Nascido em Bruxelas, na Bélgica, em 1927. Formou-se arquiteto e urbanista pela Escole Nationale Supérieure d'Architecture de la Cambre, em 1951. Dois anos após sua formatura, em 1953, iniciou carreira independente em seu Ateliê. O trabalho de Kroll tem como propósito central a participação dos usuários no processo de projeto, a flexibilidade espacial e a implementação de conceitos ecológicos, além de criticar o processo de massificação e padronização das habitações, oriundos do modernismo e do emprego da industrialização irrefletida. Desse modo, na década de 1970, torna-se um dos arquitetos pioneiros na produção de projetos participativos, conferindo ao usuário poder de decisão no processo de projeto, criando uma relação orgânica entre o edifício e seus habitantes.
O método de projeto colaborativo ocorreu por meio de encontros informais entre o arquiteto e os estudantes, onde as ideias dos usuários foram discutidas e incorporadas a soluções projetuais fluídas, orgânicas e heterogêneas, que concebessem espaços que se adequassem às diferentes demandas dos usuários e garantisse autonomia e liberdade a estes. Os alunos da escola de educação básica, alocadas nos primeiros pavimentos, também participaram do projeto. As crianças foram estimuladas a criar seu próprio modelo em maquete.
O projeto de Kroll para a Universidade Católica de Lovaina incluía oito construções, que contavam com jardins e passarelas. O projeto não foi concebido pela instituição em sua totalidade, sendo construído apenas parte dele, que é composta pelo alojamento estudantil (La Mémé), escola infantil, centro administrativo, centro ecumênico, praça Alma e posteriormente o metrô Alma (1979-1982). O projeto teve origem, em 1968, com descontentamento dos estudantes da instituição com os designs clássicos de pastiche feitos para a Universidade Católica de Louvain (UCL). Então, foi formado um comitê estudantil para a concepção de uma proposta de projeto elaborada pelo arquiteto e urbanista Lucien Kroll (GRAAF, 2010). La Mémé, o alojamento estudantil da Faculdade de Medicina da UCL, localiza-se em Bruxelas, na Bélgica. O edifício recebe este nome devido ao Medical Student's Club que ocupa parte da construção. O processo de projeto envolveu a participação direta dos estudantes e demais usuários da edificação. Kroll trabalhava de modo a envolver os agentes: usuários e construtores, no processo de projeto e na construção edifício. Alguns alunos participaram ativamente na construção da edificação.
Para os alunos que não queriam dividir o espaço, foram criados flats individuais e concentrados em uma porção do edifício, em que a fachada é composta por vidro espelhado, diferenciando-a do restante da edificação. Esta parte foi chamada ironicamente de “o fascista”.
A abordagem participativa de Kroll se assemelha às ideias de Turner, onde o processo de projeto deixa de ser linear, coloca-se em movimento tornando-se circular, ao considerar as necessidades e experiências dos usuários.
O resultado foi um edifício multiuso, onde os dois pavimentos térreos são ocupados por uma escola de educação básica e comércios. Já os sete pavimentos superiores são compostos por apartamentos comunitários, apartamentos individuais e espaços compartilhados, como cozinhas, banheiros, espaços de estar, terraços e passarelas que conectam os diferentes blocos. O resultado foi habitações altamente diferenciadas e flexíveis, que atendiam as necessidades individuais dos estudantes.
As unidades habitacionais são organizadas em blocos, que são conectados por meio de escada e passarelas. Desse modo, o layout de circulação assume um papel crucial na integração e na liberdade dos usuários, uma vez que cria trocas contínuas entre os usuários e seu entorno.
O último andar foi ocupado por estudantes que dividem quartos maiores. Os mobiliários deste andar foram desenhados pelos usuários e foram confeccionados pela equipe de Kroll. Nesses quartos foram colocados estudantes com rotinas similares, visto o número considerável de alunos que iriam conviver no mesmo espaço. Foram criados diferentes níveis com objetivo de garantir espaços individuais e coletivos.
O alojamento também conecta-se aos espaços externos e coletivos, como a praça Alma, por meio das janelas, varandas e a posição de implantação dos edifícios.
A teoria se torna realidade por meio de elementos construtivos coordenados modularmente e que apresentam características de conectividade.
A praça está localizada no centro dos edifícios, acima da estação de metrô. Não há ruas para automóveis, os canteiros possuem formatos orgânicos e diferentes níveis. Isso, instiga o usuário a percorrer diversos caminhos e se apropriar do espaço de modo efetivo. O projeto paisagístico foi concebido pela Simone Kroll, esposa de Kroll.
O projeto é coordenado modularmente, utilizando grid 10/20cm do SAR. Apesar da coordenação modular, os pilares não foram dispostos de forma regular, pois Kroll acreditava que estruturas irregulares estimulam a imaginação dos usuários.
A planta foi pensada para se adequar às necessidades dos usuários, por meio de diversas tipologias de acomodações, já citadas anteriormente, e do uso de painéis móveis, que permitem ampliar ou diminuir os espaços com facilidade, investigando os moradores a serem criativos. Essas possibilidade foram traduzidas em outros elementos da edificação: a criação de diversos caminhos por meio de múltiplas entradas e varandas interligadas; e o uso de contrapiso mais grosso, que possibilitasse a passagem de fios e tubulações, facilitando a readequação de espaços.
Ao mesmo tempo, permite a criação de espaços distintos, configurados pelos próprios usuários, que apresentam formas e usos diversos. Gerando, assim, uma arquitetura com variedade, adaptabilidade, flexibilidade, diversidade e individualidade.
“Colunas regulares criam conformistas. As irregulares desafiam a imaginação”
Também foram empregados elementos de suportes e recheios (HABRAKEN, 1972). É possível distinguir claramente os elementos no edifício que se traduzem como suporte – sistema estrutural, hidráulico e elétrico – ou como recheio – instalações, shafts, acabamentos, divisórias dos ambientes, esquadrias das fachadas.
O sistema estrutural do edifício foi construído primeiro, seu objetivo, segundo Kroll, é conceder ao usuário autonomia e liberdade para agir e transformar o espaço. Entretanto, essa estrutura não é neutra, ela informa ao morador o limite de sua liberdade na definição do recheio, a autonomia individual relaciona-se diretamente às decisões coletivas.
A arquitetura flexível e adaptável é possível devido aos elementos construtivos apresentarem conectividade. A utilização de elementos fabricados em série, tem como objetivo maximizar as possibilidades de personalização do espaço e facilitar a modificação deste, ao mesmo tempo em que promove a economia de recursos financeiros. Os materiais não duráveis eram fáceis de substituir e reciclar.
A aparência de desordem tanto na fachada quanto na planta é simplesmente enganosa, pois estas seguem uma lógica de organização que preza pela flexibilidade, Há a presença de diversos materiais – vidro, madeira, aço, azulejo, telha de fibrocimento, tijolos cerâmicos e tijolos de concreto– e cores, além de elementos, como escadas, portas, janelas, painéis e varandas. Estas características somadas às paredes que ora avançam e ora recuam, criam uma forma orgânica e eficiente ao atender o usuário.
. “A homogeneidade de forma e materiais é artificial”
A iluminação natural é favorecida pelas aberturas nas fachadas e pelas aberturas zenitais. As janelas e portas permitem aproveitam a ventilação natural, o que permite a economia de recursos. Desse modo, a escolha de materiais, associada a flexibilidade da edificação e a apropriação da iluminação e ventilação natural, incorpora a edificação pressupostos ecologicamente corretos, mesmo sem seguir estereótipos de sustentabilidade. PÓS-PROJETO: Segundo Kroll, La Mémé é um edifício-manifesto reconhecido como um “ícone da arquitetura democrática”. Entretanto, a UCL impediu o arquiteto de concluir o projeto do campus, devido à incompatibilidade cultural e de valores entre a instituição e o profissional, presente na forma não convencional da edificação, na participação dos usuários e na falta de controle da universidade sobre as decisões de projeto, visto que as reuniões aconteciam de modo informal e muitas vezes na casa de Kroll. Para Kroll, mesmo seu cliente sendo a universidade, os verdadeiros usuários eram os alunos e por isso ele deveria responder a estes. Foram realizadas petições para demolição do prédio, que é considerado por muitos um “experimento fracassado” (GRAAF, 2017). Entretanto, o projeto do alojamento adaptou-se muito bem às necessidades dos estudantes e possui o mesmo uso até os dias de hoje. O edifício ecumênico, a sede administrativa e a estação de metrô seguem em plena utilização. Os espaços ao livre, como a praça Alma, não sofreram intervenções, apenas manutenções. E seguem sendo espaços bem arborizados e com intenso fluxo de pessoas.
O espaço que mais sofreu alterações foi o restaurante, pois os alunos não se adaptaram ao seu formato de “restaurante fábrica”. Hoje o edifício acomoda salas de reuniões e estudos, além de alguns bares e restaurantes menores.
A arquitetura ecológica de Lucien Kroll. Barcelona Architecture Walks, Disponível em: <https://barcelonarchitecturewalks.com/the-ecologicalarchitecture-of-lucien-kroll/>. Acesso: 21 de março de 2021. GRAAF, Reinier. Quatro Paredes e um telhado – A natureza complexa de uma profissão simples. Harvad, EUA, 2017. KROLL, Lucien. Manifesto: lenta transformação nas políticas habitacionais. Vitruvius, 2001. Disponível em: < https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/arquitextos/02.018/830/en >. Acesso em: 21 de março de 2021. LAMOUNIER, Rosamônica. Da autoconstrução a arquitetura aberta: o Open Building no Brasil, p.77- p.130. UFMG, Belo Horizonte, 2017. Lucien Kroll. Paradise Backyard – P.B. Disponível em: <http://paradisebackyard.blogspot.com/2019/03/lucien-kroll.html>. Acesso: 23 de março de 2021. SILVA, Lourdes. La Mémé. Universidade Federal de Viçosa, 2020. Disponível em: <https://issuu.com/lourdescaroline/docs/la_meme>. Acesso em: 21 de março de 2021. Site do Mémé em Woluwe-Saint-Lambert. Patrimoine Brussels, 2018. Disponível em: < http://patrimoine.brussels/news/site-de-la-meme-awoluwe-saint-lambert>. Acesso: 23 de março de 2021. The Social Center Mémé. NOMADE USP, 2005. Disponível: <http://www.nomads.usp.br/pesquisas/cultura_digital/complexidade/CASO S/MEME/MEME%201.htm>. Acesso: 21 de março de 2021.