Programa de Incentivo à Inovação - UFMG.

Page 1

32 | PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO | IMUNOLOGIA

A alta incidência da dengue no Brasil estimula inovações para o combate e a detecção da doença

C

Foto: Cláudio Fachel

Insumos para a realização de exames de dengue e hepatite C podem ter produção nacional

onsiderada uma questão de saúde pública nacional, a dengue é uma doença tropical infecciosa frequente em 100 países mundo afora. No Brasil, o Ministério da Saúde já registrou 688,2 mil casos da doença e 554 mortes somente entre 1º de janeiro a primeira metade de junho de 2014. Endêmica assim como a dengue, a hepatite C também se tornou um problema para o país. A enfermidade atinge quase 3 milhões de brasileiros. Segundo o ministro da Saúde Arthur Chioro, a prevalência do vírus da hepatite C é de 1,6% das amostras de sangue coletadas na população e acomete, principalmente, maiores de 45 anos. A alta incidência dessas doenças preocupa as autoridades de saúde nacionais. Mas a situação pode se tornar

Solução ‘made in Brazil’ ainda mais inquietante. Isso porque o Brasil não produz os insumos necessários para a realização dos exames da hepatite C e da dengue. O diagnóstico imunológico dessas enfermidades depende de kits importados, que oneram o sistema público de saúde por causa dos custos de importação e da quantidade de exames a serem feitos anualmente no país. Cada kit custa R$ 30 para o governo brasileiro. De acordo com o Ministério da Saúde, 300 mil exames de sangue são feitos por mês para a análise de possíveis casos de hepatite C, testes pré-natais e triagem de bolsas de sangue. A técnica usada na produção do material biológico necessário para a fabricação dos kits imunológicos é amplamente difundida pela indústria farmacêutica. Atentos a esse detalhe, os

Com esse projeto, nós pretendemos contribuir para o desenvolvimento de testes mais simples que possam, inclusive, ser feitos em campo – assim como um teste de gravidez do projeto Cristiano Xavier Lima, farmacologista e coordenador do projeto

Imunologia

Cassio Teles


farmacologistas Cristiano Xavier Lima e Ronaldo Luis Thomasini, o imunofarmacologista Mauro Martins Teixeira e o imunologista Oscar Bruña-Romero resolveram produzir as proteínas necessárias para a fabricação dos kits de diagnóstico da hepatite C e da dengue no Brasil. Os quatro pesquisadores tiveram a ideia aprovada e financiada pelo Programa de Incentivo à Inovação (PII) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A produção das proteínas em solo nacional pode reduzir os custos dos kits de diagnóstico. A importação desses componentes aumenta os gastos com licenciamento dos produtos, direitos de patente, transporte e comercialização no país. “Os insumos usados na montagem dos kits são estrangeiros. Por isso, nós fizemos um modelo do conjunto de diagnóstico e o desenhamos. O protótipo funcionou muito bem. Uma vez produzido em larga escala no Brasil, o conjunto pode substituir o produto importado, barateando custos. Essa

e encefalites. A hepatite C, por exemplo, é a inflamação do fígado causada pelo vírus HCV, enquanto a dengue é uma doença que pode se manifestar de modo similar a uma gripe ou pode levar à morte – em casos de síndrome do choque.

A

s pesquisas para a produção de proteínas que diagnostiquem a hepatite C caminham de forma mais avançada que as pesquisas da dengue. Isso porque o grupo de pesquisadores da UFMG estuda como sintetizar em uma única proteína os quatro sorotipos da dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Segundo Lima, essa é a “verdadeira inovação do projeto”. O quarteto também trabalha para compatibilizar o diagnóstico da doença comumente conhecida pelo mosquito transmissor Aedes aegythi. As dificuldades estão na coleta de uma amostra pura de sangue em locais remotos do país e na mistura de subtipos de dengue no sangue de pessoas infectadas mais de uma vez pela doença. Estudos anteriores apontam que os processos de produção e de isolamento

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Abr

Foto: Lucas Pannain Cristiano Xavier Lima lembra que a importação das proteínas encarece os kits de diagnóstico da hepatite C e da dengue

produção provavelmente despertaria o interesse dos laboratórios nacionais”, acredita o coordenador do projeto, Cristiano Xaxier Lima. A pesquisa que reproduziu os insumos em laboratório trabalhou com o método de reprogramação de bactérias. Esse processo funciona a partir da inclusão de uma parte do material genético do vírus da hepatite nas bactérias, fazendo com que elas se multipliquem de forma ordenada e produzam as proteínas necessárias para a criação do antígeno. É como uma colmeia, em que a abelha é treinada para produzir mel. Como essas proteínas não podem ser produzidas quimicamente, o DNA – composto que carrega as instruções genéticas – das bactérias é modificado e o RNA – responsável pela síntese proteica da célula – é reordenado. Assim, a bactéria se multiplica milhares de vezes e depois é destruída para que sobre apenas o produto final: a proteína. “Para explicarmos essa produção, temos que pensar em uma linha de montagem de um carro. O que nós vamos produzir em larga escala – e não mais em quantidades para consumo em pesquisa – é uma proteína para a fabricação de kits de diagnóstico imunológico. Esses kits são os produtos finais da indústria, assim como os carros. A proteína seria uma das ‘peças’ principais dessa inovação”, esclarece Lima. O método usado para a hepatite C também foi aplicado para a produção do antígeno capaz de diagnosticar o vírus da dengue: o NS1. As duas doenças são causadas por vírus da família Flaviviridae. Essas partículas podem originar manifestações clínicas que vão desde infecções assintomáticas e doença febril aguda à febre hemorrágica viral

IMUNOLOGIA

32 | PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO

Os pesquisadores estudam como sintetizar em uma proteína os quatro sorotipos da dengue

das proteínas do vírus da hepatite C tiveram reação química comprovada por três testes feitos em pacientes soronegativos e soropositivos portadores de diferentes variações do vírus da doença existentes no Brasil. Esses procedimentos são conhecidos como síntese e a purificação proteica. Os testes de diagnóstico verificados foram o tradicional Elisa (Ensaio Imunoenzimático) e os métodos de Western Blot e Dot Blot. O primeiro exame busca detectar proteínas em células bem trituradas, enquanto o segundo identifica proteínas por meio da aplicação direta de uma amostra líquida sobre uma membrana de nitrocelulose, material semelhante ao algodão. De acordo com Lima, a pesquiA hepatite C acomete cerca de 3 milhões de brasileiros, segundo sa busca produzir e comercializar o Ministério da Saúde Foto: Prefeitura de Caxias do Sul

IMUNOLOGIA

32 | PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO


IMUNOLOGIA

antígenos e anticorpos para a montagem de kits de diagnóstico por Dot Blot e por quimiluminescência. Essa técnica provoca a emissão de luz como produto de uma reação química com ligações fracas entre átomos. Essa interação faz com que a molécula fique eletronicamente excitada e descarregue eletricidade, emanando luz. As pesquisas pelo método de quimiluminescência estão em fase de desenvolvimento. Na atual dinâmica do mercado, a empresa que desenvolve o insumo geralmente detém a patente, outra monta os kits e, às vezes, uma terceira empresa os negocia para o mercado. Em uma das pontas dessa relação, os pesquisadores creem que a inovação possa gerar reduzir os custos com a renovação de licenças, importação, propriedade intelectual e transporte dos kits, além de gerar mais investimentos e empregos para o Brasil, se produzida no país. Um medicamento ou insumo importado precisa ser certificado e liberado anualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Caso haja um problema com um desses produtos feitos no exterior, a fabricação é descontinuada até que haja uma nova visita da agência no ano seguinte. “O impacto dessa medida na saúde das pessoas é direto”, ressalta Lima. O projeto brasileiro, no entanto, não busca a patente de um produto. Isso porque as proteínas são produzidas naturalmente por meio das bactérias. Diferentemente de um medicamento novo, não se desenha sequências genéticas e acopla-se um elemento ao outro. As possibilidades de patente se restringiriam à concessão por aplicação. Mas a solicitação desse tipo de patente geraria muitos custos. Apesar disso, Cristiano vê com entusiasmo o papel da inovação no Brasil. “A

universidade, mais do que antes, também cumpre o papel de elaborar produtos e solicitar patentes que beneficiem o país. Essa dinâmica faz a roda girar ao dar visibilidade à instituição e abrir caminhos para a captação de recursos para as nossas pesquisas”, salienta o coordenador do projeto.

P

ara impulsionar a ‘roda da inovação’, a equipe de pesquisa adquiriu um reator para a multiplicação das bactérias. O recurso para a compra do equipamento veio do PII. No reator, as bactérias proliferam em condições ideais de temperatura, tempo e pressão. Segundo Lima, o equipamento pode aumentar a produtividade em mil vezes. Com isso, basta que o aparelho seja usado uma ou duas vezes ao ano para se tenha uma quantidade de proteínas suficiente para muitos anos. A maior produtividade dessas proteínas pode ajudar na montagem de

A universidade, mais do que antes, também cumpre o papel de elaborar produtos e solicitar patentes que beneficiem o país. Essa dinâmica faz a roda girar ao dar visibilidade à instituição e abrir caminhos para a captação de recursos para as nossas pesquisas Cristiano Xavier Lima, farmacologista e coordenador do projeto

32 | PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO

Foto: Lucas Pannain

32 | PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO

O farmacologista Cristiano Lima faz parte de uma rede federal de pesquisas sobre a dengue

kits nacionais de diagnóstico rápido para a hepatite C e a dengue, levando os testes para lugares onde a atenção primária à saúde é precária. “Nós optamos por essas duas proteínas, porque elas abrangem doenças de maior impacto social no Brasil. A dengue, por exemplo, conta com um diagnóstico, por vezes, bastante presuntivo. Em locais mais remotos, torna difícil confirmar a doença clinicamente. Com esse projeto, nós pretendemos contribuir para o desenvolvimento de testes mais simples que possam, inclusive, ser feitos em campo – assim como um teste de gravidez”, destaca Lima. O projeto inscrito por Cristiano Xavier Lima é o desdobramento de um programa federal do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Dengue, em curso há 4 anos. O quarteto faz parte de uma rede de pesquisa sobre doenças inflamatórias e infecciosas, que envolve laboratórios em todo o Brasil. O coordenador do INCT de Dengue é o professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG Mauro Martins Teixeira – um dos integrantes do grupo de pesquisa. Com o PII, foi possível ampliar os estudos – então restritas à dengue – para doenças como a hepatite C.

IMUNOLOGIA

O INCT de Dengue abriu portas para os pesquisadores. O grupo colabora com laboratórios do exterior e do Brasil e já desperta do interesse de empresas, atentas à pesquisa desenvolvida por eles. A Bioclin Quibasa é uma dessas instituições. A empresa oferece consultoria científica ao grupo e doa produtos para as pesquisas. Outra possível parceira é a Simile Instituto de Imunologia, laboratório belo-horizontino de diagnósticos que trabalha com o cultivo de bactérias. Lima é o dono da empresa. Segundo o farmacologista, a Simile pode dar um ‘banho de loja’ no produto, agregando mais valor a ele antes de repassá-lo ao mercado para a comercialização. O grupo também aguarda ansiosamente pela construção do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC). No centro vão ser abrigados uma série de projetos de inovação desenvolvidos pela UFMG – dentre eles a produção de biocompósitos, como as proteínas para kits de diagnóstico. Enquanto esse dia não chega, o coordenador da pesquisa garante ter encontrado no PII um bom começo para fazer tecnologia. “O PII despertou em nós um senso educativo muito interessante ao nos colocar em contato com os procedimentos necessários para se gerar inovação. Temos muito que expandir o projeto, mas uma coisa eu digo: o programa lançou a semente da inovação”, arremata Lima.

CUSTO DA IMPORTAÇÃO kit de diagnóstico da hepatite C e dengue R$ 30 a unidade


32 | PROGRAMA DE INCENTIVO À INOVAÇÃO

IMUNOLOGIA

Sorotipos virais no Brasil

Foto: Secretária de Vigilância em Saúde e Ministério da Saúde

Sorotipo DENV-4 predomina em território nacional, conforme dados do Ministério da Saúde. Veja a distribuição pelo mapa:

Dados apurados em 2013

SERVIÇO Projeto: ‘Produção de antígenos e kits para diagnóstico imunológico da hepatite C e dengue’ Departamento: Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG Equipe: Cristiano Xavier Lima (coordenador), Mauro Martins Teixeira, Oscar Bruña-Romero e Ronaldo Luis Thomasini Contato: cristianoxlima@gmail.com


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.