IMPRESSO
Notícias do Povo da Rua
Ano XXI Setembro/outubro de 2013 - Nº 220
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“É gente que está na rua”
Fotos: Alderon Costa/Rede Rua
Direito à cidade
Redação
Postura violenta da GCM vai mudar, diz secretário de direitos humanos de SP
Durante evento na praça da Sé, Rogério Sottili afirmou que trabalha para diminuir a violência da Guarda Civil Metropolitana contra a população em situação de rua
JR Penteado
O secretário de direitos humanos de São Paulo, Rogério Sottili, assegurou, durante evento realizado na praça da Sé, no dia 19 de agosto, que sua gestão está trabalhando para diminuir a violência da Guarda Civil Metropolitana (GCM) contra a população em situação de rua. “Estamos realizando cursos e seminários de educação em direitos humanos com os guardas civis metropolitanos no sentido de conscientizá-los. O objetivo é que eles mudem a atuação junto às pessoas que vivem nas ruas e as tratem com mais respeito”, disse. O secretário ainda acrescentou que mudanças na atuação da GCM já são perceptíveis. “Em oito meses de nova administração, já houve mudança. Podem perceber que a maior parte das queixas de violência feitas aqui é contra a Polícia
Militar (PM)”, asseverou. Intitulado #DialogoSPDH/ PopRua, o evento marcou o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. A data faz referência ao episódio que ficou conhecido como “Massacre da Sé”, quando, entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, sete pessoas em situação de rua foram assassinadas com golpes na cabeça enquanto dormiam na região da praça da Sé. No evento, organizado pela Secretaria de Direitos Humanos, dezenas de pessoas em situação de rua puderam falar ao microfone e expressar suas queixas. Boa parte das falas girou em torno da violência policial. “A gente sofre muita humilhação da PM. Já fui abordado e chamado de lixo. Fiquei chorando de ódio”, disse um homem, que não se identificou. Outra mulher, que também não se identificou, reclamou de haver tido
Luzes de luto no dia de luta: no dia 18 de agosto, enquanto o MNPR iniciava a manifestação, as luzes da praça da Sé foram acessas com luz vermelha, expressando o sangue das pessoas em situação de rua que morreram no “Massacre da Sé” e continuam sendo assassinadas no Brasil.
mercadorias apreendidas por guardas civis. “Eles levaram todas as minhas coisas, dizendo que eu trabalhava na Feira do Rolo, mas isso não é verdade.”
Participação popular Além de prometer combater a violência da GCM, Sottili também falou diversas vezes sobre a importância da participação popular na elaboração das políticas públicas para a população em situação de rua. “É fundamental a participação popular. Queremos que a cobrança e a fiscalização ocorram diariamente”, disse o secretário. “Sabemos que não iremos resolver todos os problemas em quatro anos. Mas tenho certeza de que faremos uma verdadeira revolução nas políticas para a população de rua”, afiançou.
No dia 30 de agosto de 2013 aconteceu uma ação de retirada das pessoas em situação de rua no viaduto Bresser. Esta mesma ação já tinha acontecido no dia 23, mas, com a intervenção da Pastoral do Povo da Rua e de outros movimentos, a ação só foi concluída nesse dia. Após a retirada e a queima dos barracos, chegaram duas escavadeiras para revolver a terra a fim de evitar que se reconstruam os barracos. A ação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) começou antes das 7h e contou com 15 viaturas e 56 homens, segundo a inspetora Lindamir Magalhães. O trabalho da GCM, segundo Lindamir, apoiou a ação da subprefeitura da Mooca em uma ação de limpeza urbana. Segundo os moradores, a GCM chegou com truculência e começou a retirar seus pertences, entre eles cobertores, colchões, documentos e remédios. A nossa reportagem recolheu uma carteira de trabalho do meio do que, transformado em lixo, estava sendo recolhido pela limpeza urbana. No meio de toda essa movimentação encontramos Rafael Dias Rezende, nascido naquela região e que está em situação de rua. Para ele, que encontramos sentado junto aos poucos pertences que conseguiu salvar, não existe mais esperança para quem está na rua. “Não tenho esperança, pela maneira com que somos tratados, marginalizados. É como se todo mundo que está na rua roubasse, bebesse e usasse drogas. Fora da fé, não tem esperança nenhuma pra gente. As pessoas precisam saber que é gente que está na rua.”
Já para o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral da Rua, o evento ocorrido na praça da Sé terá muito pouca efetividade. Segundo ele, as queixas estavam muito diluídas. “Claro que é bom criar um espaço como esse, onde as pessoas possam falar. Mas o que irão fazer com tudo isso? Queremos coisas concretas e, pelo o que temos visto da administração municipal até agora, as expectativas não são das melhores”, afirmou.
“A gente sofre muita humilhação da PM. Já fui abordado e chamado de lixo. Fiquei chorando de ódio.”
Painéis de luta: No dia 19 de agosto, na praça da Sé, grafiteiros convidados pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo produziram vários painéis com a temática da luta pelos direitos humanos da população em situação de rua a partir de elementos da rua, como cobertores com colagem de fotos e grafites.
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O Trecheiro
Editorial
Coisas que poderiam ser do passado
Após os três encontros da população em situação de rua com o candidato Fernando Haddad, começou-se a pensar que algo poderia mudar para aqueles que já não contavam na cidade. Uma política com perspectivas de saída da rua, moradia, trabalho, tratamento digno, cursos de qualificação, melhorias nos equipamentos que atendem a população, valorização dos profissionais, transparência nos gastos com a Assistência Social e, principalmente, uma cogestão da política para a população em situação de rua. Acreditou-se que as ações poderiam ser diferentes. Higienismo, limpeza social, violência policial, truculência seriam coisas do passado. A GCM não se envolveria com as questões sociais, passaria por uma reciclagem e não teria violência contra a população em situação de rua. A limpeza urbana também mudaria sua forma de agir e teria um protocolo de limpeza que não agredisse as pessoas, não recolhesse seus pertences e, principalmente, documentos pessoais. Em janeiro, início da gestão Haddad, encontros com o prefeito na mesa onde são realizadas as reuniões com seus secretários. Cafezinho, água e promessa de que a população em situação de rua seria prioridade para a gestão. No primeiro encontro, o prefeito garante a participação das pessoas em situação de rua no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), transfere a coordenação da política de população em situação de rua para a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDH) e cria o Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua, assinando o aceite da Política Nacional. Na moradia, tudo parecia caminhar, pois os movimentos estavam entusiasmados com a possibilidade de reforma de prédios abandonados e a promessa de construção de 55 mil moradias, dentre as quais 2 mil destinadas a pessoas em situação de rua. Mesmo sabendo dos limites do poder público, houve um entusiasmo geral. Agora, com esta gestão, as políticas vão avançar, pensaram alguns. Mas os problemas são bem mais complexos do que a boa vontade. O fato é que estamos vendo as promessas e os sonhos caírem. A mudança de coordenação da política de população em situação de rua, que deveria ser transferida para a SMDH, não aconteceu efetivamente. Pior, o que transparece são conflitos, dando uma ideia de disputa interna da Smads em relação à SMDH. O fato é que ainda não ficou claro quem está no comando das políticas para as pessoas em situação de rua. Quem mantém os recursos, nós sabemos. A mudança na GCM ficou no discurso. Tão logo se verificou a falta de políticas, a ineficiência das tendas e o aumento das pessoas em situação de rua, em particular no viaduto Bresser, a “nova” GCM mostrou sua velha faceta, até mais violenta. Várias denúncias de violência foram recolhidas nas ações dos dias 23 e 30 de agosto. O promotor Roberto Porto, atual secretário municipal de segurança urbana, juntamente com o prefeito, entregou novas viaturas no mês de setembro e anunciou que vai implantar bases comunitárias com câmeras para coibir os traficantes nas “cracolândias”. Defendemos ações integradas da saúde, assistência social, habitação, educação e serviço de inteligência, em parceria com o estado e o Governo Federal, como forma de enfrentar esse desafio. Mesmo com esse quadro desanimador, ainda queremos acreditar que o atual prefeito pode fazer a diferença e possibilitar a todas e todos, especialmente às pessoas em situação de rua, o direito à cidade, respeitando a história de tantas pessoas que vêm lutando por essa população, levando em conta sugestões da própria população em situação de rua, inovando com serviços de qualidade que, no mínimo, motivem a dignidade das pessoas que são obrigadas a usar os serviços do poder público. O frio já está no fim: enfrentar o desafio de incluir todos os que estiveram nos abrigos emergenciais pode ser um bom reinício.
APOIO:
O Trecheiro Notícias do Povo da Rua
CONSELHO EDITORIAL: Arlindo Dias EDITOR Alderon Costa MTB: 049861/0157
EQUIPE DE REDAÇÃO: Alderon Costa Davi Amorim Léa Tosold Lennita Ruggi
REVISÃO Léa Tosold
FOTOGRAFIA: Alderon Costa DIAGRAMAÇÃO: Fabiano Viana
Apoio Felipe Moraes João M. de Oliveira Luíza Ferreira da Silva IMPRESSÃO: Forma Certa 5 mil exemplares
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Setembro/outubro de 2013
VIDA NO TRECHO Fotos: Alderon Costa/Rede Rua
“A pessoa sempre tem uma vontade de sair”
Alderon Costa
Eduardo Matos, carioca de nascimento, goiano de criação e cidadão brasileiro por sua luta. Dependente químico por mais de dez anos, há algum tempo deixou tudo o que atrapalhou sua vida e passou a lutar por seus direitos e os dos companheiros que ainda continuam nas ruas. É contrário ao processo de internação compulsória e a favor do fortalecimento da pessoa, para que ela decida. Sua história pode ser uma referência de como o poder público precisa agir para possibilitar que as pessoas que fazem uso de drogas tenham alguma chance. Conheci Eduardo no II Seminário de Boas Práticas contra a Tuberculose, que aconteceu nos dias 18 e 19 de setembro, em Brasília.
Entrada “No princípio eu estudava, trabalhava normalmente. A dependência foi ocupando lentamente esses lugares e, por fim, me vi na rua.” Assim, Eduardo foi aos poucos conhecendo o mundo das drogas. Filho de família rígida, religiosa, apegada aos valores cristãos, como ele mesmo diz, a relação com a família foi interrompida. “A droga me tirou tudo. O caráter, a confiança e aqueles que são minha família.” Segundo ele, mesmo tendo perdido quase tudo na vida, as pessoas sempre têm vontade de sair dessa situação, pois não estão ali só porque querem. “As pessoas podem ter tido problemas na infância, Paulo Ivan M. Fonseca
na formação de seu caráter, na relação com a família, com o trabalho, mas pensam em uma vida melhor.”
Saída Depois de tantos anos neste mundo, a definição é transparente e dita com todas as letras. Eduardo sabe bem do que esta falando. Sem duvidar ou gaguejar, define a dependência: “A dependência química é uma doença progressiva, incurável e fatal. É uma doença biopsicossocial que ataca todas as áreas do indivíduo. Na dependência química, a história é a mesma com todos e só muda o personagem”. Para ele, a pessoa só sai da dependência a partir de sua vontade e com algo em que ela possa se segurar. “De repente, o que você precisa é de uma conversa de igual para igual com uma pessoa. Esse é o ponto-chave, mostrar para a pessoa que ela é igual e isso faz com que ela desperte o olhar para a esperança, um olhar de motivação.” Eduardo esteve em uma clínica em 2006 e depois em 2008, onde ficou 7 dos 9 meses previstos. Recaiu várias vezes e até foi preso. Porém, chegou o dia em que ele deu um basta a essa realidade. Este momento foi como uma nova data de nascimento para Eduardo. O último dia em que fumou maconha foi 31/12/2011. “A saída mais efetiva da rua se deu há 1 ano, 9 meses e 19 dias [a entrevista aconteceu no dia
19 de setembro de 2013], desde quando estou sóbrio. Daí para frente é um processo de adaptação. Me vejo atrasado e corro para diminuir o prejuízo. Hoje, passei num concurso na Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) de Goiânia e trabalho na Defensoria Pública.” Mesmo tendo superado a dependência, não vacila. Lembra a cada minuto de que precisa se cuidar. Não é fácil, pois mantém o contato com a realidade que conheceu na pele. Como funcionário da Semas, faz atendimentos nas ruas. “Minha relação com a população de rua é muito boa, como educador aprendo muito e tento levar um pouco de minha experiência, mas respeitando a diferença.” Ao ser perguntado sobre as mortes de vêm acontecendo em Goiânia, Eduardo foi objetivo. “As mortes em Goiânia são um assunto complicado, porém notório. A gente vê escândalos e escândalos da polícia, mas a esperança é que estão buscando solução.” Completou afirmando que está aumentando o número de pessoas que moram nas ruas e que há uma carência de políticas públicas.
Futuro Ao final, Eduardo deixa seu recado: “Eu acredito que as pessoas que usam drogas têm solução, pois se eu consegui, outros também conseguem”.
BOCA NO TROMBONE
Alimentação e fotos
O problema é que há dias em que, em qualquer Centro de Acolhida, o usuário pode deparar (e depara!) com alimentos faltando na dieta do jantar, do café da manhã, quando não falta a refeição inteira. O problema é antigo e há serviços em que, desde 2010, só são servidos alimentos doados. O que é necessário, agora, é retomar o antigo procedimento de visita do técnico da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) aos serviços de acolhida maiores, no período noturno, para constatar as condições e indagar os usuários sobre a qualidade do serviço prestado. De qualquer maneira, foi só iniciar a "Operação
Baixas Temperaturas" que a quantidade de acolhidos em pernoite aumentou e a qualidade da alimentação e da manutenção das instalações higiênicas caiu. Outro problema é se a pessoa estiver sem documentos e tiver que tirar fotos e nenhum serviço dispor de verba para fornecer ao usuário em tempo hábil para a inscrição no curso do Pronatec. Alguém precisa articular com a Caixa Econômica Federal para que as agências e casas lotéricas atendam ao usuário sem comprovante de água/luz/telefone, já que no próprio site da Caixa lê-se que, para abertura de Conta Fácil/Poupança Fácil, é desnecessário a apresentação de comprovante de endereço.
Resposta de Isabel Cristina Bueno da Silva, Proteção Social Especial/Smads, enviada ao Ivan por e-mail: “Solicito informar quais são os Centros de Acolhida que afirmam não receber verba de alimentação, para providências de averiguação e responsabilização. Os documentos não são providenciados nas Tendas e sim nos Cras, e todos os casos do Pronatec têm sido monitorados pelas equipes técnicas dos Centros Pop e técnicos supervisores dos serviços em que há candidatos. Peço a gentileza de indicar onde se encontra o problema para darmos encaminhamentos.”
O Trecheiro
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Usuários querem se tratar Fotos: Alderon Costa/Rede Rua
Setembro/outubro de 2013 Alderon Costa, Léa Tosold, Lennita Ruggi e Nina Laurindo
O desafio da tuberculose
Mesmo trabalhando, moram em abrigos Redação
A pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o crack conclui que no Brasil os usuários de crack são aproximadamente 370 mil pessoas, somente nas capitais e no Distrito Federal. No perfil do comportamento sexual, mais de um terço (39,5%) dos usuários afirmaram não usar preservativo. Apesar da evidente exposição ao risco, mais da metade dos entrevistados (53,9%) afirmou nunca ter realizado teste de HIV. Mais de 70% dos usuários disseram compartilhar os instrumentos de uso do crack, o que significa um perigo para a transmissão de infecções, em especial as hepatites virais. Cerca de 14% dos 370 mil usuários de crack são menores de idade, o que representa aproximadamente 50 mil crianças fazendo uso dessas substâncias. As capitais da região Nordeste são as que apresentam o maior quantitativo de crianças e adolescentes consumidoras de crack e similares. Em sua maioria, os usuários são homens (78,7%) que se encontram em situação
de rua (47,3%), o que não quer dizer que moram nas ruas, mas que passam grande parte de seu tempo nas ruas. Os pesquisadores ressaltam que o uso de latas e de cachimbos é especialmente perigoso pela possibilidade de contaminação por metais pesados, além do risco de queimaduras e lesões nos lábios. Pensava-se que o Sudeste do Brasil concentraria o maior número de usuários, mas o que encontramos é que o Nordeste é a região cujas capitais têm uma maior prevalência/proporção de usuários. Em números absolutos, o Nordeste tem cerca de 148 mil usuários de
crack/similares nas suas capitais, enquanto que na região Sul há 37 mil. Em relação ao tempo de uso do crack, chegamos a uma média de oito anos entre os usuários, contrariando o que se pensava, que a pessoa morria logo. Os pesquisadores da Fiocruz descobriram que, diferentemente do que se achava até então, quase 80% dos usuários no país têm vontade de receber tratamento.
As dores da alma
Sebastião Nicomedes
Recuperar o sentido das coisas, o rumo da vida, leva muitos anos.
Cada vez mais nova-iorquinos, ao sair do trabalho, voltam aos abrigos nos quais têm vagas permanentes. Cerca de 30% das famílias que vivem em abrigos incluem ao menos um adulto empregado e 16% dos adultos solteiros que vivem em abrigos estão empregados. Especialistas dizem que os desabrigados que têm emprego são prova da disparidade cada vez maior entre salários e aluguéis na cidade. David Garza, diretor da Henry Street Settlement, afirma que colocaram, no ano passado, 50 famílias em moradias permanentes. “Sem moradia para as pessoas de baixa renda é um labirinto sem saída.” (Folha de São Paulo – 21/09/2013 – Caderno Mundo)
Moradia e Gênero O Comitê Popular da Copa SP realizou no dia 3 de agosto um debate sobre Gênero e Moradia. O “Debate Bola” aconteceu na Ocupação Margarida Maria Alves, na região da Luz, centro de São Paulo. Nelson da Cruz Souza, coordenador da ocupação, destacou a importância da paraibana Margarida Maria Alves na liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoas. O debate contou com a participação da pesquisadora Marina Rago, que falou da importância da mulher nos movimentos de moradia e questionou a opressão dos homens. A militante Helena Silvestre, do Movimento Luta Popular, falou do desafio de pensar as relações de trabalho e gênero. “É preciso desconstruir essa ideia de que tem trabalhos para homens e outros para mulheres.” Para Wilminha, da Marcha Mundial das Mulheres, “o feminismo não prega ódio, dominação, mas clama por igualdade e pelo fim da dominação de um gênero sobre o outro”.
Parlamento húgaro criminaliza situação de rua
DIRETO DA RUA Viver na rua é viver como sucata, quem sai da rua, sai como papelão, plástico e caco.
Trecheirinhas
O II Seminário de Boas Práticas no Controle da Tuberculose e Enfrentamento das Vulnerabilidades e Coinfecções junto à População em Situação de Rua aconteceu em Brasília, nos dias 18 e 19 de setembro de 2013. O evento teve o objetivo de discutir ações de saúde para a população em situação de rua, principalmente as práticas de tratamento da tuberculose e do HIV. Maria Lucia dos Santos, da coordenação do MNPR, chamou a atenção de todos para a situação limite daqueles que estão nas ruas e as dificuldades no tratamento. “Vocês não entendem, não tem consciência do quanto nós ficamos aflitos e alegres quando uma ação mínima é realizada para a população de rua, porque é diferente para vocês, mas para nós significa vida ou morte, literalmente”, concluiu Lucia.
Talvez, estejamos diante de uma das maiores causas de a pessoa ir pra rua, sair dela ou não. Nem tudo é falta de emprego, nem tudo é falta de grana, nem tudo é falta de um lar pra viver.
A despeito de toda a mobilização nacional e internacional, inclusive de ativistas do Brasil, parlamentares húngaros votaram, no último dia 30 de setembro, por uma mudança na legislação do país que abre precedente para a criminalização da situação de rua, sob pena de multa e até mesmo prisão, incluindo a criação de zonas na cidade de Budapeste em que se proíbe a presença de pessoas em situação de rua e, ainda, a criminalização de quem utilizar abrigos autoconstruídos. O Trecheiro, em solidariedade, repudia essa inaceitável medida do parlamento húngaro, que atenta frontalmente contra os princípios básicos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
37ª morte em Goiânia
Algum grau mínimo de complexidade adquirida fica por toda a vida, como feridas que não cicatrizam.
Mais uma pessoa em situação de rua foi encontrada morta na madrugada da terça-feira, dia 1º de setembro de 2013, no Setor Rodoviário de Goiânia. De acordo com a Polícia Civil, um homem, ainda não identificado, foi assassinado com vários tiros na cabeça. Esta é a 37º morte de pessoa em situação de rua na região metropolitana da capital de Goiás desde agosto do ano passado.
Aprender a lidar com isso é uma necessidade constante. E livrar-se das marcas. É outro processo.
Protestos de junho: moradora de rua continua presa
Não há uma pessoa sequer que passou, viveu nas ruas e que não tenha saído bipolar.
Não tem fama, não tem dinheiro nem sucesso que dê certo enquanto não se aprender a lidar com a bipolaridade e como distingui-la bem. Vamos estudar e entender as dores da alma, a magnitude dos transtornos bipolares.
A Justiça de São Paulo negou um habeas corpus para a única pessoa que ainda continua presa em decorrência das manifestações de junho pela redução das tarifas de ônibus em São Paulo. Trata-se (in)justamente da moradora de rua Josenilda da Silva Santos, 38 anos, detida no dia 18 de junho, uma terça-feira marcada por uma das maiores manifestações no centro da cidade. A Defensoria Pública e o Movimento Passe Livre (MPL) estão acompanhando o caso. Josenilda deve ser solta no dia 4 de outubro.
O Trecheiro
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Setembro/outubro de 2013
Moradia como serviço público
Seminário debate o desafio de efetivar o direito à moradia para a população em situação de rua Alderon Costa/Rede Rua
O seminário mostrou que é necessário que as instituições públicas e a sociedade em geral superem as visões estigmatizadas e preconceituosas sobre a população em situação de rua Divulgação
Luiz Kohara
Nos dia 24 e 25 de setembro, em Brasília, foi realizado o seminário “Habitação de Interesse Social para a População em Situação de Rua”, organizado pelo Grupo de Trabalho (GT) de Habitação do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Participaram cerca de 60 pessoas, provenientes de 13 grandes cidades brasileiras, entre servidores públicos de ministérios e prefeituras, lideranças do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e representan-
tes de entidades sociais. O seminário teve como objetivo apontar a necessidade de uma Política Nacional de Habitação que atenda efetivamente esse segmento social que, além de não ter acesso aos direitos sociais previstos na Constituição Federal, sofre preconceitos e discriminações que o estigmatiza como pessoas drogadas, incapazes e sem renda. É reconhecida a complexidade e heterogeneidade da problemática da população em situação de rua, o que exige diferentes programas públicos intersetoriais. Entre esses pro-
gramas, deve estar o acesso à moradia adequada localizada em áreas com infraestrutura consolidada e que possibilite a autonomia de cada morador. A representante do Ministério das Cidades apresentou os programas existentes, lembrando que a portaria 610/11 inclui, nos critérios adicionais
de vulnerabilidade social para seleção da demanda do Minha Casa Minha Vida, a população em situação de rua. Ela disse ainda que a produção habitacional pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) permite que os municípios implementem Programas de Locação Social. No en-
tanto, o governo federal não tem priorizado e aportado recursos no FNHIS. Foram apresentadas experiências de atendimento habitacional para população em situação de rua realizadas pelas prefeituras das cidades de Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo e Vitória. Essas experiências apontaram que os atendidos em programas habitacionais apresentaram melhoras significativas nas condições de vida. Algumas reflexões trazidas por representantes da sociedade civil foram bastante esclarecedoras ao apontar as particularidades de um equipamento social público como as repúblicas, que é um serviço necessário, mas que não se trata de uma moradia autônoma conforme discutido no seminário. Ainda, segundo a maioria dos participantes, a moradia para a população de baixa renda deve ser um serviço público, não uma mercadoria a ser adquirida. O seminário mostrou também que é necessário que as instituições públicas e a sociedade em geral superem as visões estigmatizadas e preconceituosas em relação à população em situação de rua, porque elas restringem as perspectivas das políticas públicas ao assistencialismo tutelado e limitam as perspectivas de programas mais emancipatórios para a saída da rua. Ficou o desafio aos gestores públicos de implementação de programas habitacionais que atendam a população em situação de rua de forma autônoma, em áreas consolidadas e sem a formação de guetos.
Aposentadoria especial para catadores Davi Amorim
Categoria pressiona deputados para acelerar aprovação
Davi Amorim/MNCR
MNCR no sentido de atender, além dos catadores individuais, também catadores organizados em cooperativas e associações. A reformulação da proposta atende a outra reivindicação do MNCR, ao permitir que os catadores tenham computado o tempo de serviço até a data da lei, mesmo sem o pagamento correspondente. Para mais de 70% dos catadores em todo o país – que recebem até um salário mínimo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2011 – seria uma contribuição mais acessível do que o atual percentual de 11% sobre o salário mínimo. Pelas regras em vigor, há outras duas formas de contribuição previdenciária para os catadores, na categoria "contribuinte individual": 20% sobre a renda, quando se recebe mais do que um salário míni-
Alderon Costa/Rede Rua
Membros do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) têm pressionado deputados federais na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados para pedir a aprovação do projeto de lei do Senado Nº 3997/12, que inclui os catadores de materiais recicláveis entre os segurados especiais da Previdência Social. Assim como com os pequenos produtores rurais e os pescadores artesanais, o segmento passaria a contribuir com uma alíquota de cerca de 2% sobre a própria renda para receber aposentadoria. Como resultado a relatora do projeto, a deputada Erika Kokay, apresentou parecer favorável à aprovação do projeto, além de dar a conhecer um projeto substitutivo que introduz reivindicações do
Linha de reciclagem do Programa Reviravolta da População em Situação de Rua do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
“De cada dez catadores, oito não contam com proteção previdenciária” mo ou como microempreendedor individual (ou seja, pessoa jurídica), e 5% sobre o salário mínimo, quando se recebe renda menor ou igual a esse valor – mas, neste caso, não pode se associar a cooperativas. 80% não têm Previdência O diretor do Departamento de Regime Geral da Previdência Social, Rogério Costanzi, reconhece que a grande maioria dos catadores ainda não conta com uma aposentadoria. "Sem dúvida nenhuma, a situação de proteção
previdenciária dos catadores de material reciclável é realmente muito precária. Pelos nossos dados, de cada dez trabalhadores de material reciclável, oito não contam com proteção previdenciária. Então, realmente é necessário fazer esforços para ampliar a proteção previdenciária para esse segmento." Na opinião do representante do MNCR, Roney Alves, o projeto fortalece a categoria e a preservação do meio ambiente. "O catador vai poder fazer o que ele já faz de me-
lhor, que é a separação dos materiais recicláveis, tirando do meio ambiente aquilo que o ser humano já não quis mais e que, muitas vezes, descartou de forma errônea, fazendo com que aquilo que se tornaria lixo torne-se matéria-prima para a indústria, dando sobrevida ao meio ambiente e dando sobrevida aos recursos naturais do nosso planeta." O projeto ainda vai ser analisado nas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça, de onde volta para o Senado.