É possível estudar a doença de Parkinson em animais em laboratório?

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Nº 21

É totalmente possível estudar diversos aspectos da doença de Parkinson em animais de laboratório e isso é feito desde a década de 60. Quando cientistas utilizam ratos, camundongos ou algum outro animal de laboratório para estudar a doença de Parkinson, estão utilizando um “modelo animal da doença de Parkinson”.


Por se tratar de um “modelo”, é importante desta- Veremos mais adiante porque esses tercar que um rato parkinsoniano de laboratório não mos são importante para o estuda da doené idêntico a um ser humano portador da doença de ça de Parkinson em animais de laboratório. Parkinson. Apesar dos cérebros de ratos e de seres humanos apresentarem diferenças visíveis a olho nu, existem várias semelhanças a nível neuronal.

Rato

Gato

Macaco

Homen

Cérebros do rato, gato, macaco e homem.

Sagital ou Mediano

Frontal ou Coronal

Transversal ou Horizontal

Figura ilustrando três planos anatômicos.

Algumas semelhanças morfológicas enBrain evolution A doença de Parkinson tre neurônios do córtex de um ser humaA doença de Parkinson é um distúrbio degeno (esquerda) e de um camundongo (direita). nerativo que afeta principalmente o controle motor. Os movimentos são prejudicados por causa da degeneração (morte) de neurônios dopaminérgicos (aqueles que produzem dopamina) localizados em uma estrutura do sistema nervoso central denominada substância negra compacta. Homen

Camundongo

Neurônios do córtex do homem de um camundongo

Noções básicas de anatomia

Substância negra compacta

O primeiro passo para estudar o cérebro em laboratório é aprender alguns termos técnicos de anatomia e identificar os planos anatômicos. Dorsal, ventral, rostral e caudal são termos muito comuns em anatomia. A região dorsal (ou superior) do cérebro está orientada para onde nasce nosso cabelo. A região ventral (ou inferior) está orientada na direção do Corte transversal do cérebro (“visto de cima”) destacando onde está localizada a substância negra compacta. nosso queixo. A região rostral (ou anterior) está próxima aos nossos olhos e a região caudal (ou poste- Como o próprio nome já diz, a substância negra rior) aproxima-se de nossa nuca. Além disso, existem compacta é uma região escura e é possível per(C) and mouse (D) pyramidal cell. (E,F): High-power photomicrographs of the midal cells in the human and mouse neocortex. (A,B) ceber que essa região fica mais clara em indivídubasal dendriticO segments of humansagital (E) and mouse (F) pyramidal cells illustrating micrographs of layeranatômicos III pyramidal cells injected with Lucifer planos importantes. plano (ou dendritic spines. Note the smaller size of the mouse spines. Scale bar in (F): sed with DAB in human (A) and mouse (B) temporal cortex. os portadores da doença de Parkinson. Essa per425 µm in (A,B); µm in (C,D);direito 10 µm in (E,F). Taken from Benavides-Piccione zemediano) of mouse cells. The section is parallel to cortical divide othecérebro entre os45lados e eset al. (2002). tomicrograph of horizontally projecting dendrites of a human querdo. O plano frontal (ou coronal) divide o cérebro da de coloração da substância negra compacta é consequência da morte das células dopaminérgivery numerous and regularly distributed (Figure 16) in primates, ; DeFelipe al., 2002; Raghanti et al., 2010), entreet rostral e caudal e and o plano transversal (ou horion of differences in the developmental origins of but they do not appear to exist in rodents or lagomorphs, and they cas presentes nessa estrutura. Apesar dos avanços zontal) divide o cérebro em porções dorsal e ventral. nterneurons in rodents and primates, including are only present in some carnivores (Ballesteros-Yánez et al., 2005). synapses c et al., 2002; Rakic and Zecevic, 2003; Petanjek These cells are the source of a large number of GABAergic científicos, a causa desta doença ainda é incerta.

ovcevski et al., 2011; reviewed in Bystron et al.,

on small dendritic shafts and dendritic spines on oblique dendrites


Fatores genéticos, ambientais (agrotóxicos ou pesticidas, por exemplo) ou o próprio envelhecimento podem estar relacionado com o surgimento dessa doença. A degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância negra compacta é responsável pelo surgimento dos principais sintomas motores da doença de Parkinson: bradicinesia (lentidão de movimentos), rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural. Normal Substância negra compacta

Doença de Parkinson Comparação entra a substância negra compacta em um indivíduo normal e um indivíduo portador da doença de Parkinson

Como induzir a doença de Parkinson em ratos de laboratório?

Uma vez que os ratos de laboratório não desenvolvem doença de Parkinson espontaneamente, a indução dessa doença é feita de maneira experimental, através da realização de uma cirurgia para injetar uma toxina na substância negra compacta dos animais. Uma toxina muito utilizada em modelos animais da doença de Parkinson é a 6-hidroxidopamina (ou simplesmente 6-OHDA). Essa toxina irá induzir a morte dos neurônios que produzem dopamina na substância negra compacta e resultará no aparecimento de alguns sintomas motores característicos da doença de Parkinson. A cirurgia recebe o nome de cirurgia estereotáxica e é uma forma de intervenção cirúrgica que usa um sistema de coordenadas para localizar pequenas estruturas no cérebro. Os animais de laboratório são anestesiados e posicionado no aparelho estereotáxico. É necessário realizar uma abertura no crânio do animal para permitir a passagem de uma pequena agulha.

Abertura realizada no crânio do animal para infusão da toxina no interior do cérebro

Agulha

Aparelho estereotáxico utilizado para realizar intervenções cirúrgicas no cérebro de pequenos roedores (ratos e camundongos).

Porque precisamos estudar anatomia para esse tipo de cirurgia?

Como dito anteriormente, a toxina 6-OHDA não pode ser injetada em qualquer lugar do cérebro. Para produzir Parkinson experimental em ratos precisamos atingir a região onde está localizada a substância negra compacta. Essa não é uma tarefa simples pois o cérebro do rato possui centenas de estruturas e a substância negra compacta de um rato é muito pequena. Para isso, necessitamos da ajuda de um atlas com coordenadas específicas para localizar e atingir a região de interesse. Note que é mostrado um corte sagital (cérebro dividido entre lados direito e esquerdo) do cérebro do rato. Os números que aparecem nas bordas da figura são as coordenadas, em milímetros. Portanto, de acordo com esses números e com conhecimento de anatomia, é possível atingir a região de interesse. 5

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negra compacta

Figura ilustrando as regiões do cérebro do rato. Note que cada sigla representa uma estrutura diferente. A estrela vermelha ilustra o local de injeção da toxina 6-OHDA.

Conclusões

Em resumo, podemos induzir Parkinson experimental em ratos utilizando as ferramentas de cirurgia e anatomia mostradas acima. Vale lembrar que neurocientistas do mundo todo utilizam a cirurgia estereotáxica para estudar não só a doença de Parkinson, mas outras funções do cérebro como memória, emoções, sono, dentre outras. Compreender como nosso cérebro funciona é difícil mas os cientistas têm feito grandes avanços na área de neurociência ao longo dos últimos anos.


Referência Bibliográfica:

Sammut S., Chakroborty S., Padovan-Neto F.E., Rosenkranz J.A., West A.R. (2017) Neurophysiological Approaches for In Vivo Neuropharmacology. In: Philippu A. (eds) In Vivo Neuropharmacology and Neurophysiology. Neuromethods, vol 121. Humana Press, New York, NY Defelipe J. (2011) The evolution of the brain, the human nature of cortical circuits, and intellectual creativity. Frontiers in Neuroanatomy; 5:29.

Imagens:

University of Auckland Centre for Brain Research De Felipe, 2011. Front Neuroanat; 5:29 Serendip Studio SHEFFIELD NEUROGIRLS Memorang Atlas de Paxinos e Watson, 1998

Autor:

Fernando Eduardo Padovan Neto

Diagramação:

Roberto Galetti Sanchez

ISSN 2446-7227 Produção:

Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto Rua Tenente Catão Roxo, 2501 Campus Universitário - Monte Alegre Ribeirão Preto - SP (16) 2101-9308 www.casadaciencia.com.br e-mail: casadaciencia@hemocentro.fmrp.usp.br

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