O Trecheiro - Abril de 2012 #206

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IMPRESSO

20 anos de comunicação da rua

Ano XX Abril de 2012 - Nº 206

Fotos: Rose Barboza

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - rederua@uol.com.br

“Protagonizando histórias e garantindo direitos”

1º Congresso Nacional do Movimento da População de Rua Realizado em Salvador entre os dias 19 e 21 de março de 2012, contando com a presença de aproximadamente 300 participantes de todo o Brasil – em sua maioria pessoas em situação de rua ou com trajetória de rua –, congresso é considerado um marco histórico que reconhece e impulsiona conquistas do MNPR

Ministra Maria do Rosário, ao lado o governador da Bahia Jaques Wagner

Joelma Couto

Léa Tosold e Rose Barboza

Não foi apenas uma vez que se ouviu cantar, durante o 1° Congresso Nacional do Movimento da População de Rua, o seguinte refrão: “Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm; se não vir nossos direitos o Brasil perde também”. Esse canto, que reconhece as conquistas e o fortalecimento do MNPR, sintetiza o entusiasmo que moveu cerca de 300 pessoas a viajarem – por vezes mais de 3 mil quilômetros e 70 horas de ônibus, a partir de todos os cantos do Brasil – para participar desse histórico encontro em Salvador. A cerimônia de abertura coordenada pelo MNPR contou com a presença de diversas autoridades que afirmaram seu incondicional apoio ao movimento: Deise Benedito e Wellington Pantaleão (Secretaria Especial de Direitos Humanos); Jurema Werneck (Conselho Nacional da Saúde); Andrea Toledo (Defensoria Pública-Bahia); o coronel Paulo Roberto Maciel da Silva (PM-DF); a juíza Antônia Marina Faleiros (1° vara de Ita-

buna-BA); Karina Vieira Alves (Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População de Rua); André Oliveira (Pró Amor-RJ); Reginaldo Chagas (Ministério da Saúde); a ministra Tereza Campelo (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome); Carlos Brasileiro (Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza-BA). Procurou-se apresentar alguns programas e projetos em ação, visando reforçar a dignidade da população em situação de rua enquanto sujeitos de direito, especialmente

nas áreas da saúde e do combate à violência policial. Entre as principais atividades do congresso, merece destaque a aprovação do regimento interno e da carta de princípios do MNPR. As discussões contaram com a participação ativa de todos os presentes, que contribuíram substancialmente para o aperfeiçoamento dos documentos que norteiam as políticas e ações do movimento. Um dos pontos altos do congresso foi, sem dúvida, a firmação do compromisso das autoridades locais em promover a viabilização do Programa Bahia Acolhe. Estiveram presentes na celebração dessa grande conquista da população em situação de rua a ministra da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, o governador do estado da Bahia, Jaques Wagner, bem como secretários de Estado. Representantes do MNPR de várias cidades brasileiras apresentaram seus testemunhos de vida às autoridades, emocionando a todos. Uma das falas mais marcantes foi a de Poliana Gomes Galvão, de Brasília: “A gente tem de dar nosso nome por todos os serviços que passa, nos albergues, em toda a parte. Mas, quando morremos,

Policiais do Programa de Humanização, dançam para os participantes do Congresso

somos enterrados como indigentes”, afirmou. Além das discussões, o congresso foi marcado por diversas atividades culturais, entre as quais se destacam a noite de capoeira e sarau de poesias, organizado por Tula Ferreira, de São Paulo, bem como o espetáculo de dança da Polícia Militar (PM-BA), marcando o início de um diálogo importante no trabalho de sensibilização contra os abusos policiais. A cerimônia de encerramento contou com um balanço do evento por representantes do MNPR de cada estado presente: RS, PR, SP, SC, RJ, ES, BA, MG e CE. Foram também deliberadas a data e o local do próximo evento, que acontecerá em 2014, em Curitiba. Para Maria Lucia Santos Pe-

reira da Silva, organizadora do 1º Congresso Nacional, ele “foi um divisor de águas. Discutir políticas públicas e se mostrar à sociedade que ainda nos vê como invisiveis e insignificantes foi muita ousadia. Como não falar do brilho do olhar do nosso povo, a ansiedade ao desembarcar, a expectativa de conhecer outros em igual situação, irmãos na dor e na esperança. O Congresso nos deu força e alegria de não nos sentirmos mais sozinhos, vimos que nossos sonhos pouco a pouco estão se transformando em realidade e que o MNPR vem se organizando cada vez mais em todo o Brasil. Esperemos que no próximo, levemos mais uma vez nosso grito de Libertação, Dignidade e Vida”!

O que é Bahia Acolhe?

O Programa Bahia Acolhe, primeiro do gênero em todo o território nacional, visa criar uma parceria entre diferentes secretarias e ONGs que trabalham com a população em situação de rua, atuando diretamente no município. O objetivo é formar uma rede que possibilite atender, de maneira integrada, as diferentes demandas das pessoas, acompanhando-as durante todo o processo de saída da rua. Segundo Maria Lucia Santos Pereira da Silva, da coordenação nacional do MNPR, a experiência do programa na Bahia deve se tornar um modelo para, futuramente, ser implementado em outros estados.

Aumentou!!!

14.478 mil pessoas em situação de rua Cresceu o número de pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo. De 13.666, em 2009, passaram a 14.478 pessoas em 2011, pelo último censo realizado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp). Esta pesquisa foi encomendada pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da Cidade de São Paulo (Smads). Outras informações quando os dados forem publicados.

Alderon Costa/Rede Rua


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O Trecheiro

Nesta edição, destacamos o “1º Congresso Nacional do Movimento da População de Rua: protagonizando histórias e garantindo direitos”, evento histórico que mostra que a população em situação de rua pode contribuir de forma efetiva para a construção de políticas públicas. Vivemos hoje momento de violência que beira o genocídio do povo da rua, de paralisia das organizações sociais que viraram uma quase extensão dos governos, de desânimo e descrédito em relação aos governos federal, estadual e municipal pela ausência total de avanços e de perspectivas de mudança dessa realidade. Ao mesmo tempo, temos a certeza de que a organização das pessoas em situação de rua pode quebrar barreiras, pressionar os governantes e mostrar novos caminhos até hoje não trilhados. O envolvimento necessário e as providências tendo em vista a organização de quem vive nas ruas – a pessoa nem sabe o que vai comer na hora seguinte – constituem tarefas difíceis. Por isso, é muito importante destacar a militância daqueles companheiros que, mesmo vivendo a dureza das ruas, dispõem de seu tempo na busca de saídas para uma realidade tão grave. A situação de rua é um dos limites em que uma pessoa pode chegar. Sair dessa situação parece impossível, porque é tamanha e complexa essa realidade. Mas é importante acreditar nessa possibilidade, mesmo quando tudo conspira contra e não vemos nenhum sinal positivo por parte dos poderes constituídos. Mais importante, que acreditar na possibilidade de saída da rua, é a pressão por políticas públicas, é o protagonismo da população de rua na cena política, que vimos em Salvador com a realização deste 1º Congresso Nacional da População de Rua! Parabéns, companheiros! Organização e luta por direitos A questão da violência e matança contra a população de rua foi tema de reunião na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Infelizmente, sabemos que dos legisladores têm pouca ação efetiva que melhore a vida das pessoas em situação rua. Mas, é importante os legisladores estarem mais perto dessa realidade que vem aumentando e desafiando gestores públicos que ainda não se deram conta que são pessoas e não coisas. Quem sabe, deputados possam se sensibilizar e apoiar leis, orçamentos e cobrar a implantação de políticas públicas. Histórias de vitoriosos Vemos histórias de superação de muitos que, mesmo estando em situação de extrema pobreza conseguem vencer essa realidade. É o caso de pessoas em situação de rua e de catadores de material reciclável que conquistaram vagas em universidades. Infelizmente, isto ainda dá notícia na mídia. São casos raros, porque as dificuldades nessa conquista são imensas. Por que gestores públicos não destinam atenção, empenho e recursos na área da Educação? As eleições estão próximas e precisamos escolher governantes comprometidos com essa causa. Por fim, pensar a sustentabilidade do planeta é pensar a sobrevivência com qualidade das várias comunidades que sobrevivem (sobreviviam) nos aterros. O fechamento desses espaços inadequados deve ser feito por meio de processo participativo e de respeito com esses trabalhadores e suas lideranças. Em particular, todo o nosso apoio e indignação com o tratamento dado às lideranças dos catadores no processo de fechamento do Aterro de Gramacho. Marcio Luiz CMI

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O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

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EQUIPE DE REDAÇÃO: Alderon Costa Cleisa Rosa Lea Tosold Rose Barboza Jacinto Mateus REVISÃO DE TEXTO Cleisa Rosa

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VIDA NO TRECHO

“Ele queria era falar pro presidente pra ajudar toda essa gente que só faz... sofrer”

Rose Barboza

Editorial

Povo da rua se organiza e luta por direitos!

Abril de 2012

Léa Tosold e Rose Barboza

É com um largo sorriso que Sérgio nos recebeu para esta conversa, durante o 1º Congresso Nacional do Movimento da População de Rua, em Salvador. Nascido em Inhapú (MG), filho de uma trabalhadora rural das lavouras de café, a infância de Sérgio narra o significado cotidiano de quem sofre pelas longas e penosas jornadas de trabalho e má remuneração, pela ausência de direitos ou de apoio institucional. A mãe de Sérgio não foi exceção. Por conta das consequências do álcool, em meio a essa dura realidade, Sérgio e seus irmãos fugiram de casa. Sem ter onde viver, foram adotados por uma instituição de acolhimento até esta ser fechada, por motivo de insalubridade. Sérgio foi então encaminhado ao Rio de Janeiro, cidade que seduziu o menino sonhador: explorou os segredos da capital carioca e fez amizade com os meninos da região da Candelária. Depois de conhecer a difícil vida na Febem e na Funabem e ter o acolhimento negado por uma instituição pela qual já havia passado, Sérgio, em um momento de reflexão sobre os caminhos a escolher, se lembrou da famosa canção “Faroeste Caboclo”, de autoria de Renato Russo. E, como Santo Cristo (personagem da citado na música), decidiu atravessar o Planalto Central em busca de uma conversa com o então presidente Lula.

Nessa época, Sérgio ainda não sabia que, diferente de Santo Cristo, viria de fato a conhecer o ex-presidente Lula e também a trabalhar, ele mesmo, “para ajudar toda essa gente que só faz... sofrer” – tal qual o famoso verso final da canção. Em 2006, foi aprovado no vestibular para o curso de Pedagogia da Universidade de Brasília e, hoje, já está quase formado. Contudo, o cami-

“Quando entrei na UnB, tudo o que falavam sobre mim tinha por trás a ideia de quem quer, consegue. Mas isso não é verdade. O morador de rua quer também, mas o problema é que não tem oportunidade”. nho de Sérgio até a UnB não foi fácil. Tampouco foi exclusivamente resultado de seu esforço individual. Como ele diz: “Quando entrei na UnB, tudo o que falavam sobre mim tinha por trás a ideia de quem quer, consegue. Mas isso não é verdade. O morador de rua quer também, mas o problema é que não tem oportunidade”. E faz questão de lembrar de todos que foram fundamentais para conseguir fortalecer seus ideais e restabelecer a confiança em si mesmo: “Na minha trajetória, tive pessoas que me ajudaram, que me levaram um prato de comida, me pagaram um lanche para que eu pudesse continuar estudando, me cederam bolsas para eu poder fazer um pré-

-vestibular e o material didático para eu estudar”. Além disso, Sérgio lida cotidianamente com a indiferença e o preconceito disfarçado de boa parte de seus colegas universitários. Segundo ele, é evidente que ocupar um espaço historicamente destinado apenas à elite branca e privilegiada do Brasil incomoda muita gente. Na maioria das vezes, por ser considerado crime, o preconceito se mostra de maneira velada, mas não menos forte: através da segregação e do isolamento que lhe são impostos. Sérgio busca partir de suas vivências para colaborar na construção de uma universidade diferente e mais democrática, que possa se tornar um espaço legítimo para a transformação social. Tanto que atualmente está escrevendo, em seu trabalho de conclusão de curso, a respeito da relação entre a vivência nas ruas e a inserção no ensino superior. Em primeira pessoa, Sérgio pode, melhor que ninguém, afirmar: “Não basta querer, é necessário criar e fomentar oportunidades”.

Leitores/as: Em razão da importância do tema, a próxima edição de O Trecheiro trará reflexão sobre o significado da entrada de pessoas com trajetória de rua no ensino superior.


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Isso é a Rio + 20?

Conselho de Lideranças de Catadores do Jardim Gramacho

Em nome desse evento, o prefeito Eduardo Paes cometerá genocídio de 1896 famílias ou de 15 mil pessoas Marcio Luiz CMI

O Conselho de Lideranças dos Catadores e Catadoras do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho vem expressar sua profunda indignação pela forma como catadores/as estão sendo tratados no processo de fechamento do Aterro de Gramacho. Há mais de 30 anos, catadores e catadoras de Gramacho contribuem para ampliar a vida útil desse aterro, retirando dos resíduos que chegam cerca de 200 toneladas diárias de materiais reaproveitáveis. É o equivalente ao lixo produzido em uma cidade de 400 mil habitantes. A economia gerada com esse trabalho garante o sustento de mais de 15 mil famílias que trabalham no aterro e em seu entorno. Discutimos a criação de um Fundo de Apoio aos catadores/ as e outras ações, há mais de um ano e quatro meses. Durante esse período, a Prefeitura do Rio de Janeiro e a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) nunca se dispuseram a sentar à mesa para discutir e implantar esse Fundo e ações. Hoje, vemos pessoas passando informações desencontradas à imprensa, as de que estamos tendo acesso a cursos de formação, a recursos e a outras ações de apoio, além de dizerem que vão repassar os recursos do Fundo após nos organizarmos. Informamos à

sociedade do Rio de Janeiro que, até o momento, NÃO RECEBEMOS NADA. Queremos ser informados para quem foram destinados os cursos e outros apoios divulgados. Com certeza não foram aos catadores e catadoras de Gramacho. Às vezes nos perguntamos se essas informações são jogadas na imprensa porque as pessoas não sabem o que está acontecendo ou se isso é feito para tentar jogar os catadores uns contra os outros. Queremos informar que catadores/as estão organizados sim, temos um Conselho de Lideranças composto por 50

Queremos respostas concretas sobre: Como vamos alimentar nossos filhos a partir do dia 24 de abril, já que o prefeito do Rio de Janeiro disse que o Aterro do Jardim Gramacho fechará dia 23 de abril?

catadores/as e realizamos uma Assembleia Geral dos Catadores e Catadoras de Gramacho, organizada e conduzida por nós mesmos, no dia 31 de março deste ano, com a participação de mais de 1200 catadores/ as. Se isso não é organização, então nos digam o que é? Colocar a culpa da inoperância do poder público na mão do povo é sempre mais fácil. Nós, catadores e catadoras, aprendemos a lutar desde cedo, pois sem essa luta não estaríamos vivos hoje. Queremos dizer que não vamos mais aceitar imposições, bem como propostas que não saem do papel. Queremos respostas concretas sobre: Como vamos alimentar nossos filhos a partir do dia 24 de abril, já que o prefeito do Rio de Janeiro disse que o Aterro do Jardim Gramacho fechará dia 23 de abril? Queremos informar, também, que no dia 11 de abril, em reunião do Conselho de Lideranças dos Catadores, decidimos entrar em processo de mobilização até que esta situação se resolva. E na segunda-feira (23 de abril), se não tivermos até lá nenhuma proposta concreta que atenda nossas necessidades, realizaremos uma manifestação pacífica na cidade do Rio de Janeiro. Nesse momento, agradecemos a todos que têm nos apoiado e pedimos a solidariedade de todo o povo do Rio de Janeiro, que sabe a importância do trabalho que catadores/as de materiais recicláveis realizam para o bem da sociedade.

Abril 2012 Cleisa Rosa com a colaboração de Davi Amorim e Alderon Costa

“Encontro de Mulheres Catadoras de Recicláveis” I

Trecheirinhas

O Trecheiro

No dia 24 de março, a Cooperativa de Catadores Cooperando com a Natureza (Coopernatuz) e a Cooperativa de Catadores Preservando o Mundo (Coopermundi) realizaram encontro em Osasco (SP) para debaterem temas sobre o fortalecimento dos núcleos e cooperativas de reciclagem e os direitos da mulher.

“Encontro de Mulheres Catadoras de Recicláveis” II

As participantes decidiram cobrar das autoridades municipais pelo serviço de coleta seletiva realizado na cidade: “Esse é um direito nosso garantido por lei e a prefeitura tem que pagar pelo serviço. Não é um favor”, declarou Guiomar Conceição dos Santos, representante do MNCR.

“O que aprendi ao morar na rua”

Jhony Arai escreveu um artigo na revista Vida Simples sobre um retiro realizado no centro de São Paulo, de 24 a 27 de novembro de 2011 por um grupo de budistas. De uma maneira ou de outra, os nove participantes têm uma ligação com a Comunidade Zen Budista do Brasil, liderada pela monja Coen. O próximo retiro está previsto de 6 a 9 de setembro. Mais informações: www.monjacoen.com.br

Moradores da Rua Mauá se organizam I

Em março de 2007, o prédio da Rua Mauá, 300 – abandonado com dívida de IPTU somando cerca de R$ 2,5 milhões – foi ocupado por famílias diante da omissão do poder público. Hoje são 237 famílias trabalhadoras dispostas a fazer valer seus direitos.

Moradores da Rua Mauá se organizam II

O Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), o Movimento de Moradia da Região Centro (MMRC) e a Associação Sem-Teto do Centro (ASTC) assinam carta aberta da Comunidade Mauá em defesa ao Direito à Moradia Digna e realizam caminhada até o Fórum João Mendes para protestar contra a injusta decisão da reintegração de posse do prédio. Alderon Costa/Rede Rua

O que é Rio + 20 É a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), que ocorrerá no Rio de janeiro de 20 a 22 de junho de 2012 marcando o 20º aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), que ocorreu, também, no Rio de Janeiro, em 1992. O objetivo da Conferência é assegurar um comprometimento político (de chefes de Estado e representantes governamentais presentes ao evento) para o desenvolvimento sustentável, avaliar avanços, lacunas e novos desafios.

Nota Pública - Denúncia

A CJP da Arquidiocese de Vitória (ES) vem a público repudiar a ação da Polícia Militar do estado do Espírito Santo, que na madrugada do dia 13 de abril na Praça Costa Pereira em Vitória empreendeu uma brutal repressão contra um grupo de moradores de rua, como tortura; jatos de água; espancamentos; eliminação de pertences pessoais e enviando-os, por meio de coação, para outras cidades.

DIRETO DA RUA

Sebastião Nicomedes

A Política de Felicidade Por um período de tempo me afastei de tudo, inclusive dos movimentos sociais. Até que no final do ano passado, vi o incêndio na Favela do Moinho, na TV. As famílias tendo que passar o Natal na rua. Mal começou o ano de 2012, a “operação sufoco” deflagrada na Luz, ex-cracolândia. Não dava mais pra ficar quieto dentro de casa. A exemplo dos muitos defensores dos direitos humanos, a consciência obrigou a tirar o traseiro do sofá. Viemos pra rua, lutar juntos por coerência e respeito. A operação que as autoridades viram como um sucesso, a nosso ver, uma catástrofe anunciada. A demanda dos serviços

implodiu, são crescentes as filas do banho e da alimentação. É evidente que faltam toalhas, chuveiros não funcionam. Pode inclusive faltar comida pra todo mundo. Os funcionários assistem atônitos a indignação dos usuários. Ainda mais com as violências sofridas, os ânimos exaltados, assim como os albergues e as casas de convivência.

Comecei lá na Tenda com uma proposta diferente. A implementação da “Política da Felicidade". Porque em meio à turbulência, as pessoas em situação de rua precisam, e muito, do direito ao lazer, à alegria.

Na Tenda repercutiu o problema e houve casos fatais. Recentemente, voltei a trabalhar na Tenda do Parque Dom Pedro. Saber se essa coisa do protagonismo pode mesmo fazer a diferença. A Tenda é um espaço aberto, uma extensão da rua. Eu acredito na troca de saberes. Voltei a participar da Plenária FalaRua. Reflexão entre os membros militantes, lideranças do MNPR e representantes da Pastoral de Rua. Sabemos que se faz necessário trazer de volta a cultura da paz. A solidariedade, o companheirismo, a partilha... sempre foram marcas da rua. Comecei lá na Tenda com uma proposta diferente. A im-

plementação da “Política da Felicidade". Porque em meio à turbulência, as pessoas em situação de rua precisam, e muito, do direito ao lazer, à alegria, pra depois pensar em outras políticas de Saúde, Educação, Moradia, Trabalho e Renda. Antes de tudo, as pessoas precisam recuperar o gosto pela vida e cabe ao movimento da população de rua, seguir cobrando políticas públicas de inclusão. Cabe a mim, a você e a todos fazermos a nossa parte. Comecemos pelo grande ensinamento deixado por Jesus na terra: Amai-vos uns aos outros. E pensando na autoestima, no ânimo pela vida, nos vínculos familiares e de amizade...

Amar o próximo como a ti mesmo e a Deus sobre todas as coisas. Alderon Cos

ta/Rede Ru

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O Trecheiro

Abril de 2012

MNPR avança no DF com a Comissão Geral na Câmara Legislativa Iniciativa pioneira concretiza comprometimento do poder público com a população em situação de rua

Jacinto Mateus, Léa Tosold e Rose Barboza

No último dia 12 de abril, a Comissão Geral da Câmara Legislativa do Distrito Federal reuniu-se para um debate com a população em situação de rua. O encontro foi uma iniciativa da deputada distrital, Arlete Sampaio (PT), tendo em conta a forte pressão do MNPR pela inclusão dessa população nas políticas sociais. Compuseram a mesa de trabalhos: a deputada federal Érika Kokay (PT); o secretário de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), Daniel Seidel; a coordenadora do Departamento de Ati-

Ausência de políticas públicas Em sua intervenção, Maria Salete Kern Machado relembrou que, segundo a pesquisa “Renovando a Cidadania” realizada e coordenada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais da UnB, em 2011, 2.512 pessoas estão em situação de rua no DF, sendo 1.972 adultos. No entanto, a rede de serviços disponíveis para pernoite não chega a contemplar 50% dessa demanda. Outro ponto que a pesquisa ajudou a esclarecer, segundo Maria Salete, é a mendicância: mais de 60% das pessoas que vivem em situação de rua no DF exercem algum tipo de trabalho como: catadores, flanelinhas, lavadores de carro etc. Além disso, conforme afirmou a socióloga Bruna Gatti, 75% das pessoas em situação de rua não são beneficiárias de nenhuma política pública, o que acarreta dificuldades materiais

Fotos: Sedest

vidade Psicossocial da Defensoria Pública, Ingrid Quintão; a professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília e coordenadora do projeto Renovando a Cidadania, Maria Salete Kern Machado, e o coordenador do Fórum Permanente da População em Situação de Rua do Distrito Federal e membro da equipe de coordenação do MNPR/ DF, Jacinto Mateus. Na audiência, representantes da sociedade civil e militantes do MNPR/ DF lotaram o plenário, demonstrando a força da organização popular.

e de luta por uma cidadania plena. Já a deputada Érika Kokay afirmou que o poder público é omisso quanto às condições de vida das pessoas em situação de rua e, muitas vezes, age violando seus direitos. A deputada aproveitou para reforçar a necessidade de políticas públicas intergovernamentais que avancem na superação do processo de criminalização de pessoas em situação de rua. O secretário Daniel Seidel, por sua vez, após se comprometer a enfrentar a violência estrutural contra essa população, salientou a parceria assumida para a implementação da Política Nacional. Afirmou que a construção de uma política para o DF está em fase de consulta pública e elogiou a participação decisiva do MNPR/DF e de Antônia Cardoso Abreu da coordenação nacional, para que os direitos da população em situação de rua sejam garantidos.

Violações cotidianas

De acordo com o representante do MNPR/DF, Jacinto Mateus, um dos maiores problemas que a população em situação de rua enfrenta hoje – não só no Distrito Federal – é a “morte social” que antecede à morte física. Para ele, “as violações de direitos que se iniciam nas próprias estruturas de atendimento à população em situação de rua limitam o acesso às políticas públicas e constituem, em si mesmas, uma manifestação da violência estrutural que condena a população em situação de rua a uma morte prematura, que se dá ainda em vida”.

Além disso, Mateus denunciou o papel de alguns veículos de comunicação que colaboram para uma violência cultural, criminalizando as pessoas em situação de rua por meio de matérias superficiais e preconceituosas. Para finalizar, Mateus apresentou os resultados de pesquisa, que ele realiza em parceria com o IML no DF, identificando 40 pessoas em situação de rua mortas desde o início do ano. Mateus chamou a atenção, ainda, para a necessidade de criarmos estatísticas e formas de dar visibilidade a essa questão através de ações integradas e intersetoriais.

Compromisso

Emocionada, a deputada Arlete Sampaio enfatizou que a população em situação de rua deve ser respeitada como cidadã e portadora de direitos, com acesso garantido a políticas públicas de inclusão. Afirmando a necessidade de a sociedade conhecer melhor a realidade em que vive a população em situação de rua, a deputada assumiu o compromisso de dar continuidade ao processo iniciado nessa Comissão Geral, levando adiante reuniões periódicas para o aprofundamento de questões relevantes e a criação de alternativas.

“Enquanto morar for um privilégio, ocupar será um direito”

A falta de moradia é um grave problema social que atinge uma grande parte da população de São Paulo Fotos: Alderon Costa

A necessidade habitacional segundo levantamentos da prefeitura é de mais de um milhão de moradias, concentrando-se nas famílias que ganham menos de três salários mínimos. Nas camadas mais pobres da população, o déficit nacional atinge cerca de cinco milhões de pessoas, sendo que dois milhões vivem em favelas; mais de 700 mil pessoas em cortiços; mais de dois milhões em loteamentos irregulares, e a população em situação de rua já ultrapassa 15 mil. Não bastasse o total descaso do governo municipal e a falta de políticas públicas de moradia, a cidade vive uma avalanche de despejos e remoções em função das grandes obras em curso na cidade. A estimativa é de que, até 2015, aproximadamente 80 mil famílias (300 mil pessoas)

Prédio ocupado à Rua Mauá, 300

Alderon Costa

Benedito Barbosa

sejam removidas ou despejadas na cidade. Com os grandes projetos de infra- estrutura em andamento para citar as obras do Rodoanel e as operações urbanas como a das Águas Espraiadas, ou projetos de ampliação de avenidas e obras das Marginais do Tietê aumenta ainda mais o drama de milhares de famílias que não têm para onde ir. Além disso, ações de higienização

na cidade por parte da prefeitura intensificam-se a partir remoção de outras intervenções urbanas e megaprojetos de infraestrutura em função da “Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014”.

Por causa da falta de política habitacional na cidade, os movimentos de moradia – ligados à União dos Movimentos de Moradia e à Frente Luta Por Moradia, estas filiadas à Central de Movimentos Populares –, vêm organizando uma série de ocupações para exigir da Prefeitura de São Paulo programa de habitação para a área central. Dos 53 imóveis, há muitos anos prometidos pela prefeitura para habitação no Centro, menos de 10 imóveis foram desapropriados ainda sem garantia de que as famílias sem-teto serão beneficiadas. É isso, não há transparência na discussão e na indicação da demanda. Assim, os sem-teto continuarão sua luta por moradia e reforma urbana. Enquanto morar for um privilégio, ocupar será um direito.

Via-Sacra do Povo da Rua

Polícia Militar de São Paulo usa estilingue para expulsar pessoas na região da Luz

No dia 6 de abril, a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, coordenada pelo padre Júlio Lancellotti, realizou a tradicional Via-Sacra do Povo da Rua. A novidade deste ano é que ela aconteceu na região da Luz, palco da operação “Centro Legal” que retirou das ruas, pessoas dependentes do crack. Os participantes reuniram-se na Praça Princesa Isabel e saíram em caminhada pelas ruas cantando e fazendo algumas paradas para lembrar as dores do Povo da Rua. A caminhada terminou em frente à Sala São Paulo, onde foi encenada a crucificação de Jesus.

Segundo Anderson Lopes Miranda, membro do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), está acontecendo um genocídio contra a população de rua no Brasil. “Nesta Sexta-Feira Santa, nós trazemos nossos irmãos que estão tombando por este país com fogo, tiro, facada e paulada”. Só neste ano já são mais de 200 pessoas em situação de rua assassinadas no Brasil, segundo levantamento de noticias da imprensa, afirmou Lopes. Durante a caminhada, o jornal O Trecheiro recebeu depoimento de um morador de rua da região da Luz, que por questão de segurança pediu para

não ser identificado. Ele denunciou a violência da Polícia Militar na expulsão de pessoas usuárias de crack da região. “Eles passam com a viatura, com estilingue e vão atirando bola de gude. Isto é perigoso, pode acertar no olho, até mesmo na cabeça e pode ferir. Isto não é certo! O governador mesmo falou que eles não podem agredir e bater em nós. Acho que eles estão errados. Por que eles estão agredindo, batendo, ameaçando de

morte, apontando revólver na cabeça da gente, dando bicuda. Não é por aí, tem que ter diálogo, ter um projeto que sirva mesmo e que seja pra valer”, concluiu.


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