Estado de Direito PORTO ALEGRE, JANEIRO DE 2006 • ANO I • N° 2
Os operadores do direito têm cumprido seu papel na sociedade? Artigos propõe uma reflexão sobre o bom direito e a responsabilidade do operador Portanto, trazemos até os leitores artigos que os preparam para enfrentar os tribunais, e
alertam sobre procedimentos adequados em situações especiais, que devem ser observados
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Desembargador do Rio de Janeiro, João Carlos Pestana de Aguiar faz comentário sobre o Estatuto da Igualdade Racial
para uma melhor prática do direito e do bom convívio em sociedade.
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Direito Internacional CARLOS VIEIRA
Nesta segunda edição, o Estado de Direito abre espaços para artigos que conduzem o leitor à uma reflexão sobre valores sociais, familiares, ambientais, econômicos e trabalhistas, e sugere um questionamento: até que ponto o operador do direito é responsável pelo que acontece na sociedade? Independentemente das respostas, sabe-se que a morosidade do sistema, por exemplo, não é causada apenas pelo número de processos em tramitação, mas também pelas práticas escusas a que são submetidos.
Veja também
Ricardo Koboldt de Araújo analisa o protecionismo no comércio internacional Página 5
Direito Penal Luiz Flávio Gomes fala sobre os critérios à aferição da razoabilidade da prisão preventiva
Rolf Madaleno: A nova codificação familista
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Direito do Trabalho
Advogado e Professor de Direito de Família na PUC/RS, Diretor Nacional do IBDFAM e vice-presidente do IARGS analisa as transformações dos hábitos e costumes da sociedade familiar deste século que se destaca pela liberação de diferentes esquemas de convivência demandando por um repensar dos tradicionais valores e instrumentos jurídicos
Francisco Rossal analisa a ampliação significativa da Justiça Laboral e ainda destaca os novos horizontes com a Emenda constitucional nº 45/04. Maurício de Carvalho Góes fala sobre a importância da conduta do empregador no momento da perícia de insalubridade
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Português
Direito Financeiro
Alberto Menegotto, Professor do IDC, relata as dificuldades de profissionais da área jurídica em escrever corretamente
Ana Cláudia Redecker analisa os protestos de boletos de cobrança de títulos, alertando para a falta de requisitos primordiais para que sejam considerados títulos executivos extrajudiciais, e a necessidade de reparação dos danos causados pelo encaminhamento destes títulos a protesto
Contra-Capa
SÍLVIO DE SALVO VENOSA em ARTIGO EXCLUSIVO REGRAS SOCIAIS OU DE CORTESIA
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Direito Ambiental Annelise Monteiro Steigleder justifica a possibilidade de o Poder Público ser enquadrado em responsabilidade solidária por danos ao meio ambiente, em caso de omissão; e aborda, também, a responsabilidade, pelo mesmo dano, das empresas não caracterizadas dentro do conceito de poluidoras Página 7
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Destaque Maria Berenice Dias, a primeira mulher a ingressar no Poder Judiciário do Estado, nomeada Juíza de Direito em novembro de 1973. Atuou nas comarcas de Ibirubá, Palmeira das Missões, Sarandi, São Borja, Carazinho e Porto Alegre. Foi promovida a Juíza do Tribunal de Alçada em maio
de 1991. Tornou-se a primeira mulher a integrar o Tribunal de Justiça do Estado ao ser promovida a Desembargadora em outubro de 1996. Em artigo exclusivo para o Estado de Direito analisa a investigação de paternidade e alimentos desde a concepção. Página 3
Leia na próxima edição
O Procurador Regional da República, Osvaldo Capelari Júnior em artigo exclusivo Terrorismo: possibilidade de persecução penal no Brasil
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Editorial
Cartum
Paulo Vilanova
Carmela Grüne
Cultura Jurídica à Sociedade Mobilizar o País para o desenvolvimento de uma consciência fundamentada em opiniões de grandes pensadores, pessoas que ao longo de suas vidas vêm refletindo sobre a sociedade e a inserção do direito, é, sem dúvida, o desafio do jornal Estado de Direito. Tomamos como objetivo do jornal a reflexão de Alípio Casali, que diz: “Desenvolver a vida é realizar um duplo movimento: descobrir capacidades e talentos e construir o novo, efetivando as potencialidades e talentos descobertos, fazendo-os renderem, ampliando-os, respondendo criativamente aos desequilíbrios internos e externos. O desenvolvimento da vida, pois, é o direito, o dever e o ato ético mais elevado: é a re-criação da vida mediante a realização de suas infinitas qualidades e possibilidades”. Essa perspectiva relata o que nós acreditamos ser alicerce para o crescimento de uma sociedade, onde valores de respeito às diferenças culturais e o desenvolvimento da justiça social existam para todos. Estaremos, em cada edição, firmando esse objetivo de re-criar a vida, descobrindo capacidades e talentos de profissionais renomados, respondendo de forma criativa às mudanças da nossa sociedade mediante a reflexão dos desequilíbrios internos e externos, e buscando novos caminhos e possibilidades de solução. Agradecemos o apoio e incentivo das empresas que têm contribuído para que esse jornal atinja um público cada vez maior, e ainda, aos nossos colaboradores, que contribuem indicando profissionais, divulgando o jornal e dando sugestões; a fim de que esse instrumento esteja constantemente atualizado, amplamente divulgado e de acordo com as necessidades de nossos leitores.
Estado de Direito Porto Alegre - RS - Brasil Rua Andrade Neves, 14/702 CEP: 90010-210 - fone: (51) 3246.3477 e-mail: contato@estadodedireito.com.br internet: www.estadodedireito.com.br Direção Carmela Grüne carmela@estadodedireito.com.br (51) 9985.7340 Jornalista Responsável Angelo Müller - MTB 11.453 Colaboradores Carlos Bailon Diego Moreira Alves Filipe Tisbierek Gustavo André Gradaschi Van Helden Sue Ellen Siqueira Diagramação e Produção Gráfica Luciano Gazineu (51) 9952.3177 Impressão Zero Hora Tiragem *Os artigos publicados nesse jornal são responsabilidade dos autores
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Não ao estatuto racial Desembargador do Rio de Janeiro João Carlos Pestana de Aguiar
Impressionou-nos o artigo do jornalista Ali Kamel no jornal “O Globo” de 29/11/2005 (p.07), a respeito do Estatuto da Igualdade Racial, em trâmite no Congresso Nacional. Em sua análise, o quesito raça /cor será obrigatoriamente introduzido em todos os documentos do SUS, prontuários médicos, exames laboratoriais, inquéritos epidemiológicos, pesquisas básicas, certidões, registros de funcionários, acidentes de trabalho, etc. Assim, o brasileiro será definido pela raça ou cor, deixandose de lado a intensa e dominante miscigenação. E considera: “Seremos
transformados num país não de brasileiros negros, de um lado, e brancos, de outro”. Não chegou a comentar sobre os autóctones indígenas que geraram os grandes contingentes de cafuzos, mamelucos e curibocas, em muitos casos com a participação do sangue negro. Acrescenta, por fim, que o estatuto estabelece cotas raciais obrigatórias para o ingresso no ensino superior e outros fins. Conclui Ali Kamel: “É um outro Brasil que este estatuto quer fundar”. Como informa, já tendo sido aprovado no Senado, está para ser votado na Câmara, sendo
muitos os disparates, acentua. Encerra pela convocação de um referendo popular e o sonho com o ideal de uma nação orgulhosa de sua miscigenação, na qual raça e cor não importam, mas sim a força de trabalho, lucidez e inteligência do mestiço, sendo raríssimo entre nós o negro de puro sangue, nem sendo a cor que o torna preguiçoso ou ignorante. O estudo do projeto recomenda considerações instigantes como as acima, dentre outras, para não ser inadvertidamente fomentada a discriminação social que justamente se pretende reprimir, saindo o tiro pela culatra.
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ESPECIAL
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Investigação de paternidade e alimentos desde a concepção Maria Berenice Dias fala sobre as obrigações decorrentes do poder familiar em artigo exclusivo para o Estado de Direito Maria Berenice Dias*
festamente improcedentes para retardar o desfecho da ação. Como a condenação ao pagamento dos alimentos ocorria somente a partir da sentença ou do julgamento do recurso que acolhia a ação, livrava-se o réu, durante anos ou décadas, do encargo alimentar.
“Nada justifica livrar o genitor das obrigações decorrentes do poder familiar, que surgem desde a concepção do filho.” Porém, pai é pai desde a concepção do filho. A partir daí, nascem todos os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar. É preciso dar efetividade ao princípio da paternidade responsável, que a Constituição procurou realçar quando elegeu como prioridade absoluta a proteção integral a crianças e adolescentes (CF, art. 227). O simples fato de o genitor não
assumir a responsabilidade parental não pode desonerálo. A mãe tem de submeter-se a exames pré-natais, e o parto sempre gera despesas, ainda que feito pelo SUS. Assim, o pai deve alimentos desde a concepção do filho. Claro que a alegação do réu sempre será de que desconhecia a gravidez, não sabia do seu nascimento e sequer tomara conhecimento da sua existência, só vindo a saber do filho quando citado para a ação de investigatória. No entanto, não logrando comprovar que desconhecia ser o pai do autor antes da citação, deverá ser-lhe imposto o pagamento dos alimentos desde o momento em que foi informado ser o pai do autor. Outro fundamento a ser utilizado pelo réu, para livrar-se do pagamento dos alimentos com efeito retroativo, é que não tinha certeza da paternidade, não podendo assumir o encargo sem saber se o filho era seu. Mas desde que surgiu o exame do DNA, que dispõe de índice de certeza quase absoluto, não há mais como alegar dúvida sobre a verdade biológica. Nada justifica livrar o genitor das obrigações decorrentes do poder familiar, que surgem
CARLOS VIEIRA
Como os alimentos dizem com a necessidade de sobrevivência, os alimentos provisórios são devidos desde a data em que o juiz despacha a petição inicial. Na ação de investigação de paternidade, mesmo inexistindo vínculo pré-constituído da relação de parentesco, por salutar construção jurisprudencial, passou-se a conceder alimentos provisórios. Havendo indícios de prova do vínculo da parentalidade, quando do resultado positivo do exame de DNA ou quando se recusa o réu em se submeter à perícia, são fixados os alimentos. Depois de algumas vacilações, a Justiça, atentando à natureza declaratória da demanda, deu mais um significativo passo ao emprestar efeito retroativo aos alimentos fixados na sentença. Acabou sendo invocado dispositivo da Lei de Alimentos (art. 13, § 2º). A matéria restou sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 227): Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação. A solução foi providencial. Uma bela forma de dar um basta às posturas procrastinatórias do réu, que usava expedientes protelatórios e recursos mani-
desde a concepção do filho. Como a ação investigatória de paternidade tem carga eficacial declaratória, todos os efeitos retroagem à data da concepção, até mesmo a obrigação alimen-
tar. Esta é a orientação que já vem despontando na doutrina e agora aflorou na jurisprudência (TJRGS – AC 70012915062 – 7ª C.Cív. – Rel. Desa. Maria Berenice Dias – j. 9/11/2005).
* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Vice Presidente Nacional do IBDFAM www.mariaberencie.com.br
A nova codificação familista Rolf Madaleno* A/P
deiramente às atuais transformações dos hábitos e costumes da sociedade familiar deste século que se destaca pela liberação de diferentes esquemas de convivência, demandando por novas respostas jurídicas e por um repensar dos tradicionais valores e instrumentos jurídicos. Eis o grande desafio do moderno direito familiar – a pessoa humana – que se constitui enquanto sujeito de direito, no centro das relações jurídicas, com especial
A nova codificação do Direito de Família não atendeu verda-
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atenção para a criança e o adolescente, encarregando os adultos de zelar por sua integridade e pelo seu bem estar. Este, por certo, será o próximo desafio da compreensão humana na aplicação do Direito, evoluindo o operador do direito familista pela crescente corrente de idéias e execução de uma justiça voltada aos chamados direitos humanos do Direito de Família, com prevalência pela liberdade e informalidade das relações e com o tratamento igual e simétrico das pessoas e dos sexos nas relações de afeto. Ainda entre as glórias de um novo viver do moderno direito familiar a desafiar a compreensão humana na busca da plena realização pessoal, encontra-se o triunfo de um direito
processual menos formal e mais ágil, capaz de realmente servir ao direito e à pacificação social. Desenhada a nova família para uma concepção mais íntima e de natureza privada, voltada desde a Constituição de 1988 para a realização pessoal de seus membros, o direito familista brasileiro deixa de enaltecer apenas a família conjugal e passa a dar proteção a qualquer entidade familiar credenciada pela cerimônia oficial, ou pela informalidade da relação surgida apenas da aproximação afetiva dos seus participantes. Nesse contexto é fundamental o papel a ser desenvolvido por todos os operadores do Direito de Família, agora em pauta no cenário brasileiro de construção da personalidade humana, dando
sentido, valor e preservando a realização pessoal de cada componente de cada grupo familiar. * Advogado e Professor de Direito de Família na PUC/RS, Diretor Nacional do IBDFAM. Vice-Presidente do IARGS. www.rolfmadaleno.com.br
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Da legalidade/possibilidade do protesto de boleto de cobrança A doutrina majoritária (Waldirio Bulgarelli, Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., dentre outros) entende que é ilegal o protesto de boleto de cobrança de títulos – independentemente do fato gerador – porque sendo documento atípico, ou seja, não contém os requisitos estabelecidos pela legislação para que seja considerado título executivo extrajudicial. Tais documentos são emitidos unilateralmente pelo credor. A Lei 9.492/97, regula a realização do protesto, na definição dos títulos, que podem embasar o protesto, é vaga. inclusive consta no seu artigo 1º, a expressão “outros documentos de dívida”; contudo, o Código de Processo Civil é claro ao estabelecer que a pessoa só poderá ser constrangida ao cumprimento de uma obrigação, se estiver fundada em título executivo judicial ou extrajudicial. Caso a obrigação não esteja representada por um título executivo, é necessário que a mesma seja
reconhecida como líquida e certa em uma ação de cobrança (rito ordinário). Desta forma, para que seja admitido um título para protesto este deve estar revestido dos requisitos legais previstos nos títulos executivos, que dão a presunção de certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação. Para que o protesto do boleto de cobrança seja legal, é necessário que o mes-
“Para protesto este deve estar revestido dos requisitos legais previstos nos títulos executivos” mo esteja acompanhado de título executivo judicial ou extrajudicial que o descreva. Sem o título regularmente formalizado, não pode haver o protesto, nem mesmo o seu apontamento (recebimento do
título pelo Tabelião, para a consumação da intimação do sacado) no Tabelionato de Protesto de Títulos, pois o protesto é ato solene e formal. Solene e formal porque exige o cumprimento de formalidades, dentre as quais a existência de um título executivo, conforme previsto na supra citada lei. Nesse sentido: “Se a própria instituição financeira admite não haver duplicata e sim um boleto, é arbitrário o protesto, mesmo que haja dívida pendente, pois o mero boleto bancário não admite protesto, por não se constituir em título de crédito. Negaram provimento. Unânime.” (Apelação Cível nº 70003934155, Décima Quinta Câmara Cível, TJ/RS). Doutrinariamente, ainda, o boleto de cobrança apresentado para protesto não pode ser equiparado à duplicata mercantil sem aceite (aquela em que o sacado [comprador], contra quem o sacador [vendedor] emitiu a duplicata, ainda não reconheceu a obrigação de pagar nela contida [decorrente da compra e venda] porque a mes-
ma somente é considerada título executivo extrajudicial, nos termos do disposto no art. 15, II, a, b e c, da Lei 5474/68, quando, cumulativamente estiverem preenchidos os seguintes requisitos: protesto regularmente lavrado, documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da(s) mercadoria(s) e a ausência da recusa motivada do aceite pelo sacado, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos artigos 7º e 8º, do mesmo diploma. “Embora seja admitido o protesto por indicação, originário de boleto bancário indispensável que o credor demonstre a existência de dívida. Não servem para esse fim cupons fiscais em branco ou com assinaturas não-legíveis ou não-identificáveis. Apelação desprovida.” (Apelação Cível nº70003710928, Sexta Câmara Cível, TJ/RS). Por conseguinte, é ilícito o apontamento e protesto de boleto de cobrança porque não é título executivo extrajudicial. Mesmo pendente a dívida, não é caso de protesto, mas sim de ação
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Ana Cláudia Redecker*
de cobrança. Todos aqueles que encaminham tais documentos para protesto devem ser responsabilizados a reparar os danos materiais e/ ou morais que causarem mediante a apuração dos mesmos em ação de indenização. *Doutoranda em Ciências JurídicasEconômicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestre em Direito pela PUC/RS, professora de direito empresarial da PUC/RS, UniRitter e CEJUR e advogada responsável pela Área Societária do Escritório Campos Advocacia Empresarial.
O protecionsimo como obstáculo à liberdade ao desenvolvimento do comércio internacional Ricardo Koboldt de Araujo*
As complexas relações oriundas do sistema de comércio internacional contemporâneo pacificam a evidência de que, se por um lado, se mostra emblemática a abertura das economias pelos países desenvolvidos, de outro, intensificam-se as exigências de um modelo mais liberalizante pelos países em desenvolvimento. Nesta teia de interesses controvertidos, a única coerência é a manutenção das arcaicas estruturas de poder que intensificam um ideário de dominação e inadmissibilidade de quaisquer ingerências nos sistemas produtivos internos. Neste mesmo diapasão, verifica-se que, a par das inúmeras críticas oriundas dos países em desenvolvimento, estes, toda vez que passam a dominar um determinado setor produtivo, agem estruturalmente em sintonia com este mesmo ideário político. Com o advento da regulamentação internacional da matéria, primeiramente através do GATT e atualmente através da Organização Mundial do Comércio (OMC), ampliou-se a necessidade de revisão desta política discriminatória,
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através da implementação de um sistema de negociações na fixação de produtos preferenciais e
mais desenvolvidos, cujo poder coativo diante do mercado internacional subjuga a economia dos países
”Nesta teia de interesses controvertidos, a única coerência é a manutenção das arcaicas estruturas de poder que intensificam um ideário de dominação e inadmissibilidade de quaisquer ingerências nos sistemas produtivos internos.” de redução gradual de alíquotas, incidentes sobre produtos importados, que, devidamente ajustados, terão efeito compulsório, tudo sob a égide de um sistema de solução de controvérsias de cunho decisório. Em resumo, um excepcional sistema de bloqueio às barreiras protecionistas erigidas unilateralmente pelos Estados, que passam a ser substituídas por um sistema de controle e redução progressiva de tarifas, ajustado de forma compartilhada. Nada obstante, sob o argumento de exercício de direitos soberanos, muitos países, sobremaneira os
menos aquinhoados, permanecem subvertendo seu próprio compromisso, criando alguma espécie de mecanismo que lhes favoreça, com o que, garantem a prevalência de seu mercado em detrimento de outros que, neste sentido, emergem na marginalização. A idéia de ruptura, neste repulsivo sistema, precede as negociações de Bretton Woods, amparando-se na Convenção de Havana de 1947, quando criado o GATT, e que se consolidou na criação da OMC pelo Tratado de Marraqueche. Não por outro motivo, os negociadores do plano
urdiram uma atuação muito peculiar, onde as economias do mundo passariam a usufruir de um sistema livre de auto-regulação, negociado de forma coletiva. As rodadas de negociação do GATT e, posteriormente, as reuniões ministeriais da OMC, passaram assim a constituírem-se no foro adequado para o desenvolvimento destes propósitos, redimensionando e atualizando os mesmos princípios. Ainda que amplamente idealizado, o sistema, ainda assim, padece de sérias e inquestionáveis questões a serem enfrentadas. Na verdade, se tem observado que a superação dos obstáculos, ainda
que constante e progressivo, tem determinado a criação de outros, mais complexos e menos sensíveis, tais como as barreiras não tarifárias substitutivas às vitórias alcançadas pelo sistema institucional. Assim sendo, se conclui que o sistema permanece minado de distorções e ainda longe da perfeição. Talvez a pressão internacional pelos menos aquinhoados constitua-se na forma necessária ao atingimento das metas perseguidas. * Advogado, Professor Universitário, Mestre em Direito, Coordenador da especialização lato sensu em Direito e Relações Internacionais da PUC/RS e Membro da American Bar Association.
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Critérios Para a Aferição da Razoabilidade da Prisão Preventiva Luiz Flávio Gomes*
A estrita observância do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade na adoção (e subsistência) das medidas cautelares, particularmente as pessoais, que são indiscutivelmente as mais graves, exige a concretização de um juízo ponderativo de vários interesses que entram em rota de colisão em cada caso concreto. Se de um lado, no âmbito da persecutio criminis, alinham-se (em primeiro lugar e desde logo) os interesses investigativos e penais do Estado, de outro, não menos relevantes são os interesses de quem sofre as conseqüências da medida restritiva. É do balanceamento entre uns e outros que emerge a medida mais adequada, em cada situação concreta. O princípio da proporcionalidade, em sua já tão difundida tríplice dimensão (idoneidade da medida para se alcançar o fim objetivado, necessidade de sua adoção e ponderabilidade dos interesses em conflito - sobre a extensão do princípio e o seu acolhimento pela Corte Suprema brasileira v. Agravo Reg. n. 1319-1, rel. Min. Celso de Mello, in DJU de 19.04.99, p. 31 -, não admite nem tolera a edição de atos estatais (do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário) desvestidos de razoabilidade. Nenhum excesso do Poder Público pode deixar de ser contido, mesmo porque a restrição das liberdades fundamentais está sujeita à estrita observância do princípio da razoabilidade (também chamado princípio da proibição do excesso), que veda
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Para a específica adoção de o exercício arbitrário de qualquer distorções ou mesmo subversão poder. Atua como obstáculo dos fins que norteiam o correto uma medida cautelar, sobretudo aos atos revestidos de conteúdo desempenho das nobres funções pessoal, devem primordialmenpúblicas. Sempre que uma me- te ser analisados em cada caso irrazoável. Nossa Excelsa Corte vem dida judicial destoa do padrão concreto: (a) as conseqüências proclamando, a propósito, que: da razoabilidade, falta-lhe causa jurídicas esperadas, isto é, a “A prerrogativa jurídica da li- legítima e, ao mesmo tempo, gravidade da pena ou medida berdade – que possui extração exprime um inaceitável abuso, esperada, a natureza da ação peconstitucional (CF, art. 5º, LXI densamente pernicioso para a nal, possíveis causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade e LXV) – não pode ser ofendida liberdade do ser humano. etc.; (b) a importância por atos arbitrários do da causa (bedeutsam Poder Público, mesmo Sache), é dizer, a que se trate de pessoa “A prisão preventiva, justamente der gravidade dos fatos, acusada da suposta porque afeta esse direito o interesse público no prática de crime hedo processo e o diondo, eis que, até fundamental, só tem pertinência êxito perigo de reiteração que sobrevenha sentença condenatória em casos absolutamente anormais, de fatos análogos; (c) da imputação irrecorrível (CF, art. excepcionais, ressaltando-se os o(degrau certeza sobre o 5º, LVII), não se revecrimes violentos.” resultado) e, por conla possível presumir a seguinte, (d) o êxito culpabilidade do réu, previsível da medida. qualquer que seja a O ius libertatis, de outro lado, Sobre os interesses que ennatureza da infração penal que lhe tenha sido imputada” (HC tram em conflito no exato ins- sem sombra de dúvida, configura 80.379/SP, 2ª Turma, rel. Min. tante da decretação de uma um dos mais sagrados direitos prisão preventiva devem ser fundamentais. Só pode ser atinCelso de Mello, DJ 25/05/01). No momento da decretação considerados, em primeiro lugar gido, assim, em casos extremos, da prisão preventiva, ad exem- (v. N. Gonzalez-Cuellar Serrano, de absoluta necessidade, é dizer, plum, para além de atender aos Proporcionalidad y derechos fun- quando há sério e fundamentado requisitos formais do Código de damentales en el proceso penal, risco para a sociedade. A prisão Processo Penal (arts. 312 e ss.), Madrid: Colex, 1990, p. 251 e preventiva, justamente porque afeta esse direito fundamental, só o que existe de mais imperioso é ss.), os interesses estatais. Dentre eles destacam-se: inte- tem pertinência em casos absolua impostergável imprescindibilidade de se ponderar os vários resse na própria proteção dos di- tamente anormais, excepcionais, interesses em conflito para se reitos fundamentais, na tutela de ressaltando-se os crimes violendescobrir quais, concretamente, outros bens constitucionalmente tos. A prisão, definitiva ou cauteprotegidos, no correto desenvol- lar, desde logo, não é a resposta devem preponderar. Nenhuma medida coercitiva vimento do processo, bem como mais adequada para crimes não pessoal, precisamente porque no adequado funcionamento violentos. Sua adoção, portanto, representa a máxima intervenção das instituições processuais e, sobretudo nesses casos, somente do poder estatal sobre a liberdade especialmente, os interesses da se justifica como medida de ultihumana, pode ser imoderada ou persecução penal, que generica- ma e extrema ratio. Cabe ao magistrado ponderar irresponsável ou ainda ilimita- mente consiste na realização final particularmente os seguintes da, de tal modo a dar ensejo a ou cautelar do ius puniendi.
interesses do cidadão: (a) a preservação do ius libertatis; (b) os inafastáveis prejuízos que a medida proporciona (para a saúde, para a vida familiar, profissional e social); (c) o respeito aos seus direitos fundamentais (separação prisional, processo rápido e seguro, além de justo - “fair trial” - etc.). Devem ser sopesados, destarte, os seríssimos prejuízos que toda prisão (primordialmente a ante tempus) lhe causa: risco de AIDS (quase um terço da população carcerária é portadora do vírus respectivo), graves prejuízos físicos e psíquicos, risco de rompimento familiar, de estrangulamento profissional, de rejeição social. Não se pode imaginar, ademais, que no nosso país haja presídios decentes, ainda quando “especiais”. E os processos são, em geral, morosos. É da confluência da ponderação de todos os mencionados interesses que exsurge a medida mais adequada em cada situação concreta. Ao juiz compete, desse modo, não só fazer o devido sopesamento, como também e sobretudo fundamentar (justificar) a necessidade concreta da medida adotada, apontando fatos reais (não imaginários ou supostos) reveladores dessa imprescindibilidade. * Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri; Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; e Bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Araçatuba.
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Escrever corretamente é obrigação profissional Alberto Luiz Menegotto
ou dois semestres de ensino de Língua Portuguesa; outros nem contemplam tal necessidade. Como a língua – compreenda-se Gramática – é veículo primeiro e por excelência o caminho do exercício da Advocacia, o profissional deveria investir em si, buscando qualificar-se na estruturação de seus textos, escrevendo-os à luz da clareza e da objetividade. Dentre os pontos da Gramática que devem ser destacados, citam-se a clareza e a concisão, frutos obrigatórios do raciocínio claro e lógico exigidos em qual-
quer nível de linguagem, especialmente em peças. No entanto ser claro e conciso não basta ao texto se não houver obediência rigorosa às regras de pontuação e ao emprego correto de conjunções. Entre essas, é bom lembrar da reinvenção ou abreviação que se fez (e como se faz!) do emprego do conetivo causal uma vez que, versado, modernosa e erradamente, para vez que, expressão que nada significa. Isso sem falar nas demais imperfeições causadas pela distração, como o desrespeito à acentuação gráfica
(sekência, consekência, sekestro, escritos aqui como devem ser lidos quando aparecem sem trema, são comuns), bem como o desprezo à pontuação (vírgulas separando sujeito de predicado, apenas por exemplo). Enfim, é absolutamente imperioso que haja, por parte de cada futuro profissional do Direito e dos atuais profissionais respeito às normas da Língua Portuguesa e das estruturas mínimas de clareza e concisão. Assim, o profissional terá, antes de tudo, respeito consigo próprio.
Relações de trabalho A nova realidade da Justiça do Trabalho A/P
Francisco Rossal de Araújo*
A Emenda constitucional nº 45/04 abriu novos horizontes para a Justiça do Trabalho. Anteriormente restrita basicamente aos limites do trabalho subordinado, com algumas poucas exceções, a competência da Justiça Laboral foi ampliada significativamente. O ponto de estudo mais interessante deste contexto é o significado da expressão “Relação de Trabalho”, contida nos incisos I, IV e IX, da atual redação do art. 114, da Constituição Federal. Essa expressão é o ponto de partida para a decisão do STF, cujo relator foi o Min. Ayres Britto, que acabou por consagrar a competência da Justiça do Trabalho para ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho. Essa nova realidade aproxima o Direito do Trabalho de outros temas, especialmente da Responsabilidade Civil, e pode trazer significativas mudanças na vida profissional e no projeto de muitas carreiras jurídicas. Toda a doutrina trabalhista tem como base a definição da relação de emprego a partir do trabalho subordinado. Isso ocorre porque a figura do trabalho assalariado é um dos pilares do sistema econômico capitalista, juntamente com a propriedade privada dos meios de produção, a liberdade de marcado e o lucro. É o trabalho assalariado que possibilita a acumulação de ganhos sob a forma de lucro e, para que isso ocorra, esse trabalho deve ser subordinado, e não autônomo. A legislação trabalhista reproduz essa realidade econômica e a conseqüência é de que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) trata em sua quase unanimidade de dispositivos, do trabalho subordinado. Os artigos 2º e 3º da CLT, definem empregador e empregado sob o significado das expressões “direção” e “dependência”, respectivamente. A interpenetração desses dois conceitos é que vai levar ao conceito de
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“subordinação”. A partir dessas constatações é que a expressão relação de emprego é criada, e seu instrumento legal é o contrato de trabalho (art. 442, da CLT). O problema é que a nova redação do art. 114 da Constituição, trazida pela Emenda Constitucional nº 45/04 refere a competência para “Relação de Trabalho”, o que é mais amplo que “relação de emprego”. Relação de trabalho, apenas para tocar em dois pontos fundamentais, não pressupõe subordinação nem continuidade. As relações de trabalho podem ser autônomas ou subordinadas, eventuais ou contínuas. Com isso, uma imensa quantidade de relações de trabalho que antes não eram da competência da Justiça do Trabalho, passam a ser examinadas por esse ramo do Judiciário, trazendo consigo uma série de conexões com temas como a responsabilidade civil, interpretação de contratos fora do pa-
“Toda a doutrina trabalhista tem como base a definição da relação de emprego a partir do trabalho subordinado.” radigma da subordinação, direitos de consumidor relacionados à prestação de serviços, entre outros. Como se essa discussão já não fosse suficiente, também é preciso lembrar que o STF, em decisão da metade do ano de 2005, fi xou ser a Justiça do
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As faculdades de Direito despejam no mercado de trabalho milhares de profissionais todo ano. Boa parte deles, porém, tem dificuldades inequívocas com a linguagem, tanto do ponto de vista gramatical quanto do aspecto da estruturação de pensamentos em forma de orações e frases. E tal problema tem-se agravado em velocidade superior a qualquer remédio que se possa buscar. Registra-se, inicialmente, a ineficiência no acompanhamento do bacharelando durante o curso. Alguns currículos contêm um
* Professor do IDC, Bacharel em Direito, Licenciado em Letras e Filosofia
A conduta do empregador no momento da perícia de insalubridade Maurício de Carvalho Góes*
Trabalho competente para processar e julgar as ações indenizatórias por acidentes do trabalho movidas pelo empregado contra o empregador, por dolo ou culpa deste (art. 7º, XVIII e art. 114, VI, da Constituição Federal). Também nesse caso, o voto do Min. Ayres Britto, relator do processo, enfatiza a vocação mais ampla do Juiz Trabalhista para examinar todas as controvérsias envolvendo dano moral ou patrimonial decorrente das relações de trabalho. Para os profissionais que atuam na área, tanto amplitude do conceito de relação de trabalho quanto a atribuição para julgar indenizações pagas pelo empregador por acidentes do trabalho, representam uma nova fronteira profissional, principalmente se for levada em consideração as peculiaridades do Processo Trabalhista e sua vocação para o Direito Social baseado na Justiça Distributiva – tratar desigualmente os desiguais. Essa é uma excelente perspectiva para aqueles que gostam de atuar nas lides relacionadas ao mundo do trabalho. * Juiz do Trabalho, Mestre em Direito Público (UFRGS), Doutorando em Direito do Trabalho (Barcelona – Espanha), Pesquisador do CETRA – Centro de Estudos do Trabalho
O entendimento pacífico do Tribunal Superior do Trabalho, no tocante à forma de elisão da atividade insalubre, consiste não só em exigir a comprovação da entrega de equipamentos de proteção individual, mas também a prova do uso efetivo de tais equipamentos. Diante desta árdua tarefa, ou seja, a prova de que o reclamante usava, efetivamente, equipamentos de proteção, surge a necessidade de que a empresa, no momento da perícia, na pessoa de seus prepostos ou representantes, não só demonstre ao Perito a entrega de equipamentos de proteção, mas também, por meio de informações de outros empregados ou de técnicos de segurança do trabalho, comprove que, ao longo do labor, as luvas, máscaras, óculos ou protetores auriculares eram utilizados de forma eficaz e permanente. Com isso, a empresa não garante que o trabalho pericial conclua pela inexistência do labor insalutífero, mas garante sim, o direito de produzir prova testemunhal a respeito do caso, já que o Julgador não é obrigado a decidir adstrito ao parecer técnico. * Advogado Trabalhista, Especialista em Direito do Trabalho, Mestrando em Direito, Professor de Direito Processual do Trabalho II na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA; Professor de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho na Pós – Graduação em Direito do Trabalho na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA; Professor da Escola Fórum preparatória para concursos, Professor do Centro de Estudos do Trabalho – CETRA, Professor do Instituto de Desenvolvimento Cultural - IDC
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A responsabilidade civil por dano ambiental decorrente de atividades lícitas Annelise Monteiro Steigleder*
6938/81, de sorte que o dever de reparar os danos ambientais independe da prática de ato ilícito e de culpa do agente responsável. Basta o liame de causalidade entre a atividade lesiva e o resultado para a imputação da responsabilidade civil, em que o que é reputado antijurídico é o dano, e não a ação ou omissão do agente. Consequentemente, o cumprimento do licenciamento ambiental não constitui uma causa excludente de responsabilidade, constituindo apenas, num primeiro momento, uma presunção de inexistência de dano. É que o conceito de dano reparável é uma noção jurídica que reivindica para o seu reconhecimento que a lesão seja relevante, capaz de alterar adversamente as características essenciais do ecossistema. O fato de existirem padrões de emissão de poluentes representa a margem de tolerância imposta pelo sistema jurídico, segundo a qual se presume a não ocorrência de degradação ambiental, pressupondo-se que o
limiar de poluição lançado é passível de assimilação pelo próprio ambiente. Ou seja, trata-se de mero incômodo, que não chega a romper o equilíbrio ecológico, buscando-se aí compatibilizar a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico (art. 170 da CF/88). No entanto, é preciso observar que tais padrões, muitas vezes, são fixados em abstrato e a dose máxima tolerável é estipulada para cada poluente, considerado isoladamente, sem atenção para o fenômeno de sinergia entre os vários tipos de substâncias nocivas que se misturam na natureza e se acumulam nos organismos vivos. Por conseguinte, mesmo observados os padrões de emissão de poluentes, se ocorrer, em concreto, o dano ambiental, assim entendido como desequilíbrio ecológico ou lesão à qualidade de vida e bem-estar da população, haverá o dever de o empreendedor corrigir os efeitos lesivos de sua atividade. Por outro lado, importa também notar que o mero des-
cumprimento dos padrões de emissão enseja uma presunção de ocorrência de dano ambiental, por força do art. 3º, inc. III, “e”, da Lei 6938/81, que trata como poluição a transposição do limite máximo de emissão de poluentes e o descumprimento das condicionantes do licenciamento ambiental. Neste caso, inafastável será a incidência de responsabilidade civil. E o Poder Público, responsável pelo licenciamento? O art. 3º, inc. IV, da Lei 6938/81, define como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Diante disso, se houver nexo de causalidade adequado entre a omissão do Poder Público na imposição de condicionantes, no âmbito do licenciamento ambiental, capazes de controlar adequadamente os riscos da atividade, poderá ocorrer sua responsabilidade solidária pelo dano ambiental. É o caso, por exemplo, da possível dispensa ilegal de Estudo de Impacto
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A responsabilidade civil ambiental, instituto criado pela Lei 6938/81, é um dos instrumentos que mais tem contribuído para a efetividade geral das normas ambientais, proporcionando a prevenção contra riscos e danos ao ambiente, num cenário forjado pela sociedade de riscos, em que se torna imperiosa a necessidade de impor ao poluidor o dever de internalizar em seu processo produtivo os custos com prevenção e recuperação da degradação ambiental, numa expressão do princípio do poluidor-pagador. Neste contexto, indaga-se: e as empresas que não se enquadram no conceito de poluidoras, já que estão operando em conformidade com as normas ambientais, cumprindo os parâmetros impostos em suas licenças de operação? Poderão ser responsabilizadas pelos danos ambientais decorrentes de sua atividade? A resposta é afirmativa. O art. 225, parágrafo 3º, da CF/88, recepcionou a regra da responsabilidade objetiva, instituída pelo art. 14, parágrafo 1º, da Lei
Ambiental como condição ao licenciamento; ou deficiência na análise dos projetos encaminhados pelo empreendedor. O Poder Público ainda será solidariamente responsável pelo dano ambiental em decorrência de omissão no exercício de poder de polícia, pois tem o dever de fiscalizar as atividades e combater a poluição em todas as suas formas. * Promotora de Justiça de Meio Ambiente de Porto Alegre, Mestre em Direito/ UFPR
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Regras sociais ou de cortesia Sílvio de Salvo Venosa*
A vida em sociedade impõe certas regras de conduta que ficam a certa distância do Direito e também não pertencem à Moral, embora possam eventualmente fazer parte dela. São as denominadas regras sociais, usos decorrentes do decoro ou da polidez; também da higiene. Deve, nesse campo, também ser levado em conta o que se denomina a “linguagem do corpo”. O corpo fala: num cumprimento, numa saudação ou numa ofensa. Essas regras, distintas das jurídicas e das morais, costumam ser denominadas regras sociais ou de cortesia, mas também podem ser referidas como máximas da vida social, normas de urbanidade, regras de decoro social, convenções sociais, hábitos consagrados etc. Não é muito simples distinguir essas regras de menor espectro das normas morais, pois seus campos interpenetram-se, até mesmo atingindo o campo jurídico. Há autores que negam que possam essas regras formar um terceiro gênero, qual seja, uma situação intermediária entre Moral e Direito. Não são raras normas jurídicas, é bem verdade, que interferem nessas condutas, impondo ou proibindo certos comportamentos sociais que a priori deveriam passar ao largo do Direito. É recente o
exemplo de legislação francesa seja mais ou menos harmoniosa. do grupo, também guardam que proibiu vestes de cunho Essas regras de cortesia também imperatividade e não podem ser religioso nas escolas, atingindo, pertencem, sem dúvida, ao mundo desconhecidas do intérprete quanprincipalmente, o véu islâmico. normativo. São simples normas do ora e vez apresentam reflexos Dessa forma, quando, a critério do de convivência destinadas a jurídicos. Essas regras podem ser legislador, esses usos interferirem torná-la mais agradável e gozam convertidas em normas jurídicas na convivência social, podem ser também de sanção, que se traduz quando, por exemplo, estabelecese em um templo religioso que é numa reprovação social. transformados em lei. O desrespeito a essas regras, proibido o ingresso de pessoas Como regra geral, porém, ninguém pode ser obrigado a ser que não tocam diretamente à com este ou aquele traje, ou em cortês, a vestir determinada indu- Moral ou o Direito, mas podem uma fábrica, quando se exige que mentária, a cumprimentar outrem. relacionar-se com eles, acarreta o os operários tomem banho ou troquem de uniforme Sob esse ponto de antes de ingressar vista, essas regras em determinado de conduta são es“Como regra geral, porém, ninguém ambiente. pontâneas, e não pode ser obrigado a ser cortês, Tudo isso não é coercíveis; da messomente instintivo, ma forma que as a vestir determinada indumentária, mas secretamenregras morais. Os a cumprimentar outrem.” te regulado. São que desrespeitam fenômenos de psiessas regras sofrem cologia social que reprimenda social, censura ou desprezo, mas não desajuste social perante o grupo. aderem a determinado grupo em podem ser obrigados a agir desta Assim, por exemplo, na maioria torno de sua convivência harmodos povos civilizados, não se niosa. São os chamados folkways, ou daquela forma. As regras sociais impõem admite que se inicie uma refeição mencionados por sociólogos nordeterminada postura, comporta- sem lavar as mãos. É desajustado te-americanos, maneiras de viver mento, saudação ou vestimenta, o indivíduo que comparece a do grupo, de se vestir, alimentar, dependendo do local e do nível evento em que convencional- conversar, relacionar etc. Daí por social. Assim também a moda, mente se exige traje formal com que ao estrangeiro, que não é dado que exige determinada modalida- sandálias e em andrajos. Esse conhecer prontamente esses usos, de de traje em local, hora e even- desajuste, por vezes, é acintosa- não deve a sociedade reprová-lo, tos apropriados. São todos, sem mente utilizado por grupos que enquanto não inserido no seu dúvida, princípios de adequação precipuamente desejam chocar contexto. Como apontamos, embora social, os quais, assim como o e afrontar as regras so-ciais e por Direito e a Moral, completam isso mesmo são marginalizados. essas regras sociais não sejam a convivência e permitem que Essas regras sociais, conhecidas geralmente regras jurídicas, o
Direito delas se utiliza, quando necessário, para adequar a interpretação do Direito ao caso concreto. O Direito pode apropriar-se de qualquer regra social, se o legislador entender oportuno e conveniente. Ademais, note-se que não é indispensável que essas regras de comportamento social ou cavalheirismo sejam praticadas com sinceridade. Assim, atendem às regras de etiqueta tanto aquele que cumprimenta o amigo com carinho na alma, como aquele que cumprimenta o inimigo mascarando o ódio. A hipocrisia faz parte da convivência em todas as áreas. Destarte, seja a lisonja verdadeira ou falsa, o que importa para o convívio é unicamente a exterioridade do ato social nesse caso; não importa o seu conteúdo. Nesse ponto, coincide com o Direito, mas as regras de cortesia não possuem a bilateralidade e a atributividade, porque não se pode exigir o seu cumprimento. * Sílvio de Salvo Venosa, foi juiz no Estado de São Paulo, aposentou-se como membro do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, atualmente é consultor e assessor de escritórios de advocacia, foi professor em várias Faculdades de Direito em São Paulo e é membro da Academia Paulista de Magistrados.
Justiça Federal, competência e perspectivas Vania Hack de Almeida*
A Justiça Federal é justiça comum, com a competência definida na Constituição Federal. Como regra, competelhe o julgamento de ações nas quais a União Federal, suas autarquias, fundações e empresas públicas federais figurem na condição de autoras ou rés e outras questões de interesse da Federação previstas no art. 109 da Constituição Federal (disputa sobre direitos indígenas, crimes cometidos a bordo de aeronave ou navio, crimes praticados contra bens, serviços ou interesses da União, causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional, os crimes políticos e etc). Também lhe compete o processo e julgamento das causas relativas a direitos humanos, consoante recente dispositivo, fruto da Emenda Constitucional nº 45/04, a denominada reforma do Poder Judiciário. A Lei nº 10.259/01 insti-
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tuiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal com atribuições de processar e julgar em matéria cível, causas que sejam de pequeno valor (até 60 salários mínimos), ou em matéria criminal, os crimes de menor potencial ofensivo (cuja pena não ultrapasse 2 anos de reclusão). Somente no Estado do Rio Grande do Sul a Justiça Federal conta com aproximadamente 140 juízes federais (incluindo os substitutos) e 70 Varas Federais, distribuídas em varias cidades além da capital, em um processo acentuado de interiorização da Justiça Federal de primeiro grau. Também encontra-se já aprovado pelo Conselho Nacional, sob a forma de recomendação, a criação e implantação de no mínimo 230 novas unidades, entre varas e juizados, observadas prioridades regionais e necessidades apontadas em parecer elabo-
rado pelo conselho. O estudo decorre da análise de um pedido de providência quanto ao Projeto de Lei 5.829/05, que trata da criação de novas varas dos juizados federais e alargamento do quadro de servidores. A adequada estrutura e instrumentalização da Justiça Federal se faz necessária, porquanto a Constituição Federal consagrou a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação como garantia fundamental dos cidadãos (art. 5º, inciso LXXVIII). Dessa forma, a perspectiva da criação de novos cargos, aliada ao fato de que quase anualmente se tem realizado concurso público para o provimento de cargos de juiz federal pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, tem atraído profissionais do direito que buscam a honrosa profissão da magistratura. Por isso mesmo, os jui-
zes federais devem possuir um profundo e atual conhecimento do direito público, principalmente o direito constitucional, administrativo e tributário, matérias que constituem a realidade
concreta dos processos que tramitam perante a Justiça Federal. * Juiza federal em Porto Alegre, atualmente está convocada perante a 3ª turma do TRF 4.
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