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Notícias do Povo da Rua
Ano XXI Julho de 2013 - Nº 218
Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - rederua@uol.com.br
Cidade fria!
Fotos: Alderon Costa/Rede Rua
Cidade fria - pessoas em situação de rua usam papelão e cobertores para se proteger das baixas temperaturas
Redação
As organizações sociais e MNPR, preocupados com as baixas temperaturas na cidade de São Paulo, chamam atenção para a questão das pessoas em situação de rua. Esse frio intenso coloca em risco a vida dessas pessoas. Segundo, Nina Laurindo, do Núcleo de Direitos Humanos da População em Situação de Rua, a discussão sobre as baixas temperaturas iniciou-se em maio, mas o poder público apenas abriu vagas nos serviços existentes.
Com as temperaturas muito baixas e grande demanda, a Prefeitura está buscando emergencialmente locais para abrigos, transporte, infraestrutura e fluxo que deveriam já estar providenciados. Segundo padre Júlio Lancellotti, “a Prefeitura poderia ter conversado mais com a sociedade civil e assim, tido uma maior colaboração”, e acrescenta, “embora o espaço emergencial de Santana tenha sido bom, poderia ser descentralizado pela cidade”. As organizações juntaram-se
para colaborar nas ações do poder público para que as pessoas em situação de rua não sofram tanto. O trabalho está sendo realizado por voluntários que saem com a missão de avisar à Prefeitura os casos de pessoas que estão correndo risco. “A gestão municipal mudou, mas parece que tudo continua o mesmo quando vemos a falta de políticas públicas para a população em situação de rua, em particular, em relação ao frio”, declarou Nina Laurindo. Na noite do dia 23 de julho,
foram encontrados várias pessoas e grupos em situação de risco porque dormiam ao relento com temperatura próxima de 8 graus. Segundo Carolina Ferro, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, “o que presenciamos, além de muito frio, foi uma grande dificuldade para acessar os serviços”. As principais dificuldades foram na comunicação com os órgãos públicos, a demora no atendimento, a burocracia, a recusa de ser acolhido nos serviços e a negligência de atendimento.
Emergência Procure o serviço mais próximo ou telefone para: Prefeitura 156 CAPE 3397-8850 e 3228-5554 GCM 153 SAMU 192 Bombeiros 193 Defesa Civil 199
Sempre anotar o protocolo e, em caso de negligência, ligar para o Disk 100 ou enviar e-mail: aquecerarua@gmail.com
Nas ruas, cidadania e mobilização social As manifestações de rua iniciadas na segunda semana de junho marcaram nosso tempo, principalmente, pela demonstração da força da participação e mobilização popular. Houve conquistas porque os governantes não só retrocederam retirando os vinte centavos da tarifa, como aceleraram medidas ligadas ao transporte público, como os corredores de ônibus, criaram instâncias de participação e iniciaram a abertura dos custos das planilhas do transporte coletivo. Voltaram de forma expressiva, a discussão sobre o transporte público, em especial a tarifa zero, já colocada na gestão de Luiza Erundina, então PT, e reivindicada pelo Movimento Passe Livre, desde sua constituição em 2005, como direito social.
A luta pela cidadania das pessoas em situação de rua é para que elas tenham opções para não serem obrigadas a morar nas ruas Mas o fato importante é que tudo começou por conta do aumento da passagem de transporte urbano em R$0,20 (vinte centavos). Olhando assim, uma banalidade para os usuários e uma fortuna para os caixas dos administradores públicos. O fato é que o Movimento Passe Livre colocou essa pauta na hora certa. Todos já estavam e
estão decepcionados com políticos, gestores públicos, serviços públicos e tudo mais que depende do Estado. Essas manifestações expressaram também demandas de diversos grupos sociais historicamente não atendidas pelas instâncias tanto do poder executivo como legislativo. Nas mobilizações de junho, ficaram evidentes a distância entre governantes e a sociedade civil e a ausência de mecanismos de
participação popular. Os cidadãos nas ruas apontaram a cultura da corrupção e da impunidade generalizada; a profunda desigualdade social; a falta de políticas de distribuição de renda e, principalmente, de políticas públicas para os jovens. Não é verdadeira a ideia divulgada pela grande mídia de que o Brasil não melhorou, mas quais são os ganhos reais para as pessoas em situação de rua, aquelas que
nunca saíram das ruas? Nesses últimos anos, avançou-se com leis e oportunidades de participação no plano federal, geralmente não acompanhadas pelos governos municipal e estadual. Na realidade, nenhum direito social reconhecido nas leis foi efetivamente concretizado, como por exemplo, ações ligadas às políticas públicas de habitação, saúde e trabalho, dimensões fundamentais para
a saída das ruas. Essas são as políticas públicas básicas para que as pessoas em situação de rua comecem a ter dignidade e para que a sociedade as respeite como cidadãos. A luta pela cidadania das pessoas em situação de rua é para que elas tenham opções para não serem obrigadas a morar nas ruas, conquistem seus direitos fundamentais e se organizem cada vez mais.
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O Trecheiro
Julho de 2013
Editorial
Um mundo vida no trecho à parte
As pessoas em situação de rua sobrevivem como se fosse um mundo que se tornou à parte de tudo que acontece na cidade. É como se as pessoas em situação de rua não existissem nesses momentos de manifestações e tudo parece ficar distante dessa realidade. No entanto, as de junho foram um grande exemplo dessa separação. As manifestações ocorriam ao lado, no meio e/ou na frente de tantas pessoas em situação de rua, mas elas, como óleo e água, ficavam à margem, nas calçadas e nas praças.
O silêncio de Meire
Fotos:Alderon Costa/Rede Rua
É um desafio para todos repensarem essa situação que vem se agravando. No entanto, será que organizações sociais, órgãos públicos e a própria população em situação de rua estão olhando esse desafio sob o mesmo ângulo? Não é hora de um processo de avaliação e de mudanças estratégicas? A situação de pobreza e desigualdade chegou a ponto que quem sobreviver mesmo em situação de rua já está bom. Como enfrentar o problema das pessoas e famílias em situação de rua, enquanto muitas outras estão prestes a morar nas ruas? Como investir em saúde para esse segmento, se a saúde não funciona para a maioria dos que não estão nas ruas? As pessoas em situação de rua morrem nas praças e ficam mais de oito horas à espera do IML. Depois passam dias para serem identificados, até que alguém corra atrás para não serem enterrados apenas como números. Na realidade, são as mesmas questões, não há diferenciação entre os problemas das pessoas em situação de rua e os da cidade: serviços públicos precários e ineficientes. Os últimos 20 anos a população em situação de rua vem aumentado em média 30% na cidade de São Paulo. Já chegamos às quinze mil pessoas sobrevivendo em situação de rua. Muito já se tem investido para mudar essa realidade. Vidas, dinheiro e alguns bons projetos, mas o resultado não pode ser considerado satisfatório. O presidente Lula colocou em sua agenda como prioridade, a presidente Dilma repetiu o fato, o prefeito Haddad fez o mesmo. Os discursos e promessas de políticas públicas para essa parcela da população brasileira têm sido uma constante. É fato que ninguém está tranquilo com tanta gente nas calçadas, nas praças e em diversos logradouros públicos. Atualmente, o grande desafio para o prefeito Haddad é o que fazer com tantas barracas (iglus) espalhadas na cidade. Para completar, os movimentos de moradias resolveram também usar os iglus para acampar em frente à Prefeitura. Nesses dias, são mais de 100 barracas que estão há mais de sete dias reivindicando moradia. Entendemos que o que se fez até agora não teve impacto na realidade das pessoas em situação de rua. Os cursos do Pronatec estão começando e não temos ainda uma avaliação realista para dizer o quanto eles contribuíram para incluir as pessoas em situação de rua. Os equipamentos continuam precários de estrutura e de metodologia. O sistema de convênio não funciona, pois deixa as organizações sociais com graves dívidas. Por exemplo, agora todos os sindicatos dão o dissídio e de onde elas vão tirar o dinheiro para dar esse aumento? Sem contar que os funcionários ganham mal e não possuem apoio no desenvolvimento do trabalho. Quem pensa que a situação das pessoas em situação de rua não piora, se engana. Serviços estão sendo fechados; a estrutura física de vários serviços está comprometida; funcionários das organizações sociais e da Prefeitura desmotivados e com medo e parcela da sociedade cada vez mais enraivecida contra as pessoas em situação de rua. Para completar, vamos ter os piores dias de frio dos últimos 10 anos. A temperatura poderá chegar a 6 graus. Quem vai sobreviver? Nesse mundo, por sorte ainda se conta com a solidariedade e, apesar do atraso, a Prefeitura está providenciando atendimento nesses dias de frio rigoroso.
APOIO:
Meire de Oliveira faleceu no dia 12 de julho na Praça da Sé e foi enterrada somente seis dias após a sua morte Fraya Frehse*
Pediram-me que escrevesse sobre Meire de Oliveira, moradora de rua que faleceu na Praça da Sé de manhã há exata uma semana, e que só à noite foi retirada dali. Conversei várias vezes com ela nos últimos seis meses, estudando como as ruas e praças do centro histórico paulistano são vivenciadas pelos (muitos) pedestres que ali permanecem com regularidade durante o horário comercial – trabalhando ou não.
Um silêncio profundo nos ronda, e só grita quando a nós mesmos não resta mais do que calar
quenininha” – e desenhou com os braços o tamanho de um bebê. Já na última vez que nos vimos, em 8 de julho, foi a carioca Resende o berço de nascimento evocado. Declarando-se com “55 anos” de idade, Meire estaria na rua desde os 12, quando a mãe a “jogou” ali pois “eu nasci escura”. Da primeira à última versão, algumas constantes: a presença de “platinas” na mandíbula, no braço e na perna em função tanto de uma queda do “5º andar”, no fosso do elevador da empresa onde fora limpadora, quanto de uma “ferrada” no braço, no Glicério. Ademais, tinha certeza de que o filho fora levado pelo ex-marido, de que seu RG fora “roubado” e de que “tudo que não presta tem” na Praça da Sé. Então, era assim Meire? Provavelmente seus companheiros de praça não a reconheceriam nessa descrição. Foi visível a surpresa de uma das moradoras de rua que passava o dia ali quando, certa vez, lhe perguntei da saúde de Meire: “É esse o nome dela? Nem sabia…”. Outro rapaz lamentava que a “Tia” não agradeceria, quando a tiravam da chuva.
O que sei de Meire? O que dela vi e ela me contou, enquanto disputava suas verdades com São Paulo, 19 de julho de 2013 a cachaça e o cigarro, escudeiros fiéis afora a cadeira de rodas ver*Fraya Frehse é professora de Sociologia da melha e o companheiro Adão. Universidade de São Paulo e autora, dentre outros, de Ô da Rua! O transeunte e o advento da Diante do tablado cimentado modernidade em São Paulo (Edusp, 2011). ao norte da Catedral da Sé, um fragmento de mureta, com os ratos se esgueirando ao fundo, virara a cômoda de Meire; seu colo, mesa; sua cadeira, armário e lar. Quer fizesse chuva, quer sol. Isso, quando o corpo não pedia um colchonete, recoberto por mantas e roupas, por plásticos e um guarda-chuva. Na primeira vez que falamos de sua trajetória, ela, muito magra, rosto moreno de traços finos que irradiavam dor – talvez do braço esquerdo fraturado –, se disse da pernambucana cidade de Serra Talhada, tendo sido “abandonada” na praça “quando a igreja [apontando para a catedral] era de madeira”, quando fora “pe- Adão, companheiro de Meire amparado pelos amigos na Praça da Sé
À Meire de Oliveira Martin Islas
O Trecheiro Notícias do Povo da Rua
Conselho Editorial: Arlindo Dias Editor Alderon Costa MTB: 049861/0157 Cleisa Rosa
Equipe de Redação: Alderon Costa Carolina Ferro Cleisa Rosa Davi Amorim Revisão Cleisa Rosa
Fotografia: Alderon Costa Diagramação: Fabiano Viana
Apoio Felipe Moraes João M. de Oliveira Luíza Ferreira da Silva Impressão: Forma Certa 5 mil exemplares
Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: rederua@uol.com.br
Já Adão, a quem acompanhei ao cemitério ontem, no caminho só chorava de saudades, apertando contra o rosto a única foto que dela possui, 3x4, solicitada a uma das assistentes sociais empenhadas no enterro singelo, mas digno que, seis dias mais tarde, a Vila Formosa ofereceu a essa mulher que, na documentação oficial, tem pouco mais de 50 anos. Quem era Meire, então? Era tudo isso, e, ao mesmo tempo, nada mais distante disso tudo. Das muitas carências que marcam a vida em São Paulo nos dias de hoje, existe uma da qual só nos damos verdadeiramente conta quando a morte pede passagem. Vivendo ou não na rua, dedicamos pouquíssimo tempo e lugar a conhecer de fato a humanidade de quem está ao nosso lado. Um silêncio profundo nos ronda, e só grita quando a nós mesmos não resta mais do que calar.
De origem hebraica: Meire Meirah. A que ilumina, a luminosa, a que brilha! Oliveira, planta que vive séculos e tem como símbolo a resistência, a permanência, a vitalidade, a cura, a reconciliação da qual se extrai o azeite de oliva. A negligência, a burocracia, as agendas, o que dá lucro apagaram a LUZ que Pernambuco nos trouxe. Ela foi apagada na Praça da Sé. Foi isso que aconteceu com Meire de Oliveira Fiquei indignado pelo descaso com a VIDA, com a LUMINOSA, com a OLIVEIRA! Descanse em paz, com a certeza de que o AZEITE e a LUZ acompanham o seu caminhar.
Temos pressa Sebastião Nicomedes
É... de quantos mártires mais precisarão as ONGS e o poder público? Fica uma transferência de responsabilidades e, no final das contas, quem faz o quê? Se formos somar e avaliar, deixam muito a desejar. E vêm aí noites terríveis de inverno! Vamos ver se se apressam em acudir, cuidar e proteger as pessoas na rua pra que não tenhamos mais baixas. Chega de morte inocente pra pagar o preço da insensibilidade. Não é preciso mais sensibilização, já pulamos essa etapa, tem é que praticar o Bem e as diretrizes da política nacional para as pessoas em situação de rua.
Mais uma porta se fecha
Fotos: Alderon Costa/Rede Rua
Alderon Costa
Na Avenida Rebouças, 305, funciona o Núcleo de Serviços e Convivência São Luiz Gonzaga que atende mais de 90 pessoas em situação de rua desde 14 de setembro de 1994. No dia 31 de julho de 21013, esse serviço será fechado, segundo o coordenador Tadahiro Yoshida. “Faz dois anos que estamos procurando um imóvel, enquanto isso fomos adaptando os prédios (referência às duas casas adaptadas). O esgoto aqui ainda é de manilha e a manutenção O coordenador Tadahiro Youshida lamenta o fechamento do serviço é muito grande. Como venceu A psicóloga Marlene Aparecida triste porque vão ficar sem luo contrato com a Secretária de de Oliveira, 43 anos, que tra- gar para tomar banho, comer e Assistência e Desenvolvimento balha na casa há mais de cin- vão ter que usar o Cemitério do Social (Smads), vamos fechar co anos, afirma que um grande Araçá para lavar roupa e tomar este serviço”, afirmou Yoshida. desafio do serviço é enfrentar a banho. “Infelizmente, vamos Segundo a Smads, “os as- perda da condição de cidadania ter que nos humilhar para os sistidos pelo Centro São Luiz pelos conviventes. “Eles che- “granfinos” dessa região para Gonzaga serão encaminhados gam aqui achando que é uma conseguir um prato de comida”, temporariamente aos servi- coisa e tentamos recuperar a sua resume Domênica, enquanto ços similares mais próximos, humanidade”, afirmou Marlene. termina seu almoço na casa. O caso do soteropolitano enquanto a supervisão regioLaedison dos Santos é um pounal busca novo imóvel para a co mais complicado já que está transferência do serviço o mais estudando Direito na Uniesp e breve possível, uma vez que o tem na casa todo apoio para esatual não possui condições adetudar. Ele ainda está em situação quadas de funcionamento”. de rua e dorme atualmente, na Para o coordenador do serregião do Pátio do Colégio. Já viço, as dificuldades relativas passou pelos serviços do Pedroaos valores pagos pela Smads so, Arsenal, Barra Funda I e II e também contribuíram para que Para Wellington José Elias, Boraceia, mas sempre encontrou a entidade encerrasse o convêfrequentador há mais de 15 muita dificuldade. Ele já enviou nio. “Tínhamos uma boa reserva, mas ficamos três anos sem anos do serviço, o fechamento ofícios ao Ministério Público, à reajuste e passamos a ter um dessa casa é triste e, por outro Defensoria Pública, à Smads e à déficit mensal de R$ 12.000, e lado, gratificante, por ele ter Secretária Municipal de Direitos por ano está estimado em R$ convivido com pessoas mara- Humanos solicitando revisão do vilhosas. “Vou seguindo meu fechamento. “Fazendo uma ana144.000”, declarou Yoshida. Além do serviço de alimenta- caminho e vamos ter que logia, parece um navio afundanção, banho, encaminhamentos procurar algo, como a bur- do, porque um trabalho que já para os serviços de saúde e de guesia quer vamos mais lá vem sendo desenvolvido há mais 18 anos e, de repente, é fechado trabalho, a casa se tornou uma pelo Centro”. Já para Domênica Maia sob a alegação de inadequação referência para as pessoas em situação de rua que frequentam Guedes, frequentadora há de espaço, é um desrespeito para a região da Paulista, de Pinhei- mais de 10 anos, é muito esta população”, finaliza Santos. ros e dos Jardins. É lá que eles recebem suas cartas, comunicação do Programa Bolsa Família e podem, por algum tempo descansar. O serviço é também alvo de descontentamento dos comerciantes e dos moradores que veem na casa a causa de tantas pessoas em situação de rua na região. Para Yoshida, um diferencial do serviço é a presença de um profissional de Psicologia que tem ajudado no fortalecimento dos vínculos e resgatado a humanidade de vários conviventes. Laedison dos Santos em frente ao serviço que será fechado na Avenida Rebouças
“Infelizmente, vamos ter que nos humilhar para os “granfinos” dessa região para conseguir um prato de comida”
Foto: Donizete Soares
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Cleisa Rosa e Alderon Costa com a colaboração de Nina Laurindo e Cristina Rezende
Tribunal defende direitos da população de rua
Trecheirinhas
O Trecheiro
Dia 11 de julho de 2013, por três votos a zero, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais acolheu o recurso elaborado pelo Coletivo Margarida Alves de assessoria popular para confirmar a liminar anteriormente concedida e proibir que os agentes públicos municipais (fiscalização e Guarda) e estaduais (Polícia Militar) recolham compulsoriamente pertences pessoais da população em situação de rua.
Prefeito quer que empresas contratem moradores de rua
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), se reuniu neste mês de julho com 16 empresas, especialmente empreiteiras, para fazer um acordo que tem o objetivo de empregar moradores de rua. A ideia é que 2.000 pessoas, que fazem cursos técnicos no Senai tenham emprego garantido após a formação, em março de 2014. O projeto ainda será formalizado com o RH das empresas.
Pesquisa IBGE I
Em reunião no dia 11 de julho, membros do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CiampRua) foram comunicados de que o IBGE estava impossibilitado de realizar pesquisa teste nas cidades do Rio de Janeiro e Recife no próximo semestre deste ano.
Pesquisa IBGE II
Por meio de documento, o CiampRua manifestou repúdio e profunda insatisfação em relação a essa decisão e solicitou agendamento de reunião com a Presidência do IBGE; Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); Secretaria Executiva da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR); Secretaria Geral da Presidência da República (SG-PR) e representantes do GT IBGE do CiampRua para que se assegure a realização da referida pesquisa, fundamental para subsidiar o Censo IBGE 2020.
Mil e uma reuniões do AA
Na noite de 20 de julho, aconteceu a comemoração do 5º aniversário do grupo “Caminhos da Esperança” dos Alcoólicos Anônimos (AA) no Centro de Acolhida Pousada da Esperança. Nesse serviço, foram realizadas 1.000 reuniões com resultados que puderam ser ouvidos e vistos por todos. Segundo o coordenador voluntário, Vamberto Felix de Figueiredo, conhecido como Betto, foi possível perceber que, com um passo de cada vez, muitas pessoas conquistaram vida melhor. Agora é continuar e que se repitam as mil e uma reuniões pela vida.
Pré-JMJ com o Povo da Rua
No dia 17 de junho de 2013, jovens vindos de Gana estiveram no Refeitório Penaforte Mendes, administrado pela Rede Rua. Os jovens ouviram as pessoas em situação de rua, falaram da situação de seu país, cantaram e foram convidados para almoçar da mesma comida servida para as pessoas que frequentam o refeitório. Esse grupo estava hospedado em casas de famílias da Comunidade Nossa Senhora de Fátima, Vila das Belezas, na Zona Sul de São Paulo.
Projetos sociais para ou com os outros?
projetos sociais das organizações governamentais, das não governamentais e das privadas são elaborados e realizados para os desvalidos de uma sociedade especialmente competitiva. Têm como público-alvo, geralmente, os “pobres coitados: crianças abandonadas, viciados em drogas, veTrecho 2.8 na Virada Sustentável 2013, em sessão de retratos para a exposição “A cara da Virada” lhos e doentes”... Não raro, cheios de boas intenções, seus empreendedores ções de todo e qualquer projeto Donizete Soares e, sobretudo, o que pensam sobre investem tempo e dinheiro. Dentre as tantas discussões si mesmos e os outros e como Organizam-se, montam equique, felizmente, sempre reali- agem seus idealizadores e /ou pes de trabalho, criam frentes zamos no Trecho 2.8 – criação realizadores. Trata-se, portanto, de atuação, agendam reuniões e e pesquisa em fotografia, uma de algo que tem a ver muito mais reuniões, fazem planos de ação, é básica e fundamental: a ges- com a ética – entendida como tabelas, planilhas... E cobram. tão. Entendemos que a depender jeito de ser de cada um – do que Caso não aconteça conforme o do modo como ela acontece, a com dificuldades ou facilidades previsto, muda-se a coordenaprópria existência do projeto se inerentes a qualquer coisa que ção ou mesmo a equipe toda, e tudo recomeça. justifica ou não. Sim, porque o possamos fazer na vida. Duas considerações parecem tipo de gestão explicita as intenGeralmente, os chamados
ser de suma importância: a primeira é que projetos feitos para os outros estão condenados a nunca se realizarem, mesmo com dinheiro e boas intenções. Ou aprendemos a pensar e realizar projetos com os outros (sejam eles quais forem) ou podemos nos acostumar às sequentes frustrações. Por quê? Simplesmente porque ninguém tem obrigação de fazer o que queremos, mesmo que o que queiramos seja supostamente bom pra esse ou aquele. A segunda, é que fazer projetos para os outros, ainda que, aparentemente, cheios de boas intenções e de dinheiro, expressa um modo de pensar e agir totalmente autoritário. A ideia de ajudar o outro é das mais perversas em nosso meio: “eu, do alto da minha bondade, capacidade e grandeza estendo a mão a alguém fraco, incompetente, pequeno”. Ou aprendemos a ser companheiros (comer o pão juntos) e a “co-laborar” com quem vive uma situação difícil ou po-
demos esperar tudo, menos reconhecimento e gratidão. Ora, por que teriam que ser gratos? Por terem nascido e condenados a ser a parte fraca da sociedade, justificando o lado dos fortes, o dos ricos e poderosos? Por serem filhos de pais que, socialmente debilitados, servem de opostos aos bem-nascidos, os que servem de modelos? Por serem os consumidores de drogas que fazem milionários se tornarem mais ricos ainda? Por não terem cuidado da saúde, a começar pela alimentação, e desenvolver até o fim da vida todo tipo de doença? Criar e /ou trabalhar em projetos sociais é algo que demanda, antes de tudo, postura crítica. O ato de elaborar e /ou realizar ações para os outros ou com os outros depende de uma resposta sincera e honesta a uma pergunta realmente simples: o que você e eu pensamos e queremos para os outros é o que você e eu pensamos e queremos para nós mesmos?
O Trecheiro
Foto: Alderon Costa/Rede Rua
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Sociedade civil exige participação popular
Carolina Ferro
A “Constituição Cidadã” de 1988 e a consagração do princípio da participação social tornaram muitos espaços participativos obrigatórios, como os conselhos de políticas públicas. No entanto, o papel do Estado na organização e implementação desses espaços não pode obscurecer a construção histórica da exigência de participação colocada pelos movimentos sociais e sociedade civil. Ela é uma estratégia para aprofundamento da democracia e construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Esse tipo de participação foi concebida como possibilidade de partilha efetiva do poder entre Estado e sociedade civil, por meio do exercício da deliberação. Dessa forma, ela representa possibilidade de a sociedade civil e o Estado definirem em conjunto as “regras do jogo”, isto é, parâmetros de convivência, mas sobretudo no que diz respeito às propostas de políticas públicas. No entanto, quanto à população em situação de rua, alguns fatos concretos ocorridos em São Paulo ajudam a visualizar o difícil percurso que a atual gestão municipal tem traçado com relação à participação popular
que levanta questionamentos sobre o projeto político “democrático-participativo”. Em resposta a uma demanda apresentada pela sociedade civil durante a campanha eleitoral do atual prefeito Fernando Haddad, foi criado o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Decreto 53.793/2013), em março deste ano, iniciando as atividades em maio. O Comitê PopRua, como é conhecido, foi pensado como espaço público privilegiado de participação social para a elaboração, acompanhamento e monitoramento do Plano Municipal para a
População em Situação de Rua. Entretanto, apesar de ter sido demanda de diversos atores sociais, dentre eles, o MNPR e organizações sociais que trabalham com a população em situação de rua, a atual gestão pouco dialogou ao construir esse decreto. A consulta foi feita alguns dias antes do decreto ser promulgado e sugestões da sociedade civil para que ele fosse deliberativo – visando o fortalecimento do papel do Comitê –, não foram incorporadas. Assim, o Comitê PopRua tem um caráter meramente consultivo com a definição de princípios, diretrizes e estratégias do Plano Municipal, mas que não tem a força de obrigar as diversas secretarias que o compõem a implementar as ações propostas. Outro fato evidenciou a concepção restritiva de participação social da gestão Haddad. No dia 5 de julho, durante reunião de aprovação do regimento interno do Comitê PopRua, membros da sociedade civil levaram a proposta de coordenação colegiada. Isso significava que o comitê fosse coordenado paritariamente pelo poder público e pela sociedade civil. No entanto, sob o argumento da “burocratização” do espaço, os representantes das secretarias não votaram a proposta de cogestão. Presente nessa oportunidade, comentei que infelizmente a Prefeitura entende que dividir a coordenação e o poder de decisão com a socie-
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dade civil é burocratizar e não democratizar o Comitê PopRua. Por último, a postura do secretário de direitos humanos, Rogério Sottilli, não deixou dúvidas de que a visão de participação social que a atual gestão possui está muito distante daquela pela qual os movimentos sociais lutaram. Na última reunião ordinária do Comitê PopRua, no dia 10 de julho, membros da sociedade civil questionaram porque a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania estava convocando um seminário internacional diferentemente ao que comitê havia discutido e deliberado. O secretário Sottili respondeu que “cada secretaria possui autonomia para definir suas ações e não podemos achar que o comitê vai decidir tudo”. Segundo Nazareth Cupertino, Associação Rede Rua, “este é o preço que estamos pagando por ter um comitê consultivo”. A participação social promovida pela gestão Haddad difere, e muito, daquela defendida pela sociedade civil e plasmada na Constituição de 1988. A possibilidade de partilhar o poder entre Estado e sociedade civil, como estratégia de aprofundamento da democracia, parece distante do projeto político do atual governo. Cabe ressaltar que a participação não é uma concessão que o Estado faz, mas sim um direito conquistado pela sociedade brasileira.
Catadores participam do II Fórum Mundial de Economia Solidária
Fotos: Alex Cardoso/MNCR
Alex Cardoso e Davi Amorim
Uma delegação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) de diversas regiões do país participou do II Fórum Social Mundial de Economia Solidária em Santa Maria (RS), realizado de 11 a 14 de julho que teve a participação de cerca de 200 mil pessoas, segundo seus organizadores. O evento foi uma oportunidade de os membros do MNCR compartilharem conhecimentos e experiências da economia solidária desenvolvida por outros movimentos sociais.
Nessa oportunidade, os catadores realizaram também um seminário estratégico sobre a cadeia produtiva de resíduos sólidos, além de reuniões de articulação e uma manifestação pelas ruas de Santa Maria e outras cidades do Rio Grande do Sul, juntamente com outros movimentos sociais do campo e da cidade. No dia 11 de julho, Dia Nacional de Luta da classe trabalhadora, o MNCR, em várias cidades do Brasil, reivindicaram mais investimentos para os empreendimentos solidários. Com
palavras de ordem em defesa da Natureza, pela coleta seletiva solidária e contra a incineração, catadores tomaram as ruas ao lado de outras organizações sociais que desenvolvem experiências de economia solidária. Já na mesa de abertura do seminário, realizado de 12 a 15, os participantes fizeram uma analise de conjuntura, aprofundando aspectos de interesse dos trabalhadores. Destacaram que as associações e cooperativas são empreendimentos de economia solidária onde se pratica a solidariedade de classe, a au-
togestão e, principalmente, a democracia direta, garantindo a independência de classe. Outro ponto importante de debate e afirmação foi o de que os catadores têm que conhecer e saber como funciona a sociedade capitalista, avançando no protagonismo e vencendo o chamado “dono da associação”. Essa postura pode garantir o sentimento de pertencimento de seus associados, ampliando a autogestão e garantindo a inclusão dos catadores não só no trabalho, mas na vida associativa de seus empreendimentos e, principalmente, no próprio movimento. Foi lembrado que, na trajetória de 12 anos do MNCR, muitas conquistas foram alcançadas, mas ainda há muito a conquistar e isso depende da relação com o poder público.
Carlos Alencastro Cavalcanti, representante do MNCR, resume esse momento ao afirmar que a “solidariedade é um chamado à união. Solidários somos gente; solitários somos peças; de mãos dadas somos força; desunidos, impotentes; isolados somos ilhas; juntos somos continente; inconscientes somos massa; reflexivos somos público; organizados somos pessoas; sem organização somos objetos de lucro; em equipe, ganhamos, nos libertamos; dispersos, nos perdemos, continuamos presos; participando somos povo e marginalizando–nos somos rebanho”, declarou Cavalcanti. Ele ressaltou que para mudar o sentido do sistema e revolucionar a sociedade são necessários muitos catadores, militantes formados e capacitados para avançar junto e no coletivo.