UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
COMPRAR E CONVIVER
OS MERCADOS PÚBLICOS COMO ESPAÇOS DE TROCA NA CIDADE CONTEMPORÂNEA CAROLINA CARACCIOLO GONÇALVES
ORIENTADORES: LUCIANA OLIVEIRA SAMI BUSSAB DEZEMBRO DE 2017
AGRADECIMENTOS A vida é feita de trocas. Elas não acontecem só dentro dos mercados públicos, como eu pretendo explicar a seguir. Elas acontecem a toda hora, em todo lugar, por isso, é impossível viver sozinho. É impossível idealizar, pensar e executar arquitetura, sozinho. E é impossível tornar-se arquiteto sozinho. Por isso, agradeço a todos que fizeram parte desse processo. Aos meus pais, meu irmão e minha família, que nortearam a minha formação enquanto indivíduo e me deram toda a base para a minha formação enquanto profissional. Aos arquitetos -professores ou não- que serviram de referência e que sempre são fonte de conhecimento, inovação e inspiração. Aos meus colegas, que compartilharam momentos de alegria e também sofrimento durante os anos de graduação. Aos meus amigos, que acompanharam por meio de relatos, cada perrengue e conquista e que me ouviram recusar convites tantas vezes porque “ Não posso, tenho que fazer projeto”. A todas as pessoas, que fazem da minha, ou de tantas outras cidades, lugares diversificados, vivos e interessantes. É para cada um de vocês que inicio, a partir de agora, meu trabalho como arquiteta.
ÍNDICE
05 INTRODUÇÃO 1: COEXISTINDO 12 CAPÍTULO O abastecimento nas cidades e a relação entre mercados públicos e supermercados
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1.1. A HISTÓRIA DO COMÉRCIO POPULAR EM SÃO PAULO -ESTUDO DE CASO: MERCADO DE PINHEIROS
2: RESISTINDO 52 CAPÍTULO A permanência dos mercados públicos na cidade contemporânea
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-ESTUDO DE CASO: MERCADO SANTA CATERINA
3: ADAPTANDOO 78 CAPÍTULO O consumo e como a arquitetura absorve os novos padrões da vida cotidiana
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-ESTUDO DE CASO: MERCADO DE PONTE DE LIMA
4: RE-INSERINDO 102 CAPÍTULO Uma nova proposta de mercado público para a cidade de São Paulo
134 ÍNDICE DE IMAGENS 138 BIBLIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO Historicamente um participante fundamental da forma do espaço urbano, desde o início das civilizações, o comércio tem uma relação de simbiose com a cidade, ambos são causa e efeito da mesma centralidade, que pressupõe o fluxo de pessoas e mercadorias. O mercado público assume um papel significativo no impulsionamento da urbanidade das cidades, desde o surgimento do comércio como cerne da economia formadora de centros urbanos. É um equipamento democrático, um cenário onde se misturam, em um mesmo espaço, tradição, comércio e relações humanas. Sobre o significado e importância dos Mercados Públicos, Guàrdia & Oyón (2010, p. 12) escrevem que, Ao falar dos mercados é, em rigor, fazer uma observação metodológica. Nesse termo se reúnem muitos significados; na realidade, é um unificador fictício de coisas muito diferentes. Pode referir-se a fenômenos estritamente arquitetônicos –como o próprio edifício que abriga a atividade que denominamos mercado- à própria atuação de intercâmbio de compra e venda de produtos alimentícios, ou ao papel de tal ação no sistema mais geral de abastecimento urbano, e assim sucessivamente. A polissemia da palavra oferece suas vantagens. Devido a seus muitos significados, o mercado oferece muitas possibilidades de análise. Isso faz com que seja um observatório privilegiado da arquitetura, da cidade e da sociedade de seu tempo.
Neste sentido, o estudo dos Mercados – enquanto formas comerciais – se faz necessário, pois, segundo Pintaudi (2006, p. 1) “[...] as formas comerciais (estrutura e função incluídas) têm uma duração no tempo e o seu 5
movimento requer permanente reinterpretação”. Guàrdia & Oyón (2010) nos auxiliam a reforçar a importância de se estudar os Mercados, mostrando a relação dos mesmos com as transformações no e do espaço e na e da sociedade. Os mercados cobertos significam a reforma da vida do tradicional mercado ao ar livre e a reorganização funcional das ruas, além de impactar economicamente, na medida em que introduziu novas formas de distribuição dos alimentos, novos edifícios e mudanças na relação da população com sua qualidade de vida e alimentação. (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.12 e 13) O mercado público, em sua essência, surgiu com as primeiras civilizações e, ao longo da história, foi se consolidando com um espaço econômico, político e social dentro da cidade. Desde as primitivas trocas de excedentes, passando pelos bazares árabes e evoluindo sua forma até chegar aos dias atuais, o equipamento de mercado se mostra como um espaço democrático. Em um contexto mais moderno, a partir do século XX, ele tem sido cada vez mais substituído por supermercados, um modelo mais globalizado e de mais fácil implantação, mas não necessariamente encarado de forma positiva, já que envolve um processo de “homogeneização” que leva à perda da identidade, ligada à origem do espaço de troca comercial- distanciando o consumidor da tradição local. A ampliação e constante transformação das cidades contemporâneas, em ritmo acelerado, criou necessidades que antes não existiam. A dispersão urbana disseminou a necessidade de pulverizar mais equipamentos comerciais em diferentes setores da cidade, de forma a atender às demandas locais com a máxima eficiência. Esse processo levou à uma distribuição de equipamentos padronizados cujo papel é exclusivamente funcional, referindo-se apenas ao abastecimento. O resgate do mercado público como equipamento essencial, refere-se a sua capacidade de funcionar como um espaço que não se limita ao uso para compras e circulação de mercadorias. 6
Ele é também um espaço social, uma vez que circulam pessoas, comerciantes e consumidores que, além de realizarem a troca de mercadorias, realizam também a troca de experiências, de conhecimentos, configurando-o como um espaço de sociabilidade. Aqui, as relações são interpessoais e se estabelecem através de um contato direto. É um lugar que carrega consigo tradições familiares, que vão desde a forma de comercializar as mercadorias até a maneira de abordar o consumidor. Trata-se de um espaço que possui uma história, na qual, os frequentadores se reconhecem ou a associam ao próprio desenvolvimento de sua cidade. Dessa maneira, podemos enxergar o confronto entre os mercados públicos e super/hipermercados, como um choque entre velho e novo, entre um modelo antigo que vem se reinterpretando e um modelo atual, delimitado pelas novas necessidades de consumo da população. Os Mercados surgem em diferentes momentos da história e o mais importante, no caso da cidade de São Paulo, eles permanecem. Além dos mercados, também é de grande importância a discussão acerca das feiras livres, na medida em que no Brasil, elas são uma realidade e envolvem significativos fluxos de mercadorias, pessoas e informações, promovendo integração entre áreas rurais, e pequenas, médias e grandes cidades, através de uma atividade ainda hoje importante para muitas pessoas. Por isso, em diversos locais, as feiras ainda são o principal local de comércio da população. Segundo Correa, os mercados periódicos são um dos modos de organização da rede de localidades centrais em países subdesenvolvidos, definindo-os como: [...] aqueles núcleos de povoamento, pequenos, via de regra, que periodicamente se transformam em localidades centrais [...]. Fora dos períodos de intenso movimento comercial, esses núcleos voltam a ser pacatos núcleos rurais,
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com a maior parte da população engajada em atividades primárias (CORRÊA, 2001, p. 50).
Independentemente de posições e classes sociais, as manifestações de comércio popular, como feiras livres e mercados públicos, são acessíveis a toda a população e é nesse espaço onde acontecem diversas formas de interação sociocultural de uma sociedade. Quando inserido no tecido urbano respeitando os fatores urbanísticos e sociais existentes, o mercado pode ir além de suas características primárias e passar a ser um equipamento de articulação dentro do bairro e da cidade. Diversas funções podem ser atribuídas a ele, inclusive a de potencializador de urbanidades e legitimador de coletividades. A escolha do tema, portanto, contempla a necessidade de se buscar compreender que lugar e importância esses equipamentos possuem no modelo de cidade em voga atualmente e como é possível articular uma convivência entre essas tipologias e o cenário econômico, urbanístico e espacial recorrente, buscando promover espaços públicos mais saudáveis, através de um elemento que promove o convívio social.
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O ABASTECIMENTO NAS CIDADES E A RELAÇÃO ENTRE MERCADOS PÚBLICOS E SUPERMERCADOS.
1. COEXISTINDO
CAPÍTULO 1: COEXISTINDO O ABASTECIMENTO NAS CIDADES E A RELAÇÃO ENTRE MERCADOS PÚBLICOS E SUPERMERCADOS. Na indústria alimentícia moderna, pequenos produtores, fornecedores e comerciantes dividem o mesmo problema: eles são como relíquias de uma era passada. No passado, as cidades eram alimentadas por milhares de indivíduos que traziam os produtos por conta própria para o mercado, ou os vendiam a comerciantes que o faziam. O abastecimento de alimentos era de importância tão vital para as cidades que a maior parte das leis existentes serviam para prevenir que alguém conquistasse um monopólio sobre determinado alimento ou atuasse em mais de uma etapa da corrente de abastecimento. Segundo Steel (2008, p.61), por exemplo, os padeiros de Paris não podiam moer seu próprio grão e moleiros não podiam assar pães ao passo que nenhum dos dois poderia comercializá-lo. Essa realidade não poderia ser mais distante do modo como as cidades são abastecidas hoje em dia. A maioria dos alimentos que consumimos atualmente é produzida e distribuída por vastos conglomerados, descritos pelo sociólogo americano Bill Heffernan como “food clusters”: empresas que controlam o sistema de abastecimento por todo o seu percurso, desde manipulação genética dos produtos até as prateleiras dos supermercados. Essas companhias não lidam apenas com um aspecto dessa corrente; elas espalham suas operações ao longo de todos os processos, usando fusões e aquisições para atingir a chamada “integração vertical” dentro do sistema de abastecimento –exatamente o que as leis parisienses do século XVIII tentavam prevenir.
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[1] Ilustração do funcionamento e organização dos primeiros mercados medievais
O termo “food clusters” pode não soar familiar, mas todos conhecem o seu produto final: os supermercados. Os supermercados foram inventados no início do século XIX por companhias americanas que trabalhavam com processamento de alimentos e buscavam uma forma de comercializar seus produtos, existentes em grandes volumes e de longa duração, da forma mais economicamente eficiente. Essa tipologia não evoluiu muito ao longo de seus anos de história: os primeiros eram galpões construídos nas áreas periféricas da cidade –para facilitar o acesso de caminhões que faziam o transporte dos produtos- com fileiras de produtos no interior e rodeados por enormes estacionamentos. Na época de seu primeiro aparecimento, assim como hoje em dia, o alvo não era encantar as pessoas, mas transferir a comida produzida na indústria para o consumidor da forma mais eficiente possível e, para esse objetivo, o modelo obteve mais sucesso do que esperado. 13
O ato de ir ao supermercado comprar comida é quando a maioria de nós toma consciência dessa cadeia pela primeira vez, pois é esse o momento em que ela traz um impacto direto em nossas vidas. Com suas prateleiras cheias e séries de corredores e caixas, os supermercados são o meio pelo qual essa super-indústria global de alimentos entra em nossas cidades e é transferida à escala individual. Do ponto de vista dos supermercados, essa última etapa é a mais difícil de todas, pois é a que menos se adequa a seu modelo. A escala humana não é sua principal preocupação, assim como também não é, o desenho particular de cada centro urbano. Ambos estragam a economia de escala na qual se apoiam seus lucros. Os supermercados estão, hoje, tão incorporados na nossa vida cotidiana que torna-se difícil lembrar como eram as cidades antes deles aparecerem. Para quem nasceu depois de 1980, açougueiros, padeiros e verdureiros podem parecer tão remotos quanto a vida prévia à existência de celulares e computadores. No entanto, apenas uma geração atrás, as ruas de comércio eram os centros sociais dos bairros urbanos, e comprar comida era um momento para trocar notícias e fofocas. Os supermercados hoje são estações de serviço totalmente impessoais: espaços de paradas rápidas, projetados para servir o fluxo da vida. Disseminam estilos de vida individualizados, não sociabilidade; uma característica que compartilham com ipods e computadores. A internet pode ser uma grande ferramenta de comunicação, mas não pode substituir a conexão que sentimos quando encontramos pessoas ao vivo. É por isso que a comida é tão poderosa. Ela nos reúne no espaço físico, forjando laços que outras mídias não podem alcançar. Ao contrário desse modelo, os mercados públicos são a forma de troca de produtos existente nas cidades desde a antiguidade e se, ainda hoje, eles continuam no espaço urbano é por conta do fato de poderem dialogar com outras formas comerciais mais modernas. Aonde 14
quer que eles sobrevivam, os mercados públicos trazem uma qualidade à vida urbana que é cada vez mais rara: um senso de pertencimento, envolvimento e caráter. Eles nos conectam à um estilo de vida pública quase anciã. As pessoas sempre buscaram o espaço do mercado como um lugar para socializar, além de comprar alimentos, e a necessidade de espaços como esse, onde o indivíduo pode misturar-se, é tão grande hoje quanto sempre foi – discutivelmente, até maior, já que as oportunidades na vida moderna são cada vez menores. Segundo Pintaudi, Todas as culturas adotaram essa forma de troca de produtos e o fato de se realizar esporadicamente, periodicamente ou de maneira perene e com local apropriado para esse fim, dependia das mercadorias que ali se trocavam e da necessidade de se realizar a troca com certa freqüência, do deslocamento possível nos diferentes momentos históricos e da importância que o local representava para o abastecimento da cidade e da sua região de abrangência. (PINTAUDI, 2006, p.84)
É impossível separar o comércio de alimentos e o processo de formação das cidades. Sobre o tema, Steel aponta: Olhe para a planta de qualquer cidade construída antes das ferrovias, e você será capaz de rastrear a influência dos alimentos. Está gravado na anatomia de cada plano urbano pré-industrial: todos têm mercados no coração, com estradas que levam a eles como artérias que transportam a força vital da cidade. (STEEL, 2008, p.118)
A partir do século XIX, quando as comunicações a maiores distâncias se tornam mais corriqueiras, através 15
de ferrovias, os locais de vendas sofrem alterações significativas através da concentração e centralização do capital privado. Até essa época, nas cidades, os mercados eram os locais importantes para o abastecimento de todo tipo de produtos, já que concentravam espacialmente a atividade, além do que significavam momentos de trocas não materiais que ‘abasteciam’ outras esferas da vida em sociedade, criando uma forte relação entre o indivíduo e o local. Essa sensação de pertencimento e ligação com o espaço físico pode ser observada em diferentes contextos. Como exemplo desse fenômeno, Steel (2008, p 114) cita um trecho do trabalho de Jane Jacobs: Em seu estudo seminal de 1960, “A morte e a vida das grandes cidades americanas”, Jane Jacobs descreveu o “ballet da rua Hudson”: a vida diária no bairro de Greenwich Village, onde ela morava em Nova York. Com suas misturas de casas, lojas e pequenos negócios, a rua era animada em momentos variados por pessoas que realizavam suas rotinas diárias: os cafés estavam lotados ao meio-dia com os trabalhadores das fábricas almoçando; as lojas eram agitadas de manhã e à noite quando os moradores locais faziam suas compras. Jacobs argumentou que a miríade de trocas pessoais que aconteciam todos os dias na rua criava um forte senso de identidade local; um senso de propriedade comunal que encorajava as pessoas a cuidar da rua e, por extensão, umas das outras. (STEEL, 2008, p.114).
O papel da vizinhança na produção da consciência também é mostrado por J. Duvignaud (1977, p.20), quando identifica na “densidade social” produzida pela fermentação dos homens em um mesmo espaço fechado, uma “acumulação que provoca uma mudança surpreendente” movida pela afetividade e pela paixão, e levando a uma percepção global, “holista” do mundo e dos homens. 16
[2] Imagens das ruas de Nova York nos anos 1960, época em que Jane Jacobs observou e escrever sobre os fenômenos sociais nos espaços públicos.
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Nas metrópoles, a copresença e o intercâmbio são condicionados pelas infraestruturas presentes e suas normas de utilização, pelo mercado territorialmente delimitado e pelas possibilidades de vida cultural localmente oferecidas pelo equipamento existente. O intercâmbio afetivo entre pessoas é a matriz da densidade social e do entendimento holístico referidos por Duvignaud (1977) e que constituem a condição desses acontecimentos infinitos, dessas solicitações inumeráveis, dessas relações que se acumulam, matrizes de trocas simbólicas que se multiplicam, diversificam e renovam. Os mercados, historicamente, já foram o núcleo das cidades. Agora, estamos construindo supermercados no meio do nada, colocando casas ao redor deles, e chamando-os de cidades. Talvez, isso não possa ser encarado com surpresa - a comida sempre moldou as cidades, por que deveria ser diferente agora? Mas há uma diferença. Os alimentos costumavam ser as mercadorias existentes mais altamente reguladas; agora estão esmagadoramente em mãos corporativas. Os supermercados detêm o mesmo monopólio sobre os alimentos que os mercados públicos uma vez tiveram, mas ao contrário dos mercados, eles não têm papel cívico a desempenhar. Eles são negócios, empresas, com apenas uma coisa em mente: ganhar dinheiro. Porque precisamos comer, os supermercados estabelecem conosco uma relação de dependência: onde quer que construam suas lojas, nós devemos seguir. O controle do abastecimento dá controle sobre o espaço e sobre as pessoas - algo que nossos antepassados conheciam bem, mas parece que nos esquecemos.
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[3] Mapas que apontam as localizações dos “marcos zeros” e dos mercados públicos mais próximos a eles, nas cidades de São Paulo e Madrid, respectivamente.
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Supermercados, na realidade, não são muito compatíveis com as cidades. Os primeiros, nos Estados Unidos, nem se aventuravam a adentrar a malha urbana: se posicionavam nos arredores e esperavam os clientes dirigirem até eles. Muitas décadas depois, o comércio varejista fora da cidade continua a ser o ideal para os supermercados, porque permite que eles mantenham o que fazem de melhor: provêm alimentos a preços baixos e os movimentam em massa, e deixam os consumidores fazerem o resto. Dado que a função pública dos centros históricos das cidades era principalmente a compra e venda de alimentos, os supermercados estão em desacordo não apenas com ruas de comércio local, mas com o próprio conceito do que é uma cidade. [4] Imagem de 1930, que mostra o supermercado King Kullem, o primeiro a ser inaugurado em Nova York.
[5] Memphis, Tennessee. Imagem do interior da loja Piggly Wiggly, a primeira loja estilo sef-service a ser inaugurada, em 1916. Foto de 1918.
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Nos Mercados, apesar de a mercadoria estar reunida no mesmo espaço, a sua distribuição e transporte ocorre através de pequenos comerciantes, que atuam em ramos diferentes, enquanto nos supermercados, todos os produtos vêm da mesma fonte, representada pelo proprietário do estabelecimento, que responde por todas as mercadorias à venda, num modelo monopolizado. É dessa forma que ocorre a centralização do capital, na medida em que, nos supermercados, esse montante está concentrado nas mãos de um único indivíduo, ou, no caso das grandes redes, existe um grupo que é responsável por esse capital. Nos mercados públicos, o capital é distribuído. Ele circula pelos diversos estabelecimentos comerciais ali instalados, conformando um espaço que reúne pequenos comércios, com um volume de capital inferior àqueles empregados nos supermercados. Um aspecto que marca definitivamente a diferença entre os dois equipamentos é a mediação do vendedor, que faz a ponte entre a mercadoria e o consumidor. Nos mercados públicos eles desempenham um papel fundamental, que ajuda a caracterizar o aspecto social desses espaços. Eles, entre outras capacidades, conseguem transmitir ao consumidor, informações que vão além da simples mercadoria, desde o modo como ela foi cultivada até indicar o melhor momento para consumir determinada fruta. Enquanto isso, nos supermercados, os vendedores são raras exceções nas seções de vinho, por exemplo, e também não estão disponíveis em todas as lojas, colaborando com o modelo de comércio impessoal já citado anteriormente. A propriedade do espaço também é um aspecto que traz diferenças. Os locais, nos quais estão instalados os supermercados, quando não são de propriedade do próprio estabelecimento, o espaço é alugado. Já nos Mercados Públicos, o espaço é concedido, por meio de licitação, a permissão de uso do espaço, configurando como uma espécie de aluguel, ou seja, o comerciante paga ao 21
Estado pelo espaço do box e o Estado, por sua vez, concede ao comerciante a permissão de uso daquele espaço, por isso, os comerciantes do Mercado são chamados de permissionários. No Estado de São Paulo, a entrada de novos permissionários no Mercado é feita via licitação pública – realizada pela Prefeitura, por meio da Supervisão de Abastecimento – que ocorre da seguinte forma: o administrador do Mercado pesquisa qual o ramo de atividade é necessário e solicita junto à Supervisão a abertura de licitação para aquele determinado ramo. A licitação é publicada em diário oficial. Os comerciantes entregam toda a documentação necessária e, após análise pela equipe técnica da Supervisão, o comerciante que tiver a documentação mais completa e regularizada ganha a licitação. No entanto, em hipótese alguma, o permissionário se torna proprietário do espaço. Um importante aspecto a se destacar refere-se ao fato de os supermercados possuírem marca, ao contrário dos mercados públicos. Enquanto os supermercados têm sua própria marca ou pertencem a uma rede, os mercados públicos são apenas reconhecidos pelo o que são, por sua história ou mesmo pelo período de tempo a que existem. Por trás das mercadorias comercializadas nos mercados existe uma história vinculada a quem faz a venda, estabelecendo uma conexão entre o comerciante e o produto em questão. Esse tipo de conexão não parece estar presente nos supermercados, nem mesmo naqueles que possuem mercadorias de fabricação própria. Mesmo não sendo equipamentos comerciais recentes –começam no Brasil em meados da década de 50- os supermercados não estabelecem raízes com o espaço em que se encontram e, até mesmo pela questão da homogeneidade na apresentação visual e organização do espaço, não constroem nenhuma relação de identidade com a população que abastece. Em um estudo sobre o caráter dos mercados públicos da cidade de São Paulo, Ana Alice Vieira escreve, baseada numa série de entrevista com frequentadores que: 22
[6] Representação de um típico espaço interior de um s u p e r m e rc a d o . Destaca-se o volume de mercadorias e o uso de estímulos visuais.
Um exemplo claro, evidenciado nas entrevistas, é a fidelidade do consumidor. Enquanto nos Mercados, a grande maioria disse frequentar devido à qualidade das mercadorias, bom atendimento e pela própria relação de amizade que acabaram construindo com os comerciantes; quando perguntado sobre os supermercados, disseram frequentar uma ou outra marca apenas em busca do melhor preço. Alguns se referiram aos supermercados como sendo um local frio, no qual não é possível se construir uma relação, uma identidade, isto é, trata-se de um lugar que possui uma alta rotatividade de pessoas, portanto, a construção de uma identidade se torna ainda mais difícil. (VIEIRA, 2014, p.161)
O conceito de repetição também aparece ao se falar de supermercados e pode ser reconhecido em diversos aspectos, desde estrutura, forma e função. 23
As grandes redes se espalham pelo espaço, mantendo o mesmo modelo; podem variar no tamanho e localização, mas sua estrutura é sempre a mesma, é repetida. No interior das lojas, a disposição das mercadorias é a mesma, as seções são as mesmas. Os supermercados se repetem no espaço sem nenhuma identidade que não seja sua própria marca.
[7] Repetição e padronização dentro dos supermercados.
Essa repetição não pode ser encontrada ao se tratar de mercados públicos. Cada um possui uma estrutura diferente, uma disposição e presença diferentes de unidades comerciais. Como observa Vieira, Uma determinada mercadoria pode até ser a mesma num Mercado e noutro, pode provir do mesmo fornecedor, no entanto, a forma de comercializá-la difere de Mercado para Mercado. São inúmeros comércios, porém, cada qual com a sua história particular, isto é, existem várias peixarias num mesmo Mercado, mas todas são diferentes umas das outras. Isso confere aos Mercados uma identidade própria. Eles não possuem marcas nas fachadas e nem estrutura repetida, mas cada um é conhecido e reconhecido tanto pelo comerciante quanto pelo consumidor.(VIEIRA, 2014, p.162)
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Se estamos tratando de formas comerciais tão diferentes entre si, pode-se levantar o questionamento sobre como se dá, então, a concorrência entre elas. Não há apenas um fator que determina essa resposta, porém, é possível citar o preço como primeiro elemento. Por seguir um modelo industrializado e monopolizado, os supermercados conseguem comprar mercadorias em quantidades muito maiores que os mercados públicos e, por isso, oferece-las ao consumidor por um preço final mais baixo, além de uma maior rotatividade de mercadorias. A oferta de serviços também é um diferencial. Com o intuito de facilitar cada vez mais o consumo, assim como poupar tempo no dia a dia, os supermercados introduziram a venda pela internet. Há algum tempo, o consumidor pode realizar suas compras sem sair de casa, se desejar. Essa escolha não substitui de nenhuma forma a experiência de visitar um mercado e entrar em contato direto com a mercadoria, porém com a aceleração da vida cotidiana e com a valorização da praticidade, ela é cada vez mais comum. Com o crescimento e o espraiamento da cidade, o indivíduo teve de se acostumar a percorrer, cada vez mais, distâncias maiores, principalmente no trajeto casa-trabalho-casa. Esse costume, aliado ao trânsito excessivo, faz com que o indivíduo prefira, pelo menos nas demais atividades rotineiras, economizar tempo e deslocamento. Dessa forma, se dado a escolha de fazer suas compras em um supermercado próximo de sua casa ou em um mercado público que está mais distante, ele provavelmente irá escolher a primeira opção. Como já mencionado anteriormente, os supermercados existem em maior quantidade e se reproduzem com maior facilidade, sendo assim, equipamentos de mais fácil acesso e, por isso, preferidos. Sobre essa concorrência entre mercados públicos e supermercados, Vieira ressalta que:
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[...] ela aparece não como mera disputa entre formas que concorrem no mesmo ramo de atividade, mas principalmente, pelo fato de que os supermercados começam a aparecer na cidade de São Paulo, num determinado momento da história, no qual, os Mercados Públicos, principalmente o Mercado Central, não conseguem garantir o abastecimento da população e começam a passar por um período de decadência. (VIEIRA, 2014, p.166)
Os supermercados podem fazer o capital circular em determinadas regiões onde antes não existia atividade, mas a “regeneração urbana” que eles oferecem é realmente destruição urbana. Os supermercados estão mudando a textura social e física das cidades, e com ela a própria natureza da urbanidade. Os centros de cidade tradicionais suportam uma pátina densa de lojas e de comércios locais: como o uso misto descrito por Jane Jacobs. As ruas são os blocos de construção das cidades, fornecendo algo que os supermercados nunca podem fornecer: um espaço comum com o qual as pessoas se identificam, no qual têm uma participação. Acima de tudo, as ruas são espaços partilhados: tanto no seu uso como na sua propriedade, constituem a base do domínio público urbano. Não é por acaso que a “vida nas ruas” é sinônimo do zumbido social de uma cidade movimentada e que não existe um termo equivalente para os subúrbios. O ideal suburbano sempre foi de autonomia: propriedade privada de sua casa e jardim, garagem e carro. Agora, os supermercados estão estendendo essa noção para a habitação urbana como um todo. Dessa forma, os mercados públicos resistem no espaço e no tempo se metamorfoseando, como defende Pintaudi. Para a autora, o questionamento sobre essa determinada forma nunca ocorreu por conta de sua função como local de abastecimento, mas ele surge [...] quando ela passa a se desfazer, quando ela chega aos limites de sua existência enquanto forma (incluída sua estrutura e função) recon-
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[8] Organização dos espaços internos e mercadorias nos supermercados.
hecida e apropriada socialmente para a reprodução da sociedade. Quando esse costume sofre uma ruptura com a presença de outras formas de abastecimento, mais modernas, surgem como possibilidades a metamorfose do mercado público, que passa a ser apropriado como lugar “tradicional”, onde se pretende produzir uma “identidade” para a sociedade, ou então o desaparecimento dessa forma da paisagem urbana e, conseqüentemente, do imaginário. Essas possibilidades concretizam-se como tendências já que nada se efetua de modo pleno. (PINTAUDI, 2006, p.82)
Os mercados públicos permanecem, mas sem perder suas peculiaridades. Em um movimento contrário, eles acabam por coloca-las em evidência, como diferenciais, para garantir sua sobrevivência. Nesse aspecto, se faz necessária uma discussão sobre o consumo pois, no cenário econômico atual, ele ganhou centralidade e pode-se afirmar que a sobrevivência dos mercados públicos está ligada ao novo modelo de consumo, no qual, os signos, a ideia de exclusividade e de aparência desempenham um papel fundamental na interlocução entre mercadoria e consumidor.
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1.1. A HISTÓRIA DO COMÉRCIO POPULAR EM SÃO PAULO Na cidade de São Paulo, em meados do século XIX, apesar da hegemonia da produção do café, o cultivo de alimentos voltados para o mercado interno era de grande importância. Neste período, havia um cinturão de chácaras e campos em torno da cidade. O comércio era realizado em lojas ou vendas e, em sua maioria, por quintandeiras, mulheres negras que armavam seus tabuleiros nas ruas, buscando a sobrevivência através da venda de “miudezas” como frutas, verduras, e também de petiscos para consumo imediato. Essa descentralização das vendas dificultava a fiscalização por parte das autoridades, que não conseguiam controlar o abastecimento e a coleta de impostos. Os comerciantes pressionavam a Câmara para que essa combatesse as atividades de varejo pelas ruas da cidade, que representavam concorrência. Além disso, questões de higiene também estavam na prerrogativas da Câmara. Com as transformações na área central, as autoridades passaram a definir locais para o comércio, fora do perímetro do Triângulo Histórico. Essa tentativa de delimitação de locais para a atividade comercial era uma forma de redefinir a ocupação e a divisão da área urbana da cidade, para fazer frente às dificuldades e crescimento da cidade. Com isso, o lado oriental de São Paulo, próximo ao rio Tamanduateí e a uma das entradas da cidade, concentrou os principais pontos de venda de gêneros alimentícios, por estarem próximos aos acessos usados para o abastecimento, como os largos do Carmo e de São Gonçalo.
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[9] Triângulo histórico da cidade de São Paulo e seus principais pontos de referência.
Ainda no século XIX a cidade de São Paulo não possuía um mercado atacadista, pois não se podia considerar “Casinhas” como atacado, era o próprio varejo. Por outro lado, não havia um mercado, nem sequer deste tipo para a venda de alguns gêneros alimentícios, frutas e hortaliças, porque estes produtos eram vendidos pelas ruas por caipiras e que vinham de seus sítios e por pretas que os vendiam em tabuleiros, somente o toicinho e a carne de porco iam diretamente para as “Casinhas” a fim de serem
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redistribuídos. Também em fins do século XVIII e início do século XIX estruturaram-se as feiras fora da cidade, nos locais de pouso de tropas, ou um início de mercado caipira e a feira de Pilatos, no campo da Luz, estabelecida pelo governador Melo Castro e Mendonça. (GUIMARÃES, 1969, p. 23).
O abastecimento de gêneros alimentícios da população era – antes do surgimento do primeiro Mercado Público – realizado pelas feiras. Em 1914, foi criada a feira-livre por meio do ato do Prefeito Washington Luiz. A primeira feira-livre oficial contou com a presença de 26 feirantes e teve lugar no Largo General Osório. Muitos dos mercados tiveram sua origem nas feiras livres que acabaram permanecendo, materializando-se em construções porque a reprodução da vida na cidade e/ou região necessitava de um contínuo suprimento de produtos. [10] Quitandeiras, que vendiam suas mercadorias nas ruas da cidade.
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A concentração dos pontos de venda não impedia os conflitos relacionados ao abastecimento. Na segunda metade do século XIX, a necessidade de um único mercado para a venda de produtos alimentícios era cada vez mais presente. Em 1867, foi construído, próximo ao rio Tamanduateí o primeiro Mercado Municipal de São Paulo, o Mercado dos Caipiras, na antiga Várzea do Carmo. Este localizava-se na esquina da Rua 25 de Março com a Rua General Carneiro, área que representava um limite entre a cidade que crescia e o Brás, com suas fábricas no final do século XIX. A Várzea do Carmo parecia representar uma clara divisão entre a cidade remodelada e seu comércio elegante, em confronto com as fábricas e bairros operários nascentes. Não era coincidência que essa região fosse escolhida para a instalação do mercado central. (SILVA, 2008, p.64)
O mercado voltava-se para o rio, onde os barcos atracavam, sendo que sua parte posterior era formada por arcadas e toldos e, no pátio, eram instaladas diversas barracas. O mercado funcionava diariamente das 5h30 até as 18h. [11] Mercado dos Caipiras, o primeiro Mercado Municipal da cidade de São Paulo, construído na Várzea do Carmo. Foto de 1890
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Vale lembrar que, além da localização próxima às várzeas dos rios para facilitar o transporte das mercadorias, os rios eram também utilizados para o descarte dos restos de peixes, frutas, legumes, ou seja, mercadorias em geral, que estragavam e não poderiam mais ser consumidas. A venda em locais fora do Triângulo ainda era permitida, porém com horário limitado pela parte da manhã. Entretanto, ainda havia uma crescente intolerância com o trabalho das quitandeiras, não apenas devido ao atravancamento das ruas, mas também em relação às novas normas de higiene e limpeza. A possibilidade da permanência das quitandeiras em frente ao novo prédio do Tesouro ou em outro largo na região central foi definitivamente sepultada quando se construiu o mercado de ferro na ladeira do Acu (futura avenida São João) em 1890. (SILVA, 2008, p.70)
Complementando os principais mercados da cidade, foi inaugurado em 1892 o mercado do Largo Riachuelo no Brás. Este formava, com o Mercado Central da rua 25 de Março e o Mercado São João, as centrais de abastecimento da cidade no final do século XIX e o começo do século XX. [12] Mercado São João (ao fundo), visto a partir da Av. São João.
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Ainda que fora do Triângulo, os mercados continuavam a incomodar, sendo associados à imagem da sujeira e da desordem. A desordem provocada era mencionada constantemente nas atas e jornais do período. A estética, a falta de higiene e o perfil dos frequentadores eram apontados como dissonantes à imponência da capital paulista. Assim, por iniciativa do então prefeito José Pires do Rio –durante sua gestão, que foi de 16 de janeiro de 1926 a 23 de novembro de 1930- foi autorizada a construção de um grande mercado central. As obras tiveram início em 1928. Ficou a cargo do arquiteto paulista Francisco de Paula Ramos de Azevedo a construção do novo mercado. Inaugurado em 25 de janeiro de 1933, o mercado foi construído em estilo eclético sobre uma área próxima ao rio Tamanduateí, na antiga Várzea do Carmo. Possuindo uma área total de 12.600m², sendo 7.100m² a área disponível para a comercialização de produtos e um pé-direito que chega a 16m, este mercado foi o principal entreposto de abastecimento da cidade até a criação do Ceasa- Centrais Estaduais de Abastecimento (atual Ceagesp- Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), na década de 1960. Apesar do Mercado Municipal ser substituído pelo atual Ceagesp como principal fonte de abastecimento atacadista, ainda exerce destaque no setor varejista, funcionando durante o dia. Com o crescimento populacional e, consequentemente da urbanização da cidade, o centro se ampliava e a necessidade de equipamentos como o mercado mudava, pois, o crescimento populacional foi acompanhado do surgimento de novos grupos sociais, tais como os mencionados pelo autor. O que era necessário para a classe proletária poderia não ser considerado necessário para a classe média, por exemplo, e vice-versa. Além disso, é importante destacar, em qual momento da produção capitalista encontrava-se a economia brasileira, bem como o 33
Estado nas primeiras décadas do século XX, além de vislumbrar de que forma se deu o crescimento dessa população. Segundo Ianni (1979, p. 15 e 16), De fato, antes de 1930 o sistema político e econômico brasileiro já se defrontava com problemas estruturais e conjunturais típicos de uma economia dependente, isto é, economia primária exportadora. Por exemplo, repetiam-se as crises na cafeicultura, que era o principal setor da economia do País. Note-se que na década dos vinte (como na dos trinta) o café perfaz mais de 80% do valor das exportações brasileiras. [...] Além disso, a política externa, de tipo liberal (conforme era exigida pelas empresas comerciais e financeiras europeias e norte-americanas, que controlavam o setor externo brasileiro) significava a maciça e sistemática exportação do excedente econômico nacional. [...] Simultaneamente, entretanto, formaram-se novos grupos sociais, com interesses distintos dos interesses da burguesia nacional e internacional (rural, comercial e financeira) vinculada à cafeicultura. Em consequência da incipiente industrialização havida nas décadas anteriores, do crescimento do setor terciário e da própria urbanização, surgiram novos grupos sociais, particularmente os primeiros núcleos proletários e os princípios da burguesia industrial; além de expandir-se bastante a classe média.
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[13] O “Novo” Mercado Municipal da cidade de São Paulo,na época de sua inauguração.
Além do Mercado Municipal, existe um outro equipamento, também antigo e de grande importância para a região central: o Mercado Kinjo Yamato. Localiza-se em frente ao Mercado Municipal e foi inaugurado em 1936 com a função de comercializar frutas e legumes no atacado e varejo. Hoje em dia, o mercado funciona como uma feira-livre coberta durante o dia, e, apesar da concorrência com o Ceagesp, continua importante no comércio atacadista, criando, com o Mercado Municipal (Mercadão), um polo de abastecimento. 35
A criação de novos mercados prossegue ao longo do século XX, acompanhando o crescimento da cidade. Na década de 40, dois mercados são construídos, o do Ipiranga (1940) e o do Tucuruvi (1949). Na década seguinte, mais dois, o da Lapa (1954) e o Novo Mercado de Santo Amaro 1 (1958). A década de 60 assiste à construção de mais um equipamento, o Mercado de São Miguel (1967) e a reconstrução do mercado do Tucuruvi em 1969, após mudança para o atual endereço. A década de 70 concentra os trabalhos em cinco mercados, Pinheiros, Penha e Vila Formosa em 1971, Pirituba em 1972 e Ipiranga em 1975. O mercado de Pinheiros existia desde 1910 e, por sua vez, era já a consolidação do antigo Mercado Caipira que existia na região. A reconstrução do mercado, inaugurado em 1971, deveu-se à ampliação da Avenida Faria Lima, que obrigou à demolição do antigo. Já o Mercado do Ipiranga de 1940 foi fechado, e um novo foi estabelecido, próximo ao antigo, no endereço que está até hoje. Os anos 80 veem apenas um mercado ser acrescido à rede existente, o de Guaianases (1989). Entre 1995 e 2000 estabelecem-se os mercados de Teotônio Vilela, Sapopemba e a Central Leste de Abastecimento. Chegamos então a 2014 com uma rede de 15 mercados públicos em São Paulo, sendo que nenhum novo foi construído desde 2000.
1 O bairro de Santo Amaro se iniciou com a construção de uma capela, em torno da qual foi se organizando o povoado, elevando a região à categoria de freguesia –uma povoação paroquiana- em 1686. Em 1832, devido a seu crescimento, foi novamente elevada, desta vez à categoria de vila e pôde, portanto, eleger um prefeito, o que significava que, até essa época, São Paulo e Santo Amaro faziam parte de municipalidades distintas, posteriormente ligadas uma à outra através de uma linha férrea. O primeiro mercado de Santo Amaro foi construído no final do século XIX e recebeu sua primeira reforma no ano de 1903. Foi somente em 1934, com a inauguração do Aeroporto de Congonhas, que o município foi incorporado ao município de São Paulo. Em 1954 foi construído na Rua Ministro Roberto Cardoso Alves com a Rua Padre José de Anchieta o novo Mercado Municipal de Santo Amaro, inaugurado em 1958. Assim, deixando o antigo sem uso objetivo, tornando-se depósito da Prefeitura, Posto de Saúde e até Serviço Funerário.
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Sabe-se que a implantação de Mercados Públicos inaugurados até o final da década de 1950, ocorreu em função do isolamento dos núcleos com relação ao centro da cidade, pelo crescimento populacional e também pela própria fragmentação do espaço. O Estado – responsável por garantir o abastecimento – implantou os Mercados Públicos para suprir as necessidades da população de gêneros alimentícios, principalmente. É importante frisar que, antes do surgimento dos supermercados em meados da década de 50, os Mercados Públicos e pequenos comércios (que se abasteciam no Mercado Municipal Paulistano e também importavam mercadorias), eram os responsáveis por prover o abastecimento da população. A partir da década de 50, a dinâmica do abastecimento começa a se modificar em consequência do surgimento e expansão territorial dos supermercados, posteriormente dos hipermercados, bem como das modificações na malha urbana, pelas inovações na indústria de refrigeração, pela massificação do uso do automóvel e também pelo crescimento populacional. A rede de Mercados Públicos da cidade de São Paulo se caracteriza pela heterogeneidade. Podendo-se identificar grandes diferenças quando à localização, forma dos edifícios, relacionamento destes com o entorno, relevância para o bairro em que se localizam, dentre outras. Mesmo assim, verifica-se que, apesar de todos esses fatores, eles sempre foram elementos presentes na paisagem urbana e de grande importância para a manutenção e expansão da cidade. Os mercados se distribuem pela malha urbana e pela linha temporal da história da cidade.
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ESTUDO DE CASO MERCADO DE PINHEIROS
[14] Átrio central do Mercado de Pinheiros.
O Mercado de Pinheiros surgiu em um núcleo de povoamento isolado do centro. Ainda nesse período e por conta dessa distância, o abastecimento era dificultado devido à falta de infraestrutura viária da cidade de São Paulo. De acordo com o Departamento de Geografia – USP (1963, p. 99), Em fins do século XIX Pinheiros ainda era um núcleo completamente isolado de São Paulo, modestíssimo, provavelmente não superando um total de 200 casas. Concentrava-se em torno do Largo de Pinheiros para o qual, desde meados do século, dava frente à antiga capela
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[15] Fachada externa do Mercado, na época de sua construção.
de N. Sra. do Monte Serrate. Desenvolvia-se especialmente em direção ao rio, por intermédio da Rua São João, atual Paes Leme, e do caminho para Sorocaba, hoje Rua Butantã em seu primeiro trecho. [...] no decorrer dos primeiros lustros do século XX sobrevieram alguns fatores que possibilitaram um primeiro período de efetivo desenvolvimento para Pinheiros. Antes de mais nada, e pelas decorrências importantes que teve, é necessário destacar o prolongamento da linha de bondes até o largo de Pinheiros no ano de 1908.
À medida que a cidade vai se ampliando espacialmente, ela vai incorporar os núcleos isolados interligando o centro aos demais distritos da cidade, bem como interligando os distritos entre si, expandindo o tecido urbano. O mapa a seguir ilustra o processo de urbanização em meados do século XX, momento no qual o Estado inaugura o Mercado Municipal de Pinheiros.
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Em 1910, inaugura-se o “Mercado dos Caipiras”, como passou a ser conhecido. Um cidadão do bairro doou à Prefeitura Municipal, para a construção do mercado, parte de sua chácara, situada em frente à capela dos Pinheiros, com área de 4842m², limitando-se, de um lado com a rua Teodoro Sampaio e, de outro, com a Rua Cardeal Arcoverde. As únicas condições impostas pelas doadores eram as que o mercado, após construído, seria de uso exclusivo dos produtores e de que ele nunca sairia daquele local, pois, caso contrário, o terreno seria revertido para seus herdeiros.
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[16] Mapa da área urbanizada da cidade de São Paulo, dos anos 1882 a 1914.
[17] Mercado dos Caipiras
Como pode ser observado no mapa, o distrito de Pinheiros até 1914, ainda não era uma área urbanizada, isto é, não possuía os equipamentos urbanos tal como se pode visualizar já nas décadas seguintes com a expansão do tecido urbano. Tal isolamento foi responsável pela sediação, em Pinheiros, de atividades comerciais, de natureza varejista, para satisfação das solicitações mais imediatas da população do próprio núcleo e vizinhanças. (DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA – USP, 1963, p. 125). O mercado manteve a vocação do local com caráter popular e tornou-se um importante subcentro comercial para o bairro e para a cidade de São Paulo. A área original do Mercado antigo foi englobada pelo projeto da Avenida Faria Lima, na segunda metade dos anos 60, obrigando a demolição do antigo prédio e a construção do novo Mercado de Pinheiros. 41
O bairro de Pinheiros, historicamente um ponto de comércio, recebeu então, em 1970, o projeto arquitetônico do Mercado Municipal de Pinheiros, pelos arquitetos Eurico Prado e Luiz Telles, localizado na Rua Pedro Cristi. O mercado tornou-se um ponto de vendas diretas ao consumidor, integrando-se o caráter comercial do bairro. O terreno destinado ao novo mercado abrigou uma construção em dois pisos, já que a área era insuficiente para os 4000m² exigidos para abrigar o programa do antigo mercado (ACRÓPOLE, 1971). Essa exigência de 4000m² impediu uma distribuição mais adequada das áreas de vendas, forçando o programa final a limitar o grande número de boxes, inicialmente exigido. Além das áreas de vendas – que compõem esses 4000m²- existem ainda cerca de 2000m², praticamente 50% da área total, para equipamentos, serviços e estacionamento.
[18] Vista aérea do Mercado de Pinheiros, na época de sua construção.
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[19] Planta do pavimento inferior
[20] Planta do pavimento superior
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No piso superior situam-se os açougues e peixaria, no piso inferior as frutas, verduras, legumes e empórios. A circulação interna oferece fácil identificação das áreas e mercadorias expostas, garantindo a sensação de um espaço único e integrado. A circulação de veículos, tanto de carga como de usuários é feita através de rampas de acesso, que descem ao nível do pátio de descarga e estacionamento, e ligam-se diretamente com o piso inferior. Para o acesso de pedestres, o mercado liga-se com o exterior através de suas entradas em forma de rampas ascendentes, que procuram caracterizar uma espécie de prolongamento das calçadas e dão acesso direto ao pavimento superior da construção. O espaço interno é configurado, basicamente, como um átrio central –onde fica a área de venda- com os boxes localizados no perímetro do edifício, reforçado pela presença de um mezanino, que mantém esse vazio, dando ao edifício um pé direito duplo.
[21] Espaço de vendas interno.
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[22] [23] Fachadas e acessos.
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[24] Corte longitudinal
[25] Integração do espaço interno com a cobertura
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[26] Cortes transversais
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[27] Aberturas zenitais na cobertura; entrada de luz natural.
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Atualmente, o mercado possui 39 boxes divididos em: empório (venda de cereais, grãos, condimentos e especiarias, enlatados em geral) mercearia, frios e laticínios, charutaria, quitanda (venda de frutas, verduras e legumes), açougue, lanchonete, peixaria, avícola, cereais e floricultura. Conta com uma área de 4 196m² e um estacionamento de 1 742m² com capacidade para 60 veículos. Por estar localizado em uma região que sofreu adensamento nas últimas décadas, o mercado tornou-se mais baixo que o entorno, muitas vezes só sendo notado ao adentrar as ruas que permitem o acesso ao seu interior, apesar de sua volumetria pouco convencional. Ao longo dos anos, o projeto sofreu modificações; alterações na fachada, criação de um deck no pavimento superior com mesas ao ar livre, foram algumas das mudanças. A partir de 2015, o mercado incorporou ainda, novas tendências do ramo da alimentação, com a abertura de cinco novos pontos dentro do espaço, administrados por chefs renomados, como Alex Atala, medida que trouxe muitos questionamentos a respeito da “gourmetização” do Mercadão, o que poderia gerar problemas como preços mais altos e expulsão dos comerciantes tradicionais de lá.
FICHA TÉCNICA Mercado de Pinheiros Autor do projeto: Eurico Prado Lopes e Luiz Telles Ano: 1971 Área: 4 000 m 2 Local: São Paulo, Brasil 49
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A PERMANÊNCIA DOS MERCADOS PÚBLICOS NA CIDADE CONTEMPORÂNEA
2.RESISTINDO
CAPÍTULO 2: RESISTINDO A PERMANÊNCIA DOS MERCADOS PÚBLICOS NA CIDADE CONTEMPORÂNEA A existência dos mercados públicos na cidade, seja numa configuração permanente ou efêmera, nunca foi questionada em relação a sua importância enquanto entreposto de abastecimento de produtos, na medida em que, não importa quão diferentes fossem as sociedades, resistiu ali o costume de se realizarem trocas necessárias à reprodução da vida. O questionamento dessa forma, enquanto tipologia, surge quando ela passa a se desfazer, quando sua estrutura e função chegam perto de romper seus limites enquanto forma reconhecida e apropriada socialmente. O surgimento de novas formas de abastecimento –como abordadas no primeiro capítulo- provoca uma ruptura nesse costume. Existem novas tendências de comportamento e de apropriação e ocupação do espaço. Diante desse cenário os mercados podem seguir duas direções: se mantêm ou desaparecem. Seguir qualquer uma delas, é impossível, no entanto, sem a ocorrência de mudanças, sejam elas formais, espaciais ou funcionais. Conclui-se, então, que o mercado é uma forma que só permanece no espaço e no imaginário urbano através da metamorfose. Essa é uma ideia defendida por Maria Pintaudi, que levanta o seguinte questionamento: Para existir no tempo, uma forma precisa, necessariamente, resistir, ter sentido, se transformar ao mesmo tempo em que cria raízes. Como reconhecer então os mercados públicos no presente e as possibilidades de seu devir enquanto espaço de trocas, no mundo de hoje, quando vivemos uma privação geral de sentido que se constituiria na única possibilidade de continuar criando raízes? Essa falta de reprodução de
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raízes no espaço, e, portanto, de duração no tempo longo, não significa uma ameaça no futuro imediato? O tempo, ao contrário do espaço, não é reversível: passado, presente e futuro são momentos, enquanto altura, largura e profundidade são dimensões, embora ambos sejam propriedades da matéria e por essa razão se atravessam. (PINTAUDI, 2006, p.86).
O mercado público é uma forma de intercâmbio de mercadorias encontrada nas cidades desde a antiguidade e, se ela permanece no espaço ainda hoje, é porque, de fato, ela é capaz de dialogar com outras formas comerciais mais modernas. Nesse momento, faz-se necessária uma breve análise histórica para tentar compreender a inscrição dessa forma espacial na duração do tempo o que, em outras palavras, significa compreender sua permanência, sua reprodução enquanto forma na duração. Para essa análise – complementar à análise sobre São Paulo, realizada no primeiro capítulo- foi escolhida a cidade de Barcelona, já que ela se apresenta como uma localidade que desde a época do Império Romano, soube administrar uma rede de trocas que, com o tempo, lhe conferiu o estatuto de cidade e que, hoje conta com 41 mercados municipais em pleno funcionamento e que, juntos, abrigam 40% dos comerciantes de gêneros alimentícios, números expressivos para uma cidade de tal dimensão. A ideia da cidade como um local mais permanente que outros é muito forte no caso de Barcelona, já que sempre foi considerada como um “porto central”, que acumulava mercadorias a serem transportadas para muitas localidades diferentes. Essa característica se mostra como uma das mais importantes para a constituição de uma localidade num centro de trocas, não só mercantis, mas também culturais e artísticas. É natural, portanto, que o mercado público tenha aparecido tão cedo em sua 53
história, já que, desde os primórdios do capitalismo, se mostrou como uma forma de centralizar o comércio, facilitando o controle sobre as trocas e fontes de abastecimento. Esse processo se inicia já na Idade Média quando, por conta das muralhas que protegiam as cidades, os comerciantes tinham de pagar pelo direito de entrar nelas para vender suas mercadorias e, por isso acabaram instalando-se em seu perímetro externo, junto às muralhas. A aglomeração de diversos comerciantes nessas áreas, próximas ao núcleo urbano, mas não centrais, deu origem aos primeiros mercados. Foi assim que aconteceu com o primeiro mercado de Barcelona, que se realizava na Plaza Del Angel, por volta do século X, quando a cidade começa a ser reconstruída após a ocupação árabe. Desenvolveu-se, a partir disso, uma população dedicada ao comércio na região, conhecida como la vila nova del mercandal. Apesar disso, já no fim do século XII, esse mercado não era mais suficiente.
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[28] Mapa da cidade de Barcelona durante o período medieval, quando era cercada por uma muralha.
Esse tipo de ocupação, portanto, foi se multiplicando e começaram a aparecer outros mercados fora das muralhas da cidade, como o mercado el Born, que se configurava como um local sem construção permanente, mas que abrigava diversas funções além do comércio, como torneios denominados “justas” e festas religiosas. É importante ressaltar que muitos desses mercados, mesmo fora dos muros, permaneceram por tempo suficiente a ponto de observarem a destruição das muralhas romanas e a expansão do núcleo central da cidade, tornando-se assim e cada vez mais, parte do tecido urbano. Durante o século XIII surge junto à segunda muralha da cidade, por exemplo, o mercado da Boqueria, que permanece em seu local original até a atualidade. No século XIX ele foi edificado, tornando-se um espaço coberto e ocupando um antigo convento e uma capela. Segundo Pintaudi,
[29] Mercado de La Boqueria, em Barcelona, no passado e atualmente.
Desde 1837, algumas barracas passaram a se instalar no local que foi solicitado pela municipalidade junto ao Estado, já que a zona eclesiástica pertencia às terras públicas (política de desamortização). Em 1842, uma expropriação de quatro casas se fez necessária para a ampliação do local de vendas. Hoje, a superfície desse mercado atinge os 13.631 m2, dos quais 11.919m² são construídos – trata-se do maior mercado da Espanha, hoje muito frequentado e central. (PINTAUDI, 2006, p.88).
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Com a crescente atividade desses equipamentos, o poder público percebeu a necessidade de exercer um maior controle sobre as vendas, os produtos e os comerciantes, assim como de esforços para controlar a organização interna do espaço. Com o tempo, os comerciantes começaram a se especializar e acentuar a distância entre a atividade mercantil e a do pequeno produtor agrícola. Avanços na sociedade da época também contribuíram para mudanças nessas dinâmicas. É o caso da melhoria dos meios e espaços de circulação, que proporcionaram um aumento na oferta de produtos e, consequentemente, uma maior organização do comércio, de forma que surgiram, por volta do século XVI, locais mais apropriados,
[30] Mapa do Eixample, plano urbanístico de Cerdà para a cidade de Barcelona
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cobertos e especiais para o exercício dessa atividade. No entanto, o lugar em que o mercado se estabelece definitivamente – e, é somente aí que ele se torna, de fato, um objeto do cotidiano- só acontece quando se dá a separação em relação às demais atividades antes realizadas ali, como festas, execuções e torneios. É nesse momento que surge uma concepção burguesa de espaço, que os separa segundo as funções a que se destinam (PINTAUDI, 2006). É esse o ponto onde ocorre uma ruptura, com a construção do mercado de Santa Caterina, no século XIX, o primeiro mercado coberto de Barcelona, projetado com essa finalidade.
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Depois dele, iniciou-se um processo de construção de outros equipamentos com a mesma finalidade –processo esse, que só desacelera no final dos anos setenta- e esse processo influenciou diretamente a forma de ocupação da cidade, já que os mercados são elementos fundamentais para a estruturação de bairros tipicamente habitacionais e foram elementos considerados na constituição de novos bairros, onde a primeira reinvindicação da população era a “plaça”. Alguns mercados, hoje integrantes do sistema de distribuição de gêneros alimentícios de Barcelona, foram criados, no entanto, quando os povoados em que se situavam não haviam sido unidos pelo Eixample -Plano de Cerdà para unir Barcelona a núcleos urbanos próximos, cuja implantação se deu a partir de 1860.
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[31] Mapa destacando as áreas tipicamente comerciais da cidade de Barcelona e pontuando a localização dos mercados públicos.
Para Barcelona, com 1.6 milhão habitantes (2016), os mercados representam importantes centros de abastecimento, embora hoje não se constituam em exclusividade, como ocorre nos maiores centros urbanos, dadas outras formas de vendas a varejo de produtos alimentícios, que também envolvem concentração espacial. Para grande parte do abastecimento de alimentos desses mercados, contribuiu a existência de mercados especializados – como o Mercabarna 2 - que reorganizou a distribuição das compras por atacado. Ainda assim, a grande maioria da população, habitualmente, vai ao mercado. No caso específico dessa cidade, a paulatina constituição de mercados em bairros novos, permitiu que o sistema se mantivesse como uma forma de abastecimento muito importante para os consumidores. O fato deles aí se abastecerem fez com que sua forma, enquanto objeto espacial, tivesse uma permanência no tempo, mantendo a mesma atividade para a qual foi construída desde o início. (PINTAUDI, 2006).
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Mercabarna é um entreposto com 90 hectares de área, que opera
24 horas por dia, com o objetivo de abastecer a população espanhola com alimentos frescos. O complexo abriga mais de 700 companhias especializadas em distribuição, preparação, importação e exportação de alimentos. Como sua estrutura principal, estão os mercados centrais de frutas e vegetais, peixes, um grande açougue e um mercado de flores. Já nas Zonas de Atividades Complementares (ZAC), estão localizadas companhias especializadas nos processos de preparação de produtos para exportação, empresas que cuidam da parte relacionada à logística e controle de qualidade e também os centros de ampla distribuição, responsáveis por abastecer grandes redes, como supermercados, e empresas de alimentação.
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[32] Foto aérea do Mercabarna, principal entreposto de abastecimento para a cidade de Barcelona
É possível perceber que o lugar do mercado está em constante processo de adaptação às diferentes racionalidades da divisão social do espaço urbano. De espaço periférico, quando cuidava do abastecimento de cidades pequenas, sem se deslocar, o mercado passou a ocupar um lugar central na malha urbana com o crescimento do número de seus habitantes (e esse modelo é repetido na maior parte das cidades), chegando até o século XX. Neste século, essa forma fica submetida às leis do mercado, com resultados diferentes. No caso de Barcelona, os mercados foram mantidos e incorporados ao novo estilo de vida que se impõe no decurso do século XX, particularmente na segunda metade. Além disso, no caso de Barcelona, as dimensões físicas do espaço do mercado não geraram um tráfego incompatível com a circulação local, o que permitiu que fossem mantidos, articulando-se com um mercado central atacadista (situado mais distante da área central da cidade, como o Mercabarna), como também com os demais estabelecimentos de vendas de gêneros alimentícios. Embora haja uma grande diferença temporal, ao comparar-se com Barcelona, em São Paulo a implantação do sistema de mercados para o abastecimento da população apresenta muitas semelhanças com o caso da cidade espanhola. Na cidade de São Paulo, a permanên-
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cia dos Mercados Públicos também se explica pela manutenção de um costume que foi construído a partir da população paulistana e também de uma forte imigração que trouxe consigo e agregou seus próprios costumes. Os mercados aparecem não apenas como estruturas destinadas ao abastecimento da população, de gêneros alimentícios, mas também como um espaço de sociabilidade, construído por meio de um costume cosmopolita que é único. No caso do Mercado Municipal de São Paulo, por exemplo, observa-se que ele também se situou junto à cidade, porém não em sua área principal, mas, com o crescimento populacional e a expansão territorial da cidade, hoje ele desfruta de uma localização central. Atualmente, apesar de não ter mais o mesmo peso relativo à atividade que exercia para a cidade, esse mercado permanece por algumas razões. Em primeiro lugar, porque essa zona da cidade manteve suas funções praticamente intactas até recentemente (as cercanias do mercado ainda são ocupadas pelo setor atacadista). Uma outra questão refere-se ao aspecto da circulação na medida em que a construção das linhas do metrô trouxe inúmeras reformulações para a área do mercado central, provocando uma valorização e, consequentemente, novas propostas de ocupação para a região. A solução defendida, ainda assim, foi a revalorização do prédio com modernização de seu interior, mantendo suas funções originais e estimulando a área do entorno a se renovar revalorizando-se. Nos casos analisados, entende-se que o local do mercado, na sua gênese, apresenta-se como um ponto de encontro no centro das cidades, comandado pelo poder público, organizando e, de certa forma, garantindo o abastecimento urbano. Hoje, do ponto de vista econômico, esse espaço tornou-se desinteressante porque cada vez mais se prioriza a reprodução do capital de maneira privada e suas relações de dominação. O espaço do mercado pertence a um outro tempo social. Ainda assim, eles permanecem, porém, seria a preservação da memória suficiente para a reprodução desse espaço? 61
[33] Mezanino do Mercado Muncipal de São Paulo, onde estão localizados boxes exclusivos de alimentação. Isso foi parte de um projeto de revitalização do edifício.
É fato que suas raízes estão na identidade da população para com a sua cidade. Isto se explica na fala de Hobsbawn, quando afirma que O “costume”, nas sociedades tradicionais, tem a dupla função de motor e volante. Não impede as inovações e pode mudar até certo ponto, embora seja tolhido pela exigência de que deve parecer compatível ou idêntico ao precedente. Sua função é dar a qualquer mudança desejada (ou resistência à inovação) a sanção do precedente, continuidade histórica e direitos naturais conforme o expresso na história. (HOBSBAWN, 1997, p. 10)
Como o próprio autor coloca, o costume não impede as inovações, no entanto, ele é capaz de funcionar como um elo entre o indivíduo e sua cultura, o que permite o indivíduo se conectar às suas próprias raízes. Como já afirmado, o questionamento em relação ao mercado 62
como espaço de abastecimento nunca foi em relação ao costume que, diferentes sociedades ao longo do tempo, mantiveram de frequentar esse espaço para esse fim. Quando esse costume se rompe, diante da presença de formas mais modernas de abastecimento, surge a possibilidade de transformar esse local em “tradicional”. Os mercados públicos, formas ainda presentes na paisagem urbana, procuram gerar uma imagem de ‘tradição’ (onde os novos fregueses podem simular um comportamento ‘tradicional’). Nesse espaço, que poderia ser considerado desprovido do conforto moderno oferecido por outros empreendimentos de comércio de alimentos, o ato de comprar e vender os produtos da terra faz com que as pessoas ‘se sintam’ mais próximas a ela e busquem identificação com o lugar, já que ele permanece naquele sítio há algum tempo. Sabe-se que no mercado, é possível encontrar um espaço que resiste a alguns processos de modernização e repetição impostos pelo capital. Ao mesmo tempo, já que vivemos em uma sociedade que sujeita tudo ao econômico, essa ‘tradição’ é capturada e explorada, também, sob a ótica cultural. O costume de ir ao mercado vira norma, deixa de ser estilo de vida para virar gênero de vida. Nesse contexto, o espaço do mercado “flexibiliza-se”, ou seja, esse espaço está sendo invadido por um novo momento da história, onde a sociedade está totalmente submetida ao econômico e imprime uma maior velocidade às vendas. Primeiros símbolos de uma natureza dominada, os mercados se nos afiguram hoje como elementos que nos aproximam dela por intermédio da cultura, através da qual se viabiliza a rentabilidade imediata do capital. Os mercados que deixam de ser funcionais desaparecem da paisagem. Estamos diante do consumo do espaço. (PINTAUDI, 2006, p.98)
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Para se manterem funcionais e relevantes, os mercados, portanto, não podem continuar existindo exatamente da mesma forma que o fizeram durante todos esses anos. As mudanças, responsáveis por adaptá-los a contextos mais recentes, vão desde características formais a estratégias de gestão e administrativas.
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ESTUDO DE CASO MERCADO SANTA CATERINA
[34] Fachada principal do Mercado de Santa Caterina.
O Mercado de Santa Caterina é de grande importância para Barcelona, já que foi o primeiro mercado coberto da cidade, e foi também o primeiro edifício a ser construído com essa finalidade, iniciando a tipologia construtiva com estrutura metálica. Ele foi implantado sobre antigos terrenos eclesiásticos, tomando o nome do convento e da Igreja, anteriormente aí existentes. Concebido para vender no atacado, foi inaugurado em 1848 com 208 bancas de venda para frutas, verduras, cereais, peixe, alimentos importados, carnes, aves, mas acabou tornando-se um equipamento de venda a varejo, já que a ideia inicial do modelo de venda não foi colocada em prática. No momento de sua construção, o mercado localizava-se no principal centro da cidade, porém, hoje em dia, ele está localizado no centro histórico, de estrutura medieval, em um bairro até pouco tempo atrás considerado socialmente degradado, próximo ao museu Picasso, dentro do distrito da Ciutat Vella. 65
Esse estudo especializa-se no projeto de renovação do equipamento, finalizado em 2005, como parte de um plano de reabilitação urbanística do bairro emblemático e histórico situado no eixo da via Laetana e da Catedral de Barcelona. Para essa operação, construíram-se novos edifícios residenciais, reorganizou-se a forma de gerir os resíduos do bairro, integrou-se um parque de estacionamento e redesenhou-se o espaço do entorno do mercado, mudando completamente os usos e vida do local (Martin, 2012). O projeto arquitetônico é de Enric Miralles e Benedetta Tagliabue. A ideia inicial desse plano urbanístico era de demolir tanto o mercado como uma série de edifícios do seu entorno para a construção de uma nova via. No entanto, os arquitetos chegaram à conclusão de que o grande espaço livre criado pela ausência do mercado não traria benefícios para a cidade, além de reforçar um ideal neoclássico de modernização e, por isso, não seria a melhor solução para o espaço. Manteve-se, portanto, o mercado –já que nunca deixou de funcionar- e foram demolidos uma série de edifícios próximos a ele para a abertura da via em questão, que passou a existir na frente de sua fachada principal, mudando a espacialidade do equipamento e de seu acesso principal, criando a ideia do espaço livre como uma “plaza alongada”. Enric Miralles coloca em foco a questão da rua quando aponta que, talvez, os arquitetos contemporâneos deem valor demais a ela, o que não deveria ser acontecer já que o que constitui a cidade em si –os edifícios, os produtos construídos, as pessoas- organizou-se antes de seu surgimento. Por isso, a rua, o espaço vazio, nunca foi seu foco durante o processo projetual. Ao invés disso, seus edifícios projetados surgem de um processo muito mais intuitivo, através da experimentação com as formas e tipologias pré-existentes.
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[35] Planta original do convento de Santa Caterina.
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[36] Vista aérea do Mercado e seu entorno.
É assim que se desenvolve o projeto para os edifícios habitacionais que viriam a substituir os edifícios demolidos, vizinhos do espaço do mercado. Eles organizam-se sem muito respeito à ideia cartesiana de “rua”, constituindo um novo tipo de espaço para a área pública naquele local. Isso se estende ao projeto de revitalização do mercado em si. Para os arquitetos, o que mais chamava atenção no espaço interno do mercado era sua materialidade. A estrutura principal de madeira e metal misturava-se no espaço com as mercadorias ali comercializadas e, por isso, decidiram manter grande parte de sua estrutura original, inclusive suas fachadas principais, voltadas para a nova via, já que fortaleciam essa noção de espaço.
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[37] Perspectiva geral do Mercado e seu entorno.
Um elemento importante da implantação do projeto é a inclusão de edifícios habitacionais dentro da área originalmente pertencente ao mercado. As pessoas que moravam nos edifícios retirados do local, tiveram de ser realocadas e, para isso, parte do edifício original deixou de existir, dando lugar a esses novos volumes, criando um espaço que se funde numa relação público-privado. A ideia foi criar um espaço que se destrói –mercado- para ser reconstruído em uma nova configuração. Para isso, é claro, foi reelaborado o layout do espaço de vendas. Miralles aponta que a escala do edifício do mercado pertence a outro tempo. Seus corredores, quando foram projetados, deviam assemelhar-se a ruas, por onde circulavam, por exemplo, charretes carregando produtos. Por isso, também, mantinham um desenho muito ortogonal. 69
[38] Cortes e planta do Mercado de Santa Caterina.
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Para o novo projeto, manteve-se a ideia de um espaço que não está preso a ideia de rua, que se constrói de forma orgânica e que se descobre através do percurso. Assim, o layout das bancas centrais organiza-se num desenho não-ortogonal, ao mesmo tempo que os espaços paralelos às fachadas originais, mantêm o mesmo desenho de sua origem. Isso funciona, também, para diferenciar as atividades que acontecem em cada espaço. Sob a ótica administrativa, foi também modificada a estratégia econômica responsável por manter o interesse dos habitantes nesse equipamento. Além de cem bancas dedicadas à alimentos e produtos frescos, foram incluídas mercadorias de outras categorias e espaços destinados à bares e restaurantes, ocupando a região perimetral do espaço, na parte da estrutura original que foi mantida. Como uma das estratégias mais inovadoras, foi incluída também uma unidade reduzida de uma rede de supermercados no interior do espaço, ampliando o tipo de comércio que ocorre no local. Nesse caso, o que ocorre é um revezamento em relação ao tipo de produto comercializado em cada um desses espaços. O que é vendido no mercado, não pode ser encontrado nessa unidade específica do supermercado, e vice-versa, garantindo uma gama maior de produtos oferecidos ao consumidor, sem incentivar uma competitividade extrema entre os equipamentos. Aqui, eles convivem pacificamente. Semelhante ao que aconteceu com o Mercado de Pinheiros, em São Paulo, uma unidade de um dos mais renomados restaurantes da cidade funciona dentro no mercado, porém, nesse caso, ele ainda inclui uma pequena exposição sobre a história do edifício do mercado e as heranças arqueológicas da igreja e convento de Santa Caterina, funcionando, portanto, como um pequeno museu.
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O elemento mais emblemático do projeto, no entanto, deve ser a sua cobertura. A conceito por trás do design, é o de imitar uma grande tenda, que se projeta acima da rua, trazendo uma continuidade urbana para esse espaço de comércio. O design visual da cobertura é do artista Toni Comella, e o engenheiro encarregado da estrutura foi José Maria Velasco Rivas. A primeira abordagem de Miralles para a cobertura era a de um elemento que flutua em um mar de fios. Ao mesmo tempo, ele queria recuperar materiais de construção tradicionais em Barcelona, como a madeira e o metal, já existentes no projeto original do mercado e a cerâmica, presente em muitos edifícios emblemáticos da cidade, por exemplo, nos projetos de Gaudí. Por isso, o revestimento externo da cobertura é feito com peças cerâmicas que replicam as cores dos produtos vendidos em seu interior. A estrutura da cobertura é principalmente formada por arcos de madeira ligados por vigas metálicas treliçadas que em alguns lugares estão à vista e em outros, escondidas. A superfície é constituída por um sanduíche entrevigado de duas camadas de madeira, além de uma camada de isolamento. Acima dos arcos, existem outros elementos, responsáveis por assentar o revestimento cerâmico exterior.
[39] Estrutura e revestimento da cobertura.
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A questão central na escolha desse projeto como estudo de caso foi o fato de ele ser um perfeito exemplo dos processos discutidos até agora neste trabalho: ele surgiu junto com a formação inicial da sociedade em que se insere e sobreviveu através do tempo, comprovando sua relevância. Essa sobrevivência, no entanto, foi facilitada pelo processo de renovação do equipamento –confirmando mais um argumento, de que os mercados sobrevivem através da metamorfose- que trouxe uma nova vida e significado para o seu edifício. A iniciativa de investir em um equipamento como esse demonstra uma valorização de seu potencial, tanto econômico, quanto social e até turístico, uma vez que o projeto de renovação tornou-se conhecido e começou a atrair visitantes. A combinação do mercado tradicional com o comércio de insumos para o consumo do dia-adia, com a renovação arquitetônica monumental do edifício é, sem dúvidas, um dos fatores chave para atingir um equilíbrio entre frequentadores locais e turísticos. É interessante notar que o Mercado de Santa Caterina manteve-se ativo e relevante não apenas mantendo sua função original, mas também ampliando-a e incorporando outras funções, demonstrando uma consciência sobre a importância de adequar-se às necessidades de uma sociedade em constante modernização.
[40] Espaço interno do Mercado.
FICHA TÉCNICA Mercado Santa Caterina Autor do projeto: Enric Miralles e Benedetta Tagliabue Ano: 1997 (projeto); 2005 (construção) Área: 7 000 m 2 Local: Barcelona, Espanha 75
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O CONSUMO E COMO A ARQUITETURA ABSORVE OS NOVOS PADRÕES DA VIDA COTIDIANA
3.ADAPTANDO
CAPÍTULO 3: ADAPTANDO O CONSUMO E COMO A ARQUITETURA ABSORVE OS NOVOS PADRÕES DA VIDA COTIDIANA Ao se tratar de equipamentos como os mercados públicos, algumas questões são necessárias para entender o seu posicionamento –não só espacial- em nossa sociedade. O consumo, ora como momento da produção, ora como necessidade veemente do indivíduo e ora como uma nova centralidade produzida pelo capital é um tema que constantemente tangencia essa discussão. Envolve esferas que integram a vida cotidiana e capturam-na, colocando-a a mercê das necessidades da reprodução do capital. Neste sentido, é relevante discutir qual o papel do consumo hoje na sociedade capitalista não apenas porque ele aparece nos Mercados Públicos como um momento fundamental nessa cadeia de produção de capital, mas, sobretudo, porque pode-se, a partir do consumo, explicar parte da vida cotidiana e é por meio dele que se possibilita a sobrevivência dos mercados. O fato de a forma como “se faz” o mercado na atualidade ser muito semelhante à que sempre existiu, pode nos fazer pensar que se trata de uma simples repetição. Pode até nos levar a afirmar que a repetição é uma maneira de conservar os costumes (ou as tradições) de um povo. Mas isso é apenas a aparência do que ocorre, no caso desse equipamento específico. Os mercados públicos sofreram mutações e o que vemos hoje é apenas o invólucro do original em alguns casos. A aparência aponta para uma forma de resistência no tempo linear e, por essa razão, a escolha desses objetos não nasceu do acaso, mas da eleição de uma forma de comércio que ainda existe ou existiu em todas as culturas e que nos permite explorar uma contraposição às formas desenvolvidas nas sociedades modernas.
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[41] A rapidez do consumo na atualidade.
Os consumidores, cada vez mais, deixam de ter um papel passivo na construção do sistema comercial, uma vez que seus valores, atitudes, comportamentos e preferências condicionam as empresas (Cerdeño, 2010). Surgem assim, aspectos demográficos, culturais, sociais e econômicos que influenciam a evolução, a procura (novos costumes, mentalidades, desejos e necessidades) e indiretamente, as características do aparelho comercial (Cachinho, 2002). Em sociedades tão complexas quanto a nossa, devemos tentar ressaltar os aspectos que podem nos ajudar a entender a urbanização engendrada pelo capital. Pierre George, já se referia à abrangência dos estudos sobre o consumo quando afirmou: Empresa formidável, essa do estudo do consumo, pois que supõe conhecidos não apenas a economia e a estrutura social de cada país, como também seu regime político e sua política (GEORGE, 1965, p. 118)
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O consumo acontece na vida diária, faz parte da rotina e esse cotidiano se desenvolve em tempo e espaço específicos, próprios, diferentes de outros. Ele se realiza através das diversas ações que realizamos diariamente afim de nos reproduzirmos como sociedade. Existe, portanto, uma relação direta entre a maneira como produzimos a sociedade e o cotidiano, que é seu produto. O que se deseja ressaltar neste ponto é que nossa vida cotidiana se constrói através do repetitivo, cuja predominância é inquestionável, e, por essa mesma razão, passa despercebido, sem receber a ênfase necessária para que possamos tentar compreendê-lo e, assim, também compreender os espaços nos quais reproduzimos nossa vida. Os espaços comerciais que frequentamos são um exemplo. Geralmente analisados muito mais na perspectiva economicista, sem levar em contas os aspectos socioespaciais presentes, os resultados analíticos não revelam o que efetivamente deveria nos importar, ou seja, saber como a coletividade se desenvolve e organiza no âmbito da troca de mercadorias. Aliás, se prestarmos mais atenção, a opacidade desses espaços, aliada a pouca importância que conferimos à existência dos espaços comerciais e seu consumo na perspectiva crítica, pode ser bem generosa com a reprodução do capital.
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[42] Ilustração de Eduardo Salles, que faz uma crítica ao consumismo.
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Além disso, o ato de comerciar nos remete diretamente à troca de mercadorias, ou seja, trocamos o nosso dinheiro por um objeto. Essa afirmação parece óbvia demais, já que se trata de um ato banal, realizado no cotidiano. Certamente, por ser tão corriqueiro, o ato de comprar é praticado como que “por instinto” e, cada vez que o praticamos, não nos damos conta de estar trocando trabalho. Mas a troca de mercadorias que hoje realizamos não é a mesma que existiu desde o surgimento do capital, pois vivemos num outro momento histórico. Ainda que o processo seja o mesmo e envolva toda a dinâmica da troca, ao mesmo tempo é diferente, porque as necessidades também são diversas. As mercadorias mudam e o quanto precisamos delas também. Os objetos industriais não desaparecem a não ser que sejam substituídos por outra criação que responda melhor à mesma necessidade, ou porque a necessidade foi suprimida. Sobre esse assunto, Costa comenta o posicionamento de Hannah Arendt: [...] até a Revolução Industrial, os objetos eram comprados por serem úteis e necessários; depois, porque haviam sido produzidos e tinham de ser vendidos. A partir daquele momento, tornaram-se supérfluos. Qual é, no entanto, o sentido do termo “supérfluo”? A autora [Hannah Arendt] sabe que torna um objeto supérfluo não é o fato de ser dispensável à sobrevivência física. Se assim fosse, quase tudo que adquirimos seria supérfluo. A seu ver, portanto, o que qualifica um objeto de supérfluo não é sua matéria ou forma, mas a finalidade para a qual foi fabricado. Um objeto se torna supérfluo pelo fato de ter sido comprado simplesmente por ter sido produzido. (COSTA, 2004, p. 136).
Acrescente-se a isso a criação de novas necessidades e a possibilidade cada vez mais presente da imi82
tação. Segundo Costa (2004, p.18), objetos ou mercadorias adquiridas por um “comprador” integram uma rede de sentidos emocionais, sociais e culturais muito diversa da prática aquisitiva do “consumidor”. Sobre o consumo, Bauman escreveu que: Aparentemente, o consumo é algo banal, até mesmo trivial. É uma atividade que fazemos todos os dias, por vezes de maneira festiva, ao organizar um encontro com os amigos, comemorar um evento importante ou para nos recompensar por uma realização particularmente importante – mas a maioria das vezes é de modo prosaico, rotineiro, sem muito planejamento antecipado nem reconsiderações. (BAUMAN, 2008, p.37).
A ideia do consumo como algo opcional, ou como um processo do qual pode-se optar por não fazer parte, é, portanto, apenas ilusória e não o que de fato pode-se observar – tanto pela centralidade que ele possui hoje quanto pelo modo como podemos entender a vida cotidiana por meio dele, partindo de uma análise local, do plano do vivido, onde é possível enxergar a captura da vida cotidiana pelo consumo. Portanto, não se trata de estudar aquilo que parece óbvio e, como colocado pelo autor, algo banal, trivial, mas estudar aquilo que nos dá bagagem para entender desde as transformações no plano local, quanto às transformações que modificam o plano em escala global. Por toda a história humana, as atividades de consumo ou correlatas (produção, armazenamento, distribuição e remoção de objetos de consumo) tem oferecido um suprimento constante de “matéria-prima” a partir da qual a variedade de formas de vida e padrões de
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relações inter-humanas pôde ser moldada e, de fato o foi, com a ajuda da inventividade cultural conduzida pela imaginação. [...] Seguindo-se à “revolução paleolítica” que pôs fim ao modo de existência precário dos povos coletores e inaugurou a era dos excedentes e da estocagem, a história poderia ser escrita com base nas maneiras como esse espaço foi colonizado e administrado. (BAUMAN, 2008, p. 38).
As grandes transformações ocorridas nas grandes cidades, no passado recente, acabam reforçando a ideia de cidade-mercadoria, suprimindo, muita das vezes, a memória e os símbolos construídos ao longo do tempo. Disseminando a ideia de “modernidade”, as novas formas espaciais urbanas, como, por exemplo, os supermercados, passam a copiar estilos arquitetônicos disformes das características locais, onde se busca uma padronização do espaço urbano (CORRÊA, 2007). Nesse sentido, novos sistemas de ações passam a existir com esses espaços, proporcionando (ou não) a participação dos diferentes grupos sociais na produção do espaço urbano (SANTOS, 2009).
[43] Diagrama sobre a evolução do comércio.
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Por meio do “city marketing”, da cidade-mercadoria, as cidades vêm sendo expostas como em vitrines – como os grandes empreendimentos imobiliários resultante das operações urbanas e os Shoppings Centers, por exemplo – pronta para serem vendidas. Neste processo o indivíduo, como mero consumidor em potencial, assiste ao espetáculo, no qual, a cena principal é a aniquilação da cidade enquanto obra, isto é, o valor de uso é substituído pelo valor de troca e a cidade é moldada para se transformar num produto, em mais uma mercadoria. Essa tendência vem se intensificando por meio da globalização e dos avanços tecnológicos. As novas tecnologias possibilitam criar a ideia de que estamos mais próximos do restante do mundo, e essa proximidade nos faz querer estar em dia com o que há de mais recente, tanto do âmbito urbano quanto no individual. Esse desejo, por sua vez, também cruza a esfera do consumo, já que –com as compras online, por exemplo- não existem mais barreiras para a obtenção de produtos. Os lugares, desse ponto de vista, podem ser vistos como um intermédio entre o mundo e o indivíduo. Essa é uma realidade tensa, que inclui um dinamismo que se recria a cada momento, uma relação permanentemente instável, e onde globalização e localização, são termos de um discurso que se refaz com frequência. As próprias necessidades do novo regime de acumulação levam a uma maior separação dos processos que o envolvem e essa multiplicidade de ações a que o homem está exposto a todo tempo, faz do espaço um campo de forças multicomplexo, graças à individualização e especialização dos elementos do espaço. Cada lugar é, à sua maneira, o mundo, ou, como afirma M.A. de Souza (1995, p.65), “todos os lugares são virtualmente mundiais”. Mas, também, cada lugar, mesmo inserido num contexto mundial, torna-se exponencialmente diferente dos demais. Para apreender essa nova realidade do lugar, não basta adotar um tratamen85
to localista, já que o mundo se encontra em toda parte. A história concreta do nosso tempo repõe a questão do lugar numa posição central, conforme assinalado por diversos geógrafos. A. Fisher (1994, p.73), por exemplo, refere-se à “redescoberta da dimensão local”. Impõe-se, portanto, a necessidade de, revisitando o lugar no mundo atual, encontrar os seus novos significados. Uma possibilidade nos é dada pela consideração do cotidiano. Essa categoria da existência presta-se a um tratamento geográfico do mundo vivido que leve em conta variáveis como os objetos, as ações, a técnica, o tempo. Com o papel que a informação e a comunicação alcançaram em todos os aspectos da vida social, o cotidiano de todas as pessoas assim se enriquece de novas dimensões e, entre elas, ganha relevo a sua dimensão espacial. Através do entendimento dessas dinâmicas do cotidiano poderemos, talvez, contribuir para o entendimento da relação entre espaço e movimentos sociais, enxergando a materialidade como componente imprescindível do espaço geográfico, que é, ao mesmo tempo, uma condição para a ação, já que é nele que a vida acontece. Com a modernização contemporânea, todos os lugares se mundializam. Mas eles o fazem de forma complexa, já que geralmente coincidem com as metrópoles, onde há profusão de vetores: desde os que diretamente representam as lógicas hegemônicas, até os que a elas se opõem. São vetores de todas as ordens, buscando finalidades diferentes, às vezes externas, mas entrelaçadas pelo espaço comum. Por isso a cidade grande é o mais significativo dos lugares: todos os capitais, todos os trabalhos, todas as técnicas e formas de organização podem aí se instalar, conviver, prosperar. Nesse contexto, a arquitetura, como parte fundamental da vida humana em sociedade e como palco das relações sociais, não pode manter-se indiferente a essas 86
mudanças. Se todos os aspectos da vida moderna estão em constante transformação, é necessário que também os espaços físicos se modifiquem para acompanhar esse ritmo. Essa questão parte tanto do ponto de vista individual -do homem que consome e que está em contato com diversas referências mundiais e quer incorporá-las nos espaços que frequenta- quanto do ponto de vista espacial –nas novas invenções e avanços tecnológicos que precisam ganhar lugar dentro do espaço construído e, por isso, precisam ser “abraçados” pela arquitetura. Isso acontece com todo tipo de arquitetura, mas no caso dos mercados públicos esse processo é ainda mais intenso e fundamental, já que não precisam de mudanças apenas para se manterem relevantes, mas também para garantir a sua sobrevivência na metrópole, como já abordado no segundo capítulo desde trabalho. Com a presença de equipamentos concorrentes mais modernizados, os mercados públicos mantêm o caráter social como diferencial. Mesmo assim, isso não é suficiente como atrativo para o homem globalizado que o frequenta. É preciso que eles se reinsiram no contexto moderno do ponto de vista espacial e também funcional. Os novos espaços de consumo, –como os supermercados ou shopping centers- utilizando-se de elementos espaciais e funcionais mais modernos, como escadas rolantes e aparelhos de ar condicionado, geralmente dispostos em espaços enclausurados, criam novos padrões, modificando a experiência que define o momento de consumir. Aos poucos, as pessoas que frequentam esses espaços passam a se acostumar com a falta do elemento social. No caso da modernização dos mercados públicos, existe o potencial de criar um espaço ainda mais atrativo, se unida a questão social –intrínseca em sua estrutura e funcionamento, desde o seu surgimento- a esses novos elementos, sinônimos recentes de “consumo” para o homem moderno. Além de serem classificados, primordialmente, como espaços essencialmente públicos, podendo englo87
bar diferentes atividades, que não se prendem somente à ações ligadas à circulação de capital. A cultura de massa –que, no caso, é o tipo de cultura promovida pelo consumismo- é indiferente à ecologia social. Ela responde afirmativamente à vontade de uniformização e indiferenciação. Já a cultura popular, manifestada em espaços que são historicamente parte da cidade, como os mercados públicos, tem raízes na terra onde se vive, simboliza o homem e seu entorno, encarna a vontade de enfrentar o futuro sem romper com o lugar, e de ali obter a continuidade, por meio da mudança. Seu quadro e seu limite são as relações profundas que se estabelecem entre o homem e o seu meio, mas seu alcance é o mundo. Portanto, retoma-se a ideia de que os mercados públicos fazem parte de uma resistência, isto é, eles se rendem às imposições do capital para sobreviver e, por outro lado, se fortalecem naquilo que lhes é único de modo que, se modificam, se modernizam, porém, enraízam os seus costumes, tornando-se para aqueles que os frequentam, uma referência de identidade, como aquele espaço de sociabilidade que guarda parte dos processos de construção da cidade, bem como de uma sociedade urbana em curso.
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ESTUDO DE CASO MERCADO DE PONTE DE LIMA
[44] Perspectiva geral do Mercado de Ponte de Lima e seu entorno.
A adaptação e re-inserção de um equipamento como os mercados públicos, no contexto moderno, se faz necessária em muitos casos, porém a forma como ela acontece pode variar. No caso do Mercado de Santa Caterina, como já mencionado, a intervenção teve o objetivo de trazer um novo significado para toda uma área degradada e as estratégias projetuais almejavam transformar o equipamento em um ponto de referência novamente. O mercado, como equipamento independente, nunca deixou de funcionar, apenas perdeu força na sua função como atrativo. Já no caso do Mercado Municipal de Ponte de Lima, em Portugal, a situação foi um pouco diferente: o mercado se localiza em uma região extremamente nobre e de destaque, às margens do Rio Lima, principal cartão postal da cidade. O que aconteceu, aqui, foi o fato de que, com o crescimento do tamanho e fama da cidade, houve demanda para reparos e expansões. 89
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Quando foi construído em 1927, o mercado provocou discussões em relação às vantagens e desvantagens de sua localização na cidade, no entanto não houveram críticas ao projeto da edificação em si. O edifício é implantado sobre um embasamento em pedra, responsável por criar um desnível que evita inundações, já que se encontra próximo à área de cheia do rio. A construção original, voltada para as margens do Rio Lima, é composta por três torres, interligadas por volumes retangulares, que formam as alas de comercio. A construção foi executada com qualidade e seguindo as tradições construtivas e estilos da época, como por exemplo, o uso de pedra. Cada uma das três torres é mais alta do que os volumes retangulares, pois possui dois pavimentos, funcionando como restaurante, ao invés de postos de venda. Já as alas de comércio são compostas por volumes horizontais, com divisões transversais que configuram o espaço como diversos boxes de vendas, voltados -através de aberturas- para a rua e para o pátio interno. Já a circulação, era feita de forma perimetral, ao redor da construção e sobre o embasamento de pedra. Ponte de Lima é a vila mais antiga de Portugal, e situa-se no coração da região de produção do Vinho Verde, que, juntamente com os seus diversos festivais e festas populares, a tornou famosa em todo o país, principalmente nas últimas décadas. O crescente fluxo de pessoas visitando e permanecendo na cidade trouxe novas demandas para o comércio local. Essa tendência, determinou certos tipos de ocupação do espaço público, como a acumulação de bancas de comércio popular nos arredores do mercado, que passou a ocorrer como forma de aproveitar a clientela que ali circulava.
[45] tação
Implan-
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[46] Planta do tĂŠrreo.
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Percebeu-se, portanto, uma necessidade de tirar melhor proveito do Mercado Municipal e, por isso, ele recebeu seus primeiros anexos e intervenções, que, por terem sido feitos às pressas e com pouco incentivo, foram de baixa qualidade, como por exemplo, uma cobertura do pátio central com estrutura metálica e telhas de zinco. Esse tipo de intervenção, feita com pouco cuidado e de forma provisória, não concordava com o estilo do edifício original, em termos construtivos e visuais, além de agregar pouco valor para o equipamento, tanto no quesito espacial quanto significativo, pois parece ter sido deixado de lado. Dessa forma, o novo projeto de recuperação do Mercado, de autoria do escritório Guedes Cruz Arquitectos é resultado do concurso de valorização paisagística das margens do Rio Lima, realizado em 1995. A obra foi concluída em 2002 e envolveu a remodelação do edifício existente, com o aumento do número de bancas e a construção de um estacionamento subterrâneo para 100 carros, funcionando como um atrativo para as novas demandas. A expansão levou à demolição das alas sul e leste, que foram substituídas por um novo bloco, com dois pavimentos para o comércio, com a mesma largura do edifício original. Como resultado da intervenção, o mercado passou a ter uma implantação em formato de “U”, e não mais um retângulo fechado, abrindo seu espaço interior para a cidade e o rio.
[47] Perspectiva do Mercado antes do projeto de renovação, com intervenções improvisadas e uma aglomeração de feirantes nos arredores.
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O projeto para a expansão demonstra muita delicadeza ao priorizar duas questões principais: respeitar o gabarito e a volumetria da preexistência e, ao mesmo tempo, demarcar a diferença entre o que é antigo e o que é moderno. A organização dos espaços de venda no novo anexo segue a mesma lógica do edifício original: “boxes”, dispostos lado a lado, voltados para a rua através de acessos e aberturas, porém ainda em conexão com a praça central, através de fachadas transparentes. Como o volume segue as mesmas proporções de largura de altura da construção preexistente, a área dos espaços de venda também se mantem similar. A principal diferença, em se tratando da organização dos espaços, está no fato de que no novo bloco existem dois pavimentos, onde a planta se repete e o acesso ocorre por meio de escadas dentro do edifício. No segundo pavimento, a circulação é linear e feita através de passarelas metálicas do lado exterior.
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[48] Corte transversal do novo volume, mostrando o funcionamento das escadas móveis
[49] Vista do lado externo. Destaca-se a materialidade e a presença das escadas móveis.
É interessante notar que o projeto traz soluções modernas para problemas antigos, como é o caso da prevenção das enchentes, que, no projeto original, era tratada apenas com a elevação do edifício com um embasamento em pedra. Na nova intervenção, o volume também é elevado, porém é acessado por escadas metálicas de chapa dobrada, que podem ser recolhidas, evitando a entrada de água. A estrutura do projeto é marcada por pórticos metálicos, que sustentam as vigas em madeira da cobertura em vidro da nova praça. Com essa nova cobertura, conectando os dois volumes, a praça ganhou um novo significado e uso, configurando esse espaço com o núcleo social do equipamento e possibilitando seu uso para outras atividades além do comércio. O piso da praça, em pedra, foi mantido no mesmo nível do embasamento original. 95
[50] Elevações do conjunto.
Neste projeto, os materiais utilizados para as estruturas, coberturas e revestimentos, marcam a diferença entre o que é original e o que é recente. Dessa forma, o embasamento e as três torres existentes, são bem distintos da nova cobertura e dos novos pavilhões. Os elementos pré-existentes expressam o trabalho artesanal em pedra e a resistência do conjunto em relação às enchentes. Os elementos novos, feitos de madeira, cobre e vidro, inspiram leveza e transparência, preenchendo a praça com jogos de luz e sombra, trazendo vida ao mercado tradicional.
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[51] Materialidade dos elementos no novo anexo.
[52] Planta do segundo pavimento do novo anexo.
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Essa proposta, como tantas outras analisadas ao longo deste trabalho, vem para confirmar, mais uma vez, a permanente relevância dos mercados públicos. Nesse caso, isso é ainda mais forte porque não se trata apenas de uma reforma ou recuperação de um equipamento, mas sim de uma expansão devido a necessidades e demandas que surgiram em um contexto mais recente. Como muitos dos projetos existentes de mercados públicos são antigos, nos condicionamos a entender a figura do mercado como algo arcaico, que aceita no máximo, uma ou outra intervenção, mas o projeto do Mercado de Ponte de Lima se mostra como um exercício de (re) imaginar uma estrutura essencialmente medieval em um contexto moderno, valendo-se dos avanços funcionais e construtivos da atualidade. Ainda assim, por implantar-se lado a lado com um edifício histórico, demonstra que não só é possível projetar um equipamento como esse para funcionar em um contexto moderno, mas que também é possível que ele coexista em harmonia com as estruturas herdadas. Aqui, passado e futuro se complementam, enriquecendo a vivência do presente.
[53] Praça central do Mercado
FICHA TÉCNICA Mercado Municipal de Ponte de Lima Autor do projeto: Guedes Cruz Arquitectos Ano: 2002 Área: 4 998 m 2 Local: Ponte de Lima, Portugal 99
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UMA NOVA PROPOSTA DE MERCADO PÚBLICO PARA A CIDADE DE SÃO PAULO
4. RE-INSERINDO
CAPÍTULO 4: RE-INSERINDO UMA NOVA PROPOSTA DE MERCADO PÚBLICO PARA A CIDADE DE SÃO PAULO A ideia do mercado público como um equipamento ainda relevante na atualidade sempre teve peso na minha vivência como indivíduo que habita a cidade e, de fato, essa realização é algo obtido somente através do processo de experimentar esses espaços, já que, hoje, esses equipamentos possuem pouca influência no desenho urbano. O desenvolvimento deste trabalho foi uma iniciativa para confirmar e justificar algo que, para mim e para tantas outras pessoas, era perceptível no plano do cotidiano. Ainda assim, estudar lugares e processos já consolidados é muito diferente de propor novos lugares, que se adequam à novos processos. O comércio, o mercado, surgem, essencialmente, junto com o surgimento da sociedade em si e, como elemento fundamental para seu funcionamento, continuam a surgir ao longo da história. Como apresentado ao longo deste trabalho, o caráter desses espaços muda ao longo de tempo e, nesse processo, ganha e abre mão –ao mesmo tempo- de características que um dia lhe foram essenciais. O desafio de propor um novo edifício, um novo elemento na linha temporal da cidade, está em fazer-lhe de forma com que ele se adeque ao contexto, tornando-se parte do organismo urbano, sem deixar que ele perca toda a história e bagagem intrínsecas em sua configuração essencial. A maioria dos mercados públicos existentes atualmente surgiu quando as cidades ainda possuíam outras escalas e, através de diversos processos –como já abordado nos capítulos 2 e 3 deste trabalho- resistiram à expansão e permanecem até hoje. Uma proposta que será feita exatamente no contexto atual, com a globalização, a tecnologia, a multicomplexidade, deve levar em consideração diversos aspectos para tornar-se bem-sucedida. Colocando a cidade de São Paulo como foco, esse processo torna-se ainda mais específico, já que se trata de uma cidade com uma história de ocupação relativamente 102
recente e que concretizou uma tendência ao espraiamento, o que determina uma necessidade para equipamentos de abastecimento em diversas regiões. Partindo-se da constatação de que a relevância do equipamento –em termos de necessidade- determinava uma grande abrangência territorial, a análise sobre o território partiu, portanto, do caráter social, já que o espaço físico não indicava nenhuma tendência forte o suficiente para se sobrepor às demais. A busca deveria resultar em um local que unisse um significativo elemento social, a presença de uma tendência comercial e potencial espacial para reforçar ou criar uma ideia de centralidade. Dessa forma, em um primeiro momento, foi realizada uma análise sobre as feiras livres da cidade de São Paulo. A feira é um espaço informal por natureza, mas cada vez mais enquadradas em regras formais, as feiras livres existentes na cidade de São Paulo vivem um momento de transição. Enquanto alguns vislumbram seu fim, à vista da mudança de costumes da sociedade, outros acreditam que elas podem continuar a fazer parte da vida dos paulistanos, adaptando-se às novas realidades. Entretanto, da mesma forma como acontece com os mercados, nas feiras é possível observar uma grande diversidade social e um forte espaço de interação e, por isso, esses espaços tem grande potencial. Foram mapeadas as feiras com mais de 200 barracas de venda. Uma interpretação dessa espacialidade nos mostra que a concentração de feiras livres está diretamente relacionada com questões que vão desde a concentração de supermercados em seu entorno à força da ideia de comunidade e pertencimento de alguns bairros. Durante o processo de pesquisa, tomou-se conhecimento sobre o funcionamento da Feira do Produtor Orgânico, atualmente em funcionamento dentro de um galpão no Parque da Água Branca. Com 46 produtores participantes e funcionando semanalmente às terças, sábados e domingos, essa feira atrai pessoas não só do bairro, como de diversas regiões, pelo tipo de mercadoria que oferece. De certa forma, ela tornou-se um polo e referência na região onde está localizada, mas ainda assim, funciona de forma informal e improvisada.
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A região da Barra Funda é uma área bem completa, do ponto de vista urbanístico: possui regiões habitacionais –tanto de alto quanto de baixo gabarito- diversos equipamentos culturais, fácil acesso por grandes vias e por transporte público e uma boa infraestrutura. Todas essas informações, caracterizam-na como uma região bastante consolidada, mas, ainda assim, com pouca tendência à espaços que demandem a interação social. Já que o bairro se apresentava como uma boa base para receber o equipamento e a existência da Feira do Produtor Orgânico já o configurava como um ponto de referência, optou-se por implantar ali, uma nova sede, destinada a abrigar a feira. O terreno localiza-se na esquina da Av. Antártica com a Rua Turiassu e tem 3500m². A localização próxima a uma vida de grande fluxo foi uma das diretrizes de escolha do terreno, para facilitar o acesso ao mercado, tanto dos visitantes quanto dos feirantes que irão responsáveis pelo seu abastecimento. Em comparação com os demais mercados existentes –na cidade de São Paulo e em outras, como abordado nos capítulos anteriores- a área do terreno pode parecer pequena. Ainda assim, ela é capaz de abrigar um equipamento com esse uso. Com o crescimento e adensamento da cidade e levando também em consideração questões como a especulação imobiliária e a valorização de certas regiões da cidade no mercado, não é mais possível propor um mercado que possua o caráter de um entreposto de abastecimento. Primeiramente porque hoje em dia, essa não é mais a função primordial desses equipamentos –principalmente numa cidade grande como São Paulo e depois, porque essas estruturas demandam uma área de ocupação muito grande e determinam um grande fluxo de pessoas e automóveis, dinâmicas que não funcionariam em um bairro já consolidado e com caráter relativamente central. A proposta aqui é de implantar um edifício que seja sim uma referência espacial, porém em uma escala mais reduzida, que se aproxima à ideia de bairro e da construção de uma comunidade e identidade local. 106
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Já se tratando do edifício em si, sua forma e organização também não poderiam seguir – tanto por conta da dimensão do terreno quanto por conta das diferentes demandas atuaisas tradicionais tipologias espaciais utilizadas nos mercados públicos. O estudo dessas tipologias, aqui, torna-se pouco relevante, já que elas não podem simplesmente ser repetidas, já que a atualidade configura diversas condicionantes, que demandam soluções específicas a cada caso. A ideia central do projeto é um conjunto de volumes, com um vazio central que configura uma praça, aberta à cidade, determinando um espaço de uso neutro, que pode ser apropriado pelas pessoas para diversos fins. Os volumes que a
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cercam possuem formas bem monolíticas e o volume principal é caracterizado por uma caixa de vidro, recoberta com brises móveis, que “flutua” sobre todo o conjunto. A questão da escala da volumetria foi encarada com especial atenção, já que o edifício está, ao mesmo tempo, voltado para uma grande avenida –que permitiria grandes volumes- e diretamente ligado a uma massa construída de baixa estatura, definida pelo entorno imediato, em sua maioria composto de sobrados de dois pavimentos. Houve uma preocupação de desenvolver uma forma que se destacasse na paisagem sem sobrepor-se demais ao seu entorno.
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Dessa forma, o mercado de organiza da seguinte forma: o desnível de quatro metros dentro dos limites do terreno ajuda a configurar a ideia de dois térreos, acessíveis diretamente pela rua, em dois pontos diferentes. O pavimento mais baixo, está semienterrado em relação ao nível da Av. Antártica, com um desnível de um metro em relação a ela, e é onde se encontra a praça central e os acessos principais aos dois volumes: o do mercado e o do restaurante, mais próximo da rua. O primeiro pavimento, ou o “segundo térreo”, pode ser acessado pelo interior do edifício e também por uma entrada localizada na rua Turiassu. Também é nesse nível em que se encontra o acesso de serviços e abastecimento, localizado na parte posterior do terreno, mantendo a privacidade em relação às casas vizinhas através de um desnível de quatro metros em relação à base onde foram construídas. Acima deste nível existe apenas o segundo pavimento e mais um mezanino.
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Perspectiva da praรงa central
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No interior do mercado os espaços se organizam da seguinte forma: existem três blocos construídos que ligam todos os pavimentos e contém os elevadores sociais, a circulação de serviços, os sanitários, depósitos e as áreas administrativas. Todo o restante do espaço é livre e utilizado como área de venda –onde se localizam as bancas e boxes- e circulação. Os pavimentos são conectados por vazios, determinados por rasgos nas lajes, onde ocorre a circulação por meio de escadas rolantes. O restaurante, cujo acesso está no térreo, possui um mezanino no primeiro pavimento, conectando visualmente esses espaços, ajudando na integração dos diferentes usos num mesmo ambiente. O último pavimento, o mezanino, também tem uma planta livre, mas é utilizado como uma área de alimentação rápida –semelhante a uma praça de alimentação- ao invés de uma área de vendas. A estrutura é convencional, composta por pilares de concreto e vigas metálicas e a materialidade do edifício é composta predominantemente por concreto, metal e vidro. Dois elementos marcantes são os brises metálicos e os lanternins de vidro na cobertura. A presença de iluminação natural é uma questão central e sempre presente quando se fala de mercados públicos. Como o volume principal do projeto é, essencialmente, uma caixa de vidro, os brises não estão presentes apenas como elemento estético, mas como elemento de proteção para o espaço interno. Eles são elementos verticais e pivotantes, de chapa metálica perfurada e sua possibilidade de movimentação dá diversas opções de configuração para a fachada. Os lanternins se encontram na cobertura do primeiro pavimento e do volume principal, sempre alinhados aos vazios das circulações e também possuem chapas metálicas perfuradas abaixo deles, para proteção solar.
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Perspectiva do segundo pavimento
Perspectiva do primeiro pavimento
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Baseando-me em todos os conceitos estudados ao longo do desenvolvimento deste trabalho, a minha proposta buscou unir todos eles em um só elemento projetual. Como demonstrado, os mercados são formas que permanecem no tempo metamorfoseadas. Isso porque essas estruturas são antigas, surgiram há muito tempo e ainda existem na cidade. Como propor, então, uma forma nova, que surge no presente e que deve se adequar à cidade e à sociedade? Ela deve surgir com essas mudanças já incorporadas em sua forma, sem prender-se à modelos ou tipologias prontas. A arquitetura deve ser capaz de absorver novas tendências e tecnologias, buscando a construção de um ambiente mais fluido e que possa abrigar diversas funções assim como o espaço necessário para que essas funções também se expandam e se multipliquem. Tudo isso, é claro, sem deixar de lado a preocupação com o entorno e a inserção urbana do objeto. O mercado é um lugar de troca, de circulação, de convivência, de construção social e a facilidade de acesso e funcionalidade do espaço, que mantém sua função viva, implica uma estratégia espacial. Quando essa tática deixa de funcionar, torna-se impossível manter a função no lugar.
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Corte ampliado da fachada, desenhado em 1:50 e perspectiva da estrutura de fixação dos brises metålicos 128
Corte ampliado, desenhado em 1:20, detalhando os elementos construtivos da fachada. 129
Imagens da maquete volumĂŠtrica do projeto na escala 1:250 130
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Imagens da maquete volumĂŠtrica do projeto e entorno na escala 1:500 132
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ÍNDICE DE IMAGENS Imagem da capa. Fonte: www.flickr.com. Disponível em: https:// www.flickr.com/photos/edna__fadinha/8045079498/ (acesso em nov/2017) Imagem de abertura - Introdução. Fonte: www.flickr.com. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/104942293@ N04/12638817835/ (acesso em nov/2017) Imagem de abertura - Primeiro Capítulo. Fonte: www.flickr. com. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/maringas/6292932532/ (acesso em nov/2017) Imagem de abertura - Segundo Capítulo. Fonte: https://upload. wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/ef/Feira_livre. jpg/1024px-Feira_livre.jpg (acesso em nov/2017) Imagem de abertura - Terceiro Capítulo. Fonte: http://mercadocentral.com.br/sitenovo/wp-content/uploads/2015/11/ IMG_0138-570x367.jpg (acesso em nov/2017) Imagem de abertura do Quarto Capítulo. Fonte: www.flickr. com. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/tahian/5479545412/ (acesso em nov/2017) [1] Fonte: https://cidademedieval.blogspot.com.br/2016/11/ bulicio-na-rua-aconchego-no-lar.html [2] Fonte: https://pbs.twimg.com/media/CEWY2HpWMAEy_ cH.jpg / https://untappedcities-wpengine.netdna-ssl.com/ wp-content/uploads/2016/05/Jane-Jacobs-House-555-Hudson-Street-Vitage-Photograph-NYC.jpg / http://www.historyimages.com/Vintage-NY/Lower-East-Side.htm [3] Mapas produzidos pela autora. Fonte das bases originais: Google Maps [4] Fonte: https://www.citeco.fr/10000-years-history-economics/media/images/resize/w1000_1930_2_1er%20supermarche.jpg [5] Fonte: http://i.imgur.com/RNEwqKA.jpg [6] Fonte: http://www.keengo.net/img/galerias/supermercados/seguridad_en_supermercados.jpg
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[7] Fonte: https://grandesnomesdapropaganda.com.br/ wp-content/uploads/2016/10/guanabara.jpg [8] Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/polopoly_fs/1.1780057!/image/image.jpg [9] Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2015/07/078-081_Geoturismo_233.jpg [10] Fonte: Acervo IMS. DisponĂvel em: https://i.pinimg.com/ originals/69/1e/03/691e0319cb801d6a35fb4b35cc94eb93.jpg [11] Fonte: https://i.pinimg.com/564x/6f/f9/97/6ff997fac0a440556f50afa84abb5095.jpg [12] Fonte: https://i.pinimg.com/originals/5b/bc/0b/5bbc0bccad4eda3a903bd5b573d62c21.jpg [13] Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-YV_N_QLswAs/Tphg 0VQ 0 e q I /A A A A A A A A E 5 c/ S S M J B K Yo f u 0/s 1 6 0 0/ Vw class-1974.jpg [14] Fonte: Foto da autora [15] Fonte: https://static.wixstatic.com/media/aa5f6d_6a2d5 c 8 5 9 e 4 c 4 0 8 3 b 5 4 f 9 6 1 6 5 8 8 5 d a 8 d .j p g /v 1 /f i l l /w _ 1 0 7 0 , h _ 4 27,al _ c,q _ 90 ,usm _ 0 .66_1. 00_0. 01/a a 5f6d_6a 2 d5 c859e 4c4083b54f96165885da8d.webp [16] Fonte: http://smul.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas/urb-1890-1900.jpg [17] Fonte: https://i.pinimg.com/originals/6c/46/6c/6c466c23cd5b4ff6123d4571c3bf3e9c.jpg [18] Fonte: https://static.wixstatic.com/media/aa5f6d_7c4ddd79825b4ffd9e883ff674a8e011.jpg/v1/fill/w_590,h_ 427,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01/aa5f6d_7c4ddd79825b4ffd9e883ff674a8e011.webp [19] Fonte: https://static.wixstatic.com/media/aa5f6d_ f4912996d12640bba093871c8fdd465a.jpg/v1/fill/w_649,h_4 27,al_c,q_90,usm_0.66_1.00_0.01/aa5f6d_f4912996d12640bba093871c8fdd465a.webp [20] Fonte: https://static.wixstatic.com/media/aa5f6d_43ac20453cca4c5793a5664229c2b2c7.jpg/v1/fill/w_649,h_42 7, a l _ c , q _ 9 0 ,u s m _ 0 .6 6 _ 1 . 0 0 _ 0 . 0 1 /a a 5 f 6 d _ 4 3 a c 2 0 4 5 3 c c a 4c5793a5664229c2b2c7.webp [21] Fonte: Foto da autora [22] Fonte: Foto da autora [23] Fonte: Foto da autora [24] Fonte: https://static.wixstatic.com/media/aa5f6 d _ 4 f 0 2 4 9 0 a 5 5 9 b 4 a 0 2 8 9 d 5 6 b c 3 3 1 9 1 b b f 9 .j p g /v 1 /f i l l /w _ 6 6 4 , h _ 4 2 7, a l _ c , q _ 9 0 ,u s m _ 0 .6 6 _ 1 . 0 0 _ 0 . 0 1 /a a 5 f 6 d _ 4f02490a559b4a0289d56bc33191bbf9.webp 135
[25] Fonte: Foto da autora [26] Fonte: https://static.wixstatic.com/media/aa5f6 d _ 4 f 0 2 4 9 0 a 5 5 9 b 4 a 0 2 8 9 d 5 6 b c 3 3 1 9 1 b b f 9 .j p g /v 1 /f i l l /w _ 6 6 4 , h _ 4 2 7, a l _ c , q _ 9 0 ,u s m _ 0 .6 6 _ 1 . 0 0 _ 0 . 0 1 /a a 5 f 6 d _ 4f02490a559b4a0289d56bc33191bbf9.webp [27] Fonte: Foto da autora [28] Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/28/Planta_muralla_medieval_de_Barcelona.jpg [29] Fonte: http://www.barcelonacheckin.com/img/stored_ images/barcelona/photo_articles/boqueria.jpg [30] Fonte: http://1.bp.blogspot.com/-GDLdlI4369w/VEt2rPGIRdI/AAAAAAAAAXE/Slj71lZLAaM/s1600/Eixample_ avui_300dpi.jpg [31] Imagem editada pela autora. Fonte: http://ajuntament.barcelona.cat/comerc/en/commerce-directory/municipal-markets [32] Fonte: http://www.mercabarna.es/media/upload/gif/ cache/slide_video_mercabarna_1486033137_1600.jpg [33] Fonte: https://www.flickr.com/photos/marcoshonorato/6998591727/ (acesso em nov/2017) [34] Fonte: http://barcelona-home.com/blog/wp-content/upload/2013/11/santa-catarina-market.jpg [35] Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b1/Santa_Catalina_de_Barcelona.svg [36] Fonte: https://images.adsttc.com/media/ima g e s/5 1 5 d /9 9 7 2 / b 3 f c/4 b 9 d /4 f 0 0/0 1 2 b/ l a r g e _ j p g/1350040270-santa-caterina-market-10.jpg?1365088623 [37] Fonte: http://www.arqred.mx/blog/wp-content/uploads/2009/03/untitled-1.jpg [38] Fonte: http://miesarch.com/uploads/images/ works/968---Santa-Caterina-Market-Rehabilitation968secciones.jpg [39] Fonte: https://archinect.imgix.net/uploads/rw/rwiue2ue58qknlpw.jpg?auto=compress%2Cformat [40] Fonte: https://i.pinimg.com/736x/d9/d6/98/ d9d698ce2293b82b7091fcf743942f8e--barcelona-architecture-amazing-architecture.jpg [41] Fonte: http://www.cafecomgalo.com.br/wp-content/uploads/2017/04/consumo.jpg [42] Fonte: http://geekness.com.br/ilustracoes-satiricas-de-eduardo-salles/ [43] Imagem produzida pela autora
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[44] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e 8 0 8 /c 0 7 a / 8 0 7 2 / f 2 0 0/0 0 b 3 / l a r g e _ j p g /0 6 P O R TA DA . jpg?1398663168 [45] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e90b/c07a/8026/1900/00db/large_jpg/003.jpg?1398663398 [46] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e774/c07a/8072/f200/00af/large_jpg/Des._Mercado_Planta_Piso_0.jpg?1398663015 [47] Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-h8aGVbMBlrg/T_13A_ jOg6I/AAAAAAAADpU/xzYeOsLRp6g/w1200-h630-p-k-nonu/mercado_antigo.jpg [48] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e6d7/c07a/804a/8700/00a5/large_jpg/Des._Mercado_Pormenor_3.jpg?1398662842 [49] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e75b/c07a/8072/f200/00ae/large_jpg/53.jpg?1398662995 [50] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e 6 d e /c 0 7 a / 8 0 2 6/1 9 0 0/0 0 c f / l a r g e _ j p g / C o r t e _ Tr a n s v. jpg?1398662868 [51] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e896/c07a/8026/1900/00d9/large_jpg/00.jpg?1398663304 [52] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/ e71d/c07a/8072/f200/00ad/large_jpg/Des._Mercado_Planta_Piso_2_Galeria.jpg?1398662932 [53] Fonte: https://images.adsttc.com/media/images/535d/e740/c07a/804a/8700/00aa/large_jpg/139_copia. jpg?1398662967 Todas as imagens utilizadas no capĂtulo 4 foram produzidas pela autora.
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