FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO - UFRJ
Análise Tectônica de Edifício Um Retiro Para Filósofos Teoria da Arquitetura II- Profª: Maria Cristina Cabral Outubro de 2015
Autores: Carolina Sampaio - 111007951 Felipe Fernandes - 107317679 Rebeca Waltenberg - 109012411
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Índice 1. 2. 3. 4. 5.
Introdução ...........................................................p.2 Aterro ................................................................p.4 Tectônica ............................................................p.5 Estereotômica ......................................................p.6 Junção ...............................................................p.6
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1. Introdução
Não há como entender a história recente da região de Kilmartin, na Escócia, sem conhecer as transformações sócio-econômicas pelas quais passou uma importante cidade a sudeste: Glasgow. No início do século XVIII, a localidade obteve uma crescente importância como entreposto comercial entre a Europa e o Novo Mundo, como parte do então Império Britânico. Com a Revolução Industrial, Glasgow tornou-se uma cidade importante na produção de navios, segundo maior porto do Império e principal centro nacional de trocas de produtos vindos das Américas. Os avanços tecnológicos pelos quais passou provocaram, portanto, profundas mudanças nas técnicas construtivas, com o uso extensivo de materiais locais, dentre os quais aquele que dá identidade à arquitetura da cidade: o arenito vermelho.
Imagem 01: Tenement houses - Glasgow Imagem 02: Kilmartin Parish Church - Kilmartin
Já a contextualização da pequena vila onde o objeto arquitetônico é localizado, Kilmartin (costa oeste escocesa) é uma área conhecida por sua riqueza em monumentos pré-históricos e sítios históricos. Em um raio de 2 kilômetros do ponto central do terreno pode-se encontrar os cairns, entre eles o mais notório do grupo, Glebe cairn, todos monumentos de sepultamento e datados do período Neolítico e Idade do Bronze. Entre os ícones arquitetônico, se destacam: a Igreja Kilmartin Parish Church - datada do século XIX, que é construída em pedra e atende ao estilo neogótico, localizada ao Leste imediato do Retiro para Filósofos; e a tipologia das casas locais: em paredes de pedra e telhado de duas águas, e as mais recentes em material construtivo não aparente, paredes exteriores pintadas em branco e mesma tipologia de forma. O retiro para filósofos, em Kilmartin, propõe-se ser um ambiente calmo e propício à reflexão, apresentando-se como uma resposta contemporânea, em termos técnico-espaciais, à cultura, paisagem, clima e luz locais, com o uso e reinterpretação de elementos vernáculos, exemplificando o que Kenneth Frampton conceitua como Regionalismo crítico . 2
Imagens 03 e 04: Localização do projeto na Escócia e perspectiva do projeto, respectivamente.
A concepção do edifício enquanto forma tectônica inicia-se pela modificação do “aterro”, um d’ Os quatro elementos da arquitetura , de Semper, enfatizando a topografia local. Segundo os conceitos de Frampton em seus Argumentos em favor da tectônica , na passagem da terra para o ar, a combinação de elementos de madeira constitui a tectônica da estrutura, cujo fechamento em tijolo vermelho, de mesma pigmentação do arenito, apresenta-se como a estereotômica da massa. A luz, agente revelador do volume e do valor tectônico da obra, tem sua passagem permitida pelo vidro, elemento de caráter material e imaterial, de junção e quebra.
Imagem 05: Prancha Carolina Sampaio.
"A existência precede e governa a essência" Não só ao homem se aplica o conceito definido por Sartre e fundamentado por Heidegger. Na arquitetura, o ato de construir pode ser entendido mais por seu caráter ontológico do 3
que por seu caráter representacional, como afirma Frampton. No retiro para filósofos, a modificação da matéria para a conquista de significado está presente desde a preparação do solo ao revestimento.
2. Aterro
Imagem 06: Croquis do Retiro.
A fundação, metaforicamente, se molda ao terreno como uma folha que cai ao solo no outono, criando com aquele uma conexão tão forte quanto com a árvore que a deixou ir . Em Os quatro elementos da arquitetura , o aterro é defendido por Semper como forma básica fundamental da construção, como “uma massa telúrica que (...) serve para alicerçar a armação, a parede” (AFT, p. 564). Nesse sentido, pode ser também entendido pelo procedimento da estereotômica da massa comprimida, não por simbolizar, mas por ser a terra em si. Segundo o arquiteto Vittorio Gregotti, em seu discurso na Liga Internacional de Nova York, “o ambiente é a matéria mais importante para desenvolver o projeto” (AFT, p. 565), pois a transformação de sua forma revela a essência do contexto geográfico e histórico do lugar, conferindo, assim, significado ao que é construído. A ênfase nas condições específicas do sítio, característica fundamental do Regionalismo crítico, começa pela própria topografia. O retiro para filósofos, localizado em uma área de relevo acidentado, tem como base tectônica os desníveis que caracterizam a topografia local. É a partir da compreensão dos aspectos geográficos, em primeira instância, que conferem identidade à região, que a estruturação do edifício é fundamentada. Os 4 volumes que configuram o espaço deste colocam-se como respostas a essa paisagem campestre, em 3 diferentes níveis.
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3. A TECTÔNICA
Imagem 07: Seção do Retiro.
A partir do “preparo do terreno”, na terra são fixados os elementos de medidas variadas que, combinados, abarcam um campo espacial, constituindo a armação e configurando a tectônica da estrutura, segundo Frampton, ou o núcleo ( Kernform ) da obra, segundo Bötticher. A estrutura “tende para o aéreo e para a desmaterialização da massa” (AFT, p. 562), cujos materiais e técnicas construtivas de seu tempo permitem também, no Regionalismo crítico, a expressão de identidades como manifestações locais da cultura universal. No edifício em Kilmartin, o uso da madeira como elemento estrutural reside na idéia de emprego de um material amplamente utilizado na arquitetura vernacular da região, o que possibilita um conexão à memória e identidade locais, porém segundo técnicas construtivas contemporâneas. A madeira, cuja cor remete ao solo e às rochas locais, torna mais evidente a concepção do retiro como um fato tectônico , unindo os opostos cosmológicos do céu e da terra, como na árvore de onde provém. Quando cortada, lixada e armada de forma a cumprir a função estrutural do edifício, sua imaterialidade se torna ainda mais clara.
4. A ESTEREOTÔMICA O fechamento ou o preenchimento espacial da estrutura ( Kernform ), por meio de combinações de elementos construtivos que “tanto garantem o acabamento material de um edifício como permitem que essa função seja reconhecida como forma simbólica” (AFT, p. 562), a forma-corpo ( Körperbilden ), dá-se pelo invólucro ( Kunstform ), segundo Bötticher. A membrana envoltória, um d’ Os quatro elementos da arquitetura , de Semper, possui seu significado atrelado a esta atividade, considerada por ele a base de todas as civilizações. O tijolo, elemento de fechamento presente na civilização ocidental desde a Mesopotâmia, cuja condição de objeto tectônico ontológico , “modelado de forma a enfatizar seu papel estático”, pode ser entendido, na construção, pelo procedimento da estereotômica da massa comprimida. A partir do empilhamento de suas unidades, seu caráter telúrico imprime a um edifício uma maior conexão com a terra e com o local geográfico-histórico, 5
permitindo à arquitetura expressar “as sensibilidades, os costumes, a consciência estética, a cultura diferenciada e as tradições sociais de uma determinada raça” (RC, p. 393). Por sua composição e aspecto tátil, portanto, a base estereotômica está intimamente ligada à construção de identidade. Porém, no Regionalismo crítico, a expressão está em “cultivar uma cultura contemporânea voltada para o lugar” (RC, p. 397), com a “inserção de elementos vernáculos reinterpretados” (RC, p. 397), sem abandonar referências formais e tecnológicas modernas, numa espécie de antropofagia cultural. No retiro para filósofos, o uso do tijolo está fundamentado em aspectos referentes à identidade da região de Kilmartin, num primeiro plano, e da própria Escócia, num segundo. Os avanços tecnológicos, que proporcionaram à arquitetura do lugar a passagem do emprego da pedra em estado mais bruto para a pedra cortada e talhada, agora permitem ao edifício o fechamento em um material industrial e produzido em larga escala. O tijolo, cuja cor evoca à natureza geológica do lugar - nao vermelho vivo como as construções industriais de Glasgow, mas um tom dourado -, permite uma conexão temporal às construções vernaculares, dotando a construção de significado. A estereotômica , assim, adquire um peso ainda maior.
5. A JUNÇÃO Segundo Heidegger, objetos inanimados podem evocar o “ser” e percebemos o edifício nesta analogia com o corpo humano. A junção seria para Semper um elemento tectônico primordial, um vínculo fundamental onde o edifício passa a existir, ou seja, estaria relacionada com a presença do “ser” e seria expressa na transição da base estereômica à estrutura tectônica. Por meio da análise das junções possível caracterizar as culturais nas quais estão inseridas. Para Frampton “há um valor espiritual intrínseco nas particularidades de uma determinada junção, na ‘coisidade’ do objeto construído” e exemplifica esta afirmação com os trabalhos de Carlos Scarpa, como expressão contemporânea deste atributo :
Imagens 08 e 09: Detalhes de junção do Palazzo Querini Stampalia, em Veneza.
No retiro para filósofos, há junção dos tijolos com a estrutura em madeira, que é feita com argamassa, e da estrutura de madeira com o vidro, feita por estrutura leve de metal que sustenta os painéis de vidro. 6
Imagens 10 e 11: Exemplos de junção entre madeira e vidro.
O vidro aplicado na cobertura de espaços precisos do Retiro para Filósofos, pretende uma modulação sensitiva, utilização da luz natural e controle climático. No caso da Europa, e mais precisamente da Escócia, país de baixas temperaturas, o vidro permite que os raios de sol penetrem no ambiente construído funcionando como uma estufa. O espectro local de luz da Escócia penetra pelas aberturas de vidro no teto e algumas fachadas, e brinca com as superfícies de tijolo e madeira. Segundo Frampton, a janela fixa e o ar-condicionado são ambos indicativos de dominação pela técnica universal. No retiro, alguns painéis de vidro não são fixos e permitem aberturas quando no verão, porque foram pensados para as pequenas variações de clima da cidade.
Imagem 12: Junções entre vidro e a estrutura de madeira.
Resgatando a discussão sobre junção, segundo Frampton, em contraste temos a “disjunção”, que é por definição o ponto em que uma “(...) superfície ou material termina abruptamente para ceder lugar a outro” (AFT, pg.568). Se dialogar coerentemente com a “junção”, pode ter tanto significado quanto a própria. Dessa forma, os rasgos de vidro que cortam perpendicularmente o objeto arquitet ô nico são perfeitas “disjunções”: enquanto o tijolo carrega o peso de tender ao telúrico e à “muralha fortificada de pedra” (AFT, pg.564) ou Mauer , a Madeira tende para a desmaterialização e para o oposto cosmológico do tijolo, o céu; entre eles, há a junção e a quebra, que fazem do edifício o que é e diferenciam uma cultura de construção de outra. O objeto arquitet ô nico se torna finalmente completo se consideradas as árvores ao redor: o jogo de luz e sombras que suas folhas criam através da incidência de luz solar, remetem aos claustros dos antigos edifícios de universidades 7
tradicionais escocesas. O espaço de média permanência pretende dar novo significado à meia luz, e transformar o espaço e a materialidade, antes estáticos, em um organismo vivo: a luz diurna ou noturna seriam somadas à sombras das folhas antes de finalmente mostrarem as texturas não mais puras, únicas deste exato objeto onde agora co-existem.
Imagem 13: Fachada esquemática do objeto com seu complemento compositivo, as árvores
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Bibliografia 1. 2. 3.
4.
FRAMPTON, Kenneth. “Rappel à l”ordre: argumentos em favor da tectônica” FRAMPTON, Kenneth. “Por um regionalismo crítico: seis pontos para uma arquitetura de resistência” JOHNSON, Ben. “Kilmartin Glen”. Historic UK, Disponível em < http://www.historic-uk.com/HistoryMagazine/DestinationsUK/Kilmartin-Glen/ >. Acesso em 06 out. 2015. CHURCH, Kilmartin Parish. Scotland’s Churches Trust. Disponível em < https://www.scotlandschurchestrust.org.uk/church/kilmartin-parish-church >. Acesso em 07 out. 2015.
Imagem 01: Tenement houses glasgow. Autor: Carolina Sampaio. Imagem 02: Kilmartin Parish Church, Scotland’s Churches Trust. Disponível em: < https://www.scotlandschurchestrust.org.uk/church/kilmartin-parish-church >. Acesso em: 11 out. 2015. Imagem 03: Localização do projeto na Escócia. Autor: Carolina Sampaio. Imagem 04: Perspectiva do projeto. Autor: Carolina Sampaio. Imagem 05: Prancha Carolina Sampaio. Imagem 06: Croquis Carolina Sampaio. Imagem 07: Seção do retiro. Imagens 08 e 09:Palazzo Querini Stampalia, Veneza. Disponível em: < http://designlifenetwork.com/interior-alchemy-carlo-scarpas-palazzo-querini-stampalia/ >. Acesso em: 1 out 2015. Imagens 10 e 11: Exemplos de junção entre madeira e vidro. Disponível: < http://www.decoradvisor.net/home-design/property-expansion-adds-steel-and-glass-to-concrete-struct ure/ >. Acesso em: 01 out 2015. Imagem 12: Corte esquemático ilustrado. Autor: Carolina Sampaio Imagem 13: Fachada do Projeto. Autor: Carolina Sampaio
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