IMPRESSO
O Trecheiro
Ano XX
Notícias do Povo da Rua
Julho 2011 - Nº 199
Mesmo no frio preferem a rua Rua C ruzeir o do S ul - Ti etê
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O frio desse ano já deixou os “com casa” em estado de alerta. Mesmo com o conforto, casa, cama, cobertores e aquecedores, as baixas temperaturas desse ano preocupam. Imaginem a situação dos “sem-tetos” que além do frio precisam enfrentar a incompetência dos órgãos municipais que não fazem planejamento adequado para acolher a diversidade de pessoas que são obrigadas a morar nas ruas da cidade de São Paulo. Além do mais, retiram cobertores doados por organizações sociais e lavam as calçadas de madrugada molhando pessoas e pertences.
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Fotos: Alderon Costa
Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - rederua@uol.com.br
Graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros conseguem sobreviver”
Dona Maria Ruth Ferreira da Silva, 46 anos, nascida em Lavras (MG), há 29 anos em São Paulo e nove anos em situação de rua declara que tem problemas com drogas, mas graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros conseguem sobreviver. “Estou na rua porque são muitos problemas, envolve muitas coisas e acabou não dando certo e fui parar na rua. Ai de nós se não fossem as comunidades que trazem comida! A Prefeitura só faz tirar a gente, até os cobertores da gente eles tomam. Esta casinha que você está vendo foi feita com os cobertores que escondemos. Acordei cedo e es-
condi. Se ficar esperando, eles levam tudo”, declarou Ruth. Para Ednilton Costa de Oliveira, 29 anos, foi para rua porque perdeu a família. Já passou por vários albergues e tem muitas reclamações. “Têm alguns desses lugares que os monitores tratam a gente ruim e alguns companheiros de rua não sabem respeitar a área. O albergue tem muitas regras e os moradores de rua não conseguem seguir estas normas. Corre droga e bebida dentro dos albergues. Muitos não vão para o albergue porque não querem saber de pernoite, mas vaga fixa”, reclama Ednilton. Já para o enfermeiro de-
Viaduto Alcântara Machado - Brás
sempregado, Valdir Pinto que cuida de uma senhora que fica sentada na passarela da Praça das Bandeiras, no Centro, o problema não é o frio, mas sim a limpeza urbana e as dificuldades com os albergues. “Então, no dia15 de julho, estava com a Maria aqui na passarela, quando deu três horas da manhã chegou um carro da GCM e nos acordaram e pediram para sair para o pessoal da limpeza jogar água pela segunda vez numa mesma noite. A placa do caminhão era EQG 7139. Não vou para o albergue porque eles difamam sua imagem e qualquer coisa colocam seu nome na lista de pessoas
com problemas e o nome da gente acaba sendo riscado”, reclama Valdir. Para Jean Manoel Carvalho de Sousa, a rua é mais limpa e segura do que os albergues. “Estou em situação de rua por falta de vaga em albergues e quando aparece são nos albergues com surto de muquirana (piolo). Não vou pegar uma cama com muquirana e correr o risco de ter minha bolsa roubada. A solução é matar as muquiranas e dar uma coisa digna. Não adianta abrir vagas e não sermos atendidos antes da meia-noite”, questiona Jean.
OCAS” completa nove anos renovada
A revista OCAS”, lançada em julho de 2002, completa nove anos neste mês. E surge renovada visualmente e também no conteúdo. A publicação, que circula em São Paulo e no Rio de Janeiro, é um instrumento de geração de renda para pessoas sem emprego. Os vendedores compram a revista por R$ 1 e a vendem pelo preço de capa, R$ 4. A diferença, R$ 3, fica com o vendedor, sem intermediários. Entre as novidades, está a conquista de um novo colaborador, o cartunista Paulo Caruso, um dos grandes mestres do humor gráfico brasileiro. Ele se junta ao escritor, roteirista e dramaturgo Fernando Bonassi e ao ilustrador Carvall, há anos com a OCAS”. Uma nova seção, batizada de “lado B”, traz convidados especiais escrevendo sobre facetas desconhecidas do público. O primeiro é o escritor Ricardo Lísias, autor de “O livro dos mandarins”, entre outros. Ele conta como o xadrez se transformou em uma de suas paixões. As notícias internacionais, que
apareciam na revista apenas esporadicamente, ganham uma seção fixa, “o mundo”. Nela, o leitor terá a oportunidade de conhecer melhor a produção de jornais e revistas que, como a OCAS”, compõem a Rede Internacional de Publicações de Rua (INSP, na sigla em inglês). São mais de 100 publicações de cerca de 40 países. Na edição de aniversário, uma reportagem especial mostra a dolorosa realidade da população do Sudão do Sul, que se separou do
Norte e foi reconhecido como país no dia 9 de julho. Além da pobreza que atinge a maioria da população, milhões ficaram cegos após contato com parasitas que infestavam as águas do rio Nilo. Visualmente, a revista também está diferente. Agora a publicação explora mais o uso das cores e dá maior liberdade para criar interferências do texto na imagem e vice-versa, o que garante um ar mais contemporâneo para
o design da revista. Além das mudanças – adotadas para que a revista fique ainda mais atrativa –, o leitor poderá conferir na edição de aniversário a entrevista feita com Criolo. Há 23 anos na cena hip-hop, o rapper fala sobre seu novo disco, “Nó na Orelha”, e apresenta o Grajaú, bairro da zona sul de São Paulo onde foi criado. A reportagem da OCAS” também conversou com Evaldo Mocarzel, diretor de documentários como “À Margem da Imagem”, sobre pessoas em situação de rua, “À Margem do Concreto”, sobre ocupações, e “À Margem do Lixo”, sobre catadores de papel, entre outros. E, com a participação de alguns vendedores da revista, fez uma entrevista com o cineasta Ugo Giorgetti, que prepara um novo filme, “Corda Bamba”, sobre pessoas que fizeram resistência à ditadura militar, mas sem pegar em armas.
Participe!
Em agosto, para a edição comemorativa dos 20 anos, vamos publicar diversos depoimentos sobre o jornal. Escreva o seu: “O que é O Trecheiro para você e qual a sua relação com ele?
Envie: rederua@uol.com.br
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O Trecheiro
EDITORIAL
“Vendem-se praças, viadutos e calçadas”
Na cidade de São Paulo, observamos atualmente profundo agravamento da situação das pessoas em situação de rua e verdadeira farra dos políticos culminando neste mês com a notícia de que o prefeito Gilberto Kassab e a vice Alda Marco Antonio tiveram aumento de 95% e seus salários foram alterados para R$ 24.117,62 e R$ 21.705,86, respectivamente. Alguma relação entre esses dois fatos? Outro agravante: a Prefeitura também se prepara para vender praças e imóveis que estejam com o valor de mercado vantajoso. A idéia é trocar terrenos por construção de creches e assim aumentar vagas da rede municipal. Neste sentido, recebemos um grito de socorro: “Preciso da ajuda urgente de todos!” Vejam o que escreveu uma militante da Cooperativa da Chácara Santo Antonio: “O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab está vendendo muitos terrenos públicos em áreas valorizadas da cidade. No bairro em que resido, região da Chácara Santo Antonio (Granja Julieta), a cooperativa de catadores sofreu um incêndio criminoso em 2008, ocasião em que a Prefeitura prometeu tirá-los de lá, mas até o momento nada se fez. Agora, colocou o terreno onde funciona a cooperativa à venda, local também sede do Museu de Santo Amaro”. Antes que a tragédia aconteça é preciso ampliar e muito a mobilização dos grupos envolvidos diretamente. A prática de reajuste de salário é comum a todos nós assalariados como um direito, mas nada comparada aos aumentos exorbitantes feitos pelos políticos, dignos de CPI. A prática de vender terrenos também não é nova, o problema é a forma como ela está sendo feita: sem consultas públicas e sem transparência. Para aqueles que não têm terreno nem para ser enterrado, ainda mais para dormir ou morar durante a vida, a situação é ainda mais grave. Geralmente, os equipamentos que atendem pessoas em situação de rua são antigas fábricas, depósitos, oficinas mecânicas ou viadutos, locais alugados e/ou adaptados para essa acolhida. A dificuldade é ainda maior pela escassez de amplos espaços para esta finalidade. Além da adequação do imóvel, enfrenta-se o problema com a vizinhança, o valor dos aluguéis e a desconfiança dos proprietários com relação à Prefeitura. Segundo funcionários da Secretária da Smads, dinheiro não falta, o que não se consegue são os imóveis para locação. Por que é possível para o Metrô realizar grandes desapropriações e para o social nem se pensa nessa possibilidade? O frio chegou e cada dia a cidade registra temperaturas mais baixas. O número de pessoas nas ruas é muito grande. Para se ter uma ideia, numa distribuição de roupas que aconteceu no centro da cidade no dia 6 de julho foi possível contar mais de 200 pessoas na região do Largo São Francisco, no centro de São Paulo. Na Praça da Sé, com toda a repressão policial existente, em menos de dez minutos, juntaram-se mais de 100 pessoas para pegar cobertores. Gente que não tínhamos dúvida que precisava daquela ajuda. É importante lembrar que a população de rua vem denunciando que eles recebem cobertores à noite e pela manha a “Limpeza Urbana” molha, toma e joga no caminhão que recolhe o lixo da cidade. Aumentos salariais, vendas de imóveis, investimentos na segurança pública para quem? O que sobra para as pessoas em situação de rua? Quem sabe o Prefeito Kassab não vende os baixos de viadutos e calçadas e sugira em troca casas para as pessoas em situação de rua? Senhor Prefeito, as vagas nas ruas também já estão no fim! Talvez, depois do frio surjam algumas devido às mortes provocadas pelo inverno rigoroso que só não foi pior porque muitos paulistanos foram e continuam sendo solidários. Por que não condicionar os novos empreendimentos a cotas de moradia para famílias que estão na iminência de irem para as ruas?
Julho de 2011
VIDA NO TRECHO
Um banco vazio no Largo Santa Cecília Alderon Costa
Maria de Medeiros Pereira, carioca de 72 anos, conhecida como dona Mara, moradora do Largo Santa Cecília, faleceu na manhã do dia 11 de junho de 2011, num domingo, no Pronto-Socorro da Barra Funda, para onde foi levada no sábado, depois de muitas tentativas frustradas de atendimento pelo SAMU. Conheci dona Mara, dois meses antes de sua morte, apresentado pela Tina Galvão, moradora dos arredores do Largo Santa Cecília que já expressava sua preocupação com a saúde de Mara e para onde poderia encaminhá-la para os cuidados que se faziam urgentes. O nó do problema é que ela sempre se recusou a sair do Largo. Ninguém conseguia convencê-la de se tratar. Foi solicitada uma interdição judicial ao Ministério Público para que alguém cuidasse dela, mas não se conseguiu. Muitas histórias são contadas sobre ela, mas o fato é que ela fez do Largo sua casa, dos bancos sua poltrona e dos transeuntes e moradores seus familiares. Seu companheiro conhecido como Elias da Silva, aparecia quase sempre para lhe trazer comida. Havia notícia que sua filha mora no Rio de Janeiro. Segundo frequentadores do Largo, Mara já teve uma vida “muito boa”. Ela recebia uma pensão que era de sua mãe de, aproximadamente, R$ 2.000,00 (dois mil reais) que, segundo alguns, quem administrava esse dinheiro era seu
Foto: Alderon Costa
No dia 17/6, no Largo Santa Cecilia, amigos e conhecidos fizeram homenagem a dona Mara
companheiro. Conta-se que ela sempre ajudou os moradores de rua e que, antes de ir para rua morava em hotéis. Assim era dona Mara que agora vai deixar o Largo Santa Cecília mais vazio. E para aqueles que a conheceram e acompanharam seus últimos momentos, uma revolta pelo jeito que veio a falecer. No sábado, dia 11 de junho, chamado pela Tina, encontreia sentada num banco que fica bem perto da Igreja. Quando a vi, pensei que já estivesse morta. Ainda respirava forte e parecia lutar para viver muito mais. Não foi fácil conseguir um atendimento para ela, como tem sido para todos que estão na rua. Ao lado do banco onde estava Mara, uma base da GCM (P70330) e mais ao fundo do Largo, uma base da PM. A GCM dizia que não podia levá-la ao hospital e já tinha acionado o SAMU (protocolo 831732 – 14 horas). Já eram 16 horas e o SAMU não chegava. Mara permanecia sentada, ou
melhor, quase deitada no banco. Ás 16h10 chegou a ambulância do SAMU e os profissionais fizeram todos os procedimentos de emergência e levaram Mara para o Pronto-Socorro da Barra Funda. Infelizmente, o esforço de tantas pessoas veio tarde. O corpo da Mara já não tinha mais resistência. Sua morte já vinha sendo anunciada por aqueles que a conheciam. Ninguém consegue viver tanto tempo nas condições em que Mara e tantos outros companheiros vivem nas ruas. Mara morreu e muitos outros devem estar morrendo nesse momento porque o Estado não está preparado para salvar essas vidas “que não valem nada” aos olhos de muitos. Só atrapalham! Uma moradora de rua a menos. O Largo está com um banco vazio! No cemitério, seu companheiro, este jornalista e três funcionários da Prefeitura acompanharam o enterro que Mara já deixara pago.
Ruagenda............. Lançamento do livro: População em Situação de Rua – um olhar sobre a exclusão Autor: Alcides Alexandre de Lima Barros
Data: 2 de agosto de 2011 (terça-feira) Horário: 14 horas Local: Espaço Metodista 24 Horas Rua Major Diogo, 285 - Bela Vista - São Paulo
Seminário de Direitos Humanos: Políticas Públicas Humanizadas de Segurança para o Ordenamento do Espaço Urbano Dia: 11 de agosto de 2011 (quinta-feira) Horário: das 19 às 21 horas Local: Câmara Municipal de São Paulo Sala Dr. Oscar Pedroso Horta Viaduto Jacareí, 100 - Bela Vista – São Paulo
Lançamento: Bicicloteca
O Trecheiro Notícias do Povo da Rua
CONSELHO EDITORIAL: Arlindo Dias EDITOR Alderon Costa MTB: 049861/0157
EQUIPE DE REDAÇÃO: Alderon Costa Cleisa Rosa Davi Amorim Maria Carolina Ferro Renata Bessi
FOTOGRAFIA: Alderon Costa
REVISÃO: Cleisa Rosa
Apoio Argemiro Almeida
DIAGRAMAÇÃO: Fabiano Viana
Andreza do Carmo Karina C. Aragão Vagner Carvalho João M. de Oliveira IMPRESSÃO: Forma Certa 5 mil exemplares
REDE RUA DE COMUNICAÇÃO Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: rederua@uol.com.br
Data: 25 de julho (segunda-feira) Horário: 16 horas Local: Biblioteca Mário de Andrade Rua da Consolação, 94 - São Paulo Robson Mendonça nos enviou para divulgação o lançamento da Bicicloteca, iniciativa do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo em parceria com o Instituto Mobilidade Verde, que merece ser conferida. Parabéns!
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O Trecheiro
Julho de 2011
Trecheirinhas “Resistir é Preciso...”
O Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, criado em razão dos assassinatos ocorridos na cidade em 2010, elaborou um plano com serviços de trabalho e geração de renda, assistência social, saúde, habitação, segurança alimentar, educação, esporte e lazer para população em situação de rua. (OAB/Alagoas)
Moradia Social
Foi aprovado no dia 6 de julho de 2011 pela Comissão de Desenvolvimento Urbano, o projeto de lei da Moradia Social (PL 6342/2009) de Paulo Teixeira (SP) e Zezéu Ribeiro (BA) que cria unidades habitacionais (parque público e privado) para garantir moradia digna para a população de baixa renda dentro do Sistema Nacional de Habitação.
Criação de empregos
O projeto de lei (PL 2470/2007) de Paulo Teixeira foi aprovado no dia 13 de julho de 2011 pela Comissão de Seguridade Social. Essa proposta prevê que as empresas vencedoras de licitações de obras e serviços públicos devem admitir pessoas em situação de rua como funcionários sempre que o trabalho a ser realizado for compatível com o uso de mão de obra de qualificação básica.
Morador de rua morre de frio
Marco Antônio dos Santos, 45 anos, morreu na madrugada do dia 8 de julho, possivelmente de frio, segundo acredita a polícia. A temperatura era de 7º. O seu corpo foi encontrado em uma viela no Jardim Promeca, em Várzea Paulista (Agência Bom Dia).
Espancado em Brasília
Mais um caso de agressão contra morador de rua foi registrado no dia 6 de julho, desta vez, na Asa Norte. Segundo o Corpo de Bombeiros, Joilson Ferreira, 24 anos, foi espancado e esfaqueado na altura do ombro direito, na 714 Norte, próximo a um restaurante. Os bombeiros encaminharam a vítima ao Hospital de Base e seu estado é estável.
Morte em Curitiba
Um morador de rua morreu carbonizado na madrugada, por volta da 1 hora, do dia 29 de junho no bairro Juvevê, em Curitiba. De acordo com a Delegacia de Homicídios, o homem tinha 35 anos, era carrinheiro e sempre dormia nas ruas do bairro. A delegacia investiga se alguém colocou fogo no homem ou se foi algum acidente, quando ele tentava se aquecer.
Gás de pimenta de volta
Integrantes da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo fizeram manifestação no dia 28 de junho (terça-feira) em frente ao prédio da Secretaria Municipal de Habitação para aprovar projetos do Programa Minha Casa Minha Vida, que estão há um mês em tramitação no setor de aprovação da secretaria. A resposta veio rápido: a manifestação foi reprimida com gás de pimenta pela Guarda Civil Metropolitana.
“Copa para quem?”
Representantes de movimentos sociais, partidos e ONGs da região de Itaquera pretendem organizar manifestações contra a remoção de famílias previstas na área por causa da construção do estádio do Corinthians, cotado para receber o primeiro jogo da Copa do Mundo de 2014. Ao menos 3.000 famílias terão de deixar suas casas, segundo integrantes do movimento “Copa para Quem?”, criado por moradores e entidades.
Política Nacional
Segundo Nina Laurindo e Anderson Miranda que estiveram em Brasília para reunião do Comitê Intersetorial de Acompanhamento da Política Nacional da População em Situação de Rua, que ocorreu nos dias 13 e 14 de julho, o texto da Política Nacional está em revisão e deve ser publicada até o final do ano.
Adiado o 1° FestRua
Representantes do MNPR e Prefeitura de Guarulhos avaliaram a inviabilidade da realização deste festival previsto para agosto por falta de condições materiais porque patrocinadores e apoiadores ainda precisam de mais tempo para tal apoio.
Violação de direitos em SP
O MNCR denuncia que a GCM recebeu ordem da Prefeitura para confiscar carroças de catadores em situação de rua. A queixa veio dos próprios funcionários da Prefeitura que atendem a população de rua.
No dia 27 de junho, houve o lançamento de Os Protagonistas dessa História, 12 DVDs com depoimentos de 60 jornalistas que participaram de jornais que difundiam ideias contrárias regime militar. Esta coleção faz parte do projeto Resistir é Preciso…, iniciativa do Instituto Vladimir Herzog em parceria com o Memorial da Resistência de São Paulo, Governo do Estado, Imprensa Oficial, Petrobrás e Governo Federal. Para José Luiz Del Royo, historiador e um dos coordenadores da pesquisa, “esta coleção é o primeiro passo de um projeto bem maior, que prevê programas para a TV, publicações e exposições. Temos muitos depoimentos sobre o período dos 20 anos de ditadura no Brasil de 1964 a 1984”, disse em entrevista ao nosso grupo. Esta visita foi programada por participantes do Ponto de Encontro e Cultura e do Ponto Cultural Ocas pela importância do ato e pela possibilidade de venda coletiva da revista OCAS”. Estiveram presentes: Pilar, Zeca, Michel, Valter Machado, Paulinho, Eduardo, Regina (Tieko), Debora e Cleisa. “Este era um evento fechado e temos que parabenizar a Pilar pelos contatos feitos. Foi impressionante a demonstração de simpatia com a revista OCAS”, disse Debora Galvani, do projeto Metuia e do curso de Terapia Ocupacional (USP). Na abertura, houve apresentação do Coral Martin Luther King, em meio a conversas entre os 200 convidados, petiscos e bebidas. Dentre autoridades munici-
Foto: Michel Deamátes
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Programa social em Maceió
Cleisa Rosa
Foto: Cle
Cleisa Rosa com colaboração de Alderon Costa e Jacinto Mateus de Oliveira (Brasília)
Acima: Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog e diretor do Instituto. Ao lado: paticipantes do Ponto de Encontro e Cultura: Paulinho, Debora, Eduardo, Michel e Zeca
pais, estavam o Secretário dos Direitos Humanos, José Gregori e o prefeito Gilberto Kassab; além do representante da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, Henry Machado; representantes do Governo do Estado, jornalistas e militantes. Alguns manifestaram emoção pelo evento e compromisso com as lutas populares, em particular, com a instalação da Comissão da Verdade, que com a abertura dos arquivos fatos e documentos da história recente serão conhecidos. “Temos o sentimento de nossa cidadania restaurada com esse resgate de vozes que corajosamente se uniram, no exílio, na clandestinidade e nos veículos oficiais para expor as entranhas do governo militar”, disse
Regina Tieko, coordenadora do Ponto Cultural Ocas. Durante o evento, nosso grupo decidiu entrevistar o Prefeito. Após sua fala, Kassab, assessores de imprensa e seguranças foram se retirando do local. Ficamos plantados na porta de saída e indagamos: “Senhor Prefeito, porque os vendedores são reprimidos de forma violenta pela Segurança Urbana e impedidos de vender a revista OCAS” na Avenida Paulista e no Parque do Ibirapuera? Kassab apenas ouviu e solicitou ao assessor de imprensa, Alexandre Costa, que anotasse nossos telefones e marcasse reunião com o coordenador do Parque Ibirapuera. Até hoje não recebemos nenhuma comunicação.
Formação política do MNPR Maria Lucia Santos Pereira – Coordenação Nacional do MNPR (Salvador)
Todos ganham com a nossa ignorância! Com essa constatação o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e parceiros fiéis e comprometidos com a nossa causa elaboramos juntos cartilha, volder e vídeo que nos ajudarão a ampliar consciência política e tomarmos posse dos nossos direitos e deveres como cidadãos brasileiros. Esses materiais nos levarão a um crescimento e um fortalecimento sem medidas e uniremos nossas vozes e lutas num objetivo comum, que é um Brasil mais humano e sensível. A vida terá um novo sentido: de justiça e partilha. Não teremos vergonha de nossa história e nem medo de irmos em frente. O conhecimento que tantas e tantas vezes nos foi negado e informações sonegadas que nos aprisionavam e nos escravizavam têm um basta com essas ferramentas de liberdade, construídas com zelo, carinho e paixão. Uma luz reflete com todo seu esplendor nessa nova construção da nossa história, história de um povo que há pouco tempo atrás somente tinha o direito de não ter direito algum. A cartilha nos ensina a ter consciência de que somos pessoas de direitos e deveres, nos capacita e nos ajuda a refletir, questionar e organizar. O folder espalha com rapidez a voz do Movimento e junta a nossa luta irmãos que pensam que estão sozinhos em sua dor e solidão e o vídeo é um grito de Basta, mostrando a tantos que somos fortes por sermos unidos, que somos fortes
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co: Daniel Ko
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por sermos solidários. Sabemos que nossa luta apenas começou, o caminho é longo, repleto de obstáculos e de vitórias, porém a visibilidade e o compromisso conquistados e reforçados é o que nos impulsiona a seguir em frente. É hora de que em cada esquina, em cada abrigamento, em cada viaduto ao redor da cartilha, folder e vídeo a população de rua comece a perceber que o momento chegou e ele é de Esperança e de Conquista. Procure os companheiros do MNPR em sua cidade.
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O Trecheiro
Julho de 2011
Mulheres catadoras saem às ruas contra o trabalho infantil e pelo meio ambiente Foto: Davi Amorim
Davi Amorim
Mulheres ligadas ao Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) realizaram, de 7 a 9 de junho, o 2º Encontro Nacional de Mulheres Catadoras de Materiais Recicláveis no Pontal do Paraná. Participaram cerca de 500 catadoras de 18 estados brasileiros, que debateram a situação da mulher catadora e a exclusão social predominante na sociedade machista. Durante o evento, foram realizadas oficinas sobre políticas públicas, autoestima, família, diversidade sexual, direitos humanos e a mulher, relações interpessoais, Economia Solidária, lideranças femininas, Política Nacional de Resíduos Sólidos, Logística Reversa (retorno dos recicláveis pós-consumo aos produtores) e outros temas. As questões prioritárias levantadas pelas catadoras dizem respeito a políticas públicas que contemplem o trabalho da categoria e os direitos da mulher que hoje somam 70% da categoria organizada em cooperativas, associações e grupos nãoformalizados. “Nos preocupamos com algumas leis que já estão em vigor e que não atendem as nossas deman-
das, como a lei do Cooperativismo e alguns editais que são acessados, mas os recursos não chegam com rapidez às bases, como por exemplo, o da Funasa direcionada para
a categoria”, declararam as mulheres catadoras no documento final do encontro. “É muito importante nos armarmos contra a avassaladora incineração que a cada
A intersetorialidade entre Saúde e Assistência Fotos:
dia se torna realidade em nosso país. Devemos mobilizar os estados e os municípios para constituirmos políticas públicas que assegurem que a catação não deixe de existir, já que o projeto da MNCR vai além do trabalho e da renda, pois acreditamos na transformação social e conscientização da população através da coleta seletiva. Os incineradores não representaram uma alternativa boa para os países europeus, porque seria para o Brasil? Gostaríamos que os governantes eleitos por nós para tornar o Brasil um país mais justo, se atentassem para esse sério problema que atingirá primeiramente nós catadoras e catadores através do trabalho, mas também toda a população com a poluição do Meio Ambiente e problemas de saúde pública”, exigiram no documento público que foi encaminhado ao Governo Federal. No dia 9 de junho de 2011, as catadoras realizaram uma grande marcha pelas ruas de Curitiba em que reivindicaram a proibição da implantação de incineradores de lixo no Brasil e contra o trabalho infantil. Foi entregue a deputados estaduais do Paraná um projeto de lei para que a inci-
neração de lixo seja proibida no Estado. A marcha teve o apoio de várias entidades e personalidades como o expresidente Lula, que esteve presente ao ato de encerramento da Marcha. “Vocês estão fazendo um trabalho digno nesse País, nós ainda temos muita coisa para conquistar, gente. Quando eu cheguei aqui vocês estavam gritando “não à incineração”, e nós temos de fazer disso uma batalha, uma luta, e podem contar comigo”, declarou o ex-presidente Lula em discurso. Em ocasião do dia mundial de combate ao trabalho infantil, o encontro enfatizou os esforços do MNCR na Campanha “Criança no lixo, nunca mais” que há muitos anos chama a atenção da sociedade para o tema do trabalho infantil nos lixões brasileiros. O esforço tem surtido efeito e com a nova legislação, até 2014, todos os lixões a céu aberto devem ser fechados. Para tanto, as catadoras exigiram do Governo, educação e creches para que as crianças sejam realmente assistidas. “Criança no lixo nunca mais. O lugar é na escola e junto com os pais”, dizia o grito de ordem.
Túnel do Tempo
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“Fala Povo da Rua!” Cleisa Rosa
“Este jornal, batizado com o nome de: O Trecheiro, quer ser um veículo de comunicação entre o POVO DA RUA, bem como relatar para a sociedade civil a realidade vivida pelas camadas marginalizadas do Centro da cidade. Está aqui um espaço em que o POVO DA RUA pode falar!” (O Trecheiro, Ano I, nº 1 – Agosto, 1991, pg. 1).
Carolina Ferro
No dia 14 de junho, o Fórum Permanente de Acompanhamento das Políticas Públicas para a População de Rua de São Paulo realizou seminário para discutir as necessidades da população em situação de rua com relação à saúde e as políticas públicas existentes. Participaram do evento, aproximadamente, 80 pessoas. Edy de Lucca (OAF) apresentou a rede de discussão sobre Saúde e Assistência social, composta pela OAF; Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Saúde, Políticas Públicas e Sociais (Unifesp); Associação Saúde da Família; Bom Parto; É de Lei e Santa Casa. Foram apresentados os resultados do trabalho de aproximadamente um ano de discussão entre os participantes da rede, que teve o objetivo de levantar os principais problemas enfrentados tanto na utilização dos serviços como na prestação de saúde de qualidade. A integração entre os serviços de saúde e assistência social foi apresentada como um dos principais desafios para melhorar o acesso e a qualidade desses serviços. Rosângela Elias (Secretaria Municipal de Saúde de
SP) expôs o que ela chamou de “dificuldades de pensar uma política pública que tem um recorte de tanta singularidade como é o caso da população em situação de rua”. Destacou a intersetorialidade como algo fundamental e o maior desafio do SUS, ao atribuir co-responsabilidade de outras áreas sociais com a saúde. Para enfrentar essa questão apontou a possibilidade de construção de uma rede institucional entre as equipes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e dos abrigos, como espaço de troca e de qualificação das pessoas no próprio trabalho. Cléia Januário (Secretaria Municipal de Assistência Social de Guarulhos) expôs a experiência recente do Consultório de Rua (CR), realizado em parceria com a Secretaria de Saúde com o objetivo do cuidado em saúde e redução de danos junto a pessoas em situação de rua, usuárias de substâncias psicoativas. Os atendimentos de saúde e psicossocial são realizados diretamente na rua ou em albergues. Destacou o trabalho articulado entre gestores da Secretaria de Saúde e de Assistência Social nos encaminhamentos, orienta-
ções e discussão de casos. Zilah Daijós (Smads) levantou como desafio da assistência social garantir o acolhimento depois que a pessoa realizou um tratamento de saúde. Átila Pinheiro (MNPR) apontou a necessidade de humanização do olhar, porque o foco deve ser sempre as pessoas que estão na rua. A saúde e a assistência devem deixar de jogar a responsabilidade uma pra outra e começar a desenvolver trabalhos conjuntos e que sejam efetivos. Nina Laurindo (Fórum Permanente) destacou que a população de rua tem grande dificuldade de acessar o SUS em parte devido à discriminação. Mencionou a dificuldade, daqueles que conseguem ser atendidos, de dar continuidade ao tratamento por não haver um sistema de acolhimento eficiente na cidade. Por último, o Fórum Permanente propôs a criação de um Grupo de Trabalho composto por representantes de ONGs, poder público e pessoas em situação de rua visando integração da saúde e da assistência social.
A matéria de capa do primeiro número do O Trecheiro mostra que o jornal nasceu para ser um veículo de expressão da população de rua. Nesses 20 anos, tem sido esse espaço de resgate da vida de pessoas que vivem nas ruas e albergues, de denúncia de mortes, maus-tratos, violência cotidiana, incluindo a policial, preconceitos, discriminação e descaso dos poderes públicos. O jornal tem apontado iniciativas de organização, mobilizações e lutas coletivas desde os anos de 1990, com ênfase nas iniciativas que mostram o protagonismo da população de rua. Nos últimos anos, o jornal O Trecheiro se projetou nacionalmente e vem questionando as políticas higienistas dos governantes em várias cidades e as ações precariamente desenvolvidas nos serviços socioassistenciais com foco na violação dos direitos humanos. É importante destacar avanços e conquistas em conjunturas políticas mais democráticas e/ou resultantes de organização popular, no entanto, não há ações efetivas e nem mesmo recursos financeiros para implementação das políticas públicas. Basta verificar que não se consegue evitar mortes cotidianas seja por frio, violência policial ou abandono nas ruas. O que se vê, de forma frequente, são ações higienistas e de descaso que respondem aos interesses das elites dominantes que desejam que os pobres sejam afastados para bem longe, confinados nos albergues, silenciados ou mesmo desaparecidos nos rios como já se fez no passado. Assim, ainda é atual a missão que o O Trecheiro fixou desde sua criação.