TFG Carolina Boaventura

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ENCONTRO E MEMÓRIA O CENTRO DE GOIÂNIA E O JÓQUEI CLUBE



UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

ENCONTRO E MEMÓRIA O CENTRO DE GOIÂNIA E O JÓQUEI CLUBE

carolina rodrigues boaventura orientador: prof. dr. luís antônio jorge

2013



AGRADECIMENTOS

Este trabalho final de graduação não foi fruto apenas de meus esforços pessoais, pois todo o seu desenvolvimento contou com a participação de diversas pessoas, às quais agora, com muita satisfação, agradeço. Em primeiro lugar, ao meu orientador, professor Dr. Luís Antônio Jorge ao qual quero exprimir o meu reconhecimento e agradecimento pelas inúmeras orientações e, sobretudo, por ter me ensinado a desenvolver o trabalho através de um olhar poético e delicado sobre a relação entre a memória, a arquitetura e a cidade. Aos professores Dr. Alexandre Ribeiro Gonçalves e Dr. Angelo Bucci, por gentilmente terem aceitado o convite para participarem da minha banca. Ao artista e ex-professor da PUC-Goiás Amaury Menezes, a Maria de Fátima Cunha e aos arquitetos Luciano Caixeta e Patrick de Almeida por compartilharem suas histórias de vida e percepções sobre a cidade de Goiânia, particularmente sobre

seus espaços públicos. À Grazielli Bruno Bellorio, arquiteta da Secretária Municipal de Planejamento Urbano de Goiás – SEPLAM por auxiliar-me na pesquisa de imagens e bases cartográficas da cidade de Goiânia. Ao Vitor Garcia e arquiteto Luís Mendonça, por cederem o levantamento do edifício do Jóquei Clube. Aos amigos arquitetos Leônidas Albano, Fernanda Craveiro e, em especial, Maria Luiza Dutra pelas atentas observações e sugestões. Ao Diógenes Miranda e ao Infofau pelo apoio e observação na produção do vídeo. Ao amigo Wesley Oliveira pela grande colaboração com a representação gráfica e produção de renders. Ao professor Dr. Mário Henrique Simão D´Agostino por tanto incentivo e acompanhamento da minha trajetória acadêmica. Aos grandes amigos Fabricio Fiaccadori e


Isabel Thania Coimbra por apontarem importantes questões sobre a cidade de Goiânia. Aos meus pais, Deusa Maria Boaventura e Alberto Boaventura, também arquiteta e engenheiro respectivamente, por estarem sempre presentes, como meus maiores apoiadores e também como meus primeiros professores. À minha irmã Lorena pelo apoio incondicional, como também pela compreensão da minha recorrente ausência. Aos meus colegas da FAUUSP Ana Carolina Lima, Aruã Wagner e Melissa Kawahara, em especial ao Max Heringer pelas discussões, acompanhamentos e apoio. Por fim, pelo carinho à distância, Florent Prevost.


Palácio das Esmeraldas e Centro Administrativo, década de 1980 Goiânia – GO. Imagem: Autor desconhecido.Fonte: Acervo MIS|GO.



ÍNDICE 11 INTRODUÇÃO 17 PARTE 1 | MEMÓRIA, DESENHO E ESPAÇOS MEMORÁVEIS 25 PARTE 2 | A INTERSEÇÃO DE TRÊS HISTÓRIAS três histórias anos de 1930 - 1950: a construção da modernidade anos 1960 - 1980: mudanças na paisagem urbana anos 1990 - 2010: decadência e abandono 69 PARTE 3 | A CIDADE E O EDIFÍCIO DE HOJE o setor central em números e registros sobre os espaços públicos e os lugares da memória sobre a mobilidade urbana sobre a habitação no centro sobre o jóquei clube 115 PARTE 4 | A CIDADE E O EDIFÍCIO POSSÍVEIS diretrizes de intervenção proposta de mobilidade urbana os pocket parks as praças verdes as habitações os equipamentos de cultura e lazer: requalificação do jóquei clube 243 CONSIDERAÇÕES FINAIS 247 BIBLIOGRAFIA 253 ANEXO entrevista amaury menezes entrevista maria de fátima cunha entrevista luciano caixeta entrevista patrick di almeida



INTRODUÇÃO

No ano de 2012 realizei um intercâmbio de um semestre na Technological University of Delft (TU Delft). Cursei disciplinas que tinham como discussão central a compreensão, a análise e a projetação do espaço público. No estúdio, foi proposto o desenho de um museu temporário da cultura holandesa na cidade de Amsterdam, porém, antes de se apresentar uma proposta, foi exigido uma discussão sobre memória, tempo e espaços públicos. Apesar de ser uma interessante metodologia de trabalho, em alguns aspectos discordava da relação que estabeleciam entre a memória e o espaço museológico. Este, mais caracterizado por ser um equipamento didático do que um espaço público propriamente dito. Ao iniciar o Trabalho Final de Graduação quis dar sequência ao estudo realizado na TU Delft. Mas, para tanto, procurei uma compreensão distinta da temática apresentada pela faculdade holandesa. Utilizando os escritos dos teóricos Ecléa

Bosi (Memória e Sociedade), Ulpiano Bezerra de Menezes (A História, Cativa da Memória?. Para uma mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais) e Milton Santos (A natureza do Espaço: Técnica e Tempo; Razão e Emoção), neste trabalho, o lugar da memória é apreendido nos espaço do cotidiano. É através da ocupação desses lugares e de seu potencial para a promoção do encontro, que eles ganham significado, por pertencerem da história de cada um dos indivíduos que o vivenciaram. Considerando tais condicionantes, o trabalho Encontro e Memória: o Centro de Goiânia e Jóquei Clube estrutura-se em três centros principais de interesse: Em primeiro lugar, com o capítulo Memória desenho e espaços memoráveis procurou-se entender duas interpretações sobre a memória, buscando mostrar em qual delas o trabalho se aproximou. Discutiu-se também os conceitos e diferenças entre “espaços de memória” e “espaços memoráveis”. 11


Para exemplificar estes conceitos, tomou-se como exemplo o trabalho da Lina Bo Bardi, que mosta uma interessante condição de ocupação dos espaços e como estes podem servir ao coletivo. Num segundo momento em, A interseção de três histórias: o Centro de Goiânia, o Jóquei Clube e a memória dos seus personagens, compreendese a íntima relação entre a memória, o espaço e o cotidiano. Posteriormente observa-se esta condição nos dois principais objetos de estudo deste trabalho: o Centro tradicional de Goiânia e o edifício do Jóquei Clube. A metodologia escolhida para a realização desta etapa foi a coleta de depoimentos orais, segundo entrevistas. Foram escolhidas pessoas de distintas idades e profissões que frequentaram esses dois espaços e guardaram em suas histórias pessoais profundos sentimentos de afeição e saudade. Em posse desses relatos, as histórias da cidade e do edifício foram recontadas. As referências bibliográficas para o desenvolvimento deste capitulo foram o livro de Gonçalves, Goiânia: uma modernidade possível e a dissertação de Vaz intitulada Transformação do Centro de Goiânia: Renovação ou Reestruturação? Na sequência deste capítulo, a intenção foi apresentar uma leitura da atual situação da cidade 12

e do edifício do Jóquei, a fim de entender o seus aparentes abandonos. Para tanto, foram utilizadas as diretrizes adotadas pelo urbanista Jan Gehl na publicação “Cidade para pessoas”. A análise da qualidade dos espaços públicos, o incentivo da prática do caminhar, a apreensão urbana, vista sobre a perspectiva do olhar humano, e as relações entre os espaços do público e do privado são alguns dos tópicos colocados em questão. Em A cidade e o edifício possíveis propõese uma hipótese de intervenção no centro tradicional de Goiânia, onde serão apropriados os terrenos que atualmente são destinados a estacionamento. Quatro usos básicos são indicados: os pocket parks, as praças, as habitações e os edifícios de cultura e educação. O edifício do Jóquei Clube é retomado como proposta de centro de dança, esporte e teatro. Nas páginas que se seguem, procurase contribuir com o debate sobre os processos de intervenção das cidades brasileiras, como também com a reflexão sobre a qualidade dos espaços públicos de Goiânia, a partir de dados e imagens que foram levantados e memórias que foram exploradas.


Av. Goiás com a Rua Três, prédio do antigo Grande Hotel em 1980 Fonte : IPLAN

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PARTE 1 MEMÓRIA, DESENHO E ESPAÇOS MEMORÁVEIS



1. Memória e desenho

Lina Bo Bardi, MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, croqui (estudo para a ocupação do belvedere com exposição de brinquedos para crianças). Fonte:RUBINO, 2009, p. 123

A memória, geralmente relacionada a uma imagem, fato ou evento, é comumente associada ao passado. Os fatos ocorridos em um tempo remoto e que se mantiveram no indivíduo tendem-se a desgastar e cair em esquecimento. Entretanto, por meio de objetos antigos e sensações é possível reavivar estes episódios guardados no intimo do individuo. Nunca se falou tanto sobre memória e a relevância da sua preservação. O grande reflexo desta preocupação pode ser observado por meio do boom da construção de obras museológicas. Museu do futebol, holocausto, cultura judaica, direitos humanos são alguns dos incontáveis edifícios que foram e são erguidos, na contemporaneidade, sobre o pretexto de atenderem as questões de memória e da cultura no espaço urbano. Huyssen explica como essa fetichização da memória legitimou a cultura global dos edifícios espetáculos, justificando–os como os únicos

equipamentos capazes de preservar o passado diante do frenesi dos dias atuais. O que o Lubbe descreveu como musealização pode agora ser facilmente mapeado com o crescimento fenomenal do discurso da memória dentro da própria historiografia (...). A minha hipótese é que, também nesta proeminência da mnem-história, precisa-se da memória e da musealização, juntas, para construir uma proteção contra a obsolescência e o desaparecimento, para combater a nossa profunda ansiedade com a velocidade de mudança e o contínuo encolhimento dos horizontes de tempo e espaço. (HUYSSEN, 2000, p. 28)

Dotado do discurso de preservação do passado, como retentor da memória, os museus e monumentos contemporâneos inserem-se no tecido urbano, em sua grande maioria, como um equipamento de funções didáticas. Mas, poucos 17


deles se configuram como espaço de convívio social, havendo uma clara separação entre o espaço e o usuário, sendo o segundo um agente passivo do primeiro. Divergentemente, os estudiosos Ecléa Bosi (1994) e Ulpiano Bezerra de Meneses (1992) defendem a concepção de memória como uma matéria de constante reconstrução, buscando responder questões colocadas no presente. Para estes autores é um equívoco interpretar as experiências do passado como uma adição e sobreposição dos fatos, assim sendo, o passado é constantemente recriado e não pode ser entendido como “um pacote de recordações, já previsto e acabado” (BEZERRA, 1992, p. 10). A respeito desta concepção, Bosi comenta: A memória não é reviver, mas refazer, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, “tal como foi”, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam a nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma 18

imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela nossas ideias, nossos juízos de realidade e valor. (BOSI, 1994, p.55)

Este trabalho se filia a esta segunda corrente que aponta a memória como uma construção do presente. Assim sendo, a narrativa oral acaba se apresentando como um relevante instrumento de pesquisa, apesar de muitas vezes ser duramente criticado por não revelar a totalidade do tempo passado, mas sim por corresponder a um determinado ponto de vista. Apesar de alguns autores apontarem distorções e parcialidades na narrativa oral em razão da incapacidade de não representar a “panorâmica da imagem de domínio publico” (JORGE, 1999, p.139), outros, como Halbwachs (apud: BOSI, 1994, p.413) defendem que: “cada memória individual, é um ponto de vista da memória coletiva”. Sendo a imagem da cidade o resultado da somatória das perspectivas pessoais. Portanto, os depoimentos orais dão conta do cotidiano passado, tão valioso para a compreensão das sutilezas nas dinâmicas sociais de um tempo e espaço.


Na tentativa de reconstruir a memória, a partir de várias narrativas, o trabalho foi orientado pelas perspectivas e fragmentos da imagem de Goiânia descrito por aqueles que vivenciaram o cotidiano urbano. Estes incertos permitiram a extração de olhares particulares e poéticos sobre a cidade. Neste contexto, a memória e a linguagem, que são recursos valiosos para se pensar as intervenções urbanas, operam segundo uma perspectiva mais socializadora. Isto porque, a linguagem oral, unifica e aproxima, no mesmo espaço, histórico e cultural, vivências tão diversas como o sonho, as lembranças e as experiências recentes. Jorge chama a atenção para as delicadezas contidas nos depoimentos e, de como são claras as imagens da cidade guardadas nas histórias pessoais. (...) a imagem que cada um evoca quando

dela se fala, pouco tem de visual: é antes polissensorial. Ela é visualmente pouco definida, e para que assim se faça, é necessário percorrêla na memória, buscando os lugares registrados. Tal percurso, dado os pormenores que cada um recolhe, fez com que esta “imagem da cidade” seja extremamente particular, ou seja, ela, embora sendo “da cidade”, é uma representação

de uma história pessoal, de uma experiência de vida”, composta por odores, ruídos, temperatura, sensações, emoções, etc. (JORGE,1999, p. 139)

Pelos depoimentos, as dores, as tristezas e as alegrias são reveladas na relação homem-cidade e homem-edifício. A tristeza de um personagem diante da demolição do edifício que representou sua infância e adolescência revela a integração emotiva entre o sujeito e o meio, tal como se observa nas palavras abaixo,

Eu guardo uma memória muito melhor do antigo Jóquei Clube. Não é problema de ser saudosista, é porque, na realidade, quando eu me lembro do Jóquei eu tenho saudade de mim, e eu vivi uma boa parte da minha vida naquele clube antigo. Então, por isso eu falo com uma certa acidez sobre essa modificação que eles fizeram. (MENEZES. in : BOAVENTURA, 2013)

Será, portanto, através da linguagem que os espaços poderão adquirir outros significados, matéria tão cara àqueles que pretendem interferir na cidade e em suas edificações. O olhar do arquiteto, muitas vezes, anestesiado pela beleza do uso 19


dos materiais e pela engenhosidade das soluções estruturais de determinada edificação, ignora as relações de vivência que aquele espaço representa ou representou, como mostra, por exemplo, a entrevistada sobre a beleza do que foi o nobre salão da Sede do Jóquei Clube. Eu estou com 59 anos e quando eu tinha 15 anos, eu debutei no Jóquei: que festa linda! Vestido longo, branco, tudo ornamentado, tudo organizado. E a gente dançava valsa. Vinha uma orquestra de fora da cidade para fazer a festa. Tinha valsa, primeiro para dançar com o pai, depois com o padrinho. E jantares maravilhosos! (CUNHA, in: BOAVENTURA, 2013)

Relacionando a memória com o espaço cumpre ressaltar a diferença entre “espaços de memória” e “espaços memoráveis”. O primeiro, esta ligado aos espaços que falam da memória, que a interpreta friamente, somente, como material didático. Como ocorre com a maioria dos museus e dos monumentos. O segundo, se define como sendo lugares que promovem os encontros. São palcos de ações cotidianas e triviais que se consolidam 20

na memória dos sujeitos por estarem fortemente conectados e entrelaçados no seu dia a dia. Mediante a compreensão da relação entre a memória e o espaço, convém questionar o papel do arquiteto e sua atuação na promoção destes espaços memoráveis. Como promover o encontro das pessoas? Jorge, em seus escritos, também incita esta questão .

Se o espaço representa valores de uma sociedade, ele também pode ser agente de transformação destes mesmos valores. Utopia? Sentido primeiro da atividade do arquiteto: a arquitetura é uma forma de conhecimento. (JORGE, 1999, p. 151)

O arquiteto não define rigorosamente o futuro e o funcionamento dos espaços, pois sabe-se que eles adquirem sua própria autonomia. O edifício, a praça, as ruas propostas são constantemente transformados pelos usuários, recebendo outros usos e significações daquelas anteriormente previstas. Entretanto, pela leitura do cotidiano e pela compreensão da importância das dinâmicas já instaladas na urbis, pode-se estabelecer uma relação entre o desenho e o significado dos lugares.


Como exemplo deste tipo de resposta, Lina Bo Bardi, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, defende um desenho do vão do edifício com clara intenção de inserção da vida pública. Quando a população ocupa este espaço para realização de feiras, protestos, atividades culturais, como uma extensão da calçada, este acaba se configurando como um espaço de encontro por excelência, espaço memorável. Lina projeta olhando para as relações existentes e propõe, em desenho, a potencialização das interações sociais. Como ela mesma afirma:

de novos espaços memoráveis.

Eu procurei, no Museu de Arte de São Paulo retomar certas posições. Procurei (e espero que aconteça) recriar um “ambiente” do Trianon. Eu gostaria que lá fosse o povo, ver exposições ao ar livre e discutir, escutar música, ver fitas. Gostaria que crianças fossem brincar no sol da manhã e da tarde. E até retretas e o mau gosto de cada dia que, enfrentado “friamente”, pode ser também um conteúdo. (BO BARDI apud RUFINO, 2009, p. 127)

Destarte cabe ao arquiteto, por meio de narrativas orais, compreender as dinâmicas existentes e os múltiplos significados dos lugares, e diante destas informações pensar em um desenho que respeite o que já existe e promova a configuração 21



PARTE 2 A INTERSEÇÃO DE TRÊS HISTÓRIAS



2. Três histórias

A implantação do plano urbanístico de Goiânia representou uma importante marca do progresso e da modernização em Goiás. A parte central deste plano, destinada aos eventos políticos e sociais, foi o espaço que mais representou essa modernização e que, ainda hoje, abriga os principais edifícios representativos do poder e da nova ordem social. Mas, a despeito dessa importância histórica, o centro e o seu patrimônio edificado, vivem um intenso e expressivo grau de degradação e abandono, semelhante ao de outras capitais brasileiras. No conjunto destes importantes edifícios pertencentes ao centro, destaca-se o edifício do Jóquei Clube de Goiás. Projeto assinado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha em 1963, o clube foi ao longo dos anos 70, 80 e 90 o principal ponto de encontro, de festas e shows da cidade. Atualmente, ele se encontra em péssimo estado de conservação, carecendo de propostas de intervenção que busquem valorizar tanto a sua história como o seu significado na

paisagem da cidade. Nesse sentido, ao contrário de práticas de intervenção mais tradicionais o trabalho se propõe apresentar uma proposta que partiu do estudo e da análise da cidade e do edifício, segundo uma perspectiva que considera os relatos daqueles que vivenciaram estes espaços em diferentes tempos. Com esta prática procurou-se “constituir a crônica do quotidiano” (BOSI, 2003 p.15), tomandose ciência das atividades, das tristezas e das paixões vividas nos espaços goianos, ou seja, entendeu-se o espaço urbano da cidade, bem como o edifício, como palcos da memória e de lugares memoráveis.

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2.1 Anos de 1930 - 1950: a construção da modernidade

Imagem 1 Compactação do solo da Praça Cívica: a modernidade e o sertão Fonte: SEPLAM

No início do século XX Goiás passou a ser, gradativamente, uma interessante opção para a extensão da economia cafeicultora e exportadora brasileira, à medida que as terras do Centro-Sul tornavam-se caras e escassas. A expansão da malha ferroviária, ligando Goiás ao Sudeste, e a chegada das oligarquias paulistas e mineiras impulsionaram intensas mudanças socioeconômicas no Estado. A região, abandonada após a decadência do “Ciclo do Ouro”, retoma uma certa importância diante o cenário nacional. Iniciam-se, portanto, as primeiras ações de urbanização em algumas cidades goianas, como Catalão, Ipameri, Morrinhos, Corumbaíba, Nova Aurora, Caldas Novas, Santa Cruz, Bonfim (atual Silvânia), Bela Vista, Anápolis e até mesmo em Campinas. (GONÇALVES, 2003, p.24). Devido à recessão de 1929, Getúlio Vargas, ante ao declínio do modelo agroexportador brasileiro, propõe a substituição do sistema agrário pelo o intenso investimento na produção nacional. O projeto de

modernização e industrialização do governo populista previu a ocupação de toda extensão territorial, a restauração da comunicação interestadual e a centralização dos setores econômicos e políticos do país sob o poder da União. Essa movimentação política, conhecida como “Marcha para o Oeste”, promoveu a ocupação do sertão, em nome da imagem utópica de progresso e modernização (Imagem 1). A abolição da autonomia local e o enfraquecimento das oligarquias eram, portanto, necessárias para a consolidação do projeto de unificação do território brasileiro. (Imagem 2) Em Goiás, a tradicional oligarquia Caiado foi substituída pelo interventor Pedro Ludovico Teixeira (Imagem 3), médico e sanitarista, comprometido com o progresso aos moldes varguistas. Ele ficou com o encargo de mudar a sede administrativa do Estado, através da substituição da cidade colonial de Vila Boa de Goiás por uma nova cidade, planejada e de desenho urbano inovador. Assim, o governo federal 27


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buscou solucionar o isolamento social, político e econômico do Centro Oeste em relação aos grandes centros da época. A nova capital foi a materialização do projeto de integração nacional e a interiorização geográfica que “garantiria” para o Brasil um futuro glorioso e o definitivo abandono de sua imagem de país atrasado (Imagem 4), como comenta Machado:

Imagem 2 Foto de Getulio Vargas com Pedro Ludovico Teixeira. Fonte: SEPLAM Imagem 3 Pedro Ludovico Teixeira com a mulher, Dona Gercina. Fonte: SEPLAM Imagem 4 Casal erguendo casa de palhoça no início da construção de Goiânia: a imagem do “atraso”. Fonte: SEPLAM

A revolução de 1930 pronunciara, para o Brasil e para Goiás, novos tempos. E nada melhor que uma nova capital para instalar uma nova era política do nosso estado. Mesmo tendo sido derrotada pela Revolução, a oligarquia Caiadista, cujo reduto era a Cidade de Goiás (antiga Vila Boa), não estava aniquilada e, para fugir do seu alcance, mudar a capital para outra região reforçaria o novo governo (MACHADO, 2007, p.68)

Em 1932 o governador e interventor, através do Decreto nº 2.737, nomeia uma comissão, composta por urbanistas, arquitetos e geógrafos, para investigar sobre as possíveis localidades da futura capital. Com o endossamento do engenheiro e urbanista Armando de Godoy, é eleita a região das fazendas Criméia, Vaca Brava e Botafogo, pertencentes à cidade de Campinas. O sítio aprovado, segundo o engenheiro, era o mais adequado por conter as

seguintes condições: (a) proximidade com a ferrovia existente, facilitando transporte e comunicação; (b) condições topográficas planas, que poderiam favorecer um traçado moderno; (c) proximidade com matas, para criação de espaços verdes; (d) boas condições hidrológicas, para o abastecimento local; (e) fertilidade do solo e (f) proximidade com zonas mais habitadas do Estado. (MANSO, 2001, p.77) Em 1933 o Plano Diretor da nova capital, assinado pelo arquiteto e urbanista Atílio Corrêa Lima, foi concluído (Imagem 5). Contendo as primeiras diretrizes para a cidade, o projeto claramente refletia as influências estéticas adotadas pelo urbanista. O desenho apresentado propôs um cenário composto por praças geométricas e bulevares, semelhantes ao modelo adotado por Haussman para a requalificação de Paris. Destacam-se também, como reforça Manso (2001, p.204), a influência de algumas experiência provenientes do Movimento Moderno como zoneamento, a ortogonalidade e os green belts (anéis verdes). Entretanto, como mostra Gonçalves (2002), apesar dos esforços citados que visavam alcançar a modernidade e apagar o passado colonial do Estado, a nova capital apresentou, desde a sua origem, profundas marcas de contradições e ambiguidades. 29



Construída sobre uma modernidade artificial, Goiânia, a “capital do sertão”, foi uma cidade onde o atraso e a modernidade se mesclavam e valores agrários ainda permeavam entre as novas concepções culturais impostas naquele momento. 2.1.1 O Plano Original de Goiânia e suas primeiras edificações A estrutura urbana de Goiânia foi desenhada para uma população inicial de 15.000 habitantes e previa futuros vetores de expansão considerando até 50.000 habitantes. O plano

urbano possuía como diretriz geral os seguintes aspectos: a maior manutenção possível da topografia original, a hierarquização de vias, o zoneamento e a racionalização. Entretanto, o centro administrativo foi o elemento primeiro de composição e definidor das demais áreas. Nomeado por Praça Cívica (Imagem 6), o local onde seriam instalados todos os edifícios públicos, tanto em âmbito estadual quanto municipal, recebeu especial atenção e esmero em seus detalhes. A partir deste ponto focal foram estabelecidas três grandes vias arborizadas. Os generosos eixos,

Imagem 5 Mapa do Plano proposto por Atílio Corrêa Lima Fonte: SEPLAM Imagem 6 Praca Cívica em 1937 Fonte: SEPLAM

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designaram à praça verdadeiro caráter monumental pelo efeito perspectivo criado, mas também solucionaram a acessibilidade do local (Imagem 7). Como mostra o relatório do próprio arquiteto:

Da topografia tiramos partido também para obter efeitos perspectivos, com o motivos principal da cidade, que é seu centro administrativo. Domina este a região e é visto de todos os pontos da cidade e principalmente por quem nela chega. As três avenidas mais importantes convergem para o centro administrativo, acentuando assim a importância deste em relação a cidade, que na realidade deve-lhe a sua existência. Guardando as devidas proporções, o efeito monumental procurado é o princípio clássico adotado em Versalhes, Karlsruhe e Washington (CORRÊA LIMA, apud: VAZ, 2002, p.67)

Imagem 7 Eixo Monumental partindo da praça administrativa Fonte: SEPLAM

As edificações que ocuparam a Praça Cívica também foram pensadas para atribuir singularidade ao espaço. O estilo escolhido foi o art déco, ou seja aquele que, além de ser o mais popular nos principais centros da época, também serviu como símbolo estético da modernização promovida pelo poder federal. Nesse aspecto, cabe conferir atenção à obra mais bem cuidada: o Palácio do Governo – o Palácio

das Esmeraldas (Imagem 8). Se essa opção estética foi, por um lado, símbolo máximo da contraposição entre um passado colonial e o presente inovador, por outro lado, foi motivo de algumas divergências e estranhamento social, causando, até mesmo manifestações contrárias ao estilo adotado (MANSO, 2004, p.29). A estrutura viária era definida de forma hierárquica. Os principais eixos de circulação foram estabelecidos por cinco principais avenidas. A Avenida Anhanguera, que cruza toda a cidade no sentido leste-oeste, foi também definida como o principal eixo comercial. Perpendicularmente a essa, a Avenida Pedro Ludovico (atual Avenida Goiás) foi projetada para ser aquela que estabelece a relação entre o Centro Administrativo e a estação férrea. Vale lembrar que esta foi a que recebeu maior destaque no partido, recebendo tratamento paisagístico de alameda. A Avenida Araguaia e a Tocantins seriam as responsáveis por conectar o Centro ao Parque Botafogo e ao Aeródromo. A Avenida Paranaíba, por fim, era aquela que definia a divisão do Setor Central e conectava a zona comercial com a industrial. Quanto ao zoneamento, o Plano Diretor dividia a cidade em cinco setores diferentes. O Setor Central, responsável por abrigar a Praça Cívica e o 33


comércio, foi delimitado entre os cruzamentos da Avenida Anhanguera e Avenida Goiás. Nesta área o traçado ortogonal é evidenciado a fim de receber uma maior densidade e para facilitar o tráfego de veículos e estacionamentos. O Setor Norte, próximo à estação ferroviária, abrigava a zona industrial de modo a possibilitar seu desenvolvimento de fábricas de pequeno e médio porte ao longo dos trilhos do trem. Os setores Sul, Leste e Oeste aparecem no plano de Atílio apenas em esboço, mas já foram definidos como regiões fundamentalmente residenciais (Mapa 1). Em consonância com as proposições de urbanização moderna, Corrêa Lima também demonstrou cuidado em estabelecer espaços destinados à sociabilidade e lazer. Para os espaços abertos, ele utilizou a vegetação e hidrografia existentes. Os córregos, de acordo com o desenho proposto, deveriam ser preservados por uma faixa de cinquenta metros, formando os park-ways. Os espaços verdes foram estipulados através de três grandes parques urbanos, o Botafogo, o dos Buritis e Paineiras, que além de serem espaços de lazer e preservação, também serviam como pontos de escoamento da água. Para os espaços destinados à socialização, foram previstas três áreas: a do estádio 34

municipal, a do Automóvel Clube de Goiás e a dos clubes esportivos. A segunda delas foi destinada ao Automóvel Clube de Goiás, área do atual Jóquei Clube. Este antigo clube, fundado no dia 10 de março de 1935 (Imagem 9), foi o lugar destinado para abrigar os grandes eventos de uma sociedade ainda em formação. O trecho da matéria, publicada no Jornal O Popular, mostra o seu nascimento quando a cidade ainda não se configurava como espaço urbano.

O Jóquei Clube nasceu praticamente junto com Goiânia. Fundado em 1938, seus muros seriam um dos marcos divisórios da cidade até a década de 50, quando a Avenida Anhangüera ainda era uma estrada de duas pistas, sem asfalto, ladeada por matas e campos, que ligava a recémcriada Goiânia, nova capital do Estado, à histórica Campinas.(...). O presidente Getúlio Vargas serviuse dele para vir a Goiânia, em 1940, inaugurar o Jóquei Clube de Goiás. O clube, com suas matinês dançantes, era um dos principais pontos de encontro da cidade. (BANDEIRA, O Popular, 2003)

De projeto assinado por Eurico Viana e fundado pelo interventor político e “pai” da cidade Pedro Ludovico (GOMES, 2004, p. 65), o casarão

Imagem 8 Palácio das Esmeraldas em 1936 Fonte: SEPLAM


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eclético é sempre lembrado como um espaço agradável. Seus salões, espaços mais comentados em entrevistas, eram o palco onde as damas “desfilavam a última moda em chapéu e os senhores seu traje de gala” (O POPULAR, 2003). Os periódicos eventos, tornaram o clube no principal ponto de encontro, como é comentado em entrevista: Meu pai foi um dos primeiros sócios do clube. Então, ainda criança, eu já era frequentador. Praticava esportes, nadava e, mais tarde, adolescente, eu continuei frequentando. Quando se tornou Jóquei Clube, eu continuei indo. Tinha as matinês dançantes, para as crianças e jovens, todo domingo tinha uma matinê dançante. E a noite, tinha o jantar dançante, onde se reunia a sociedade (MENEZES in: BOAVENTURA, 2013)

Entretanto, as glamorosas festas de debutantes e bailes de carnaval pareciam atender apenas uma pequena parcela da população: a restrita elite goiana (Imagem 10 e 11). Em depoimento, uma antiga frequentadora comenta as origens elitistas do Clube e seus eventos: 36

Eu não sei se você tem as fotos do salão,

eles falavam salão nobre. Era todo de pedrinha. O salão do Jóquei era a sede e lá tinha os bailes. Agora, parece que não se fala mais baile, hoje é balada. E meu pai fez um sacrifício para comprar ação do Jóquei, para que o meu irmão, que era mais velho, nos levasse para as festas. Só que ele foi estudar no Rio e não nos levou, mas a gente ia assim mesmo. Então, era tradição do Jóquei nesse salão nobre, nessa sede social, que é no mesmo lugar, lá na Anhanguera, os bailes. Era baile de formatura e baile de debutante. (CUNHA, in: BOAVENTURA, 2013)

Apesar dos grandes investimentos a favor da urbanização, neste período, a capital se construía em passos lentos e a cidade de Campinas ainda era o principal centro da região. Nas palavras de Amaury Menezes, morador da jovem cidade de Goiânia, encontra-se essa relação entre a recente capital e as cidades vizinhas.

Goiânia não tinha nada, tinha só um armazém, onde hoje é a Praça do Botafogo, chamado “A Casa Ivis”. As compras de emergência se faziam alí, mas quando você queria fazer qualquer compra maior, você tinha que ir em Campinas. Então, eu ía buscar leite diariamente em Campinas, porque Goiânia não tinha leite.

Imagem 9 O Automóvel Clube Fonte: SEPLAM


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Desde os seis anos de idade eu ía lá e ía sozinho. Você imagina hoje uma criança de seis anos pegar um ônibus? E naquele tempo tinha só um ônibus né? – que se chamava Jardineira. (MENEZES, in: BOAVENTURA, 2013)

Como se vê, nesse momento, Goiânia ainda era uma incipiente cidade, contava apenas com os edifícios do Palácio do Governo, da Prefeitura Municipal e do Hotel. E o centro ainda não havia cumprido o seu papel de um espaço dinâmico e plenamente apropriado pelo povo, estando longe de ser independente quanto à infraestrutura e o abastecimento. 2.1.2 O plano de 1938 e a consolidação do Centro Em 1936, por divergências políticas, o arquiteto Atílio Corrêa Lima foi substituído por Armando Augusto de Godoy que propôs alterações no primeiro traçado, sendo concluídas em 1938. O referencial estético do novo projetista divergia do primeiro. Calçado nos modelos de cidades-jardins proposto por Howard, o novo contratado desenvolveu os rascunhos de Corrêa Lima para as regiões Sul e Oeste, que eram fundamentalmente residenciais. O 38

Setor Central foi modificado, tendo em vista que seu arruamento estava praticamente concluído. Godoy, neste Setor, apenas redimensionou a área comercial, por tê-la considerado superdimensionada. Entre os anos 1940 e 1950, o Setor Central, ainda em processo de consolidação, começou a se adensar. A paisagem do vazio sertanejo, aos poucos, deu lugar a uma incipiente urbanidade. A Praça Cívica, concluída, tornou-se, efetivamente, o centro administrativo, embora não fosse ainda o espaço de encontro, passeatas ou manifestações. Cabe destacar que até 1950 a formação do espaço da cidade se submeteu aos desígnios do Estado. A ocupação, o uso do solo e a expansão urbana foram rigidamente controlados (Imagem 12). Os Decretos de 27 de julho de 1937 e de 6 de março de 1944, revelam esta preocupação. Ambas leis proibiram a construção de loteamentos e de formação de chácaras em terrenos próximos à cidade. O que o interventor almejava era a ocupação das áreas sul e oeste. Demais áreas destinadas à habitação, deveriam ser apropriadas somente após o efetivo adensamento da região central e da região norte, ou seja, nesse período, o Plano Diretor da Cidade estritamente foi seguido. Entre 1959-1964 um novo Plano Diretor foi

Imagem 10 Músicos no baile do Jóquei Clube Fonte: SEPLAM Imagem 11

Festa de carnaval com a presença de Pedro Ludovico Teixeira Fonte: SEPLAM


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elaborado por Luís Saia. Apesar de nunca ter sido implantado, devido o Golpe de 1964, destaca-se o importante relatório que continha o mapeamento dos pontos mais frequentados da cidade. A Avenida Anhanguera foi o local de encontro por excelência. Já o comércio e os serviços foram mais desenvolvidos na Avenida Goiás e Ruas 6 e 7. Nessa época, a nova capital, não mais dependente de Campinas, apresentava um centro ocupado por cafés, hotéis, escritórios restaurantes e escritórios (Imagem 13 e 14). A elite ocupava os espaços das avenidas

planejadas, onde o footing, como descreve o artista plástico Menezes, era uma atividade “obrigatória” e semanal na agenda social.

Imagem 12

Vista área do cruzamento da Av. Anhanguera com a Av, Goiás na década de 50 Fonte: SEPLAM Imagem 13 Café Central: ponto de encontro na década de 60 Fonte: SEPLAM Imagem 14 Avenida Anhanguera na década de 60 Fonte: SEPLAM

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MAPA 1 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO SEGUNDO PLANO DE 1937 - ARQ. ATÍLIO CORRÊA LIMA

terrenos fora do centro tradicional zona comercial zona de lazer zona residencial cetro administrativo área de preservação delimitação do centro

0

100

300

fonte: Vaz, 2002, p. 73 | mapa: autora




2.2 Anos 1960 – 1980: mudanças na paisagem urbana

A partir dos anos 1950, Goiânia se consolida como espaço urbano, não mais dependente da cidade de Campinas. O centro, neste momento, é o principal foco da organização urbana da capital. Nele se realizavam as principais atividades políticas, econômicas e comerciais. Era também o local habitado pela população de maior renda. O Projeto Álbum, como comenta Vaz, permite a visualização, nessa época, do agitado Setor Central.

Vista aérea do Centro de Goiânia, em meados da década de 1960 Fonte: Arquivo do Antigo Grande Hotel

Subindo a rua, entre a 5 e a 4, ficava a Casa Santa Luzia, onde se comprava marmelada de caixeta e todo tipo de foguete e traque. Logo acima, onde até há pouco ficava a Apolo Esportiva, estava a Cooperativa Mista. Na esquina oposta, ficava o Mercado Central, grande ponto de encontro da cidade, com o bar do Zé Fidélis. Na esquina oposta, ficava a Padaria das Famílias, onde se podia comprar pão sovado (...) e (...) doces. Na esquina da Rua 17, ficava a Distribuidora Jardim (...) No seu lugar surgiu o Edifício Inhumas,

em cujos andares superiores funcionavam a Câmara Municipal e o Centro Mineiro de Goiás. No térreo, na esquina da Anhangüera, ficava o Bar Royal, onde Atilano fazia excelente sorvete (...) e no andar de cima funcionava a Associação dos Nortistas Amigos de Goiás. Na calçada oposta, um pouco acima, estava a Doceria Única e, pouco depois, a Boate e Restaurante Bambu (...). (VAZ, 2002, p.76)

O período que se inicia no ano 1964 foi marcado pelo abandono da severa fiscalização do Estado sobre o crescimento urbano. Em consequência a esse fato, Goiânia sofreu um acelerado processo de modificação em sua malha urbana e a verticalização tornou-se o elemento mais destacado na paisagem do Setor Central. (Imagem 15) Aproveitando do “afrouxamento” das leis de controle de adensamento e limite de gabarito, o investimento privado passa a ter o controle sobre a cidade, alterando-a indiscriminadamente. Novos 45


loteamentos e edifícios de apartamentos são lançados com apoio do Banco Nacional de Habitação. As quadras são alteradas, as torres tomam os lugares dos antigos sobrados e o desenho original do Centro vai, aos poucos, se perdendo. Nesse mesmo período, devido ao veloz crescimento da região, iniciaram-se as primeiras movimentações de migração das camadas altas em direção aos Setores Oeste e Sul. Esse deslocamento, apesar de ainda embrionário, foi justificado devido aos altos níveis de densidade populacional e do aumento do trânsito na área, como mostra as reportagens de jornais locais publicados na época: [...] as transformações são enormes (...) Basta olhar para a grande massa de edifícios e de novas habitações, no centro e nos bairros goianienses (...) (O Popular, 1976 apud: VAZ, 2002, p. 101) Goiânia vive no momento o que se pode chamar de boom imobiliário, se isso significa a construção de conjuntos populares da noite para o dia, ou espigões cuja a arquitetura não fica nada a dever a São Paulo. Assim os antigos bairros de Goiânia estão sendo transformados (...) mesmo porque 46

a expansão da cidade esta sendo feita porque o centro da cidade já não comporta o ritmo de construção imprimido atualmente. Se o barulho das construções é grande, ele nem de longe acompanha a poluição sonora, provocada pelos carros da cidade. A circulação de veículos em Goiânia atinge (...) em torno de sessenta e cinco mil carros. Acrescente-se a isso o fato de que a maioria dos veículos circula pelas principais avenidas da cidade, Anhanguera e Goiás (O Popular, 1976 apud: VAZ, 2002, p. 102)

Mesmo diante dessas modificações, notase que a mudanças no Setor Central, até o ano de 1975 (Imagem 16), ocorrem predominantemente no desenho da paisagem. A efervescência urbana provocada pela intensa presença do comércio e serviço ainda se mantinha. Vaz (2002, p. 88 ) mostra que, durante essa década, o centro ainda era a região que oferecia o maior número de serviços: 90,1% dos advogados, 90,9% dos dentistas e74,4% dos médicos ainda estavam instalados na área central. Se o comércio e o serviço, nesse momento, ainda persistiam no Centro, o mesmo não se pode afirmar sobre os edifícios destinados ao uso administrativo. O conjunto de órgãos públicos não conseguiu se manter concentrado na Praça Cívica

Imagem 15 Avenida Goiás na década de 70: início da verticalização Fonte: SEPLAM


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ou no Centro, conforme proposto pelo Plano original. Em 1970, somente o poder judiciário permaneceu por inteiro na Praça, ao passo que o Poder Legislativo e o Executivo se deslocaram para outros pontos do Setor Central. Já a Prefeitura Municipal se fragmentou, deslocando-se para vários setores da cidade, dentre eles o Setor Oeste, devido a sua proximidade com o Centro e com áreas verdes, tais como o Bosque dos Buritis. Não alheio às intensas mudanças do centro e mais particularmente do seu entorno, o Jóquei Clube na década de 1970 sentiu-se também obrigado a acompanhar o “progresso” sobre a qual a cidade se redesenhava. Além do surgimento de novos clubes sociais, que ofereciam mais espaços livres e eram mais luxuosos, como o Country de Goiás e o Clube de Regatas Jaó, a necessidade de readequação às novas demandas foi, nesse momento, imperativa. A sociedade jóqueana optou, portanto, pela demolição do edifício de traços ecléticos, ou seja, pelo enterro do passado pitoresco. E para solucionar as aspirações de modernização e funcionalidade, o desenho brutalista do arquiteto Paulo Mendes da Rocha foi a resposta encontrada. Sobre o obra, projetada em 1963 e concluída em 1975, o principal jornal da cidade comentou: 48

De projeto arquitetônico dos mais modernos, o Jóquei Clube, hoje, não é mais apenas um conjunto de piscinas ou um antigo casarão que lhe servia de sede. Edificação no centro da cidade, o Jóquei é o mais moderno clube social do Estado e um dos melhores do País. (O Popular, 1975, apud: BERNARDES).

O edifício implantado em um terreno de 22.000 m² e com área construída de 11.500 m² (ARTIGAS, 2006, p. 124) destaca-se pelo seu caráter compacto. O elemento de maior destaque é a cobertura em concreto armado que, apoiada em volumosos pilares situados no perímetro da obra, permite a completa fluidez no seu espaço interno. As funções sociais, como salão de festas, restaurante e sauna são organizadas internamente na “caixa elevada” e distribuídas em diferentes níveis. Os três ambientes externos, o bosque, as piscinas e as quadras, situados em extremos opostos são conectadas visual e fisicamente por uma generosa rampa central. (Imagem 17). Em depoimento, o arquiteto e jóqueano Luciano Caixeta tece comentários sobre a obra e sua organização espacial. As pessoas, então, se integravam em qualquer atividade o tempo inteiro. Aquilo era


Imagem 16 Avenida Goiás no fim da década de 70 e a forte presença do comércio Fonte: Jornal O Popular

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um grande espaço vazio e quando você ficava na rampa e dava um giro de 360 graus, você conseguia enxergar todas as atividades que aconteciam ali: o social, o esporte... E isso acontecia várias vezes, por exemplo, eu me lembro de estar naquela rampa e de um lado ter um campeonato brasileiro de judô e ali ao lado, na quadra, você via acontecer um grande campeonato de vôlei ou basquete, também com partidas nacionais. Depois você virava o olhar, um pouco mais acima, e tinha as piscinas e as pessoas em volta delas, fazendo batucadas. E ali próximo, quase no mesmo ambiente, tinha um espaço de bilhar, onde várias pessoas ficavam jogando sinuca. E tinha, por fim, um restaurante, totalmente integrado... (CAIXETA, in: BOAVENTURA, 2013)

A partir do recorrente e gradativo abandono das elites do Setor Central, o Jóquei Clube, passou a receber um usuário mais jovem, tornando-se principal espaço de encontro dos adolescentes, esportistas e das novas famílias de classe média. Foi nesse momento que o clube se destacou pela prática esportiva e pela sua intensa movimentação nas festas de carnavais e de ano novo (Imagem 18 e 19). Sobre a sua nova dinâmica, entrevistados comentam: 50

O Jóquei, durante muitos anos, foi um clube muito frequentado. Muito cheio. Com muitos jovens, muita gente bonita. Mais do que os outros clubes da época, ele sempre se destacou por isso, pela jovialidade das pessoas. Acho que o principal foi isso: essa sensação de estar em clube de jovens, um clube novo. Novo no aspecto da arquitetura e novo no aspecto do ambiente. (CAIXETA, in: BOAVENTURA, 2013)

E depois eu me casei. Eu e meu marido, também passamos a frequentar o Jóquei, porque ele comprou uma ação para nós. A gente frequentava muito. E nessa época tinha um restaurante muito bom, que íamos quase todos os domingos almoçar lá. Tinha bilhar, e lá se faziam torneios com os associados. (CUNHA, in: BOAVENTURA, 2013)

Sobre esse momento da história do clube, o que se nota nas entrevistas coletadas é a ênfase na sua importância como um espaço social de qualidade. São, portanto, as atividades, as festas e os encontros que ali aconteciam os melhores narrados (Imagem 20). Então, tinha toda sexta-feira...Eu não me lembro se havia “Jóqueiresta” toda (sexta-feira)


Imagem 17 Jóquei Clube de Goiás, projeto Paulo Mendes da Rocha Fonte: Jornal O Popular Imagem 18 Time de basquete do Jóquei Clube Fonte: Jornal O Popular Imagem 19 Concurso de dança nos anos 80 na quadra de basquete do Jóquei Clube Fonte: Arquivo Jóquei Clube de Goiás

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ou se era uma sim e outra não. Era um charme! E os casais mais coroas, que nem a gente, convidava cantores goianos, algumas bandas e as vezes havia shows com a presença de cantores mais famosos. E a gente dançava: tinha luz negra, serviam umas comidinhas deliciosas! E ali era o encontro dos amigos, onde a gente se divertia muito. (CUNHA, in: BOAVENTURA, 2013)

Diferentemente daqueles que admiravam o jóquei moderno, nos dias de hoje, muitos alegam que os inúmeros problemas enfrentados pelo clube relaciona-se aos valores gastos na execução da obra, pois eram bastante elevados para os padrões da época. Muitos usuários ainda questionam se a construção do edifício modernista não foi um dos motivos do inicio do endividamento da instituição, como é comentado pelo arquiteto e frequentador assíduo do Jóquei, Luciano Caixeta: É um projeto bastante arrojado. Eu fico pensando assim: “como o Jóquei “deu conta” de construir, com poucos sócios, uma sede com um valor tão grande. Provavelmente, teve doações. O Estado deve ter ajudado, antigamente era assim mesmo. Mas um projeto bastante arrojado: só os pilares que ele bolou, com seções triangulares 52

que se encaixam e fazem uma interessante composição.... Olha, só de concreto ali foi.... (CAIXETA, in: BOAVENTURA, 2013)

Nos anos 1980, as classes mais abastadas da região central da cidade efetivaram o processo de seu abandono, devido ao crescimento desenfreado e a uma ainda maior dificuldade de mobilidade. Os bairros recém- verticalizados, onde as construtoras e incorporadoras investiram intensamente em edifícios de alto padrão tornaram- se o novo espaço da elite goiana. Vaz (2002), para ilustrar tal fato, apresenta uma pertinente pesquisa feita em anúncios publicados no jornal local O Popular durante os anos de 1975 a 1985. Segundo esta pesquisa em 1975-76 dos 34 lançamentos de apartamentos anunciados, 16 são localizados no Setor Central e apenas 5 no Setor Oeste e 4 no Setor Sul. Contudo durante os anos de 1977-85, 58 obras de habitação de alto padrão são lançadas na região Oeste, ao passo que apenas 13 obras são construídas no Centro. É atribuído ao Plano de Desenvolvimento Integrado de Goiânia (PDIG - 75) - concebido em 1969 e revisado em 1975, pelo arquiteto Jaime Lerner -, a intensa verticalização e dispersão dos serviços e da habitação do Centro. O Plano, mesmo sendo uma


Imagem 20 Carnaval na d茅cada de 80. Ao fundo o acabamento original do restaurante e portas de vidro pivotantes Fonte: Acervo J贸quei Clube Imagem 21 Piscinas infantis e bosque ao fundo Fonte: Arquivo J贸quei Clube

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tentativa de resgate do “controle” da cidade, criou os meios e os instrumentos necessários para que as camadas de maior poder aquisitivo, juntamente com a especulação imobiliária, continuassem a definir e dominar o processo de produção do espaço. Para minimizar tais problemas da região central de Goiânia, algumas ações determinados pelo PDIG-75, foram feitas. São elas: as alterações e adequação do transporte público na Avenida Anhanguera, na direção leste-oeste, e a implantação do corredor de transporte na Avenida Goiás, no eixonorte-sul. Mas, apesar desses esforços, os discursos narrados nos jornais da cidade sobre o centro tradicional, apontam insistentemente, que nessa época, o abandono e a falta de investimentos, foram os principais problemas da região. Complementado este quadro, somava-se a ineficácia do transporte coletivo que ajudava a promover o excessivo uso do transporte individual e, consequentemente a insuficiência de espaços destinados ao estacionamento, desenhandose, assim, uma situação que se matem até os dias atuais. Na década de 1980 os problemas de degradação que assolaram o centro de Goiânia, de uma certa forma, alcançaram também o Jóquei 54

Clube, levando-o a inúmeras intervenções que o descaracterizaram. Estas buscavam, sobretudo, adequar o clube às novas demandas, solicitadas pelo seu público frequentador. Nesse momento, já se temia o mesmo abandono que se apresentava no Setor Central. A primeira dessas intervenções, sem data registrada, foi a adição das duas quadras de tênis, localizadas ao lado daquelas desenhadas por Mendes da Rocha. Foi proposto uma estrutura metálica, de tipologia semelhante aos galpões para estocagem, que nada dialogava com a caixa de concreto. A segunda delas, talvez a maior, foi proposta pelo arquiteto Antônio Lúcio Ferraz. Tentando solucionar o problema de acessibilidade do clube, foi proposto a substituição da passagem que ligava as duas avenidas frontais à obra por um estacionamento privado destinado aos usuários. Além disso, acima deste novo estacionamento foi incluído mais uma piscina e outra quadra de tênis. Com esta proposta a interessante relação que a obra possuía com o espaço urbano, em que a entrada do edifício era compreendida como uma extensão da calçada, foi perdida As três intervenções propostas pela arquiteta Maria Eliana Jubé, como ela mesmo afirma, foram pontuais. A primeira reformulou os banheiros


e as saunas, de modo a atender aos pedidos dos usuários. A segunda foi a adição de um painel cerâmico na entrada do edifício, que desconstruiu, a importância do concreto aparente na obra. Fazendo parte ainda deste conjunto de alterações destaca-se a remoção de parte do bosque para abrigar um novo espaço infantil, com piscinas, tobogãs e playground (Imagem 21) Destarte, pode-se concluir que as intervenções realizadas na Sede Social do Jóquei Clube, apesar de justificadas pela precariedade do seu entorno, pouco dialogam com o partido original, tampouco, agregaram valores estéticos e arquitetônicos à obra modernista. Esse foi o início do declínio do Clube.

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2.3 Anos 1990-2010: decadência e abandono

Imagem 22 Avenida Paranaíba durante um final de semana Fotografia: Carolina Boaventura

Nos anos entre 1990 – 2000 diversos bairros despontaram como novas centralidades em Goiânia e os serviços destinados ao lazer, comércio e alimentação de alta qualidade abandonam efetivamente o Setor Central. Atribuí-se a esta diversidade de novas centralidades dois fatores preponderantes. O primeiro foi a preferência das camadas mais altas pelos setores Oeste, Marista e Bueno como sítios adequados para a habitação. E o segundo a inauguração do Flamboyant Shopping Center no início dos anos 1980. Este novo equipamento instalado na cidade mudou tanto a dinâmica do Setor Central quanto a concepção de espaço público de Goiânia. Os pontos de encontro, antes localizados entre as ruas que cercavam o Grande Hotel e Café Central, foram substituídos pelo grande centro comercial que se tornou o espaço mais atrativo. O vertiginoso crescimento dos condomínios fechados na cidade que, hoje, ultrapassam mais de 20 empreendimentos de luxo, também contribuíram

para uma maior descentralização da cidade. Nos anos 2000, a cidade já se configurava sob a lógica pluricentral. A capital, portanto, considerando a sua distribuição de usos, passou-se a organizar da seguinte forma: o Setor Oeste tornou-se a boa opção habitacional; o Setor Universitário adquiriu um caráter mais funcional, concentrando os centros universitários. O Jardim Goiás, abrigou o maior centro comercial e a Rua T-63 conta com a maior parte dos serviços e comércios, impulsionada pela verticalização do local. Mesmo diante deste panorama da situação do centro, o Plano Diretor de 2000 reforça apenas (Imagem 22), a sua importância histórica. Nele não se observa um comentário sobre os seus usos atuais e potencialidades. Mas a autora Vaz enfatiza bem a sua importância: O Centro Histórico representa um polo de serviços administrativos e de serviço de apoio 57


à economia rural – inclui atividades e valores simbólicos próprio de áreas tradicionais, tais como logradouros com perspectivas grandiosas, monumentos, edificações históricas e específicas, concentrações de transeuntes e veículos, sequencia de vitrines e anúncios luminosos, hotéis, restaurantes, cinemas, teatros e casas de espetáculos, bancos, agências públicas, intermediários, escritórios técnicos e advogados etc. Isso tudo o Centro Histórico de Goiânia tem, com maior ou menor vigor. (PDIG-2000 apud: VAZ, 2007)

Corroborando com a supracitada autora pode-se entender que hodiernamente, o centro tradicional ainda é uma área bastante diversificada, apesar da sua imagem degradada ao olhar das classes mais elevadas. O comércio informal e popular, sobretudo nas Avenidas Anhanguera e Goiás, garantem a movimentação no período matutino que também é reforçado pela principal via de transporte público instalada no Eixo Anhanguera. A movimentação noturna acontece mais em função de algumas escolas que possuem curso noturno e alguns bares que ocupam as calçadas das rua 8, 9 e 3. O espaço também é conhecido por conter alguns usos marginalizados, como cinemas que exibem 58

filmes pornográficos, boates com shows de strip e bingos. (VAZ, 2002, p.123). Concomitante ao abandono do Centro, a Sede Social do Jóquei Clube, também viveu um processo semelhante (Imagem 23). Como já visto, durante o período das décadas de 1980 - 1990, as reformas e ampliações no edifício foram inúmeras. Em busca de modernização das suas instalações e de atender o público que sempre exigia contínua novidade, as intervenções, além de descaracterizarem o partido original, levaram a instituição a assumir dívidas altíssimas. Mesmo com as inúmeras tentativas de readequar o espaço físico para atrair e manter seus associados, o clube que contava com 4,5 mil sócios no fim dos anos 1990, em 2003 possuía apenas 900 pessoas vinculadas a ele. A dívida era de mais de 4 milhões de reais (BANDEIRA, 2003, O Popular) e entre suas contas estavam o pagamento de funcionários e fornecedores. A inadimplência foi tamanha que, em 2003, o Clube teve suas instalações de água, luz e energia cortadas. A degradação do espaço e a desconstrução da imagem de vitalidade que o clube tinha, também, foram recorrentemente relatadas em depoimentos .

Imagem 23 Edifício da Sede Social do Jóquei Clube em 2013. Nota-se os pilares pintados e, ao fundo, o estacionamento que ocupou o antigo bosque. Fotografia: Florent Prevost


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Então, foi uma decadência em função de má gestão. E as pessoas se afastaram. Ninguém continua frequentando um clube em que o banheiro não esta limpo, em que a comida não é mais boa. Você ía para um salão de bilhar e a mesa estava estragada, as bolas já estavam velhas. E a piscina, já não estava limpa. (CAIXETA, in: BOAVENTURA, 2013) (...) eu fui vendo a decadência, porque, antigamente, quando tinha eleição para escolher presidente era um evento na cidade. Depois foi aquela coisa: parece que ninguém queria mais e foi se tornando uma coisa meio que imposta. E eu vi a decadência do Jóquei, aí eu não tive mais vontade de frequentar. Aí já estava muito deserto e eu tinha medo de deixar a minha filha lá. Já não tinha mais recreadores (sic), já não tinha as festas. Aí eu fui perdendo a vontade. Que é uma pena! (CUNHA, in: BOAVENTURA, 2013)

A degradação e o desuso do clube são atribuídos a uma série de fatores. A má administração e o excesso de reformas realizadas, muitas vezes inadequadas ou desnecessárias, foram o início do endividamento da instituição. A alteração dos hábitos e costumes da sociedade para opção de lazer também é apontada. Hoje os mais de 15 shoppings espalhados 60

pela cidade, que contam com uma extensa variedade de lazer, são os espaços de encontro por excelência da sociedade goiana. O crescimento do número de condomínios fechados também é um fator a ser considerado. A maior parte do empreendimentos possuem bosques e piscinas privadas, substituem a necessidade dos clubes sociais. Entretanto, a consolidação da imagem do Setor Central como perigosa é a razão mais preocupante e que gera maior repulsão para a retomada da ocupação da área. Os impasses judiciais ocorridos entre 2003 e 2010 quase levaram a extinção da instituição e da edificação. Para salvar seu patrimônio, o Jóquei Clube teve que desapropriar parte da área do Hipódromo, localizado no bairro Cidade Jardim, e vende-la para o Governo do Estado. Mesmo com essa pequena recuperação financeira, o montante arrecado não foi o suficiente para quitar as dívidas e realizar reformas necessárias para a reabertura do Jóquei. As propostas para venda da área foram inúmeras, entre elas a construção de um shopping e de um centro esportivo, como demonstra os trechos de reportagem de jornal

Um dos clubes de esportes e lazer mais tradicionais de Goiânia, o Jóquei Clube, na Avenida

Imagem 24 Edifício da Sede Social do Jóquei Clube em 2013. Edifício vazio e cidade ocupada por carros. Fotografia: Carolina Boaventura


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Anhanguera, Centro, poderá abrigar um shopping center em 2007. O centro de compras seria instalado numa área de 10 mil metros quadrados, onde está a estrutura de concreto que abrigava os grandes eventos no clube. O espaço deve ser locado por um grande grupo goiano que já atua no ramo de shoppings centers. (MONTEIRO, O Popular, 2006) Na tentativa de ver o Jóquei Clube de Goiás a pleno vapor, como nos tempos áureos de seu maior vigor social, várias propostas têm surgido como tentativa de solucionar a problemática em que o clube está envolvido. O empresário, do ramo imobiliário e turístico, Gilson Ramos se destaca pelo entusiasmo. Sócio do Jóquei há quase 20 anos, Gilson Ramos vê na estruturação de um Centro Esportivo no Jóquei a solução para a maior parte dos problemas do clube. (BANDEIRA, 2003, O Popular)

Em 2010 o Clube assinou um contrato com a Faculdade Padrão. Em troca do pagamento das dívidas, a instituição de ensino teria o direito de usar as instalações do clube e teria a administração do espaço físico sobre o seu controle. A antiga área que abrigava o bosque e o parque infantil foi completamente removida e atualmente é um estacionamento privado dirigido pela Faculdade, 62

como mostra a reportagem.

Pelo menos 20 árvores, entre elas mungubas, sibipirunas, angicos e eucaliptos, foram retiradas de um bosque no Jóquei Clube de Goiás, situado no Centro de Goiânia. O presidente do clube, Joaquim Naves, explicou que o bosque estava abandonado, já que não era utilizado pelos freqüentadores. Diante das dificuldades financeiras enfrentadas pela entidade foi decidida a construção de um hotel no local. “Precisamos ter alternativas de renda para manter as atividades do clube e o hotel pode ser a saída para a crise do clube”, afirmou. Ele acrescentou que o fim do bosque obedeceu a acordo feito com a Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA), que resultou no plantio de cerca de 400 mudas de espécies nativas do Cerrado em área do clube no Hipódromo da Lagoinha, como compensação ambiental. (CZEPAK , O Popular, 2007)

Atualmente, o clube, apesar de manter suas portas abertas ao público e remanescentes sócios, possui poucas atividades e movimentos (Imagem 24). Ainda há um time de basquete que treina periodicamente e algumas aulas de dança são ministradas no salão principal (Imagem 25). As poucas

Imagem 25 Espaço do salão de festas. Na lateral, o estacionamento implantado em 2013. Imagem 26 Último piso do edifício da Sede , onde situava o antigo restaurante, 2013. Fotografias: Carolina Boaventura


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Imagem 27 Vista da quadra de basquete 2013. Fotografia: Carolina Boaventura

pessoas que frequentam as piscinas, academia e sauna convivem entre mobiliários quebrados e um debilitado serviço de alimentação. O ultimo nível, onde se localizava o restaurante, está em ruínas. Os destroços do forro que desabou ainda se encontram no espaço. (Imagens 26 e 27) Apesar do abandono do Setor Central e do Jóquei Clube, ambos possuem, além de suas importâncias históricas, potencialidades de intervenções, que se destinam ao público. Ainda que muito incipiente, atualmente, há um pequeno movimento que propõe alguma retomada dos espaços do centro ou a ocupação de algumas de suas antigas edificações para a realização de atividades culturais. O Cine Galeria Ouro, localizado na Rua Três, possui cinco espaços onde abrigam festivais de cinema, café, exposições de arte e biblioteca pública. O mercado popular, na rua 74, retomou o edifício de estilo decó e possui, todas as terças e sextas rodas de samba e serve comidas típicas da região. Até o tradicional Grande Hotel, desde 2003, possui, duas vezes por semana, apresentações de choro. Mas, o maior enfrentamento para aqueles que pretendem intervir na cidade e no edifício é a compreensão da dinâmica social da população goiana. Como resultado de uma modernidade imposta, seus

habitantes, culturalmente, ainda são arraigados na cultura de suas origens. A concepção de espaço público, portanto ainda é pouco consolidada, pois seu imaginário social ainda é fortemente marcado pelos valores da tradição, da cultura do serrado e do sertanejo. Por outro lado, observa-se também a valorização do novo, do descartável, das inovações e da constante renovação de seus espaços físicos.

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PARTE 3 A CIDADE E O EDIFÍCIO DE HOJE



3.1 O Setor Central em números e registros

Apesar de sua pouca idade Goiânia passou a partir da década de 1970 por um expressivo processo de crescimento e expansão desordenados, sobretudo nos sentidos sudeste e leste da cidade. Foi nesse novo contexto que o Setor Central, para além de não ocupar mais a posição central na malha urbana da capital (Mapa 2), sofreu também um considerável e precoce processo de abandono e envelhecimento, alterando substancialmente a sua paisagem. Sobre essas vertiginosas transformações Vaz (2002, p.42) comenta:

Comércio de rua na Avenida Goiás, 2013. Fotografia: Carolina Boaventura

Goiânia é uma cidade muito jovem que absorve sem obstáculos “o moderno” e, por isso, o capital atua sem grandes dificuldades. O envelhecimento dos objetos e dos espaços é acelerado, e as heranças são destruídas com rapidez. Novas materialidades são superpostas às formas anteriores.

Contemporaneamente, o Setor Central de

Goiânia, já não possui a mesma importância como espaço comercial, administrativo e de moradia como acontecia nas décadas de 1940 e 1950. Dada a sua aparente degradação, e ao incentivo para a criação de shoppings centers na década de 1980 - considerados pela população mais atrativos que o comércio do bairro -, houve um movimento considerável das elites goianas, para se mudarem para os setores Oeste e Bueno, provocando assim o início de um certo esvaziamento de moradores que ainda se mantém até os dias de hoje. Mas, por outro lado, esta região central ainda possui uma dinâmica própria e uma vivência urbana que pulsa e a particulariza das demais partes da cidade, tais como os típicos comércios e lanchonetes que se instalaram nas calçadas e promovem vivacidade aos espaços livres do bairro. Além disso, ele também se apresenta com uma significativa importância institucional e histórica, pois é onde se encontram uma boa parte dos edifícios de 69


maior relevância patrimonial, como o Teatro Goiânia, o Grande Hotel e o próprio conjunto arquitetônico que compõe a Praça Cívica com edifícios iguais ao Palácio das Esmeraldas e do Correio (Mapa 3). Foi, portanto, por considerar a importância do Setor Central e seu potencial de intervenção que o presente trabalho se dedicou a apresentar uma proposta que tem por base a valorização do espaço público e o incentivo à construção de habitações que atraiam um maior contingente populacional. Para o desenvolvimento inicial do trabalho e também para uma perspectiva analítica do espaço, a metodologia adotada foi a divisão da região em estudo, em quatro quadrantes definidos pelos traçados da Avenida

Goiás e Rua Três. O recote se justifica, porque nele se nota consideráveis diferenças quando aos usos do solo e quanto às tipologias volumétrica de suas habitações (Mapa 4). No mapa do atual uso do solo (Mapa 5) percebe-se que os quadrantes I e II, sobretudo ao longo dos dois principais eixos viários - a Avenida Goiás e Avenida Anhanguera -, despontam como os trechos de maior concentração comercial, com ênfase no comércio popular e de varejo. Nesse mesmo cruzamento, também é comum encontrar um intenso comércio informal, que tomam grande parte das calçadas. Nestas, o espaço para o pedestre é sempre cercado por diversos produtos, barracas de frutas e

Imagem 28 Avenida Anhanguera durante um domingo, 2013 Imagem 29 Rua Dois durante um domingo, 2013. Fotografias: Carolina Boaventura

70


GRÁFICO 1 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO CENTRO TRADICIONAL DE GOIÂNIA

41,23% 22,7% 9,57% 9,17% 8,2% 2,4%

habitação unifamiliar

1,8%

habitação multifamiliar edifício de uso misto

1,7% 1,3% 0,73% 0,6% 0,4%

educação hotel cultura | lazer prestação de serviços comércio hospitais | clínicas médicas religiosos institucional | público estacionamento

71


“camelôs”. Mas, toda esta intensa movimentação é interrompida após o horário comercial e nos finais de semana, quando as avenidas se esvaziam e perdem toda a sua vitalidade. (Imagens 28 e 29) Na área do quadrante III - considerada a mais nobre do Centro por estar próxima ao Setor Oeste, bairro elitizado, onde se encontra o Bosque dos Buritis -, é onde se observa uma maior predominância de habitações multifamiliares. Estas, ao que se nota, se organizam-se preferencialmente segundo uma tipologia de apartamentos que se repetem nos pavimentos em duplas ou quadras. A grande maioria destes edifícios são altos e com implantações que apresentam recuos relativamente generosos, mas quase todos são cercados por altos muros que impossibilitam qualquer diálogo com o espaço externo. Quanto ao espaço público propriamente dito pode se dizer que as ruas que formam este quadrante, em sua grande maioria, são tomadas por carros, normalmente estacionados em ambos os lados. No que diz respeito aos equipamentos destinados às atividades de cultura e lazer a pesquisa aponta um número reduzido deles. (Gráfico 1) Em toda extensão da área, apenas 0,4% dos 72

usos são destinados para tais fins e eles estão majoritariamente localizados no quadrante II. Por fim, um outro aspecto que se considera de relevância é a presença de uma grande quantidade de lotes vazios ou ocupados por estacionamentos. (Mapas 6 e 7). São 143 lotes ocupados por estacionamentos e garagens. Cerca de quase 10% de toda a área do Setor, totalizando em 80.500m². Tais dados reforçam ainda mais o esvaziamento do centro de uma recente capital que, hoje, se mantém como espaço vivenciado majoritariamente ao longo do horário comercial (Imagens 30, 31, 32 e 33).


Imagem 30, 31, 32 e 33 Estacionamentos no Centro Tradicional, 2013 Fotografias: Carolina Boaventura

73


MAPA 2 LOCALIZAÇÃO DO CENTRO TRADICIONAL NA MALHA URBANA DE GOIÂNIA

limite do centro tradicional

0

3000



MAPA 3 BENS PROTEGIDOS POR LEIS DE TOMBAMENTO NO CENTRO TRADICIONAL DE GOIĂ‚NIA

terrenos fora do centro tradicional terrenos no centro tradicional bens tombados

0

100

300



MAPA 4 O CENTRO TRADICIONAL DA CIDADE DE GOIÂNIA - ANO 2013

terrenos do centro tradicional terrenos fora do centro tradicional linha divisória dos quadrantes

0

100

300


QUADRANTE II

QUADRANTE I

QUADRANTE III

QUADRANTE IV


MAPA 5 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO CENTRO TRADICIONAL DE GOIÂNIA

habitação unifamiliar habitação multifamiliar edifício de uso misto educação hotel cultura | lazer prestação de serviços comércio hospitais | clínicas médicas religiosos institucional | público estacionamento

0

100

300



MAPA 6 CHEIOS E VAZIOS NO CENTRO TRADICIONAL DE GOIÂNIA

terrenos ocupados terrenos fora do centro

0

100

300



MAPA 7 TERRENOS Nテグ OCUPADOS OU DESTINADOS A ESTACIONAMENTO

terrenos fora do centro histテウrico terrenos no centro tradicional garagem ou terreno nテ」o ocupados

0

100

100 300

200

300




3.2 Sobre os espaços públicos e os lugares de memória

O Centro de Goiânia, até os anos 1960, foi lembrado por ter sido o grande lugar dos acontecimentos sociais, quando se realizava o tradicional footing. Nessa época a velocidade da cidade ainda se baseava no ritmo do caminhar, na vivência das ruas, das praças e das calçadas. Estes espaços se constituíam como o principal roteiro de lazer e cultura da cidade. Entre o Grande Hotel, o Teatro Goiânia, o Café Central e a Rua do Lazer (atual Rua Oito) as calçadas eram tomadas e o pedestre era o protagonista do espaço. No entanto a Goiânia de hoje já não se configura desta forma, o tempo passou e com ele as transformações advindas do processo de metropolização. (Mapa 8). Sobre estas mudanças SANTANA et all ( 2007, p.189) comenta,

A Rua do Lazer (Rua 8), 2013. Fotografia: Carolina Boaventura

Goiânia é uma cidade em que a ação humana em pouco tempo atingiu profundamente os espaços urbanos provocando muitas mudanças. Os pioneiros falam da cidade atual com paixão e orgulho, mas lamentam as perdas de espaço da

cidade, falam de lembranças ligadas a imagens que se diluíram, de espaços criados a partir de relações sociais que já se foram. Falam de uma Goiânia que em grande parte não existe mais.

À parte das questões já apontadas como motivos de abandono do bairro, a experiência do transeunte no espaço da cidade permite também destacar outros aspectos que ajudam a compreender o porquê da não ocupação de seus espaços livres. São eles: A Praça Cívica, local onde deveria ser o espaço do povo, das manifestações públicas e democráticas, desde a década de 1980, é tomada por um grande estacionamento e por lavadores de carros (Imagem 34). Somente em datas pontuais, geralmente festividades organizadas pela prefeitura a praça é utilizada para manifestações culturais. Quanto ao seu mobiliário urbano, identifica-se um número razoável deles, embora os mesmos se 87


88


Imagem 34 Estacionamentos na Praça Cívica Imagem 35 Mobiliário urbano na Praça Cívica Imagem 36 Bulevar da Avenida Goiás. Fotografias: Carolina Boaventura

encontrem em mal estado de conservação. Somado a esta precariedade de equipamentos, observa-se ainda um paisagismo que também parece ter sido esquecido. Em meio a carros e equipamentos urbanos deteriorados, a paisagem ali não é nada aprazível e convidativa. (Imagem 35) O bulevar tombado que acompanha toda a extensão da Avenida Goiás, apesar de apresentar mobiliários em bom estado de conservação, está, quase sempre, vazio. Os pontos de ônibus, que poderiam atrair pessoas a ocuparem esses espaços, encontram-se em lados opostos ao calçadão, devido ao modelo de ônibus utilizado que possui abertura apenas para um lado. (Imagem 36). Portanto, esta área livre, que se localiza entre vias de intenso transito, não é adequada para a permanência e a contemplação. A Praça dos Bandeirantes, lugar onde se encontra um outro antigo símbolo histórico da cidade, já abrigou diversas manifestações e encontros estudantis da capital, porém hoje ela está completamente descaracterizada. Devido às sucessivas transformações do sistema de transporte que atravessa a Avenida Anhanguera, apenas a escultura do Bandeirante foi mantida e o espaço está completamente tomado pelo sistema viário. 89


Diferentemente dos lugares supracitados, a Rua Oito, popularmente conhecida como Rua do Lazer, a única via pedestralizada do centro, possui uma intensa movimentação. O comércio de bares e restaurantes se apropriaram desta rua com suas mesas e bancos. Em dias de feiras o burburinho do comércio, o movimento das pessoas, as barracas e os bancos se misturam ocupando todo o trecho, propiciando assim uma interessante vivência. Grupos de teatros, de dança ou coletivos fotográficos, quase sempre se encontram ali para se reunirem. Alguns pequenos espaços privados também

são responsáveis por movimentar as ruas do Centro em dias e horários não convencionais. É o caso, por exemplo, do Cine Goiânia do Cine Ouro, e do Cine Cultura que possuem calendários alternativos de festivais de cinema e eventos musicas. Complementando este conjunto de especificidade de Goiânia há de se destacar também as lanchonetes conhecidas como pitdogs. Estes, que se constituem em um curioso equipamento típico da cidade, funcionam até à madrugada, estando sempre lotados. Ao que parece, eles surgiram de forma espontânea em meio às ruas da capital. Apesar de

Imagem 37 Pitdog na Rua Quatro, 2013. Imagem 38 Lanchonete do Mercado Central, 2013 Imagem 39 Banca de doces e queijos no Mercado Central na Rua Três, 2013 Fotografias: Carolina Boaventura

90


91


Cruzamento entre as Ruas Doze e Dezesseis, 2013. Fotografia: Fabricio Fiaccadori

92


possuírem um desenho com pouca qualidade visual, os pequenos quiosques já se tornaram parte da cultura local. (Imagem 37) Ainda como espaço de permanência, não pode deixar de citar o Mercado Central de Goiânia, localizado na Rua Três. Este é um importante e tradicional centro de comércio de produtos da região. Com suas lanchonetes, que servem comida típica, são bastante frequentadas por inúmeros visitantes e consumidores. (Imagem 38 e39) O Centro de Goiânia, portanto, não pode ser considerado um espaço completamente abandonado. Apesar dos inúmeros problemas apontados ele ainda se mantém vivo e com dinâmica de usos própria dos espaços mais tradicionais das cidades brasileiras. Uma intervenção que visa recuperar a qualidade de espaço assim, deve considerar as características do lugar, valorizando as suas particularidades e potencialidades.

93


MAPA 8 LUGARES DE ENCONTRO DO CENTRO TRADICIONAL ATÉ A DÉCADA DE 60

terrenos fora do centro tradicional terrenos no centro tradicional coreto grande hotel praça do bandeirante praça cívica sede social do jóquei clube café central cine teatro goiânia rua do lazer

0

100

300




3.3 Sobre a mobilidade urbana

O Centro tradicional de Goiânia, além de ser uma importante conexão entre diferentes espaços da cidade, abriga também funções de comércio e serviços que atrai uma quantidade considerável de pessoas. Como consequência direta desta condição apresenta um tráfego intenso ao longo de todos os dias úteis, marcado principalmente pela grande quantidade de automóveis. Segundo dados do Jornal “O Popular”,

1

A proporção de habitantes por veículo está cada vez mais próxima de um para um. Foram mais 61.312 automóveis licenciados na capital. Considerando a população, isso equivale a dizer que cada 1,22 goianiense tem um veículo à sua disposição. Em 2011, essa proporção era de 1,27 habitante por carro. (Palazzo, O POPULAR, 2013)

Por esta razão, a demanda por estacionamento no Centro é cada dia maior, já que

GRÁFICO 2 TRANSPORTE EM GOIÂNIA

Ponto do metrô-bus na Avenida Anhanguera Fotografia: Carolina Boaventura

1.302.001 habitantes

1.030.792 automóveis

1.478 ônibus

3 km ciclovia

não há VLT

não há metrô

(fora do Centro Tradicional)

97


o transporte público é insuficiente. A frota total que serve toda a região metropolitana é composta por apenas 1.478 ônibus. Ao passo que há 1.030.792 carros registrados na capital (Gráfico 2). As poucas linhas de ônibus fornecidas pelo transporte público e a ausência de ciclovia na área demonstram o baixo investimento público no transporte coletivo ou em meios alternativos tal como a bicicleta. (Mapa 9) As avenidas Goiás e Anhanguera são as principais vias de mobilidade do centro (Imagens 40 e 41) e compõe o eixo norte-sul da cidade e são os únicos trechos de BLT que passam pelo o Setor. Não há VLT, metrô ou ciclovias no Setor Central.

98


Imagem 40 BLT na Avenida Anhanguera Imagem 41 Modelo de 么nibus adotado na cidade de Goi芒nia, 2013. Fotografias: Carolina Boaventura

99


MAPA 9 ATUAL SISTEMA DE TRANSPORTE NO CENTRO TRADICIONAL DE GOIÂNIA

terrenos fora do centro tradicional terrenos no centro tradicional pontos de ônibus mão linha sul de ônibus linha leste de ônibus linha oeste de ônibus

0

100

300




3.4 Sobre habitação no centro

Atualmente a cidade de Goiânia possui 1.393.575 de habitantes (IBGE, 2013) e destas apenas 24.200 pessoas habitam no Setor Central. Como já comentado, a tipologia mais comum de moradia na cidade e, particularmente, do Setor Central são a dos prédios verticalizados. Em geral são edifícios com cerca de 15 pavimentos, murados e afastadas da calçada. Vale lembrar também a frequente presença nesses prédios das áreas de lazer e de espaços verdes, que desestimulam o uso dos espaços públicos, identificados como lugares de ameaça e perigo. (Imagens 42, 43 e 44). Sendo assim, o desenho dessa tipologia nega o lugar do público e cancela todas as possibilidades de interação visual e de convívio entre habitação e rua. Sobre isso, Vaz comenta:

Edifício de habitação no Setor Cental Fotografia: Carolina Boaventura

Em Goiânia, a segregação é explicita: na paisagem verticalizada e em seus objetos mais característicos, os edifícios de apartamento, que responderam nas décadas de 70 e 80 às

novas expectativas e exigências de moradia, identificados como status social e justificados como a solução de problemas de violência urbana, para os grupos de maior poder aquisitivo. (VAZ, 2002, p. 43)

Aqui vale lembrar “Morte e Vida da Grandes Cidades” (2000), em que Jane Jacobs coloca em cheque modelos habitacionais que se isolam do espaço da rua. Para ela ruas movimentadas por pedestres e habitações que possuem contato visual com a calçada, “os olhos das ruas”, são as garantias que o espaço público esteja sempre vigiado e assim, seguro. No quadrante IV observa-se ainda o predomínio de habitações unifamiliares como resposta, ao desenho urbano da década de 30. Entretanto, mais especificamente na Rua Vinte, existem pouquíssimas casas, de um conjunto de exemplares que foram erguidas segundo esquemas racionalizados e que marcavam “a modernidade 103


possível” na cidade. Estas casas foram substituídas por edifícios-torre, alterando assim o perfil da paisagem do centro. Vale lembrar que tanto a política de preservação em Goiânia como a consciência da população sobre os seus inúmeros bens ainda são bastante frágeis, como se pode verificar na reportagem a seguir. Foi demolida na manhã desta quinta-feira (27) uma das poucas casas com estilo art déco que restaram em Goiânia. O imóvel, que foi erguido durante o início da ocupação de Goiânia e era a antiga residência da colunista e estilista Daura Sabino, falecida em 2011, começou a ser demolido às 8 horas.(...) O corretor Evaldo Azevedo, que é credenciado no Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Goiás (Creci/GO), estima que só o lote ultrapasse o valor de R$ 1,6 milhão. Perguntado sobre quanto valeria a casa, ele informou que, na condição em que estava, ela já não valia mais nada para o mercado imobiliário. (RODRIGUES, O POPULAR, 2013)

Na contra mão de uma prática que se associa mais diretamente aos interesses especulativos, a proposta que se propõe em relação as novas habitações para o centro de Goiânia terá 104

como objetivos valorizar e potencializar os bens patrimoniais da cidade, a estreita relação do espaço público com o espaço privado, bem como o estabelecimento de uma escala que leve em consideração o caminhar.


Imagem 42 Edifício residencial na Avenida Goiás: pouca relação visual com a rua, 2013. Imagem 43 Fachada de edifício de habitação na Rua Dezesseis, 2013. Imagem 44 Portaria de edifício de habitação no centro tradicional , 2013. Fotografias: Carolina Boaventura

105



3.5 Sobre o Jóquei Clube

O edifício do Jóquei Clube de Goiás (Imagem 45) foi um dos equipamentos do Centro tradicional de Goiânia que mais sofreu com os processos de transformação e degradação da região. As intervenções e ampliações, feitas a partir de pouca reflexão projetual, levaram a uma grande descaracterização do edificação original. A

última modificação, quando simultaneamente se derrubou todo o antigo bosque - transformando-o em estacionamento -, eliminou a relação mais interessante da proposta do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. No conceito original, o clube se organizava por dois extremos, a espaço do bosque e o espaço das águas. A caixa de concreto, portanto era a

Imagem 45 Vista interna da Sede Social: o salão nobre, a rampa central e a quadra de basquete, aos fundosFotografia: Carolina Boaventura Imagem 46 Croqui de Paulo Mendes da Rocha para Jóquei Clube de Goiás, ressaltando a relação entre o bosque e as piscinas. Fonte: ARTIGAS, 2000, p. 124

107


responsável pela conexão visual e espacial entre dois extremos. Com a derrubada da área verde, perdeu-se a agradável paisagem proposta. (Imagens 46 e 47) Nos dias de hoje, a relação que o edifício possui com seu entorno também é bastante curiosa, pois o edifício se oculta no contexto da paisagem. O caminhar entre a Rua Três e a Rua Onze não possibilita notar o edifício brutalista, escondido pelos altos muros cobertos de pichações e propagandas que cercam todo o terreno. (Imagem 48) Entretanto, apesar de toda descaracterização do edifício, frutos de várias intervenções negligentes, nota-se ainda o pleno uso, tal qual foi planejado por Paulo Mendes, dos seus espaços internos. Aos domingos o salão principal volta a ser ocupado por bailes dançantes e a sala de bilhar recebe antigos sócios que ainda mantêm o hábito de se encontrar para participarem de pequenos torneios e competições. Em menor proporção, a área das piscinas também possuem visitantes que moram próximos à região e que frequentam o clube para nadar ou tomar sol (Imagem 49). A quadra de basquete, um dos locais em melhor estado de conservação, ainda é o espaço onde há treinos diários do time que leva o nome do Clube.

108


Imagem 47 Vista a partir do ginásio para o estacionamento, local do antigo bosque, 2013. Imagem 48 Vista da Rua Três: os altos muros que cercam o Jóquei Clube, 2013 Imagem 49 Nível das piscinas, 2013 Fotografias: Carolina Boaventura

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Fachada principal da Sede Social do Jóquei: o painel cerâmico em maior evidência do que a proposta de Paulo Mendes, 2013. Fotografia: Carolina Boaventura

110


Interior de um dos galpões adicionados posteriosmente à proposta de Paulo Mendes: descaracterização da obra, 2013 Fotografias: Carolina Boaventura

111



PARTE 4 A CIDADE E O EDIFÍCIO POSSÍVEIS



4.1 Diretrizes de intervenção

Garoto jogando futebol em uma das calçada no Setor Central: ausência e necessidade de espaço livres Fotografias: Carolina Boaventura

A proposta de intervenção no Centro tradicional de Goiânia possui oito eixos de ações para a ocupação dos 143 lotes, atualmente, destinados a estacionamento. São eles: hierarquizar o sistema de mobilidade, promover conexões urbanas através de edificações, estabelecer usos que permitam maior permanência, oferecer desenho que permita transições suaves entre espaços públicos e privados, promover espaços programáticos, encorajar a prática do caminhar, aumentar área verde e propor diversidade tipológica nos projetos habitacionais. Sobre a hierarquia na mobilidade urbana, o novo modelo proposto define que os pedestres e os ciclistas tenham prioridades primeiras. A segunda preferência será dada ao transporte público, como ônibus e veículo leve sobre trilho. E, com menor importância, o carro que terá seu uso controlado, através da proibição de estacionamento nas principais vias (Avenida Anhanguera, Araguaia e Tocantins e Rua Três) e pela cobrança de tarifa nas

demais ruas. Por conexão urbana entende-se que as edificações não precisam ser interrupções do espaço urbano, mas podem, ao contrário, fornecer trajetos alternativos ao usuário. O desenho de uma arquitetura que possibilite a extensão da rua resultaria na aproximação entre o lugar do público com o lugar do privado público e tornaria a cidade mais convidativa aos passeios e às caminhadas. O estudo do programa é uma das ações estratégicas de maior importância no presente trabalho pois, parte dos problemas apresentados na cidade, deve-se a conflituosa relação entre os edifícios privados e os espaços livres e públicos pouco atrativos. Em Goiânia, hoje, 80.500 m² de seus terrenos são ocupados por estacionamentos privados. Nesta presente proposta eles serão substituídos por quatro tipologias básicas de usos: os pocket parks, as praças, as habitações e os edifícios destinados à cultura e educação. 115


1 3

2

hierarquia na mobilidade urbana

arquitetura como conexão urbana

usos de maior permanência

espaços programáticos

cidade como prática do caminhar

aumento da área verde

116

integração entre espaço público e privado

diversidade tipologica habitacional


As funções destas tipologias foram eleitas afim de tornar os quatro quadrantes em áreas múltiplas quanto a diversidade em seus usos e equipamentos. Assim, nas regiões onde houver um maior número de habitações serão propostos mais espaços livres e de lazer. Nas áreas com maior número de edifícios comerciais serão implantados um maior número de unidades habitacionais, visando evitar ruas abandonadas e vazias durante o período noturno e finais de semana. Os usos relacionados às atividades de longa permanência foram prioritários, pois com eles objetiva-se alcançar o pleno uso das praças, dos parques e das ruas entendidos aqui como espaços de encontro. Também se considera que os espaços públicos devam fornecer um pouco mais do que áreas sombreadas e bancos, mas deseja-se que estes incitem a diversidade de atividades. Complementando esta ideia, a proposta de intervenção indicará diferentes programas para os parques e pocket parks, que em conjunto irão se complementar enquanto promoção de atividades distintas. É importante lembrar que para qualificar os espaços públicos em cidades como Goiânia, onde quase todo o ano as temperaturas são altas (durante a primavera a tempera média é de 32 C), é

imprescindível aumentar a área de cobertura vegetal para amenizar o desconforto de pedalar e caminhar durante dias quentes. (Mapa 10) Quanto aos edifícios de habitação e aos equipamentos públicos, que demandam mais intimidade, considerou-se a presença dos espaços de transição suaves. Para o urbanista Jan Gehl (2013, p.82) o tratamento deste encontro, público e privado é fundamental para incentivar a caminhada e a convivência nas ruas. Como comenta: O espaço de transição- onde as edificações e a cidade se encontram- é também vital para a qualidade da habitação e da vitalidade da área urbana do entorno. A zona de transição é a parte mais externa e mais ativa em uma área residencial. Aqui se encontra a porta de entrada das casas (...) e é aí que as atividades das áreas residenciais mudam-se para o terraço ou recuo ajardinado, em um bom contato com o espaço público. A zona de transição também é aquela que os pedestre veem e vivenciam quando caminham pela área.

Por fim, propõe-se edifícios de moradias destinados a diferentes tipos de famílias. Assim sendo, pensou-se em diversas tipologias de unidades habitacionais em um mesmo edifício. Nesta mesma 117


proposta considerou-se também a presença de espaços semi-públicos, como jardins e quintais coletivos, para permitir o encontro e o convívio entre moradores (Mapa 11).

118


7 praças com usos complementares

17 pocket parks com usos complementares 143 lotes usados como estacionamento

12 edifícios destinados à cultura e a educação

15 edifícios de habitação de mercado 37 edifícios de habitação de interesse social

119


MAPA 10 COBERTURA VEGETAL NO CENTRO TRADICIONAL DE GOIÂNIA

terrenos fora do centro tradicional terrenos no centro tradicional vegetação existente

0

100

300



MAPA 11 MASTERPLAN DA PROPOSTA DE OCUPAÇÃO DO CENTRO TRADICIONAL DE GOIÂNIA

QUADRANTE I - área predominantemente comercial - habitação existente, em sua maioria, unifamiliar - ausência de parques - ausência de equipamentos destinados à cultura ou lazer

terrenos fora do centro tradicional terrenos no centro tradicional equipamentos de cultura e lazer praças verdes

QUADRANTE III - área que possui maior número de estacionamentos - predominantemente comercial e residencial multifamiliar - área predominantemente habitacional - ausência de parques

pocket parks habitação HIS habitação HM

0

100

QUADRANTE II - área predominantemente comercial e habitacional unifamiliar - ausência de parques - área com maior número de edifícios de uso misto do Setor - maior número de equipamentos de cultura e lazer do Setor

300

QUADRANTE IV - ausência de equipamentos de cultura ou lazer - possui uma escola pública



brinquedos infantis

espaço para bailes

campo de futebol

pequeno comércio

exercícios para terceira idade

lanchonete

pistas de skate

escola de dança

equipamentos de exercício físico

escola técnica

piscinas e espelho d´água

centro esportivo

cinema a céu aberto

midiateca | cinema

jogos de cartas e tabuleiros

biblioteca

leitura de revistas e periódicos

museu

café

escola de fotografia

teatro a céu aberto

escola de línguas

internet livre

escola de música

informação e compra de passagens

escola infantil

feira livre

habitação de interesse social

restaurante pupular

habitação de interesse de mercado

bar

124


125



4.2 Proposta de mobilidade urbana

Tendo em vista que a opção pelo transporte individual como principal forma de locomoção é uma das questões mais problemáticas no Setor Central de Goiânia, a remodelação do sistema de mobilidade para essa área propõe a inserção de meios de transportes alternativos e estratégias para o desestímulo do uso do carro. A principal diretriz desta proposta visa então promover a inversão da atual hierarquia de transporte, ou seja substituir o excessivo uso do automóvel pelo transporte de massa, pela bicicleta ou pela caminhada. A estratégia projetual adotada determinou que a locomoção dentro do Centro será de forma complementar. O acesso vindo de outros bairros se dará através do transporte de massa. Para tanto, se considerou o uso de veículo leve sobre trilhos (VLT) ao longo de toda a extensão da Avenida Anhanguera e a adição de mais quatro faixas de corredores de ônibus (BLT) nas Avenidas Tocantins, Araguaia e Paranaíba e nas Ruas Oitenta e Dois e Quatro. A BLT da Avenida

Goiás será mantida, mas os pontos de ônibus serão transferidos para o interior do bulevar histórico, a fim de promover maior movimentação nessa área verde e a liberação de espaço na via para a adição de ciclovias ao longo dessa avenida. Ao acessar o perímetro do Centro, a mobilidade interna poderá se dar através de bicicletas públicas ou a pé. Todas as ruas do Centro conterão ciclovias, com faixas exclusivas em relação as vias de carros e ônibus. As bicicletas serão disponibilizadas nos 17 pocket parks que estarão distribuídos ao longo da malha do Setor e localizados a cada dois quarteirões. Nesses pequenos espaços, também haverá a possível compra de bilhetes e de passagens para os transportes de massa. Para aumentar área sombreada das ciclovias e proporcionar temperaturas mais amenas, os pocket parks possuírão uma conexão entre as ciclovias principais, marcadas pelo aumento da 127


massa verde. São as ruas Dois, Três, Quatro, Doze, Treze e Quinze e as Avenidas Anhanguera, Tocantins, Araguaia e Paranaíba. Com o intuito de desestimular os usos do carro, mas não eliminá-lo por completo, a proposta ainda mentem um sistema de estacionamentos. Atualmente os 143 lotes destinados à garagens, conseguem abrigar cerca de 6.440 carros. Na presente proposta ficou estabelecido que haverá um estacionamento subterrâneo na praça Cívica e outros em terrenos destinados para equipamentos públicos. Em sua totalidade a área disponível é de 67.300m, que permitirá abrigar cerca de cerca 4.000 carros. O estacionamento principal, o da Praça Cívica, terá acessos para a entrada e saída de veículos nas três vias principais: a Avenida Goiás, a Avenida Araguaia e a Avenida Tocantins. Já os demais estacionamentos foram disponibilizados de modo a dispersar o intenso provocado pelo estacionamento central (Mapa 11). Outro aspecto importante a se destacar é o tratamento das calçadas e das fachadas do setor central da cidade no nível térreo a partir do olhar do pedestre. O urbanista Jan Gehl (2013, p.77) comenta sobre a importância das zonas de troca entre interior e exterior e das possíveis interatividades que podem 128

ser estabelecidas. Evitar fachadas cegas e pouco atrativas são determinantes para atrair o público de pedestres. Para tanto, o novo redesenho sugere ampliação da calçada através da abertura de alguns térreos, onde poderiam ser ocupados por mesas e cadeiras. Em situações de comércio a estratégia de utilizar coberturas que se prolongam até a calçada somada a grandes aberturas, janelas e vitrines é uma solução interessante.


DIAGRAMA MOBILIDADE URBANA

tĂŠrreo: pocket parks ciclovia vlt blt

subsolo: estacionamentos

129


MAPA 12 MASTERPLAN DA PROPOSTA DE MOBILIDADE URBANA DO CENTRO TRADICIONAL DE GOIÂNIA

terrenos no centro tradicional terrenos fora do centro tradicional subsolo com estacionamento pontos de aluguel de bicicleta linha indicativa de corte linha de corte vlt blt faixa para automóveis ruas pedestralizadas

0

100

300



ATUAL - AV. ANHANGUERA 0

20

ATUAL - AV. TOCANTINS 0

20


PROPOSTA - AV. ANHANGUERA 0

20

PROPOSTA - AV. TOCANTINS 0

20


ATUAL - AV. GOIÁS 0

20

ATUAL - AV. ARAGUAIA 0

20


PROPOSTA - AV. GOIÁS 0

20

PROPOSTA - AV. ARAGUAIA 0

20



4.3 Os pocket parks

Os pocket parks ocuparão terrenos de menores proporções e, por serem parte do novo sistema de mobilidade urbana, devem operar de forma conjunta. Entretanto eles são variados quanto aos seus usos. Cada um deles possuirá um distinto programa para atrair públicos de diferentes perfis. Os doze usos destinados aos dezessete parques são: espaço para jogos de cartas e tabuleiros, espaço para leitura de jornais e periódicos, café, restaurante popular, internet livre, agências de informação, comércio de pequena escala, espaço para atividades de dança, lugares para teatro e apresentações ao ar livre, lanchonetes e bares. Na presente proposta, os programas dos parques visam proporcionar às pessoas o convívio e, por serem diversos e complementares, estimular o passeio ao longo de toda a malha urbana do Setor Central. Neste aspecto os usos destes novos edifícios públicos são estratégias urbanas que estão intimamente relacionados ao desejo de tornar a rua

um local mais ativo, ou seja, espaços de encontro. Portanto, é essencial que os novos equipamentos sejam planejados como conexões no espaço urbano, uma extensão da calçada. O projeto modelo, localizado entre a Avenida Tocantins, a Rua Dezesseis e a rua Doze, foi desenhado para ligar essas três ruas, sendo o parque uma possível travessia. Foi também considerado que este caminho possa servir de abrigo às atividades e eventos sazonais, como feiras e apresentações de coletivos culturais. No nível térreo, além do caminho para pedestres, haverá uma pequena lanchonete, próximo ao bicicletário. No andar superior propõe-se um espaço destinado a jogos de cartas e tabuleiros e uma sala para administração, informação e venda de bilhetes de transporte.

137


Estacionamento entre a Avenida Tocantins e as Ruas Dezesseis e Doze.

138


Pocket park entre a Avenida Tocantins e as Ruas Dezesseis e Doze.

139


DIAGRAMA CONCEPÇÃO VOLUMÉTRICA

?

140



B

A

1 757,30

2

C

C 3

1. praça 2. lanchonete 3. banheiro funcionário B

A

PLANTA NÍVEL TÉRREO 0

20


2 761,30

1

2

1. administração e informação 2. espaço para jogos de cartas e tabuleiro 3. banheiro funcionário

PLANTA PRIMEIRO NÍVEL 0

20



CORTE A 0

5

10



CORTE B 0

5

10



CORTE C 0

5

10









4.4 As praças

Foram escolhidos os maiores terrenos para abrigar as novas praças da parte central de Goiânia, pois elas foram pensadas a partir de atividades que demandam espaços abertos e amplos. Tal como foi proposto nos pockets parks, onde haverá complementariedade programática, cada praça conterá equipamentos urbanos distintos visando atender variados públicos. Os usos escolhidos para os sete parques são: parque equipado com brinquedos infantis, campo de futebol, pistas de skate, exercício para a terceira idade, piscinas e espelhos d´água, equipamentos de exercício físico e cinema a céu aberto. A proposta do parque apresentada elegeu o terreno entre a rua Oitenta e Dois, Vinte e Cinco e Doze para instalação do campo de futebol. O modelo proposto enfatiza o esporte com a atividade de maior importância neste espaço, por isso foi centralizado no terreno. O paisagismo proposto possui o desenho que estende o gramado do campo para outros cantos

da praça, definindo também os locais de passeio e estar. O edifício que contorna a praça além de reforçar a continuidade da rua, serve de apoio ao campo de futebol. Nele são propostos espaços destinados aos vestiários, aos banheiros públicos e à administração. Para atrair outros públicos, foram pensados também duas lanchonetes e um espaço de projeção.

157


Estacionamento entre as Ruas Oienta e Dois, Vinte e Cindo e Doze.

158


Estacionamento entre as Ruas Oienta e Dois, Vinte e Cindo e Doze.

159


DIAGRAMA CONCEPÇÃO VOLUMÉTRICA

?

160


3

4

A

C

6

1 760

D

A

D

1

8 758,90

2 8

1. lanchonete 2. vestiário 3. banheiro 4. loja | aluguel de materiais esportivos 5. midiateca | projeção de filmes 6. administração 7. guarda-volume 8. campo de futebol

2

B

B

5

C

PLANTA NÍVEL TÉRREO 0

10

20



CORTE A 0

5

10



CORTE B 0

5

10



CORTE C 0

5

10



CORTE D 0

5

10


MÓDULO DA PRAÇA EXPLODIDO

170


171









4.5 As habitações

O espaço de transição, como comenta o urbanista Jan Gehl (2013, p. 82) é o encontro entre o edifício de habitação, o lugar do privado, com as ruas e calçadas, o lugar do público. O tratamento do térreo, portanto, possuí uma influência crucial para estabelecer uma relação mais íntima e convidativa entre estas duas esferas. Afinal, este é o lugar de convívio entre pedestres e vizinhança. Portanto, estabelecer espaços de transições suaves e promover lugares que permitam maior interatividade entre os moradores, são as principais diretrizes do modelo da habitação desejado. Para o projeto de habitação social foi escolhido um pequeno terreno localizado em frente a Rua Nove. Para fornecer uma calçada mais generosa, o edifício foi recuado frontalmente em 2,5m. Lateralmente foi pensado em uma rua pedestralizada que dá continuidade ao caminho da calçada, como se a rua se prolongasse para o interior do terreno, que também é por onde se dá a entrada às habitações. Sobre uma modulação de 3m x 3m o edifício

construído em alvenaria autoportante possui três tipologias de apartamentos para atender famílias de distintos tamanhos. As quitinetes possuem 36m², apartamentos de dois quartos, 54m² e os de três quartos com 72 m². Como todos os apartamentos são do tipo duplex, ao serem empilhadas de forma não constante, a edificação atinge altura não uniforme. Esses espaços remanescentes foram tratados para serem quintas e jardins coletivos, espaços semi públicos de uso comum para todos moradores. As aberturas maiores e as portas de acesso às unidades são todas voltadas para a rua interna à habitação, como estratégia para promover interação visual entre os moradores e a rua pedestralizada, que também poderá ser ocupada com atividades coletivas de vizinhança.

179


Estacionamento na Rua Nove

180


Habitação na Rua Nove

181


DIAGRAMA CONCEPÇÃO VOLUMÉTRICA

?

182



TIPOLOGIAS DAS UNIDADES HABITACIONAIS

4x = 36m²

184

6x = 54m²

8x = 54m²



B

C

D

E

F

A

A

B

C

D

E

F

PLANTA NÍVEL TÉRREO 0

5

10


PLANTA PRIMEIRO NÍVEL 0

5

10


PLANTA SEGUNDO NÍVEL 0

5

10


PLANTA TERCEIRO NÍVEL 0

5

10



CORTE A 0

5

10



CORTE B 0

5

10



CORTE C 0

5

10



CORTE D 0

5

10



CORTE E 0

5

10



CORTE F 0

5

10





4.5 Os equipamentos de cultura e lazer: requalificação do jóquei

Os equipamentos públicos, além de colaborarem com o sistema de mobilidade urbana, foram pensados para fornecer ao Setor Central maior número de opções culturais e educacionais, tão escassas na região. Serão equipamentos de maior porte que visam atender toda a extensão do bairro e, portanto, diminuir o seu caráter comercial. Serão propostos 12 edifícios como os seguintes usos: centro esportivo, midiateca e cinema, biblioteca, museu, escola de fotografia, escola pública de línguas, escola e música, escola infantil, escola técnica e escola de dança. A opção por propor a requalificação de um edifício existente se deu devido à sua importância na memória da cidade e dos frequentadores da área. O Jóquei, foi desde a inauguração da cidade, primeiro espaço destinado ao encontro, às festas e ao lazer. E hoje a edificação se encontra bastante degradada e sua demolição já foi inúmeras vezes proposta. E, por fim, trata-se de um marco arquitetônico goiano,

assinado por um dos arquitetos de maior renome no cenário brasileiro e internacional. Portanto, tendo em vista que a obra não é protegida por leis de tombamento, projetos que proponham a requalificação do espaço são necessários. Três pontos foram de fundamental importância para a adoção de um partido de intervenção. Estabelecer um diálogo entre a obra existente, de modo a compreendê-la e respeitála, manter os atividades sociais e esportivas que ainda perduram e por fim retirar os altos muros que circundam a obra, afim de incluí-lo na paisagem da cidade. A ampliação do Jóquei Clube foi desenhada na área do antigo bosque, onde hoje é estacionamento. Também foi proposto a demolição dos galpões construídos posteriormente à proposta original pois não possuem qualidade arquitetônica ou identidade com o projeto original. A relação que se estabeleceu com o 205


edifício existente foi a de sugerir uma linguagem semelhante quanto ao sistema estrutural e quanto à sua espacialidade. A obra é acessada por um corredor subterrâneo principal que dá acesso à rampa central, onde todos os níveis são conectados. Portanto foi proposto a continuação do principal acesso do edifício, estendendo-o até a Rua Onze, criando assim uma rua interna ao edifício. As lajes dos níveis do salão de festas e das piscinas também foram prolongadas até o fim do terreno. Essa continuação permitiu a criação de dois novos espaços. Acima destas lajes, foi sugerido uma nova praça, visualmente aberta para a cidade. E abaixo das praças foi abrigado o centro esportivo e escola de dança e teatro, para dialogarem com os usos da estrutura mantida, tais como as piscinas e a quadra de basquete. O complexo conta com salas de lutas, marciais, salas de teatro e dança, salas para treino de ioga e duas lanchonetes. As quadras de tênis foram transferidas para a laje que está acima do atual estacionamento, próximo às piscinas. A estrutura física do edifício existente foi pouco alterada, apensas os usos foram reestabelecidos. O ultimo piso, estabelecido como asmisntração, foi recolocado como restaurante, 206

como previa o projeto original. O espaço de bilhar e a pequena academia localizados próximo ao estar, foram transferidos para o projeto anexo, onde terão mais espaços. A grande estrutura de banheiro/ vestiário e sauna foram mantidos para também atender os outros espaços destinados à prática de atividades físicas.


DIAGRAMA CONCEPÇÃO VOLUMÉTRICA

207


Situação atual do Jóquei Clube de Goiás

208


Proposta de requalificação do Jóquei Clube de Goiás

209


13

4

1. entrada social 2. salão de festas 3. ginásio 4. vestiários 5. depósitos 6. funcionários 7. cozinha 8. equipamentos 9. barbearia 10. sauna 11. administração 12. salão de beleza 13. jardim

5


6

7

9

8

2 751,30

10

11

12

1

750

3

5

4

751

PROJETO ORIGINAL PLANTA SUBSOLO 0

10

20


753,30

1. bilhar 2. restaurante 3. estar 4. acesso às piscinas 5. acesso às quadras 6. iluminação e ventilação dos vestiários

6

5


1

2

3

3 4

753,30

PROJETO ORIGINAL PLANTA PRIMEIRO PISO 0

10

20


1. bar 2. salรฃo 3. sanitรกrios


3

2

1

756,90

PROJETO ORIGINAL PLANTA SEGUNDO PISO 0

10

20


11

4

1. entrada social 2. salão de festas 3. ginásio 4. vestiários 5. depósitos 6. funcionários 7. cozinha 8. equipamentos 9. sauna 10. administração 11. estacionamento

5


7

6

2

11

8

751,30

10

1

750

3

5

4

751

SITUAÇÃO ATUAL PLANTA SUBSOLO 0

10

20


753,30

1. bilhar 2. restaurante 3. estar 4. acesso às piscinas 5. quadra coberta 6. iluminação e ventilação dos vestiários 7. academia de ginástica

5

6


1

2

753,60

4

3 753,30

7

755

SITUAÇÃO ATUAL PLANTA PRIMEIRO PISO 0

10

20


1. administração 2. sanitários


1

2

756,60

SITUAÇÃO ATUAL PLANTA SEGUNDO PISO 0

10

20


AVENIDA 749

C 749,25

749,50

6

5

2

A

3

747,30

B

1. salão de festas 2. sala de ginástica 3. sala de dança 4. sala de teatro 5. sala de artes marciais 6. lanchonete 7. ginásio 8. restaurante 9. vestiário 10. sauna 11. administração 12. funcionários 13. copa 14. café 15. salão de jogos

9 15

4

6

3

750

750,75

C 751

RUA TRÊS


A ANHANGUERA 750

12

13

1 751,30

10

10

A 750

B

9 7 751

751,50

751,75

PROPOSTA PLANTA NÍVEL SUBSOLO 0

10

20


2 751,30

3

4 749,80

1. salão de festas 2. praça 3. estar 4. jogos de tabuleiro 5.espaço para leitura

5


1 751,30

PROPOSTA PLANTA PRIMEIRO PISO 0

10

20


6 751,30

6

753,30

1. café 2. restaurante 3. estar 4. acesso às piscinas 5. quadras de tênis 6. praça


1

2

3

4

753,30

753,60

5

PROPOSTA PLANTA SEGUNDO PISO 0

10

20


1. bar 2. salรฃo 3. sanitรกrios


1

2

3

756,60

PROPOSTA PLANTA TERCEIRO PISO 0

10

20



CORTE A 0

20



CORTE B 0

20



CORTE C 0

20









CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se tratar dos espaços urbanos de Goiânia, uma primeira questão que se levanta se relaciona-se diretamente com aquilo que Gonçalves (2003) chamou de a “modernidade possível”. Ao que parece, a capital que se ergueu para consolidar o grande projeto federal de interiorização e modernização nacional, se organizou segundo uma lógica urbana carregada de valores provincianos, a partir de um processo que foi imposto à sua sociedade local. Mesmo nos dias de hoje, pode se notar os traços dessa herança. Culturalmente, este povo ainda muito próximo aos hábitos tradicionais, sertanejos, parece não ter se habituado à sua condição moderna. Os espaços do público, os lugares do coletivo, da urbes parecem ter pouca aceitação por parte da população. Ao passo que as áreas de lazer dos condomínios verticais, os jardins privados, os lugares afastados da rua, são os espaços consumidos pelos goianienses. Por outro lado, este mesmo povo, apresenta um ávido interesse pela novidade. A cidade

modifica sua paisagem e seus usos de forma veloz e os espaços de permanência e lazer alteram-se na mesma proporção. São poucos os estabelecimentos memoráveis, simbólicos, repletos de diversidades e onde as práticas cotidianas são consideradas. Cidades como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, apresentam espaços que já se entranharam na vida das pessoas. Ao passo que em uma cidade nova, como Goiânia, que foi eleita para ser uma luta contra o sertão, para ser a “cabeça de ponte” contra a imagem do sertão atrasado, surgiu em um momento em que o tempo e o modo de produção eram muito mais rápidos. Por esta razão, tudo se transformava mais rapidamente e os espaços públicos pareciam não se consolidar efetivamente. Tais observações levantaram a principal problemática do trabalho, e ela está sublinhada por complexidades que desafiam as possibilidades de intervenção na escala urbana e arquitetônica. Sendo assim, como pensar o lugar do público em uma sociedade que ainda não tem por hábito a sua plena utilização? Como considerar a memória do lugar onde 243


a novidade possui maior relevância? Diante das diversas variáveis que compõem o espaço de Goiânia, como também dos seus vários conflitos, entende-se que as propostas apresentadas no presente trabalho não as respondem, por completo, mas, trata-se apenas de uma hipótese de intervenção que considera três questões básicas que buscam dentro do possível, dar respostas aos problemas apresentados. A primeira delas foi a consideração do processo de degradação desta região e o seu acentuado congestionamento, a segunda foi a ampliação dos espaços públicos e memoráveis a partir da redução do espaço privado e a última foi a adoção de uma leitura do cotidiano, que permite compreender as pré-existências e as dinâmicas sociais. A partir das supracitadas considerações, o projeto de intervenção na região Central de Goiânia propõe a ocupação dos espaços vazios ou destinados à estacionamentos e a remodelação dos sistemas de mobilidade. Para tanto, oito eixos de ação foram estabelecidos. Os cinco primeiros tratam das decisões macro, visando soluções para o congestionamento do centro. Trata-se do estabelecimento de uma nova hierarquia de mobilidade, em que o pedestre, o 244

ciclista e o transporte de massa foram priorizados em detrimento do carro. Foi sugerido, conceitualmente, o redesenho das fachadas, a fim de estabelecer transições mais suaves entre espaços públicos e privados, bem como, o incentivo à prática do caminhar. A área verde foi intensificada para promover temperaturas mais amenas, estimulando, desta forma, o uso da bicicleta e a maior permanência da população nos espaços livres. No que tange à escala do edifício, quatro tipologias básicas foram estabelecidas para ocupar os terrenos que hoje são estacionamentos. São elas: o pocket park, a praça, a habitação e os edifícios destinados à cultura e educação. Estes edifícios propostos foram pensados também para atender os outros três eixos de ações. São eles: a promoção de conexões urbanas através das edificações, a criação de espaços programáticos, segundo a diversidade tipológica dos projetos habitacionais e a adoção de partidos que estabelecessem íntima relação com a escala urbana, promovendo, assim, a ampliação do uso do espaço público e, de possíveis espaços memoráveis. Foi nesta mesma ótica, em que se estipulou como prioridade a íntima relação entre as estratégias de projeto, que se pensou o edifício do Jóquei


Clube, retomando-o como o projeto modelo para o sistema de edifícios públicos destinados ao lazer e educação. A concepção modernista deste edifício e a observação dos usos que ainda perduram no clube foram questões de grande importância para a decisão projetual, levando-se em consideração escolhas e decisões de projeto que permitiram estabelecer o diálogo entre esta arquitetura e o espaço urbano. Por fim, este trabalho de conclusão de curso, apesar de todas as suas limitações, procurou, na medida do possível, levantar não só questões que contribuam para uma maior reflexão sobre o espaço urbano da cidade, como também apresentar uma proposta de requalificação que valoriza tanto a sua importância histórica quanto a sua dinâmica cotidiana.

245



BIBLIOGRAFIA

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Entrevistas: BOAVENTURA, Carolina Rodrigues. Entrevista a José Amaury de Menezes. Goiânia, 2013 BOAVENTURA, Carolina Rodrigues. Entrevista a Luciano Caixeta. Goiânia, 2013 BOAVENTURA, Carolina Rodrigues. Entrevista a Maria de Fátima Macedo da Cunha. Goiânia, 2013 BOAVENTURA, Carolina Rodrigues. Entrevista a Patrik di Almeida Ribeiro. Goiânia, 2013 Sites: http://www.seplan.go.gov.br/sepin/pub/serieEB/ Port/Rev286/11-tab03.htm,acessado em junho, 2013. http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel. php?codmun=520870 , acessado em junho, 2013

249



ANEXOS



Entrevista Amaury Menezes

O senhor frequentou os dois edifícios do Jóquei Clube. Como era o primeiro? Do que o Sr. se lembra em relação ao espaço físico do Jóquei? Bem, o primeiro era, era....uma mistura de estilos, em que ele era todo revestido de pedras, mas era uma sede muito bonita. E inicialmente, ele se chamava Automóvel Clube de Goiás e depois... Gozado! O Pedro Ludovico quando fez Goiânia fez a mesma coisa que o Juscelino fez algumas décadas depois fez em Brasília. Contratou o mais laureado urbanista e o mais laureado arquiteto, o Atílio Corrêa Lima e o Armando de Godoy, para a parte de urbanismo e o Zé Amaral de Maia, para a parte de edificações. A mesma coisa fez o Juscelino....eu tô muito, tô me alongando muito, depois você corta aí e vê o que é importante. O Juscelino depois fez a mesma coisa em Brasília, pegou o Lúcio Costa para o urbanismo e o Niemeyer para a parte de edificações.

Pois bem, acontece o seguinte: como a iniciativa privada não acreditava em Goiânia, como cidade, não fazia investimentos, o próprio governo do Estado teve que investir. O Estado construiu, além dos prédios públicos estaduais, os prédios públicos federais, os correios, a delegacia fiscal, o Tribunal de Justiça, Tribunal Eleitoral e assim por diante. E construiu hotel, e ninguém acreditava que Goiânia precisasse de hotel. Então ele construiu o Grande Hotel, que na época era um hotel cinco estrelas. Ele construiu um cinema, um cine teatro – que é o Teatro Goiânia – porque a iniciativa particular não acreditava na cidade. Ele construiu o Automóvel Clube, que depois passou a ser o Jóquei Clube. Então, ele foi um homem que assim, provocou a iniciativa privada. Construindo hotel, clube, cinema, o Lago das Rosas, o Aeroporto... Ele fez tudo em Goiânia! E o Automóvel Clube é... Meu pai foi um dos primeiros sócios do 253


clube. Então, ainda criança, eu já era frequentador. Praticava esportes, nadava e, mais tarde, adolescente, eu continuei frequentando. Quando se tornou Jóquei Clube, eu continuei indo. Tinha as matinês dançantes, para as crianças e jovens, todo domingo tinha uma matinê dançante. E a noite, tinha o jantar dançante, onde se reunia a sociedade. E praticamente a cidade inteira era sócia do Clube. E eu praticava esportes. Eu joguei basquete. Naquele tempo, não precisava ser gigante para jogar, portanto, tive até um certo destaque. Jogava tênis, voleibol e basquete, mas este útlimo era o meu esporte predileto. Há alguns, eu não me lembro exatamente, resolveram demolir a primeira sede e construir uma outra. Eu não sei se precisava fazer isso, porque já tinha muito espaço. Eu acho que foi uma judiação e um desrespeito, com a memória da cidade e do clube, ter demolido aquela sede tão pitoresca, tão agradável. Então construíram aquele negócio lá, que é projeto do Paulo Mendes Rocha. Aí o Clube começou a entrar em decadência financeira.

financeira, foi o alto custo da obra do novo edifício? Não foi exatamente por isso. É porque vendeu-se muita ações, ações permanentes. Então o clube passou a não ter a renda mensal do associado. Para apurar dinheiro para construir a sede, eles venderam ações vitalícias, em que o associado não era obrigado a pagar mensalidade e aí a renda do clube, que é a mensalidade, passou a não existir. Então aí começou a decadência financeira do clube. E hoje, estão lá alugando pra faculdades e...nem sei como que tá aquilo. Bom, eu fiz um resumo da história do Jóquei Clube.

254

Qual

motivo

dessa

decadência

E quais são suas memórias do novo edifício, o construído pelo Paulo Mendes? Não, eu guardo uma memória muito melhor do antigo Jóquei Clube . Não é problema em ser saudosista É porque, na realidade, quando eu me lembro do Jóquei eu tenho saudade de mim. E eu vivi uma boa parte da minha vida naquele clube antigo. Então, por isso eu falo com uma certa...acidez sobre essa modificação que eles fizeram. Quem é essa Amaury que você sente


saudade? Ah, do jovem né? (risos...). Eu vou fazer 83 anos e tenho saudade da minha juventude. E a coisa mais importante que a gente tem na vida é a juventude . Você trata de aproveitar: passa por cima de críticos, de freios e de pessoas que querem te frear. Passa por cima de tudo isso e curta sua mocidade. Quais foram as atividades que você realizou no Jóquei Clube? Para a atividade social, o Jóquei Clube era a reunião semanal. Além dos bailes que tinham periodicamente para comemorar algum evento, havia o aniversário da cidade, o réveillon, o carnaval. O carnaval do Jóquei era um negócio festejadíssimo. A cidade inteira aguardava o ano todo para o carnaval do Jóquei. Além dessas atividade sociais, a minha atividade maior dentro do Jóquei foi como jogador de basquete. Eu viajei o Brasil inteiro jogando basquete pelo Jóquei. Quer dizer, acredito que você quer um depoimento muito mais sobre a parte de arquitetura e eu tô falando muito mais do que eu tenho do Jóquei. Então, o Jóquei pra mim é isso: um clube pioneiro de Goiânia que...

O Pedro Ludovico não foi analisado, até hoje, com toda justiça que ele merece. É um homem que criou o cinema para poder ter um ponto de encontro. Criou o lago das rosas para ter um ponto de atividade para todas as classes sociais. E criou o Jóquei Clube para ter a confraternização social. E ele conseguiu tudo isso! Ele conseguiu, inclusive, eliminar uma coisa que era muito comum em Goiás que era a “casta”. Só era frequentador do Palácio Conde dos Arcos, para seus saraus, festas e noites festivas, a elite social e econômica da cidade. E o Pedro conseguiu que Goiânia acabasse com isso com o Jóquei Clube, o Teatro Goiânia, o Cine Teatro Goiânia, o Lago das Rosas, o Grande Hotel. O Grande Hotel tinha grandes acontecimentos sociais. Então, conseguiu eliminar esse negócio de “casta”. A cidade passou a não ter ricos e pobres, brancos e negros. Outros depoimentos apontam o oposto do que o Sr. disse, pois o Jóquei Clube, sobretudo na época da primeira edificação, era um espaço bastante elitista. Inclusive para participar das atividades, as pessoas deveriam ser indicadas por outros membros do clube. Na realidade, abriu a venda de ações no 255


Jóquei e qualquer pessoa poderia se inscrever. Não tinha esse negócio lá, no Country Clube, sim. O Jóquei Clube não tinha isso. Quem te deu esse depoimento deve estar se confundindo. O Jóquei abriu as suas portas para toda a sociedade: os associados e não associados. Para um evento como o carnaval, pagava-se uma entrada e assim, era permitido participar. Logicamente, o não-sócio tinha que ser apresentado por um sócio, mas isso eu acho que é uma coisa mais ou menos lógica para ter uma certa seleção de comportamento. Bem, uma seleção social e de comportamento. E sobre a decadência. Você se recorda do processo? Durante muito tempo, até depois da construção do novo edifício, eu ainda continuei frequentando. Eu e meus filhos, mas eu não percebi essa decadência. Há pouco tempo, eu pintei a galeria dos presidentes do Jóquei, e um deles contou-me sobre os problemas que o Clube estava passando. Parece que todos os sócios eram de ação, remido né? Então o clube estava sem renda. Então, estavam precisando de alugar a sede para fazer eventos sociais de fora. 256

Até que chegou ao cúmulo de praticamente... Eu nem sei se o Jóquei está funcionando. Como que está aquilo? A Faculdade Padrão tentou comprar, o edifício da Sede, mas enfrentou muitos problemas judiciais. Ao fim comprou uma parte do terreno e retirou o bosque para fazer um estacionamento... É...aquilo era um bosque bonito. Esse bosque começava no Clube dos Oficiais , descia e passava pelo o Bosque dos Buritis, seguia pela frente do Ateneu Dom Bosco e chegava no Jóquei Clube. Tinha um “rego d´água”, a gente chamava de “rego d´água” mas era um córrego. Sobre os espaços físicos dos dois edifícios do Jóquei Clube, quais imagens o senhor ainda guarda? O primeiro espaço físico... Você tem fotografia disso? Bem, o primeiro espaço físico era uma sede que tinha um alpendre que circundava todo o salão de festa, que era o salão dos bailes. Naquele tempo eles eram. Então sempre tinha os bailes pela manhã. À tarde, as matinês dançantes, que eram mais juvenis.


À noite, o jantar dançante. Eu frequentava os todos. No jantar dançante, eu me sentava na mesa de pessoas que tinham dinheiro: o Paulo Teixeira, o Ardilo Porto, o Duda Roriz, então...o Zé do Morro...E, como o jantar era caro, eu me sentava na mesa e ficava alí. Aí eles me ofereciam: “Amaury, vem, vamos jantar”. Eu falava: “Não, obrigado. Eu só vou molhar o pão.”Aí eu pegava o pão que era servido de graça e ficava molhando o meu pão no molho do filé Filé à Châteaubriant dos meu amigos. E eu e outros amigos, que não tinham condições de jantar, passamos a ser chamados de “a turma do molha pão”. Era aquela história: “não, eu só vou aqui molhar o pão aqui” e ficava ali beliscando. Então, essas são as boas memórias que eu tenho desse período. Até de “dureza” né? De não ter dinheiro para poder jantar, almoçar... Então, nesse salão de festas, circundado por um alpendre, tinha um restaurante atrás. Além disso, tinham os campos de esporte: o campo de basquete, dois campos de tênis. Também tinha a piscina com o trampolim e piscina olímpica. A frente toda era circundada com uma mureta do mesmo estilo da sede. Já o novo edifício, desmancharam toda sede velha e fizeram aquele bloco de concreto, tudo

em concreto. Inclusive avançando até uma área que era destinada ao Teatro de Emergência, que é onde, hoje, esta a entrada do Jóquei Clube. Alí tinha um Teatro que foi demolido também. O bloco ocupa, praticamente a quadra inteirinha, não ficou espaço né? Porque antes tinha muito espaço de área verde e de jardim. E por que o senhor deixou de frequentar o Jóquei Clube? Eu nem me lembro mais porque eu vendi a ação que eu tinha. É que a gente vai ficando mais velho vai perdendo o interesse de frequentar clube. Talvez seja por isso...É que você me fez uma pergunta que eu não sei responder. Se ele voltasse a funcionar, você voltaria a frequentar o clube? Não, eu não frequento mais clube nenhum. Eu tinha ação do Jóquei, do Clube dos Oficiais, de um clube que tem ali no Setor Sul, do Clube Cruzeiro do Sul, do Clube Social Feminino. É que quando lançava algum clube, eles vinham atrás da gente para comprar. No fim, eu estava pagando tanta mensalidade de clube que eu resolvi vender tudo. Do Country Clube eu tinha ação que era para mim e para 257


todos os filhos., mas eu ia muito pouco e pagava uma mensalidade muito alta. Já a minha ação do Jóquei acho que caducou, porque eu parei de pagar, né? Você voltaria a frequentar aquele espaço, mesmo com outro uso de caráter público? Acho que na minha idade não, né? A cidade também não é para os velhos? Não é que a cidade não é para os velhos, mas é que eu tenho outros atrativos, que é o de conviver com a família. Assim, todo fim de semana a gente vai para a casa de filho. A distração de velho é diferente. Não há nada contra o Jóquei ou outro clube, é simplesmente a minha ambição, minha forma de viver é que modificou. E eu acredito, que para a maioria das pessoas idosas acontece isso. É que naquele eu era muito atraído para carnaval, bailes, matinês dançantes, jantares dançantes, esse eventos que tinham no Jóquei. Depois de casar e de ter filhos, a gente já não esta... Bem, o carnaval para mim já não representava mais nada. Primeiro que lança perfume passou a ser proibido. 258

Gozado, hoje o lança perfume é encarado como droga, não era naquele tempo. Era uma forma de você agradar uma pessoa era fazer um jato de lança perfume na pessoa. E como era o carnaval do Jóquei? Ah sim, tinha as mesas dentro do salão e fora do salão, no alpendre também. Os associados, os frequentadores ficavam nesses espaços, com um monte de lança perfume em cima das mesas. É que chegava na época do carnaval, comprava-se caixas e cada caixa tinha três tubos. Eu comprava, geralmente, uma dúzia de caixas. E na festa, quando uma pessoa passava e você jogava era para se mostrar agradável. O ar ficava impregnado daquele negócio, né? Aquilo é éter, lança perfume é éter, mas nunca houve um sentido de droga, tanto que acabava o carnaval ninguém comprava um vidro de lança perfume. Tinham dois tipos de lança perfume. Tinha o “Odoro”, que era um tubo metálico pintado de dourado e tinha o “Colombina” que era um tubo de vidro, mas esse pouca gente usava porque qualquer pancadinha ele quebrava, esse vidro era muito fino. Então, o “Odoro” era a marca imperante.


E sobre os carnavais no novo edifício? No novo também teve carnaval, né? É que eu já não tinha atração por carnaval. No começo eu ia para levar neto, para levar filho, mas depois até isso eu parei de fazer. Qual era a diferença entre os carnavais, os bailes dançantes e os bailes debutantes? Tinha, tinhas os bailes de debutantes e eventualmente até tinha os bailes de aniversário da cidade, de réveillon. O réveillon do Jóquei era muito frequentado, muito concorrido. Já os jantares dançantes eram semanais, todos domingos. O carnaval também, esse era muito bom. Depois com a inauguração do Country, o carnaval dele passou a concorrer diretamente com o do Jóquei. Então, talvez a decadência do Jóquei também tenha sido em função disso: outros clubes que surgiram: o Jáo e o Country, que veio em seguida. Depois veio o Balneário Meia Ponte, né? Bem, eu não sei a ordem deles. É, você sabe como ele esta sobrevivendo? O Jóquei também sempre foi o que teve o time de basquete muito bom, disputando campeonato brasileiro, isso desde a época em que eu jogava. E foi o primeiro, né? Até o Pedro Ludovico foi frequentador

assíduo de lá. Gozado, o Pedro Ludovico ele era uma pessoa que, toda tarde, andava. Ele saía do Palácio e andava a pé pela cidade. E eu morava na Avenida Araguaia, logo no inicio. Descendo a Araguaia tem a Rua Um, ali tem um churrascaria, não tem? Aquela primeira casa abaixo da churrascaria era minha casa. E o Pedro Ludovico sempre passava lá. Geralmente, ele sempre entrava em alguma das casas e tomava um cafezinho. É que naquele tempo o governador era uma pessoa que... Bem, a cidade tinha o quê? 500 habitantes? Mas, eram pessoas assim...Eu era amicíssimo do filho dele, o Antônio, que morreu em um desastre de avião. Então, eu frequentava o Palácio, né? Frequentava a casa do Antônio, não era o Palácio. E lá no Palácio, eventualmente, também tinham festas, eles chamavam de “Garden Party”, eram as festas nos jardins do Palácio. E eles convidavam a cidade inteira, independente de classe social. Naquela época não tinha violência, era uma cidade sem medo. Era muito romântico. Tinham os “footings” na Avenida Goiás. Bom, inicialmente, tudo era em Campinas, 259


porque Goiânia não tinha praticamente nada. Se você queria comprar alguma coisa, você tinha que ir à Campinas. Goiânia não tinha nada, tinha só um armazém, onde hoje é a Praça do Botafogo, chamado “A Casa Ivis”. As compras de emergência se faziam alí, mas quando você queria fazer qualquer compra maior, você tinha que ir em Campinas. Então, eu ía buscar leite diariamente em Campinas, porque Goiânia não tinha leite. Desde os seis anos de idade eu ía lá e ía sozinho. Você imagina hoje uma criança de seis anos pegar um ônibus? E naquele tempo tinha só um ônibus né? – que se chamava Jardineira. Carnaval também era em Campinas, o cinema era em Campinas. O “footing” era lá. O carnaval que tinha lá era o “Corso”. O “corso” era onde as mocinhas, ficavam e a gente jogava serpentina e confete. Depois da criação do Jóquei passou a ter o carnaval no Jóquei. Já o “footing” em Goiânia, aconteceu primeiro na Avenida Goiás, em frente onde hoje é o Grande Hotel. E os homens caminhavam em um sentido e as mulheres caminhavam em outro, aí acontecia o flerte (risos). Depois da terceira ou quarta volta, os mais ousados, abordavam, né? Ali começava o namoro. A gente não chamava de “footing” a gente 260

chamava de “avenida”. “Vamos fazer avenida, né?” Esse “footing” acontecia, geralmente às seis horas da tarde. Depois a gente ia para o Teatro Goiânia, o Cine Teatro Goiânia, assistir a sessão das oito (a sessão de luxo). Era proibido entrar sem palitó e gravata. Depois, quando acabava a sessão a gente ia para a avenida, “fazer a avenida”. Ali que aconteciam os flertes e as paqueras. O flerte, para quem não sabe, é a troca de olhar. E esse “footing” tinha alguma seleção social? Não sei não, acho que não havia essa separação. Gozado, eu tinha uma amigo que a gente chamava ele de “Clóvis Tintureiro” . Ele não era tintureiro, ele era “pegador de roupa”, pegava a roupa para levar para a tinturaria. E ele era tão bem recebido nas rodas nossas como qualquer outro, como o Antônio, que era filho do Pedro Ludovico. Tanto que esse Clóvis, depois, mudou-se para Curitiba. Formou em engenharia e é o autor do projeto da Catedral. Bem, a catedral tem um estilo que você não sabe o que é, mas aquilo foi projeto dele.




Entrevista Maria de Fátima Cunha

Eu, desde que me entendo por gente, frequentava o Jóquei. Quando eu e minhas irmãs éramos jovens o charme da época era frequentar o Jóquei. Eu não sei se você tem as fotos do salão, eles falavam salão nobre. Era todo de pedrinha. O salão do Jóquei era na Sede Social e lá tinham os bailes. Agora, parece que não se fala baile mais, hoje é balada. O meu pai fez um sacrifício para comprar a ação do Jóquei para dar ao meu irmão, que é o mais velho. Então, ele poderia nos levar para as festas. Só que ele foi estudar no Rio e nunca nos levou, mas assim mesmo a gente ia. Então, era tradição do Jóquei, nessa sede social que é na Anhanguera, os bailes. Era baile de formatura, baile de debutante. Eu estou com 59 anos e quando eu tinha 15 anos, eu debutei no Jóquei: que festa linda! Vestido longo, branco, tudo ornamentado, tudo organizado. E a gente dançava valsa. Vinha uma orquestra de fora

da cidade para fazer a festa. Tinha valsa, primeiro para dançar com o pai, depois com o padrinho. E jantares maravilhosos! As meninas faziam vestidos com costureiros famosos. E minha mãe, muito habilidosa, que fez o nosso vestido, o meu e o das minhas irmãs. E todo mundo veio perguntar, porque o vestido tinha ficado muito bonito,né? “Quem é o costureiro que fez o vestido?” – o diretor do Jóquei perguntou. E eu: “ Minha mãe!”. Aí todo mundo ria porque a mãe de ninguém tinha feito o vestido. E o Jóquei era aquela tradição. Todas as famílias consideradas de um nível familiar bom, não era dinheiro, era nível familiar , se reunia para ir ao Jóquei. Depois, eu me casei. E eu e meu marido passamos a frequentar o Jóquei porque ele nos comprou uma ação. A gente frequentava muito e nessa época tinha um restaurante muito bom, íamos quase todos os domingo almoçar lá. Tinha bilhar, que 263


com os associados. E nós depois fomos diretores sociais, durante o mandato do Cesar Sebba como presidente do clube. Ele era um jovem e jogave basquete pelo Jóquei e depois ele veio ser o presidente do clube. Então ele quis renovar muitas coisas e nós participamos muito neste período. Então tinha, toda sexta feira a “Jóqueiresta”. Era um charme! E os casais mais coroas, que nem a gente, convidava cantores goianos, bandas e, as vezes, algum cantor mais famoso. E a gente dançava, tinha luz negra, serviam comidinhas deliciosas! E ali eram o encontro dos amigos, onde a gente se divertia muito. Depois eu tive a minha filha e nessa época, o Jóquei era tão ativo que todos os domingos tinha uma recreadora infantil lá. Então eu deixava a minha filha ficar lá tranquilamente. Ela tinha uns 10 para 12 anos e podia ficar lá porque tinha uma pessoa que cuidava, que brincava, que você podia ficar despreocupada. Tinha também a colônia de férias, para as crianças. A minha filha foi em todas que o Jóquei promoveu. Bem organizada e com lanches maravilhosos, os meninos passavam o dia inteirinho no clube. E tinha também aulas de esportes, né? 264

Natação, basquete. Tinha tudo isso para oferecer. E eu fiquei muito triste quando vi que o Jóquei foi decaindo. Eu não entendo bem como que isso aconteceu, porque era um lugar que tinha tudo para continuar: de fácil acesso e uma sede maravilhosa. Quem sabe pode ter sido em gerência? E eu fiquei muito frustrada na última vez que eu fui ao Jóquei, já tem muitos anos. Nossa! Eu senti uma tristeza imensa, um sentimento de impotência, porque eu fazia parte daquilo: eu pagava manutenção, estava ali todo final de semana. Então fazia parte e, de repente, acabou. Aí eu nunca mais voltei, abandonei minha ação e gostaria muito que o Jóquei voltasse a ser o Jóquei Clube de Goiás. E por que você deixou de frequentar o Jóquei? Porque eu fui vendo a decadência. Antigamente, quando tinha eleição para escolher presidente do Jóquei, era o evento na cidade. Depois foi aquela coisa: ninguém queria mais e parece que foi se tornando uma coisa imposta. E eu vi a decadência do Jóquei, aí eu não tive mais vontade de frequentar. Aí já estava muito deserto e eu tinha medo de deixar a minha filha, já não tinha mais recreadores,


já não tinha as festas. Aí eu fui perdendo a vontade. É uma pena! Quais as alterações do edifício que você acompanhou? Eu ainda acompanho. Eu ouvi falar que a Faculdade Padrão comprou uma parte. Parece que lá agora tem um estacionamento aí, descaracterizou o clube. Eu não sou uma pessoa que não aceita a modernidade. Eu gosto da modernidade, mas quando ela é bem feita. Ali eu não senti que ficou uma coisa bem feita. Eu senti que repartiu, quebrou aquela harmonia do clube com essas coisas que fizeram lá. Onde era o bosque, ficou estacionamento, né? E eu até já coloquei meu carro lá e fiquei assim tão “aérea”, porque eu me lembro muito bem quando inaugurou o parquinho e a festona que fizeram naquele momento. Eu me lembro na juventude, que tinha carnaval lá, a gente ficava ali no parque na hora que pulava demais e ficava com calor então a gente sentava ali no parque. Eles montavam uns quiosques ali para vender refrigerante e comida e de repente... Olha, eu sei que administrar não é fácil, mas quem sabe o Jóquei pode voltar a ser o que era?

A senhora acha que o Centro se tornou inviável? Não, porque ali virou estacionamento. E eu penso que a maioria dos associados poderiam ir até a pé para o clube: muita gente vive ali na redondeza, no Setor oeste, no Centro, no Setor Sul. Mesmo quem não gosta de ir a pé, não tem problema de estacionar ali. Quais são suas memórias sobre o novo edifício, o de concreto? Tem gente que não gosta, mas eu sou uma velha “porreta”, eu gosto. Eu conheci o Jóquei desde e a Sede Oficial, que eu falai para você no começo, a de tijolinhos. Eu era pequena e ia com o meu pai lá e frequentei essa Sede nova também. E eu prefiro a nova, né? Antiga, só eu mesmo....Eu gosto de coisa nova, bonita, moderna, funcional. Quando tinha, na parte do estacionamento de hoje, o bosque, eu achava perfeito. Eu penso se tiverem a intenção de reformar e tiver um equipe de profissionais competentes, você pode aproveitar um metro e fazer coisas boas e funcionais. Qual sua melhor lembrança no Jóquei Clube? Eu tenho vários momentos. Eu conheci 265


meu primeiro namorado em um carnaval do Jóquei, conheci meu marido também em carnaval dali. Do Jóquei, eu só tenho boas lembranças: muita festa boa! Na verdade, tem uma história que é muito boa. O meu meu pai trabalhava no Ministério da Agricultura, aí quando ele aposentou, ele pegou uma representações para vender peças. Então ele viajava muito. Ele teve um reunião da “Baterias Durex”, em São Paulo, e ele gostava muito de nos presentear. Aí ele trouxe um tecido para a minha irmã, muito bonito. Eu era pequena, mas me lembro: “azulão”, com uns desenhos dourados. Minha mãe, que costurava muito bem, fez um vestido longo para a minha irmã ir na inauguração de alguma coisa lá no Jóquei. Quando a minha irmã chegou, a cortina do Jóquei era do mesmo pano de tecido. Ela queria morrer (risos)!

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Entrevista Luciano Caixeta

Qual foi o período que você frequentou o Jóquei? Olha, depois que o Jóquei entrou em decadência, há uns dez anos atrás, eu tenho ido lá raramente, só para uma ou outra coisa... Acho que devo ter ido umas três ou quatro vezes, nesses últimos dez anos. Eu abandonei lá porque estava muito ruim, muito difícil de frequentar. As coisas não estavam funcionando. A maioria das pessoas deixou de pagar, e o clube teve dificuldades para pagar os funcionários. Mas, antes, uns dez anos atrás, eu frequentei lá desde os meus 16, 17 anos. Então se a gente fizer uma conta, eu frequentei lá durante muitos anos. Eu frequentei o Jóquei por 25 anos. Muito tempo né... Eu me lembro bem de cada detalhe: de como era no começo, quando era fechada a parte social da parte das piscinas, tinha umas portas de vidro grande que basculhava vertical, elas pilotavam,

aliás. Elas (as portas) faziam uma relação legal entre o que estava coberto e o que estava descoberto e estabelecia uma convivência legal. Era um clube interessante, um clube essencialmente urbano, a gente não tinha muito disso aqui em Goiânia. Eu acho muito difícil você reproduzir como funcionava, mas se a gente pudesse resgatar um pouquinho, tentar lembrar como as coisas se davam ali no Jóquei... O Jóquei era um clube muito diferente dos outros. A maioria dos clubes que eu conheço são clubes campestres, com bastante área e o Jóquei tinha esse problema, ele não tinha uma área generosa que pudesse ter alguns tipos de atividades que outros clubes têm. Então ele tinha o que entre quatro muros fosse possível. Então eu realmente acho que ele conseguiu resolver as diversas atividades de um clube dentro de um espaço limitado. Não tinha, por exemplo, um campo de futebol, impossível ter isso no Jóquei porque isso exige uma área muito grande, 269


mas tinha uma quadra de futebol e campo de futebol de areia. Com dimensões menores, o arquiteto conseguiu resolver tudo no espaço. Eu não sei se você sabe como apareceu essa área do Jóquei: foi o Estado que doou. O Pedro Ludovico era um joqueano. Na verdade, antigamente, eles gostavam eram de corrida de cavalo, daí nasceu o Jóquei. Aí eles tinham uma sede ali, o Pedro Ludovico, governador , doou aquela área. Por isso eles estão com um grande problema hoje. Esse pessoal que esta na direção agora se pudesse, já teria vendido aquela área há muito tempo. Existe um imbróglio jurídico aí: toda a área doada, mesmo caso do autódromo, não pode ser vendida. Ela só pode retornar ao seu proprietário original, no caso, o Estado. Eles até tentaram permutar, negociar, inclusive uma faculdade foi para lá, tentou se instalar lá, mas não consegue ir para frente porque existe esse fator jurídico. Bom, nessa área que existia a antiga sede foi feita uma nova, acho que na década de 70. Conseguiram outra doação para o hipódromo para levar as corridas de cavalo e fizeram ali a nova sede, chamando Paulo (Mendes da Rocha) para fazer o projeto. É um projeto bastante arrojado!!!! Eu fico pensando assim: “como o Jóquei “deu conta” de 270

construir, com poucos sócios, uma sede com um valor tão grande. Provavelmente teve doações. O Estado deve ter ajudado, antigamente era assim mesmo. Mas um projeto bastante arrojado: só os pilares que ele bolou com seções triangulares se encaixando e fazendo uma composição interessante. Olha, só de concreto foi.... Como era esse Jóquei desenhado por Paulo Mendes? Como que era o projeto? Eu acho que o Paulo conseguiu a essência do clube. Goiânia era uma cidade ainda pequena, essencialmente interiorana, composta de gente do interior, e precisava dar uma resposta diferente. Acho que ele (Paulo Mendes) por ser jovem, ele quis fazer um projeto também atual, com algo que se usava muito na época: o concreto. Era um clube bastante fechado para o externo, porém com aberturas interessantes, principalmente na entrada onde havia essa comunicação das ruas e fazia ali o diálogo com a cidade. Então o Jóquei, por muito tempo, foi uma referência de projeto: um projeto que se você olhar de fora, parece um caixote fechado, mas por dentro ele é bastante simpático. Tinha bastante entradas de iluminação, ventilação e então ele se comunicava por aberturas bastante


generosas. O projeto dele é bastante interessante nesse aspecto. Internamente, né? Porque quem olha de fora não consegue ver ou entender como os níveis aconteciam. Tinha uma rampa central que fazia essas ligações entre os níveis. É uma rampa bastante tranquila, pouca inclinação e ela é o centro de comunicação, que interligavam três níveis, um intermediário e mais dois de pé direito de cinco ou seis metros. Não era muito alto não. Talvez esta seja, não sei, a maior e pior diferença, porque você entrava pelo jóquei em um pé direito baixo e depois ele abria. Mas nesse caminhar, que você entrava pelo Jóquei com pé direito baixo, você tinha a sensação que caminhava em um grande espaço apertado, que te conduzia até um espaço maior. E nesse trajeto, eu acho, a gente saía de um ambiente urbano e aberto para um ambiente que estava delimitado e que remetia a uma outra sensação. Era um outro local em que você estava protegido. Acho que a ideia do Paulo para o Jóquei era trazer a sensação urbana. Foi um experiência que ele trouxe de São Paulo para Goiânia e que funcionou. O Jóquei durante muitos anos foi um clube muito frequentado, muito cheio, muito jovens, muita gente

bonita. E, mais do que os outros clubes na época – ele sempre teve dois concorrentes- ele sempre se destacou por isso, pela jovialidade das pessoas. Acho que o principal foi isso: essa sensação de estar em um clube de jovens. Um clube novo!! Novo no aspecto da arquitetura e novo no aspecto do ambiente. As três intervenções posteriores ao projeto do Paulo Mendes, para você, foi uma necessidade de modernização ou foi um prelúdio da futura decadência? A primeira reforma, eu me lembro, foi uma tentativa de aumentar o espaço construído. E existia uma área nos fundos e ela não havia sido utilizada porque era de preservação ambiental: tinha árvores grandes, um espaço generoso, onde pessoas caminhavam. Parece que existia um tabu de não usar aquela área e que eu achava certo. Eu achava interessante, era um espaço muito agradável, era bastante verde dentro de uma quadra hermeticamente fechada. Foi o único lugar que sobrou. Você esta falando da terceira intervenção? Porque existiu também a intervenção das quadras. O projeto do Paulo acabava ali nos vestiários, depois houve um acréscimo para fazer as quadras de tênis e, mais ao fundo, para fazer os ginásios, que não tem muito 271


valor arquitetônico. E nem acredito que tenha sido o Antônio Lúcio que tenha feito isso lá, talvez, um outro arquiteto... Mas eu me lembro dessas quadras sendo construídas. Em uma outra época, houve a intervenção do estacionamento também. Fizeram também, um acréscimo nessa parte de serviço: dois ginásios cobertos, uma quadra de tênis e tinha uma cobertura metálica com quadra de peteca. Mas todas essas intervenções que fizeram eram formas de ganhar espaço. O Jóquei vivia cheio, então faltava um espaço para as crianças. Então a primeira tentativa foi criar essas piscinas e um elevado, fazendo a entrada do pé direito mais alto. Não sei se isso foi um equivoco, porque poderia ter considerando o mesmo nível porque tinha uma relação da entrada com o pé direito mais baixo com o espaço de pé direito mais alto. Esse espaço então, isolou as pessoas que levavam seus filhos do restante. Foi uma tentativa de aumentar espaço e criar espaço alternativo para essas pessoas. Não deu muito certo, porque acabou que outras pessoas iam para lá porque virou área de peteca, virou bar e para essa área preservada começaram a ocupar, fazendo piscina para crianças. Depois aquilo não deu certo e levaram para outra área. Então essa área que era, 272

embaixo do estacionamento, e, em cima da piscina para criança, não deu certo e acabou virando outra coisa. Então essa intervenção foi muito em função de buscar espaço. Talvez o erro do Jóquei foi não ter buscado o Paulo para fazer essa ampliação inicial. Já a segunda reforma, que eu me lembro, foram os vestiários. Os vestiários eram bem generosos e eu não sei de onde veio essa ideia que alguém achou que era muito espaço para vestiário e resolveram diminuir os vestiários para outras coisas, outros espaços. É aquela coisa né? Parece repartição pública: de repente vai aparecendo função para gente que não tem e começa a criar espaço para gente que não tinha e degrada o espaço que estava interessante. Então antes, lá no jóquei, tinha espaço para você guardar seus volumes e tinha bastante banheiro, espaço aberto para as pessoas se trocarem. Inclusive assim, o Jóquei tinha muita atividade de basquete, de vôlei, time de futsal, tinha muitos jogos também, com muita arquibancada. Então esses vestiários serviam para isso também e tudo se misturava mesmo. Aí resolveram separar isso, que foi as reformas que a Lana fez (Maria Eliana Jubé). Se eu não me engano a Lana também pintou um painel na fachada de concreto, que também achei


que não ficou interessante, porque tirou dali o valor do brutalismo que o Paulo tentou imprimir no projeto, que até então, dentro da cidade, tinha uma marca diferente e interessante. Parece também que ela fez um portaria, eu me lembro dessa reforma. Bem, foram intervenções menores, pontuais. Acho que essa primeira do Antônio que acho que foi a mais significativa, ela interferiu mais. E essa do fundo, acho que as pessoas nem perceberam. Agora essa última, que foi a da faculdade foi um desastre. E essa faculdade não vai para frente porque nada pode ser construído ali. Acabaram por fazer um grande estacionamento e derrubaram as árvores, derrubaram tudo, quer dizer, um desastre essa última intervenção. Acho que como as ultimas administrações foram um desastre. A última administração, que mantinha ainda uma certa excelência no atendimento, era a que funcionava. As pessoas passavam o dia, almoçavam e ficavam até a noite. Era realmente um programa de família, mesmo tendo muita moçada. Tinha grandes bailes. Eu me lembro dos carnavais, me lembro dos finais de ano... Funcionava que era uma beleza. Muita gente! Tinha shows ali, grandes eventos. Mas, quando tiraram aquela porta de vidro

que o Paolo tinha proposto, tanto para a piscina, quanto para essa área verde, aí o Jóquei perdeu essa essência de espaço. Quando se retirou isso, perdeu um pouco da setorização. Aí o Jóquei começou a ter prejuízos enormes com relação à qualidade do espaço. Mas essa ultima (reforma), das cinco ultimas administrações foram uma tragédia, foi o que fez o Jóquei estar nessa situação que esta hoje: acabado. Qual foi o motivo que você deixou de frequentar o Jóquei? É simples. Tem uma administração que marcou muito o Jóquei, a administração do Joviro Rocha. Ele foi presidente em um momento, em que não se permitia reeleição. Então ele saiu e entrou. Eu não sei se foi o Cesar Sebba, que também teve uma boa administração também. Quando o Joviro voltou, o estatuto já havia mudado, e ele foi reeleito. Na primeira administração dele, ele foi razoável, inclusive foi no final da primeira administração dele que a Lana fez essa intervenção, se me lembro. Mas nestas reformas, além de se gastar muito dinheiro, contratou-se pessoas incompetentes. Enfim, havia também muita denúncia de desvio de dinheiro. Então foi uma tragédia: começou a atrasar salário de funcionários, aí o serviço começou a piorar, porque 273


claro que funcionário não vai trabalhar assim. Então foi uma decadência em função de má gestão e as pessoas se afastaram. Ninguém continua frequentando um clube em que o banheiro não esta limpo, em que a comida não é mais boa, você vai para um salão de bilhar e a mesa estava estragada e as bolas já estão velhas, a piscina já não esta tão mais limpa... Aí começa a generalizar todas as atividades para a decadência. E eu, inserido nesse meio, fui um dos “últimos dos moicanos” a abandonar o barco dentro de uma lógica mínima necessária para você frequentar um clube. Depois deixei de frequentar porque o serviço realmente... E você via, claramente, funcionário que atendia a gente falando que o salário não estava sendo pago e que também estavam devendo funcionários e mandando gente embora. E isso foi em um período em que eles estavam tentando sobreviver de alguma forma, mas não dava mais. O paciente já estava terminal. Você ainda acredita naquele espaço? Não, enquanto clube não, até porque eu acho que para que o clube pudesse reerguer novamente ele precisaria de credibilidade, e credibilidade só se consegue quando tem um grupo 274

de pessoas fazendo algo nesse mesmo sentido. Não tem mais esse grupo grande de pessoas para fazer algo que seja possível, e que se mantenha. Quais são as suas melhores memórias do espaço físico do Jóquei Clube? Se tem algo que impressionou no Jóquei nesse anos todos é uma coisa que como usuário a gente sente, mas enquanto arquiteto só percebe depois que você vai conversar a respeito. O que o Paulo conseguiu fazer ali foi reunir todas as atividades em um único bloco. Ele associou a parte social, um ginásio, aberto e integrado, e em cima a varada que dá para as piscinas. Então, são atividades tão diferentes, que em outros clubes elas são tão distantes e tão definidas, mas no Jóquei ele juntou em uma coisa só e isso foi uma grande qualidade que ele conseguiu no Jóquei. As pessoas, então, se integravam em qualquer atividade o tempo inteiro. Aquilo era um grande espaço vazio e quando você ficava na rampa e dava um giro de 360 graus, você conseguia enxergar todas as atividades que aconteciam ali: o social, o esporte... E isso acontecia várias vezes, por exemplo, eu me lembro de estar naquela rampa e de um lado ter um campeonato de brasileiro de judô e ali ao


lado, na quadra, você via acontecendo um grande campeonato de vôlei ou de basquete, também com partidas nacionais. Depois você virava o olhar, um pouco mais acima, e tinha as piscinas e as pessoas envolta delas fazendo batucadas e, ali próximo, quase no mesmo ambiente, tinha um espaço de bilhar, onde várias pessoas ficavam jogando sinuca. E tinha, por fim, o espaço no meio funcionando um restaurante, totalmente integrado. Então esse, eu acho, foi o maior “barato” do prédio do Paulo: ele conseguiu juntar todas as atividades inerentes ao clube em um só espaço, em um grande vão aberto. O Jóquei era um clube de atividades integradas, diferente dos outros clubes onde cada atividade tinha seu espaço bem definido e as transições, de um lugar para o outro, era também separadas. Essa transição no Jóquei era definida pela rampa que fazia toda essa união.

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Entrevista Patrick di Almeida

São ideias que eu nunca escrevi sobre, portanto, eu as nunca sistematizei. Na verdade é mais uma “sacação” de que teorias. Na verdade, por mais básico que seja, nós temos duas acepções do que seja o espaço público. Tem a acepção do dicionário, que é o espaço comum. E você tem também uma acepção que é a dos sociólogos , tais como a Hanna harenit , o Habermas e Richard Sennet. Todos estes vão discutir sobre as características que este espaço tem para funcionar como, efetivamente público. A partir disso, eu comecei a relacionar essa ideia com o que eu tinha visto e tinha lido. Depois, eu fiz uma disciplina na faculdade de História, no mestrado, sobre cidades de fronteira. Então comecei a pensar Goiânia como uma cidade de fronteiras. E pensei primeiro na história do Brasil, como lugar de fronteira. Na época quando os europeus chegam aqui no Brasil, eles foram obrigados a repensar o seu lugar no mundo, e a repensar qual

era a posição deles. Esta foi, para mim, a primeira fronteira. Exatamente essa! Uma expansão da Europa. Como exemplo de fronteiras tem-se então o litoral que foi uma zona de fronteira econômica, política e social. Existem fronteiras para uma séria de serventias No caso do Brasil, temos as cidades fronteiras litorâneas, como Salvador e Rio de Janeiro. Mais para dentro temos São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. E estas, que são cidades que tem 300, 400 anos, são aquelas cidades que tiveram tempo para decantar seus espaços coletivos porque se formaram em um fase anterior ao capitalismo, quando ainda não se tinha uma necessidade de consumo rápido dos espaços. Isso muda, em uma cidade como Goiânia, que penso ser uma nova fronteira que se abre, a partir dos anos 30 e 40. Qual é a ideia, portanto, de uma cidade fronteira como Goiânia? É um combate ao sertão. Ela 277


é, além da expansão da fronteira econômica de São Paulo, uma forma de se combater o sertão, de se catequizar o setão, catequizar a “bulgrada” . Na década de 30, na década de 40 e em 50, quando Goiânia efetivamente “pega”, quando a cidade começa a se desenvolver, você já tem uma fase avançada do modo de produção capitalista, e, já não se tem mais tempo de ter uma decantação do espaço publico, então esse espaço é muito rapidamente consumido. Portanto, você tem apenas a primeira acepção de espaço público, que é jurídica , que é um espaço que é coletivo, mas você não consegue ter o tempo de apropriação desse espaço no sentido político, sociológico e filosófico do termo, esse tempo não existe na segunda fronteira. Na primeira fronteira, o tempo é mais lento. O tempo, como o Milton Santos fala, se comprime e se dilata dependendo de como você analisa o modo de produção. As cidades de fronteiras recentes tais como Campo Grande, Goiânia, Maringá (do século XX), me levaram a pensar se a nossa falta de vivência do espaço público se relaciona com esta condição ou melhor, de ser uma cidade que nasceu com a expansão econômica e que não teve tempo de decantar essa ideia de espaço público. Em Goiânia, não se tem bons espaços 278

públicos, você não tem boa arquitetura porque isso demanda tempo para a população se apropriar. Em Goiânia, nota-se que os espaços coletivos, os espaços que as pessoas se reúnem são os espaços que são privados, na verdade. É o restaurante, é a boate. E estes são cenários. Então o que se tem é muito mais uma vivencia do cenário. Como o cenário pode ser montado e desmontado muito rápido, esse espaço pode ser vivido de forma intensa e muito rapidamente, assim ele se desgasta. Os melhores espaços, os espaços mais bem pensados, onde as pessoas convivem são os espaços de consumo. É onde você consome a cidade. É o bar que tem uma programação visual, ou tem um cenário que é montado, ou a Casa Cor. Portanto, essas cidades, de segunda fronteira existem para o consumo. O espaço é para ser consumido, e, quanto mais rápido, melhor. Então, o que se necessita é a eterna novidade, de modo que nas cidades mais antigas, mais consolidadas, esse espaço vem de uma outra época, de um outro tempo, onde os processos eram mais lentos. Então teve-se tempo para esses espaços se decantarem na vida das pessoas. Cidade como, Salvador, por exemplo, que tem 500 anos. No Rio e em São Paulo existem espaços que já se “entrenharam” na vida das cidades


e das pessoas. Ao passo que, em uma cidade nova, que foi feita para ser uma luta contra o sertão, para ser a “cabeça de ponte” contra a imagem de sertão, do atrasado, e que ainda acontece em um momento em que o capitalismo e o modo de produção eram mais rápidos. Tudo é mais rápido! E o espaço não tem tempo de se consolidar. Portanto, o espaço publico aqui (Goiânia), só funciona se tiver prédios em volta com suas fachadas de vidro. Nota-se que o ciclo desses espaços, se pensar dentro da logica do consumo de espaço que é típico nesse tipo de cidade, se esgota, deixando se servir como cenário para a burguesia e para a elite local, uma elite provinciana. Aparece o Jaó, aparece o Country .... Futuramente teremos os famosos salões de festas, que são espaços decorados. Neste contexto, se pensarmos o Jóquei, ele não responde a função de um espaço de consumo dessa elite que precisa consumir. Ela é ávida por novos locais e nunca pelos espaços. O que atraí é a fachada, o cenário, a novidade, a cor, o brilho, o material de acabamento. Essa é para mim, uma das explicações porque Goiânia não tem boa arquitetura e bons espaços. Eu comecei a pensar isso quando o Segawa (Hugo Segawa) nós pediu para apontar cinco prédios contemporâneos bons aqui na cidade. Nós ficamos

pensando durante muito tempo para conseguir listar esses cinco prédios e ainda acho que não conseguimos. Qual é a arquitetura de Goiânia? É a arquitetura da fachada. E todos os prédio do Oeste e do Bueno estão trocando as fachadas por vidro: placas de vidro ao invés de portões de gradil. A própria Universidade (Pontifícia Universidade Católica de Goiás), trocou suas grandes por vidro, porque também precisa da novidade, do acabamento. Então, não existe arquitetura, aqui existem cenários. É uma cidade que vive de cenários. A falta dos espaços públicos então é atribuída a sociedade? É, da maneira como ela se constitui, por ser fruto de uma cidade de fronteira . É uma cidade que é criada para destravar o progresso no Brasil, que estava atravancado em Goiás Velho. A antiga capital não comportava uma elite sofisticada, áreas de expansão (ela é cercada em um fundo de vale). O que é o progresso para essa elite que se forma? É o novo, não são bons espaços, espaços de qualidade, mas são espaços novos. Então você precisa montar e desmontar os espaços continuamente: o baile abre dez vezes no mesmo local, mas com 279


uma decoração diferente, com um nome diferente e sempre atraí o mesmo público, que se cansa muito rápido. O Jóquei portanto, entra nessa discussão porque ele demorou uns 20 anos para esgotar o seu ciclo. Atualmente, isso seria tempo demais. Agora os espaços são consumidos entre 1 ou 2 anos. Sempre nesta mesma lógica: necessitas-se trocar a fachada do edifício e constituir um novo cenário. O espaço público, nessa logica, só é frequentado se ele tiver um comércio, um shopping, como acontece no Goiânia shopping. O parque é frequentado porque você tem um shopping em frente. No parque flamboyant, o mesmo raciocínio. A segunda acepção de espaço público que comentei não existe em Goiânia. Existe na primeira compreensão. Mas, na segunda interpretação que se relaciona mais a vivencia do coletivo, eu não vejo. Existe a vivencia da boate e a do bar, que são espaços de consumo Vale lembrar também outros eventos. A ditatura também desmantela os espaços. Em uma cidade como Goiânia, diante de um governo ditatorial, o que existia de pouco politizado passa a ser reprimido. Outra questão, colocada pelo Vilaça, 280

que também é comum aos outros centros, é a movimentação do Centro. O centro acompanha o dinheiro. Então, o centro nunca mais vai voltar a ser aquele centro, a não ser que varias medidas sejam tomadas: pensar no acesso das pessoas e facilitar a moradia das pessoas perto de onde trabalham. Existem, portanto, formas de ocupar esse centro, mas não será aquele centro que foi na década de 50. A cidade que nasce em um momento do espaço comprimido e acelerado obedece uma certa lógica do consumo veloz, da rápida perda de utilidade. O jóquei segue esse padrão, assim como o Teatro Goiânia: eles vivem em reformas e nunca são usados. Os espaços comprimiram seu ciclo, dentro da logica de consumo. E o jóquei cumpre esse ciclo: teve seus bailes de debutantes de formatura, aquela atmosfera de Goiânia dos anos 50. Era um espaço determinado por um tipo de frequentação e esse uso, vai se perdendo e se esgotando até chegar um momento em que ninguém mais se vê usando aquelas instalações como um clube e não acredito aquilo nem como um shopping, só se fosse um shopping popular. Você acredita na possibilidade na existir mais espaços coletivos em Goiânia?


Olha...eu...isso é uma boa pergunta. Eu sou um pouco cético, em uma cidade como Goiânia, sou bem cético. Pode ser também porque nós não temos bons espaços. Eu percebo que quando há espaços minimamente qualificados, as pessoas procuram, frequentam, mas essa não é uma preocupação em Goiânia, não ouço ninguém comentando “que falta que eu sinto de um espaço público” . O que eu vejo é uma espécie de crise da vida coletiva, porque o coletivo, o outro, pensando na forma que vivemos hoje, ele incomoda. Tendemos a ter resistência diante do outro e parece que quase existe uma propaganda negativa das ruas, dos espaços. A cidade é um lugar para você ter medo. E tudo isso fica “martelando” na nossa cabeça: “ a rua é perigosa”, “o espaço aberto é perigoso”, então estamos mais “seguros” no shopping, na sua casa, nos restaurantes, no condomínio fechado. Por outro lado, mesmo que seja muito aristotélico da minha parte, as pessoas gostam do contato, do convívio. Isso é forte em nós. Não vou dizer que somos “animais agregados”, mas que a gente gosta de ver gente é um fato. Quando estamos em algum lugar, cercado de pessoas, sentimos mais protegidos, por exemplo, ninguém vai a alguma lugar que não tem ninguém, evitamos esses lugares.

Existe, portanto uma tensão. Por um lado as pessoas precisam das pessoas, elas gostam de ver o outro e de saber que estão ali. Por outro lado, existe um bombardeio de informações que o espaço aberto é perigoso: “você será assaltado,”, ou “algumas coisa ruim vai acontecer ali” e nada é mais eficiente do que o medo.

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