto e sem uma alma viva que fosse.
[ 128 ]
129 O rapaz por ser jornalista, resolve investigar o caso e chama o capelão para uma entrevista. Diz Rafael: - Doutor Jozef Jasrael, queria saber umas informações suas, há quanto tempo você é pároco aqui? - Já faz 15 anos que sou titular dessa Paróquia aqui, conheço todas as pessoas que entram e saem daqui, inclusive você, que nos últimos meses é o mais presente Rafael continua o diálogo por longo tempo, ate que pergunta sobre o frade: - Aqui costumo vim muito para descansar da vida e refletir minhas ações, geralmente na hora que venho, não tem ninguém para me acompanhar, sinto um lado solitário. Porem algumas semanas atrás observei algo diferente, do comum, era um senhor já velho com cabelos totalmente grisalhos, alto, magro, usando óculos e com o hábito de franciscano, que encostou sua mão sobre meu ombro, no entanto quando fui falar com ele, já havia sumido, não consegui achálo em lugar nenhum. Por isso achei essa situação meio estranha e vim falar com você.
[ 129 ]
130 - Meu filho, você deve estar trabalhando muito e deve ter ficado meio confuso, descanse mais e venha menos a Igreja, com certeza você deve ter visto uma alucinação. Falou Padre Josef Josrael. Rafael, porém ficou encucado e agora com as palavras ditas pelo pároco, achava que estava ficando louco, perdera quem sabe o juízo, resolveu procurar um psiquiatra que o receitou alguns remédios para estresse. Durante os dois meses seguintes não mais pisou na Igreja, retornou sua rotina diária de corrida, trabalho e estudos. Voltou a se encontrar com Nery, porem ela o achava meio esquisito, sentia que o jovem adulto, tinha algum problema mental, pois ele ficava falando sozinho. Ela gostava muito dele, achou melhor ter uma conversa séria para saber o que estava acontecendo. Ele contou tudo, ainda acrescentou: - Por causa do efeito forte dos remédios estou tendo visões e não consigo controlá-las, é algo que foge ao meu alcance. Estou
[ 130 ]
131 pensando em suspender a medicação, para se volto ao normal, quero que você me observe nos próximos dias. Então foi feito assim, o combinado ocorreu e Rafael resolveu voltar
a frequentar
a igreja. Todas
as
alucinações
haviam
desaparecido, não mais falava só e começou a namorar Nery, que agora ia junto com ele para a Casa de Deus. Os dois como minúsculos corpos na imensidão do ambiente gótico. Um espaço bem agradável para as conversas e namoros entre eles. O trabalho do dia não atrapalhava os seus encontros e nem a obsessão de Rafael por aquele lugar Na sua pontualidade de sempre 17h15 lá estava ele no mesmo 15° banco da 2° fila do lado direito em frente estava colocado uma imagem de Moisés, um santo e profeta que era admirado e aplaudido pelo rapaz. Nery sempre chegava atrasada, mais precisamente 30 minutos acima do tempo marcado por ambos. A celebração da missa acontecia às 19 horas com a presença de no máximo 13 pessoas em dia de domingo o numero aumentava para 123 pessoas, se
[ 131 ]
132 comparado com o tamanho em que no mínimo caberiam 360 pessoas de no máximo 1200 pessoas. Os locais mais visitados para a fé era a cidade Lisiex onde nasceu Santa Terezinha do menino Jesus, a santa do amor que morrera ainda jovem aos 23 anos de idade. Numa dessas tardes de descanso, Rafael é tocado pelo frade misterioso, depois de uns tempos sem ter visto tal criatura. Dessa vez ele senta ao lado esquerdo e começa a falar: - Meu colega faz tempos que te vejo nessa situação lamentável da vida, não sabe o que quer te enganas a ti mesmo e principalmente aos outros, teu chamado é para o sacerdócio, está na hora de largar essa vida sem sentido, vamos me siga e veras tua vida mudar para sempre. Se acreditares em minhas palavras, não voltes mais aqui. Nery chega a Catedral, não vê Rafael em lugar nenhum, procura desesperadamente falar com o Padre e nada de notícias suas. Resolve ir à sua casa que fica nas proximidades do campo; chega bate na porta varias vezes, grita sem nada de respostas. Depois se dirige a Universidade e vai em cada sala, procura
[ 132 ]
133 no ginásio, no pátio, nos banheiros, sem ser correspondida na procura. Ela pensa algo mau e se pergunta: - O que aconteceu com meu namorado? Será que o mataram? Mas ele não tem inimigos na Franca. Só se alguém para as bandas do Iraque quer dar um fim na vida dele por causa de Talita. Não, não, seria absurdo. Já sei, ele deve ter visto mais uma vez a alucinação na Igreja e foi internado num manicômio com problemas psiquiátricos. Depois dessa conclusão, se dirige para o Instituto Psiquiátrico de Nantes, entra para falar com o Doutor sobre o sumiço do namorado. Ele explicou: - Por aqui ele não passou é possível que esteja por aí, nas calçadas de alguma praça, até deve estar com as roupas rasgadas feito um mendigo. Se tudo estiver como imagino, o seu companheiro não voltara a ter uma vida normal, a única solução é você se afastar dele, se quiser eu passo lhe ajudar, me ligue mais tarde.
[ 133 ]
134 Nery acreditou na versão dita por um especialista e se conformou com tal situação, retomou sua vida sozinha e sem amigos leais e verdadeiros. Vez por outra o Dr. ligava com o desejo de sair com ela. Porém a jovem não aceitava nem um convite seu. Naquele dia do sumiço, acontecera o seguinte. Rafael seguira o frade que o levou ate a sacristia. De lá desceram as escadas e foram bater nos aposentos do Pároco, desse local caminharam para o guarda roupa, onde existia uma abertura secreta, assim encontraram um túnel que foi dar para uma grande plataforma; nesse lugar estava acontecendo um ritual de sacrifício e era uma mulher que estava sendo vítima. Dentro de um circulo, estavam numa cruz e homens encapuzados todos nus, apenas com o rosto coberto. Contaram até 33 e pregaram a mulher ali mesmo viva com gritos e gemidos. Cada um dos homens, com uma flecha na mão, enfiava em uma parte do corpo dela, até que lentamente não existia mais vida. Rafael tentara acordar, achando que estava tendo há maior das alucinações já vista até no momento. Porém quando os homens o viram, se ajoelharam e gritaram:
[ 134 ]
135 - Viva o Capeta, ele nos mandou o grande sacerdote do mal, vamos pegar a coroa e colocar na sua cabeça. O rapaz tentou de súbito fugir se esquivando dos homens, porém fora impendido, então o obrigaram a aceitar a missão que lhe fora confiada a partir daquele momento, não mais veria a luz do dia, apenas lideraria os sacrifícios e as festas reais. O frade que tinha ido buscá-lo, agora estava com uma roupa totalmente vermelha e com uns chifres bem pontiagudos na sua cabeça. O seu dia se tornara uma noite inacabável, tendo que acordar sempre as 05h da manha, com o sino da Igreja para que fosse conduzida as orações diabólicas da manhã. Depois tinha como compromisso a purificação do sangue humano, para que todos o bebessem como prova da união e da fé no espírito passado pelo sangue, que dava total energia a quem o bebesse. Sempre uma vez por mês acontecia o sacrifício de mulheres por tradição do grupo. Tinha que ser estrangeira e de passado puro. Na cidade a vida continuava calma, como sempre fora, apenas alguns fatos eram estranhos, porém não percebidos pelas
[ 135 ]
136 pessoas. Nos hospitais por mês, morriam cerca 52 homens e 62 mulheres. Entre o sexo feminino o que chamava a atenção era o número de estrangeiros que morriam de morte por problemas no útero. Bastava que sentissem pequenas dores, fossem internados nos hospital, para dias depois morrerem em decorrência de cirurgias, sabe-se lá de que formas eram feitas tais intervenções cirúrgicas. Dentro do hospital cardíaco, tinha um dos membros da seita macabra, era o chefe do setor cirúrgico, que fazia as principais intervenções naquela localidade. Era um médico conceituado, recebera diversos prêmios, entre eles o Premio Nobel de Medicina. Quando via no boletim médico, que a procedência da jovem era estrangeira e de boa reputação, já preparava a forma de assassiná-la sem que os outros companheiros soubessem. Na verdade ele só precisava de uma vítima por mês e ainda mais tinha que esta viva para tal acontecimento ritualístico. Como algumas jovens eram de famílias estrangeiras, principalmente umas sem contato constante com a família, ele fazia a troca de corpos. A moça vítima era trocada após a cirurgia, por outra morta.
[ 136 ]
137 Era um trabalho arriscadíssimo e quase que fantasioso, porém dava certo já há uns cinco anos. Eles eram um grupo que acreditavam que o seu país a França era escolhido como raça soberana e que com a morte lentamente das jovens nascidas em outros países, à raça em anos ficaria pura, culta e inteligente. Tinham que ter um líder escolhido como a ligação entre o belzebu e os encapuzados para passar energia e qualificar o ritual. Também deveria ser estrangeiro para que fosse das mãos estranhas o extermínio do próprio povo. Rafael era vigiado 24 horas por guardas que se revezavam a cada 4 horas na sua observação. Era o dia 30 do mês de outubro, o grande dia do sacrifício, tudo estava sendo preparado, a jovem estava chegando. Como ainda era cedo, ela foi colocada dentro de grandes e fora perfumada. Era o momento para o sacerdote olhar quem seria a próxima vitima então se dirigiu até o local e foi observála, de repente houve um choque, a moca era Nery, sua grande amiga e atual namorada. Eles começaram a conversar e explicar um ao outro o que estava acontecendo. Rafael fala:
[ 137 ]
138 - Sabe aquela história do frade que eu via chegar à Igreja e falar comigo era tudo verdade, nunca mentira eu. Não estava ficando de maneira nenhuma louco. Só que fui enganado e me trouxeram para esse lugar e me fizeram seu líder e o condutor dos rituais assassinos. E você será a próxima, como vamos fazer para lhe tirar daqui? Ela responde: - Eu não sei, porém acho que esse celular que eu tinha guardado na minha vagina pode ajudar você só tem que despistar os guardas e então faço as ligações. Então fizeram dessa maneira, Nery ligou para a policia e contou tudo como acontecera dizendo onde era a passagem para o esconderijo. Os policiais acharam a história meio incoerente, pois acabaram de ver Rafael se dirigindo para casa, como ele poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Na verdade, aquele era o clone do rapaz que já tinha sido feito há anos atrás, quando estava no Irã e ficara doente o médico naquela época era justamente alguém
[ 138 ]
139 da seita, que na ocasião colheu espermatozóide e sangue para averiguação do jovem. A noite chegara e todos estavam preparados para mais um sacrifício de purificação. Rafael não sabia mais o que fazer, era somente ver a morte da namorada e não conseguir nada para mudar. Por um minuto, voltou a ter fé em Deus e pediu para a que a sorte mudasse naquele momento. A moça fora violentamente pregada na cruz, uma mão, a outra, uma perna, a outra, sentira a primeira furada no seu corpo. Nesse momento aconteceu um grande estrondo, era a polícia que chegara, bem na hora do show. Os homens saíram correndo, porém foram presos e a moça tirada da cruz e conduzida ao hospital. Rafael aliviado se ajoelha e agradece o feito por ele ter creditado em Deus. O seu clone fora preso junto com toda a quadrilha. Rafael com sua experiência juntamente aos os homens da seita, pública uma matéria que vira best-seller da notícia investigativa e desmascara uma máfia com ligações em vários países do mundo.
[ 139 ]
140 Nery com alguns meses consegue recuperar-se do incidente e pede o namorado em casamento, ao qual ĂŠ prontamente atendida.
[ 140 ]
141 Capitulo 7 Reviravoltas
Com 32 anos e com os estudos concluídos resolve voltar para o Brasil: (Terra adorada idolatrada, sonho, salve...). Sua chegada no Aeroporto Internacional Pinto Martins em Fortaleza é aguardada por uma multidão querendo tocar o mito, o homem que mudou o conceito de lutas no seu país, mesmo vivendo fora, fazia muito mais do que os políticos em todos os 500 anos de Nação Sulamericana. Foi homenageado em sua cidade com o Troféu Sereia de Ouro e também com o premio José de Alencar, oferecido pela Assembleia Legislativa e outros mais. Agora na terra querida, volta a trabalhar em rádio com um programa de humor e notícias. Com poucos meses o programa lidera a audiência entres os programas do horário. Nery se torna professora da UFC nos cursos de História, Jornalismo e letras e se destaca pela sua grande eloquência nos debates políticos. Passados 2 anos de volta para casa, as coisas começam a mudar; Rafael se vê estressado pelo trabalho, sem tempo para ver muito sua esposa, que passa o dia ocupada ensinando.
[ 141 ]
142 Ele aproveita os tempos livres e resolve tomar umas cachacinhas com os amigos de adolescência, relembrando os velhos tempos de outrora, sempre fazendo isso nos finais de semana. Por ter popularidade alta, tinha que ir para os lugares onde ninguém o conhecia, assim podia cantar, paquerar as mulheres solteiras e por safadeza as casadas. Toda vez que terminava seu programa diário na rádio, descia a BR 222 rumo a Paracuru, onde se colocava a beira da praia, com os colegas e as mulheres que já estavam esquematizadas para eles. Geralmente Rafael ia com duas jovens para cama e tinha noites e noites de prazer, chegando em casa de madrugada, quando a mulher já estava dormindo. Rafael era mesmo assim, não expressava o sentimento que sentia no coração, amava demais a esposa, porem não conseguia pedir a ela que ficasse mais tempo em casa com ele. Pensava que curtindo a vida por aí, estava preenchendo os espaços livres de folga. Se fosse menos orgulhoso e mais inteligente, saberia agradar Nery, indo buscá-la no trabalho, mandando mensagens durante o dia para seu e-mail.
[ 142 ]
143 Talvez ainda fosse uma criança grande em relação ao amor, tinha muito que aprender sobre as mulheres, o que elas gostam como gostam que momento gostam. Mulher é um bicho meio complicado mesmo, porém se o homem deixa de ser um pouco machista, ele consegue conquistar a mulher facilmente. Nery nem imaginava o que o seu marido fazia por aí, ela tinha uma confiança inabalável nele. Um dia desses de trabalho puxado, Rafael voltou para casa depois do programa de rádio, sabia que a mulher voltaria mais tarde, então resolveu arriscar, ligou para uma “ficante” e pediu que ela viesse em sua casa o encontrar. Nesse mesmo dia puxado, a sua esposa ligara para casa dizendo que estava grávida, a mensagem ficara na secretária eletrônica que não fora tocada. O homem levara a garota para o seu quarto e fez loucuras na cama com ela, nem imaginava o que viria a acontecer. Sua esposa estava sentindo-se mal devido às cólicas da gravidez e teve que voltar mais cedo para casa. Ela tinha sempre consigo uma arma que levara na bolsa para se proteger da violência da cidade desigual e perigosa.
[ 143 ]
144 Quando entrou em casa viu tudo normal e ligou a TV, bem baixo, lembrou-se do marido e resolveu fazer uma surpresa para ele. Vestir a lingerie sensual para mais tarde; subiu quase sem força para o quarto, abriu a porta e observou o inesperado, Rafael sobre uma mulher numa transa quente e caliente. Sem nada dizer saiu, desceu as escadas, pegou o revólver e: Boo! Boo! Pla!Pla! Tiros foram ouvidos e rapidamente os dois correram e Rafael se surpreendeu com a cena de sua amada no chão, com os miolos estourados. Resolveu ligar para a ambulância para ver se ainda poderia algo ser feito. Quando toca no telefone, ouve a mensagem: - Bem amor, sei que desde que te conheço, tu não falas em outra coisa, ter um filho, ser pai e hoje poderás realizar teu sonho, estou esperando um filho teu. Nesse
momento
Rafael
cai
aos
prantos
em
choros
horrorizantes. No enterro, o padre fala da jovem Nery: - Pessoa que chegou bem quieta na nossa cidade e com poucos meses conquistara as graças de grande parte da população,
[ 144 ]
145 destemida, dizia que toda sua coragem e sabedoria aprendera do marido, que primeiro como amigo, lhe ensinou os princípios da solidariedade, como namorado os laços da felicidade e como marido, não teve muito tempo de conhecê-lo totalmente, fora golpeada pela traição, uma pessoa que só fez o bem. Nesse instante Rafael se retira e começa a lembrar da mulher: “como era linda, perfeita, cheia de bons propósitos, cheia de amor por mim, esteve ao meu lado nas horas mais difíceis. E o filho que me daria, teria os seus olhos de índia, os cabelos, tudo” Rafael é chamado ao departamento de pessoal para ter uma conversa com o diretor de programação da rádio: - Bem, primeiro meus pêsames por sua esposa. Eu queria falar com você sobre o que aconteceu. Sei que você é uma pessoa conceituada e que é famoso mundialmente pelos seus trabalhos de luta e resistência. Tem feito muito por seu país e principalmente por Fortaleza. Agora vou ser sincero, a repercussão do suicídio de Nery, esta sendo muito grande e a opinião publica esta batendo em cima de nos e você é tido como principal culpado da morte dela. Então
[ 145 ]
146 infelizmente eu quero pedir que você se demita, dê um tempo para que as coisas se acalmem mais. O Rapaz responde: - É o sentido da minha vida acabou como fui burro, um verdadeiro idiota, deveria ter sido mais cauteloso e fiel a ela. Agora é tarde, eu aceito a demissão e ainda posso dar uma entrevista esclarecendo tudo e assumindo minha culpa por tudo que aconteceu. Onde ele passava era vaiado, humilhado, ate jogavam bosta nele, urina e outras coisas. Era ridicularizado, ate fizeram o Judas com seu rosto e queimaram em praça pública no centro e também em outros bairros. Logo com alguns meses passados, teve que deixar o condomínio onde morava, perdeu carro, moveis tudo, agora vivia nos bancos das praças pedindo esmola. Ele sabia que tinha errado, porém ela que se matou. A culpa na verdade não foi sua talvez realmente Nery não o conhecesse de verdade. Não sabia da sua infância, onde tinha passado pelas grandes privações do lar onde vivera. Ele na verdade era um produto da
[ 146 ]
147 sociedade, os seus erros eram apenas herança de uma realidade falida desestruturada. O seu dia era meio estranho, ficava conversando com as pessoas que passavam apressadas para o trabalho, contando estórias para elas e ganhando algum trocado dessa maneira. Com o tempo, sua barba cresceu e cresceu, já era chamado de “O Profeta” pelos homens cultos que por ali passavam durante o dia. Já as crianças o chamavam de Papai Noel e davam comida a ele. Seu talento era muito grande, logo começou a contar anedotas para o povo e assim ganhava seu dinheirinho. Com o passar dos anos, mais ou menos dois anos, ele com 36 anos, já era figura esquecida das pessoas ilustres; bem que os alunos estudavam sobre sua vida nas Universidades de boa parte do Brasil e também de algumas partes do mundo. Rafael resolveu ir para o interior, lá ainda estava sua mãe, seus irmãos; porém quando chegou na cidade ninguém o reconheceu, sua mãe foi a única que lhe deu acolhida. Mas por ser casada como o prefeito da cidade, não queria que ele ficasse em sua casa.
[ 147 ]
148 Talvez sua presença pudesse prejudicar o prestigio da localidade que tinha fama de pacifica e honesta. Então “O Profeta” vivia na estrada, contando suas estórias, como forma de passar o tempo e de ver se conseguia algum trocado das pessoas que passavam por esse local, principalmente os caminhoneiros que eram os mais generosos com ele. A sua cabeça entrara em parafusos há alguns meses, por causa da falta de forças e também por ter muitas contradições internas em sua vida. O grande sonho dele era conseguir recuperar a sua auto-estima, a sua dignidade e o respeito das pessoas; ainda sonhava timidamente em casar e ter filhos, porém sabia que era doente e que precisava de um tratamento psicológico que injetasse nele toda a revigoração, tirando a visão atrelada ao passado, ainda muito ligada aos erros de seus pais. Seu irmão Henrique, algumas vezes ia escutá-lo na estrada, pedir conselhos para decisões importantes na sua vida. O medo dele era com as atitudes que Rafael poderia tomar no seu dia a dia, porém não encontrava pessoa melhor que ele para orientar outras pessoas nos caminhos difíceis. Era como o médico
[ 148 ]
149 que cura diversas pessoas, sabe o nome de várias doenças e o remédio que precisa para ficar com a saúde restabelecida, porém como o Dr. que morre de câncer porque fuma, Rafael é bem assim uma pessoa que tem a visão clara sobre tudo a que o cerca, sabe como ensinar as pessoas a agirem sem erros. Um dia desses apareceu a sua procura, um perigoso pistoleiro da região, que queria uma solução para o seu problema e disse ao “Profeta”: - Autoridade, chefia, sem que vosmece é um cabra esperto, sabe de tudo e ajuda as pessoas a saírem das enrascadas da vida; to aqui para pedir uns conselhos, matei um fazendeiro perto daqui, a mando de um adversário dele. Porém o patrão não quis me pagar, estou pensando em meter uma bala nesse safado, o que eu faço? Rafael pensa e responde o seguinte: - Você tem filhos? Quem você ama mais? Claro que os dois, não é? Então se vives como matador de aluguel tem uma profissão fora da lei, irregular e por não ter regime formal, pode ser tratado de qualquer maneira. A palavra não tem mais honra como antes, por isso a lei é a bala mesmo. Se eu disser para você não matá-lo estaria
[ 149 ]
150 falando algo injusto, porém se disser cometa o crime, também estava sendo errado, porque esse cara que morreu nas suas mãos já tinha pagado o dobro pela morte do inimigo, no entanto você preferiu o matar, então nada mais lhe deve esse fazendeiro. Com essa resolução o pistoleiro voltou mais tranquilo com menos grilos na cabeça e com a solução nas mãos. Dentro de pouco tempo as notícias se espalharam e de longe, se deslocavam para Acopiara, muitos em busca de desvendar mistérios que eles mesmos envolvidos com o problema não conseguiam ver claramente a solução. A Prefeitura se usou desse argumento para atrair muitos turistas para a região, os hotéis se ampliaram, os restaurantes sempre ficavam cheios e a renda da cidadezinha cresceu e cresceu. Dona Ângela, primeira dama da localidade, resolveu chegar mais junto do filho, mas ele não quis mais sua ajuda e resolveu se virar sozinho e cultivar o seu trabalho de conselheiro. Naquela região Rafael se lembrava da criança há 25 anos com 11 anos, virgem e sem dinheiro no bolso. Numas das tardes quando chegara do trabalho de vender picolés, ficava cercado de amigos,
[ 150 ]
151 porém sendo o mais tímido, raramente falava algo, mas quando abria a boca era só inteligência. Nessa época os seus amiguinhos não incentivavam a desenvolver seu espírito de liderança, eram invejosos e sempre colocavam o garoto para baixo. O espírito dele era constante no empreendedorismo, talvez se tivesse recebido o apoio apropriado, hoje em dia seria o dono do mundo, por ter ele uma mente brilhante, mas, contudo, conturbada, sem muito direcionamento de como seguir na vida. Sua mãe era só amor com Henrique, que cresceu amado e por isso fez sucesso em tudo que empreendeu. Rafael teve sempre suas ideias abafadas por pessoas de diversas espécies de caráter, que esqueciam ou fingiam esquecer o que ele dizia, porém sempre mais cedo ou mais tarde plagiavam sua ideia e recebiam todas as honras e recompensas. Agora nos seus 37 anos, ele sabia que não dava mais para olhar para trás, o que passou, um segundo sequer, jamais voltaria, o bom mesmo era se conformar e ver uma forma de sair daquela situação, para ele ridícula, de ser o grande conselheiro, na verdade o homem queria era o descanso para si. O espaço necessário para
[ 151 ]
152 reconstruir sua vida e reconquistar pelo menos a aceitação das pessoas que ele tanto ajudou durante tantos e tantos anos nas lutas sociais. O Prefeito reúne o povo para um discurso e manda chamar o “ Profeta”. Os funcionários municipais se dirigem para a estrada onde sempre se via multidão em torno do homem sábio. Porem nesse dia, não se encontrou nada, a não ser algumas mulheres que levavam na cabeça bacias cheias de roupa, para bater no açude. Tudo estava deserto, procurou-se em vários locais, sem nada de encontrar Rafael. Dentro do bar de seu Manuelito Felinto, onde se reuniu a moçada para tomar aquela cerveja gelada, estava um bonito homem, grande, rosto limpo, sem barba, cabelos cortados, unhas feitas e roupa limpa, alem de perfume que exalava de perto dele. Será que é Rafael Medeiros? Pois é, dias atrás ele sumira e com o dinheiro que havia ganhado com suas pregações e conselhos comprara roupas novas e mudara seu visual. Mudou-se da velha estrada, para uma pousada no centro da cidade. O Prefeito que com o sumiço da “figura profética” via desaparecer aos poucos os turistas conquistados, resolve ir pessoalmente ter uma conversa com esse
[ 152 ]
153 homem. Rafael que joga biriba com os colegas é surpreendido com a ilustre presença do seu padastro. Ele diz: - Boa tarde, com licença pessoal, queria conversar com esse senhor, se me dão permissão, poderiam nos deixar a sós. Imediatamente eles saem e deixam somente os dois na praça da Igreja Matriz. Rafael pergunta: - O que o Dr. prefeito quer de mim? Se for dinheiro pode voltar não tenho muito, só o bastante para pagar a minha estada e comprar alimentação para o meu sustento. Replica o Prefeito: - Se quiser eu posso te ajudar financeiramente, mas terá que voltar para a vida de antes como conselheiro, com você a nossa cidade estava crescendo, se quiseres, compro uma casa para você, bem perto da estrada e coloco a disposição meus funcionários para lhe ajudarem no que for preciso. Rafael intervém: - É um homem de coragem, primeiro porque casou com minha mãe que não é bicho fácil de viver junto. Depois você é um
[ 153 ]
154 manipulador dessa região, compra a todos descaradamente, mata mandar prender, vive como se o coronelismo fosse à bola da vez. Só que enquanto dormes os teus inimigos planejam o teu fim, por isso fique de olho aberto, pois a qualquer momento podes sofrer um atentado. Quanto a mim, quero ser gente de novo e não um louco que vive sem eira nem beira. A pessoa vem a mim, enquanto dentro delas esta a resposta para suas perguntas. Na verdade o que falta é educação que liberta justiça social para todos. O Prefeito responde com raiva: - Cala-te não sabes o que falas é melhor ter cuidado com a sua língua, ela é muito ferina, porem a tua violência voltara contra ti mesmo. Peço que saias da cidade nas próximas 72 horas, ate lá poderás planejar outro local para morara, com tanto que seja no mínimo 150 km de distancia daqui. Era mais uma punhalada para ele, essa notícia. Para onde ir? Quem o aceitaria? Resolve pedir internação no manicômio judicial de Fortaleza, onde é aceito prontamente e se transfere logo em seguida. Na cidade de Acopiara a violência aumenta e numa emboscada o Prefeito é golpeado com 15 facadas e morto cruelmente.
[ 154 ]
155 Assume o Vice Prefeito Tião Teógenes que resolve deixar como primeira dama Dona Ângela que logo após a morte do marido se casa com Tião. A cidade vira um verdadeiro faroeste no meio do Centro Sul cearense. A população revoltada vai às ruas e pede a volta do “Profeta”: - Queremos o Profeta Presidente do Brasil. O caos toma conta de tudo e de todos. Enquanto isso no manicômio em Fortaleza os loucos estão pintando e bordando, eles geralmente passam o dia tendo conversas com personagens invisíveis. Tem o Cabeça de anão, um senhor que fora rejeitado pela família logo após ter perdido o emprego, antes ele tinha sido um homem bem sucedido na vida, se formara em Administração de Empresas, tirando sempre as melhores notas na escola onde estudara. Arrumou o 1° emprego como estagiário em um banco público da capital, depois passou para fixo e subiu gradativamente, at chegar ao cargo de gerente, nesse local, conheceu sua esposa, jovem, linda, loira, olhos azuis claros e com um corpinho de violão fantástico. Logo com seis meses de namoro, resolveram casar-se e compraram uma
[ 155 ]
156 casa, onde criaram os três filhos por longos tempos. Ele foi promovido e em pouco tempo mudou de emprego fora contratado para ser vice-presidente de uma empresa de computadores com filiais nos principais países dos cinco continentes. Era um homem astuto e muito honesto. Um dia planejaram o seu fim, falsificaram documentos importantes de uma negociação e a culpa recaiu sobre sua pessoa. Teve que ir a justiça para provar sua inocência, porem com um júri todo comprando perdeu e foi condenado a pagar tudo do prejuízo que a empresa teve. Como não tinha o dinheiro foi preso, passando três anos na cadeia. Na sua volta a sociedade, tentara buscar emprego, porém não conseguia. Em casa a mulher era só reclamação, queria dinheiro para sair para restaurantes xiques e luxuosos. Os filhos que já estudavam em escolas públicas influenciados pela mãe, rejeitaram o pai. Para completar o Jefferson Rodrigues pega sua esposa na cama com outro, o negão, Ricardão. Ele entra em choque, não entende e como podia dar errado, para quem só fez o bem? Sua mulher alegando que ele estava doido,
[ 156 ]
157 porque nunca botara outro homem no lugar do marido, pede sua interdição e o interna no hospital psiquiátrico. O apelido era porque o seu corpo era grande e forte e sua cabeça era pequena. Também tinha a Angélica “calçado de couro”, que antes de estar naquele lugar, era uma jovem talentosa no ramo de estilismo e moda. Ela se formara no curso no Rio Grande do Sul e se transferira para Fortaleza para trabalhar na Santana Têxtil, desenvolvendo um trabalho de grande prestigio entre as empresas do Ceara. Ela, porém tinha um caso com um político local e ficara em suas mãos depois que a sua esposa descobrira. Como não tinha muita alternativa ficou calada e não entregara o amante com medo de também descobrirem sua participação na história. Algumas pessoas do seu ramo tinham muita inveja do seu sucesso e fuçavam sua vida em busca de descobrir qualquer coisa errada para poder tirá-la de circulação. O problema é que Angélica era discreta e reservada, em tudo que fazia. Um dia resolveram trocar os desenhos feitos por ela para a Ceará Fashion Week, quando foi apresentada as moças no desfile, se depararam com o ridículo, a
[ 157 ]
158 moda verão, fora trocada pela do inverno e quando se apresentaram foram vaiadas, o primeiro erro no currículo dela. Porém continuou a fazer sucesso e não se abateu por causa disso, fora agora contratada para desfiles em São Paulo e Rio de Janeiro. Com algum tempo resolveram fazer outra fraude e dessa vez a jovem descobriu e partiu para cima das responsáveis por tal ação, com isso ela foi presa, por agressão física e de quebra descobriram o caso que tinha com o deputado estadual. Ele para não prejudicar sua carreira consegue uma manobra e interna ela no manicômio. Porém o caso mais surpreendente é do de Zeca Pirilampo. Ele que não se adaptava a vida social, pedira 36 vezes para ser internado, sendo negada todas elas, então resolve fazer uma lista que começava com a sogra chata, passando pelo vizinho zoadento, ate chegar à mulher jaburu. Foi preso e desceu para o IPPS e lá não gostou dos colegas e começou a eliminar um por um e em pouco tempo estava tomando conta do pedaço, mandando e desmandando. O jeito mesmo era eliminá-lo, mas quem tinha coragem.
[ 158 ]
159 Sabiam que no hospício tinha vaga ai na primeira oportunidade que tiveram o enviaram para lá. Rafael quando chegou no manicômio bateu de frente com Piririlampo que não queria nenhum novato tomando conta do que era seu e foi logo um confronto no pátio principal. Murro para um lado e murro para o outro, os enfermeiros tiveram que agir rápido, aplicando injeção nos dois. Logo eles capotaram no chão. Zé Piririlampo só funcionava assim dopado, porque se não era perturbação constante para o resto dos habitantes da área. Só Angélica “calçado de couro” era capaz de encará-lo e saiu ilesa do combate que teve com ele, porque tinham um caso por debaixo dos panos. O local que se encontravam era o banheiro feminino da recepção. Lá faziam barba, cabelo e bigode e um pouco mais. Era o momento de relaxar, deixar sair à carga ruim do preconceito. Ela tinha inteira confiança nele, mesmo conhecendo seu passado macabro de crimes. Rafael acordava umas cinco horas depois da confusão, amarrado numa cama ainda grogue, sobre os efeitos do sedativo. Ele
[ 159 ]
160 ali conseguia ver somente vultos de pessoas que passavam gemidos de doentes mentais que falavam sozinhos e choravam ou riam nas conversas com o mundo irreal, criado nas cabeças esquizofrênicas. O homem se perguntava: - De onde vem a loucura? Por que viver isolado qual benefício traz para essas pessoas? Os loucos verdadeiros são aqueles que estão lá fora, seja na política em busca de poder, no mundo dos negócios, em busca de lucro, a custa do sacrifício de milhares de trabalhadores que ganham uma micharia qualquer. Há também os maridos loucos que se acham donos da esposa e a espancam, as prendem dentro de casa. Loucos são alguns donos de time de futebol que com seu autoritarismo destroem a imagem bonita de grandes times do nosso Brasil e do mundo. Porque os verdadeiros loucos não estão presos aqui? Eles que destroem a sociedade com suas ganâncias, ambição, corrupção, exclusão. Cabeça de Anão houve o barulho de chuva se aproximando e sai correndo pelo hospício gritando para todos:
[ 160 ]
161 - Peguem seu guarda chuva lá vem água, vamos subir nos barcos e navioooos, e enchente braba salvem-se quem puder, não esperem por ninguém é hora de correr. Na verdade ele que tem de correr dos enfermeiros que querem lhe aplicar um calmante. Esconde-se debaixo da cama onde esta o Donzela. Pois é! Esse apelido foi dado há muitos anos atrás quando ele frequentava o Tiro de Guerra de Iguatu com seus 18 anos, era o homem mais valente entre os seus colegas, nunca desistira de qualquer aventura, mesmo diante de perigos imensos. Certo dia o sargento, organizou um treinamento na Serra da Ibiapaba, os soldados saíram de 10 em 10 em grupos de cinco no total. Eram cinquenta soldados espalhados para tentar encontrar o caminho que levava ao topo da Serra. Júnior Andrade com a responsabilidade de levar o mantimento do grupo amarelo, era o que ia sempre bem atrás de todos os outros 9. Ele conseguia assim ter uma visão mais ampliada do que os outros e isso sem saber é o que precisaria mais tarde.
[ 161 ]
162 À noite quase que no topo, foram comunicados do desaparecimento
de
três
jovens
do
grupo
roxo,
então
se
comprometeram de que quando todos chegassem no local marcado, uma equipe de cinco escolhidos em sorteio iria atrás deles. Já eram 00h35 e o sorteio se deu, porem três desistiram e se recusaram sair na escuridão e assim fizeram outros sorteios até que quando ninguém mais queria ir, sem mais nomes para sortear, Júnior Andrade com toda sua coragem decide partir em busca dos amigos perdidos, em meio a mata fechada, ele consegue encontrar vestígios pelo caminho que o leva a um lago. Nesse local, consegue enxergar bem pouquinho, mas o suficiente para ver um dos colegas e ele grita e o jovem logo o chama: - Vem cá, como conseguiu nos achar? Você sabe que não nos perdemos, não é? Ele fica confuso: - Não, eu achava que estavam perdidos Um deles rir: - É o seguinte tira logo a roupa e vamos logo completar o serviço, ganhamos a aposta do grupo vermelho e ele ficou de nos
[ 162 ]
163 mandar alguém para satisfazer nossas taras sexuais, só não esperávamos que fosse logo você. Mesmo assim é bom, você é bem gostosinho. Júnior não se entrega e luta com os três e consegue derrotálos um a um. E os mata afogados na lagoa. Na volta ao topo da montanha ele fala que não encontrara ninguém, que era melhor irem embora. Ao chegar no acampamento os 47 homens restantes pulam nele e o amarram e começam a estuprá-lo, seja por trás ou pela sua boca, depois dão umas pauladas na sua cabeça e o deixam preso no topo da Serra. Andrade acorda horas depois e consegue se desamarrar, só que já não é mais o mesmo, a violência que sofrera atingira o seu cérebro. Ele que era o orgulho do pai, tinha projetos de casar e tudo mais, agora só conseguia ver na frente à violação sexual sofrida. Quando volta para a cidade, já não fala coisa com coisa e seus pais resolveram interná-lo por um breve tempo no manicômio em Fortaleza. Logo chegara ao local, já fazia fama com os colegas
[ 163 ]
164 porque se entregava naturalmente, como se fosse uma gatinha na época do cio. Donzela, desce para junto do Cabeça de Anão em baixo da cama e o consola: - Calma gatão, eles não te pegam aqui você é todo meu, miaaaooouuu! Rafael é solto do seu quarto e vai passear no recinto, logo consegue reunir os loucos em sua volta e começa a contar piadas, estórias, lendas e conquista a amizade da turma. Somente Pirilampo olha de longe com receio, com medo de perder o espaço de chefe do local. Se contar o tempo da morte de Nery, faz cinco anos que Rafael não tem contato físico com uma mulher, ele ficara traumatizado e tinha medo de se relacionar novamente e ainda mais porque estava em um local impróprio, porém isso mudaria. A pessoa que tratava da sua medicação era Mara Jenny, na verdade ele não precisava tomar remédios porque ele não tinha problemas mentais como os outros. Os seus problemas eram de psicologia, quer dizer era somente falta de chão para sua vida.
[ 164 ]
165 Mara Jenny sempre chegava sorridente e feliz, soltando energia para o ambiente e contagiando a todos que passavam. Rafael fazia cara feia, por orgulho, mas dentro dava altas gargalhadas que a jovem enfermeira sentia logo e o elogiava assim: - Você sabe que você é o mais gato dos pacientes, se não fosse interno, quem sabe poderíamos até namorar. Ele reage: - Bem, eu não sou flor que se cheire, aqui e acolá dou umas vaciladas na vida e é por isso que estou aqui, porque não tem mais espaço na realidade para pessoas como eu, sou um caso perdido. Ela discorda: - Não fale assim, apenas não te trataram como pessoas, não deram a você o amor que precisavas e talvez o incentivo para que conquistastes os seus sonhos. Com as palavras da moça, Rafael revigorou-se por dentro e tomou nova vontade de viver, por isso no manicômio judicial, era só alegria, toda a noite tinha pagode com as panelas da cozinha e cantoria com o sistema de som interno. Dentro de pouco mais de cinco meses, o numero de injeções em pacientes diminuiu. Os
[ 165 ]
166 médicos estavam satisfeitos com os progressos dos dementes que agora trabalhavam para ganhar seu dinheirinho e preencher o espaço livre. Faziam cadeiras, bijuterias, artesanatos e outros mais. Apenas dessa maneira, o manicômio ficaria vazio e os médicos e enfermeiros perderiam seus empregos e com esse pensamento resolveram dar alta a Rafael e mandá-lo embora, porém ele queria ficar, pois estava muito feliz e sentia igual sentimento dos companheiros. O 1° a sair foi Angélica que foi recebida pela mãe e voltou à vida social. Zé Pirilampo que já era muito amigo de Rafael foi transferido para o presídio e lá fez o bem aos presidiários, dando um colorido especial aquele lugar. Alguém já falou essa frase: - O bem incomoda, vamos destruí-los. Foi o que aconteceu, os residentes do hospício, não podiam mais circular a qualquer hora pelos corredores; as comidas seriam servidas nos quartos. Só sairiam para o banho de sal, um por um e teriam que tomar a medicação conforma previsto na história de cada um.
[ 166 ]
167 Os presos em pretexto fizeram greve de fome, depois brigavam para não tomar o remédio e foi aos poucos sendo, minado o sonho de recuperação mental. A única que não concordava com essa política era Mara Jenny e sabendo da capacidade jornalística de Rafael por ter pesquisado a sua vida na imprensa, o convida a fazer uma matéria investigativa e denunciativa que ela se encarregaria de levar aos jornais. Rafael toma um choque e relembra o tempo de glória como radialista e correspondente se lembra da grande audiência que tinha na rádio de Fortaleza. Porém de imediato nega fazer tal matéria. Ela fica brava com ele, corta os laços de amizade e o critica: - Como pode um homem que tem no sangue a vocação de informar, se nega a prestar um serviço à comunidade e aos presos. Ele reflete com essas palavras e sem falar nada, começa a produzir sigilosamente provas e documentos e fatos também sobre os maus tratos que sofrem os presos. Em dois meses de trabalho, está pronto a obra jornalística mais completa que se pode ter. Rafael chama Mara Jenny em seu quarto, ela se recusa a ir e manda outra
[ 167 ]
168 enfermeira em seu lugar, uma morena linda que está como estagiaria. Rafael “queixa” a moça com o seu lado Dom Juan e depois de anos volta a transar novamente e em troca ela vai ate Mara e dar o recado que ele tem urgente! Em suas mãos é entregue todo o material, ele pede, porém para que seja agilizada sua saída do manicômio, antes da divulgação do material. Ela prepara tudo, entrega o material a agência de noticias que o repassa para os principais jornais do Brasil. Poucas horas antes da notícia sair na imprensa ele sai e vai para casa dela. Os jornais espalham com impacto a informação que logo toma grandes proporções principalmente por ser assinada por Rafael Medeiros que volta a atuar em grande estilo. A mídia se sensibiliza com os maus tratos ocasionados no hospício e exige providências das autoridades competentes com rapidez. O povo toma conta das ruas, com faixas pedindo a demissão coletiva do corpo de funcionários do manicômio, menos Mara Jenny que ajudou na divulgação do caso.
[ 168 ]
169 As mesmas pessoas que haviam humilhado e massacrado Rafael o aplaudem e o restituem todas as honras. A ele é dada a chance de voltar a sociedade e trabalhar como jornalista novamente. Ele, porém resolve recusar qualquer proposta do Brasil, aceita somente trabalhar como correspondente da França no Brasil. Isso fez bem para que não volte tão cedo aos braços daqueles que o rejeitaram por causa de seus erros. Donzela que recebera alta do hospício é contratado por Rafael como fotógrafo e vai morar com ele. Júnior Andrade continua fazendo tratamento psicológico porem rapidamente se recupera dos traumas e volta a ter uma vida digna e sem olhar para trás. Torna-se bissexual, tendo relações com rapazes e moças, contudo com o desejo de casar apenas com mulheres. Ele tem certeza que com o passar dos anos deixaria de ser bi e será só heterossexual. Na Prefeitura de Acopiara o estrago ainda é grande e os assassinatos se proliferam na região Centro Sul. Rafael sabendo disso vai para a cidade investigar a realidade atual. Donzela também esta junto para tirar as fotos dos principais acontecimentos. Dona
[ 169 ]
170 Ângela que sabe da presença do filho pede que o chamem para que possam conversar. Ele resolve ve-la depois de algum tempo. Quando aparece Rafael, Ângela corre ao seu encontro e lhe abraça, dizendo: - Meu filho quanto tempo! Estava com saudades de você, parabéns pelo seu retorno você merece, porque tem muito talento. Ele interrompe: - O que a senhora esta querendo? Com certeza existe um interesse por trás; na ultima vez que estive por aqui não fui tratado tão bem assim. Ela continua: - Que é isso garoto, me respeite tive meus motivos para que me afastasse. Na verdade eu quero lhe proteger, advertindo que esse trabalho seu no momento é arriscado, por isso se ainda aceita conselhos de sua mãe, vá fazer reportagens em outro lugar. Ele volta a falar: - Como vai Henrique? Deve estar muito bem não é verdade? Sempre teve tudo nas mãos, foi sempre o mais incentivado, o queridinho, deve ser um ótimo corporativista. Sempre dá um jeito de
[ 170 ]
171 agradar os poderosos. Pois é sou o contrário, nunca fui amado o suficiente, sempre quando precisei de ajuda tive que recorrer a estanhos e aprendi a me virar sozinho. Por isso escolhi o jornalismo, porque não aceito a realidade como ela está e é. Quero questionar o errado e denunciar se preciso for. Eles se despedem e é a ultima vez que se vêem, logo depois da saída sua da casa de Ângela, ela é traiçoeiramente acertada por um pistoleiro, justamente aquele a que um dia pediu conselhos ao “Profeta”. O clima fica tenso na região, as eleições municipais estão próximas, a compra de votos é feita a vista de todos, o candidato para ganhar dar todos tipo de presentes: milheiros de tijolos, óculos, dentadura, R$ 10 por voto e outros mais. Mesmo sabendo do risco que corre Rafael fica na cidade e cobre as notícias principais que são distribuídas para a França. Ele tem ao seu lado, a sorte de que os grupos adversários em busca do poder se distanciam do correspondente porque as denúncias são dos dois lados e podem tanto ajudar como prejudicar e no momento certo servem de acusações mutuas no horário político.
[ 171 ]
172 Júnior Andrade tira fotos da prefeitura; no momento que sai ou entra alguém tido como importante. O principal desafio para ele é ter imagens exclusivas da guerra da região, porque além deles dois nenhuma outra equipe se atreveria a entrar na Região Centro Sul para acompanhar o desenrolar dos fatos. Rafael também era querido dos moradores e quem tocasse nele poderia perder bastante votos na corrida eleitoral pelo poder local. Tem até uma imagem dele na praça, quando ainda era barbado e tido como o “Profeta”, onde até alguns fanáticos iam adorar essa estátua do homem que ainda era vivo. Mara Jenny que se apaixonara perdidamente por Rafael resolve ir para Acopiara atrás dele, mesmo sabendo do perigo que os ronda. Ela chega numa sexta-feira à tardinha no por do sol, quando o movimento da cidade começa a se acalmar e os moradores se concentram no mundo pela TV a cabo ou parabólica. O mundo é uma aldeia global, todos muito perto, porém longe das pessoas que estavam ao seu lado. Nesse clima, Mara até estranhou que poderia ser ali que existia tanta violência. Ela encontrou seu amor num
[ 172 ]
173 barzinho, não perdera a mania de beber uma geladinha. Estava brincando porrinha com os frequentadores daquele local. Sentou-se junto deles e tomou a palavra: - Aqui esta acontecendo tantas violências, será que eu estou na cidade certa? Cheguei e vi os moradores nas calçadas, a garotada jogando os peões, soltando pipa é meio estranho tudo esta tão calmo. Derrepente todos os olhares se voltam para ela e se ouvem vozes: - Quem é essa louca, intrusa? Vamos dar um jeito nela. Rafael interrompe: - Calma ela é minha amiga, esta só brincando, não levem a sério assistiu muito filme de cowboy. Alguns respondem: - A sendo assim seja bem vinda a cidade do “Profeta”. Não se acanhe não, aqui todo mundo é amigo e todos são companheiros. Mara pensa: - Bem eu devo ter pirado, foi aquele tempo que passei cuidando de doentes mentais, deve ser contagioso, pega com o ar.
[ 173 ]
174 Ou então devo estar sonhando, não pode ser essa a cidade do crime, a região da morte, isso é delírio. Derrepente o silêncio é interrompido por barulho de tiros. 'E feito vários disparos em série; ouve-se o barulho da polícia chegando. Júnior bate as fotos, Rafael faz as perguntas de sempre a possíveis testemunhas oculares do crime. Foram mortas 14 pessoas, uma delas um radialista da Radio Cristalina FM que era um dos que mais denunciavam desmando cometido pelo atual prefeito. As investigações são escassas porque a perícia é toda subornada e não cumpre direito o seu papel de verificação do estado dos cadáveres. A notícia só chega indiretamente ao Brasil através da França com fontes que estão diretamente no local do ocorrido: Rafael e Júnior. Nem a morte da mãe do “Profeta”, foi investigada, fora esquecida por todos. Voltemos ao dia do enterro de Dona Ângela. Quando Rafael soube do assassinato da sua mãe, ligou para Júnior Andrade que se dirigiu a residência e foi bater as fotos de todo o acontecido. Lá chegando, foi proibido entrar por ordem da polícia militar que estava guardando o local para investigações futuras. O
[ 174 ]
175 corpo fora tratado, colocado no caixão e entregue ao seu filho Henrique que preparou todas as coisas para o velório e depois o enterro. No local Júnior tirou várias fotos, uma delas se vê que Rafael chora profundamente a perda da mãe e abraça seu irmão Henrique. Depois se recompõe e começa a entrevista as pessoas presentes no cemitério. Tinha uma longa batalha pela frente. Jenny fica na casa de Rafael e faz para ele o jantar. E os dois bebem vinho, comem caviar e depois se entregam a uma noite de amor. Rafael nem se preocupa em usar camisinha, pois se esquecera. Ela antes de amanhecer o dia pede a mão dele em casamento. Uma situação complicada, difícil, no meio dessa guerra, como se casariam? Ele liga bem cedo para o Padre Arnaldo e marca tudo. Já na noite se casam e vão para uma fazenda próxima, onde tem uma luade-mel sensacional. Júnior continua na cidade tirando fotos. Ele resolve ir ao bar tomar umas e conhece uma moça chamada Ana Paula e a convida para passearem pela cidade. Ela aceita e os dois ficam aos amassos
[ 175 ]
176 no banco da praça. Junior nem imaginava o seu fim se aproximava. Quem também estava lá naquele dia era Cabeça de Anão, que tinha resolvido ver o seu antigo amor. Só que ao avistá-lo com uma jovem se revolta e planeja sua morte, compra uma arma e aparece como de susto ao amigo: - Boa noite Donzela estava com saudades. O jovem responde: - Amigo quanto tempo? O que fazes aqui? Ele responde: - Vim ver-te quero tua companhia de volta, só que o vi com esse ai e vou matar você. São três tiros disparados, um em Júnior, outro em direção a jovem Ana Paula e outra na sua própria cabeça. Era só olhar os corpos estendidos no chão e sem nenhuma pessoa para fotografar. O crime violento foi o ciúme doentio. Um crime novo na região, assassinato por causa de ciúmes, não em razão da política. Em quanto isso Rafael esta numa boa com Mara Jenny. A imprensa tem permissão quase total para colher detalhes da morte de Júnior e companhia.
[ 176 ]
177 Eles aproveitam e tiram fotos da cidade, filmam lugares suspeitos e fazem entrevistas com denunciantes anônimos. Faltam três dias para a eleição municipal, os carros de som, continuam pelas ruas fazendo propaganda política. Faixas, cartazes, tudo é conteúdo para contribuir com a vitória de quem faz uma melhor divulgação. Muitos são os comícios inflamados principalmente de ataques aos adversários nas eleições. Enquanto os candidatos visitam os eleitores de porta em porta, para o tradicional aperto de mão, suas casas sofrem atentados dos inimigos. Rafael volta, mas sem ter ajuda de seu amigo fotógrafo, então ele mesmo tira as fotos e faz as entrevistas pela cidade. O clima fica cada vez mais tenso, por baixo dos panos, tudo pode acontecer em política. Tem até especialistas em alterar resultados da urna eletrônica. Mara Jenny volta a Fortaleza para resolver sua transferência do manicômio para casa de saúde de Acopiara. São 17h30 sábado, Rafael como sempre faz o seu trabalho de reportagem e vai
[ 177 ]
178 acompanhar a movimentação de pessoas em um estádio de futebol, onde acontece jogos da Copa Centro Sul. O jogo começa entre Iguatu x Acopiara o time visitante sabe que se ganhar terá morte. No máximo pode empatar, pois o jogo já é de cartas marcadas. O confronto começa nas arquibancadas. A torcida incentiva o seu time com batucada, solta de fogos de artifício, cantando musicas. Na verdade parece fácil demais para a Seleção de Acopiara, o primeiro tempo terminar de 2 x 0. Rafael acompanha com empolgação o espetáculo, para ele é um momento de relembrar os velhos tempos de torcedor. O segundo tempo começa, logo de cara o Iguatu faz seu 1 gol, todo o estádio se cala. Parecia que o mundo estava prestes a cair sobre suas cabeças. Com 35 minutos Acopiara faz o 3 gol e acalma os ânimos da galera, que vibra de emoção.. Mas o pior estava por vim, sabe as coisas inesperadas aconteceriam. Aos 37, sai o segundo gol do visitante e aos 43 o gol de empate. Ate aí estava tudo numa boa, o resultado igual classificaria o selecionado local, mas tiraria Iguatu da competição.
[ 178 ]
179 Os jogadores olharam em volta, viram a massa inflamada e também a aproximação de homens armados que cercaram o estádio. O juiz com medo resolve dar apenas um minuto de acréscimo e foi justamente nele que Iguatu chega ao gol da vitoria e que decretaria o massacre naquela noite. A torcida vaia os jogadores e deixa o estádio revoltada. Iguatu comemora com estilo a classificação para as semifinais. Eles se dirigem ao vestiário, tomam seu banho, vestem a sua roupa e sobem para o ônibus que os levaria em casa. Na saída da cidade, eles são acompanhados por cinco carros que o cercam e pedem ao motorista que pare. Ele desce do transporte e ver os seus conterrâneos serem mortos a sangue frio. Quando amanhece o dia só se ver os corpos mutilados para que os urubus comam sua carcaça. Rafael vai até o local e se horroriza com a cena, até chega a vomitar com o que observa. Porém como dever de ofício tira as fotos e os envia para a França. Ele porém resolve aceitar o convite de um jornal da capital e passa a cobrir também para eles os fatos macabros.
[ 179 ]
180 Isso vira o problema principal, pois ninguém quer notícias do Ceará sobre o caso e resolvem interditar o trabalho do homem. Ele continua em Acopiara esperando a volta de Mara Jenny. O dia da eleição chega, o clima esta quente, qualquer resultado que sair, pode significar briga. Dentro de dois dias sai apuração e surpreende a todos ninguém ganha. O 1° lugar, quer dizer os votos brancos e nulos totalizam 87 % e se prepara uma nova votação, porém o povo não quer ir as urnas, decidem não sair de suas casas em protesto ao regime de guerra existente na cidade. Mara Jenny chega e receber a notícia de que seu marido não pode mais exercer a profissão de jornalista. Ela o convida para que volte para Fortaleza e que trabalhe lá na imprensa, pois todos querem contratar-lhe. Rafael pensa bem e resolve sair da cidade e começa a aprontar as malas. O povo sabe da noticia e resolve impedir. Vão as ruas pedir que permaneça e o aclamam prefeito e sem nem mesmo eleição, o povo faz a revolução. Na praça principal de Acopiara, sobre os olhares atentos de uma multidão, Rafael faz o discurso de posse:
[ 180 ]
181 - Companheiros e companheiras, doutores, advogados, comerciários, empresários, todos os profissionais liberais. A grande população que vem sofrendo com a violência do coronelismo que busca de todas as formas assumir o poder, a base da morte de muitas pessoas e a maioria, gente inocente, estou aqui, porque a voz da razão tomou conta de vocês, que com coragem, decidiram virar o barco, parar com essa realidade triste. Eu, porém sou a favor da democracia, do respeito as leis, do diálogo para que possamos chegar
a
um
acordo.
Só
que
não
foi
possível
conversar
amigavelmente e infelizmente aconteceu dessa forma. Os dois grupos adversários aparecem com seu bando armado e cercam a multidão. Não se contendo Rafael solta uma gargalhada diante de tal situação, ele acha aquilo tudo parecido com uma cena de um filme de comédia que assistiu alguns anos atrás. Então para entendermos essa atitude melhor, devemos voltar ao passado, quando ele tinha sete anos de idade. Sua mãe Ângela, antes de servir o jantar para os três filhos, fazia a leitura do evangelho, era um momento solene, cheio de seriedade, só que na cabeça do garoto era muito engraçada a mãe fazendo aquela leitura
[ 181 ]
182 imposta todos os dias. Os irmãos o acompanhavam na risada e era aquela dificuldade da mãe para conseguir restituir o silêncio. Outro dia seu pai Adalberto reuniu uns amigos para um churrasco com aquela cervejada, porém como não bebia, ficava com a condução serena do bate papo, era conversa e mais conversa. Num determinado momento, chegava Rafael com os irmãos e bastava que eles ouvissem o pai falar e era risada para todos os lados. Seu Adalberto fazia tudo para levar o lero lero até o final, mas os meninos continuaram a chacota, era preciso que Dona Ângela, viesse e tirasse os garotos do ambiente. No final da festa, a peia comia de esmola, tome cinturaunzada. Mas o mais ridículo foi em uma festa de final de ano na Maçonaria. Nesse local, os homens ficavam separados das mulheres e dos filhos. A garotada ficava no playground, as mães se reuniam no salão social para as fofocas e bate bocas comuns a elas. Na sala secreta ficavam os homens, fazendo rituais sagrados. Como era dia especial, foi mandado que se chamassem os meninos para uma conversa rápida e homenagens. Eles foram entrando em
[ 182 ]
183 fila indiana. A sala parecia o local de julgamentos, onde na cadeira maior no meio, tinha uma figura de um bode. Quando Rafael passou pela porta e viu aqueles homens de terno e gravata borboleta, não se contiveram, começaram a rir freneticamente. Henrique o beliscava para ver se parava, porém continuou e teve que ser retirado pelos seguranças. Lá fora a mãe com vergonha se retirou antecipadamente da festa com o menino moleque. Em casa a pisa do pai já era quase que certa. Eita os couros do menino. Na adolescência era sempre o primeiro a rir das quedas dos outros no chão. Não era por maldade que fazia isso, era apenas o descontrole interno do sofrimento, que nessas horas ele soltava relaxando através do riso. Quando fazia peças de teatro, sempre nas horas mais sérias ele não aguentava e ria com gosto, contagiando os outros que juntos o insultavam. Porém foi inventar de rir logo num momento tão difícil como esse, em que toda a massa estava o esperando, como o Salvador da Pátria. E também os adversários políticos estavam prontos para o
[ 183 ]
184 ataque. Ele só conseguiu para depois de uns 15 minutos e se viu cercado de olhares críticos, tanto da situação, como da oposição. Depois voltou a falar: - Pois bem pessoal, foi sem querer é porque eu tenho o organismo fraco para essas coisas de ser sério demais. O povo começou a rir um da cara do outro, os adversários pegaram armas e colocaram no chão e se deram as mãos e juntos cantaram canções de paz e amor. Rafael por fim entregou o cargo de prefeito e quem assumiu (?!), bem seu irmão era um homem equilibrado e aceitou essa missão, depois de um referendo popular que despachou os outros dois partidos existentes. Henrique com os conselhos do irmão mais velho, soube conduzir a moralidade da cidade, trouxe a justiça pra todos e resolveu acabar com o monumento de seu irmão, a partir daquele momento, entraria o lugar em uma nova existência sem mitos, com o pé no chão.
[ 184 ]
185 Capitulo 8 Solidão
Mesmo vivendo tantas aventuras e sendo tão famoso, Rafael gostava é de ficar sozinho, queria para si uma vida tranquila, mais real, desejava ardentemente viver uma rotina. Ele estava de volta a Fortaleza, porém pedira licença do jornalismo, queria se dedicar a esposa e ao filho que estava por vim. Mara Jenny sai bem cedo de casa para dar o seu plantão médico como enfermeira. Ele ficava assistindo televisão e cuidando da casa, fazia a faxina geral: varria, lavava louças, o banheiro, enchia as garrafas, lavava suas roupas e as da esposa. Queria viver essa experiência que durante tantos anos vira sua mãe fazer sobe as ameaças de seu pai. Tinha dentro de seu coração o desejo de democratizar as relações entre ambos os sexos. O problema é que no bairro onde morava, só tinha homem machista e
orgulhoso.
Não
admitiam
que
independência financeira.
[ 185 ]
a
mulher
ganhasse
sua
186 O mais radical nesse processo de auto-afirmação masculina, era o seu Mário de Rabelo, casado com Jussara Cavalcante há 35 anos. Sempre tratou a mulher na base da linha dura: - Se der bobeira meto o cassete, minha senhora. Dizia com ar autoritário. No fundo queria ser um pouco igual ao seu pai, que no passado tratava a mãe da mesma forma. Porém suas convicções interiores diziam ao contrário, ele era o machista da boca para fora, pois quando estava sozinho com a mulher era só amor. Virava a manteiga derretida, porém queria que a mulher ficasse em casa, não deixava que ela trabalhasse, a não ser nos afazeres domésticos. Rafael já com seus 38 anos de idade, estava ficando mais maduro, sem aquele sonho de movimento inquietante. Agora buscava viver uma vida mais simples o possível. De manhã bem cedo, saia com Bob o seu cachorro de estimação. Passavam por toda a circunvizinhança, foi dessa forma que se conheceu o maior número de gente possível.
[ 186 ]
187 Como sempre fora jornalista de veiculo impresso e locutor de rádio, sua face nunca era reconhecida pelas pessoas, assim ele podia continuar no sigilo. Ele conheceu Arnaldo e sua senhora Betty, um casal nota 10. Não se desgrudavam um minuto, passavam o dia juntos, iam trabalhar na mesma empresa de consultoria. Tinham uma vida estável e feliz, com seus três filhos, frutos desse amor. Aliás, a filha mais velha era Aline que tinha 22 anos, uma gata, que logo chamou a atenção de Rafael. Como passava o dia em casa sozinho, logo estava ele em cima da jovem no quarto tendo uma deliciosa transa. Era até um risco que corria, porém como a carne era fraca e a tentação do amor perigosa era maior, ele viveu essa paixão por algumas semanas. Logo a jovem se interessou por um colega de faculdade e largou o homem. Rafael sentiu-se bem nesse relacionamento, não se achava como um traidor pelo contrário, queria estar com outras garotas apenas para relaxar, porque sua esposa estava com muito trabalho e só aparecia em casa no final do dia.
[ 187 ]
188 Aliás, ela chegara quase às 22 horas e encontrava o jantar pronto e o marido bem arrumado a sua espera. Mara já estava no sétimo mês de gravidez e se preparava para entrar de licença maternidade. Antes da refeição, ia direto para o banheiro tomar uma ducha bem gelada. Rafael sempre deixara tudo organizado, toalha limpa, xampu e sabonetes nos devidos locais. Era sempre um amor de marido, que até ela desconfiava da presteza exercida por ele. O prato servido por ele era menos importante. O mais interessante era que dentro do lar existia grande amor. Nos finais de semana, saiam para o cinema, assistiam principalmente os filmes da arte e comédia. Ele sempre costumava sair para comprar pipoca e refrigerante para os dois. Quando iam à praia, Rafael sempre tomava sua cervejinha com bolinha de peixe, enquanto Mara comia caviar e tomava sua água de coco gelada. No calor de Fortaleza, onde se podem curtir praias belíssimas, Rafael aproveitava para surfar. Pois é. Entrou no curso de
[ 188 ]
189 surf no titãzinho e já beirando os 40, pegava altas ondas na praia do Icaraí ou do Futuro. Ele tendo sempre no sangue o teor de jornalista, faz do esporte uma experiência que viria a ser um programa de esportes radicais na TV Diário. O resultado foi um sucesso total, passava os dias viajando pelo sertão nordestino, serra, praias em busca de caras irados por aventuras. Mara Jenny, já no oitavo mês de gestação, sai de licença e passa a ficar mais em casa, esperando o dia que o bebê dê sinal que quer sair por ai. Ela fica cuidando de preparar o quarto para o seu filho. Falta dizer o resultado, pois bem, numa tarde que ela fora ao ginecologista, bater uma ultra-sonografia e soube que era uma menina, ligou para Rafael, que estava numa trilha em Quixeramobim, onde a pedido da emissora de televisão, fazia um percurso como piloto de 4x4, para um programa especial. Quando recebeu a informação, saltou de alegria, pois era o seu sonho ser pai e principalmente de uma nenezinha.
[ 189 ]
190 Permaneceu ele na viagem, porém uma tagarela, falando para todos do seu novo feito: -Serei pai de uma garotinha linda como a mãe, estou feliz, me belisca alguém para ver se eu não estou sonhando. Ele rir, chora, agradece a Deus e respira feliz por saber da novidade, era impossível té-lo visto tão contente como agora. Já Mara sentia as cólicas e o enjôos naturais para uma gestante, mas já tinha experiência em fazer partos e por isso estava tranquila, nem tanto, porque era ela que ia ter o filho e não suas pacientes. Nessa época, ela contrata uma secretaria do lar para auxilia lá nos serviços domésticos. Essa jovem é do interior, lá de Barro, região do Cariri e tem a pele escura, corpo esbéltico, com 23 anos de idade. Tinha terminado a oitava serie que nesse tempo era a última série do antigo primeiro grau (ensino fundamental) e pretendia ganhar um dinheiro morando na capital por uns tempos. Logo Jenny gosta da jovem e assina sua carteira de trabalho. O mês de dezembro é um mês de muito movimento no comércio, devido as compras de natal e ano novo. As lojas dão oportunidade de emprego temporário para jovens de 16 a 24 anos.
[ 190 ]
191 Bem nessa correria toda lá estava Rafael, vendo os melhores presentes para dar a sua esposa e também a Conceição Duarte, mulher de coragem. Como ele não sabe bem de que forma vai ser esses presentes, resolve ligar para a Redação da TV e pede ajuda aos colegas e recebe algumas dicas: - Para sua esposa, compre uma roupinha bem sexy e para a outra uma roupa mais recatada. Recebido a dica, ele coloca tudo em papel de presente e se dirige para casa. Quando da entrega dos presentes, recebe da esposa um skate, para relembrar os tempos de adolescente. Ele acha o máximo e sai rapidamente pela casa. Depois entrega seus presentes as duas mulheres da casa e quando elas abrem ficam confusas, porém contentes. Mara por estar grávida, acha que aquela roupa era ideal para a sua silhueta. Já Conceição que recebe um material mais sensual, entende que ele está querendo algo mais e se prepara para na madrugada ir encontrá-lo e se entregar a ele.
[ 191 ]
192 Na verdade os presentes tinham sidos trocados sem que fosse percebido. Todos dormem e Conceição vai até onde está Rafael, no escritório dentro de casa, produzindo material para reportagem do dia seguinte. Ela chega e diz: - Oi, seu Rafael, estou aqui, como você queria, sou todinha sua, vem meu tarzan. - Espera ai, alguma coisa está errada. O que você está fazendo com o presente da minha esposa? Pergunta Rafael apavorado. Ela se desculpa: - Como pode, eu pensava que o senhor me queria, entendi tudo errado, por favor, o senhor me desculpe. Não conta para Mara, se não eu perco o emprego. Depois desse mal entendido, Conceição fica envergonhada toda vez que se depara com o patrão em qualquer compartimento da casa. Mara Jenny apenas, sorrir ao saber da história, pois acredita no marido e na sua fidelidade.
[ 192 ]
193 Também concorrer com uma mulher gorda é um absurdo, não por serem assim, mas porque o Rafael não gosta de mulheres obesas, não tem atração sexual nenhuma. É chegado o grande dia, Mara Jenny logo cedo sente dores fortes e ela resolve ligar para a maternidade particular. Em poucos minutos chega a ambulância e a leva para a sala de espera. Rafael está em Areia Branca RN, fazendo uma reportagem com os praticantes de Sky Board, ele recebe o telefonema de Conceição, dizendo que está tudo próximo e encaminhado. O bebê começa a pedir para nascer, a equipe médica se prepara do outro lado a equipe de filmagem grava todos os momentos do parto a pedido de Rafael. Que acompanha toda a operação pela internet ao vivo, de lá ele chora, pula e fica nervoso, cutuca as pessoas dá um grito: - Nasceeeeu. É minha filha, viva, sou pai, é meu, segura peão. A menininha sai e aparece chorando aos olhares de expectativa ansiedade. É um dia de festa, de alegria para todos na
[ 193 ]
194 casa da família Medeiros. O grande sonho se concretiza e Rafael pode se alegrar com o êxito seu e de sua esposa. Mara permanece na maternidade por alguns dias. Ele retorna do Rio Grande do Norte e se dirige de imediato para o quarto onde está o bebe e sua mulher. Os olhares são trocados entre os dois e Mara apresenta a menina para ele e dentro do seu olhar se ver a pureza desse encontro de êxtase é algo implacável. Aquele corpinho minúsculo que se mexe sobre o berçário é uma vida que sopra e ilumina todo o ambiente. Aqueles momentos se tornam mágicos é como se um mundo por apenas alguns minutos torna-se a nascer de novo. O passado todo se recriava, as guerras não mais existiam, o poder era trocado pela solidariedade. Jesus não teria mais necessidade de ter vindo, porque os homens teriam entendido que aquilo tudo era belo e que valia a pena viver uns para os outros, em uma comunidade de amor. Ser pai para Rafael era algo que estava tão distante, há alguns anos atrás e se tornava realidade no momento em que a maturidade tomava conta de todo o seu ser. Em alguns dias eles
[ 194 ]
195 estavam de volta para casa, o ar era respirado com mais pureza e frescor. A falta que ele sentia era da mãe que não tivera a sorte de ver nascer o neto. Porém onde ela estivesse, com certeza, estava feliz e satisfeita talvez estivesse dando risadas, lá do outro lado, sorrindo a cada aprendizado da garotinha linda. Com 8 meses ela já começa a ensaiar os primeiros passos pelo chão fresco da casa. Conceição era a que tinha mais tempo de estar presente com Renato Medeiros, pois os pais estavam durante todo o dia trabalhando Renatinha se apegara em demasia a negona e até se confundia: - Será essa a minha mãe ou aquela branquela que me dar de mamar? Meu pai eu sei quem é esse alto e bonito, eu pareço com ele? Bem essa história será desvendada agora. No seu dia de folga, Mara Jenny resolve sair com sua filha para um parque. Não quer que Conceição venha junto. Ela coloca a bebezinho no carrinho, no banco de trás do carro e se desloca para o
[ 195 ]
196 local marcado com André, seu colega de trabalho. Eles se beijavam na boca, sobre os olhares de Renata: - Esperai esse não é o meu pai, quem é esse cara? Paaai, cade você?, bua, bua, bua. Mara falou: - Para de chorar garota, que eu quero te apresentar teu pai de verdade, o André que é o seu genitor, fala com ela amorzinho. André conversa com a bebê: - Ei nenezinho, sou eu seu pai, vamos ficar comigo, vem para o meu braço. O bebê solta choros altos e se esquiva desse sujeito estranho para ela. No seu pensamento diz: - Minha mãe enganou papai como pode? Ele uma pessoa tão boa, que gosta tanto dela, eu tenho que contar a verdade para ele. Como? Não sei falar. Vou fazer de tudo para que ele descubra, ele não merece isso.
[ 196 ]
197 Rafael estava chegando em casa e só encontra Conceição, ela prepara o jantar para ele, que come, porém pergunta sobre a esposa e a filha: - Cadê minha mulher Conceição? Para onde ela levou a minha filha? A negra responde: - Ela não quis que eu fosse junto e foi sozinha com a menina para o parque de diversões. Rafael questiona: - Nunca tinha visto minha esposa assim, ela sempre foi uma pessoa tranquila e responsável. Alguma coisa errada deve ter acontecido, mas confio nela. Mara chega 23h15, Rafael já estava dormindo e quando a esposa se aproxima ele nada fala, apenas olha bem firme em seu olhar. Porém tudo volta ao normal, o trabalho duro dos dois faz com que se esqueçam dos problemas caseiros e das desconfianças. Principalmente na festa de um ano da garota, onde se fez um grande churrasco num domingo desses. Ele convida a turma do
[ 197 ]
198 trabalho para ir à festa, com pagode e muita mulher bonita e muitas amizades. Conceição é que fica segurando a princesinha que está vestida toda de róseo e que está com um oculozinho escuro. André chega no meio da tarde e é apresentado a Rafael. Ele nem sequer desconfia que esse fora o cara que traíra a sua honra de marido. Rafael pede para Conceição trazer Renata para que André possa ver. Mal a menininha ver o cara, começa a chorar, tem medo e quer ser tirada dali. O pai pede desculpas ao rapaz e sai para ver como está a sua filha. Mara faz sinal para que André a siga dentro de casa. Os dois lá no quarto do casal fazem sexo loucamente e depois saem para a festa, como se nada tivesse acontecido. Rafael bebe muito e dá um pulo na piscina e quase morre afogado, quem o ajuda é André. Durante os meses seguintes, Mara vai constantemente fazer testes na filha para checar sua saúde. Numa delas se descobre que a jovem bebe tem leucemia. O choque na família é grande, principalmente de Rafael, que é louco pela sua filha.
[ 198 ]
199 Ele é convocado para fazer testes também, para saber se tem compatibilidade para fazer a doação de medula óssea que ajude na cura de Renata. Nos testes é descoberto que a sua medula é incompatível e que ele tem o sangue diferente dela. Na verdade, sua esposa é desmascarada, pois ele sabe que não é o pai legitimo da menina. Resolve numa atitude de momento, se suicidar. Ele vai até a ponte do Rio Ceará e fica cara a cara com a morte e reflete: - Como a vida de um homem pode mudar assim? Eu fui um burro mesmo, acreditei que era possível haver mudança em mim e apostei em um relacionamento bom, verdadeiro. É só eu fazer isso, perder minha vida. Mas como minha filha vai achar isso? Que eu sou um covarde e que não a amei suficientemente. Mas eu nem sou pai de verdade dela. É acho que devo procurar esse cara e pedir que ele ajude minha filha. Nesse momento devo ser forte, já passei por tanta coisa nessa vida, não é por causa de uma simples coisa que eu vou vacilar. Ele descobre quem é o pai e resolve acertar as coisas com o sujeito. Com uma calma impressionante ele busca resolver o
[ 199 ]
200 problema principal que é a saúde de Renata. A cirurgia acontece três meses depois e é um sucesso. Rafael pede o divórcio e sai de casa, volta para a vida de solteiro. Decide não mais ver a filha. Mara Jenny assume o relacionamento com André e o leva para sua casa de imediato. O sonho de ser pai ainda não se concretiza para Rafael. É um desejo bem distante, que fica para último plano na sua vida. Seis anos após tudo isso, já com 43 anos ele é o diretor-geral de programação do Sistema Verdes Mares, só que vive sozinho e não se relaciona com nenhuma mulher fixa. Porém ele tem uns esquemas secretos e sempre está dando umas com umas gatinhas por aí, tudo por debaixo dos panos. Ele tem uma gestão democrática na empresa e recebe convites para dar conferências em vários locais pelo país e exterior. Sua “filha” tem 07 anos de idade e estuda em uma escola no Bairro Dionísio Torres, na praça da imprensa. Ela sempre saia as 11h e pegava o ônibus em frente ao veiculo de comunicação. Às vezes ela para e acompanha as reportagens feitas na praça e logo se encontra
[ 200 ]
201 com a profissão do jornalismo, porém é muito nova e não tem consciência das coisas. Um dia os professores do 1° ano fundamental, resolvem fazer uma visita a TV e levam a criançada. Na entrada todos recebem o crachá de visitante e são acompanhados pelo assistente de produção Villamar Rodrigues, que mostra cada compartimento. A FM 93, a rádio Verdes Mares 810, a TV Verdes Mares, TV Diário no programa infantil da Jackie e outros, no final são levados a sala de direção e conhecem os responsável pela direção: Rafael Medeiros. Dentre os garotos está Renata que presta atenção em todas as coisas e quando ver o senhor e aquele nome estranho e tão próximo. Isso a deixa confusa e percebe a semelhança com o seu nome. Então ousadamente abre um dialogo com o homem. - Você tem filhos? Ele diz: - Não Ela continua: - Sabe que eu tenho o nome e sobrenome parecido com o seu?
[ 201 ]
202 Rafael se inquieta: - Como assim, qual o seu nome? Diga-me por favor. Ela então diz: - Eu sou Renata Medeiros Ele silencia e derrepente começa a chorar e a chama a garota: - Você é minha filha com Mara Jenny, eu te amo, me perdoe por ter a abandonado, foi porque não pude cuidar de você como eu queria. Eles são aplaudidos por todos na redação e saem juntos. Rafael liga para Mara Jenny e diz que quer sair com a filha algumas vezes na semana, se possível for. André, porém enciumado, resolve impedir tal visita e saída, então o jeito foi entrar na justiça e lutar pela guarda da menina. Ela descobre toda a história e fica com ódio da mãe. E também que ir morar com o pai. Como ela é menor de 12 anos e não pode escolher com quem ficar, abriga vai mesmo para os tribunais.
[ 202 ]
203 A 1° audiência com o juiz é marcada para o mês seguinte, Rafael tenta fazer o máximo de sigilo, para que a história não chegue na opinião pública, mas como a imprensa é competente e vasculha rapidamente a vida das pessoas, logo os canais de oposição acham que o caso pode vender muito e tirar a credibilidade das concorrentes. Rafael, mais uma vez ver sua vida como objeto de utilidade pública, sendo usada para completar as primeiras páginas de alguns jornais: “Chefe de jornalismo é acusado de abandonar filha” O Povo “Entra na justiça grande comunicador por sua filha” Diário do Nordeste O bate papo das pessoas em torno do caso se torna fato comum. Dentro de bares, hotéis, lanchonetes, campo de futebol, em todos os locais, viram mais uma página de novela em que cada novo fato, traz dentro de si uma expectativa por parte das pessoas sedentas de ouvirem novidade.
[ 203 ]
204 Com a rapidez tecnológica, a notícia se torna folhetim comum dos tablóides internacionais e notícia fácil das agências dos EUA, Inglaterra e França que são as que mais prestigiam. Lá está cara a cara Rafael Medeiros X André. Mesmo com o sangue do segundo, Renata é registrada como filha do primeiro. Também ela mesmo não gosta do cara, pois ele é um gigolo, passa o dia dentro de casa, sendo sustentado pela mulher Mara Jenny. O advogado do jornalista é seu amigo de grêmio estudantil em tempos atrás. Lindo Johnson Florisberto que é um homem de muitas palavras, desde cedo foi um jovem entendido nos assuntos que envolvem a lei. No tempo de escola, se dedicara somente a política, o seu grande sonho fixo desde os 12 anos de idade, quando escutou no rádio o discurso do então Presidente João Batista Figueiredo. Porém tirava sempre notas baixas na sala de aula, chegando a repetir a 6° série por 4 vezes, por não prestar bem atenção as aulas, sua cabeça sempre voava para outros locais, ele se via em um palanque cheio de pessoas ao seu redor, ouvindo suas palavras inflamadas.
[ 204 ]
205 Quando Rafael estava prestes a terminar o 2° grau, conheceu Lindo Johnson. Por gostar de comunicação, ele foi chamado pelo colega político para participar de um grupo de oposição ao grêmio estudantil da escola. Nesse grupo, tinha duas jovens que queriam fazer um jornalzinho do estudante. Então barrada pelos representantes estudantis, o jeito foi juntas os revoltosos e brigar pelo direito de se expressar livremente dentro da escola. O que culminou com uma pequena guerra interna, dentro do Centro Educacional. O grupo de oposição colocava cartazes esclarecendo os estudantes e logo em seguida, vinha a turma do Grêmio e arrancava, gerando bate boca e confusão. Um dos fatos curiosos foi quando Rafael fora conversar com o professor de educação física, sobre a deposição dos cartazes. Ele chegou e disse: - O senhor é professor, não deveria se colocar ao lado de aluno “a” ou “b”, o ideal é que fosse imparcial, não metesse nas lutas estudantis.
[ 205 ]
206 Nesse instante, aparece o pessoal, para apartar a briga entre eles e o diretor da escola, que ficou no meio do empurra, empurra e é jogado para um lado e para o outro, saindo tonto da discussão. Lindo Jonhson nunca fugira da briga, uma vez cansado de repetir o ano e vendo que a turma estava tirando nota baixa em português, resolve se aproveitar do fato. Na verdade, o professor Landim já estava com idade avançada e já tinha idade suficiente para se aposentar. Ele fez o favor de reprovar todos os alunos, sem chance recuperação. Foi o momento certo para a armadilha política ser armada, com o chamamento de Lindo Jonhson, os alunos da 6° e 7° série, decidem ir ao apartamento onde morava o professor. A rua ficara lotada, um verdadeiro batalhão de alunos se dirige ao condomínio e o porteiro quando ver aquilo imagina logo o pior, pensa que estava acontecendo uma guerra e assim fecha os portões do prédio. O jovem articulador, pede que se chame o professor Landim. O porteiro diz que ele não se encontrava no momento e pede para todos se retirarem. Lindo Jonhson ameaçou dizendo:
[ 206 ]
207 - Eu sei que ele esta aí, se fosse homem aparecia. Mas tudo bem, deixe esse recado com ele, ele tem 36 horas para aparecer na escola, para realizar novos testes, se não voltaremos aqui e dessa vez, vamos invadir o condomínio. No outro dia, o professor comparece no Centro Educacional e conversa com o diretor. Pressionado pelos alunos é obrigado a fazer novos testes e dessa vez ele não corrige as provas e assim todos os alunos conseguem passar de ano. O professor é impedido por pressão dos alunos, de ficar dando aula para os alunos da 7° ou 8° série. E para a alegria geral da moçada, o professor Landim resolve pedir a sua aposentadoria antecipada. Rafael sempre acompanhava Lindo Johnson nos discursos em sala de aula, porém ele não abria a boca, apenas olhava o amigo falar e falar e falar. Os alunos gostavam era da molecagem e riam da cara dele.
[ 207 ]
208
[ 208 ]