CartaCapital

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CONSELHÃO Dilma Rousseff tenta se reconectar com a sociedade

FUTEBOL A Primeira Liga supera o boicote da CBF e inspira um outro futuro do esporte

TELEFONIA Perto da nova revisão das metas, uma chance de estimular o setor

+QI

Zizinha, cantada em prosa e verso, à frente de seu tempo Pág. 55 Pág

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ZIKA ANO XXII N° 886 R$ 12,90 3 DE FEVEREIRO DE 2016

O BRASIL É O EPICENTRO DE UMA AMEAÇA MUNDIAL

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CartaCapital

3 DE FEVEREIRO DE 2016 • ANO XXII • N° 886

8 B R A S I L I A N A Aos 84 anos,

Ailde mantém a única biblioteca de Antonina, no Paraná

11 A SEMANA 6 6 R E T R AT O S C A P I TA I S

Seu País

Dilma Rousseff traz de volta o Conselhão e estimula o crédito

20 P O D E R

A estreia da Primeira Liga 28 PA R A N Á O relator das contas de Beto Richa é citado em escândalo 30 L AVA J AT O A obsessão da força-tarefa em alcançar Lula 24 F U T E B O L

Economia

32 T E L E F O N I A O embate entre operadoras e usuários

O Conselhão volta ao palco. Pág. 20

Nosso Mundo

40 E U R O P A A supremacia alemã em risco 44 B O L Í V I A Uma década de Evo Morales

Angela Merkel. Pág. 40

35 DELFIM NETTO

A Vale sofre com a queda do preço do minério e com as pressões judiciais 38 T E C N O L O G I A O Google esquenta a disputa entre máquina e homem 36 C O M M O D I T Y

39 LUIZ GONZAGA BELLUZZO

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Plural

46 M Ú S I C A Jovens instrumentistas unem erudição e ginga 4 9 B R AV O !

ZIKA, AMEAÇA GLOBAL COM EPICENTRO NO BRASIL, A EPIDEMIA ESPALHA-SE PELAS AMÉRICAS

Capa: Daniele Doneda. Fotos: Mario Tama/ Getty Images e Shutterstock

QI 55

UM NOVELÃO À BRASILEIRA

O ROMANCE DE ZIZINHA E QUINCAS DURANTE OS EMBATES POLÍTICOS NA CORTE 58 PA P I N H O G O U R M E T Por Marcio Alemão 60 D I E TA Entre em acordo com o seu corpo 62 E S T I L O O céu como inspiração para a moda 63 P R A Z E R D E P O N TA Por Felipe Marra Mendonça 64 C A R I O C A S Por Carlos Leonam 65 A F O N S I N H O

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L U L A M A R Q U E S / A G Ê N C I A P T, K A I P F A F F E N B A C H / R E U T E R S / L AT I N S T O C K E P E D R O M A R T I N S /A G I F /A F P

Feldman. Pág. 24

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Cartas Capitais

LAVA JATO Guerra aberta entre advogados e a força-tarefa

PARANÁ O escândalo de propina na Educação cada vez mais perto de Beto Richa

EDITORIAIS Aviso ao governo: é hora de mostrar coragem

+QI O VERDE É O VINHO DA ESTAÇÃO Pág. 73

ANO XXII N° 885 R$ 12,90 27 DE JANEIRO DE 2016

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a ela se autoproclamam aplicadores da lei. Na prática, defendem um Direito ilegal e antidemocrático por meio de um pensamento jurídico autoritário. Enfim, não praticam a verdadeira Justiça e acabam por intensificar o abismo social que nos angustia. Paulo Sérgio Cordeiro Santos Curitiba, Paraná

O CERCO ÀS ONGS DA PILANTRAGEM Ser humano e dinheiro, esta é a combinação mais explosiva que conheço. Aplaudo esse marco regulatório. Izabel Cristina Freitas Chiodi PARANÁ De como o dinheiro da Educação foi para a campanha de Beto Richa

MINO CARTA A conspirata policial contra a presidenta Dilma, Lula e o PT

BARBEIRAGENS A direita se afoba na Argentina e Venezuela e prejudica os próprios projetos

+QI

LUGARES NOVOS E VIAGENS

insólitas Pág. 55

E CRISE

A CRISE DENTRO DA CRISE

solapa um patrimônio destinado a ser a salvaguarda do Brasil Pág. 18

Mundo Uma nova tempestade financeira se avizinha e torna incerto o cenário em 2016 Pág. 52 Irã A volta do país ao mercado deprime

ainda mais o preço do produto Pág. 58

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21/01/16 20:56

PERSEGUIDA POR SE IMPORTAR Assistimos ao drama da desembargadora dra. Kenarik Boujikian, garantista do bom direito e demonizada por setores retrógrados da magistratura brasileira, avessos aos direitos humanos dos mais pobres, que, embora tenham cometido delitos, marginalizados por uma cultura de luta de classes, cumpriram suas penas. Esses que se opõem

A reportagem de Carlos Drummond que trata da compressão salarial, da desigualdade crescente e da onda irracional de austeridade fiscal é excelente. Por favor, transmitam os meus parabéns. Miguel Freitas Rio de Janeiro, RJ

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ANO XXII N° 884 R$ 12,90 20 DE JANEIRO DE 2016

PETRÓLEO

Petrobras A má administração

NELSON BARBOSA

NARCOBOSS DE CINEMA Aí está um dos maiores sustentáculos do capitalismo: o comércio ilegal de drogas, quase tão relevante quanto o comércio de armas. Isac Oliveira de França

EM BUSCA DA ESPERANÇA NA ESTREIA O MINISTRO DA FAZENDA ANUNCIA A RETOMADA DO CRÉDITO PELOS BANCOS PÚBLICOS, PRIMEIRO PASSO QUE POR SI SÓ NÃO REVERTE A ROTA

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14/01/16 20:53

CADA CENTAVO EM DISPUTA Em nossa história, desde a Proclamação da República, o sistema político é monopolizado pelos poderosos. O tempo

WWW.CARTACAPITAL.COM.BR • Um forte retrocesso para o Brasil na área de direitos humanos – é o que indica o 26º relatório anual da organização internacional Human Rights Watch. Por INGRID MATUOKA. • O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo é suspeito de receber propina para facilitar contratos de merenda. Entenda a operação que mira o tucano FERNANDO CAPEZ. • Em 13 anos, a renda de pretos e pardos avançou mais que a dos brancos, mas disparidade ainda é gritante. No blog PARLATÓRIO. • Há tempos, a Primavera Árabe morreu no Egito. Junto dela, a esperança de tempos melhores. Cinco anos depois, Sisi teme ser Mubarak. Leia a análise de JOSÉ ANTONIO LIMA

O RETROCESSO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL EM NÚMEROS Brasil, Onde os Presos Dão as Cartas

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Esperamos menos violência contra pobres, estudantes negros e pessoas humildes de nossa sociedade. Marcelo Gronez

AGÊNCIA SENADO

O presidente da Alesp repudia a ligação de seu nome ao escândalo

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Ganhe uma assinatura. Na primeira edição de cada mês, CartaCapital vai premiar a melhor carta publicada no mês anterior com uma assinatura anual da revista. Data de divulgação do 125º vencedor: edição 890, que circula a partir de 26 de fevereiro

passou e, com exceção dos interregnos nos quais se consolidou o modelo democrático, o Brasil continuou refém dos donos do dinheiro, detentores de representação direta – basta ver a composição do atual Congresso, o mais conservador desde 1964, e as disparidades entre os parlamentares e a população a que dizem representar – e indireta, por meio dos defensores dos interesses econômicos dos grupos privados inerentes a quase todas as esferas do poder público. Um exemplo: o financiamento privado de campanha é o mecanismo pelo qual o candidato se elege comprometido com os interesses de quem o financiou. A democracia, em um de seus momentos mais importantes, o pleito, torna-se tudo, menos democrática. O Brasil viveu um período no qual as empreiteiras corruptas, cujos negócios obscuros com o poder público vieram à tona na Operação Lava Jato, financiaram simplesmente todos os partidos com representação no Congresso. Uma verdadeira plutocracia. As eleições de 2016 serão um teste para a sociedade e um obstáculo aos políticos que têm horror a cheiro do povo. Yagoo Moura Rio de Janeiro, RJ

OS FIOS DA HISTÓRIA Sempre é bom, para o crescimento e entendimento da realidade, conhecer outros pontos de vista. Márcio Cavalcante

“NÃO HÁ ALTRUÍSMO NAS ELEIÇÕES” Homens honestos fazem a diferença. Uma civilização avançada em caráter, honradez e comprometimento com o bem comum não necessita de tantas investigações. Mario Stefani

AGÊNCIA SENADO

POR QUE TANTO ÓDIO Roberto Amaral está correto. O projeto de poder da direita é ideológica e instrumentalmente pífio, no entanto dispõe de certa força social e do controle dos meios de produção. Não é sensato subestimar a capacidade de sabotagem da elite e seus representantes políticos. A tática do impeachment, via golpe de Estado, é apenas um recurso dentre vários disponíveis na tradição conspiratória dos plutocratas brasileiros. A meta estratégica da burguesia é retomar o

controle político das ações implementadas pelo aparelho de Estado, e com isso impor um conjunto de contrarreformas, o que diminui muito o valor da força de trabalho – pela terceirização por exemplo – e extingue as políticas sociais compensatórias. Flávio Levi Moura

DAVID BOWIE E AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE Percebi o flerte de Bowie com a morte no álbum Blackstar. Bem místico, assisti a dois clipes do último álbum e soaram até como uma carta de despedida. Superbonito. Cristina Anitsirc Que texto. Bowie abraçou a morte, algo que nós tanto evitamos pensar ou comentar quando diz respeito a nós mesmos. Felipe Martins

COM ENTÁ R IO V ENCEDOR DO MÊS DE JANEIRO :

CARTA PREMIADA HOLLANDE SE ENGANA A guerra ao terror proposta por François Hollande é, em si, um ato tão maléfico quanto o próprio atentado de 13 de novembro. A atitude de Hollande em procurar aliados para bombardear a Síria não combina com o perfil de um estadista. Antes de lançar bombas aos sírios, o presidente deveria secar as fontes financeiras do EI, como muito bem é sugerido na análise de Wálter Maierovitch. Assim, a organização não teria como financiar os atentados terroristas. É inaceitável recorrer ao ataque de toda uma população inocente de um país como vingança. Gabriel Dias Tosta de Oliveira São Paulo, SP

CartaCapital DIRETOR DE REDAÇÃO: Mino Carta REDATOR-CHEFE: Sergio Lirio CONSULTOR EDITORIAL: Luiz Gonzaga Belluzzo EDITOR ESPECIAL: Mauricio Dias EDITORES: Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa, Carlos Drummond, Nirlando Beirão e Rosane Pavam REPÓRTERES: Ana Ferraz, Henrique Beirangê e Miguel Martins . Brasília: André Barrocal e Rodrigo Martins. Paris: Gianni Carta DIRETORA DE ARTE: Pilar Velloso CHEFES DE ARTE: Daniele Maganhoto Doneda, Estella Maris, George B. J. Duque Estrada (Fundador), Mariana Ochs (Projeto Original) DESIGNER: Milena Branco FOTOGRAFIA: Mara Lúcia Da Silva (Chefe de Produção) e Wanezza Soares (Produtora Editorial) REVISORES: Áli Onaissi (Coordenação), Hassan Ayoub e Rita Leite COLABORADORES: Afonsinho, Álvaro Machado, Antonio Delfim Netto, Carlos Leonam, Claudio Bernabucci (Roma), Drauzio Varella, Eduardo Graça, Felipe Marra Mendonça, José Genolino, José Geraldo Couto, Luiz Roberto Mendes Gonçalves (Tradução), Marcio Alemão, Marcos Coimbra, Orlando Margarido, René Ruschel, Riad Younes, Rogério Tuma, Rodrigo Casarin, Tárik de Souza, Thomaz Wood Jr. e Wálter Fanganiello Maierovitch FOTÓGRAFOS: Anna Carolina Negri, Carol Carquejeiro, Davi Ribeiro, Greg Salibian e Sergio Amaral ILUSTRADORES: Cárcamo e Eduardo Baptistão ASSISTENTE ADMINISTRATIVO: Ingrid Sabino CARTA ON-LINE EDITOR-GERAL: José Antonio Lima EDITORA-EXECUTIVA: Clarice Cardoso EDITORA ASSISTENTE: Tory Oliveira EDITOR DE VÍDEO: Yghor Boy Carlos de Lacerda REPÓRTERES: Débora Melo, Gabriel Bonis e Marcelo Pellegrini Filho ESTAGIÁRIOS: Felipe Campos de Mello, Ingrid Yurie Paes Matuoka e Julia Leite INOVAÇÃO DIGITAL: Adriana Corradi (Diretora), Daniela Neiva (Editora) DESIGNERS: Lidiane Siqueira e Regina de Assis SITE: www.cartacapital.com.br

EDITORA CONFIANÇA LTDA. Alameda Santos, 1.800, 7º andar CEP 01418-200, São Paulo, SPTelefone PABX (11) 3474-0150 CONSELHO EDITORIAL: Antonio Delfim Netto, Eduardo Rocha Azevedo, Luiz Gonzaga Belluzzo, Manuela Carta e Mino Carta (Presidente) PUBLISHER: Manuela Carta PUBLICIDADE KEY ACCOUNT MANAGERS: Simone Puglisi e Marcos Braga CONSULTORA DE PROJETOS ESPECIAIS: Rosvita Laux GERENTE DE MARKETING: Patricia Grosso COORDENADORA DE MARKETING: Daniela Mancuso ANALISTAS DE MARKETING: Erika Viana Costa e Tatiana Giovani Silva ASSISTENTE DE ADMINISTRATIVO: Claudinéia da Cruz E-MAIL: COMERCIAL@CARTACAPITAL.COM.BR REPRESENTANTES REGIONAIS DE PUBLICIDADE: RIO DE JANEIRO: Enio Santiago/Fernando Silva, (21) 2556-8898/2245-8660, enio@gestaodenegocios.com.br, fernando@gestaodenegocios.com.br BA/AL/PE/SE: Canal C Comunicação, (71) 3025-2670 – Carlos Chetto, (71) 9617-6800/ Luiz Freire, (71) 9617-6815, canalc@canalc.com.br BRASÍLIA (DF): Vertmídia. (61) 3035-3754 – Solange Farias, solfarias@vertmidia.com.br Solange Tavares, solangetavares@vertmidia.com.br Sávio Otaviano, savio@vertmidia.com.br ESPÍRITO SANTO: Enio Santiago/enio@gestaodenegocios.com.br Flávio Castro (27) 3389-3452/flavio@gestaodenegocios.com.br MINAS GERAIS: Marco Aurélio Maia, (31) 31 3047 4947/9983-2987. marcoaureliomaia@marcoaureliomaia.com SANTA CATARINA: Marcucci&Gondran Associados (48) 333-8497. marcucci.gondran@terra.com.br PARÁ: Glícia Diocesano, (91) 3242-3367, gliciadiocesano@yahoo.com.br CE/PB/PI/MA/RN: AG Holanda Comunicação, (85) 3224-2267, agholanda@Agholanda.com.br RIO GRANDE DO SUL: Inovação Soluções em Mídia Ltda., (51) 3021-7103, contato@inovacaointel.com.br PARANÁ: SEC Estratégias, (41) 3019-3717, opec@sec-estrategias.com.br GO/MT/MS/TO: W Verissimo Mídia e Comunicação, Walison Veríssimo, (62) 3945 8295, comercial@wverissimocomunicacao.com.br GERENTE DE CIRCULAÇÃO: Rita Teixeira ANALISTAS DE CIRCULAÇÃO: Bruno Resendes e Gabriela Miranda DIRETORA-ADMINISTRATIVA/FINANCEIRA: Renata Ribeiro dos Santos COORDENADOR ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO: Mario Yamanaka EQUIPE ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA: Fabiana Lopes Santos e Juliana Torres Corrêa ANALISTA DE RH: Olga Targa CONTROLLER: Eduardo Lucchesi ASSESSORIA CONTÁBIL, FISCAL E TRABALHISTA: Firbraz Serviços Contábeis Ltda. Av. Pedroso de Moraes, 2219 – Pinheiros – SP/SP – CEP 05419-001. www.firbraz.com.br, Fone (11) 3463-6555 CARTACAPITAL é uma publicação semanal da Editora Confiança Ltda. Carta­capital não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados. As pessoas que não constarem do expediente não têm autorização para falar em nome de CartaCapital ou para retirar qualquer tipo de material se não possuírem em seu poder carta em papel timbrado assinada por qualquer pessoa que conste do expediente. Registro nº 179.584 De 23/8/94, modificado pelo registro nº 219.316 De 30/4/2002 no 1º Cartório, de acordo com a Lei de Imprensa. IMPRESSÃO: Plural Industria Gráfica - São Paulo - SP DISTRIBUIÇÃO: Dinap S/A – Distribuidora Nacional de Publicações, Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 – São Paulo – SP ASSINANTES: Treelog S.A. Logística e Distribuição.

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Brasiliana

Honra a Pitágoras

Aos 84 anos, Ailde Polari mantém sozinha a única biblioteca da pequena Antonina POR RENÉ RUSCHEL

A

disposição de Ailde Mendes Polari, de 84 anos, deve-se em parte à perseverança, ousadia e tenacidade com que viveu à frente do seu tempo. Fundadora da única biblioteca de Antonina, vilarejo de 20 mil habitantes no litoral do Paraná e sua terra natal, a “filósofa autoditada”, como se define,

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resume seus objetivos: “Não sonho em construir mais nada. Só quero divulgar o conhecimento”. O interesse pela leitura é herança do avô, comerciante de origem judaica que a ensinou a ler a Torá quando ela mal completara 10 anos de idade. “Lia em voz alta, mas entendia muito pouco. Gostava mesmo era de ouvi-lo contar

histórias.” Aos 14 anos, Ailde descobriu na biblioteca do avô um livro que mudaria sua vida, Zanoni, do escritor inglês Edward Bulwer-Lytton. A história que trata dos dilemas da alma e da busca pelo ideal tem como pano fundo os princípios da Ordem Rosa-Cruz, espécie de Maçonaria. Apesar da complexidade da narrativa, a adolescente encantou-se com seus mistérios e ainda hoje relê Zanoni com frequência. As dificuldades da infância não lhe permitiram ir além do 2º ano do ginásio, o equivalente à atual 6ª série do ensino fundamental. Aos 16 anos, ela arrumou um emprego de fiscal arrecadadora de pesca na cidade portuária de Paranaguá. Aos 18, após prestar um

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Ela se define como filósofa autodidata e resume: “Só quero divulgar conhecimento”

RENE MARCIO RUSCHEL

Tradição. Apaixonada pela Grécia Antiga, Ailde reativou a Colônia Pitagórica Clio, que abriga a biblioteca

concurso, foi nomeada agente da Caixa de Crédito da Pesca, ligada ao Ministério da Agricultura. “Fui a primeira e, por um bom tempo, a única mulher a ocupar uma função pública no município.” Em 1955, acabou transferida para a cidade paulista de Santos e conheceu o seu futuro marido, o auditor fiscal Expedito Costa Polari. Pelo amor, Ailde enfrentou o conservadorismo da sociedade à época. Ele tinha 20 anos a mais e quatro filhos de outro relacionamento. O casal ainda adotaria duas meninas, uma delas portadora de deficiência. A vida nômade do marido levou a família a Salvador, onde Ailde se especializou em educação especial para crianças deficientes no Instituto Pestalozzi. Não satisfeita, decidiu estudar filosofia ao

voltar para o Paraná em 1966. Ailde inscreveu-se no Instituto Neo-Pitagórico de Curitiba e empenhou-se na leitura dos clássicos gregos. Em 1972, o trabalho de Polari impôs uma nova mudança, desta vez para São Vicente, no litoral paulista. Na cidade, ela fundaria o Centro de Estudos Pitagóricos São Vicente e a Escola Experimental Pitágoras. Em 1996, após a morte do marido e a volta à pequena Antonina, a viúva Ailde decidiu reativar a Colônia Pitagórica Clio, fundada em 1923 em homenagem ao pensador grego. Empenhada em disseminar o hábito da leitura entre crianças e jovens, ela correu atrás de parceiros e doadores para montar uma biblioteca no vilarejo. Até hoje, 20 anos depois, continua a ser a única na cidade.

A biblioteca funciona na sede da Colônia Pitágoras, um edifício chamado de Templo das Musas e localizado no periférico bairro Batel. São aproximadamente 7 mil volumes à disposição dos mais de 2 mil alunos da rede pública e privada da região. Os livros só podem ser consultados in loco, pois a reposição, em caso de perda, é difícil. A única fonte de renda da fundação mantenedora vem das cópias na máquina de xerox. “Tentei fazer parcerias com o setor público, mas não tive sucesso”, lamenta. Ailde sonha em receber doações de editoras para ampliar o acervo de livros e temas. A vida da filósofa é regrada e simples. O avanço tecnológico não mudou seus hábitos. Ela prefere uma velha máquina de escrever ao computador. Pela manhã, dá expediente até as 11 horas. Almoça, lê e volta ao trabalho às 3 da tarde. A única funcionária é sua filha, que trabalha como voluntária no projeto. À noite, antes de dormir, ela lê mais um pouco. No primeiro domingo de cada mês, um grupo se reúne para discutir filosofia e política no instituto. “São temas intrínsecos e que fazem parte da nossa vida. Apesar de estarmos longe de Brasília, discutimos e debatemos o que se passa no País.” Com passos firmes, Ailde me acompanha até o portão. Na despedida, um conselho de quem acredita que o mundo pode ser melhor. “Nunca deixe de escrever, seja um bom educador e pratique a fraternidade.” A incansável filósofa fez sua parte. As futuras gerações de Antonina agradecem. • C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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EDITORIAL

Mino Carta

Isto não é jornalismo ► O comportamento

da mídia nativa é o sintoma mais preciso da decadência do Brasil

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ncomodavam-me, em outros tempos, os sorrisos do sambista e do futebolista. Edulcorados pela condescendência de quem se crê habilitado à arrogância. Superior, com um toque de irônica tolerância. Ou, por outra: um sorriso vaidoso e gabola.Agora me pergunto se ainda existem sambistas e futebolistas capazes daquele sorriso. Foi, aos meus olhos, por muito tempo, o sinal de desforra em relação ao resto do mundo, a afirmação de uma vantagem tida como indiscutível. Incomodou-me, explico, considerar que a vantagem do Brasil, enorme, está nos favores recebidos da natureza e atirados ao lixo pela chamada elite, que desmandou impunemente. Quanto ao sambista e ao futebolista, não estavam ali por acaso. Achavam-se os tais, e os senhores batiam palmas. Enxergavam neles os melhores intérpretes do País e no Carnaval uma festa para deslumbrar o mundo. O Brasil tinha outros méritos. Escritores, artistas, pensadores, respeitabilíssimos. Até políticos. Ocorre-me recordar a programação do quarto centenário de São Paulo, em 1954, representativa de uma metrópole de pouco mais de 2 milhões de habitantes e equipada para realizar um evento que durou o ano inteiro sem perder o brilho. Lembro momentos extraordinários, a partir da presença de telas de Caravaggio em uma exposição do barroco italiano apresentada no Ibirapuera recém-inaugurado, até um festival de cinema com a participação de delegações dos principais países produtores. A passar pela visita de William Faulkner

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disposto a trocar ideias com a inteligência nativa. Não prejudicaram a importância da presença do grande escritor noitadas em companhia de Errol Flynn encerradas ao menos uma vez pelo desabamento do primeiro Robin Hood de Hollywood na calçada do Hotel Esplanada. A imprensa servia à casa-grande, mas nela militavam profissionais de muita qualidade, nem sempre para relatar a verdade factual, habilitados, contudo, a lidar desenvoltos com o vernáculo. Outra São Paulo, outro Brasil. Este dos dias de hoje está nos antípodas, é o oposto daquele. A despeito da irritação que então me causava o sorriso do futebolista e do sambista, agora lamento a sua falta, tratava-se de titulares de talentos que se perderam. Vivemos tempos de incompetência desbordante, de irresponsabilidade, de irracionalidade. De decadência moral, de descalabro crescente. Falei em 1954: foi também o ano do suicídio de Getúlio Vargas, alvejado pelo ataque reacionário urdido contra quem dava os primeiros passos de uma industrialização capaz de gerar proletariado, ou seja, cidadãos conscientes de sua força, finalmente egressos da senzala. Não cabe, porém, comparar Carlos Lacerda com os golpistas atuais, alojados na mídia, grilos falantes dos barões, a serviço do ódio de classe. Lacerda foi mestre na categoria vilão, excelente de fala e de escrita. Os atuais tribunos de uma pretensa, grotesca aristocracia, são pobres-diabos a naufragar na mediocridade. Muitos deles, como Lacerda, começaram na vida adulta a se dizerem de esquerda, tal a única semelhança. Do meu lado, sempre temi quem parte da esquerda para acabar à direita. Os sintomas do desvario reinante multiplicam-se, dia a dia. Alguns me chamam atenção. Leio, debaixo de títulos retumbantes de primeira página, que o ex-mi-

Segundo a Folha, Lula carrega o triplex nas costas, igual a mochila

nistro Gilberto Carvalho admitiu ter recebido certo lobista. Veicula-se a notícia como revelação estarrecedora, e só nas pregas do texto informa-se que Carvalho convidou o visitante a procurar outra freguesia. De todo modo, vale perguntar: quantos lobistas passam por gabinetes ministeriais ao praticar simplesmente seu mister? Mesmo porque, como diria aquela personagem de Chico Anysio, advogado advoga, médico medica, lobista faz lobby. Outro indício, ainda mais grave, está na desesperada, obsessiva busca de envolver Lula em alguma mazela, qualquer uma serve. Tanto esforço é fenômeno único na história contemporânea de países civilizados e democráticos. Não é difícil entender que a casa-grande está apavorada com a possibilidade do retorno de Lula à Presidência em 2018, mesmo o mundo mineral percebe. Mas até onde vai a prepotência insana, ao desenrolar o enredo de um apartamento triplex à beira-mar que Lula não comprou? A quem interessa a história de um imóvel anônimo? Que tal falarmos dos iates, dos jatinhos, das fazendas, dos Rolls-Royce que o ex-presidente não possui? Este não é jornalismo. Falta o respeito à verdade factual e tudo é servido sob forma de acusação em falas e textos elaborados com transparente má-fé. Na forma e no conteúdo, a mídia nativa age como partido político. •

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A Semana

3.2.16

Escândalo/ A merenda de Capez O presidente da Assembleia paulista é acusado de embolsar propina

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M A R C I A YA M A M O T O , VA LT E R C A M P A N AT O / A B R E A L E X P A Z U E L L O / S E C O M

ma investigação do Ministério Público de São Paulo colocou expoentes do tucanato paulista na mira de um escândalo de desvios de recursos para a merenda de alunos da rede estadual. Segundo dirigentes da Cooperativa de Agricultura Orgânica Familiar (Coaf), de Bebedouro, interior do estado, Fernando Capez (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa paulista, e Duarte Nogueira, secretário de Logísticas e Transporte do governo Alckmin, receberam 10% de comissão por conta de um

contrato de 13 milhões de reais de venda de suco de laranja da Coaf para a Secretaria de Educação. Capez era conhecido entre os dirigentes da cooperativa como “nosso amigo”. Além dos dois, foram citados Luiz Roberto dos Santos, conhecido como “Moita”, foi chefe de gabinete da Casa Civil do governo Alckmin e braço direito do secretário Edson Aparecido; Baleia Rossi (PMDB) e Nelson Marquezeli (PTB), ambos deputados federais, e Luiz Carlos Gondim (SD), deputado estadual. Os citados negam participação no esquema.

Agnelo Queiroz inelegível

Feroz investigador no passado, acuado investigado no presente

O petista Agnelo Queiroz, ex-governador do Distrito Federal, foi considerado inelegível por oito anos pelo Tribunal Regional Eleitoral na quarta-feira 27. Por unanimidade, a Justiça Eleitoral entendeu que Queiroz e seu vice, Tadeu Filippelli, utilizaram publicidade do governo para favorecer a frustrada campanha da chapa à reeleição em 2014. Embora algumas denúncias possam ter fundamento, uma delas é descabida: a cor vermelha escolhida para os assentos do Estádio Mané Garrincha seria uma propaganda velada ao PT. Ainda cabe recurso da decisão.

Amazonas/ MELO POR UM FIO O TRE CASSA O MANDATO DO GOVERNADOR POR COMPRA DE VOTO O Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas cassou na segunda-feira 25 o mandato do governador José Melo, filiado ao Pros, e do vice Henrique Oliveira, do Solidariedade, por compra de votos e uso irregular da Polícia Militar na eleição de 2014. Não se sabe quando ele seria afastado do cargo. Melo tende a recorrer da decisão no TSE, o que adiaria sua saída. A reforma

eleitoral aprovada no ano passado no Congresso e sancionada por Dilma Rousseff definiu que, em casos de cassação, eventuais recursos passam a ter efeito suspensivo da decisão anterior. O governador declara-se inocente. “Não pratiquei, não patrocinei nem me aproveitei de ato ilícito”, afirmou em nota.

A ação no TRE foi movida pela coligação do candidato derrotado, o peemedebista Eduardo Braga, atual ministro de Minas e Energia. Por conta da possibilidade de recurso, o tribunal não definiu se e quando ocorreriam novas eleições. Ou se Braga, o segundo colocado na disputa de 2014, assumiria o cargo.

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A Semana Brasil/ Como

financiar um almofadinha

O jogador Neymar e seu pai foram condenados a pagar 460 mil reais à Receita Federal por conta de dívidas fiscais referentes a 2007 e 2008, quando o atleta jogava pelo Santos. À época, Neymar recebia boa parte do salário como direito de imagem, sobre o qual não incide o Imposto de Renda. Os valores foram depositados pela dupla em conta extrajudicial em 2012, quando ambos foram autuados pelo órgão. Em 2014, pai e filho tentaram anular a cobrança e recuperar o dinheiro, mas o pedido foi negado em 15 de janeiro deste ano.

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O privatista João Dória Jr. não resiste a uma verba pública

J

oão Doria Jr. é o típico liberal brasileiro. Exalta as virtudes da concorrência, da livre iniciativa, do empreendimento privado... Desde que aplicadas aos outros. Entende-se: sem o apoio estatal seria impossível manter o estoque de gravatas amarelas, os pulôveres cuidadosamente repousados nos ombros, as impecáveis camisas Lacoste e os mocassins sempre lustrados. Visual coxinha by Estado. São fartas as informações a respeito do avanço do self-made man sobre o dinheiro público: os vultosos anúncios do governo paulista em suas obscuras revistas, a constante mendicância de sua mulher, Bia, dita artista plástica, por subsídios via Lei Rouanet, a pressão por cotas de patrocínios federais a convescotes irrelevantes (um deles reuniu brasileiros em Miami para promover o Brasil). Acrescentem-se à lista os “investimentos” ao longo do ano passado da Apex, agência de incentivo à exportação ligada ao Ministério do Desenvolvimento, no valor de 950 mil reais. David Barioni, presidente da agência, é amigo de Doria. Um dos eventos apoiados pela Apex, realizado em Nova York, tinha o objetivo de bajular o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e falar mal do Brasil. Faz sentido. Pré-candidato à prefeitura de São Paulo

pelo PSDB, Doria é entusiasta da extinção do PT e da prisão do ex-presidente Lula. Esse viés nunca impediu governos petistas de engordar os cofres e cevar o prestígio do organizador de eventos. Ministros de Lula e Dilma eram entusiasmados frequentadores do famoso fórum de Comandatuba, o que atraía lobistas de todos os tipos. Não era raro encontrar uma ou mais estatais entre os patrocinadores. Trata-se de um velho complexo petista. Apesar de a realidade diariamente provar o contrário, os dirigentes do partido mantêm a esperança de serem aceitos pela casa-grande. Doria fatura alto com a baixa autoestima do PT. Não é o único.

L L U I S G E N E / A F P, J F D I O R I O / E S T A D Ã O C O N T E Ú D O , S T E P H A N E D E S A K U T I N / A F P E D O M I N I Q U E F A G E T / A F P

Neymar não dribla a Receita Federal

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Uma corrida de zebras

Hollande e Rohani: sem vinho, mas com afeto

Irã / Aberto para negócios L L U I S G E N E / A F P, J F D I O R I O / E S T A D Ã O C O N T E Ú D O , S T E P H A N E D E S A K U T I N / A F P E D O M I N I Q U E F A G E T / A F P

Rohani é adulado na primeira visita de um líder iraniano à Europa em 16 anos

T

ratado no Ocidente como pária internacional até duas semanas atrás, o governo de Teerã subitamente passou a ser cortejado. Roma e Paris estenderam ao presidente Hassan Rohani o tapete vermelho. Com o fim das sanções, aproveitam a disposição do Irã de oferecer descontos no petróleo para recuperar os clientes perdidos para os sauditas e comprar tecnologia cara, incluídos 114 aviões Airbus e um contrato de 5 bilhões de euros com a italiana Saipem, para

modernizar as refinarias iranianas. Também o papa recebeu Rohani em um encontro histórico e pediu a colaboração de Teerã com a pacificação do Oriente Médio. A Itália se dispôs até a cobrir os nus greco-romanos dos Museus Capitolinos para a visita. Rohani não deve ser tão pudico, mas sua foto ao lado da Vênus Capitolina, digamos, poderia ser usada contra ele por adversários internos radicais. Mas a França recusou-se a servir um banquete sem vinho e preferiu cancelá-lo. Alguns valores são mais sagrados do que outros.

Há um ano soaria como piada. As mais recentes pesquisas da CNN indicam, porém, que as duas primeiras eleições primárias da campanha presidencial estadunidense de 2016, em Iowa e New Hampshire, serão vencidas por Bernie Sanders no campo democrata e Donald Trump entre os republicanos. Desses resultados hoje prováveis à conquista da maioria dos delegados e da candidatura de cada partido vai uma longa distância, mas a possibilidade deve resultar em muitas unhas roídas, não só nas máquinas partidárias e políticos de carreira, como nas elites industriais e financeiras. Tanto Sanders, primeiro socialista de expressão nacional desde 1926, quanto Trump, populista de direita hostil à globalização e ao livre-comércio, desafiam o consenso neoliberal construído desde a era Reagan.

França/ O DIA DO NÃO FICO MINISTRA DA JUSTIÇA RENUNCIA EM PROTESTO CONTRA O AUTORITARISMO DE HOLLANDE Na quarta-feira 27, dia da apresentação ao Parlamento francês de emendas para cassar a nacionalidade de condenados por terrorismo e ampliar o estado de emergência, a ministra da Justiça, Christiane Taubira, anunciou sua demissão do cargo: “Por vezes, resistir é ficar; por vezes, resistir é partir. Por fidelidade a si mesma e aos demais”. Taubira

resistiu às pressões racistas e machistas da direita e à campanha contra o casamento homossexual que ela fez aprovar, mas partiu ante a virada autoritária do socialista François Hollande e de seu premier Manuel Valls após os atentados de Paris. Foi substituída por Jean-Jacques Urvoas, adepto de Valls e responsável por leis que

ampliaram os poderes do serviço de inteligência contra a vontade de Taubira. A ex-ministra guianense, ex-candidata presidencial do Partido Radical de Esquerda em 2002, é popular e pode se apresentar em 2017 pela Frente de Esquerda e pelos Verdes como alternativa ao cada vez mais descaracterizado Partido Socialista Francês.

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R EPORTAGEM DE CA PA

E HAJA MOSQUITOS

COM EPICENTRO NO BRASIL, O ZIKA AMEAÇA TORNAR-SE EPIDEMIA GLOBAL GRAÇAS TAMBÉM AO DESCASO DE QUEM HAVERIA DE CUIDAR DA SAÚDE PÚBLICA

esde o início do século passado, o Aedes aegypti representa uma grave ameaça à saúde do Brasil. À época, o mosquito era o principal responsável pela transmissão da febre amarela, só controlada após a operação de guerra comandada pelo sanitarista Oswaldo Cruz. O vetor foi erradicado em 1955, mas o relaxamento das medidas de prevenção permitiu o seu retorno poucos anos depois. Em meados dos anos 1980, ele voltaria ao protagonismo ao difundir a dengue pelo território nacional. Desde então, as infrutíferas campanhas governamentais, focadas em apelos à população para eliminar os criadouros domésticos do inseto, jamais conseguiram impedir a repetição de surtos. A fatura de três décadas de descaso é elevada. Em 2015, um novo recorde: 1,6 milhão de

infectados por dengue. Polivalente, o mosquito passou a transmitir a febre chikungunya e, agora, encarrega-se de dar carona ao sexagenário, mas ainda pouco conhecido, zika. Até o momento, o Ministério da Saúde confirmou o diagnóstico de 270 bebês com microcefalia ou malformação do cérebro, seis deles por exposição comprovada ao vírus. Outros 3.448 casos seguem sob investigação. Em estado de alerta, a Organização Mundial da Saúde estima que o zika pode atingir entre 3 milhões e 4 milhões de habitantes das Américas, onde se espalha por vários países. Epicentro da epidemia, o 14

No Brasil, foram confirmados 270 casos de malformação do cérebro. Outros 3.448 estão sob investigação. E a doença já alcança 23 países

Brasil deve concentrar 1,5 milhão de infectados. A doença tem grandes chances de se alastrar por outros continentes. “O zika irá onde o mosquito estiver”, afirma Marcos Espinal, diretor do departamento de doenças transmissíveis da Organização Pan-Americana de Saúde. Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido, Alemanha e o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças emitiram alertas para gestantes evitarem viagens ao Brasil. Uma das 23 nações atingidas pela epi-

U E S L E I M A R C E L I N O / R E U T E R S / L AT I N S T O C K , L A L O D E A L M E I D A / F O L H A P R E S S E VA LT E R C A M PA N AT O /A B R

D

POR RODR IGO M A RTINS

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Canos de esgoto despejam seu conteúdo no riacho que margeia a favela paulistana, enquanto o ministro reconhece: "Perdemos feio a batalha"

demia, El Salvador decidiu recomendar à população que adie os planos de procriar até 2018. O governo da Colômbia emitiu alerta após a confirmação de 13,8 mil infectados pelo vírus. As autoridades estimam que ao menos 500 crianças colombianas devam nascer com microcefalia. Ao tomar conhecimento de um estudo que revela a presença do Aedes aegypti em regiões populosas dos EUA, o presidente Barack Obama enfatizou a necessidade de dar celeridade às pesquisas para vacinas e tratamentos. O zika foi descoberto acidentalmente em 1947, durante um estudo com macacos sobre o ciclo silvestre da febre amarela desenvolvido em Uganda, na África. Cinco anos mais tarde surgiram os primeiros relatos de humanos infectados, mas a comunidade científica deu pouca importância, relata o infectologista Rivaldo Venâncio, diretor da Fiocruz em Mato Grosso do Sul (entrevista à pág. 18). Eram casos em comunidades rurais pouco habitadas da África e do Sudeste Asiático, e os pacientes apresentavam quadros clínicos menos graves. Febre, manchas vermelhas pelo corpo, coceira e dor nas articulações, sintomas que desapareciam em poucos dias. Somente após epidemias registradas em ilhas do Pacífico a partir de 2007 é que o zika recebeu maior atenção. C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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R EPORTAGEM DE CA PA

MUITO ALÉM DOS QUINTAIS DOMÉSTICOS

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82,5 15,4

34,7

29,5 35,8

2,1

REGIÃO NORTE

Armazenamento de água Depósito Domiciliar Lixo

REGIÃO SUL Fonte: LIRAa Nacional 2015/MS

O TERROR DAS GESTANTES

SEM CONTROLE

Casos de microcefalia e/ou malformações* 1.649.008

589.107

1.452.489

589.591

764.032

1.011.548

406.269

632.680

496.923

Casos de dengue no Brasil

258.680

17,1

REGIÃO SUDESTE

EM INVESTIGAÇÃO CONFIRMADOS DESCARTADOS Nordeste

2.984

Sudeste

268

355 39

200

1

Norte

82

0

12

Centro-Oeste

180

0

47

2

1

9

3.448

270

462

Sul BRASIL

Fonte: SES/Sinan

*até 23/1/2016 Fonte: Ministério da Saúde

o feto. “Recebemos a amostra de uma paciente do Nordeste, que sofreu aborto entre a oitava e a nona semana de gestação, perto de 15 dias após manifestar sintomas de zika”, explica Noronha. Ela conduziu a análise morfológica que identificou uma inflamação na placenta, por onde o vírus teria acesso ao feto. Sua colega encarregou-se de realizar os testes de RNA viral, que confirmaram a presença do zika. “Es-

tamos diante de uma ameaça muito grave. O Brasil é uma nação continental, com clima propício à multiplicação do vetor, além de ter uma população jovem, com muitas mulheres em idade fértil. Corremos o risco de ter um contingente enorme de crianças com malformação, a um custo social e econômico gigantesco.” Na melhor das hipóteses, uma vacina eficaz contra o zika levará três anos para

EDILSON RODRIGUES/AG. SENADO E P I L A R O L I VA R E S / R E U T E R S / L AT I N S T O C K

17,6

REGIÃO CENTRO - OESTE

33,2 49,2

30,9

52

36,4 31,1

32,5

REGIÃO NORDESTE

147.039

O

virologista Gúbio Soares Campos, da Universidade Federal da Bahia, teve a primazia de identificar a nova ameaça carregada pelo Aedes. Pouco depois, outra pesquisa revelou que sete brasileiros diagnosticados com Guillain-Barré haviam sido infectados anteriormente pelo zika. Enquanto isso, um surto de microcefalia assombrava a população do Nordeste. Apenas em novembro o Instituto Evandro Chagas, de Belém, confirmou a relação do fenômeno com o zika, ao encontrar o vírus em amostras de sangue e tecidos de um bebê nascido com malformação. Mais recentemente, a virologista Cláudia Duarte, do Instituto Carlos Chagas, e a patologista Lúcia Noronha, da PUC do Paraná, comprovaram que o vírus é capaz de romper a barreira placentária e atingir

Os depósitos predominantes das larvas do Aedes aegypti

20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15

À época, descobriu-se que menos de um quarto dos infectados apresentava sintomas da doença. Desses, uma pequena parcela também desenvolvia a síndrome de Guillain-Barré, assim chamada por ter sido descrita pelos médicos franceses Georges Guillain e Jean-Alexandre Barré em 1859. Tal moléstia leva o sistema imunológico a atacar tecidos nervosos por engano. Em casos leves, a síndrome provoca alterações na sensibilidade e nos movimentos dos membros inferiores. Nos mais agressivos, compromete o funcionamento do aparelho excretor, da musculatura respiratória e pode levar o paciente à morte. Uma das facetas mais cruéis do zika só emergiu após aportar no Brasil. O Ministério da Saúde confirmou a circulação do vírus apenas em 15 de maio de 2015, mas médicos e especialistas já suspeitavam da presença do novo vírus desde o fim do ano anterior, quando se multiplicaram em estados do Nordeste os diagnósticos de uma “dengue atípica”, na qual as manchas vermelhas pelo corpo apareciam mais cedo, acompanhadas de coceira e uma febre menos intensa.

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Os lixões também são depósitos de larvas. Mas o governo insiste na espetacularização do combate e nos apelos à população

O Planalto mantém a aposta em uma mobilização nacional contra o vetor, com apelos à população para eliminar os focos de água parada, onde o Aedes se reproduz. Tem sido cada vez mais difícil, porém, levar a sério as recomendações do ministro da Saúde, Marcelo Castro, médico psiquiatra, deputado licenciado pelo PMDB e notório colecionador de gafes. Há poucas semanas, o ministro disse “torcer” para que mulheres fossem infectadas pelo zika antes do período fértil, como forma de ganhar imunidade enquanto a vacina não está disponível. Em outra ocasião, observou que as mulheres estão mais vulneráveis por ficarem de “perna de fora”, e prescreveu o uso de calças. Mais recentemente, suas declarações voltaram a causar rebuliço. Desta vez, pelo excesso de sinceridade: “Estamos há três décadas com o mosquito aqui no Brasil e estamos perdendo feio a batalha”.

EDILSON RODRIGUES/AG. SENADO E P I L A R O L I VA R E S / R E U T E R S / L AT I N S T O C K

N ser desenvolvida, estima Jorge Kalil, diretor do Instituto Butantan. "Em vias normais, com algum atraso que possamos ter, falamos em cinco anos. Isso em termos bastante rápidos”, diz. Diante do tormentoso cenário, o governo decidiu mobilizar 220 mil militares para auxiliar os agentes de endemias no combate aos criadouros do Aedes aegypti. Dilma Rousseff já havia aprovado, em 15 de janeiro, um or-

çamento adicional de 500 milhões de reais para o combate ao mosquito. Somados aos recursos já previstos, o gasto pode chegar a 1,87 bilhão em 2016. Durante a reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), realizada em Quito na quarta-feira 27, a presidenta propôs aos países-membros uma ação de cooperação no enfrentamento à ameaça do vírus zika.

ão há como contestar o ministro nesse ponto. Há tempos o Brasil esmera-se em enxugar gelo. Quando o número de infecções por dengue dispara, intensificam-se as ações de combate ao mosquito. As notificações recuam, as medidas de prevenção são afrouxadas, e os surtos voltam a ocorrer com força total (gráfico à pág. 16). Para o sanitarista José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde de Lula e atual diretor do Isags, braço de saúde da Unasul, a estratégia focada na mobilização popular atingiu o limite. “Quem trabalha oito horas por dia perde de duas a quatro horas no trajeto entre a casa e o serviço, e ainda tem que cuidar dos filhos quando retorna ao lar, e não tem tempo para vistoriar todo dia o quintal de sua casa”, observa. “O Brasil precisa atacar seus problemas estruturais, universalizar o acesso à água tratada, coletar e dar destinação adequada ao lixo, expandir a

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R EPORTAGEM DE CA PA

oferta de saneamento básico. Sem isso, o alcance dessas campanhas de conscientização será sempre limitado.”

D

ados do Levantamento Rápido do Aedes aegypti, divulgados pelo governo federal em novembro de 2015, corroboram a argumentação de Temporão. No Nordeste, 82% dos depósitos de larvas de mosquito foram encontrados em reservatórios de água, boa parte deles improvisada para driblar os problemas de abastecimento. O lixo é o depósito predominante nas regiões Sul (49,2%) e Norte (35,8%). Somente no Sudeste, os domicílios correspondem a mais da metade dos focos de reprodução do vetor.

Em dez anos, a geração de resíduos sólidos no Brasil aumentou 29%, porcentual cinco vezes superior à taxa de crescimento populacional verificada no período, revela uma pesquisa da Abrelpe, a associação nacional das empresas de limpeza pública. Segundo o estudo, 20 milhões de brasileiros não dispõem de coleta regular de lixo. Além disso, dos 78,6 milhões de toneladas de resíduos gerados no País em 2014, 41% tiveram como destinação final lixões e aterros

Lúcia Noronha mostrou que o vírus atravessa a placenta. Temporão avisa: "O Brasil precisa enfrentar os seus problemas estruturais"

o mesmo. Esse novo agente foi batizado com o nome da floresta onde esse macaco vivia, Zika Forest. Em 1952, surgiram os primeiros relatos de humanos infectados.

ENTR EV ISTA

AS PREVISÕES SOMBRIAS DO DR. VENÂNCIO

C

om o atual ritmo de expansão, o Brasil pode acumular 15 mil casos de microcefalia até o fim de 2016, estima o infectologista Rivaldo Venâncio, diretor da Fiocruz em Mato Grosso do Sul. Além disso, alerta o especialista, há numerosos casos de bebês expostos ao zika que nascem com cérebro de tamanho normal, mas depois apresentam alterações congênitas, como problemas oculares e auditivos. “Estamos diante de uma epidemia de zika congênita, de mãe para o filho, cuja expressão de maior gravidade é a microcefalia, mas que não é a única e talvez não seja a mais frequente.” Confira a íntegra da entrevista em www.cartacapital.com.br.

CartaCapital: Quando o vírus

foi descoberto?

Rivaldo Venâncio: Em 1947, um grupo iniciou uma pesquisa com macacos em Uganda, na África, para estudar o ciclo silvestre da febre amarela. Um dos animais apresentou 18

sintomas da doença e, para surpresa dos pesquisadores, as amostras de sangue indicaram a presença de um vírus desconhecido, um pouco parecido do ponto de vista genético com aquele da febre amarela ou da dengue, mas que não era

infectados não apresentavam sintomas. Entre 2013 e 2014, houve uma grande epidemia de zika na Polinésia Francesa. Foram notificados perto de 8,5 mil casos. Quando se ponderam as subnotificações, esCC: Por que se sabe tão poutima-se um total de 25 mil caco a respeito do zika? sos, quase 10% da população RV: Por décadas, o vírus ficou local. Surgiram então as prirestrito a comunidades rurais da África e do Sudeste Asiático, meiras evidências de complicações neurológicas causadas além de não apresentar quadros clínicos severos. O pacien- pelo zika, a exemplo da síndrome de Guillain-Barré, doença te tinha um pouco de febre, às vezes nem isso, vermelhidão no autoimune que costuma trazer alterações na sensibilidade corpo, coceira, dores nas artie na movimentação dos memculações. Pouco depois os sinbros inferiores. tomas desapareciam. Apenas em 2007, quando houve um CC: Quando o vírus chegou surto de zika nas Ilhas Yap, na ao Brasil? Micronésia, a doença passou RV: No fim de 2014, verificoua ser mais estudada, até por-se no Nordeste, em especial no que essa região do Pacífico tem Rio Grande do Norte, a ocormuitas conexões com a Europa. rência de muitos casos de “dengue” com características difeCC: O que se descobriu à rentes daquelas que conhecíaépoca? mos. Logo de início, os pacienRV: Um desses estudos concluiu que entre 75% e 80% dos tes apresentavam manchas

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Diante da presença do Aedes em regiões populosas dos EUA, Obama enfatiza a urgência de desenvolver uma vacina

controlados, locais considerados inadequados por oferecer riscos à saúde e ao meio ambiente.

vermelhas no corpo, que coçavam muito, mas sem as dores acentuadas da dengue ou o febrão característico. Em abril de 2015, Gúbio Soares Campos, virologista da Universidade Federal da Bahia, identificou o zika. Pouco depois, surgiram os primeiros casos de associação de Guillain-Barré com o vírus. Então emergiram os casos de microcefalia. As mães relatavam quase sempre a mesma história: durante a gestação, manifestaram sintomas do zika. As suspeitas dessa correlação só cresceram, até os laboratórios começarem a confirmar o diagnóstico de zika em mulheres grávidas cujos bebês estavam com microcefalia. CC: Uma pesquisa do

Instituto Carlos Chagas confirmou que o vírus zika é capaz de ultrapassar a

barreira placentária...

RV: Sim, é mais uma evi-

dência. Não sabemos se o zika sofreu alguma modificação genética ao longo dos anos ou se o fato de emergir num país com grande incidência de dengue teve alguma influência. Mas não tenho dúvidas de que a microcefalia está diretamente associada ao vírus. E insisto em um ponto: não estamos diante de uma epidemia de microcefalia causada pelo zika. Estamos diante de uma epidemia de zika congênita, de mãe para o filho, cuja expressão de maior gravidade é a microcefalia, mas que não é a única e talvez não seja a mais frequente.

CC: Que outras consequências o zika pode causar aos bebês? RV: Temos observado com

preocupação numerosos

casos de crianças que nascem com o cérebro de tamanho normal, mas depois apresentam alterações congênitas, como problemas oculares, inclusive cataratas, ou problemas auditivos, alguns chegando à surdez. Há ainda casos de microcalcificação no fígado, no coração, no cérebro, que certamente terão repercussões para o desenvolvimento neuropsicomotor dessa criança. Pelo ritmo de expansão das notificações, devemos acumular 15 mil casos de microcefalia até o fim de 2016, número que pode ser até maior, se levarmos em conta que 87% dos casos estão concentrados no Nordeste. Mas não convém colocar uma lupa nos casos de microcefalia e ignorar as evidências de crianças que podem desenvolver outros tipos de sequelas.

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J U L I O C O V E L L O, C A S A B R A N C A , P E T E R I L I C C I E V E VA LT E R C A M PA N AT O /A B R

A

o menos 30 milhões de brasileiros permanecem sem acesso à água tratada e mais da metade da população não tem o esgoto coletado. O Brasil tem a meta de universalizar esses serviços até 2033, mas com o atual ritmo de expansão, isso só deve ocorrer a partir de 2050, revela uma recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria. “A falta de saneamento e água tratada costuma ser associada a verminoses, leptospirose, hepatite e dermatites, mas é inegável que também contribui para proliferação do Aedes”, diz Édson Carlos, do Instituto Trata Brasil. “As pessoas só usam caixas-d’água ou reservatórios improvisados quando não têm acesso à oferta segura e regular de água tratada. Não por acaso a população de São Paulo correu atrás dessas soluções no ano passado, em meio à crise hídrica. Os municípios também são negligentes na drenagem de água da chuva. Para evitar enchentes, muitas cidades recorrem aos piscinões, mas depois aquela água toda permanece lá, parada por dias.” Para Venâncio, da Fiocruz, é indispensável rever as estratégias de combate ao Aedes, levando em conta os problemas estruturais do País. “Nos últimos 30 anos, lançamos mão de uma metodologia para resolver um problema que não está dando certo. Essa metodologia foi ótima na época do Oswaldo Cruz, mas para o Brasil atual não dá mais certo. Temos de ter humildade para admitir isso”, afirma. “O esvaziamento do campo criou essas regiões metropolitanas gigantescas, que cresceram nos últimos 50 anos de forma absolutamente desordenada. Então, criamos um país essencialmente urbano, sem as condições para uma convivência minimamente amigável desse cidadão com o meio ambiente que o cerca.” • 19

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Seu País

Aberta ao diálogo

PODER Dilma Rousseff tenta sair da defensiva, relança o chamado

Conselhão e anuncia medidas de estímulo ao crédito

C

onfirmada a reeleição na noite de 26 de outubro de 2014, Dilma Rousseff deixou o Palácio da Alvorada e dirigiu-se a um hotel nas proximidades para fazer um pronunciamento à nação. No discurso, prometeu ser uma governante “muito melhor” e declarou-se

20

“mais madura e serena”. Depois de uma campanha desgastante e violenta e de uma vitória apertada nas urnas, Dilma fez um gesto de conciliação: “Esta presidenta aqui está disposta ao diálogo. E é este o meu primeiro compromisso do segundo mandato, diálogo”. A promessa durou pouco. Ao longo de 2015, a petista manteve a

predileção pelo monólogo, viu-se acuada pela virulência da oposição e pela falta de apoio no Congresso, e amargou os piores índices de popularidade de um mandatário em mais de duas décadas. Com os eleitores impacientes e o Brasil mergulhado em uma crise econômica sem precedentes, dialogar deixou de ser uma promes-

LU L A M A RQU ES/AGÊNCIA P T

POR ANDRÉ BARROCAL

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TAMBÉM NESTA SEÇÃO

LU L A M A RQU ES/AGÊNCIA P T

Mensagens. Barbosa, ao lado de Dilma e Wagner, anunciou novas medidas. Trabuco: todos perdem com a recessão

sa. É, antes de tudo, uma necessidade. Órgão de consulta da Presidência, símbolo da abertura do Palácio do Planalto ao diálogo com a sociedade, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social despertou de um sono profundo de 18 meses. Formado por quase uma centena de acadêmicos, sindicalistas, empresários e personalidades, o chamado “Conselhão” voltou à ativa na quinta-feira 28, em uma reunião com Dilma e vários ministros, para debater meios de retomar o crescimento da economia. Outros três encontros devem ocorrer até o fim do ano, uma tradição na gestão Lula abandonada pela sucessora. Na tentativa de injetar algum ânimo nos conselheiros e, por tabela, no País, o

ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, anunciou uma medida na contramão do ajuste fiscal. O governo pretende reforçar o crédito público em 83 bilhões de reais, montante destinado às micro e pequenas empresas, exportadores, habitação, agricultura e infraestrutura. Do total, 66 bilhões estão disponíveis via BNDES, Banco do Brasil e por meio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Os outros 17 bilhões dependem de aval parlamentar ao uso de parte do FGTS como garantia em empréstimos consignados. “É um anúncio extremamente positivo para as empresas decidirem seus inves-

O governo vai ofertar 83 bilhões de reais em financiamento público

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Futebol. A Primeira Liga vaza a defesa da CBF e inicia seu primeiro torneio

timentos”, disse Luiz Moan, presidente da associação das montadoras, a Anfavea. Os empresários andam apreensivos e cobram do governo medidas que apontem um rumo da economia. No encontro anual da elite financeira global em Davos, Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, disse que “não podemos ter um governo unicamente em cima do ajuste fiscal”. Uma semana depois, no Conselhão, Trabuco, escolhido pessoalmente por Dilma para discursar no encontro, foi taxativo: “Na recessão, todo mundo perde”. E que recessão. Pelas previsões, o PIB brasileiro neste ano deve repetir o desastre de 2015 e recuar ao menos 3%. Entre os trabalhadores, nota-se a mesma apreensão. No ano passado, foram fechadas 1,5 milhão de vagas com carteira assinada. A taxa de desemprego encerrou dezembro em 6,9%, maior nível desde 2007. O número total de empregados com carteira assinada no setor privado caiu pela primeira vez nas estatísticas do IBGE, enquanto a renda estagnou. “2016 será um ano ruim, pior que 2015”, avalia Clemente Ganz Lucio, integrante do Conselho e diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Há sérios constrangimentos ao crescimento, há escolhas que precisam ser feitas e o conselho é um espaço privilegiado para tanto.” O Conselhão já legou boas ideias ao País. O empréstimo com desconto no contracheque surgiu em 2003, após conversas entre os presidentes à época do Bradesco, Márcio Cypriano, e da CUT, Luiz Marinho. A isenção de cobrança de IPI na venda de geladeiras depois da crise financeira global de 2008 também nasceu nos grupos temáticos do Conselho, que nada tem de jabuticaba. Existe uma associação internacional de conselhos, a Aicesis, com 75 sócios e atualmente presidida pelo Brasil. C A R T A C A P I T A L ­— 3 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 6

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Houve no Planalto quem tenha ficado com a impressão de que novos e velhos conselheiros aceitaram a função não por qualquer tipo de apoio ao governo, mas por uma sensação de que o País vai muito mal e precisa imediatamente mudar de rota. Percebeu-se mais: talvez este seja o último gesto de boa vontade com a presidenta. Com a nova composição, válida por dois anos, o Conselhão experimenta a maior taxa de renovação (70%), ganha duas cadeiras (subiu a 92) e reduz o domínio patronal (de 60% para 51%). Buscou-se uma feição mais plural e moderna. É a razão da inédita inclusão do presidente do Google, Fabio Coelho, que vê “nos desafios atuais uma ótima oportunidade para reforçar a importância cada vez maior da economia digital, do empreendedorismo e da inovação para o futuro do Brasil”. Da indicação da presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria Oliveira, para quem “a situação política e econô22

O conselho ganhou duas novas vagas e tornou-se mais diverso

mica do País é muito difícil, mas tudo tem jeito”. Do ator Wagner Moura, embaixador da Organização Internacional do Trabalho contra o trabalho escravo. Do neurocientista Miguel Nicolelis. E do escritor Fernando Morais, entre outros. A remontagem do Conselho produziu cenas curiosas. Um emissário do presidente de uma das quatro maiores operadoras de celular do País procurou o Planalto, interessado em ser convidado ao ouvir rumores de que um concor-

rente seria incluído. Nenhum dos dois integra a lista. Conselheiro no tempo de hibernação, Nelson Silva, da petroleira BG, brincou com a falta de sorte, ao saber de sua não recondução: “Bem agora que parece que ele vai funcionar”. Gente envolvida na Operação Lava Jato também perdeu a vaga, casos de Marcelo Odebrecht e José Carlos Bumlai. O renascer do Conselho resulta em boa medida da troca de comando na Casa Civil, órgão ao qual se vincula. Dono de uma personalidade parecida com aquela de Dilma, o ex-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante reforçou certos traços da presidenta, entre eles a pouca disposição para o diálogo. Consta que integrantes e dirigentes do Conselho tentaram driblar a inatividade em 2015, com ações independentes da agenda da mandatária, mas foram impedidos por Mercadante. A orientação, segundo o ministro, era não tomar nenhuma iniciativa.

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Há poucos dias, o presidente da França, François Hollande, reuniu seus conselheiros, apontou um estado de emergência na economia e lançou um plano de 2 bilhões de euros contra o desemprego. No retorno da versão brasileira, Dilma não falou em emergência econômica, mas passou perto, ao pedir uma reflexão “sobre a excepcionalidade do momento” e apoio à aprovação da CPMF pelo Congresso. Segundo ela, ampliar a arrecadação é “imprescindível” para o êxito das medidas de recuperação do PIB. Em troca do imposto, mais uma vez acenou com uma reforma da Previdência. Uma proposta que exigirá “muito diálogo, paciência e tempo” e que causa arrepios nos sindicalistas. “Foi muito importante a volta do Conselho, o País precisa de um mínimo de ânimo, mas a reforma da Previdência é um tema delicado e este não é o melhor fórum para debatê-la”, afirmou Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros.

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Jaques Wagner convenceu Dilma a ressuscitar o Conselho tão logo substituiu Mercadante no posto, em outubro passado. Questão de estilo e de cálculo. Formado na escola da vida sindical, Wagner acredita no poder das negociações. De 2004 a 2005, foi ministro-chefe do Conselhão e constatou sua utilidade como ponte com a sociedade. Com Dilma e seu governo criticados pelo autismo, o palco talvez sirva para diminuir a tensão nas relações com a sociedade civil, pensa o ministro. De quebra, Wagner terá um canal direto com a elite econômica e intelectual brasileira. Nada mau para quem sonha em disputar a sucessão de Dilma pelo PT em 2018, caso Lula não concorra. O chefe da Casa Civil fez questão de convidar pessoalmente alguns dos novos conselheiros. E sofreu até a véspera para acertar com Dilma a lista dos nomeados. Depois do empenho, corre o risco de perder a cria. De forma inespe-

Vertentes. Os novatos Fernando Morais, Creuza Oliveira e Fábio Coelho e a veterana Tânia Bacelar

rada, a presidenta avalia empossar no comando do Conselho o ex-presidente do PCdoB Renato Rabelo, não se sabe se subordinado a Wagner. Teria sido um pedido da atual presidenta do partido, Luciana Santos. Uma história sem desfecho até a quinta 28. No Congresso, há outra tentativa de tirar a guarda do Conselhão da Casa Civil e passá-la à Secretaria de Governo, sob os cuidados de Ricardo Berzoini. A proposta consta do parecer do senador Donizetti Nogueira, do PT do Tocantins, sobre a Medida Provisória 696, que extingue ministérios. Nogueira é suplente de Kátia Abreu, a ministra da Agricultura amiga de Dilma. Diz achar mais ade-

quado o órgão consultivo se subordinar à Secretaria de Governo, mas toparia rever sua posição caso alguém peça. Se a volta do Conselho é para valer e se o grupo terá mesmo voz nas decisões presidenciais, só o tempo dirá. Desde a criação do grupo, sua presença na vida nacional nunca foi, porém, tão necessária, na avaliação de uma veterana, a economista e socióloga Tânia Bacelar, que se tornou conselheira em 2004. “Vivemos um clima de muita intolerância, ali a gente aprende a dialogar, a ver o outro com interesse”, diz a professora da Universidade Federal de Pernambuco. “Dilma fez muita coisa sozinha. Tem apanhado tanto, que talvez tenha resolvido ouvir. Vale a pena acreditar e pagar para ver.” • C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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A retranca da CBF não resiste

FUTEBOL Independente, a Primeira Liga estreia

em meio a uma intensa disputa de bastidores POR MIGUEL MARTINS

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ob pressão da Confederação Brasileira de Futebol por sua interrupção, a Primeira Liga teve seu início na quarta-feira 27 com bons jogos e públicos razoáveis, mas com futuro ainda incerto. Integrada pelos principais times da Região Sul e de Minas Gerais, além de dois representantes do futebol carioca, a competição que desafia o poder soberano da entidade sobre a organização do futebol brasileiro está envolvida em uma intensa disputa nos bastidores. Embora regional, o torneio carrega no nome sua intenção, para pavor da CBF: promover futuramente uma competição nacional na qual os times sejam os acionistas e não sofram interferência de entidades esportivas, mesma receita seguida pela Premier League, principal campeonato do futebol inglês. Durante a transmissão dos quatro primeiros jogos, o SporTV, canal pago da Rede Globo, preferiu reforçar o caráter ainda regional do torneio ao adotar o nome Copa Sul-Minas-Rio, embora as placas publicitárias estampassem o título ecumênico. Natural que a disputa se estenda ao campo simbólico. O nome Primeira Liga certamente não agrada à CBF, preocupada em domar a rebeldia de seus filiados e disposta a preservar os campeonatos organizados pelas federações esta-

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duais, responsáveis por mais de um terço dos votos nas eleições da entidade. Dois dias antes do início da Primeira Liga, a CBF publicou uma resolução na qual afirmava não ter condições de aprovar o torneio em caráter oficial em 2016. O principal motivo seria o transtorno que a competição traria ao calendário anual do futebol brasileiro. Ao acenar com a oficialização do torneio para 2017, a entidade quer impedir a realização das partidas marcadas para os próximos dois meses. Amparados na Lei Pelé, os clubes participantes defendem o caráter amistoso do torneio e prometem disputar normalmente os jogos até 31 de março, data prevista para a final da Primeira Liga. O imbróglio é apenas mais um capítulo da briga de bastidores entre a CBF e os

A confederação boicota o torneio, mas os clubes prometem cumprir a tabela

organizadores da competição. Por trás da realização da Primeira Liga, há uma disputa entre dois desafetos: Marco Polo Del Nero, presidente licenciado da entidade, e o dirigente catarinense Delfim Peixoto, vice-presidente da CBF para a Região Sul. Investigado pelo FBI, Del Nero tem manobrado para impedir a posse de Peixoto como presidente. Em 2015, tentou alterar a regra estatutária segundo a qual o vice-presidente mais velho da entidade, à época o próprio cartola de Santa Catarina, assume a presidência no caso de renúncia do mandatário. Sem sucesso, Del Nero convenceu as federações do Sudeste e alguns dos principais clubes paulistas a eleger Antônio Carlos Nunes, mais velho que Peixoto, como novo vice-presidente da região, embora ele fosse presidente da federação do Pará. Com o segundo pedido de licenciamento por Del Nero no fim de 2015, Nunes assumiu a presidência da CBF. Em resposta às manobras do adversário, Peixoto tornou-se um dos maiores incentivadores da Primeira Liga. A participação de Flamengo e Fluminense acentuou o objetivo político do novo torneio. Os clubes cariocas vivem às turras com a Federação de Futebol do Rio de Janeiro, em especial com o presidente da entidade, Rubens Lopes. Aliado de longa data de Eurico Miranda, presidente do Vasco, Lopes contrariou os dois times ao estabelecer que o preço máximo dos ingressos no Carioca de 2015 seria de 50 reais. O tabelamento dos bilhetes resultou em uma troca de xingamentos entre o presidente da federação e dirigentes da dupla Fla-Flu. Os clubes deixaram então de enviar representantes às reuniões da Ferj e passaram a participar dos debates para a organização da Primeira Liga. O Flamengo chegou a afirmar que escalaria um time alternativo no campeonato estadual

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Bom público. Flamengo e Atlético Mineiro recebeu 30 mil torcedores. A média da primeira rodada foi de 14 mil

deste ano, mas recuou após a Rede Globo, transmissora do Carioca, pedir para o time ir à campo com a equipe titular. Lopes passou a ser um dos principais adversários da competição. Na segunda-feira 25, o dirigente compareceu à sede da CBF no Rio de Janeiro para cobrar uma posição mais dura da entidade em relação ao novo torneio. Dias antes, ele havia enviado à CBF um documento no qual classificava a Primeira Liga como uma “competição pirata” e pediu para a CBF impedir os clubes participantes de disputarem outras competições C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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Diante das reações contrárias à CBF, Walter Feldman, secretário-geral da entidade, afirma que a resolução não vetou a Primeira Liga. “O documento estabelece apenas que a competição não poderá ser oficializada em 2016. ” Sobre eventuais punições aos clubes participantes em competições organizadas pela CBF, Feldman diz preferir “não fazer ameaças”. “A negociação continua. Apesar das críticas que sofremos, estamos dispostos a encontrar uma boa saída para todos.” Ex-deputado pelo PSB, Feldman tem assumido a linha de frente da CBF, em especial nas negociações com a Primeira Liga. Embora o Coronel Nunes tenha assinado a resolução, o atual presidente da CBF afirmou precisar se inteirar sobre o tema quando questionado sobre o documento na segunda-feira 25. “Tivemos autorização de Nunes para publicar a resolução. Ligamos para o presidente na véspera, lemos o documento e ele assinou”, afirma Feldman. “Minha dedicação ao tema tem sido de 70 horas ininterruptas, enquanto o presidente tem sido cientificado, notificado.” Na quinta-feira 28, a CBF recuou e assinou uma nova resolução 26

na qual autoriza a realização da Primeira Liga em caráter amistoso já neste ano. À parte a briga de cartolas, a competição teve um início promissor. Embora os estádios não estivessem lotados, a média de público foi de 14 mil torcedores, com destaque para o clássico entre Flamengo e Atlético Mineiro, que atraiu mais de 30 mil ao Mineirão. Alternativa aos campeonatos estaduais, cada vez menos charmosos e rentáveis, o torneio mostrou que tem potencial para superar com folga a frequência de torcedores nos campeonatos Carioca, Mineiro e Gaúcho, cujas médias de público foram infe-

riores a 6 mil pagantes no ano passado. No caso do Campeonato Carioca, mais da metade das partidas disputadas em 2015 resultaram em prejuízo para os clubes. Enquanto isso, a Federação de Futebol do Estado arrecadou mais que qualquer time, ao cobrar taxas de 10% sobre a renda bruta dos jogos. O Flamengo lucrou 1,1 milhão de reais no Carioca de 2015, 400 mil reais a menos do que a federação. O fracasso de público e renda dos estaduais em 2015 reacendeu o interesse pelas competições regionais. Torneios tradicionais como Rio-São Paulo, Sul-Mi-

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nacionais caso não desistissem do torneio. Em entrevista recente, chamou os organizadores da Liga de “milicianos”. Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Flamengo, confia que as pressões de Lopes não vão prosperar. “A posição dos clubes é de jogar o torneio até 31 de março em caráter amistoso. Não há razão plausível para interrompê-lo. ” O dirigente afirma que a posição da federação sensibilizou os torcedores em favor da competição. “A Ferj é uma instituição que não tem a simpatia do grande público. Quando ela se posiciona de forma flagrantemente contrária à Liga, muitos passam automaticamente a considerar o torneio positivo.” Em apoio aos seus clubes, torcedores de Flamengo e Fluminense prometem protestar em frente à sede da federação na sexta-feira 29.


A Lei Pelé permite que os times organizem suas próprias competições

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jogos a mais por ano, o que levou a entidade a suspender os regionais. O caso da competição nordestina é, porém, um precedente importante para o sucesso da Primeira Liga. O torneio foi cancelado pela CBF em 2004, embora o contrato dos clubes participantes com a competição previsse mais algumas edições. Diversos times da região entraram na Justiça para garantir a continuidade da copa, ao alegarem que a Lei Pelé dá liberdade aos clubes para organizar competições sem a anuência da CBF. Temerosa de ser obrigada a pagar uma multa milionária, a entidade permitiu a volta do torneio em 2010. Eduardo Carlezzo, advogado da Primeira Liga, afirma que a Lei Pelé é clara nas e Copa do Nordeste foram suspensos a partir de 2003, quando a CBF adotou o sistema de pontos corridos no Campeonato Brasileiro. A mudança obrigou os clubes a disputarem dez

Disputa. O Flamengo de Bandeira de Mello é um dos entusiastas da Liga. Feldman, da CBF, declarase aberto ao diálogo

sobre a independência dos clubes para organizar competições. “Os regulamentos e estatutos da CBF e das federações não podem se sobrepor ao que estabelece a legislação. São acordos privados, semelhantes a contratos. Qualquer medida punitiva tomada pela CBF e as federações será amplamente ilegal.” O Bom Senso F.C., movimento de jogadores que pede a moralização do futebol brasileiro, participou ativamente da organização da Primeira Liga. O zagueiro Wallace, do Flamengo, representa o movimento no Conselho Técnico da competição. Ricardo Martins, diretor-executivo do Bom Senso, não acredita que a CBF tenha poder para contestar o torneio neste momento. “Ao que parece, a resolução é mais um blefe de uma parte dos dirigentes ligados à Federação do Rio, e não uma visão homogênea da entidade.” Embora a racionalização do calendário seja uma das principais demandas do Bom Senso, Martins defende a realização da competição mesmo que clubes como Flamengo e Fluminense sejam obrigados a disputar duas competições com seus times principais. “Sabemos que a inclusão de um novo campeonato será prejudicial para a recuperação dos jogadores, mas a Liga é um terreno fértil para uma união dos clubes com o objetivo de organizar a principal competição do País no futuro.” O primeiro passo foi dado, mas os próximos são incertos. Sem o apoio dos clubes paulistas, ainda fortemente ligados à Federação Paulista e, por consequência, a Del Nero, a Primeira Liga continuará a ser apenas a Copa Sul-Minas-Rio, uma competição regional ainda distante de representar o interesse coletivo dos maiores clubes do Brasil. • C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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O conselheiro fiel

PARANÁ O relator das contas de Beto Richa

no TCE é citado em escândalo de propina POR HENRIQUE BEIRANGÊ

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riados com a missão de fiscalizar as finanças da administração pública, os tribunais de contas no Brasil tornaram-se um retiro para políticos em fim de carreira e destino de acomodação de aliados. As exigências para assumir o cargo de conselheiro, na maioria dos estados, repete as estabelecidas na Constituição Federal para os integrantes do Tribunal de Contas da União: notório saber jurídico, reputação ilibada e idoneidade moral. Mero formalismo. Assumir o cargo vitalício com vencimentos que passam facilmente dos 30 mil reais inclui conchavos e disputas políticas ligadas aos mais diversos interesses do poder constituído. O currículo do candidato é o que menos importa. Nessa relação de fiscalização de faz de conta e de toma lá dá cá, a rejeição de contas de um governador é incomum, “pedalada fiscal” é sinônimo de maquiagem contábil, revelando o habitué das contas públicas no País. No Paraná, o Ministério Público de Contas foi taxativo ao afirmar que o governador Beto Richa empurrou com a barriga as contas de 2014. O exame bem detalhado do balanço de pagamentos feito pelo procurador-geral Michael Richard Reiner deixou claro os problemas graves no descumprimento das metas fiscais pelo governador. Enquanto a receita teve um incremento de 4,56% em relação a 2013, o endividamento aumentou 24,75%. O

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relatório aponta a falta de observância das diretrizes estabelecidas na Lei Orçamentária. A meta estimava um superávit de 2,3 bilhões de reais, enquanto o Estado encerrou o ano fiscal com déficit de 177, 9 milhões de reais. “Agrava-se o apontamento com a manobra escusa e inconstitucional de se dissimular o atendimento à meta mediante a sua alteração a posteriori, já findo o exercício e publicados os demonstrativos – expediente que, pela similaridade com os apontamentos feitos pelo Tribunal de Contas da União no exame das contas presidenciais de 2014, poderia ser qualificado por verdadeira ‘pedalada fiscal’, para empregarmos terminologia que se consolidou no noticiário nacional”, aponta o procurador. Submetido ao Tribunal de Contas do Paraná, coube ao conselheiro Durval Amaral a apreciação do relatório. O conselheiro reconhece em seu voto que, mantida a taxa de crescimento das des-

Amaral foi chefe da Casa Civil do tucano antes de assumir o posto no tribunal

pesas, o Estado irá “à insolvência”. Diferentemente da conclusão do Tribunal de Contas da União a respeito das “pedaladas” de Dilma, Amaral aprovou as contas de Richa. Seu voto foi acompanhado por outros cinco colegas da Corte. Só votou contra o conselheiro Ivens Linhares. Amaral fez 18 determinações, 17 ressalvas e sete recomendações para o governo não evitar as manobras no ano seguinte. Aliado de longa data de Richa, o ex-deputado estadual foi chefe da Casa Civil do tucano antes de ser nomeado para o TCE em 2012. Apoiado pelos aliados de Richa, venceu a disputa contra um auditor e funcionário de carreira e acabou aprovado por unanimidade pelos 54 deputados que compõem a Assembleia Legislativa do Paraná. A isenção de Amaral para o julgamento das finanças de seu ex-chefe foi alvo

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Não é a primeira vez que Amaral se vê enredado em uma denúncia

de contestação pelo Ministério Público histórica com o governador, Amaral esde Contas do Paraná. Submetido ao TCE tá ligado ao mais novo escândalo da ado questionamento, nova goleada a favor ministração paranaense. De acordo com de Richa. Amaral foi mantido na relato- testemunhas que trabalharam na Valor ria por 5 votos a 1. A retaliação contra Construtora, empreiteira encarregada os procuradores que “ousaram” colocar de contratos de mais de 20 milhões de dúvidas sobre as contas do governador reais para a construção de escolas no veio a galope. Um projeto estado, o conselheiro tedo próprio presidente do ria recebido dinheiro desTCE paranaense, Ivan Boviado do esquema. A propinilha, encaminhado à Asna teria abastecido a camsembleia Legislativa propanha de seu filho, Tiago, pôs a redução do número eleito deputado estadual de procuradores de 11 paem 2014. As campanhas ra 7. Bonilha também tem de Richa e dos deputados relações próximas com RiAdemar Traiano (PSDB) e cha. Foi procurador-geral Plauto Miró (DEM) tamdo município de Curitiba bém teriam levado dinheiquando o tucano ocupou a Vencido. O procurador ro do esquema. prefeitura. Essa não é a primeira vez Reiner defendeu a rejeição Além da proximidade que o conselheiro tem seu das contas de Richa

nome envolvido em escândalos de repercussão nacional. Em outubro do ano passado, o doleiro Alberto Youssef e o advogado Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini afirmaram em depoimento que o então deputado estadual, em 2002, seria o encarregado da distribuição de dinheiro entre parlamentares da Assembleia por conta do esquema Copel/Ovelpar. A fraude envolveria a habilitação de créditos de ICMS de forma irregular. Amaral enviou a CartaCapital a seguinte resposta: “No dia 16 de janeiro de 2014, por sorteio em plenário, com a presença de representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, tive meu nome escolhido para relator das contas do governo estadual de 2014, sem que fosse levantado qualquer questionamento acerca da escolha por parte do MPTC. Lamento apenas que qualquer questionamento acerca de suspeição à pessoa do relator tenha sido feita apenas faltando alguns dias para o julgamento das contas”. Com relação à citação de seu nome no escândalo da construção das escolas, disse desconhecer “qualquer pessoa relacionada com a construtora. E mais: fui o primeiro conselheiro do TCE, na sessão de 2 de julho de 2015, a determinar a suspensão dos contratos e aditivos e abertura de tomada de contas em duas obras realizadas pela empresa Valor Construtora e Serviços Ambientais Ltda.” A respeito da investigação da Ovelpar informou: “Trata-se de uma delação premiada feita em 2003, da qual tive apenas notícia pela imprensa, em que foram citadas dezenas de nomes de pessoas. Mas, desde então, em nenhum momento fui intimado para depor ou tive meu nome denunciado, arrolado em inquérito ou em qualquer outra espécie de procedimento na esfera judicial. Desconheço absolutamente os fatos”. • C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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LAVA JATO A força-tarefa disfarça, mas avança

na obsessão de alcançar o ex-presidente Lula

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força-tarefa continua sem pronunciar o nome de Lula, mas nem seria necessário. A começar pelo nome, Triplo X, a nova fase da Operação Lava Jato deixa claro que o ex-presidente está no centro das atenções. Após mais de um mês sem sair às ruas em razão do recesso do Judiciário, o juiz Sergio Moro autorizou mandados de prisão e buscas contra acusa-

Nonsense. A PF mira no prédio onde fica o triplex que não pertence a Lula

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dos de lavagem de dinheiro na aquisição de imóveis em um conjunto de apartamentos no Guarujá, litoral de São Paulo. Justamente o edifício no qual Lula comprou cotas de um triplex, mas não exerceu o direito de aquisição do imóvel. Oficialmente, os investigadores buscam elos entre João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT preso pela Lava Jato, a Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) e a construtora OAS. Em

Em 2009, em meio a problemas financeiros, os empreendimentos da Bancoop foram repassados à OAS. Um dos imóveis financiados era o tal triplex no Guarujá. De acordo com a declaração de bens apresentada à Justiça eleitoral em 2006, Lula possuía uma cota no valor de 47,6 mil reais. Tratava-se, afirma o Instituto Lula, de uma opção de compra nunca exercida. O promotor Cássio Conserino, do Ministério Público de São Paulo, responsável por uma investigação paralela à Lava Jato, afirma haver provas de que o ex-presidente e familiares estiveram no apartamento após a conclusão das obras. Em depoimento, o engenheiro Armando Dagres estimou em 777 mil reais o valor da reforma no apartamento paga pela OAS. Segundo Dagres, Marisa Letícia, esposa do ex-presidente, visitou o imóvel em companhia do filho Fábio Luís e de Léo Pinheiro, sócio da empreiteira, durante a reforma. Um zelador do prédio confirmou

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Operação cerca-lourenço

2010, o promotor de Justiça de São Paulo José Carlos Blat denunciou integrantes da Bancoop por desvio de dinheiro destinado à construção de imóveis dos cooperados. Segundo a denúncia, notas frias teriam sido usadas por dirigentes da cooperativa para enriquecimento próprio e doações ao Partido dos Trabalhadores. Vaccari era diretor-financeiro da Bancoop. Os desvios somariam 58 milhões de reais.


M I C H E L F I L H O /A G . O G L O B O, L E O N A R D O B E N A S S AT T O / F U T U R A P R E S S / E S TA D Ã O C O N T E Ú D O E U E S L E I M A R C E L I N O / R E U T E R S / L AT I N S T O C K

que Lula também teria visitado o triplex. A força-tarefa esforça-se agora para ligar o imóvel e a reforma ao escândalo da Petrobras. É natural que detentores de cotas visitem obras de um empreendimento. Outros imóveis no mesmo prédio estariam em nome de colaboradores do PT, entre eles Freud Godoy, ex-segurança da Presidência da República envolvido no chamado “escândalo dos aloprados” em 2006. Os investigadores descobriram que um dos triplex do edifício pertence a uma offshore sediada no Panamá, a Murray Holdings LCC. Segundo o cadastro da Receita Federal, a responsável pela empresa é Eliana Pinheiro de Freitas, moradora de uma casa simples em uma vila na zona leste de São Paulo. A verdadeira proprietária seria Nelci Warken, sócia de uma empresa de publicidade que teria prestado serviços de marketing à Bancoop. Warken está entre os seis detidos na quarta-feira 27. Quem conduziu a abertura da offshore foi a Mossack Fonseca & Co., organização panamenha com uma subsidiária na Avenida Paulista, em São Paulo. Não é a primeira menção à Mossack na Lava Jato. A empresa é apontada como a responsável pela abertura de empresas fantasmas de Renato Duque, ex-diretor da área internacional da Petrobras, Pedro Barusco, ex-gerente da mesma área, e do lobista Mário Góes. Por meio de escutas telefônicas autorizadas, a Polícia Federal descobriu que a empresa teria realizado outras operações ilegais para constituir firmas de fachada no exterior. Uma lista com o nome de 40 brasileiros foi identificada na carteira de clientes da companhia. Os imóveis seriam usados para ocul-

Triplo X. Os federais cumpriram seis mandados de prisão na quarta 27

O edifício no litoral paulista seria usado para a OAS lavar dinheiro, suspeitam os investigadores

tar os pagamentos de propina, sugere, na visão do Ministério Público, uma operação entre Marice Correa de Lima, cunhada de Vaccari, e a OAS. Ao justificar a prisão da cunhada do ex-tesoureiro petista no ano passado, os investigadores levantaram a suspeita de ela ter sido beneficiada por uma operação de compra e venda de um apartamento da construtora. Marice teria adquirido um imóvel no valor de 150 mil reais, em 2011, e revendido à OAS, em 2013, por 432 mil reais. O apartamento foi repassado pela empreiteira a outro proprietário no ano seguinte por 337 mil reais, o que re-

O elo. João Vaccari, ex-tesoureiro do PT, foi diretor-financeiro da Bancoop

velaria uma possível operação superfaturada. No inquérito, representantes da força-tarefa fizeram questão de exibir um diagrama com a relação de apartamentos considerados suspeitos. Entre eles figura o triplex atribuído a Lula. “Além das inconsistências já detectadas quanto ao imóvel que pertencera a Marice Correa de Lima, igualmente chamaram atenção outros imóveis do mesmo condomínio que indicaram alto grau de suspeita quanto à sua real titularidade”, cita o relatório da PF. O governo reagiu à nova fase da Lava Jato. Em viagem ao Equador, Dilma Rousseff afirmou que o ônus da prova cabe a quem acusa. O ministro Jaques Wagner, da Casa Civil, foi mais enfático: “Eu acho que há uma certa obsessão que acaba se difundindo, como se toda operação tivesse o objetivo, e a gente tem testemunhos de pessoas, inquéritos, depoimentos. Sempre se busca a tentativa de contaminar o presidente Lula”. O Instituto Lula divulgou a seguinte nota: “O ex-presidente Lula não foi sequer citado na decisão do juiz Sergio Moro e repudia qualquer tentativa de envolver seu nome em atos ilícitos investigados na chamada Operação Lava Jato. Nos últimos 40 anos, nenhum líder brasileiro teve a vida particular e partidária tão vasculhada quanto Lula, e jamais encontraram acusação válida contra ele”. • – Por Henrique Beirangê

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31

1/28/16 7:49 PM


Economia

TELEFONIA Na revisão das metas do setor,

31,49 30,44

POR VANDERLEI CAMPOS

28,38

Alguns exemplos mostram as diferenças de perspectiva entre empresas e usuários. No processo de consulta pública, a Oi argumentou que, se a regulamentação estender aos serviços convergentes as exigências da concessão, incluídas todas as obrigações adjacentes ao regime público, como a universalização e a reversibilidade, 32

29,43

31,82

31,39

30,81 29,65

29,41 28,90 27,34 25,10

inviabilizará a oferta em regime privado de banda larga e de tevê. Caso mantenha o escopo restrito ao Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), nome do sistema público convencional de comunicação de voz, “tais contratos estariam integralmente esvaziados, o que inviabilizaria a continuidade das concessões”. Para a Telefônica Vivo, a manutenção dos contratos até o fim do prazo, 2025, sem possibilidade de renovação, ofereceria maior segurança jurídica e regulatória. A empresa não quer, entretanto, a continuidade integral das condições pactuadas e reivindica mudanças nas regras de universalização, metas de qualidade e aplicação de multas, por provocarem “uma assimetria injustificável com os competidores”. Flávia Lefèvre Guimarães, advogada da Proteste Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e indicada pela segunda vez ao Conselho Consultivo da

Cai o número de telefones fixos, dispara a demanda por banda larga

2012

2013

América Móvil

2014

Oi

nov/2015

Telefônica Vivo/GVT

*Serviços de Comunicação Multimídia Fonte: Teleco

O negócio está na oferta de internet em alta velocidade

Anatel, calcula o valor da rede de acesso e transporte das concessionárias em cerca de 70 bilhões de reais, em valores de 2013. A especialista defende a combinação de modelos de concessões, com metas de universalização e subsídios públicos, e de autorizações nos mercados mais competitivos, tudo em regime público. “A Constituição define telecomunicações como serviço público”, argumenta. O Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, entidade voltada para

E V E L S O N D E F R E I TA S / E S TA D Ã O C O N T E Ú D O

O

Evolu

Market share das operadoras, em %*

operadoras e usuários não se entendem

conflito entre os interesses das empresas de telecomunicação e aqueles dos seus usuários acirrou-se nos últimos anos e só tende a aumentar, sugere o resultado da consulta pública realizada pelo Ministério das Comunicações para a penúltima revisão quinquenal dos contratos de concessão de telefonia comum renovados em 2005. O objetivo é fixar novas condições, metas de universalização e de qualidade para as teles. Encerrada na sexta-feira 15, a coleta de opiniões mostrou uma polarização entre as operadoras, interessadas no fim das regras da concessão de telefonia fixa, e as associações e grupos de provedores e usuários, defensores da busca de novos mecanismos de competição e de inclusão. O objetivo da iniciativa é adequar a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, ao novo contexto marcado pela importância da banda larga como eixo dos negócios do setor e parte também do direito fundamental à comunicação.

CAD

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

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ACESSOS (EM MILHÕES)

Alô... Alô...

A BRIGA NO MERCADO DE BANDA LARGA


pág. 36

TAMBÉM NESTA SEÇÃO

CADA VEZ MENOR

A FATIA GIGANTE DOS CELULARES

Evolução da telefonia fixa

ônica /GVT

Autorização

-2,6

19 1995 1996 1997 1998 2099 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 13

0

Concessão

0,6

-2,1

50

1

TELEFONIA FIXA

9,9

TV POR ASSINATURA

150

6,1

250 200

7,9

BANDA LARGA FIXA

45 27,2 17,8

44,3

44,7 28,5

16,2

14,4 29,9

43

42,1

33,4

32,1 10

41,2

41,5

34,5

8,1

6,7

12,4 30,6

38,8

39,4 35 4,4

3,1

300

STFC*

*Serviço Telefônico Fixo Comutado Fonte: Anatel

E V E L S O N D E F R E I TA S / E S TA D Ã O C O N T E Ú D O

Crescimento dos acessos fixos, em %

350

100

20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14

v/2015

35,7

39,8

10

2

25,10

ACESSOS (EM MILHÕES)

28,90

EM RITMO DE CRISE

Quantidade de terminais, em milhões 100

39,8

em %*

Mineração. A Vale sob pressão em Minas Gerais e no Espírito Santo

a “defesa do direito humano à comunicação”, e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, propõem uma “segmentação funcional”, em que os grandes troncos, os circuitos nacionais e a estrutura de tráfego de atacado sejam objetos de concessão e regime público, e adote-se o regime privado no acesso local, com obrigações como a oferta de um plano básico de banda larga aos clientes finais dos provedores ligados a essa infraestrutura. Idec, Intervozes e outras entidades integram o

Serviço Móvel Especializado Banda Larga Fixa Tevê por assinatura Celulares Telefonia Fixa *Celular para empresas / Fonte: Anatel

movimento “Banda Larga é Direito Seu”. Desde 2005 as concessionárias Oi e Telefônica Vivo perderam cerca de 13 milhões de assinantes de telefonia fixa para autorizadas como Net e GVT. Em contrapartida, detêm 54% dos acessos de banda larga fixa, mercado em grande parte desenvolvido sobre a malha legada das empresas privatizadas, e 15% de tevê por assinatura. Dos investimentos das operadoras em 2014, calculados em 31,6 bilhões de reais pela consultoria Teleco, 59% foram des-

jan-nov/2014

jan-nov/2015

Fonte: Teleco

tinados a “serviços fixos”, ou seja, tudo aquilo que trafega por fios e fibras. Nesse trânsito, a telefonia fixa hoje tem um peso técnico, comercial e socioeconômico decrescente e ao seu declínio corresponde a ascensão da banda larga. Uma questão considerada decisiva para a Telefônica Vivo é a “reversibilidade de bens”. A operadora quer resolver suas pendências na atual revisão quinquenal. “Deixar os ajustes para a C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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Há quem no governo defenda regras mais flexíveis em troca de investimentos das operadoras

Economia

próxima revisão tornará os contratos vigentes insustentáveis, culminará em uma rescisão por parte das concessionárias e a União terá de se encarregar do funcionamento de um serviço sabidamente deficitário”, afirma Amos Genish, diretor-presidente da Telefônica Vivo. A reversibilidade é o mecanismo que assegura o retorno ao poder concedente dos bens essenciais à prestação do serviço, no caso de descumprimento ou ao término da concessão. A evolução tecnológica da plataforma de telefonia fixa e o tráfego nas mesmas redes tanto do serviço sob concessão quanto daqueles operados em regime privado dificultam o acompanhamento do atendimento das exigências. O caso da Telefônica Vivo ilustra a situação das outras operadoras. A empresa planeja investir 8,5 bilhões de reais em acesso residencial com fibra com foco nos negócios de vídeo e internet, mas o STFC está incluído nos pacotes dentro de sua área de concessão. “Para nós, a fibra não é um bem reversível. Não vou parar de investir, mas é injusto com as operadoras”, reclama Genish. “Não consideramos razoável que, após colher os resultados de políticas públicas como a concessão e as altas tarifas de assinatura básica, se passe tudo ao regime privado com uma contrapartida qualquer”, contrapõe Veridiana Alimonti, advogada e coordenadora-executiva do Intervozes. Em uma auditoria do Tribunal de Contas da União sobre o controle dos bens reversíveis pela Anatel realizada em dezembro, estimou-se que em 2013 o seu valor total seria de 105 bilhões de reais, 88% sob administração da Oi e da Telefônica Vivo. Os investimentos não amortizados, passíveis de indenização em uma transferência de posse, seriam de 17,69 bilhões. O próprio relatório aponta, entretanto, incertezas quanto aos números, em um tom bastante crítico à atuação da agência. “A contribuição das operadoras é baseada no pragmatismo, na atratividade 34

CONFLITOS DE INTERESSES Quem quer o quê* PONTOS POLÊMICOS CONCESSÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS

REGIME PÚBLICO VERSUS PRIVADO

REVERSIBILIDADE

OTTS (DE ENTREGA DIRETA DE CONTEÚDO A DISPOSITIVOS CONECTADOS À INTERNET)

Operadoras

Fornecedores

Provedores

Organizações sociais

Revisão das obrigações dos contratos

Extinção do regime de concessão

Manutenção e repactuação de prioridades

Cancelamento dos atuais contratos e extensão do regime de concessão à infraestrutura de dados

Regime privado em todos os serviços

Alinham-se às operadoras

Regime privado, com obrigações de compartilhamento por empresas dominantes

Regime público para infraestrutura

Novo regulamento para meios multisserviço

Substituição de compromissos para liberar caixa a investimentos

Revisão dos mecanismos de garantia de continuidade dos serviços

Execução das regras para os atuais contratos e aplicação da reversibilidade da infraestrutura objeto das próximas concessões

Tratamento regulatório e tributário equivalentes aos serviços de telecomunicações

Manter a atual caracterização de Serviço de Valor Adicionado

Evitar regulações restritivas

Regulação do serviço conforme legislação civil e de defesa do consumidor, fora da pauta de telecomunicações

* Reivindicações dos participantes da consulta pública do Ministério das Comunicações para revisão dos contratos de concessão e regulação do setor nas próximas décadas

para os investimentos”, enfatiza Eduardo Levy, diretor-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal, o SindiTelebrasil. O regime privado, além de demonstrar capacidade de massificação, “não suprime ao regulador a possibilidade de incluir mecanismos de universalização nas autorizações, a exemplo do que aconteceu com as licenças para 4G”. João Moura, presidente-executivo da Telcomp, entidade representativa dos provedores locais, enfatiza a necessidade de regular o acesso aos circuitos de atacado. Há 5.862 provedores licenciados para prestar serviços locais, com acesso aos clientes por cabos ou rádio de médio alcance, mas a infraestrutura é dominada pelas grandes operadoras, a maioria com operações no varejo. “Transferir toda essa infraestrutura dos dutos de dados ao regime público não parece factível. O que defendemos é uma regulação que coíba práticas anticompetitivas e garanta o compartilhamento com condições e preços justos.”

No governo, há setores favoráveis à substituição de termos da concessão, entre eles a reversibilidade, por compromissos de investimentos. “Essa revisão da regulação vem em boa hora e tem possibilidade de alavancar vários investimentos em 2016”, sinalizou Nelson Barbosa, atual ministro da Fazenda, na abertura da consulta pública, em novembro. Rafael Zanatta, advogado do Idec e integrante do Grupo de Trabalho em Telecomunicações da Secretaria Nacional do Consumidor, o Senacon, do Ministério da Justiça, teme o açodamento na “avaliação da complexidade dos instrumentos regulatórios que o Estado pode utilizar e das questões estratégicas ligadas ao controle da infraestrutura de internet em banda larga, que podem ficar nas mãos de poucos grupos econômicos, gerando controle de mercado e aumento de preços”. O Idec propõe uma segunda fase da consulta pública em 2016, a partir de uma proposta de reforma da Lei Geral de Telecomunicações por parte do governo. •

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ANTONIO DELFIM NETTO

Polêmica ridícula

► O presidente do BC

deve ter se assustado não com a previsão sobre o Brasil, mas com o que se vê no mundo

B A P T I S TÃ O

N

o Brasil, nunca perdemos a oportunidade de criar uma polêmica sobre decisões da autoridade monetária. No mundo, também. Em nenhum país elas sabem muito bem o que estão fazendo. Ou alguém acredita que o Federal Reserve, o Banco Central Europeu, o Banco Central do Japão ou o Banco Central da China têm o “mapa” (teoria) e a “bússola” (prática segura) para saber aonde estão nos levando neste mar revolto que ajudaram a construir? Foi obra lenta, apoiada na imaginária “ciência dos mercados perfeitos”. Com ela, colonizaram e submeteram à sua vontade os pobres nativos que, sem imaginação, se limitaram à produção de bens e serviços. Um exemplo da eterna vigilância do tal “mercado” para garantir a “dominância financeira” conquistada é a reação à decisão do BC de manter a taxa Selic em 14,25%, na reunião do dia 20. Para entender isso, é preciso aceitar o fato de que os economistas não são portadores de uma “ciência”. A propósito, quero lembrar que, em 1948, meu primeiro professor da ainda Economia Política, o francês Paul Hugon, entregou aos seus alunos o excerto de um depoimento no Congresso dos Estados Unidos, de 16 de maio de 1939, do grande economista Alvin Hansen, o in-

trodutor do keynesianismo naquele país, onde revelou a sua grandeza e as limitações do seu enorme conhecimento: Eu gostaria muito de prefaciar meu depoimento sobre a análise econômica e suas conclusões. Estou seguro de que aqui trataremos de matérias que não são sujeitas a demonstrações matemáticas inequívocas ou a resultados possíveis nos laboratórios das ciências naturais. Os dados com os quais trabalhamos são sujeitos a erros com margens variáveis. Os métodos com os quais os analisamos são imperfeitos. Logo, as conclusões a que chegamos são inevitavelmente tentativas. O papel do economista no seu esforço para interpretar as tendências econômicas será, se ele for honesto, muito modesto. Vivemos num mundo perigoso. É perigoso agir e perigoso não agir. É perigoso dar conselhos e seria mais fácil tentar escapar dessa responsabilidade recusando-se a fazê-lo”... “Eu gostaria de pedir-lhes que tenham em mente desde o início que todas as pesquisas nesta área devem ser feitas com muita humildade. Dizer-lhes que há lugar para outras competentes e honestas opiniões, tanto com relação às tendências econômicas atuais quanto para a adequada solução de nossos problemas. Pois bem, 77 anos depois desse depoimento, a situação não é muito diferente. Os nossos dados continuam sujeitos a erros e os nossos métodos, mesmo com o desenvolvimento da matematização e os avanços da econometria, continuam “imperfeitos”. Logo, discutir as decisões do Banco Central não é apenas possível, mas, provavelmente, necessário. Pode a declaração do presidente do BC, Alexandre Tombini, ser considera-

da uma heresia só porque “não há evidência na história de que o BC do Brasil tenha feito isso antes”? Pode o simples fato de ter visitado a presidenta da República ser suficiente para afirmar que “o BC perdeu o que lhe restava de credibilidade”? Não é possível que ele tenha ido até ela para expor os problemas do mundo? Pode alguém invocar uma inexistente “ciência monetária”, para dizer que “foi grave erro decepcionar o mercado” não aumentando a taxa Selic? Poder, pode! Mas tem de reconhecer, também, que ela produziria, como efeito colateral, o aumento da relação dívida pública/PIB, cuja dinâmica é preocupante; que já há uma tendência ao aprofundamento do desemprego e a magnitude da correção de preços já processada não se repetirá em 2016. Com um desemprego da ordem de 10 milhões de trabalhadores e as ameaça do agravamento do quadro fiscal, é difícil imaginar que apenas a política monetária do Banco Central possa “salvar o Brasil”. Talvez o Boletim Focus revele um aumento na expectativa de inflação. Mas não é possível esquecer que a semana encerrada em 23 de janeiro revelou fenômenos novos e assustadores que estão ocorrendo no mundo em que estamos inseridos. “Vivemos num mundo perigoso”, como disse o prof. Hansen. Tombini deve ter se assustado não com a previsão sobre o Brasil, não muito diferente da do nosso Banco Central, mas com o que se vê no mundo, que, como de costume, será muito diferente do que prevê o FMI. E o que se vê é um aumento da probabilidade de um agravamento da crise no segundo semestre de 2016! •

colunistas@cartacapital.com.br

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Economia

Depois da lama, o pó preto

Além da queda do preço do minério, a Vale sofre pressões da Justiça

COMMODITY

POR CARLOS DRUMMOND

A

pós quatro dias fechado por decisão da 1ª Vara Criminal Federal de Vitória, devido à grave poluição gerada no embarque da produção da Vale, o Porto de Tubarão, na capital do Espírito Santo, maior terminal exportador de minério de ferro do mundo, reabriu na segunda-feira 25. A decisão partiu do desembargador Zigdor Teitel, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, 36

para evitar maiores danos à economia e ao emprego. A suspensão do funcionamento do terminal administrado pela mineradora interrompeu as atividades de 2 mil trabalhadores e provocou prejuízos diários de 35 milhões de reais, segundo a empresa. Teitel condicionou a liberação do porto à adoção pela Vale, em 60 dias, de medidas para “estancar ou reduzir ao mínimo as partículas de pó na atmosfera e os resíduos despejados no mar de Vitória”. A mi-

neradora deverá implantar novas técnicas de contenção de resíduos e colaborar com a Polícia Federal, autora da denúncia encaminhada à Justiça. A PF produziu e divulgou um vídeo que mostra nitidamente a precipitação de rajadas intermitentes de pó de minério de ferro sobre o mar e o barco usado para a filmagem. A “chuva” negra cai 24 horas por dia e um pó preto cobre todas as superfícies, atestam os moradores de Vitória. Caso descumpra qualquer uma das determinações da Justiça, a empresa estará sujeita a multa de até 6,6% do faturamento, de 88,2 bilhões em 2014, e o porto poderá ser fechado mais uma vez. Não se sabe se foi proposital, mas o magistrado seguiu as práticas mais modernas da Justiça nos Estados Unidos e na Europa, de manter suspensas por tempo mínimo as atividades de empresas importantes para a economia e exigir planos de correção dos problemas identificados, em vez de adotar só ações punitivas.

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A Justiça Federal fechou o Porto de Tubarão, em Vitória, por quatro dias. Prejuízo diário de 35 milhões de reais

Meio Ambiente admite índices máximos de concentração de poluentes seis vezes e meia maiores que os tetos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde. A crise no Porto de Tubarão marca o momento mais difícil na vida da Vale e daqueles dependentes da sua atividade. A Samarco deu férias coletivas aos seus empregados e talvez haja demissões no fim do período. A catástrofe de Mariana não tem relação direta com a prática da Vale em Vitória, mas deve ter encorajado a interdição do terminal, conferindo-lhe maior legitimidade. Samarco, Vale, BHP Billiton e os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo estabeleceram, no dia 18, um acordo para cumprimento de decisão judicial que determina obrigações para aquelas empresas em relação ao desastre de Mariana, incluída a recuperação da Bacia do Rio Doce. Os governos exigem em ação civil pública uma indenização de ao menos 20 bilhões de reais pelos danos.

VINICIUS MORAES/FOTOARENA

Partículas. Resíduos gerados no embarque de minério poluem o mar, recobrem Vitória e provocam doenças e protestos

Do mesmo modo como ocorreu na tragédia de Mariana (MG), provocada pelo rompimento, em novembro, de uma barreira de contenção de rejeitos de mineração da Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, os danos em Tubarão são evidentes e as explicações da empresa, insatisfatórias. A ruptura despejou 32 milhões de metros cúbicos de lama e restos de minério no Rio Doce, matou 17 moradores, destruiu vários municípios e terá impactos ambientais graves por tempo indeterminado. A origem da poluição provocada pela Vale em Vitória é a movimentação e o transporte de minério para os navios em esteiras a céu aberto, sistemática utilizada desde o início das operações. Não fosse a interdição do porto, a empresa, de modo voluntário, dificilmente se mobilizaria para introduzir os melhoramentos agora determinados pela Justiça. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Assembleia Legislativa do Espírito Santo em 2015 concluiu que Vale, Arcelor Mittal Tubarão e Samarco são as principais causadoras da poluição pelo chamado “pó preto”, origem de graves problemas de saúde para a população. Estatísticas do município de Vitória apontam a poluição atmosférica como causa de 26% das internações de menores de 5 anos por doenças respiratórias. No caso de maiores de 60 anos, a proporção é de 25% e, na faixa de 45 a 59 anos, de 22%. A incidência de doenças respiratórias é particularmente elevada nos bairros

de Jardim Camburi e Jardim da Penha. O estudo internacional sobre doenças respiratórias na infância, Isaac na sigla em inglês, conduzido desde 1991 por grupos de pesquisa de diversos países, mostrou que a incidência de asma no Espírito Santo é 27,8% superior à média nacional, a de rinite está 80,2% acima e a de rinoconjuntivite, 66,6% maior que os índices do País. Haveria uma permissividade nas normas brasileiras sobre poluição. Segundo o depoimento feito na CPI por José Carlos Perini, médico alergologista e presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, a Resolução nº 3, de junho de 1990, do Conselho Nacional do

As indenizações atingem a empresa em um mau momento do mercado. A oferta mundial de minério de ferro continua acima do consumo e, na quarta-feira 27, o Banco Mundial previu um preço médio de 42 dólares por tonelada neste ano, 25% abaixo dos 55,80 dólares de 2015. O impacto dos problemas de mercado e ambientais da Vale amplia os efeitos negativos provocados na economia do País pela queda dos preços do petróleo e a corrupção na Petrobras. Criticou-se corretamente os governos por não terem adotado políticas capazes de reverter a economia primário-exportadora do País, dono de uma das mais diversificadas estruturas industriais do mundo e de um dos maiores mercados de consumo de manufaturados. Com a estagnação mundial, as quedas drásticas dos preços das commodities e as crises das empresas, nem aquilo é possível. • C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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Economia POR FELIPE MARRA MENDONÇA

Homens versus máquinas TECNOLOGIA O Google esquenta a disputa entre computadores e humanos,

iniciada no torneio de xadrez entre o Deep Blue, da IBM, e Garry Kasparov

“Depois de analisar os jogos, o programa elaborou diferentes versões das partidas milhões e milhões de vezes, melhorando a cada vez, aprendendo com seus erros”, disse Hassabis. “Ele aprende quais jogadas são boas e quais são ruins e desenvolve uma espécie de intuição para o jogo. Feito isso, com esse conhecimento ele pode planejar as partidas a longo prazo”, explicou o engenheiro. O aprendizado dos computadores começou nos anos 1950, com o jogo da velha e suas cerca de 360 mil progressões 38

O programa AlphaGo bateu cinco vezes o campeão Fan Hui

possíveis. Nos anos 1990, houve a famosa vitória do Deep Blue, da IBM, sobre o então campeão Garry Kasparov no xadrez, com mais de 9 milhões de jogos possíveis. O número de jogos do Go já foi comparado ao número de átomos no universo, daí a

importância de uma inteligência artificial que consiga dominar sua complexidade. Fazer com que computadores aprendam a melhorar a qualidade das suas decisões pode abrir o leque daquilo que é possível obter com diferentes inteligências artificiais, desde o auxílio em decisões de compra e venda de ações até diagnósticos médicos. De volta ao jogo, o Google quer agora desafiar o campeão mundial, o também chinês Lee Se-dol. Em declaração ao Guardian, Lee disse estar “confiante em poder ganhar pelo menos dessa vez”. Os humanos resistem. •

ILUSTRAÇÃO: ESTELL A MARIS. FOTO: ISTOCKPHOTO

A

semana trouxe a notícia da conclusão de mais uma rodada da competição entre o homem e o poder de processamento dos computadores. O Go, jogo utilizado na disputa, consiste no confronto entre dois participantes que posicionam pedras de cores opostas até um deles dominar o tabuleiro. A regra é simples, mas a estratégia é muito complexa e vários especialistas acreditavam que os programas de inteligência artificial demorariam mais uma década até vencer o ser humano. Em artigo publicado na revista Nature na quarta-feira 27, engenheiros da DeepMind, divisão de inteligência artificial do Google, revelaram que o programa AlphaGo conseguiu bater cinco vezes seguidas o campeão europeu da modalidade, o chinês Fan Hui. Demis Hassabis, CEO da divisão, disse em entrevista à BBC que o primeiro passo do programa foi estudar os diferentes jogos e, a partir daí, identificar semelhanças e repetições.

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

A linguagem do dinheiro ► Qual bonecos

de ventríloquo, os comunicadores “falam” conforme as regras gramaticais dos mercados

B A P T I S TÃ O

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artilhei com Mino Carta o editorial da edição anterior de CartaCapital. Disse, então, que nos últimos meses alguns integrantes do Copom haviam sugerido um aumento de 50 pontos na já alentada taxa Selic. Para surpresa de muitos e decepção de uns tantos, às vésperas da reunião do dito Conselho, escudado nas previsões do FMI sobre o PIB brasileiro, o presidente Tombini virou o jogo. Na quarta-feira 20, o Copom manteve a Selic em 14,25%. Os Senhores da Finança responderam às trapalhadas de comunicação do doutor Tombini & Cia: mandaram um recado antecipando elevações consecutivas da taxa de juros no biênio 2016-2017. O mercado “falou”. Escancarou sua discordância na inclinação da curva de juro longa. A corcova fez inveja a Quasímodo. Apoiado no linguista John Austen, em seu livro Capital e Linguagem, o economista italiano Christian Marazzi cuida das marchas e contramarchas da finança dos últimos 30 anos. Marazzi sublinha a natureza performativa da linguagem do dinheiro e dos mercados financeiros. Escusas, caro leitor, pelo pedantismo do jargão linguístico. Performativo quer dizer apenas que a linguagem dos mercados financeiros contemporâneos não descreve, e muito menos “analisa”, um determinado estado de coisas, mas produz imediatamente fatos reais. A última decisão do Conselho de Políti-

ca Monetária do Banco Central foi um exemplo da produção da “realidade” pela linguagem dos mercados financeiros. O domínio da finança, ou seja, o capitalismo reinventado segundo sua “natureza”, produziu o que Christian Marazzi chamou de “metamorfose antropológica do indivíduo pós-moderno”. Diz Marazzi: é relativamente simples descrever o comportamento mimético-comunicativo das convenções coletivas típicas dos mercados financeiros. No capítulo XII da Teoria Geral, Keynes se vale dos concursos de beleza promovidos pelos jornais para descrever a formação de convenções nos mercados de ativos. Os leitores são instados a escolher os seis rostos mais bonitos entre uma centena de fotografias. O prêmio será entregue àquela cuja escolha esteja mais próxima da média das opiniões. Não se trata, portanto, de apontar o rosto mais bonito na opinião de cada um dos participantes, mas, sim, de escolher o rosto que mais se aproxima da opinião média dos participantes do torneio. Keynes introduz, assim, na teoria econômica as relações complexas entre Estrutura e Ação, entre papéis sociais e sua execução pelos indivíduos convencidos de sua autodeterminação, mas, de fato, enredados no comportamento de manada. Keynes, na esteira de Freud, introduz as configurações subjetivas produzidas pelas interações dos indivíduos no ecúmeno social das “economias de mercado”. O afã de realizar sem perdas o valor dos ativos se esbate no fragor das insuspeitadas e caprichosas evoluções e involuções da opinião coletiva. Os fâmulos dos mercados passam da euforia à depressão. É implacável o constrangimento dos indivíduos dos mercados, sempre amestrados sob o guante da conversão

de seus valores particulares em dinheiro, a forma geral da riqueza. Nesse percurso, o comportamento mimético dá origem, em suas conjecturas imitativas, a situações nas quais a busca coletiva da liquidez culmina na decepção de todos. A âncora que sustenta precariamente as ariscas subjetividades atormentadas pela incerteza da liquidez está lançada nas areias movediças da peculiar “sociabilidade” do capitalismo financeiro. No livro Capitalisme et Pulsion de Mort, Gilles Dostaler e Bernard Maris afirmam que nem Freud nem Keynes acreditam na fábula da autonomia do indivíduo, tão cara aos economistas. “O indivíduo está imerso na multidão inquieta, frustrada, insaciável, sobre a qual pesa essa imensa pressão cultural, esse movimento ilimitado da acumulação...” A metamorfose do indivíduo pós-moderno aludida por Marazzi é um “salto de qualidade” no comportamento mimético examinado por Keynes. Os “avanços” nas formas de comunicação promovidas pelo desenvolvimento da mídia de massas e o uso das tecnologias de informação tornaram mais rápida e eficazmente perigosa a linguagem do dinheiro. Na mídia impressa e na eletrônica, as matérias de negócios e economia disseminam os fetiches dos mercados financeiros embuçados na linguagem do saber técnico e esotérico. Qual bonecos de ventríloquo, os comunicadores “falam” a língua articulada conforme as regras gramaticais dos mercados. Assim, o capitalismo investido em sua roupagem financeira cumpre a missão de “administrar” a constelação de significantes à procura de significados, submetendo os cidadãos-espectadores aos infortúnios da domesticação e da homogeneização decretados pelo “coletivismo de mercado”. • colunistas@cartacapital.com.br

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Nosso Mundo

Hegemonia à prova EUROPA A supremacia alemã sofre abalos

e alternativas de ultradireita e esquerda nascem das fissuras do consenso

POR ANTONIO LUIZ M. C. COSTA

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onstruída no ambiente de ingênuo otimismo dos anos 1990, a União Europeia foi planejada para tirar proveito de uma prosperidade neoliberal sem fim e não para resistir às tormentas da história, que muitos davam por encerrada pela queda do Muro de Berlim. Ante a crise tripla hoje por ela enfrentada – migratória, financeira e política –, essa estrutura não tem condições de sobreviver. Terá de ser reconstruída, dissolvida ou transformada. Desde o abalo financeiro de 2008 e até recentemente, o único projeto europeu era a tecnocracia de Angela Merkel. Uma Europa conservadora, austera e produtivista seria atada por limites de endividamento e déficit público impostos por tratados e se possível reforçados por cláusulas pétreas nas constituições nacionais. Governos e parlamentos nacionais debateriam minúcias locais, mas as grandes decisões seriam tomadas pela Comissão Europeia e Banco Central Europeu sem prestar contas a eleitores e partidos, mas apenas aos governos dos países credores (quase só a Alemanha) e às elites industriais e financeiras. Fronteiras abertas aos movimentos de mercadorias, capi40

tais e trabalhadores seriam parte essencial dessa tecnocracia voltada para o máximo de eficiência econômica. Esse projeto tem uma fraqueza óbvia. Quer estender a todo o continente o modelo alemão, cujo relativo sucesso, baseado em exportações para os demais países europeus, é impossível universalizar. Mesmo assim, praticamente toda a Europa se submeteu como se não houvesse alternativas. O maior desafio foi o dos conservadores britânicos, que, insatisfeitos com as normas impostas de Bruxelas, ameaçaram retirar-se se o tratado europeu não fosse renegociado para lhes dar maior soberania jurídica e financeira. Entretanto, o plebiscito prometido para 2017 por David Cameron ao Reino Unido para decidir pela permanência na União é agora o menor dos problemas para Berlim e Bruxelas. Apesar da situação financeiramente privilegiada da Alemanha, a questão migratória mina o próprio chão sob os pés de Merkel. Sua liderança deixou de ser incontestável quando jogou seu prestígio a favor das fronteiras abertas no momento crítico de outubro de 2015, quando refugiados sírios forçaram seu caminho da Grécia a Muni-

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TAMBÉM NESTA SEÇÃO

The Observer.

Uma década de Evo Morales na Bolívia

Dilema. As elites financeiras sustentam o atual modelo. Mas a quem apoiarão se ele se tornar politicamente inviável?

O consenso forjado por Merkel, que implica fronteiras abertas, racha ante a crise migratória

manha, República Tcheca, Estônia, Finlândia, Polônia, Eslováquia e Suíça. Chegou a 13% o apoio ao partido antieuropeu e xenófobo Alternativa para a Alemanha (AfD), aliado da Frente Nacional francesa e do ultradireitista FPÖ austríaco, apesar de ter nascido da insatisfação com o euro e com a migração e não do neonazismo ortodoxo do NPD. Na Polônia, instalou-se um governo de ultradireita que se atribuiu a missão de “acabar com a Europa apodrecida de vegetarianos e ciclistas, energia limpa e mistura de raças e culturas”, nas palavras do chanceler Witold Waszczykowski. Também colidem frontalmente com o projeto europeu a recente decisão da Dinamarca de confiscar bens de imigrantes para pagar sua estada em abrigos no país, o pedido da Holanda de suspender o Acordo de Schengen e as pressões da Áustria e Suécia para excluir a Grécia, porta de entrada da maioria dos refugiados, dessa convenção sobre abertura de fronteiras e livre circulação de cidadãos. A rebelião do Syriza foi enquadrada e a Grécia submeteu-se a novo acordo com a Troika desde 10 de julho de 2015. Na ocasião, depois de ter permitido a seu C A R TA C A P I TA L —

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que. Horst Seehofer, líder do CSU, partido conservador bávaro aliado de Merkel, ameaçou deixar a coalizão e levar o governo federal aos tribunais por não conter os refugiados na fronteira austríaca. O consenso europeu ameaça desmoronar e duas alternativas, uma de extrema-direita, outra de esquerda, começam a tomar forma e serão promovidas em atos simbólicos nos dias 6 e 9 de fevereiro. O movimento xenófobo Pegida, liderado por Lutz Bachmann e Tatjana Festerling, assumiu em recente encontro na República Tcheca a liderança de uma aliança com similares de outras nações europeias e promete para 6 de fevereiro protestos contra a “islamização da Europa” em 14 países, inclusive Ale-

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Nosso Mundo

ministro da Fazenda, Wolfgang Schäuble, planejar e propor a expulsão de Atenas da Zona do Euro, em tese legalmente impossível, Merkel acabou por desautorizá-lo para evitar abrir o precedente e os riscos imprevisíveis da ruptura. Mas o novo “resgate” não melhorou as perspectivas de solução do problema grego em longo prazo e Atenas viu-se às voltas, por razões geográficas, com o grosso da nova onda de refugiados e sem meios para contê-los ou abrigá-los, apesar de também teoricamente ser obrigada a isso pelas normas europeias. Em nome delas, a ministra do Interior austríaca, Johanna Mikl-Leitner, exige que os gregos mobilizem sua marinha para deter os botes dos refugiados que chegam às suas ilhas, um total de 853.650 no ano passado (além de 806 mortos) e 45.361 (mais 158 mortes) nos primeiros 25 dias de janeiro.

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DiEM25. O fiasco grego levou Varoufakis a tentar articular um movimento democrático europeu com lideranças como Ada Colau

Nem só da direita chegam os questionamentos à liderança de Merkel. O governo de centro-esquerda de Matteo Renzi, acossado pela teimosa estagnação da economia italiana e pelos ataques de partidos antieuropeus pela direita, subiu o tom das críticas à Comissão Europeia e bloqueou o entendimento com a Turquia com o qual Berlim espera convencer Ancara a bloquear os refugiados sírios em seu território. Roma queixa-se da pretensão de somar ao déficit público a contribuição italiana a esse acordo (cerca de 10% dos 3 bilhões de euros da trans-

ferência inicial) e da oferta de tanto dinheiro aos turcos sem condicionantes financeiras nem controle quando ela mesma tem seu orçamento guiado de Bruxelas com rédea curta. O crescimento de partidos contestadores, aliados do Syriza, na Península Ibérica – Bloco de Esquerda em Portugal e Podemos na Espanha – abalou o conformismo dos velhos partidos social-democratas com a falta de alternativas ao modelo neoliberal e os pôs ante o dilema de aliar-se às novas forças e comandar governos autenticamente de esquer-

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Em 14 de janeiro, o comissário europeu de migração, Dimitris Avramopoulos, admitiu o fracasso do plano de realocação de refugiados retidos na Grécia, Itália e Hungria, proposto por Merkel e teoricamente aprovado pela maioria das 28 nações da União Europeia em setembro de 2015. Previa redistribuir, em dois anos, 160 mil dos mais de 1 milhão de migrantes chegados à Europa. Em quatro meses, apenas 272 receberam um novo país de asilo. A Eslováquia recorreu ao Tribunal Europeu contra o plano que lhe pedia para aceitar 802 refugiados e o novo governo polonês usou os atentados de Paris como pretexto para suspender sua participação. Na prática, também os europeus ocidentais fizeram corpo mole. Embora Bruxelas resista a expulsar a Grécia de Schengen, agora trabalha para reter os migrantes nesse país. Enviou 57 policiais e agentes à vizinha Macedônia para ajudá-la a impedir que saiam da Grécia, obrigada a gastar 2 bilhões de euros com os refugiados apesar de sua enrascada financeira e dos riscos de fortalecer seu crescente movimento neonazista. C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

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da, ou apoiar passivamente governos de direita e perder definitivamente a relevância política. Esses partidos ainda não têm um projeto comum explícito para a Europa, mas poderiam concebivelmente convergir para algo parecido com o “Movimento Democracia na Europa 2025” ou DiEM25, a ser lançado em 9 de fevereiro pelo ex-ministro da Fazenda grego Yanis Varoufakis. Varoufakis propõe um “New Deal” social e ecológico para toda a Europa, combinado a uma democratização radical de suas instituições, como terceira alternativa entre as atuais “estruturas antidemocráticas” moldadas pelos interes-

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PEGIDA. Lutz Bachmann quer mobilizar aliados de toda a Europa contra a mistura de raças e cuturas

ses da Alemanha e o retorno ao “casulo dos Estados nações” para o qual apontam a extrema-direita xenófoba, os conservadores eurocéticos britânicos e também algumas forças de centro e esquerda, como o Movimento 5 Estrelas italiano e o Partido Comunista Grego, ao militar pelo fim do euro e do poder de Bruxelas. Entretanto, como mostrou a experiência de Varoufakis à frente das negociações gregas, uma coisa é conceber uma tese coerente, inteligente e persuasiva e outra é torná-la politicamente viável. Durante todo o primeiro semestre de 2015, ele tentou demonstrar racional-

É mais fácil ao capital desistir da moeda única do que do poder

mente aos colegas europeus que o plano da Troika era inexequível, a dívida grega jamais seria paga nas condições impostas e a melhor maneira de atender aos interesses dos próprios credores seria abater o valor e reescalonar os pagamentos. Não teve resposta ou tentativa de refutação: foi ignorado. O presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem e o ministro Schäuble simplesmente recitaram as normas europeias e exigiram seu cumprimento. Formular a concepção de uma nova Europa mais solidária e democrática e levar seus adeptos ao poder em alguns dos principais integrantes da União não seria nem metade do caminho andado. Os planos da classe dirigente financeira e industrial são diametralmente opostos. Como se demonstra a cada plano da Troika e a cada proposta de tratado de livre-comércio, querem reduzir salários, benefícios sociais e leis trabalhistas, privatizar serviços sociais, engessar orçamentos nacionais pela “austeridade” e reduzir o poder de autoridades democraticamente eleitas para regulamentar as atividades econômicas. A moeda única e o livre trânsito de mão de obra fazem parte desse projeto como contrapartida lógica da livre circulação de mercadorias e capitais, mas entre abrir mão da posição privilegiada e de parte do lucro para viabilizar o projeto das esquerdas e desistir de conveniências menores para favorecer a extrema-direita, é bem possível que as elites repitam as escolhas dos anos 1930. • C A R TA C A P I TA L —

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Nosso Mundo

Prosperidade e diversidade

Uma década de Evo Morales melhorou a renda e a autoestima da Bolívia POR JONATHAN WATTS, EM LA PAZ

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ou um galo de plástico, símbolos de uma noiva ou um noivo. Os estudantes pagam por pequenas reproduções de diplomas e licenças profissionais de importantes universidades. Os doentes e suas famílias adquirem cópias em escala reduzida de atestados de saúde de hospitais respeitados. “Comprei todas as coisas que queria neste ano”, disse Milenka Calderón, que carregava uma sacola cheia de dinheiro de brinquedo, um saco de comida e uma boneca bebê, esta na esperança de sua filha recém-casada engravidar logo. “Se você tiver fé, a coisa se realiza.” No ano passado, conta, pegou uma casa de brin-

A festa de Alasitas reflete a expansão média anual de 5% do PIB e a maior aceitação da cultura indígena

quedo e depois comprou uma de verdade. Segundo o costume local, cada item tem de ser abençoado por um sacerdote indígena kallawaya com incenso e pós, em um santuário improvisado ao deus da boa fortuna, Ekoko. Mediante pagamento de uma taxa, dezenas praticaram o ritual. Para não ficar de fora, a Igreja Católica oferece bênçãos. Muitos nesse país espiritualmente eclético fizeram fila para seus sacos de dinheiro e bens falsos serem aspergidos com água-benta na catedral, ou para tocar seus brinquedos plásticos nas estátuas de santos. Quem buscasse exclusividade espiritual ficaria desapontado. Assim como

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s ruas de La Paz estavam forradas de dinheiro no domingo 24, quando a Bolívia comemorava sua crescente afluência e o orgulho indígena com uma orgia de consumo nas festas anuais de Alasitas. A extravagância ritual com miniaturas e imitações foi mais colorida e criativa do que nunca neste ano, impulsionada pela década de crescimento econômico e a incorporação das superstições aimará, antes rejeitadas, pela corrente dominante. No mercado da Plaza Murillo, as “cholitas” com chapéus-coco e xales tradicionais anunciavam grossas pilhas de dinheiro falso expostas sobre as mesas: 500 mil dólares por 5 bolivianos (0,72 dólar) ou uma pilha de 100 milhões de dólares por 25 bolivianos (3,62). Na primeira hora de vendas, trilhões mudaram de mãos. Meras notas de 100 dólares eram pisoteadas no chão. Multidões de consumidores compravam carros de brinquedo, pequenos caixotes de cerveja de plástico, sacos com bens domésticos, todos minuciosamente copiados de marcas existentes, modelos de terrenos e malas em tamanho bolso recheadas de notebooks, passaportes e cartões de crédito, tudo de papel. Cada compra representa um desejo. Quem quer se casar compra uma galinha


Essência. Antes rejeitados pelas elites, os costumes dos índios ganharam espaço

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tir a instalação de barracas na Plaza Murillo, diante do Congresso e do palácio presidencial. Hoje, sua popularidade estende-se muito além da população aimará. “Há mais fé hoje”, disse Juan Carlos Ballón, um pajé ou xamã. “Antes, quando a Bolívia era um Estado católico, todas as nossas crenças eram escondidas. Hoje temos uma nação plurinacional e todas as crenças são respeitadas, por isso podemos praticar abertamente. É um bom tempo para nós.”

a Bolívia, o festival é muito um caso de arriscar para ver. Desde que a sorte venha, ninguém se preocupa muito com que forma ela tome. Os vendedores também oferecem gatos japoneses “manuki-neko”, com as patinhas erguidas para dar sorte, e macacos de cerâmica, animal deste ano no zodíaco chinês, que trazem barris cheios de joias. A festa, que ocorre nas cidades de todo o país durante duas semanas, a partir de 24 de janeiro, é diversão bem-humorada. As famílias vêm comprar, os adultos jantam nas barracas nas ruas, enquanto seus filhos brincam. Os festei-

ros entregam montes de dinheiro a estranhos, em sinal de boa vontade. A Alasitas também reflete os muitos desafios sociais e econômicos que transformaram a Bolívia na década, desde a ascensão de Evo Morales, primeiro presidente indígena do país, que usou a renda do boom de matérias-primas para aumentar os padrões de vida dos conterrâneos e reduzir a desigualdade. A festa teve origem nas crenças dos indígenas aimará, e por muito tempo ficou relegada à periferia da cultura boliviana. As miniaturas só eram disponíveis no Parque de los Monos. Morales colocou a festa no centro da vida nacional, ao permi-

A Bolívia, antes um dos países mais pobres da América Latina, desfruta, segundo Ballón, da maior prosperidade de sua vida. Os artigos à venda na festa demonstram esse sucesso e refletem as expectativas de uma população que se habituou com um crescimento médio de 5,1% nos últimos dez anos. Em vez de sacos de cereais em miniatura, os populares compram imitações mais luxuosas. Além de casas de brinquedo, adquirem prédios de apartamentos de plástico ou madeira, com plantas arquitetônicas e minidocumentos de propriedade. “Eu comprei só uma casa hoje, mas no ano que vem talvez compre um condomínio”, brincou Merçelas Gómez, moradora local, enquanto comia um tradicional Plato Paceño com seu marido. Com a queda dos preços globais das matérias-primas, a Bolívia precisará de mais do que sorte para manter seu crescimento por mais 12 meses. Por enquanto, ao menos, o país está em um clima festivo e generoso. Quando eu saía da praça, uma mulher colocou três notas de 100 dólares em minhas mãos. “Tome, para dar sorte!”, disse. • Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves C A R T A C A P I T A L ­— 3 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 6

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Gingado virtuoso

MÚSICA Jovens instrumentistas

abrem novas searas rítmicas POR ANA FERRAZ

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o apartamento de Ricardo Herz, duas rabecas pendem da parede ao lado de fotos, objetos decorativos e lembranças de viagem. No chão, uma caixa de forro acetinado acomoda um violino-tenor. Outros três, “o oficial, do século XIX, um meio-termo e um velho de guerra para levar na praia”, estão por perto. Herz usou a bagagem da formação clássica para reinventar o violino. Apaixonado pela música popular, pôs a técnica erudita a serviço da ginga de ritmos como forró e choro. Aos muitos que o reconhecem como virtuose, diz acreditar em dois talentos, um musical e outro voltado ao estudo.

O violinista de 37 anos pertence a um time de instrumentistas de qualidade excepcional comprometidos com a arte e arrebatados pelo encantamento por ela produzido. O grupo inclui Samuca do Acordeom, 32 anos, talento esculpido na música regional gaúcha, hoje dedicado ao choro, o piracicabano Alessandro Penezzi, 41 anos, cuja carreira de violonista começou a desabrochar aos 18 anos, quando trocou a tediosa rotina de bancário por apresentações em bares e restaurantes, e Gian Correa, 27 anos, paulista de Caconde. Ambos são mestres do violão 7 cordas, que deixa a modéstia da função de acompanhamento para brilhar como solista.

A sanfona apimentada de Samuca encontrou o violino suingado de Herz por obra do acaso. “Fomos selecionados para o projeto Rumos do Itaú Cultural e nos juntaram num duo. Ninguém se conhecia, podia dar tudo errado, mas deu liga desde o início”, conta o violinista. “Quando eu soube quase desisti. Toco música popular. Ao vê-lo num vídeo com Dominguinhos respirei de alívio. Deu muito certo”, confirma Samuca. O primeiro resultado foram shows em 2015 em homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga. “O Joquinha, sobrinho do Gonzagão, participou, foi muito bacana.”

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O violino suingado de Herz encontra a sanfona apimentada de Samuca

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“Sem os urubus para enfeitá-los, os muros voltaram à sua função de apenas separar, vedar, dificultar, e pareciam até mais altos e mais odientos. Não pensamos que os urubus fossem fazer tanta falta”

JOSÉ J. VEIGA (Em Sombras de Reis Barbudos, Editora Companhia das Letras)

ANDRÉ SEITI

de música da prefeitura de Caconde, aos 7 anos, passou para as rodas de choro e aprimorou o ouvido com discos de Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo. O contato primeiro com o 7 cordas foi mágico. “Fiquei doido com o contraponto. É uma linguagem livre, de criação instantânea, o fraseado é improviso puro. Aquilo me encantou.” Aos 15 anos, tirou a corda mais aguda do violão tradicional. Aplainava o caminho para as “baixarias”, contraponto feito em notas mais graves.

A parceria rendeu ainda o CD Novos Rumos, que a dupla lança dia 17 de março em São Paulo, em show no Itaú Cultural da Avenida Paulista. “No repertório, músicas de Samuca (Fala Agora, Esquentango), minhas (Chamaoquê, Boinas, Bigodes e Guarda-Chuvas), alguns clássicos (Receita de Samba, de Jacob do Bandolim, Nocturna, de Julián Plaza), improvisos e participação de Gian Correa no 7 cordas.” Chamaoquê surgiu de uma conversa com Yamandu Costa, regada a cerveja e chimarrão. O gaúcho queria saber por que Herz estudava fora do País, foram dez anos entre França, Israel e Estados Unidos, e o aconselhou a explorar os muitos

Violões de 7 cordas, violinos e sanfonas a serviço da tradição popular

ritmos brasileiros. “Você conhece o chamamé?”, perguntou. “Chama o quê?”, rebateu o paulistano. Virou música. Correa cresceu em meio musical. Bandolim, cavaquinho, violino e violão eram tocados pelo pai e pelos avós. Da escola

“Comecei a estudar o Dino 7 Cordas e tentar descobrir como ele tocava. Ouvi muito Luizinho 7 Cordas, Zé Barbeiro, Osvaldo Colagrande e Israel Bueno de Almeida. Num segundo momento, Rogério Caetano me influenciou bastante. Ele inventou um novo modo de tocar, desenvolveu questões de escala, recursos pouco usados.” Correa reverencia China, Otávio Littleton da Rocha Vianna, irmão de Pixinguinha, e Tute, Artur de Souza Nascimento, pioneiros do 7 cordas. Em Mistura 7 (2013), seu primeiro CD, o 7 cordas de Correa conversa com um quarteto de saxofones e um pandeiro. Josué dos Santos, sax-soprano, Jota P. Barbosa, sax-tenor, Vitor Alcântara, sax-alto, César Roversi, sax-barítono, e Rafael Toledo, pandeiro, formam com ele um arranjo musical em que as funções de solo e acompanhamento não são fixas. Em Remistura 7 (2015), continuação do projeto, o compositor que começou no choro e desenvolveu uma linguagem no samba explora novas sendas. “É um disco com influências de jazz e música erudita”, descreve o músico, que recorreu a financiamento coletivo para transformar o CD em DVD. Autor de 130 músicas, entre choros, valsas, frevos, baiões e sambas, Alessandro Penezzi é multi-instrumentista, toca violão-tenor, cavaquinho, bandolim, flauta e violão 7 cordas. “Ele é uma referência no choro”, elogia Herz, que dividiu o C A R T A C A P I T A L ­— 3 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 6

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Correa, encontro mágico com o 7 cordas

Penezzi , o colorido dos acordes e das possibilidades

palco com Penezzi e Toninho Ferragutti numa série de shows realizados em 2013 em homenagem ao Trio Surdina, formado nos anos 1950 pelos virtuosos Garoto, Fafá Lemos e Chiquinho do Acordeom. O 7 cordas ocupa lugar especial na vida de Penezzi. “Tenho carinho por ele. Gravei com o saxofonista Nailor Proveta o CD Velha Amizade, meu primeiro disco com o violão 7 cordas. É um instrumento de muitas possibilidades, muitas opções de acordes, seja no acompanhamento, como fazia o Dino 7 Cordas, seja de modo inovador, como o Gian Correa, o Yamandu Costa e o Raphael Rabello.” Penezzi, que cresceu em atmosfera musical, em que pai, mãe e avô tocavam violão, bandolim e cavaquinho, teve entre seus mestres Carlos Coimbra e Sérgio Belluco. “Estudei violão erudito com Belluco, a partir dos 11 anos. Me interessei por choro e ele me levou para tocar num regional.” O caminho para o virtuosismo passou pela persistência. “Exige entrega total. Quem estuda violão fica torto por várias horas, é um instrumento incômodo. Na condição de professor, vejo que esse 48

Além de talento, o virtuosismo reclama superação e persistência

é um dos maiores problemas. O dom para mim é a força de vontade de ultrapassar essa fase. A pessoa ama tanto o ofício a ponto de insistir e superar.” Parceiro de Paulo César Pinheiro, com quem tem 12 músicas, está em dívida com o letrista e com Yamandu, que lhe cobram tempo para gravar um CD. “Tocar com ele é tocar junto, é um dos músicos mais generosos que conheço.” Samuca, originário da música tradicional gaúcha, começou as estripulias na sanfona aos 13 anos. “Não sabia jogar bo-

São entre seis e sete horas diárias ao violino, instrumento de grandes dificuldades. “É preciso estudar muita escala para saber onde posicionar o dedo, pois o instrumento não tem traste e qualquer deslize aparece. A afinação é um problema. Quando você puxa muito a corda num pizzicato, ela esquenta, dilata, fica mais grave e é preciso afinar novamente. Quando estudei na Berklee Colleg of Music, entre 2001 e 2002, tive tendinite no braço esquerdo. Acabei por desenvolver uma técnica corporal, um jeito de tocar sem me prejudicar. Fui persistente.” Violino apoiado no ombro, Herz improvisa, toca choro, forró. Os olhos brilham ao mover o arco, fazer staccato, produzir um som mais flautado, imitar o resfolego da sanfona. “É tudo na memória do dedo. No palco, coloco uma música lírica, um frevo que mostra agilidade, um xote, que é mais suingado, uma composição mais torta, ritmos menos previsíveis.” Com Pedro Ito, bateria e percussão, e Michi Ruzitschka, violão de 7 cordas, forma o Ricardo Herz Trio. Apresentam-se em palcos dentro e fora do Brasil, em que mesclam sons do CD Aqui É o Meu Lá, de 2012, ao repertório do próximo, Torcendo a Terra, em fase de captação de recursos. Ex-aluno da conceituada escola de violino clássico Fukuda, Herz tem em Dominguinhos grande inspiração. “Ele é um exemplo de virtuosismo não barato, um sujeito humilde que deixou uma escola.” •

ELISA GUDIN

la e para não ficar sem fazer nada fui estudar acordeom.” A partir de 2009, voltou-se à música instrumental. “Ser músico é estar conectado. O choro exige dedicação diária, muitas horas”, diz. “Ele ganhou vários prêmios, conhece tudo”, enfatiza Herz, cujo tempo hoje é dedicado à composição e estudo de improvisação.

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Bravo! LER, VER E OUVIR

ÓPERA

J O S É A L B O R N O Z E F Á B I O_ M E N D O N Ç A

EM MEIO À CRISE, THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO ANUNCIA TEMPORADA LÍRICA, MUSICAL E DE DANÇA

O

ALEXANDRE DUMAS

(Em O Conde de Monte Cristo, Editora Zahar)

Programação terá El Amor Brujo, com o grupo catalão La Fura dels Baus (à esq.), e reprise de La Bohème, apresentada em 2013

Vendetta extralírica Municipal paulistano anuncia temporada lírica, musical e de dança 2016 em meio a crise inédita. Recém-demitido, o diretor-administrativo José Carlos Herencia foi acusado de desvio de milhões, o que teria provocado o cancelamento de pe-

“Eis um ciumento embriagando-se com vinho quando deveria fazê-lo com fel. Eis um imbecil de quem tomam a amante sob seu nariz e que chora como uma criança.”

lo menos quatro atrações. Como em um libreto verdiano, Herencia negou e acusou o capo maestro John Neschling de vendetta. Em meados de dezembro, Neschling subiu ao pódio para obter da Sinfônica Municipal interpretação correta da difícil Quinta de Mah-

ler. “A orquestra está com o mesmo nível da Osesp”, afirmou Neschling, ele próprio o reformador daquele coletivo, antes de briga com o governo estadual. Pelos metais com frequência inseguros, a Municipal não alcança a congênere, mas transmite o calor que falta à Osesp. Os salários dos principais regentes-titulares paulistanos ainda obedecem a patamares europeus. Mesmo com seu entorno convertido em camelódromo e ponto de tráfico, o Municipal goza de popularidade inédita, lotado de público ávido pela selfie na escadaria de mármore. De outro lado, o maestro precisa interromper sinfonias para requisitar silêncio. Apesar de bons programas distribuídos de graça, não seria demais a locução de conselhos como evitar aplaudir entre movimentos. Os corpos estáveis da casa começaram a apresentar-se em praças e bairros, o que poderá formar plateias. À parte os desfalques, o ano enfatiza o Balé da Cidade, com quatro temporadas. A reprise de uma Bohème vista em 2013 é medida de economia interessante, pelo bom gosto da encenação. Para os aficionados do moderno, há a rara Lady Macbeth do Distrito Mtsensk, de Shostakovich, a faustosa Electra, de Richard Strauss, e El Amor Brujo, de Manuel de Falla, com o grupo catalão Fura dels Baus. O Festival Beethoven, com Sinfônica e coros, tem opções de assinatura isolada ou casada a outras atrações. Dezembro será tempo de Carlos Gomes, com a Fosca, mais cara produção da temporada. – Alvaro Machado C A R T A C A P I T A L ­— 3 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 6

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A GEN DA TEATRO

FORTALEZA

SANTO ANDRÉ

Acompanhada por Gustavo Ruiz, violão, e Alexandre Ribeiro, clarinete, a cantora Tulipa Ruiz apresenta as músicas de seu segundo CD, Tudo Tanto. Caixa Cultural, quarta 3 e quinta 4.

O violonista e cantor Eduardo Gudin faz show de divulgação de seu 16º disco, Notícias Dum Brasil 4. Entre as músicas inéditas, parcerias com Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro e Carlos Lyra. Sesc Santo André, sábado 30.

CABRAS BEM MARCADOS

F E S T I VA L D E T I R A D E N T E S

Cabras. Maria Thais. Centro Cultural São Paulo. Até 13 de março

VÍCIO MUSICAL Chet Baker – Apenas um Sopro. José Roberto Jardim. Teatro CCBB-SP. Até 7 de abril

A novidade na incursão dramatúrgica brasileira sobre a vida do jazzista Chet Baker (19291988) consiste no convite a cantores, pianista, contrabaixista e baterista profissionais para o jogo teatral. Assim, o Titã Paulo Miklos passa a dividir sua trajetória com o teatro local como o problemático músico, que deu rosto masculino ao blues hipnoticamente escuro de Billie Holiday. Tal como Lady Day, Chet aderiu à heroína. Precocemente após 60 minutos, quando toma vulto em interpretação de Miklos para My Funny Valentine, a peça ambienta-se em hipotética sessão de gravação, após Baker recuperar-se de perda de dentes durante briga de rua em São Francisco, em 1968. Convincente nos filmes O Invasor e É Proibido Fumar, o ator-cantor carrega cicatrizes biográficas na área das drogas. Falta-lhe, porém, projeção vocal para os diálogos sem auxílio de microfone. Entre os partners, a crooner Anna Toledo (Alice) destaca-se em standards e em falas de inesperado protagonismo. – AM 50

A marcação de cena e de gestual dos espetáculos da Balagan Cia., da diretora Maria Thais, é sempre minuciosa, com base em seus estudos da biomecânica de Vsevolod Meierhold, encenador da vanguarda russa dos anos 1930, e de danças e jogos tradicionais, do caboclinho ao flamenco. Após três anos de ensaios para Cabras, os dez atores da trupe deixaram-se desenhar na concepção espacial e nos figurinos de Márcio Medina. Com tal carga compositiva-formalista, os personagens nordestinos de raízes negras e indígenas que abraçam o cangaço adquirem universalidade. Poderiam ser guerrilheiros georgianos a evoluir em Eisenstein, ou infantaria de clãs japoneses na estilização de Akira Kurosawa. A dramaturgia de Luís Alberto Abreu experimenta hibridações narrativas, em 20 histórias interligadas. Resulta em um desafio para os atores, que se incumbem de tambores e rabecas. Tantos estímulos sensoriais no âmago da aridez sertaneja conduzem o espectador pelo fluxo narrativo. – AM

ORDEM NATURAL O LUGAR DA MEMÓRIA NO CINEMA ELABORADO DE ANDREA TONACCI

A

ndrea Tonacci sabe o lugar que ocupa no cinema brasileiro e, mais importante, aquele que quer ocupar. “Não me interessa fazer o jogo do mercado, de determinada tendência da produção. Faço os filmes de acordo com uma necessidade e coerência de desejos que me impõem um preço.” Seu pensamento exposto em um debate durante a 19ª Mostra Tiradentes, onde foi homenageado, parece até modesto e evasivo para quem assina uma obra pequena e autoral. Mas títulos como Bang Bang e Blá Blá Blá (com Paulo Gracindo no elenco, foto) são motivo de reflexão ainda hoje pela crítica e alvo de estudos acadêmicos. Apesar da aparência de inspiração casual, os filmes têm elaboração nem sempre evidente. “Não busco com obsessão um tema ou material com o qual trabalhar. Deixo que algo me toque.” O diretor contou de que modo surgiu a cena mais emblemática de Serras da Desordem (2006), espécie de pedra fundadora de uma nova condução de documentário. O momento é referencial à fusão do registro documental e de ficção, quando índios, mimetizados à floresta, encaram a câmera. Embora dramatizada, a sequência se dilui na trajetória entre real e reconstituída de um indígena no ambiente de civilização. O realizador romano chegado criança ao Brasil caminhava pela montanha quando notou gotas d’água numa rocha. Veio a indicação da natureza de um local que lhe seria recorrente à memória no filme lançado em 2015, Já Visto Jamais Visto, em que recupera trechos de gravações caseiras ou nunca usados. “A memória sempre esteve presente em meus filmes e não acredito que isso possa ser considerado simplista. É o que nos move.” – Orlando Margarido

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SALVADOR

RIO DE JANEIRO

SÃO PAULO

O compositor e cantor Nelson Rufino festeja meio século de profissão no show 50 Anos de Samba. Entre os sucessos, Todo Menino É um Rei, Verdade e Amuleto da Sorte. Teatro Castro Alves, domingo 31.

A mostra O Cinema Total de David Lean é uma retrospectiva de alguns dos mais significativos títulos do cineasta inglês. Entre os filmes, Lawrence da Arábia, Grandes Esperanças e Doutor Jivago. CCBB, até 15 de fevereiro.

João Bosco leva ao Sesc Belenzinho o repertório do disco 40 Anos Depois, com sucessos da carreira e canções de Tom Jobim, Paulinho da Viola e outros grandes. Sexta 5, sábado 6 e domingo 7 de fevereiro.

CINEMA

MALES ATUAIS Body. Malgorzata Szumowska

FEITO PARA ELES

VICTOR IEMINI

O Regresso. Alejandro González Iñárritú

Antes de tudo, é preciso dizer que O Regresso é um feito. Narrativo, técnico e por tantas outras abordagens efetivadas pelas 12 indicações ao Oscar. Se algumas são barbadas, outras, a exemplo de melhor filme, direção para Alejandro Inãrritú ou ator para Leonardo DiCaprio, dependem de variantes e a brincadeira pode ser discuti-las até a entrega do prêmio. Que assim seja, porque há tudo menos razão para se divertir no filme que estreia quinta 4. Sofre-se com e pelo personagem até o limite da exaustão. A questão é avaliar se vale sofrer por duas horas e meia. DiCaprio é o desbravador que no século XIX experimenta a tragédia completa. Vê seu filho ser assassinado e ele mesmo abandonado à morte depois de luta aguerrida com um urso. Sobrevive e vai no encalço do matador (Tom Hardy). O sentido de vingança orienta a trama e em vez da paisagem seca de John Ford temos a neve quase intransponível. Se há a forma clássica por um lado, por outro a inovação depende do esforço físico empreendido para se concluir. - OM

Body é a síntese de algumas questões fundamentais de nosso tempo. São situações entrecruzadas a partir de personagens que se relacionam. Há o pai que trabalha em um necrotério, sua filha anoréxica e a terapeuta dedicada a ajudá-la por meio da espiritualidade. No primeiro caso impõe-se a violência, pois o profissional lida com a crônica policial. A jovem em casa não lhe traz alívio ao padecer de recorrente doença moderna. E temos ainda a religiosidade investida de terapia, na crença de que falar com os mortos pode salvar. Outro conhecido apego na atualidade. Que essa leitura venha da Polônia, país que não costumamos reconhecer pela cinematografia contemporânea, reforça o tom inesperado da crítica. Trata-se de nação de profunda fé católica que o comunismo não arrefeceu. O país saiu do regime político para uma oferta capitalista com traumas e indecisão entre manter a tradição ou renovar-se. Curioso é o fato de a diretora Malgorzata Szumowska, premiada em Berlim, recorrer ao humor para dar conta das questões. - OM

NUNCA ESGOTADO O HORROR MAIOR DO HOLOCAUSTO NA OBRA PERTURBADORA DE LÁZLÓ NEMES

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arecia improvável, mas Filho de Saul, estreia de quinta 4, trata do Holocausto como nunca se viu antes. Há títulos de referência no assunto, da grande produção de A Lista de Schindler, em que Steven Spielberg invertia a lógica ao mostrar judeus salvos, ao foco documental e poderoso da Shoah. Nessa empreitada de Claude Lanzmann tem-se uma referência para o perturbador filme do húngaro Lázló Nemes, indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Um depoente volta ao campo de concentração para lembrar como colaborou para aniquilar os seus. Como muitos judeus, foi forçado pelos nazistas à tarefa. Não se pode imaginar horror maior. Desse contexto sai a matéria angustiante do pesadelo de Saul (o impressionante ator Géza Röhrig). Ele integra o Sonderkommando de Auschwitz, eufemismo usado pelos alemães para a unidade responsável por despojar os presos na antessala da câmara de gás. Trabalha num estado de exaltação e perigo FILHO DE SAUL quando lhe chega o corpo de um meLázló Nemes nino que reconhece ser seu filho. Decide dar a ele funeral digno e sai em busca de um rabino. Mas há a curva dramática e uma dúvida se impõe. Nemes reforça a opressão com uma tela vertical menor que a habitual e os sons de sugestão antes que a visão. Ouvir pode ser mais incômodo do que ver. - OM C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6

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EXPOSIÇÃO ESQUISITOS DE CORAÇÃO PURO O Mundo de Tim Burton. Museu da Imagem e do Som, São Paulo. De 4 de fevereiro a 15 de maio. www.mis-sp.org.br

Entediado com a pacata vida num subúrbio californiano, o adolescente Thimothy Walter Burton passava os dias entre antigos filmes de terror com Vincent Price, visitas ao cemitério e a desenhar monstrengos. Introvertido, esquisitão, poucos amigos, recorria a papel e lápis para materializar um mundo interior povoado por seres inclassificáveis. Eram os primórdios de um estilo que se tornaria único, um univer-

so sombrio demais para os padrões Disney, onde Tim Burton fez estágio como animador, após se formar pelo California Institute of the Arts. Logo percebeu que no reino de Mickey não poderia dar vazão a seus projetos. Após o sucesso de Os Fantasmas se Divertem (1988) ganhou autonomia

para abrir as comportas para seus personagens de bom coração escondidos atrás de rostos macilentos e jeito neurótico. Na fantasia Edward Mãos de Tesoura (1990), um dos muitos filmes com Johnny Depp, o estranho de aparência perigosa não passa de um jovem talentoso sedento de afe-

L A I EC P ES

IA E TR S E

to. Na animação A Noiva Cadáver (2005), o mundo subterrâneo oferece mais cor e diversão que aquele dos vivos. Depois de viajar por diversos países a partir da montagem pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, em 2009, chega ao Museu da Imagem e do Som a exposição O Mundo de Tim Burton. Vai ocupar três espaços e encher os olhos dos fãs com 500 itens, entre pinturas, esboços, desenhos, storyboards, bonecos de personagens, curtas do início da carreira nunca lançados e objetos de arte do diretor. A curadoria é de Jenny He, em colaboração com a Tim Burton Productions. – Ana Ferraz

Em homenagem ao lendário diretor

Ettore Scola, reexibiremos seu último filme que retrata com carinho, a vida e obra do seu amigo Federico Fellini.

Indicação ao

OSCAR 2016 de Melhor Ator para

Bryan Cranston

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DVD

FAROESTE DE PAI PARA FILHO JOHN WAYNE CONSIDERAVA HARRY CAREY O MAIOR ATOR DO GÊNERO DE TODOS OS TEMPOS. HARRY CAREY JR. SEGUIU A CARREIRA

U

m século de cinema pode ser resumi- da Guerra e atuou em filmes de propaganda aliada realizados por Ford. Tentou ser cantor, do nas carreiras de um pai e um filho: Harry Carey (1878-1947) e Harry mas estava fadado a seguir os passos do pai. Sua carreira começou quando a de Carey Carey Jr. (1921-2012). O pai, nascido em Nova York, filho de um juiz e empresário, tentou for- Senior terminava, em meados dos anos 1940. A passagem do bastão deu-se em Rio Vermelho mar-se em Direito, mas acabou por entrar no (1948), de Hawks, único filme em que atuaram cinema em 1909 para trabalhar em filmes do pioneiro D. W. Griffith. No cinema mudo, tor- juntos. Especializando-se também em wesnou-se um astro do faroeste. Desde 1917, atuou terns, Carey Jr. protagoniza uma homenagem ao gênero em De Volta para o Futuro 3 (Robert em 26 filmes do amigo John Ford, em sua maioria westerns. John Wayne o considerava Zemeckis, 1990). Fez 154 filmes. O pai, 267. “o maior ator do gênero em todos os tempos”. A partir dos anos 1930, Carey ampliou seu Carey e Carey Jr. atuaram escopo e viveu empresários, piratas, pais de em 421 filmes família. Em 1939 foi indicado ao Oscar pelo papel de presidente CALÇADA do Senado em A Mulher Faz o HoDA mem, de Frank Capra. MEMÓRIA Carey Jr. nasceu em Santa por JOSÉ Barbara, Califórnia, e cresceu GERALDO entre os cavalos do rancho do pai. COUTO Serviu na Marinha na Segun-

o

a,

CD

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GEMAS PRÓPRIAS E PEPITAS ALHEIAS

AFP

Daqui. Pau Brasil. Independente

Na cena instrumental, crivada de projetos de fôlego curto, o grupo Pau Brasil atesta sua longevidade ao desembarcar no décimo título ainda coeso e afiado. Articulado no longínquo 1979, com o disco de estreia editado pelo selo vanguardista Lira Paulistana quatro anos depois, ele so-

breviveu a várias formações até solidificar a atual, ancorada pelos fundadores Nelson Ayres (piano) e Rodolfo Stroeter (baixo), Paulo Bellinati (violões), admitido logo depois, e os posteriores Teco Cardoso (flautas, saxes soprano, alto e barítono) e Ricardo Mosca (bateria). Forjado nas lições da antropofagia modernista, o quinteto não se limita a peneirar um repertório de gemas de lavra própria e pepitas alheias. Empenha-se ainda em abordagens conceituais do repertório. Relaciona um obscuro afro-samba de Baden Powell, Pai (com Paulo César Pinheiro), adensado por citações de outro exemplar do mesmo estilo do autor, Consolação (com Vinicius de Moraes), à sintaxe de sopros e compassos alterados do mestre do violonista, o saxofonista Moacir Santos (Ago-

ra eu Sei). O grupo, que em 2012 dividiu Villa-Lobos Superstar com o Ensemble SP de cordas e o cantor Renato Braz, relaciona o erudito carioca (Bachianas Brasileiras nº 1- Prelúdio/Modinha) a seu discípulo confesso, Tom Jobim (Saudades do Brasil), ambos impenitentes adeptos do contraponto. Enquanto Sarapuindo (Teco Cardoso) rodopia na valsa, Pingue Pongue requebra num raro maxixe canon, ou seja, a duas vozes, “a segunda, um tempo atrasado, após o início da primeira”, como decupa o autor, Paulo Bellinati. Nelson Ayres encena atmosfera nordestina em Agreste, e o verniz rústico de Lá Vem a Tribo (Bellinati/ Stroeter), lustrado pelo clarone do jazzista inglês John Surman, remete à resiliência da madeira primal que nomeou o grupo. - Tárik de Souza

A MULHER FAZ O HOMEM (1939) Homem idealista (James Stewart) chega ao Senado americano e entra em choque com o jogo sujo e os interesses escusos à sua volta. Nesse poderoso melodrama social de Frank Capra, que ganhou o Oscar de roteiro original, Harry Carey foi indicado à estatueta de ator coadjuvante por sua atuação como presidente do Senado. JGC

RIO VERMELHO (1948) A relação de amor e rivalidade entre um rude caubói (John Wayne) e seu filho adotivo (Montgomery Clift) durante a épica condução de uma boiada por milhares de quilômetros. Clássico absoluto de Hawks em que Carey Jr. encarna um vaqueiro esmagado por um estouro da boiada e seu pai vive o empresário que compra o gado. JGC

O CÉU MANDOU ALGUÉM (1948) Em fuga depois de assaltar um banco, três bandoleiros (John Wayne, Harry Carey Jr. e Pedro Armendariz) encontram no deserto uma mulher agonizante que acaba de dar à luz. Mesmo correndo riscos, atendem o pedido da mãe e cuidam do bebê. Faroeste de John Ford dedicado a Carey pai, que morrera pouco antes. JGC

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Foto: André Schiliró

ATRAVÉS DE MÃOS AMIGAS, ESTAMOS TRANSFORMANDO MILHARES DE VIDAS. A primeira viagem que um grupo de amigos fez ao sertão nordestino, em 1993, transformaria para sempre a vida de milhares de pessoas. Assim, nasceu a instituição Amigos do Bem. Um trabalho social que mudou a realidade de famílias que viviam em condições de extrema pobreza. Esse projeto de transformação acontece através da educação, saúde, moradia e trabalho. E em tudo o que os Amigos do Bem fazem, há a busca não apenas pela efi­ciência, mas pelo compromisso de amor e exercício constante do bem.

A cantora e Amiga do Bem Claudia Leitte cedeu os direitos de sua imagem.

Colabore. Doe.

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QI

Guia da vida contemporânea Papinho Gourmet revela cenas de um sincericídio explícito 58 Dietas de verão: entre Gisele e Oprah, fique com você mesma 60 As passarelas prestam tributo ao espaço, a Bowie, a Courrèges 62

ILUSTR AÇÃO: ESTELL A MARIS. FOTOS: SHUT TERSOTCK

Joaquim Nabuco enquanto jovem e aquela que se recusou a ser só uma plácida esposa

Um novelão à brasileira O tormentoso affair de Zizinha e Quincas, em cenário tórrido de embates políticos na Corte e de mimosas contradanças nos salões de Paris

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QI/Romance histórico á anos raiou no céu fluminense uma nova estrela” – começa o romance Senhora, de José de Alencar. “Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões. Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Era rica e formosa”. O romancista cearense, naquele estilo copioso que não se recomenda aos diabéticos, chamou de Aurélia Camargo a seu personagem. E de Alfredo Moreira seu galanteador. Ninguém haveria de ignorar, nos sussurros bisbilhoteiros da Corte imperial, a notável semelhança entre Aurélia e Eufrásia Teixeira Leite, mulher rica, aristocrática, deslumbrante, solteira, altiva, independente, vaidosa na medida certa. E como não perceber ser Alfredo calcado, com a malícia arremessada contra um fogoso liberal pelo conservador que era Alencar, no jovem Joaquim Nabuco, filho de senador mas de posses limitadas, político, escritor, polemista, modelo de elegância? Senhora foi publicado em 1875 em intermitências de folhetim. Eufrásia, aliás Zizinha, já estava então instalada a protegida distância das maledicências provincianas e da tutela da família carola, inconformada com a petulância daquela herdeira decidida a recusar, já madura aos 20 anos, casamentos de interesse e disposta a ser dona de seu próprio nariz. Zizinha vivia, desde o outono de 1873, em Paris, e ali chegara para ficar, na companhia da irmã mais velha e sentinela, Francisca, e, mercê da fortuna herdada pela morte da mãe e do pai no curto espaço de um ano, aninhada em confortável palacete da Rue Bassano, nos Elysées, tendo sua curiosidade intelectual de dame du monde abastecida pelas soirées da ópera e por suas leituras eruditas, deixou-se envolver também pelo circuito de convivas requintados e admiradores obstinados bem à fei56

ção da Paris que pulsa, por exemplo, naquela Educação Sentimental, de Gustave Flaubert. Desfazia-se dos pretendentes, la belle brésilienne, sem jamais perder a graciosidade do negaceio, mas o fato é que seu coração pertencia a Quincas, a quem o acaso – ou a premeditação? – havia vinculado, em laço de afeição recíproca, a bordo do navio Chimborazo, aquele no qual Zizinha embarcara, em agosto de 1873, para seu doce desterro parisiense. Para todos os efeitos, mal se conheciam, Zizinha e Quincas (a imaginação alheia iria denunciar flertes anteriores, namoricos de adolescentes, valsas compartilhadas em bailes fidalgos). No Chimborazo, aconteceu o encontro casual – que se tornaria arrebatador. Respirando a mesma brisa marítima, sob o mesmo luar, no mesmo convés, lá estava Zizinha e lá estava Quincas, o Belo – “dândi, sedutor de muitas solteiras e algumas casadas, afável e gentil no seu quase metro e noventa”. Estas aspas pertencem a Ana Maria Machado, em Um Mapa Todo Seu. É, sem contar a ficção à clef de José de Alencar, o quinto livro a incursionar pelos labirintos emocionais do vigiado idílio, com solavancos e estilhaços dignos de novelão de época naquele horário das 6 da tarde. Ana Maria Machado, que se distingue naquela Academia Brasileira que se

O clã brasonado desconfiava do dândi caça-dotes. Mas o que movia Nabuco era o amor

Ninho rejeitado. O solar familiar de Vassouras, hoje museu Casa da Hera, os pais Joaquim José e Ana Esméria e o retrato de Eufrásia, por Carolus Duran (Paris, 1887)

diz de letras pela inusitada circunstância de ter profunda intimidade com elas, as letras, tece uma hipnotizante crônica de paixão impossível a partir da relação da ex-sinhazinha de ninho nobiliárquico e fortuna cafeeira (neta por parte de mãe do Barão de Campo Belo, por parte de pai do Barão de Itambé, sobrinha de Barão de Vassouras e sobrinha-neta do Barão de Aiuruoca) com o abolicionista

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CAROLUS DURAN - 1887

já polpudo espólio paterno, avaliado em 767 contos, 937 mil e 866 réis, correspondente à dotação pessoal de dom Pedro II. Não iria, portanto, a bem-sucedida Zizinha, sacrificar seu bem-estar emocional nas pegadas imprevisíveis de um marido à moda antiga, a quem a família da moça tinha na conta de um janota enfatiotado e sinistro caça-dotes.

impenitente, odiado pela oligarquia do campo e pelos reacionários da cidade.. Não que lhes faltasse o combustível do amor – ao contrário. Mas o roteirista do enredo político-social do agonizante Império brasileiro cobrava do cosmopolita Nabuco – ele que sempre se empenhou com tanto afinco em trafegar por postos diplomáticos em Londres e nos Estados Unidos – a presença física no comba-

Amaram-se, porém, com ardor romanesco, mas, entre propostas aceitas e recusadas, encontros e desencontros, o que decretou a ruptura definitiva, em 1887, 14 anos depois do Chimborazo, foi exatamente o contrário do que os parentes oligárquicos de Zizinha, tão ciosos de seu valor patrimonial do mercado casamenteiro, mais temiam. Sabedora de que o amado amargava sucessivas derrotas e um crônico mal-estar pecuniário, escreveu-lhe de Paris: “Seria para mim um imenso prazer, poderia ser-lhe útil e ninguém o saberia”. Oferecia-lhe dinheiro. “É difícil hoje avaliar a profundidade com que um homem de bem do século XIX foi capaz de se sentir ofendido com essa proposta”, conta Ana Maria Machado. Ferido em seu orgulho, Nabuco recusou – e não mais se falaram. Se Nabuco foi, por sua UM MAPA TODO SEU convicções progressistas, Ana Maria Machado. uma figura bem acima da Editora Alfaguara média na pálida galeria da 222 páginas. R$ 39,90 elite nativa, Eufrásia, esta sim, merece o respeito dete à vergonha da escravidão, que ele liti- vido a uma mulher muito à frente de seu gava nos escritos e em mandatos parla- tempo. O belo Quincas iria se casar e gementares vitoriosos, pelo seu Pernam- rar uma prole. Eufrásia, não – ela fez da libuco natal, mas também intercalados berdade afetiva o estandarte de uma vida intensa e digna, encerrada aos 80 anos, já por fracassos eleitorais. Eufrásia, por sua vez, enfronhada nas de volta ao Brasil. Deixou para a cidade de artimanhas dos investimentos financei- Vassouras todo o seu patrimônio. A Casa ros, a ponto de, em ousadia inédita, ser a da Hera, mansão familiar convertida em primeira mulher a acompanhar os pre- museu, guarda agora as relíquias carinhogões da Bourse de Paris, multiplicou o sas de uma dama de verdade. • C A R TA C A P I TA L — 3 D E F E V E R EI R O D E 2 0 1 6 57

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QI/Papinho Gourmet POR MARCIO ALEMÃO

Delírios gastronômicos

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– Antro Sustentável da Gastrô. Acho que vou sugerir esse adendo ao nome. – Tô achando melhor ir embora. – Sabendo de algum restaurante que esteja precisando de um garção sincero e discreto... – Outro restaurante. – O cardápio de vocês é enorme. Tô cheio de dúvidas. – Quer levar o cardápio pra casa e voltar amanhã? Eu tô cheio de freguês pra atender. – Pode chamar o maître? – Eu sou o maître. – O pior maître do mundo. Um lixo de maître. Tem dono essa porcaria de lugar? – Uma porcaria de dono, pra dizer bem a verdade. – Deve ser mesmo, pra contratar um incompetente da sua categoria. – A minha contratação eu diria que foi a melhor coisa que ele fez. O senhor precisa conhecer o chef! – Ruim?

– Ruim?!? Péssimo! Todos esses pratos do cardápio ele copiou de uns livros de receitas. – De repente, se forem bons livros. – A mãe dele escreveu. A mãe dele passou a vida internada em um manicômio judiciário. Ela inventava receitas, as pessoas provavam, odiavam e ela, com raiva, matou uma meia dúzia. – Mas e o dono não fala nada? – O dono, coitado, tinha um restaurante aqui perto. O filho mudou de sexo e papou a mulher do chef. O chef deu cabo dos dois, o doutor Plinio – Plinio é o nome dele – ficou com a cabeça perturbada, acabou com a vida do corno feijoada – era o apelido do chef – foi internado, acabou conhecendo a mãe do nosso chef, se apaixonou por ela e pelos livros de receitas que escrevia. Quando soltaram ele, abriu isso aqui. – E me diga que tal esse panetone de atum com crosta de merengue da Canastra. – Excelente escolha! •

ISTOCKPHOTO

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cliente pede uma sugestão e recebe. – Eu sugiro que o senhor caia fora. – Como é? – A melhor sugestão do dia é cair fora, não pedir nada. O chef está em um dos piores momentos da vida. Descobriu que a mulher o trai toda quarta-feira. Ganhou apelido de corno feijoada. – Mas aquele filé grelhado, o alto, com salada. Esse nem precisa da inspiração do chef. – Concordo, mas eu não sei se o senhor ficou sabendo que o dono, o doutor Plínio, gastou uma fortuna com o filho mais velho. Cirurgia de mudança de sexo. – E o que o meu filé tem a ver com isso? – Vai na cozinha dar um olhada nas carnes que ele tem comprado por conta da verba. Nem pro meu cachorro eu daria. – Não tem F de confiança? – Tem F de fedorenta. – Só por curiosidade; deu certo a operação? – A vida é complicada, doutor. O rapaz virou uma moça linda e é justamente essa moça que frequentava a cama do feijoada. – Que antro! – Sugeri pro chefe ontem. Mudar o nome da casa pra Antro da Gastrô. – Mas nem uma saladinha? – Tão lavando com água de reúso. Encaras? – Macarrão também na água de reúso? C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

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QI/Dieta

Depois de um dezembro de exageros, a dura temporada de expiação

POR LINDY WEST

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a quarta semana de janeiro e você, provavelmente, está de dieta. Mais do que qualquer outro eixo da vida – mais que nossas carreiras, nossos relacionamentos, nossas finanças –, somos treinadas a começar cada ano com uma avaliação hipercrítica de nosso corpo. Mesmo que não mergulhemos em regimes completos de seis castanhas com mingau de sementes de chia, em 1º de janeiro há sempre uma ideia de endurecer e nos tornarmos a tranquila ninfa dos bosques que fingimos ser no Instagram. Nosso verdadeiro ser. “Este será o ano em que, finalmente, vou emagrecer”, pensamos. Se você é uma espécie de Flintstone fora de época, com uma pedra no lugar da tevê e um tucano como toca-discos, pode parecer uma generalização grosseira, mas abra qualquer revista feminina, espie na cafeteria, fale com sua mãe ao telefone, entre no Facebook ou sintonize um programa de entrevistas à tarde, e você será bombardeada por anúncios, conselhos e juramentos solenes sobre emagrecimento. Dezembro é o mês de fazer “coisas feias”; janeiro é para a autoflagelação. Oprah Winfrey, por exemplo, co60

memorou o Ano-Novo divulgando um comercial dos Vigilantes do Peso em que ela proclama que “dentro de toda mulher acima do peso há uma mulher que ela sabe que pode ser”. Eu tenho observado Oprah fazer dietas ioiô há três décadas – se fosse possível pagar a uma empresa para fazê-la emagrecer, Oprah seria tamanho M desde 1986 – e não acho exagero dizer que não há uma mulher magra escondida dentro dela. Não porque seja impossível que Oprah emagreça (já a vimos fazer isso várias vezes), mas porque essa é uma maneira

“Eu vou me odiar enquanto não me transformar na Gisele Bündchen”. Essa não é uma meta racional e atingível

“Eu vou me odiar enquanto não me transformar na Gisele Bündchen” não é uma meta responsável e atingível. Em primeiro lugar, você já viu o que Gisele Bündchen come? Em uma entrevista ao Boston.com na semana passada, seu chef pessoal revelou que Bündchen e o marido, Tom Brady, evitam açúcar, farinha branca, glutamato de sódio, cafeína, laticínios, cogumelos, solanáceas (batata, tomate etc.), glúten e sal iodado (apesar de PRECISARMOS DELE PARA VIVER). Você quer odiar a si mesma e nunca tomar sorvete? Deve ser novata no jogo de auto-ódio. Em segundo lugar, mesmo que você possa pagar por um cozinheiro profissional e/ou tenha tempo, dinheiro e coragem para seguir o plano alimentar à risca (aparentemente, ele exige três desidratadores de alimentos), isso ainda não a transformará magicamente em Gisele Bündchen, como uma espécie de cozido de feiticeira feito

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Entre em acordo com o seu corpo

mórbida, contraproducente e alienadora de pensar sobre nossos corpos. Oprah é Oprah. Oprah magra é Oprah. Oprah gorda é Oprah. Oprah e seu corpo não são entidades distintas, separadas. A gordura de Oprah não é uma parasita ou o casacão do último inverno. Nem a sua. Não trate a si mesma desse jeito este ano. Não quero dizer que você não deva se esforçar para ter saúde em 2016, se a saúde for importante para você. Mas um número em uma balança não é saúde. Um tamanho de vestido não é saúde. Trabalhe com seu corpo e não contra ele. Isto também não é um libelo de aceitação da gordura – qualquer coach da vida, guru de autoajuda ou mesmo personal trainer lhe dirá a mesma coisa: defina metas alcançáveis. Não se dedique ao fracasso.

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com sal do Himalaia e algas marinhas. Você não é ela. Você é você, e basta. “Eu quero comer alimentos saudáveis e nutritivos como Gisele”, por outro lado, atinge o mesmo objetivo sem aumentar a sua sensação pessoal de derrota. “Eu quero escalar uma montanha” tem uma linha final mais tangível do que “eu quero ser menos gorda”. “Eu quero cozinhar com minha família” é um objetivo mais pragmático e mensurável do que “eu devo me punir por comer queijo”.

Modelos? Não é o caso de imitar a Gisele irritantemente magra e sem apetite, tampouco a Oprah sempre às voltas com a síndrome de ioiô

Não digo isso porque sou algum tipo de especialista em autodisciplina – minha decisão de 2016 é colocar um pouco de hidratante no rosto de uma vez, substituir minha rotina anterior de cuidados com a pele de (grilos... ruído de vento... a distância um cachorro late) – mas porque passei muitos anos pensando em mim mesma como apenas um corpo fracassado. Sei como isso era triste e limitador, e o que eu fiz à minha motivação e compreensão de meu potencial. Não há razão para viver assim. Não me deixou magra e, definitivamente, não me deixou feliz. Se você está de dieta agora e se sentindo ótima com isso, desejo-lhe sucesso, seja qual for a sua imagem de sucesso. Seu corpo é seu. Se você está de dieta agora e foi apanhada em padrões de pensamento desagradáveis, porém, espero que se lembre de que punir seu corpo não é cuidar dele, que resoluções baseadas na vergonha devem ser evitadas e que saúde mental também é saúde. A melhor coisa que você pode fazer neste ano é treinar para ser boa para si mesma. Eu já disse antes, mas vale a pena repetir: você não pode cuidar direito de uma coisa que odeia. • Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves C A R T A C A P I T A L ­— 3 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 6

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QI/Estilo Fly me to the moon

O espaço sobe à passarela, entra na moda e aguça tendências e fantasias

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CÉU PODE estar – como temia o chefe da aldeia gaulesa do Astérix – caindo sobre nossas cabeças. De repente, um cálculo matemático revela o que os telescópios nunca foram capazes de mostrar: existe um nono planeta, até aqui bem disfarçado, no seu sistema solar. A saga estelar Star Wars volta às telas com espetáculo de audiência, depois de um intervalo de dez anos. Matt Damon e o diretor Ridley Scott conseguem fazer de Perdido em Marte uma ficção científica de improvável sutileza. Morre David Bowie, que buscou em Starman, no início dos anos 70, uma de suas múltiplas faces. Uma década antes, o estilista francês André Courrèges deixara impregnar suas criações de haute couture pelo fascínio da corrida espacial (Courrèges faleceu três dias antes de Bowie). Com tudo isso, é natural que as coleções outono-inverno 2016, que acabam de desfilar pelas passarelas do Primeiro Mundo, tenham decidido levantar voos estratosféricos. A moda é o espaço. E vice-versa.

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MARTE É LOGO ALI Em Perdido em Marte, Ridley Scott volta com a mesma afinação que conseguira em Blade Runner – e perdera em recentes blockbusters – num exercício quase solo de Matt Damon como o astronauta que, tido como morto, é abandonado pelos companheiros em Marte. Faz milagres para sobreviver. Prefere recorrer à ciência, não à fé. Talvez por isso o crédulo Oscar o tenha ignorado.

SEX SYMBOL Olho profundos, queixo quadrado e bochechas tão bem esculpidas como as de Angelina Jolie. Não por acaso, C-3PO suplantou todo um plantel de modelos masculinos para se tornar o hit fashion da saison. Foi parar na capa da Love – revista cult de estilo – e da GQ USA. Aqui, ao lado da atriz Amy Schumer, que, de biquíni à moda da Princesa Leia, leva languidamente à boca o dedo indicador do robô. A reação de 3PO é bem humana, notavelmente carnal.

FIGURINO DE VIAGEM Para a exploração extraterrestre que um dia desses virá – sob o patrocínio do siderado Richard Branson – a Virgin Galactic foi buscar o figurino dos futuros espaçonautas num ateliê bem apropriado. É Yohji Yamamoto, com sua marca online Y3, quem assina os trajes para os tripulantes e eventuais passageiros de seus futuros – por ora, sempre adiados – voos orbitais. A Adidas associou-se à Y3 para que os aventureiros tenham algo nos pés ao passear pelo espaço.

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Prazer de ponta POR FELIPE MARRA MENDONÇA

Tocar e saber ouvir Versace (de branco) conseguiu fazer de suas extravagâncias um roteiro de tolices ridículas. As críticas constrangidas chamaram aquilo de “Nasa chic”. Nicholas Ghesquière, para Louis Vuitton, também entrou no clima, mas com maior comedimento. Em Londres, Craig Green militarizou seu estilo (à esq.) como se os modelos fossem sair dali para combater nos desertos interestelares. Até Calvin Klein, quase sempre clássico, deixou-se levar pela inspiração astral. Os primeiros desfiles do ano, em Milão e Paris, mostraram que o prêt-à-porter, em fase Star Wars, está hoje mais para prêt-à-voler.

CORRIDA ESPACIAL A moda de André Courrèges denuncia a formação dele como engenheiro civil. Ela é sempre uma minuciosa construção – em tecidos, mas também em elementos como PVC, plástico e metais. O estilista abriu seu ateliê em 1961, depois de dez anos chez Balenciaga. E 1961 foi também o ano do primeiro homem no espaço, o russo Yuri Gagarin, a bordo da nave Vostok 1. O frenesi estratosférico iria subir à passarela, em 1964, com Courrèges e sua coleção Space Age. Foi um precursor genial, ainda que eternamente controvertido.

Bote uma Fender no seu ouvido. E saia mochilando com um design à Yohji A LENDA DO SOM O FXA7 marca a primeira incursão da lendária marca Fender, célebre pelas guitarras, no mercado de fones de ouvido. O seu desenho é resultado do estudo de milhares de ouvidos, gerando um formato ergonômico. 500 dólares

CASCO A mochila Jet Pack 2.0, da americana Tessel, lembra bastante uma coleção de bolsas do designer Yohji Yamamoto, com seu exterior texturizado por triângulos que formam um casco protetor. O interior inclui um bolso especial para laptops. 140 dólares AREIAS DO TEMPO A suíça Bell & Ross é conhecida por seus relógios inspirados na aviação militar, geralmente sóbrios e em tons escuros. A coleção Desert Type, diferente pela cor cáqui, é uma homenagem aos que cruzam os céus dos desertos. Preço não divulgado

POÇÃO ELÉTRICA A Power Potion (“Poção do Poder”, em inglês), é uma bela brincadeira da Philips com o formato do seu carregador para celulares. Ele se parece mesmo com um frasco de perfume e tem saídas mini-USB e Lightning. Preço não divulgado

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NO MUNDO DA LUA

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QI/Cariocas (quase sempre) CARLOS LEONAM

É tudo verdade Tributo. O Rio lembra, a seu jeito, os 20 anos do ET de Varginha, MG. Mas a coisa é séria: pergunta aí pra turma da FAB

► Amyr Klink e Xuxa

viram, toda Varginha viu. Só não vê quem não quer

O controvertido assunto entrou na minha pauta por causa do ET (extraterrestre) de Varginha, cuja aparição completa 20 anos e transformou a cidade mineira na nossa Roswell (no Novo México), onde, em 1947, um óvni caiu, matando a tripulação. Mas essa é uma história manjada, sempre desmentida pela Usaf. Só não dizem que em Roswell nasceu Demi Moore, ser do Planeta Hollywood, que abduziu Bruce Willis. O UFO mineiro teria sido detectado pelo Norad, que controla o espaço aéreo americano. O fato é que, em 20 de janeiro 1996, um ET apareceu perambulando em Varginha. Teria sido preso ou morto, apreendido por militares brasileiros e americanos, que o levaram embora, provavelmen64

te para a secretíssima Área 51, em Nevada. Uma porção de gente boa já viu um óvni, mas prefere fazer boca de siri. O cineasta Roberto Farias e sua família, nos anos 1970, foram surpreendidos pela aparição noturna de um disco voador em Nova Friburgo (RJ). No dia seguinte, ele saiu para indagar na vizinhança se alguém havia visto, também (tinham). O produtor Carlos Niemeyer, do Canal 100, foi outra testemunha, no Rio. Carlos havia sido da FAB, durante a Guerra, e sabia que o assunto era secreto e investigado sempre pelo “Arquivo X” da FAB, na 3ª Zona Aérea, ao lado do Santos-Dumont. O navegador Amyr Klink também viu coisas estranhas no céu, quando ficou mais de um ano na Baía de Dorian, na Antártida (mas se recusa a tocar no assunto). A ex-modelo Marcia Brito e a apresentadora Xuxa Meneghel já viran. Pouca gente sabe que os comandantes, em todo o mundo, informam aos colegas sobre aparições. É uma entidade, digamos, secreta. Entre nós, depois que

um comandante da Vasp, com um cardeal a bordo, avisou aos passageiros que havia um disco voador acompanhando a aeronave, a FAB proibiu que se tocasse no assunto. Todos os comandantes foram, então, obrigados a relatar fatos estranhos durante seus voos, mas colocando a informação em envelope fechado (Eu mesmo vi a circular para os pilotos da Varig-Cruzeiro com tal ordem. Quem me mostrou foi um primo, comandante da Cruzeiro, que já havia tentado acompanhar um óvni, por ordem do Sindacta, quando voava de Brasília para o Rio, sem passageiros.) Esse primo (vamos chamá-lo de Sergio) estava comigo, e nossos filhos (ainda crianças), num passeio de lancha no fim de uma tarde, na enseada de Paraty-Mirim (RJ). Sem motivo aparente, o motor morreu, não havia jeito de voltar a pegar. Foi então que Sergio disse: “Olha, lá em cima!” Havia um objeto parado, com luzes piscando. De repente, ele partiu, vapt-vupt, e o motor voltou a pegar. Quem quiser saber mais, procure no YouTube. •

CARLOS LEONAM

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uem já viu um disco voador, por favor, levante o dedo, sem medo dos incrédulos, caras de pouca fé. Pois eu já vi, e mais adiante vou contar onde. Estou em boas companhias. Como os presidentes dos Estados Unidos Jimmy Carter e Ronald Reagan e, entre nós, o coronel Osires Silva, então presidente da Petrobras, que, em 1995, a bordo de um Xingu, avistou vários óvnis (acrônimo de Objeto Voador Não Identificado), e mandou uma esquadrilha da FAB perseguir o bicho, sem sucesso. Os óvnis também estavam sendo detectados, em Brasília, pelos radares do Sindacta (controlador do espaço aéreo brasileiro).

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AFONSINHO

A bola pune ► Reflexões em torno

de placares ilusórios com base na emocionante final da Copa São Paulo

B A P T I S TÃ O

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inalmente, a Copa São Paulo nos dá a oportunidade de falar de futebol com a bola rolando – o verdadeiro prazer do esporte. Maçante ficar malhando em cima dessa embromação asquerosa de bastidores. Não se pode fazer o jogo sujo e manjado de dar tempo ao tempo. Precisamos, sim, estar atentos para não mudarem apenas as moscas. Por que razão temos de ficar presos a essa situação humilhante? Não acredito em força nenhuma capaz de submeter a maior paixão brasileira. Se eles preferem cair de podre, muito bem, fiquem à vontade. A tentativa de proibição dos jogos da nova entidade, ainda pouco inspirada, copiando nome de associações estrangeiras, pode ajudar a mudar de vez esse sistema superado, acelerar a ruptura necessária. Chega de “ligas” e de todos os resquícios medievais, hora de transformação. A decisão da Copinha teve todos os ingredientes de uma disputa de futebol entre jovens pretendentes à carreira de jogador profissional, com direito a disputa de pênaltis e às discussões que ela provoca. Começou com um ímpeto exagerado por parte dos corintianos, desnecessário a um time muito bom, considerado melhor pelos próprios cariocas, nas conversas de rua. Mais um fator que torna o futebol tão apaixonante: ninguém garante nada de véspera, ainda mais numa decisão em partida única.

Quando trocaram de lado no intervalo, os times deram a impressão de ter trocado as camisas, um tempo de cada time. Pela qualidade de seu futebol foi que o Corinthians impôs sua vantagem, enganosa logo de cara. Outra situação instigante desse jogo da bola: a discussão da vantagem por dois gols com sua carga emocional, seus aspectos psicológicos que dão ocasião a horas de debates. Somente um time muito maduro pode com esse placar pôr em prática o que o maestro Gerson gosta de dizer com a expressão “furar a bola” – para explicar a estratégia de ficar com o domínio da “menina” (como o gênio Didi chamava a redonda) e ensinou a todos nós, meio-campistas, o que ficou consagrado no México como o gostoso “olé” em jogos do Botafogo por aquelas bandas. Necessário ter muita bagagem, muita autoconfiança, como Didi demonstrou na decisão do Mundial de 58 na Suécia, ao apanhar a bola no fundo da rede e atravessar meio campo, passo a passo, com ela debaixo do braço, depois de o Brasil ter levado o primeiro gol dos soviéticos sem mesmo tocar na bola. Didi pode ser considerado o jogador mais importante da história do nosso futebol, mesmo que Garrincha e Pelé, na ordem que cada um desejar, sejam, sem dúvida, os mais espetaculares de todos os tempos. Quem sabe por imaturidade ou orientação equivocada os alvinegros do Corinthians voltaram para o segundo tempo da final da Copinha querendo garantir o resultado parcial com chutões para qualquer lado, contrariando a boa técnica de sua equipe. A opção do Corinthians por jogadores de maior estatura também estava evidente.

Talvez por não ter outra opção diante do placar desfavorável, mas de qualquer maneira de forma corajosa, o Flamengo armou-se francamente ofensivo. A postura do adversário facilitou o seu trabalho. Em pouco tempo conseguiu o empate. Mais um requisito instigante a história de gol anulado para argumentar que o time poderia com isso sair vitorioso ainda no tempo normal. Não adianta nada o adversário, o torcedor ou mesmo os jogadores ficarem estrebuchando: “Chutamos três bolas na trave”, “perdemos dois pênaltis” ou, como se vê por aí, medir o jogo apenas pela estatística do tempo de bola. Aí mora o prazer do torcedor: matar o “inimigo” de raiva. O Corinthians vem fazendo, de modo geral, o melhor trabalho do futebol brasileiro neste momento; estão aí suas últimas conquistas em várias categorias, tinha como certo o bicampeonato da Copinha. Nessa hora, entra em campo a expressão dos jogadores muito a gosto de Murici: “A bola pune”. Tudo isso junto constitui a magia do esporte. Melhor ainda o surgimento de novas revelações*, não apenas entre os finalistas, também em outras equipes participantes. Saldo positivo em mais um aniversário da extraordinária capital de São Paulo. Olimpíada: aos poucos vão sendo entregues as instalações, enquanto não cessam os problemas já nos “eventos-teste”. No mundo neoliberal é assim, até o tênis, tão aristocrático, sofre acusações graves. Vamos em frente. • *Paquetá em festa com a excelente atuação do jovem Lucas, filho do Pio e neto de craques. Senhor Altamiro, que treinou tantas gerações de meninos desta ilha, manda lá do céu seu sorrisode felicidade. colunistas@cartacapital.com.br

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Retratos Capitais REPRODUÇÃO

Protesto e Carnaval. Manifestantes jogam glitter em Jair Bolsonaro. O deputado está pronto para desfilar no bloco dos machões

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TODA A SOCIEDADE ENSINA Este não é apenas o slogan de Carta Educação, nova plataforma digital que a Editora Confiança acaba de lançar. Trata-se de uma filosofia sem a qual será impossível transformar o Brasil em um país desenvolvido, produtivo e democrático.

Carta Educação vai ao ar com o compromisso de ampliar o debate sobre educação em sua plenitude, além dos muros da escola, além do giz e da lousa. Queremos nos tornar um espaço de participação de todos, alunos, pais, professores, especialistas e não especialistas. Para a Editora, a educação se torna mais democrática, mais eficiente e mais inclusiva quando mais brasileiros entenderem seu papel e o exercerem de forma plena. O que está em jogo é o futuro do País. O futuro de cada um de nós.

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#CamisinhaTáNaFesta

PREVENIR TESTAR TRATAR

Porque a vida continua depois do carnaval. Quando o assunto é camisinha, não tem discussão: tem que usar. Por isso, certifique-se de que você está em boa companhia neste carnaval e ande sempre com a sua camisinha. E se por algum motivo a camisinha não entrou na sua festa, sua próxima parada deve ser em uma Unidade de Saúde para fazer o teste de AIDS. Saber se está com o vírus é o primeiro passo para, se necessário, iniciar o tratamento com segurança. Ministério da Saúde

Previna-se. Use sempre camisinha.

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É o Governo Federal trabalhando para o Brasil avançar.

Ministério da Saúde

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