Aperitivo do livro "Da colheita para a mesa", de Leticia Ferreira Braga e Ina Gracindo.

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Leticia Ferreira Braga e Ina Gracindo Você sabia que a batata-inglesa pode ser cultivada o ano inteiro? E que o morango precisa de aditivos químicos para chegar às prateleiras dos supermercados nos meses mais quentes do ano? Para se alimentar de maneira saudável, é preciso conhecer o que a terra tem a oferecer de melhor em cada uma das estações do ano. Mas não espere ter de se submeter a restrições heróicas e regimes malucos ou desenvolver grandes reengenharias alimentares em seu cotidiano. As receitas deste livro são deliciosas e práticas. Suas idas ao supermercado e à feira nunca mais serão as mesmas.

Leticia Braga é formada em direito e estudou educação ambiental na PUC-RJ. Aprendeu muito sobre culinária com familiares de origem italiana e aperfeiçoou seus conhecimentos em cursos especializados na Peter Kump's New York Cooking School. Seus livros anteriores O prazer de ficar em casa e Coração de mãe foram publicados pela Casa da Palavra. Letícia mora no Rio de Janeiro com a filha e faz questão de cozinhar, escrever e estudar todos os dias.

O melhor é tentar buscar um caminho de equilíbrio, unindo o cuidado com a alimentação saudável ao atendimento da cota de prazer pessoal que cada comida desperta. Se houver uma escorregadela, paciência, amanhã será sempre outro dia, com uma nova oportunidade para recomeçar ou corrigir eventuais erros. Eis o que determina a qualidade da nossa experiência: precisamos decidir se queremos viver ou apenas sobreviver.

Receitas para aproveitar o que cada estação tem de melhor

Ina Gracindo é chef diplomada pela Cordon Vert School, a primeira escola de culinária do mundo especializada em comida vegetariana, localizada na Inglaterra. Além de trabalhar como esquisadora e consultora no segmento de alimentação, e dar aulas sobre o tema, escreve para diversos portais femininos, entre eles Estrela Guia, Feminice, Bem Leve e Bolsa de Mulher e em seu próprio blog http://chefcordonvert.blogspot.com. Seu primeiro livro, Quatro amores e dois finais foi publicado em 2005.

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Ilustrações: Lavínia Carvalho

Para Letícia Braga e Ina Gracindo, respeitar os ritmos da terra e se deixar embalar pela sabedoria das safras são os segredos de uma alimentação saudável. Em Da colheita para a mesa, elas falam sobre a necessidade de valorizar cada refeição e tudo o que vai à mesa, exatamente como faziam nossas avós, consumindo verduras, legumes, frutas e grãos na época em que são produzidos, concentrando assim, o melhor de suas qualidades nutricionais. As autoras propõem um equilíbrio com o que é bom e natural. Com extrema simplicidade, apresentam receitas, sugerem cardápios vegetarianos deliciosos e mostram como o nosso tempo pode estar em plena sintonia com o tempo dos produtos que levamos à mesa diariamente. A cada página, uma informação desafiadora, uma boa surpresa e, como não poderia deixar de ser, delícias de dar água na boca. Feito com quantidades generosas de informação e caprichados temperos, Da colheita para a mesa irá ajudar você a reavaliar suas escolhas na hora das compras. Um livro para ser degustado sem moderação!


Em sintonia com a terra e as origens

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riado o primeiro homem, levou-o Deus a passear entre as árvores e lhe disse: Observa as obras que criei, vê como são belas! Procura não pecar e não destruir o mundo que fiz. Pois se vieres a estragar algo, não haverá quem conserte. (Talmude)

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Non si vive di solo pane, è vero; ci vuole anche il companatico; e l’arte di renderlo più economico, più sapido, più sano, lo dico e lo sostengo, è vera arte. Riabilitiamo il senso del gusto e non vergogniamoci di soddisfarlo onestamente. Não se vive só de pão, é preciso também o acompanhamento; e a arte de torná-lo mais econômico, mais saboroso, mais saudável – afirmo e reafirmo – é verdadeira arte. Reabilitemos o sentido do paladar e não nos envergonhemos de satisfazê-lo honestamente. Pellegrino Artusi em La Scienza in cucina e l’arte di mangiar bene

“Vem cá, a senhora quer viver ou sobreviver?” Essa pergunta foi ouvida por uma prima depois de recusar contritamente todas as ofertas de frutas feitas por um feirante animado. Segura em sua negativa, ela alegava que não podia aceitá-las; afinal, todas as frutas tinham muito açúcar, engordavam. Ouvi a história em silêncio e, ainda diante dos risos que vieram com o relato, comecei a refletir sobre ser realmente uma pena o fato de ter de abrir mão de comer algo em paz e com alegria, deixando de lado todo o rico universo que existe além das simples calorias contidas em cada alimento. Por outro lado, é compreensível a preocupação com o açúcar, o peso etc., uma vez que vivemos um cotidiano com excesso de informações que muito mais do que orientar, muitas vezes desorientam, deixando-nos sem saber exatamente o que é ou não saudável. De uns tempos para cá, começamos a olhar tudo o que ingerimos como unidades de fornecimento de nutrientes, vitaminas, minerais e outros compostos quimicamente interessantes para nosso organismo. Em outras palavras, pode-se dizer que deixamos de enxergar cada alimento em sua totalidade, como fonte de energia e prazer.

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Porém, devemos levar em conta que a mesma inteligência que faz as sementes brotarem, os passarinhos construírem ninhos diferentes, os ursos hibernarem, os cardumes migrarem e as lagartas virarem borboletas garante alimentos perfeitos para os seres vivos. Desconfiar da inteligência da própria natureza é um pouco estranho. A interação entre tudo o que existe, um processo contínuo que tende ao equilíbrio, corre perigo quando nos distanciamos da terra e de seus ritmos silenciosos. Por isso, por maiores que sejam as pressões vividas neste nosso tempo, precisamos sempre resgatar o encantamento com a possibilidade de dispor dos alimentos em seu estado natural, de cada vegetal e/ou fruta durante sua época de maior fartura, a safra. No Brasil, em geral somos descendentes de culturas ibéricas e ensolaradas, que valorizam o bem comer e a experiência do convívio em torno da mesa. Eu e Ina somos de família italiana e judaica respectivamente, vindas de duas tradições fortemente ligadas ao valor afetivo da alimentação. Amamos cozinhar, comer e conversar sobre assuntos culinários. Dessa nossa convivência alegre surgiram muitas ideias que compartilhamos aqui para que outras pessoas descubram como é uma delícia se aventurar por esse mundo da comida boa e saudável e explorem nossos diversos sentidos. Nossa força vital é composta por elementos como água, terra, fogo e ar – os mesmos que geram nosso alimento. Não há, portanto, nenhum mistério que resida aí além daquele que inclui a própria criação da qual fazemos parte. O alimento nosso de cada dia está entre cada uma de nossas pequenas escolhas que, desde que feitas com atenção, cuidado, gratidão e amor, podem mudar o mundo, resgatando o respeito e o alinhamento com os ritmos naturais de tudo o que vive.

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Eram muitas mulheres e todas falavam e riam ao mesmo tempo, entre maçãs, cabeças de peixe, potes de mel e muitos sacos de farinha. Em pleno início dos anos 1930, viviam um Rosh Hashaná rico, diferente de outros que tinham deixado para trás havia alguns anos. Para algumas senhoras, era o primeiro ano-novo passado em terra estrangeira.

É no Elul, o décimo segundo mês do calendário hebraico, que coincide com os meses de setembro/outubro do calendário gregoriano, que começa o ano-novo hebreu, sempre iniciado com a festa de Rosh Hashaná. O cardápio nesses dias é variado e cheio de significados. Apesar de as famílias se reunirem e levarem para a festa aparentemente os mesmos pratos, muitos costumes culinários e pequenos segredos fazem com que eles sejam diferentes entre si. Foi o que aprendi com parentes do lado de minha mãe, descendente de judeus que imigraram da Europa e se instalaram em Pernambuco. Ali, muitos deles se deixaram enfeitiçar pela abundância e variedade das frutas, o que fez com que sua culinária refletisse esse encanto e adotasse novos sabores. Ficou mais do que comprovado que ingredientes inusitados podiam se comportar surpreendentemente bem como substitutos nas tradicionais receitas de mães e avós – receitas essas que, num primeiro momento, foram transmitidas oralmente; depois, aos poucos, foram transcritas em iídiche; e, mais tarde, traduzidas para um bom e caprichado português, foram anotadas em cadernos especiais por uma geração que aprendeu a ler e escrever no Brasil. O fludn, por exemplo, uma típica iguaria judaica, recebeu um recheio de jambo do Pará com limão, em substituição às ameixas. A ideia foi lançada pela avó de minha prima Sara, boby (quer dizer, avó) Rosa, mulher de paladar experiente que passou essa moda adiante com grande sucesso. Minha avó participou desse universo

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de descobertas, mas faleceu jovem, depois de dar à luz minha mãe que, ainda pequena, foi mandada para um elegante internato de freiras belgas em Garanhuns. Meu avô casou-se novamente e mudou-se para Recife. A comunidade judaica, nesses tempos difíceis de fuga da Bessarábia, era pequena e recém-formada, mas uns cuidavam dos outros e não deixavam que nada faltasse à primeira geração nascida em terras brasileiras. Prova disso foi que muitas senhoras amigas olharam por minha mãe nos períodos de férias do internato e transmitiram a ela a tradição judaica na forma de receitas – as mesmas que minha avó trazia, mas que não teve tempo de passar para a filha. Ainda muito menina, mas já prendada no exercício das artes manuais, minha mãe se casou com um cristão. Aí começa uma nova página de cheiros e sabores em sua vida. Pelo lado de meu pai, a família era muito grande e se reunia todos os finais de semana em torno da mesa farta, coisa comum entre as famílias nordestinas. Preparações recém-cozidas, assados, molhos doces e frutas diferentes anunciavam seu perfume antes mesmo que chegássemos à porta da casa. Os anos correram, saí de casa e fiz muitas viagens pelo mundo afora, reunindo peculiaridades culinárias de cada lugar. A cada uma delas foram se misturando os ingredientes diários de minhas próprias refeições e, claro, de minhas heranças familiares. Hoje, sou adepta de uma cozinha que seja capaz de valorizar os frutos da estação, que sofra pouca interferência em termos de técnicas de preparação e que não peque pelo excesso de ingredientes. Acredito que aquilo que é saboroso por natureza precisa de pouco ou nada para ser degustado.

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ste é um livro que trata essencialmente sobre o valor de alimentos naturais e que tem como proposta ir muito além da simples sugestão de receitas e inspiração de preparos vegetarianos originais. A intenção é falar sim sobre vegetais, legumes, verduras, ervas, frutas, cogumelos, grãos e especiarias – produtos originários de um reino colorido e variado –, mas com a missão ousada de estimular a descoberta de uma maior sintonia com os ritmos da terra. Em outras palavras: vamos falar de alimentação e sugerir preparações especiais sempre tomando como parâmetro o tempo de colheita de cada alimento, considerando que é justamente na época de safra que se revelam sua riqueza de sabores e seu maior potencial nutritivo. Vamos falar do que vem da horta e do pomar, sugerindo inspirações de pratos simples e apresentando receitas para algumas delas. Hoje, em nossas refeições, muito antes de partir para a apreciação de formas, cores, aromas e sabores, temos a preocupação de verificar se nossa escolha está dentro do protocolo do momento, se tem a composição ideal, na forma de uma equação perfeita que inclui variantes como carboidratos, proteínas, fibras e sabe-se lá mais o quê. Mas vamos pensar juntos: se na escola mal aprendemos sobre nosso próprio corpo, como é que podemos nos aventurar a dissecar a bioquímica dos alimentos e ainda por cima firmar um veredicto realmente sábio sobre o que é o ideal? Se ainda houvesse alguma prova irrefutável de que a alimentação dos nossos antepassados fazia mal à saúde ou algumas descobertas definitivas sobre uma dieta atual e perfeita, isso seria a maravilha total. Contudo, basta olhar em volta para constatar que não é o caso. Na verdade, nunca faltaram teorias sobre alimentação. Cada época fala um pouco de si mesma através de receitas e ingredientes. Não é novidade, por exemplo, que a geração pós-guerra achava o máximo poder estocar enlatados. Na sequência, veio uma outra geração que fazia apologia dos congelados e do uso do freezer e do micro-ondas. Hoje, mais do que ter ficado no passado, todas essas práticas passaram a ser alvo de questionamentos e, agora, são consideradas pouco saudáveis.

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Aliás, nos últimos anos, temos assistido a muitas classificações desse tipo – muitas apelam para o dualismo simplista do bom e ruim – e testemunhado o surgimento contínuo de teorias relacionadas à nossa alimentação, que se multiplicam a uma velocidade impressionante, a ponto de nos deixar atônitos e sempre vulneráveis a uma novidade ou revelação que venha fazer diferença e enaltecer os méritos (ou deméritos) recém-descobertos de algum alimento comum, do nosso cotidiano. Porém, devemos considerar que as leis da natureza, aplicáveis inclusive a nós mesmos, claro, mostram que tudo o que nasce vai morrer um dia e que a qualidade de vida entre esses dois momentos ultrapassa enormemente a questão de uma dieta balanceada. Queremos ser felizes, conscientes, flexíveis, abertos, questionadores, destemidos... Não queremos ser obcecados, impressionáveis, manipuláveis e ingênuos. Assim, acabamos nos fixando naquilo que vamos comer e nos desligando de como estamos comendo. O melhor aqui é tentar buscar um caminho de equilíbrio, unindo o cuidado com a alimentação saudável ao atendimento da cota de prazer pessoal que cada comida desperta. Se houver uma escorregadela, paciência, amanhã será sempre outro dia, com uma nova oportunidade para recomeçar ou corrigir eventuais erros. Eis o que determina a qualidade da nossa experiência: precisamos decidir se queremos viver ou apenas sobreviver. No caso dos seres humanos, essa questão da alimentação evoluiu para algo muito mais complexo do que sobrevivência, passando a fazer parte das relações afetivas, sociais e culturais dos diferentes povos ao longo do tempo. Simultaneamente, a alimentação transcendeu os simples atos de plantar e colher e assumiu ares de indústria monumental que, por meio da manipulação de ingredientes (naturais ou não), consegue criar uma gama de produtos diferentes num ritmo aceleradíssimo, o que cria confusão na cabeça de todos nós. O fato é que o excesso de ofertas e opções vem complicando nossa vida e, muitas vezes, escolher o que comer ou decidir como fazer um simples prato a cada refeição se torna uma tarefa angustiante.

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Para descomplicar um pouco as coisas, nada como lembrar fatores simples que sempre se comprovam verdadeiros, resistindo bravamente ao teste dos anos. Considere que:

. quanto mais fresco o alimento, melhor; se ele estiver em sua época e for orgânico, melhor ainda. . quanto menos processos o alimento sofre no caminho entre a colheita e nossa mesa, melhor; . quanto mais variados os pratos a cada refeição, melhor; . quanto mais integrais e menos refinados os alimentos, melhor; . quanto mais nos conhecemos e respeitamos nosso corpo, melhor. E ainda leve em conta que a cozinha é um lugar de liberdade e criatividade, não um laboratório de ciências exatas: não existem ali condições ideais de temperatura e pressão todos os dias. O que há é a graça em torno da preparação das receitas, a aventura de não saber bem o resultado que se vai obter, já que tudo pode mudar em função do talento do cozinheiro, das mãos de quem prepara uma receita, do momento da colheita de um ingrediente, da fase da lua, da umidade do ar, da qualidade da água naquele momento e de outros fatores imponderáveis e invisíveis. Um mesmo alimento ou produto – uma simples abóbora ou brócolis, um tomate ou espinafre – pode assumir sabores diferentes e variados, desde que você compreenda que manter o alinhamento com as estações do ano e comer melhor requer algum espírito aventureiro e inovador. Risque o tédio dos seus dias e da sua cozinha. Prepare-se para se encontrar diante de novas e surpreendentes descobertas.

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