Revista Viva Favela

Page 1

#21 DEZ - FEV | 2015

comunicação Na Favela

Editora Convidada

Raquel Paiva

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

1


Expediente Diretor Executivo Rubem Cesar Fernandes Coordenador de Comunicação Ronaldo Lapa Coordenadora Editorial Angela Santangelo Editora Debora Pio Subeditora Sol Mendonça Editor de Fotografia e Audiovisual Vitor Madeira Desenvolvedor Web Paulo André Vieira Estagiários Andressa Cabral Deborah Tocci Athila Eli Geovane Sant’Anna Projeto Gráfico Carollina Bulcão Fotos Amaury Alves Paulo Barros Tamiris Barcellos

Direto da Redação

O

Viva Favela é um projeto do Viva Rio que estimula, através do jornalismo cidadão, a integração social e a inclusão digital. Criado em 2001, o portal (www.vivafavela.com.br) foi pioneiro na produção e oferta de conteúdo sobre favelas e periferias urbanas na internet. Ainda antes do surgimento das redes sociais, o projeto desenvolveu metodologia própria para a formação de comunicadores comunitários. Além das reportagens, vídeos e ensaios fotográficos atualmente publicados no site, o Viva Favela desenvolveu a Revista Multimídia, que é trimestral e temática. Todas as edições, desde maio de 2010, são publicações virtuais que unem textos, galerias de imagens, vídeos e áudios. As pautas são propostas por correspondentes comunitários e pela equipe da redação e são orientadas por um editor convidado. Os temas da Revista Multimídia são propostos ao grupo de Correspondentes Comunitários do Viva Favela no Facebook e aprovados por votação. Para a Revista #21, publicada em dezembro de 2014, o tema escolhido foi Comunicação na Favela. O resultado mostrou que a opção foi acertada, pois revelou a diversidade de comunicadores atuantes nas favelas e o interesse crescente dos moradores em produzir e consumir informação sobre o próprio universo. Outras conclusões foram a maciça participação dos jovens e a importância das redes sociais na produção e disseminação da informação nas favelas. Por sugestão de professores e estudantes de Comunicação, esta edição da Revista Multimídia ganhou, excepcionalmente, uma versão impressa.

Foto da capa: Willian de Oliveira - Rocinha -RJ

2


Editora Convidada

O ano de 2014 certamente não vai ser esquecido. Foi um ano que marcou profundamente a vida dos brasileiros. Seja pela Copa perdida com um placar vergonhoso, seja pela eleição presidencial, que trouxe uma polarização há muito não vista no país. Dentre os temas mais polêmicos deste ano certamente está o monopólio dos veículos de comunicação e a consolidação do poder das redes sociais, que já demonstraram sua força por aqui no ano passado com os protestos que tomaram as ruas do país. O uso massivo das redes sociais perpassou todos os importantes fatos da vida nacional, regional e também das nossas vizinhanças. O Brasil, de norte a sul, aprendeu a usar em tempo integral essas ferramentas virtuais. E se elas estão reconfigurando as vidas familiares e as amizades, tornadas cada vez mais próximas, o que não dizer da vida política? Os veículos de comunicação passaram a valer-se de maneira intensa dos novos dispositivos na corrida pela informação. E se está valendo para todos, o que se dirá para a COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA? A Comunicação Comunitária, a possibilidade de produção e divulgação de mensagens por grupos

constituídos, sem dúvida alguma, foi das maiores beneficiárias com o uso das ferramentas do mundo virtual. Banidas do mundo real por uma legislação que criminaliza e restringe o uso no dial, impedida pelos altíssimos custos e pela legislação restritiva de ingressar na produção televisiva, e enfrentando dificuldades orçamentárias para a produção de impressos, a comunicação comunitária certamente revigorou-se com o uso massivo das redes sociais. Nos quatro cantos do mundo pode-se acompanhar de pertinho a produção desses destemidos, competentes e bravos repórteres populares. O ano termina com a 21ª edição da Revista do Viva Favela fazendo uma radiografia sobre esse novo contexto. Essa edição deixa visível a produção das favelas do Rio de Janeiro, trazendo a Maré, que tradicionalmente tem se pautado na comunicação comunitária impressa, com grandes tiragens, alcançando a marca de 40 mil exemplares; a Rocinha, voltada para o audiovisual e com uma tradição de comunicadores atuantes; e o Alemão que, desde a sua ocupação pela UPP, tem se consolidado com o uso frequente e massivo das redes sociais. A Revista #21 veio para fechar 2014 e, certamente, vai ficar como referência para a pesquisa na área dos próximos anos, porque traz, com coragem, esse novíssimo viés que a Comunicação Comunitária está assumindo.

Raquel Paiva é professora doutora da

Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), coordenadora do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária da UFRJ, pesquisadora do CNPq na área de comunicação comunitária, contra-hegemônica e alternativa. Já foi secretária geral da Compós, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da ECO/UFRJ e Diretora Científica da Intercom. Para assistir o vídeo leia o Qr-Code ao lado

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

3


Por que Índice

A comunicação comunitária não é um fenômeno novo,muitopelocontrário.Acadadiaelasereinventa e cria novos mecanismos para propagar suas ideias.

Como As redes sociais criaram inúmeras alternativas à comunicação que antes era restrita a apenas uma pequena parcela da população. Hoje quase todo mundo está a um clique de qualquer novidade.

18. 30.

Quando o noticiado vira repórter

32.

Estrutura mantém jornal de grande circulação

34.

Veículos comunitários resistem após as UPPs

Moradores levam noticiário local para as redes

Quem Os sujeitos que fazem com que os fatos de dentro das favelas virem notícias e que lutam para que suas vozes continuem sendo ouvidas.


10. 12. 8. 20. 22. 24.

A favela fala, escreve e compartilha

14.

Tudo começou com o alto-falante

Blogs fogem do estereótipo e dão voz à periferia

Revista Desenrolo incentiva a cultura na Baixada

”Crimes News” segue na contramão

O varal que amplifica a notícia

Site alternativo dá visibilidade no exterior

26.

Com foco nos espaços populares

36.

A luta para recuperar uma rádio no Santa Marta

5


Por que A comunicação comunitária não é um fenômeno novo, muito pelo contrário. A cada dia ela se reinventa e cria novos mecanismos para propagar suas ideias.

6

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


?

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

7


A favela fala, escreve e compartilha Sol Mendonça | Redação Viva Favela - RJ

A

produção de notícias e a democratização da informação estão na pauta do dia das favelas brasileiras. Um mapeamento realizado este ano pelo Observatório de Favelas com cerca de 120 veículos de comunicação comunitários, como sites, jornais impressos e perfis em redes sociais, ao mesmo tempo em que aponta para uma pluralidade de identidades e causas, mostra que eles cumprem com o papel a que se propõem, o uso social dos meios, além de darem visibilidade e pautar problemas para que sejam reconhecíveis até por quem não os sofrem diretamente. Os veículos comunitários são responsáveis pela produção, difusão e circulação de conteúdos que não estão relacionados somente com seu próprio território. Surgem pautas diversificadas que ampliam as discussões sobre temas como sexualidade, mobilidade urbana, representação e direito à cidade. Ainda segundo a pesquisa, a questão racial não é o principal ponto de pauta na maioria dos veículos entrevistados. Dos 69 que responderam a esta questão, somente 19 disseram que este é um dos conteúdos mais debatidos. Contudo, diz a pesquisa, “o assunto mais recorrente na articulação temática com a questão racial é a violência”. Já os assuntos referentes a favelas e espaços populares ganham espaço em 65 das 69 iniciativas. “No Brasil mais de 11 milhões de pessoas vivem em favelas, 68% delas são negras” (IBGE, Censo, 2010). No estado do Rio, dos mais de 16 milhões de habitantes, cerca de 2 milhões vivem em favelas, 65% deles negros”. Sendo assim, é essencial a última conclusão da pesquisa: Todos os veículos demonstraram interesse declarado pelo

8

desenvolvimento de projetos e ações que tenham como objetivo democratizar a comunicação. Jovens, negros e mulheres Dos 70 veículos que responderam à pesquisa, 62 deles caracterizaram a participação da juventude em suas equipes envolvidas diretamente na elaboração do conteúdo. Entre os jovens, cerca de 50% são negros, dos quais 67 são mulheres e 53 homens. A pesquisa também mostra o protagonismo do jovem tanto para buscar e difundir informação como para levantar discussões e manifestar opiniões, pautar o que, até bem pouco tempo, era “impautável”. Seja por falta de recursos para bancar uma redação profissional, seja pela intimidade e a proximidade naturais que o jovem tem com as novas tecnologias, sua participação majoritária é inevitável. Ou seja, como escreve o sociólogo e diretor do Observatório de Favelas Eduardo Alves, no artigo A jovem tecnologia da juventude tecnológica, “as pessoas que possuem entre 15 e 29 anos foram diretamente formadas nessa nova realidade que vem se desenhando, aprimorando e solidificando nos últimos anos, por meio de constantes modificações”. O cunho transformador das redes sociais Em 2001, a categoria Redes Sociais sequer era considerada um tipo de veículo. Na pesquisa, aparecia apenas como um tópico dedicado a responder quantos veículos mantinham perfis nas redes sociais. “As redes sociais permitem narrativas alternativas e diversificadas no que se refe-

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


re à comunicação e produção de conteúdo e tem um papel muito importante principalmente no que diz respeito à sustentabilidade, ao alcance e à difusão do que é produzido”, destaca Silvana. Pela primeira vez, questões que são abafadas ou não pautadas nos veículos de grande circulação entraram no debate. Pela primeira vez, tornam-se visíveis outras narrativas construídas por sujeitos falantes de si, da sua favela, das suas demandas. “A presença significativa de coletivos de mulheres que, a partir do gênero, discutem raça, representação e identidade também chamaram a atenção” dos jornalistas envolvidos no projeto como Silvana Bahia, mestranda na

pós-graduação em Culturas e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante da equipe do Observatório de Favelas. Direito à Comunicação e Justiça Racial é o segundo levantamento feito pela Organização, que, em 2011, realizou a primeira pesquisa com o objetivo de traçar um perfil das mídias alternativas e comunitárias dos espaços populares da Região Metropolitana do Rio. Nestes três anos, ela diz que a maioria dos veículos migrou para as redes sociais, especialmente o Facebook, marcando um período de transformações profundas no “fazer o noticiário”, no “produzir notícias” sobre o que acontece nas favelas e o que interessa a seus moradores.

Morro do Alemão, 2011 | Foto: Paulo Barros

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

9


Tudo começou com o alto-falante William de Oliveira | Rocinha - RJ “A comunicação comunitária acaba sendo a voz da comunidade. Ela pode ser feita através de rádios, jornais de bairro, jornal-mural, rádio-poste, fanzine, dentre outros”, destaca Paulo Nunes, 62 anos, locutor e morador da Rocinha, Zona Sul do Rio. Na favela, a história da comunicação começa no ano de 1960, com o serviço de alto-falantes, até hoje utilizado pela Defesa Civil, da Prefeitura do Rio, para avisar as pessoas que moram em áreas de risco quando há previsão de chuva forte.

O locutor Paulo Nunes faz divulgação de produtos no comércio

baratinha”. Nesse período, acelerou-se o processo de ocupação da área, por pessoas que consideravam serem públicas aquelas terras. A partir dos anos 1950, o aumento da migração de nordestinos para o Rio direcionou muitos para a Rocinha e, em 1960 e 1970, um segundo surto de expansão foi ReproduçãoReproduçãoO livro Varal de Lembranças (1983) mostra um jornal usado na campanha para eleição na associação de moradores provocado pela oferta de emprego gerada com a construção de dois grandes túneis na cidade: Rebouças e Dois Irmãos.

Esse crescimento desencadeou profundas modificações na arquitetura, nos hábitos de vida e nas relações sociais desta população predominantemente nordestina. A luta por melhores condições de vida passou a mobilizar os moradores nas reivindicações ao poder público e os primeiros resultados surgiram a partir da década de 1970, com a construção de creches, escolas, da passarela, canalização de valas, agência dos correios e região administrativa. Já o posto de saúde foi criado em 1982, depois de muito esforço dos moradores. Necessidade de dar voz à comunidade

Fotos: William de Oliveira Os moradores mais antigos contam que o sistema de alto-falante era uma “mão na roda”. Através dele, quem vivia na favela podia ser informado sobre várias atividades comunitárias, jogos de futebol e distribuição de leite. Depois de certo tempo, até músicas passaram a ser transmitidas, para animar quem ficava esperando uma noticia. Em 1938, a Estrada da Gávea, via de acesso à Rocinha, foi asfaltada para abrigar o “circuito da

10

O sistema de comunicação na Rocinha surgiu da necessidade de democratizar a informação e dar voz às pessoas que não conseguiam se expressar e expor seus problemas. A criação dos veículos comunitários melhorou muito a relação entre as instituições locais e os moradores. Foram muitas as rádios locais, como a Katana, Rocinha FM, Brisa, Som Zum, Sat FM e Destak. Algumas delas já foram desativadas, mas a comunicação ganhou novos veículos - carro de som, sites, blogs e caixinhas de poste.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


Reprodução | O livro Varal de Lembranças (1983) mostra um jornal usado na campanha para eleição na associação de moradores

O locutor Paulo Nunes lembra que “a falta de espaço na grande mídia levou à criação da mídia comunitária como uma forma de expressão e de resistência a essa discriminação. A comunicação comunitária tem outra característica, que é o trabalho social, tendo em vista que a maioria dos veículos da comunidade se sustenta com doações. Há uma grande força de vontade para fazer comunicação. Por isso, eu faço e vivo disso”, afirma ele, que hoje trabalha na divulgação de produtos do comércio e de informações sobre a comunidade. O compositor Ocimar Santos, nascido e criado na Rocinha, foi fundador do jornal Arte Astral na década de 1980 e hoje mantém o site Rocinha.org. Ele classifica o antigo jornal como “um ícone, uma lenda”, que contou muitas histórias de moradores e momentos marcantes da vida na favela. Um desses momentos foi a realização da Grande Festa da Paz, na década de 1990. Criado para comemorar o aniversá-

Ocimar Santos fundou o jornal Arte Astral, na década de 1980

rio de 24 anos de Ocimar, o evento marcou época e acabou rendendo seis edições anuais seguidas. Ele lembra a última festa, em 1996, no Clube Emoções, e fala com saudade de pessoas queridas que já se foram, como o Mestre Avelino, locutor oficial da Paz e radialista de sucesso na comunidade. Avelino fazia um programa na Rádio Rocinha, que tinha suas caixas de som espalhadas por toda a parte baixa da favela. O programa, chamado de Tarde e Noite Musical, era líder de audiência na época. Ocimar Santos também foi um dos produtores de outro grande evento na comunidade, a Festa do Trabalhador, que levou pela primeira vez à Rocinha, gratuitamente, nomes como Moraes Moreira, Sandra de Sá, Jards Macalé, Macau e uma anônima Cássia Eller. Para ele, para funcionar, a comunicação só pode ser feita por um veículo comprometido com a comunidade e com seus moradores.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

11


Blogs fogem do Estereótipo e dão voz à periferia Leandro Fonseca | Jaçanã - São Paulo

D

iversos veículos de comunicação têm como pauta as periferias de São Paulo. Com mais ou menos tempo na ativa, alguns deles tentam fugir dos estereótipos que cercam essas regiões. É o caso dos blogs Mural, Periferia em Movimento e Vozes das Comunidades da Vila Prudente, cujo conteúdo é produzido por moradores de periferia. O jornalista Thiago Borges, 27 anos, correspondente do blog Periferia em Movimento mora no Grajaú, extremo sul da cidade. Segundo ele, a mídia convencional retrata as periferias de forma “estereotipada, superficial e com espaço limitado”, devido à baixa representatividade de jornalistas moradores dessas regiões nas redações e da escassez de veículos da periferia. Criado em 2009, o blog surgiu na época em que Thiago estava da faculdade de jornalismo, com as jornalistas Aline Rodrigues da Silva e Sueli Carneiro. “O Periferia em Movimento surgiu com o objetivo de falar de coisas boas que também acontecem nas quebradas, a partir da mobilização dos próprios moradores, que não esperam ação de quem vem de fora”, afirma Thiago. O blog não só divulga ações sociais e culturais das periferias, como também produz repor-

Fotos: Leandro Fonseca

Thiago entrevista o ator e morador do Grajaú Paulo Henrique Sant’Anna

12

tagens e entrevistas, como a feita com o ator e morador do Grajaú Paulo Henrique Sant’Anna, após o monólogo Histórias do Velho Batista. Para Thiago Borges, “a abordagem procura ser sempre num tom de igual pra igual, olho no olho, respeitando a fala dos entrevistados e a complexidade existente nas periferias, sem apontar o que é certo ou não. A gente acredita que, dessa forma, conseguimos ampliar o espaço de representação da população periférica numa disputa intensa de imaginário e, aos poucos, derrubar alguns estereótipos”. O jornalista diz ainda que umas das principais dificuldades de se produzir conteúdo para o blog é a falta de políticas públicas específicas para fomentar projetos de comunicação. “Isso limita o número de pessoas produzindo e, em consequência, limita o número de produções e o público que é atingido por esse conteúdo. É Davi contra Golias. Mas nós acreditamos no que fazemos e isso é o que nos motiva a continuar na caminhada”, garante. O mural das periferias Outra mídia voltada para as periferias de São Paulo é o Blog Mural. Idealizado por Bruno Garcez em 2010, é fruto de uma parceria do jornal Folha de S. Paulo com a International Center for Journalists (ICFJ) e surgiu como um projeto multimídia focado na formação e treinamento de correspondentes comunitários. Desde 2010 é hospedado no site da Folha. Um de seus correspondentes (ou “muralistas”, como são denominados) é Vagner de Alencar, 27 anos, morador da favela de Paraisópolis, na zona sul. Para ele, é importante a Folha abrir espaço para notícias que “fogem à ótica do estereótipo que foi solidificado ao longo do tempo justamente pela grande mídia. E a cobertura do Mural é impor-

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


tante porque vai na contramão disso: da periferia como algoz da cidade, como um ambiente abarcado pelo tráfico e violência ou carente”, completa. Para Vagner, suas pautas surgem de maneira “natural”, seja caminhando pelo bairro, ou em conversas com amigos e familiares: “A apuração dessas informações é bem tranquila, geralmente. Costumo dizer que são bate-papos que, depois, viram notícia”. Vagner acredita que experiências como o Mural ajudam a sociedade a enxergar com outros olhos as periferias de São Paulo e conclui: “O trabalho do Mural é fundamental para que a sociedade entenda melhor o que é a periferia, para que se sinta representada da forma como deve ser, realmente, e que ainda é renegada pela grande imprensa”. As comunidades da Vila Prudente e suas vozes Entre os shoppings centers Central Plaza e Mooca Plaza, está localizada a Favela da Vila Prudente, popularmente conhecida como Favelão, na zona leste. É nesta comunidade que mora o estudante do sexto semestre de jornalismo Cesar Gouveia, 25 anos, idealizador do As Vozes das Comunidades da Vila Prudente. “Vozes”, porque são muitas: a Vila Prudente conta com seis favelas e, atualmente, mais duas ocupações estão surgindo. Cesar (Vozes das Comunidades) percorre as ruas e vielas do Favelão O Favelão foi cenário do videoclipe da música Favela Fashion Week, do grupo Reunião de Amigos, e do filme Carandiru, dirigido por Héctor Babenco. Por suas ruas e vielas, Cesar acompanhou a reportagem para mostrar um pouco de sua comunidade.

Cesar (Vozes das Comunidades) percorre as ruas e vielas do Favelão

Criado em março de 2014, o blog foi inspirado no portal Voz das Comunidades, idealizado por Rene Silva, no Rio de Janeiro. A intenção é proporcionar uma formação crítica para os jovens, fazendo com que produzam seus próprios conteúdos, como explica Cesar Gouveia: “O ‘Vozes’ tem como primeiro pilar mostrar ao jovem que ele é formador de crítica, mas ele tem que saber como formar essa crítica para uma construção de cidadania na sua comunidade”. Mas não são apenas os jornalistas que fazem o blog. Ele conta com a colaboração da cientista social Kassia Bobadilla e da estudante de ciências econômicas Janiele Pereira. “A gente começou a conversar e surgiu essa oportunidade para eu falar também da minha realidade e contribuir dessa forma”, conta Janiele, 25 anos, que conheceu Cesar através do Facebook.

Cesar e Janiele, correspondentes do Vozes das Comunidades da Vila Prudente Cesar e Janiele, correspondentes do Vozes das Comunidades da Vila Prudente Mesmo sem ter sido totalmente implementado, o blog já conta com dezenas de matérias abordando questões importantes para a comunidade, como o impacto das obras do monotrilho, que ligam a Linha 15 – Prata do Metrô de São Paulo com a estação de trem do Ipiranga, localizada a dois quarteirões do Favelão. “O projeto do blog é vasto e está procurando o seu eixo de entrada. Buscamos um rumo na prática porque, na teoria, eu sei muito bem o que eu quero pro Vozes”, finaliza Cesar.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

13


Revista Desenrolo incentiva a cultura na Baixada Eli Geovane | Redação Viva Favela - RJ

D

urante muito tempo a Baixada Fluminense, RJ, foi identificada pelas pessoas como uma região violenta e precária, em consequência das coberturas feitas pela grande mídia, em especial a televisão. Como se esse fosse o todo da informação. Por isso, um pequeno número de veículos alternativos luta diariamente para promover essa região, buscando a veracidade das informações e mostrando de forma peculiar a cultural local. A Baixada, com seus 12 municípios inseridos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ganha a partir de 2015 uma nova opção de leitura: a Desenrolo, uma revista cultural que está chegando para alimentar uma plataforma totalmente juvenil na internet. A editora é a historiadora e pesquisadora do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aline Rochedo, 33 anos. Com as parcerias do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), da organização Se Essa Rua Fosse Minha (SER) e do Comitê Internacional para o Desenvolvimento dos Povos (CISP), a Desenrolo inicia seus trabalhos com uma proposta bastante desafiadora. Primeira reunião de pauta da revista, em São João de MeritiA linha editorial é inovadora e assume a característica de um jornalismo literário, centrado na identidade cultural da juventude fluminense. O mapeamento cultural da Baixada e o diálogo constante com os jovens correspondentes ajudam a manter a principal ação do projeto, que terá a revista e um site. Antes do lançamento, já foram realizadas algumas reuniões de pauta no Complexo Cultural Kennedy Jaime, uma biblioteca localizada em São João de Meriti. A coordenação geral da Desenrolo será dividida por César Marques (SER), Itamar Silva (Ibase) e Vittorio Chimienti (Cisp). E a equipe de trabalho será coordenada pela editora Aline Rochedo e os mobilizadores culturais Silvia Cristina, Alan Alves e Delmar Cavalcanti.

14

Em uma plataforma colaborativa, sempre existe aquele dilema de disponibilidade de horários, comprometimento e tudo mais... Mas para o mobilizador cultural e morador da cidade de Mesquita, Alan Alves, mais conhecido como Coruja, o que mais chamou a sua atenção foi a força de vontade coletiva: “Nas reuniões, o público sente vontade de ir e participar. Esta ideia de colaboração é realmente fantástica. Eu acredito que tendo um canal de comunicação, diferente como esse, divulgaremos também o trabalho dos artistas da Baixada. Isso é o que realmente precisamos para mostrar que existem pessoas que fazem um trabalho sério por aqui e não são muito valorizadas”, diz o jovem de 28 anos, estudante de Psicologia.

O site ainda não está no ar, mas já tem layout pronto

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


A cultura como instrumento de diálogo A Baixada Fluminense tem cerca de 3,6 milhões de habitantes, em um espaço aproximado de 4 mil Km², segundo dados do Censo 2010 (IBGE). Com alta densidade demográfica, este conjunto de municípios reúne 23% da população do estado. A concentração de habitantes contrasta com o reduzido número de equipamentos culturais e a ausência de políticas voltadas para este segmento, criando um cenário desfavorável para a promoção da cidadania e o incentivo às manifestações artísticas e às possibilidades de lazer de seus moradores. Foi a partir desse levantamento que surgiu a ideia de fazer o mapeamento cultural da Baixada Fluminense. Agenda vai divulgar cultura de 12 municípios da Baixada FluminenseO Mapeamento dos Grupos Criativos da Baixada Fluminense, projeto realizado entre maio de 2013 e maio de 2014, pelo Programa Brasil Próximo, inspirou a criação da Revista Desenrolo. Utilizando instrumentos e práticas metodológicas diversas, o projeto realizou um amplo

levantamento e contou com a participação atuante de estudantes, artistas, gestores públicos e militantes da área cultural, entre outros agentes, que propiciaram diferentes visões e experiências em todos os processos e as etapas de sua realização. Enquanto a revista não é publicada o grupo já atua com uma fanpage no Facebook, divulgando eventos e ampliando o diálogo com as regiões mais distantes, como Seropédica e Magé. Não existem critérios fechados para participar da revista, como explica Aline: “O interesse com que as pessoas nos procuram querendo colaborar e se aproximar do nosso grupo passa a ser o fator determinante. Quanto mais uma pessoa participa e assume tarefas, além da produção de textos, mais ela participa do processo de tomada de decisões nas reuniões de pauta que acontecem periodicamente. Tal procedimento estabelece um relacionamento de identidade recíproco, possibilitando a troca de experiências e as várias linguagens artísticas da Baixada Fluminense”, explica a editora.

Primeira reunião de pauta da revista, em São João de Meriti

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

15


Como

As redes sociais criaram inúmeras alternativas à comunicação que antes era restrita a apenas uma pequena parcela da população. Hoje quase todo mundo está a um clique de qualquer novidade.

16

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


?

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

17


Veículos comunitários resistem após as UPPs Thais Cavalcante | Maré - RJ

E

m outubro deste ano, o fotógrafo e morador do conjunto de favelas da Maré, Naldinho Lourenço, 31 anos, foi revistado pelo Exército e pela Polícia Federal e impedido de registrar uma operação na Vila do João. Quase todas as fotos, feitas com o celular de Naldinho, foram apagadas pelas autoridades sem motivo aparente. O fotógrafo publicou tal abuso em sua página do Facebook, trazendo assim o questionamento sobre a censura praticada contra mídias de favelas após a entrada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A comunicação comunitária, realizada e consumida por moradores de favelas de todo o país, de fato, tem incluído em suas pautas a violação de direitos humanos. Com a entrada da UPP, o trabalho dos comunicadores locais foi dificultado. A opressão para controlar ou até impedir a veiculação de acontecimentos reais, ocorre apenas com os comunicadores da comunidade. Equipes de emissoras famosas têm liberdade e acesso para invadir o dia a dia e veicular notícias sensacionalistas sobre o pobre, negro e favelado. A importância da democratização da comunicação é ligada diretamente à liberdade e ao direito que todo cidadão tem de consumir, produzir e compartilhar a informação que lhe interessar. Permanece a resistência para manter a identidade para o povo que a mídia comercial trata como marginalizado diariamente. A mídia tradicional, que obtém a maior audiência em todos os meios de comunicação, se difere da forma democrática das favelas de fazer comunicação. Os propósitos político, social, moral, cultural e histórico não são os mesmos. A partilha comunitária da história local e cultural é acessível e sem fins lucrativos. A comunicação comunitária acontece atualmente em redes sociais, portais de notícias, jornais impressos, cursos populares, rádios comunitárias legalizadas ou não, rábios web e em deba-

18

tes sobre democratização dos meios de comunicação e direitos humanos. Essas e outras formas de serviço público, compartilhamento de informação e formação política ocorrem de maneira horizontal. O comunicador do Portal Viva Rocinha Michel Silva, de 20 anos, é um exemplo de morador que diz sentir necessidade em aprender com o jornalismo comunitário e até de resolver todos os problemas. Ele escreve: “O conteúdo das mídias comunitárias é um importante instrumento de documentação local. O morador fica sabendo sobre obras, projetos sociais e histórias”, afirma. Mas por ser sem fins lucrativos, esse jornalismo, segundo ele, também enfrenta dificuldades: “A falta de financiamento é a maior delas, além da ausência de respostas de órgãos do Governo”, conclui.

Michel Silva lamenta a falta de financiamento e o descaso de órgãos oficiais

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


Informando sobre acontecimentos diários, as mídias locais encontram uma nova forma de atuar e conviver com a luta do funcionamento regular e político. Segundo a pesquisa Direito à Comunicação e Justiça Racial realizada em 2014 pelo Observatório de Favelas na região Metropolitana, atualmente não há no Brasil, política pública ou programas de fomento destinados especificamente ao estímulo da comunicação alternativa. A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) concentra 70% do dinheiro em publicidade do governo federal em apenas 10 veículos de comunicação. O argentino Nacho Lemus, 31 anos, mora no

Rio de Janeiro, conhece a realidade das favelas e conta como o assunto é tratado lá fora: “Para a grande mídia mundial, pobre no Brasil é objeto de consumo: O tratamento é cínico, a favela é o que foi a selva amazônica faz décadas, para aqueles que comercializam a informação. A população sempre é envolvida no show da violência, narcotráfico e consumo de drogas. Isso desperta o olho da mídia internacional para denunciar as desigualdades sociais”, afirma Nacho, jornalista que diz que passou a entender melhor como a comunicação comunitária é feita ao se aproximar de meios alternativos de fazer informação.

Apenas uma foto não foi apagada do celular de Naldinho pelas autoridades | Foto: Naldinho

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

19


‘Crimes News’

segue na contramão Andressa Cabral | Redação Viva Favela - RJ

O

contexto atual das redes sociais e as facilidades do mundo digital permitem que as comunidades, e seus diversos projetos, tenham perfis e páginas para divulgar informações consideradas relevantes para o morador da favela. Mas um tema específico e complexo chamou a atenção dos criadores do blog Crimes News: as facções criminosas das favelas cariocas. O blog existe desde 2010 e aborda assuntos ligados à temática do tráfico de drogas.

Seu fundador, identificado por MG, é interessado pelo tema desde 2002, quando o Rio de Janeiro teve a atenção máxima da mídia, em função de uma rebelião no Complexo Penitenciário do Gericinó (Bangu 1). Na ocasião, os trafican-

20

tes do Comando Vermelho, liderados por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, assassinaram Ernaldo Pinto de Medeiros, vulgo Uê, líder do Terceiro Comando e desafeto de Beira-Mar. Desde então, MG estuda o comportamento e as articulações das facções criminosas e hoje, com 26 anos, escreve diariamente no site. O surpreendente é que o Crimes News não está ‘localizado’ no Rio de Janeiro, pois MG mora em São Paulo. Ele atualiza o blog com o apoio de colaboradores que vivem nas favelas cariocas e escreve todas as reportagens, com riqueza de detalhes, utilizando dados e fotos que chegam via e-mail, blogs e redes sociais.

Além de abordar assuntos atuais, o blog faz uma análise contextualizada, apresen-

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


tando uma série de acontecimentos mais antigos que levaram aos fatos recentes. Assim, não apenas mantém informados os moradores daquele local, mas também explica todo o contexto da informação. A quantidade e a precisão das informações são explicadas porque o blog é uma mídia independente, sem a visibilidade das mídias tradicionais. Os colaboradores de MG não se sentem tão expostos quando comentam sobre o que acontece nas favelas, o que não aconteceria se fosse com outros veículos de mídia mais conhecidos. “Não existe público especifico, apenas interessados em entender a criminalidade das facções do RJ”, conta MG, em entrevista ao Viva Favela, por e-mail. Parceria

“Não apenas

existe

público

interessados

específico, em

enten-

der a criminalidade das facções do RJ”. MG, administrador da página A proximidade entre o blog e a fanpage é tanta que muitas vezes o conteúdo é compartilhado. Atualmente, os dois têm sido utilizados, também, como fonte de apuração para grandes veículos, como os jornais Extra e O Dia. Mesmo usando o material alheio em seus sites, os jornais não têm o costume de citar a fonte, para descontentamento de seus administradores e seguidores. No início do mês, a página PNR ficou três dias sem atualizações, devido a denúncias feitas à administração do Facebook. Os motivos não foram explicados, mas especula-se que a visão negativa da página é causada pelo excesso de imagens chocantes publicadas (como fotos de pessoas baleadas), ou por revolta de alguns traficantes.

Além do blog Crimes News e suas redes sociais, há uma página no Facebook que divulga informações semelhantes às de MG: a página Paz no Rio (PNR). As duas páginas dialogam entre si, não apenas pela similaridade no assunto, mas também pelo fato de uma mencionar a outra em diversas situações.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

21


O varal que

amplifica a notícia

Debora Pio | Redação Viva Favela - RJ “É verdade, deu no Google”. A frase, compartilhada pelo cantor Lobão no Twitter à época das eleições, deixa claro os atuais mecanismos para conferir credibilidade a qualquer assunto: deu na Internet é verdade. As redes sociais, de modo geral, são as que mais colaboram para a disseminação de notícias (nem sempre verdadeiras) mundo afora. Segundo um estudo realizado pelo Adroit Digital em 2014, os americanos já assistem a mais conteúdos no Youtube do que na televisão. Este fenômeno, iniciado no século XXI, traz à tona diversas discussões sobre como a informação é produzida e de que maneiras ela circula nas redes sociais.

mesmo o Whatsapp vêm sendo utilizados como ferramentas de comunicação em tempo real. O que faz todos estes mecanismos ganharem força é o poder de transmídia que eles acabam somando. Ou seja, o mesmo conteúdo pode ser compartilhado em duas ou mais redes simultaneamente. Além disso, uma mesma notícia pode ser abordada de maneiras diferentes, de acordo com a rede onde está sendo compartilhada. As linguagens são adaptadas para engajar cada vez mais usuários. O mais interessante é que este fenômeno se dá em todos os níveis da comunicação - e na comunicação comunitária não seria diferente. Com o barateamento do preço de computadores e smartphones e disseminação da internet banda larga via cabo ou wi-fi, o que se vê é a multiplicação de páginas e blogs para tratar tanto de temas gerais quanto específicos dentro das comunidades. Um exemplo clássico foi a cobertura realizada pelo jovem Rene Silva durante a invasão do BOPE ao Complexo do Alemão em 2010. Enquanto os veículos tradicionais não estavam dando importância ao assunto ou não tinham a possibilidade de fazer a cobertura local, Rene sem muitas técnicas específicas utilizou o espaço do Twitter para narrar os horrores da guerra que acontecia naquele momento.

Criado há uma década, o Facebook começou como uma rede social apenas voltada para estudantes de Harvard, onde os quatro criadores do projeto estudavam. Dez anos depois, figura entre as redes sociais mais importantes do mundo, com mais de um bilhão de usuários. Através dele um número estratosférico de postagens, fotos, vídeos e links são curtidos e compartilhados minuto a minuto, sem fronteiras. Complementando a lista, Twitter, Youtube, Instagram e até

Jornalismo tradicional e alternativo se complementam

22

Quando começaram a ganhar força, na primeira década dos anos 2000, as redes sociais passaram a assustar os jornais tradicionais por seu enorme poder de viralização. Os protestos de 2013, por exemplo, foram um resultado da crescente tomada das redes pelo público. Desde as mobilizações até a disseminação das informações sobre tudo o

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


que acontecia nos protestos era imediatamente compartilhado e se tornava viral antes mesmo de sair em algum veículo ‘oficial’, seguindo uma lógica inversa e fazendo com que os jornais tradicionais tivessem que se desdobrar para noticiar alguma novidade. A pesquisa Direito à Comunicação e Justiça Racial, do Observatório de Favelas, divulgada esse ano, revela que a página da Mídia Ninja teve, em média, mais de 5 milhões de acessos mensais entre 2013 e 2014.

Débora Oliveira, que recentemente abriu uma empresa de gerenciamento de conteúdo para mídias sociais, acha que o movimento tende a crescer ainda mais. “É um meio que tem muitas oportunidades, inclusive para quem quer trabalhar por conta própria, montar seu próprio negócio. Acho que não temos mais como regredir porque já estamos neste ambiente de redes sociais há pelo menos 10 anos. Muita coisa já evoluiu de lá pra cá e acho que vai continuar evoluindo. Pode até mudar o tipo de rede social, mas acho que elas vieram para ficar”, opina.

Foto: Mídia Ninja/Flickr Repórter do Jornal Expresso, Bibiana Maia acredita que os grandes jornais não precisam se preocupar com estes casos. “Recentemente fizeram uma pesquisa na redação perguntando quem utilizava as redes sociais para buscar pautas e a resposta foi esmagadora: a maioria usava como fonte principal para procurar assuntos. Mas nosso trabalho também inclui filtrar o que é verdade ou mentira. Acho que isso levou o jornalismo tradicional a se encontrar, pois os jornalistas têm mais ferramentas para descobrir o que é verdadeiro ou falso. Ele pode ter mais facilidade para checar a informação”, acredita.

A repórter Bibiana Maia busca pautas nas redes sociais

Débora tem uma empresa que produz conteúdo para redes sociais

Enquanto isso, o número de fanpages específicas de bairros ou favelas cresce a passos largos, criando uma identidade própria na maneira de fazer comunicação de dentro para fora, seja na linguagem ou no tipo de conteúdo. Nem sempre idealizados e alimentados por jornalistas formados, elas servem como principal fonte de informação para os moradores, muito mais do que outros veículos. A esteticista Danusa Costa, moradora de Campo Grande, diz que procura informações sobre o bairro e seu entorno e também sobre serviços. “As fanpages não são um canal só de notícias, têm também divulgação de muitas coisas úteis. Eu já comprei até móveis através destas postagens. Para mim é um meio muito eficiente”, garante.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

23


Site alternativo dá visibilidade no exterior Juliana Portella | Nova Iguaçu - RJ

N

os últimos anos o Brasil tem sido pauta frequente para a mídia internacional. Grandes veículos como The New York Times, Le Monde, El País e The Economist deram visibilidade ao país no cenário jornalístico internacional, principalmente por causa da Copa do Mundo. Mas as manifestações e os conflitos nas favelas cariocas também são destaque. Aos olhos da mídia estrangeira o Brasil ainda é visto de forma negativa. Em abril desse ano, a revista britânica The Economist publicou em seu site uma reportagem que classifica os brasileiros como preguiçosos. Com o título “Soneca de 50 anos”, a matéria diz que os brasileiros “devem sair de seu descanso paralisante” para ajudar a melhorar a economia. A imprensa estrangeira também noticia como positiva as políticas municipais de intervenção em favelas, embora faça crescentes denúncias sobre a violação de direitos humanos por parte do estado e reportagens abordando as desigualdades geradas pelo crescimento das grandes cidades. A jornalista Silvana Bahia, do Observatório de Favelas, explica que essa visão não representativa anula a voz dos moradores da favela. “Acho importante que os veículos internacionais noticiem o que acontece no Brasil, uma visão de fora sobre o país, mas penso que a apuração dessas matérias deve ser feita de forma que amplie o número de vozes sobre os assuntos. Não dá para falar de favela sem falar com quem vive a favela. O diálogo é essencial para o estabelecimento de uma convivência ampla e, acima de tudo, respeitosa”. Em maio de 2010, a ONG Catalytic Communities (ComCat), lançou o Rio Olympics Neighborhood Watch (RioOnWatch), um site para trazer visibilidade às vozes das favelas e das comunidades cariocas no contexto dos preparativos para as Olimpíadas de 2016. O site RioOnWatch.org é o principal veículo para a publicação de notícias de lideranças

24

comunitárias, moradores e observadores internacionais. As pautas falam das transformações urbanas aceleradas, que atualmente caracterizam a cidade do Rio de Janeiro, e se destacam as que abordam a violação dos direitos humanos.

O objetivo da ComCat é transformar a opinião pública global sobre as favelas cariocas, consideradas as comunidades urbanas mais estigmatizadas do mundo. “O RioOnWatch.org é, cada vez mais, uma referência mundial, por fazer uma ponte entre o hyper-local e o global, fazendo com que pessoas, em qualquer lugar do planeta, possam acompanhar notícias nas favelas do Rio. Fomos, por exemplo, os primeiros a publicar matérias sobre a nova onda de remoções começando em 2010 e , também, os primeiros a apresentar a ideia de que o processo de gentrificação estava se iniciando nas favelas em 2011”, destaca a editora executiva do site. Theresa Williamson. Outra proposta do RioOnWatch é aumentar a participação de jornalistas da comunidade e observadores internacionais na elaboração de relatórios sobre as transformações do Rio de Janeiro. Os correspondentes são remunerados pelas pautas produzidas. “Não exigimos formação ou qualificação formal de jornalismo para o site,

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


na Mangueria, no Recreio e adjacências, e em outros locias, o RioonWatch enviou colaboradores para apurar os fatos. Eles fizeram vídeos no RioOnWatchTV no YouTube, documentando essas remoções e suas matérias foram publicadas. O RioOnWatch foi, portanto, o primeiro canal de comunicação a traduzir este material para o inglês. E, com isso, a grande mídia os encontrou. O projeto é maior do que o site: “Promovemos o protagonismo do morador na narração de acontecimentos e no entendimento das questões da favela. O trabalho inclui uma estratégia de suporte à mídia internacional para cobrir as favelas do Rio de forma justa e precisa. O jornal internacional nem sempre procura entender o porquê, a origem dos problemas relatados, e nem entrevistar moradores impactados ou protagonistas e ativistas locais. Contam casos como se fossem regras, sem investigar o contexto que criou o caso”, constata a editora. O site de notícias RioOnWatch, por ser administrado por uma organização sem fins lucrativos que funciona como uma grande rede de colaboradores, é independente e tem a liberdade tanto de pesquisar profundamente certos tópicos, quanto Pautando a mídia internacional de publicar matérias que não gerarão ibope, simNo final de 2010, quando começaram aconte- plesmente por serem importantes na documentacer as primeiras remoções na Favela do Metrô, ção de vozes e acontecimentos” , explica Theresa. pois acreditamos que isso limita a qualidade e a diversidade de vozes, o que seria contra o nosso objetivo, a democratização da informação e da comunicação. Mas trabalhamos com os correspondentes para garantir o padrão de qualidade do conteúdo, e na edição para manter a qualidade da forma escrita”, explica Theresa. Existe um papel social em sua linha editorial. O site possui três editorias: denúncias, política e soluções. E todo o conteúdo é traduzido para o inglês. Os correspondentes são remunerados pelas matérias produzidas. Outra proposta do RioOnWatch é aumentar a participação de jornalistas da comunidade e observadores internacionais na elaboração de relatórios sobre as transformações do Rio. “Veículos alternativos são importantes para a contribuição de novas representações e narrativas sobre lugares e sujeitos. Isso, sem dúvida, fortalece a diversidade dos pontos de vista de um fato. O trabalho do RioOnWatch é central trazendo a visão de fora para dentro e a visão de dentro para fora ”, resume a jornalista Silvana Bahia.

Siga o Viva Favela no Instagram

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

25


Naldinho Lourenço

Tamiris Barcellos

Com o foco nos espaços populares Paulo Barros

26

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

Elisângela Leite

O tema da Revista #21, Comunicação na Favela, busca compreender os sentidos da comunicação que é realizada de dentro das favelas e como as novas mídias contribuem para a disseminação destes conteúdos. Para ilustrar um assunto tão pertinente, o Viva Favela utilizou fotografias feitas por fotógrafos oriundos do projeto Imagens do Povo, idealizado pelo fotógrafo e documentarista João Roberto Ripper e executado desde 2004 pelo Observatório de Favelas. Os fotógrafos populares Naldinho Lourenço, Paulo Barros, Elisângela Leite e Tamiris Barcellos nos ofereceram cliques incríveis que retratam um pouco do cotidiano de quem vive nas favelas cariocas.


Tamiris Barcellos

Tamiris Barcellos

Paulo Barros

Elisângela Leite

Elisângela Leite

Naldinho Lourenço

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015 Paulo Barros

27


Quem Os sujeitos que fazem com que os fatos de dentro das favelas virem notĂ­cias e que lutam para que suas vozes continuem sendo ouvidas.

28

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


?

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

29


Quando o noticiado vira repórter Viviane Ribeiro | Alemão - RJ

T

odos os veículos de comunicação se voltaram para o conjunto de favelas do Alemão, em novembro de 2010, para noticiar a ocupação do território por forças armadas do Estado. Enquanto isso, Rene Silva, um jovem de 17 anos que hoje todos conhecem, morador do Morro do Adeus, teve a ideia de atuar, via internet, pelas redes sociais, especialmente pelo Twitter, e por mensagens de texto pelo celular. Ele colhia e divulgava informações do que estava acontecendo em tempo real, nos lugares onde ocorria a ocupação, do início até o final. Suas fontes eram amigos e conhecidos que moravam do outro lado do morro. Os grandes veículos de comunicação se deram conta de que, naquele dia e momento, a população usava a única fonte de informação que, de fato, era eficiente para se saber o que acontecia no interior da favela, já que os repórteres das TVs e rádios só conseguiam ficar do lado de fora do território ou sobrevoando à distância em helicópteros. Desde então, o crescimento e a frequência de ligações, troca de mensagens e bate-papos nas redes sociais, com o intuito de coletar dados e achar novas ‘notícias em primeira mão’, passaram a fazer parte do cotidiano de qualquer jornalista, na disputadíssima era das novas tecnologias.

30

O canal perfeito para realizar um sonho O jovem repórter comunitário tornou-se, em 2011, o editor chefe do Portal Voz da Comunidade, que ele mesmo tinha criado, em versão impressa, em agosto de 2005, quando participava de um projeto na escola. Com o avanço das tecnologias, as atualizações dos meios de comunicação e a acessibilidade gigantesca que o destaque dos acontecimentos no conjunto de favelas do Alemão gerou, as redes sociais se tornaram o canal perfeito para o avanço do sonho de René, hoje um ícone das mídias comunitárias. Ele e sua equipe trouxeram para o território outros projetos em torno da comunicação, como o Arraial da Paz e o show Por um Natal Melhor, incentivando os jovens no conhecimento, no estudo e na criação de canais que contribuam para a busca de soluções e na discussão de problemas que são de responsabilidade de órgãos do estado e do município. No Complexo do Alemão, o Portal Voz da Comunidade se destaca entre outros que surgiram ao mesmo tempo ou logo após a ocupação das favelas. Grupos, coletivos e até mesmo indivíduos que usam a internet e as ferramentas das novas tecnologias para se comunicar permitem que a comunidade esteja sempre conectada. Os moradores são informados sobre os últimos acontecimentos e os fatos importantes que ocorrem na vizinhança, além de assuntos sociais e problemas do cotidiano – um misto de busca de soluções e conhecimento. O trabalho de René Silva e da equipe do portal Voz da Comunidade não abrange só o que acontece no conjunto de favelas do Alemão. Diariamente, a página do Facebook do portal contabiliza 12 mil acessos. E o portal tem um alcance de 30 mil visualizações por mês. René diz que o portal e a página do Facebook têm como foco mostrar os problemas sociais

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


Rene Silva é o idealizador do Voz da Comunidade, que contabiliza 30 mil acessos por mês) Foto: Arquivo pessoal que não são tratados pela grande mídia e o cotidiano do morador de favela, além de divulgar eventos culturais e de lazer. Também é seu intuito falar sobre o que o jovem pensa e organizar encontros, como o #FalaJovem, que reúne jovens da comunidade para bate-papos sobre assuntos importantes para eles e o lugar onde moram. Comunicadores são moradores também “Atualmente, a maior rede de comunicação de notícias é a rede social”, diz o repórter cinematográfico Betinho Casas Novas, colega de redação de René no Voz da Comunidade. Na visão dele, o fato de “todos andarem conectados e de tudo virar notícia nas redes sociais acaba retirando um pouco do espaço dos tradicionais jornais e das revistas. Muito do que é divulgado pelas redes alimenta e pauta as velhas mídias, principalmente a televisão”, opina. Além disso, as ferramentas de acesso à internet e a participação das pessoas nas redes sociais modificaram a ordem da apuração dos fatos: “A rede social alarma a primeira notícia. Em seguida, a pessoa que leu vai averiguar e depois acaba voltando pra rede social, mas agora para divulgar o fato já apurado. Ela serve pra te informar de um fato, você averigua e, em seguida, usa para divulgar o que apurou sobre o mesmo fato”, diz ele. Por fim, Betinho complementa abordando papel dos comunicadores: “Qualquer movimento de comunicação comunitária, que produza notícias para dentro e fora de favela, é super importante. É uma representatividade dos moradores. Tudo varia de princípios pois, no final, os próprios comunicadores são moradores tam-

bém. Acho que o fator principal de uma boa comunicação, ou de uma boa mídia comunitária, é essa relação comunidade e comunicadores, um vínculo que não pode ser quebrado”, reforça. Outras vozes do Alemão Abaixo, outras mídias sociais comunitárias que trabalham para abastecer a população local com notícias do cotidiano do conjunto de favelas do Alemão: Blog Jornal Alemão Notícia: Fundado em 2010, tem 12 mil visualizações diárias na página e oito mil seguidores. Em 2013, foi criada também uma fanpage no Facebook. Tem oito mil seguidores e 12 mil visualizações diárias na página. Alemão Morro: É uma página do Facebook, atualizada diariamente pelo casal Cleber de Araújo e Mariluci Mariá. Tem quatro anos, 14 mil seguidores na página, 800 seguidores no perfil e cinco mil amigos. Site Ocupa Alemão: Site criado em 2012, por seis moradores com formações e experiências profissionais variadas. Tem 6.150 pessoas inscritas na página. Aborda os mais variados assuntos, com recortes temáticos dentro da questão da favela: raça, gênero, sexualidade, tudo dentro do grande gênero “favela”. Coletivo Papo Reto: É uma página do Facebook colaborativa em que qualquer participante pode fazer postagens diretas. Antes, porém, o grupo dialoga internamente pelo wattsapp. Criado há menos de um ano, o coletivo é composto por ativistas com anos de luta.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

31


Estrutura mantém jornal de grande circulação Aline Melo | Maré - RJ

N

o dia 15 de cada mês, uma equipe percorre as favelas do conjunto de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio, para distribuir 40 mil exemplares da maior mídia comunitária da região, o jornal Maré de Notícias. Eles vão a casas, comércios, escolas e outras instituições locais entregar o jornal nas mãos do leitor. Projeto desenvolvido pela Rede de Desenvolvimento da Maré, o jornal foi criado com o objetivo de combater os estereótipos e preconceitos que há com espaços populares, como favelas. “Queríamos colocar a visão do mundo do morador, fortalecer o senso crítico, mostrar o lado bom da favela, e acompanhar as políticas públicas”, explica o editor assistente do jornal, Hélio Euclides.

des sociais, coordenadora do site, assessora de imprensa e editor assistente). Os outros três são a fotógrafa, a estagiária e o diagramador. A comunidade tem papel de destaque desde o início do projeto. “A preocupação em atender as demandas da comunidade por notícias já existia antes mesmo do jornal”, afirma Hélio Euclides. “As reuniões de pauta começaram em dezembro de 2008 e, logo depois, fizemos uma pesquisa pelas comunidades para saber o que os moradores desejavam ler. Só em dezembro de 2009 é que saiu o primeiro jornal, ainda sem nome. Houve um concurso para a escolha do nome, que teve como prêmio um computador. Então, só no número cinco é que o jornal foi batizado como Maré de Notícias”, conta.

“O Maré de Notícias tem nos seus textos um olhar que deseja trazer algo que melhore cada vez mais a vida do leitor”, Silvia Noronha, editora O Maré de Notícias é conhecido por sua linguagem de fácil acesso e sua atuação interativa, através de sugestões de pautas dos moradores do conjunto de favelas. Em circulação desde 2009, teve como fundadores Hélio e Silvia Noronha e hoje conta com a estrutura do setor de comunicação da Redes de Desenvolvimento da Maré, composta por oito integrantes. Destes, cinco são jornalistas (que exercem a funções de coordenadora do jornal, coordenadora das re-

32

Hélio Euclides, editor assistente do Maré de Notícias - Foto: Elisângela Leite A construção colaborativa de cada edição do jornal é incentivada pela equipe de formas variadas: “O jornal está dentro da comunidade, então faz parte dela. Desde a criação, são

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


os moradores que formam o jornal. Isso nunca mudou. Eles mandam pautas por e-mail, por carta, por telefone ou vêm a redação. Além de, ao encontrar os integrantes do Maré de Notícias nas ruas, dar opinião, critica ou sugestão”, conta Hélio. “O Maré de Notícias tem nos seus textos um olhar que deseja trazer algo que melhore cada vez mais a vida do leitor”, completa Silvia, que elege uma matéria sobre os angolanos que moram na Maré como a sua preferida. “Foi muito bom entrar numa nova cultura e lutar contra todo o preconceito”. Até hoje, essa é uma das matérias mais acessadas e lidas no site e já serviu como base para reportagens de televisão e jornal de mídia tradicional.

Alfabetização e artes Educadores do Projeto Maré Latina de Aprendizado, que conta com cursos gratuitos nas áreas de educação e artes, trabalham com seus alunos os textos do jornal e mandam sugestões de pauta para a redação, tornando as aulas mais contextualizadas e o trabalho feito pelos professores e alunos conhecidos na comunidade. Planos para o futuro do projeto são muitos, mas Hélio admite que é preciso ter o pé no chão: “Trabalhar com comunicação comunitária é caro”. Por fim, ele revela: “Pensamos em novos concursos, uma nova pesquisa e realização de eventos.

Jornalismo premiado O ano termina com mais um reconhecimento pelo trabalho feito na Maré. A matéria Vidigal: custo de vida lá no alto – Gentrificação, de Aramis Assis, publicada em maio de 2014, recebeu o 2º lugar no Prêmio Visibilidade 2014, do Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro (Cress RJ). É a quarta vez que o jornal é finalista desse prêmio.

Aramis Assis e Silvia Noronha comemoram o 2º lugar do Prêmio Visibilidade 2014 | Foto: Arquivo pessoal

Tradição e cidadania Há 15 anos, a Maré ganhou seu primeiro jornal, até hoje em circulação. Criado pelo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), para fortalecer a identidade dos moradores, o jornal O Cidadão cunhou o termo “mareense” e, há quatro anos, mudou a linha editorial, passando a se dedicar a defesa e garantia dos direitos humanos. Atualmente os 20 mil exemplares do jornal impresso, em 24 páginas coloridas, são distribuídos nas principais ruas da Maré, em escolas e associações de moradores.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

33


Moradores levam noticiário local para as redes Viviane Ribeiro | Alemão - RJ

A

costumados ao rápido crescimento dos veículos de comunicação na comunidade, a partir de 2010, os moradores do conjunto de favelas do Alemão têm sido atuantes e colaborativos para disseminar as mais diversas noticias de seu território, do Rio de Janeiro ou do mundo. A população criou mecanismos próprios para expor na internet, através das redes sociais, informações sobre os territórios, que antes não eram alcançadas pelos veículos tradicionais de comunicação. Jovens ou adultos, quase todos acompanham diariamente três ou mais veículos comunitários, além de, pelo menos, duas mídias tradicionais do Rio de Janeiro. Entre os mais citados na comunidade, se destacam: Jornal Voz da Comunidade, Jornal Alemão Noticias, Coletivo Papo Reto e Alemão Morro. A mídia comunitária no Alemão cresceu depois da ocupação dos morros pelas Forças Armadas, em novembro de 2010, que colocou o território nas manchetes dos veículos de comunicação nacionais e internacionais. O interesse dos moradores em acompanhar os fatos foi mantido, a cada ano, pelo noticiário sobre a implantação das unidades de polícia pacificadora e as obras de construção do teleférico. Hoje, notícias sobre outros temas, como o cotidiano da favela, eventos culturais, moradores ilustres e temas de interesse do morador comum que vive ou trabalha na comunidade, são publicadas e, inclusive, reproduzidas nas redes sociais. Ainda assim, assuntos como confrontos e tiroteios, a violência do dia-a-dia e a segurança são tópicos que permanecem em primeiro lugar. Alguns moradores ainda usam pouco a internet como meio de informação, preferindo ‘o tradicional

34

jornal impresso de todas as manhãs’, mas os assuntos do território que se tornam populares através das redes sociais são levados para as ruas, nas rodas de conversa de grupos de amigos. As informações coletadas nas redes sociais se tornaram muito importantes no cotidiano dos moradores, que ficam informados, quase em tempo real, de tudo o que acontece e é de interesse da comunidade. Com a palavra, o morador

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

Helcimar Lopes (Morro do Alemão), 39 anos, produtor cultural, acompanha todas as mídias comunitárias e outras, de fora do território. Como comunicador voluntário, considera que seu papel é informar, em tempo real, o que acontece de bom e de ruim na comunidade e concorda que as notícias seguem um padrão: “Nem tudo pode ser postado. Temos cuidado com o que está além da tela do computador, pois no dia seguinte vamos transitar pela favela”. Dá nota mil para as mídias comunitárias, que “falam a verdade em tempo real e o que está por trás de uma nota da UPP”, mas defende um noticiário que também mostre “o que existe de bom nas comunidades e os investimentos


Vanessa dos Santos Ferreira (Nova Brasília/ Alemão), 29 anos, dona de casa, é leitora dos jornais Voz da Comunidade e Alemão Notícias, onde considera importantes as informações sobre política, violência, problemas sociais, oportunidades de emprego e cursos. Acha que a mídia comunitária mostra “a realidade dos fatos vividos pelos moradores, sem medo do preconceito de outras classes mais favorecidas”. Para o território, muitas vezes essa mídia traduz “um verdadeiro grito de SOCORRO. Mas também é esclarecedor e orientador, para aqueles que não têm muito conhecimento das leis, política, e assuntos diversos sobre o nosso país. As pessoas estão tendo a oportunidade de conhecer, se informar, interagir, buscar soluções, crescer profissionalmente”.

Vilma Ribeiro (Nova Brasília/Alemão), 42 anos, dona de casa, acha que a mídia tradicional às vezes manipula e deturpa as informações sobre a comunidade. Ela acompanha pela internet as páginas dos principais veículos de notícias do Alemão e explica o motivo: “Nos dias de confronto, as noticias vêm muito mais rápido por esses veículos, praticamente na mesma hora em que acontecem”. Antes de levar ou buscar os filhos na escola, dá sempre uma olhada no noticiário para saber como está a área onde mora.

Cristiane Cardoso de Souza (Fazendinha/ Alemão), 34 anos, confeiteira e salgadeira, não acompanhava a mídia comunitária antes “porque tinha medo”, mas isso mudou: “Hoje eu tenho todas e acompanho. Se precisar, ajudo repassando as informações. Precisamos mostrar ao mundo que somos unidos. Aqui, temos uma família grande que precisa de muita atenção. Além disso, as redes não são usadas só para dar má noticia, mas também para informar o melhor que a nossa comunidade oferece”. Sobre a diferença entre a mídia comunitária e a tradicional, é taxativa: “enfatizamos o que realmente acontece dentro da nossa realidade. Não usamos maquiagem”.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

35


A luta para recuperar uma rádio no Santa Marta Deborah Athila | Redação Viva Favela - RJ

O

direito à comunicação e a defesa da liberdade de expressão estão explícitos na Constituição Brasileira. Apesar disso, comunicadores de dentro das favelas sofrem com uma legislação restritiva para as rádios comunitárias, que coíbe e pune os veículos, deixando-os em um cenário de ilegalidade e criminalização. Em 2011, depois de um ano de funcionamento, a Rádio Santa Marta FM foi fechada. Ela foi mais uma das vítimas das dificuldades existentes no atual cenário da radiodifusão em vigor no país. A Anatel e a Polícia Federal executaram a ação justo no Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, 3 de maio, daquele ano. O Repper Fiell, como prefere ser chamado, à época responsável pelas transmissões, ficou impedido de colocar os programas no ar e passou a responder processo criminal. “Fui tratado como um marginal. É melhor fazer outra de-

linquência do que tentar se comunicar”, desabafa. Hoje ele e outros parceiros do Santa Marta, Zona Sul do Rio, lutam para formalizar toda documentação necessária e pedir uma outorga no Ministério das Comunicações. “Isso pode demorar anos, os interesses políticos ainda são determinantes para definir quem é prioridade nas outorgas. Como a rádio tinha o viés social, onde muitos problemas como a falta de saneamento, falta de energia e o policiamento aqui no morro eram debatidos, não agradava ao poder público”, complementa Fiell. Ele comenta que questões cotidianas também eram debatidas na rádio. “Hoje não tenho como saber o que está acontecendo no morro. A Rádio informava e era bem popular aqui, o telefone chegava a ficar congestionado de perguntas e comunicados dos moradores”, garante.

Foto: Deborah Athila

36

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

Fiell mantém vivo o sonho de fazer comunicação na comunidade


A busca por Outorga

A legislação brasileira

Fiell em ação, em 2011, quando a rádio funcionava | Foto: Reprodução A lei 9.612/98 estabelece a radiodifusão de baixa potência (25 Watts) e permite uma cobertura restrita em um raio de 1 km a partir da antena transmissora, mas proíbe a formação de rede entre as emissoras, salvo em caso de calamidade pública. Ela também não garante às emissoras comunitárias proteção contra interferências de rádios comerciais e serviços de telecomunicação, além de vetar a veiculação de qualquer forma de publicidade nos veículos O representante do Brasil da AMARC (Associação Mundial das Rádios Comunitárias), Pedro Martins, diz que esta última barreira dificulta ainda mais a sobrevivência de qualquer rádio. “Apesar de serem rádios sem fins lucrativos, elas deveriam ter o direito de arrecadar verbas para se manter, para reinvestir o que ganhassem e, assim, ir melhorando sua comunicação cada vez mais. Mas com a impossibilidade de fazer publicidade, até mesmo a estatal, fica muito difícil”. Martins afirma ainda que a Associação luta por regulações e leis que garantam voz e empoderem os mais diversos segmentos sociais, distribuindo o espectro eletromagnético e garantindo espaço igual para as rádios comerciais, públicas e comunitárias. “Hoje a gente não pode contar com uma garantia por parte do estado e do governo brasileiro pelo direito à comunicação. Quem realiza comunicação de baixa potência ainda é criminalizado no país, um dos únicos do mundo a ter esse tipo de atitude”, lamenta.

Nils Brock, cooperante internacional da AMARC Brasil, informa que mesmo com todos os documentos exigidos e pré-requisitos cumpridos, não é possível solicitar uma outorga a qualquer momento. Ele explica que o processo só é aberto mediante um aviso de habilitação feito pelo Ministério das Comunicações: “Segundo o Ministério das Comunicações, o tempo de espera hoje em dia é muito mais curto que anteriormente, mais ainda demora no mínimo dois anos para receber uma outorga, muito tempo para se manter vivo o sonho para transmitir”. Em contrapartida, o Ministério das Comunicações defende que a legislação de radiodifusão comunitária não é nem restritiva e nem punitiva. “Ao contrário, o procedimento de outorga de rádio comunitária é simplificado em relação às demais outorgas. Com a divulgação do Plano Nacional de Outorgas e a publicação de 69 avisos de habilitação o serviço de radiodifusão comunitária se expandiu e se consolidou nos últimos quatro anos. Somente entre 2011 e 2014 foram concedidas 444 novas outorgas”, informa nota do ministério. Já a Anatel não possui dados consolidados referentes ao número de fechamento das rádios comunitárias, especificamente, mas no caso do serviço de radiodifusão como um todo, somando os números de 2013 e 2014, 783 entidades não outorgadas foram interrompidas. O motivo mais frequente para o fechamento dessas rádios, segundo a Anatel, é a utilização do espectro de radiofrequências na faixa de FM sem outorga. O Brasil, segundo Nils Brock, tenta se apresentar como um país internacionalmente democrático, mas não cumpre os tratados. “O Brasil assina qualquer contrato de direitos humanos, para logo descumpri-lo, como o caso do Pacto de São José da Costa Rica, que prevê a garantia de acesso por meio de leis iguais a todos que desejarem acessar os meios de comunicação. Isso não acontece aqui”, reclama. Ele acredita ainda que o uso desproporcional do espectro por rádios comerciais vem mostrando que a lei brasileira é frágil. Os comunicadores comunitários lutam para uma nova legislação para as rádios comunitárias, mas o que é visto no Brasil é pouca discussão sobre o tema, além do fracasso de todos os projetos de lei em prol de uma comunicação mais justa e inclusiva no Congresso.

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

37


A Com unica ç

ão C om un itá ria

ex i

e st

38

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015

e m à

a qu did

e você não se


o aborda utas q ue ele nã as pa

o u tr

ue exi stem

re pr es en ta do

ce be q

nt e

po

ru m

ve ícu lo

vo cê pe r

se

o nt e tra dici om m onal e o d a partir

e qu

Raquel Paiva, editora convidada 39

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


www.vivafavela.com.br

Realização:

40

Patrocínio:

REVISTA VIVA FAVELA | DEZ - FEV DE 2015


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.