J.R. Ward - Amante Consagrado

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Capítulo

1

O mago havia retornado.

Phury fechou os olhos e deixou sua cabeça encostar na cabeceira. Ah, que inferno, o que ele estava dizendo? O mago nunca tinha ido embora. Parceiro, às vezes você me irrita, a voz sombria em sua cabeça falou lentamente. É verdade. Depois de tudo o que passamos juntos? Realmente... eles haviam passado por muita coisa. O mago era o motivo por que Phury tinha necessidade gritante de fumaça vermelha, estava sempre em sua mente, sempre martelando sobre o que ele não tinha feito, o que devia ter feito, o que podia ter feito melhor. E se? E se? E se? Parecia piada. A verdade era que um dos Espectros do Anel, de O Senhor dos Anéis, o tinha levado até a fumaça vermelha tanto quanto se o tivesse amarrado como um animal no porta-malas de um carro. Na verdade, parceiro, eu o amarraria no para-choque. Exatamente. Em sua mente, o mago aparecia na forma de um Espectro do Anel, usando uma túnica sombria que escondia seu rosto, parado em meio a um deserto cinza cheio de ossos e crânios. Em seu clássico sotaque britânico, ele fazia questão de que Phury nunca esquecesse seus fracassos, a ladainha incessante que o fazia fumar sem parar só para não ter que ir até seu armário de armas e enfiar o cano de um revólver na testa.

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Você não o salvou. Você não os salvou. Você levou a maldição para todos eles. A culpa é sua… a culpa é sua… Phury pegou outro cigarro e o acendeu com seu isqueiro dourado. Ele era o que chamavam no Antigo País de exhile dhoble. O segundo gêmeo. O gêmeo do mau. Phury nasceu três minutos depois de Zsadist, e seu nascimento trouxe a maldição do desequilíbrio para a família. Dois filhos nobres, ambos nascidos com saúde, era sorte demais e, com certeza, o equilíbrio seria restaurado: em alguns meses, seu gêmeo foi roubado da família, vendido como escravo e sofreu todo tipo de abuso por um século. Graças à sua maldita senhora, Zsadist tinha cicatrizes no rosto, nas costas, nos pulsos e no pescoço. Mas estava mais machucado ainda por dentro. Phury abriu os olhos. Salvar o corpo físico de seu irmão gêmeo não tinha sido o suficiente; foi preciso o milagre de Bella para ressuscitar a alma de Z., e agora ela estava em perigo. Se eles a perdessem… Então tudo fica correto, e o equilíbrio permaneceria intacto para a próxima geração, disse o mago. Você não acredita de fato que seu irmão gêmeo vai receber a bênção de ter um filho saudável, não é? Você terá muitos filhos. Ele não terá nenhum, esse é o equilíbrio. Ah, e estou falando da shellan dele também, eu mencionei isso? Phury pegou o controle remoto e aumentou o volume da ópera La Bohème, justo quando a ária “Che Gelida Manina” começou. Não adiantou. O mago gostava do compositor Puccini. O Espectro começou a valsar em volta dos esqueletos, suas botas amassando tudo em que pisava, seus braços pesados balançando com elegância, sua túnica preta rasgada balançava como a crina esvoaçante de um cavalo majestoso. Contra o vasto horizonte cinza e vazio, o mago valsava e ria. Aquilo era tão... esquisito. Sem olhar, Phury alcançou o criado mudo e pegou um saco de fumaça vermelha e os papéis de seda. Ele não precisava medir a distância. Já tinha feito aquilo milhares de vezes. Enquanto o mago cantava a plenos pulmões ao som da La Bohème, Phury enrolou dois cigarros para manter o hábito e fumou enquanto preparava seus reforços. Enquanto expirava, a fumaça que saía de seus

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lábios cheirava a café e chocolate, mas teria fumado qualquer coisa, até mesmo lixo queimando em seu nariz se isso fizesse o mago se calar. Que diabos, estava chegando ao ponto em que acender todo um depósito de lixo seria ótimo se aquilo lhe desse um pouco de paz. Não acredito que você não valoriza mais a nossa relação, disse o mago. Phury se concentrou no desenho que estava em seu colo, aquele em que estava trabalhando na última meia hora. Depois de fazer uma rápida revisão, mergulhou a ponta de sua pena no pote de prata que estava equilibrando no quadril. A tinta dentro do pote parecia o sangue de seus inimigos, com seu brilho oleoso e denso. No entanto, no papel, parecia um marrom avermelhado profundo, não um preto terrível. Ele nunca usaria preto para retratar alguém que amava. Dava azar. Além disso, a tinta sanguinária era precisamente o tom dos reflexos do cabelo cor de mogno de Bella. Então, combinava com seu tema. Phury cuidadosamente fez o sombreado do nariz perfeito dela, os fios delicados da pena se entrecruzando até que a densidade estivesse certa. Desenhar com tinta era muito parecido com a vida: um erro, e a coisa toda estava arruinada. Droga! Os olhos de Bella não estavam à altura. Curvando o antebraço para não arrastar o pulso sobre a tinta fresca, ele tentou consertar o que estava errado, delineando a pálpebra inferior para que a curva ficasse mais angulosa. Suas pinceladas marcavam a folha de papel forte o bastante. Mas os olhos ainda não estavam bons. É, não estava bom, e ele devia saber disso, considerando quanto tempo tinha gasto desenhando Bella nos últimos oito meses. O mago parou no meio de sua dança e apontou para o fato de que sua rotina de tinta e desenhos era uma péssima ideia. Afinal, ele estava desenhando a shellan grávida do seu irmão gêmeo. Só um cafajeste imundo ficaria obcecado com uma fêmea que pertence ao seu irmão gêmeo. E mesmo assim foi o que você fez. Você deve estar muito orgulhoso de si mesmo, parceiro. Sim, o mago sempre tinha um sotaque britânico por alguma razão. Phury deu outra tragada e inclinou a cabeça para o lado para ver se uma mudança no ângulo de visão ajudaria. Não. Ainda não esta-

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va certo. O cabelo também não estava bom, na verdade. Por algum motivo, ele havia desenhado o cabelo longo e escuro de Bella em um coque, com mechas sobre o rosto. Ela sempre usava o cabelo solto. Não importa. Ela era mais do que linda de qualquer jeito, e o resto do rosto estava como ele geralmente o retratava: virado para a direita, os cílios delineados, o olhar revelando uma combinação de delicadeza e devoção. Zsadist se sentava à direita dela nas refeições. Para que sua mão de luta ficasse livre. Phury nunca a desenhava com os olhos voltados para si. O que fazia sentido. Na vida real, ele também nunca atraiu o olhar de Bella. Ela estava apaixonada por seu irmão gêmeo, e ele não havia mudado isso, mesmo desejando-a tanto. A área do seu desenho ia do alto do coque até os ombros. Ele nunca desenhava a barriga grávida. Fêmeas grávidas nunca eram registradas do tórax para baixo. Mais uma vez, azar. Além de um lembrete do que ele mais temia. Mortes no parto eram comuns. Phury passou os dedos pelo rosto dela, evitando o nariz, onde a tinta ainda estava secando. Ela era linda, mesmo que o olho não estivesse bom, o cabelo estivesse diferente, e os lábios, menos carnudos. Estava pronto. Hora de começar outro. Passando para a base do desenho, ele começou a desenhar a hera que envolvia seu ombro. Primeiro uma folha, depois uma haste... agora mais folhas, curvando e engrossando, cobrindo o pescoço, se reunindo perto dos lábios, beirando a boca, espalhando-se pelo rosto. Indo para o pote de tinta e voltando para o papel. A hera tomando conta de Bella. A hera cobrindo o trajeto da pena de Phury, escondendo seu coração e o pecado que vivia nele. O mais difícil era cobrir o nariz. Era sempre a última coisa que fazia, e quando não podia mais evitar, sentia seus pulmões queimando como se fosse ele que não pudesse mais respirar. Quando a hera tinha dominado a imagem, Phury amassou o papel e o jogou no cesto de lixo do outro lado do quarto. Em que mês eles estavam... agosto? Sim, agosto. Então, ainda faltava... sim, ela tinha mais um ano de gravidez, supondo que conseguisse

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mantê-la. Como muitas fêmeas, ela já estava em repouso porque os cuidados pré-parto eram uma grande preocupação. Apagando a ponta do cigarro, ele foi pegar outro dos dois que tinha acabado de preparar e se deu conta de que os tinha fumado. Esticando sua única perna, colocou o cavalete de lado e pegou de novo seu kit de sobrevivência: um saco de fumaça vermelha, um pacote fino de papel de seda e seu volumoso isqueiro de ouro. Em um instante enrolou outro cigarro, e enquanto ele dava a primeira tragada, mediu seu estoque. Droga, estava pequeno. Bem pequeno. As persianas de aço subindo na janela o acalmaram. A noite, em toda a sua glória sem sol, tinha caído, libertando-o da mansão da Irmandade... e permitindo que ele vá até seu fornecedor, Rehvenge. Movendo a perna que não tinha mais pé, ele pegou sua prótese, encaixou-a bem abaixo do joelho direito e levantou. Tinha fumado o suficiente para que o ar à sua volta parecesse algo denso, difícil de atravessar, e a janela para a qual estava indo parecesse estar a quilômetros de distância. Mas tudo bem. Ele estava confortado pela onda familiar, relaxado pela sensação de flutuar enquanto atravessava o quarto nu. O jardim lá embaixo estava esplêndido, iluminado pelo brilho da sacada da biblioteca. Era assim que uma vista de fundos devia ser, ele pensou. Todas as flores abertas e saudáveis, as árvores frutíferas cheias de peras e maçãs, os caminhos limpos, os arbustos aparados. Bem diferente do lugar onde ele havia crescido. Bem diferente. Embaixo da sua janela, as rosas chá estavam em plena floração, suas pétalas surgiam de maneira imponente sobre as hastes cheias de espinhos. As rosas levaram sua torrente de pensamento para outra fêmea. Quando Phury inspirou de novo, visualizou a sua fêmea, aquela que ele realmente deveria estar desenhando… aquela com quem, de acordo com a lei e o costume, deveria estar fazendo bem mais do que desenhar. Cormia, uma das Escolhidas. Sua Primeira Companheira. Uma dentre outras 40. Caramba, como é que ele acabou se tornando o Primaz das Escolhidas? Eu já falei para você, o mago respondeu. Vocês vão ter muitos filhos, e todos eles vão ter a alegria eterna de admirar um pai cujo único feito é decepcionar todos à sua volta.

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Certo, por pior que o mago pudesse ser, era um argumento difícil de contestar. Phury ainda não havia se unido à Cormia como pedia o ritual. Não havia voltado ao Outro Lado para ver a Diretriz. Não havia encontrado as outras trinta e nove fêmeas com quem deveria se deitar e a quem deveria engravidar. Phury fumou com mais força, o peso daquelas bobagens pairando sobre sua cabeça como rochas flamejantes lançadas pelo mago. E o cretino tinha uma mira excelente. Mas, é claro, ele tinha muita prática. Bom, parceiro, você é um alvo fácil. É simples assim. Pelo menos Cormia não estava reclamando do não cumprimento de seus deveres. Ela não tinha desejado ser a Primeira Companheira, tinha sido forçada ao papel: no dia do ritual, totalmente apavorada, ela foi amarrada à cama cerimonial, seus braços e pernas foram abertos para que ele a usasse como um animal. No momento em que a viu, ele entrou em seu modo automático de salvador. Ele a levou para a mansão da Irmandade da Adaga Negra e a colocou no quarto ao lado do seu. Tradição ou não, ele não iria, de jeito nenhum, tomar uma fêmea à força e imaginou que, se eles tivessem um pouco de tempo e espaço para se conhecer, seria mais fácil. Certo?… errado. Cormia tinha ficado no próprio canto, enquanto ele continuava suas atividades diárias de tentar não explodir. Nos últimos cinco meses, os dois não tinham se aproximado um do outro, nem da cama. Cormia raramente falava e só aparecia nas refeições. Se saía do quarto, era apenas para ir à biblioteca pegar livros. Com sua longa túnica branca, parecia mais uma sombra com aroma de jasmim do que qualquer coisa feita de carne e osso. A verdade constrangedora, no entanto, era que ele estava satisfeito com aquela situação. Phury achava que tinha total consciência do compromisso sexual que estava fazendo quando assumiu o lugar de Vishous como o Primaz, mas a prática era muito mais desconcertante do que a teoria. Quarenta fêmeas. Qua...ren...ta. Ele deveria estar louco quando tomou o lugar de V. Deus era testemunha, sua única tentativa de perder a virgindade não tinha sido um sucesso – mesmo que tivesse sido com uma profissional. Se bem que, talvez, experimentar as coisas com uma prostituta tivesse sido parte do problema.

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Mas a quem mais recorrer? Ele era um celibatário sem noção de duzentos anos. Como é que ia se colocar sobre a adorável e frágil Cormia, penetrá-la até chegar ao clímax e então correr para o Santuário das Escolhidas e fazer tudo de novo com outras quarenta fêmeas? Que diabos ele estava pensando? Phury colocou o cigarro entre os lábios e abriu a janela. Quando o forte perfume da noite de verão entrou no quarto, voltou a se concentrar nas rosas. Ele havia visto Cormia com uma dessas rosas outro dia, obviamente tirada do buquê que Fritz deixava na sala do segundo andar. Ela estava ao lado do vaso, a rosa de um tom claro de lavanda estava entre dois dedos longos, sua cabeça estava inclinada sobre o botão, o nariz passeando pela flor. Seu cabelo loiro, sempre enrolado em um coque alto, havia soltado mechas delicadas que caíam e formavam cachos naturais. Assim como as pétalas da rosa. Ela deu um salto quando o viu olhando, colocou a rosa de volta e rapidamente voltou para o quarto, fechando a porta sem fazer barulho. Ele sabia que não podia mantê-la presa para sempre, longe de tudo o que lhe era familiar e tudo o que ela era. Os dois precisavam concluir a cerimônia sexual. Era o acordo que ele havia feito, e aquele era o papel que ela havia dito que estava preparada para desempenhar, não importa quão assustada estivesse no começo. Olhando para a escrivaninha, observou o pesado medalhão de ouro do tamanho de uma caneta tinteiro grande. Marcado com uma versão arcaica do Antigo Idioma, era um símbolo do Primaz: mais do que a chave para todas as construções do Outro Lado, era também o cartão de visitas do macho responsável pelas Escolhidas. “A força da raça”, como o Primaz era conhecido. O medalhão emitiu um som metálico hoje, assim como já havia feito antes. Sempre que a Diretriz queria falar com ele, a coisa vibrava, e teoricamente ele deveria ir até onde deveria ser seu lar, o Santuário. Mas ele ignorou o chamado. Como havia ignorado os anteriores. Não queria ouvir o que já sabia: cinco meses sem concluir a cerimônia do Primaz era demais. Ele pensou em Cormia enfurnada no quarto de hóspedes ao lado, sozinha. Ninguém com quem conversar. Longe das irmãs. Tentou ir

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até lá, mas ele a deixava totalmente tensa. Compreensivelmente. Céus, Phury não conseguia imaginar como ela passava as horas sem enlouquecer. Cormia precisava de um amigo. Todo mundo precisa de amigos. No entanto, nem todo mundo os merece, o mago comentou. Phury se virou e foi para o chuveiro. Ao passar pelo cesto de lixo, parou. O desenho tinha se desamassado um pouco, e naquela bagunça enrugada, ele viu a cobertura de heras que havia adicionado. Por uma fração de segundo, lembrou o que havia embaixo, o cabelo em coque e as mechas sobre o rosto macio. Mechas que se curvavam como pétalas de rosa. Balançando a cabeça, ele continuou. Cormia era linda, e... Desejá-la seria apropriado, concluiu o mago. Mas porque você deveria? Isso iria arruinar seu histórico impecável de realizações. Ah, quero dizer, de fracassos. Não é mesmo? Phury colocou Puccini no último volume e entrou no chuveiro.

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