VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa - Literatura e Lusofonia

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ANAIS DO VIII ENCONTRO DE ESCRITORES DE LÍNGUA PORTUGUESA

LITERATURA E LUSOFONIA 2018

A CIDADE e a LITERATURA CONEXÕES ENTRE CIDADANIA, CRIATIVIDADE E JUVENTUDE

Concha Rousia David Capelenguela Fátima Fernandes Filipa Melo Hermínia Curado FERREIRA Inês Barata Raposo Jorge Carlos Fonseca José Carlos de Vasconcelos Judite Nascimento Luís Costa Nuno Rebocho Olinda Beja Tony Tcheka Zhang Weimin





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LITERATURA E LUSOFONIA 2018

A CIDADE e a LITERATURA CONEXÕES ENTRE CIDADANIA, CRIATIVIDADE E JUVENTUDE




Ficha Técnica Título

LITERATURA E LUSOFONIA ANAIS DO VIII ENCONTRO DE ESCRITORES DE LÍNGUA PORTUGUESA 2018 Edição

UCCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa Coordenação geral

Rui D’Ávila Lourido Coordenação

Filomena Nascimento Revisão e edição de textos

Maria do Rosário Rosinha Apoio

Hélder Chindondo Fotografia

Anabela Carvalho | UCCLA Câmara Municipal da Praia | Cabo Verde Design e paginação

Catarina Amaro da Costa | UCCLA ISBN

978-989-54173-3-9 Impressão

Imprensa Municipal Tiragem

300 exemplares Apoio

Patrocinador Oficial

Agosto 2019 Os textos incluídos nesta obra, Literatura e Lusofonia 2018, são da responsabilidade exclusiva dos seus autores. A presente edição segue a grafia do Acordo Ortográfico de 1990, exceto quando os autores optam por manter a grafia anterior.


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A CIDADE e a LITERATURA CONEXÕES ENTRE CIDADANIA, CRIATIVIDADE E JUVENTUDE

CIDADE DA PRAIA — CABO VERDE



ÍNDICE

§ Texto de Apresentação

VIII EELP (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa)

§ Introdução

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§ Tema Geral | A CIDADE E A LITERATURA: CONEXÕES ENTRE

CIDADANIA, CRIATIVIDADE E JUVENTUDE

§ 1º Tema | Literatura e Juventude

PASTOESIA – CANÇÕES PARA O TEMPO DE PASTO E FESTAS DE PUBERDADE David Capelenguela UMA INFÂNCIA E UMA HISTÓRIA ENTRAM NUMA PÁGINA Inês Barata Raposo

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O PAPEL DOS SUPLEMENTOS JUVENIS E DAS PÁGINAS LITERÁRIAS DA IMPRENSA REGIONAL NA RESISTÊNCIA CULTURAL À DITADURA Nuno Rebocho

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O DESLUMBRAMENTO DA URBE NOS JOVENS ARTÍFICES DA PALAVRA Olinda Beja

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2º Tema | Literatura e Criatividade EU SOU UM OUTRO Filipa Melo

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A (S) CIDADE (S) DOS POETAS José Carlos de Vasconcelos

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DESAFIOS DA TRADUÇÃO DA POESIA CLÁSSICA PORTUGUESA PARA CHINÊS: O CASO DE CAMÕES E DE FERNANDO PESSOA Zhang Weimin 78 3º Tema | Literatura e Cidadania O PRIMEIRO E EFÉMERO LICEU DA PRAIA Hermínia Curado Ferreira O DESENVOLVIMENTO URBANO E A LITERATURA Judite Nascimento e Fátima Fernandes

DÍLI: CIDADE, CULTURA E LITERATURA Luís Costa

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A CIDADE E AS VOZES ASSALARIADAS E REBELDIAS JUVENIS 119 Tony Tcheka MUDANÇA DE NARRATIVA LINGUÍSTICA NA GALIZA Concha Rousia

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LITERATURA E CIDADANIA Jorge Carlos Fonseca

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§ Fotografias do VIII EELP | Cidade da Praia

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§ Programa do VIII EELP | Cidade da Praia

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§ Referências Biobibliográficas

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A CIDADE e a LITERATURA CONEXÕES ENTRE CIDADANIA, CRIATIVIDADE E JUVENTUDE



VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa

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VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa (EELP) teve como preocupação fazer notar a importância da relação da Cidadania e da Juventude com a cidade, e teve lugar mais uma vez na cidade da Praia, no período em que esta comemorou a passagem dos 160 anos da sua existência. Foram convidados para o Encontro personalidades de referência das Letras de todos os países de língua oficial portuguesa, para além de representantes de regiões onde a língua comum aos nossos povos teve origem, caso da Galiza, ou foi adotada como língua oficial, como sucede com a Região Administrativa Especial de Macau. Não podemos ainda deixar de fazer notar a participação muito significativa de jovens como participantes ativos em função do tema do Encontro. O governo de Cabo Verde, na pessoa do Senhor Ministro da Cultura, Abraão Aníbal Barbosa Vicente, sob a coordenação do Senhor Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, foram mais uma vez inexcedíveis no acolhimento e acompanhamento dos convidados, tal como o Senhor Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que recebeu no Palácio Presidencial, no termo dos trabalhos, as personalidades convidadas para intervirem nos vários painéis. Dada a qualidade de poeta de reconhecido mérito do Senhor Presidente da República, foi para os organizadores uma grande honra tê-lo ouvido falar nessa qualidade sobre “Literatura e Cidadania” num dos painéis do Encontro. 015


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Uma palavra é devida à Câmara Municipal da Praia, em particular ao Presidente da edilidade, Óscar Santos, sempre tão incansável na ação do município na dinamização da cultura, e com ele os membros da vereação, nomeadamente António Lopes e Maria Aleluia Andrade, que tiveram desde a primeira hora uma ação também inexcedível na parceria com a UCCLA. Como é sabido, a parceria estabelecida entre a Câmara Municipal da Praia e a UCCLA, com vista à realização dos Encontros de Escritores de Língua Portuguesa de que o presente livro é a 8.º edição, só tem sido possível, também, mercê do apoio da EMEP, Empresa de Mobilidade e Estacionamento da Praia, e do seu Presidente, Víctor Coutinho, a quem não podemos deixar de dirigir uma palavra final de reconhecimento. No mais, os excelentes textos dos participantes deste VIII Encontro falam por si mesmos, quanto à qualidade com que foram escritos e à atenção com que foram recebidos, seguramente a mesma que terão todos os que agora os lerem. Vítor Ramalho Secretário-Geral da UCCLA

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Introdução VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa

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presente livro, com o título A Cidade e a Literatura: Conexões entre Cidadania, Criatividade e Juventude, é uma edição da UCCLA, no âmbito do VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa (EELP). Os organizadores escolheram colocar a CIDADE no centro da reflexão deste EELP, pela sua importância determinante no mundo de hoje e do futuro. Segundo a ONU, as cidades já concentravam 54% da população mundial em 2014, e as projeções apontam para que essa percentagem cresça incessantemente (cerca de 66% em 2050). Este Encontro foi uma coorganização da Câmara Municipal da Cidade da Praia (CMP) e da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), que se realizou de 19 a 21 abril de 2018, na Cidade da Praia, em Cabo Verde. Queremos aqui expressar o público reconhecimento à Câmara Municipal da Praia e à sensibilidade para os temas culturais sempre demonstrada pelo seu presidente, Dr. Óscar Santos, e pelo seu vereador, Dr. António Silva, pelo apoio empenhado na organização do VIII EELP, que é o terceiro a ser realizado na Cidade da Praia. Naturalmente, não podemos deixar de dirigir uma palavra de agradecimento especial a toda a equipa da Câmara Municipal da Praia, que foi fundamental na organização do VIII EELP na Praia, e não quero deixar de reconhecer, igualmente, o trabalho de preparação e acompanhamento desenvolvido pela equipa da UCCLA. Este Encontro de Escritores associou-se à feliz circunstância de se comemorarem 017


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os 160 anos da Cidade da Praia. Por outro lado, o facto de se ter realizado na Universidade Nacional de Cabo Verde permitiu que, além do público habitual da cidade, tenha participado um público de jovens estudantes desta instituição, bem como de escolas secundárias. O VIII EELP teve o prazer de homenagear Jaime Figueiredo (1905/1974), célebre protagonista das letras cabo-verdianas, que foi Diretor da então Biblioteca Municipal, tendo sido destacada a relevância da sua obra enquanto ensaísta, dramaturgo, crítico e artista plástico pelo Dr. Jorge Tolentino, na sessão de abertura. Durante essa sessão foi apresentado igualmente o vencedor da 3ª edição do Prémio de Revelação Literária da UCCLA: “Novos talentos, novas obras em Língua Portuguesa”, Oscar Maldonado, com o livro de poesia Equilíbrio Distante1. De destacar que a língua-materna do autor é o Guarani, por ser Paraguaio, a sua segunda língua é o Espanhol e o Português é só a sua 3ª língua, por ter optado por viver em São Paulo. Desde a sua 1ª edição, em 2015, que se tem revelado o mais amplo Prémio de Revelação de todo o espaço Lusófono, a nível de candidaturas, pois temos vindo a receber cerca de sete a oito centenas de obras em língua portuguesa, enviadas de todos os 5 continentes, abrangendo mais de 20 países, incluindo os 8 países de Língua Oficial Portuguesa. Já recebemos candidaturas da Ásia (Macau, Japão e Austrália), de África (África do Sul e os 5 de língua portuguesa), da América (Brasil, Canadá, EUA, Chile, Paraguai) e da Europa (para além de Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha, Inglaterra e Suíça). No VIII EELP foram igualmente apresentados dois livros: uma edição UCCLA – Casa dos Estudantes do Império: Homenagem, 50 anos, Testemunhos, Vivências e Documentos2, e o romance A Caminhada (2018), da autoria de Samuel Gonçalves. Os encontros de escritores na Praia foram acompanhados, pela primeira vez, da realização de uma exposição intitulada “A Praia e a Literatura”, que decorreu paralelamente às sessões, tal como a Mostra de Livros em língua portuguesa. Entre as atividades complementares, realizaram-se visitas culturais à Cidade Velha, a primeira capital, e também uma visita ao museu e velho Campo de Concentração do Tarrafal e cidade do Tarrafal. O presente livro inclui todos os textos que nos foram enviados por catorze escritores de entre os que foram convidados a apresentar comunicações ao VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, refletindo já o debate decorrido Ed. A Bela e o Monstro e UCCLA, Lisboa, 2018 Ed. UCCLA, coordenação Rui Lourido, Lisboa, 2017

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durante as sessões do EELP, que contribuiu para o aprofundamento das respetivas temáticas. Estes textos representam a diversidade de escritores de língua portuguesa, nomeadamente, da China a Cabo Verde, passando por Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Portugal e Galiza. Os encontros de escritores de língua portuguesa, ao realizar-se em Cabo Verde, têm tido o privilégio de, frequentemente, acolher, entre os seus participantes o poeta Jorge Carlos Fonseca, atual Presidente da República deste país, cujo texto apresentamos no 3º capítulo. Como Coordenador Cultural da UCCLA, o autor desta introdução não pode deixar de homenagear aqui o escritor Nuno Rebocho, que faleceu em 12 de janeiro de 2020 e que colaborou com a UCCLA em vários projetos culturais, tendo participado em vários EELP. Deste modo, publicamos neste livro o último texto que Nuno Rebocho nos enviou, em 2019, provavelmente um dos últimos a ser por ele escrito (para integrar o 1º capítulo deste livro, por ter sido orador do VIII EELP). O escritor português Nuno Rebocho muito contribuiu para a promoção da Língua Portuguesa e para o desenvolvimento da cultura Lusófona. Deixamos aqui um autorretrato de Nuno Rebocho, que bem revela o seu espirito Lusófono: as minhas leituras “de mim fizeram o ser esquisito que está ainda por saber se é português, moçambicano ou cabo-verdiano – afinal um ser quase mestiço, quase crioulo, fruto da lusofonia e da luso-cultura a ela agregada”3. A diversidade de perspetivas sobre os temas em debate é uma das riquezas deste livro, que apresentamos organizado em três capítulos que reproduzem os três temas discutidos no VIII EELP: o primeiro – “Literatura e Juventude”, o segundo – “Literatura e Criatividade” e o terceiro – “Literatura e Cidadania”. Vejamos agora as ideias fundamentais dos textos apresentados nos seguintes capítulos:

1º TEMA: LITERATURA E JUVENTUDE A juventude é um tema de enorme atualidade, considerando que as sociedades ocidentais desenvolvidas apresentam graves problemas de sustentabilidade devido às baixas percentagens de população jovem. Ao contrário do enorme potencial de crescimento demográfico dos Países de Língua Portuguesa (com exceção de “O papel dos suplementos juvenis e das páginas literárias da imprensa regional na resistência cultural à ditadura”, no 1º capítulo do presente livro, pp. 49-52.

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Portugal), decorrente do facto de cinco desses países se localizarem serem em África (continente com a maior percentagem de população jovem do mundo; basta referir que mais de metade da população de África tem menos de 18 anos). Angola, Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau são os países da CPLP com a população mais jovem (com a faixa etária 0-14 anos a ultrapassar os 40% do total da população)4. São quatro os textos deste capítulo, onde os autores analisam especificamente as conexões entre a juventude e as diferentes expressões literárias, nomeadamente a sua perceção crítica, muitas vezes lírica, de inspiração urbana ou rural. David Capelenguela Este autor angolano, no intento de refletir sobre “Pastoesia”, no sentido das “Canções para o tempo de pasto e festas de puberdade” em Angola, alerta para o perigo de introduzir racionalidade na linguagem poética dos pastores do Sul de Angola, pela possibilidade de tal desvirtuar a sua espontânea oralidade. Considera ainda que é habitualmente sobrevalorizado precipitadamente “o fantasma do regionalismo ou tribalismo cultural ... para contestar a capacidade de adequação dos africanos …[à] modernidade … universalista”. O autor apela à responsabilidade da juventude para, num contexto literário, refletir sobre a tradição oral dos povos do Sul de Angola (provérbios, contos, …) e traduzi-la para sua compreensão na contemporaneidade. David Capelenguela destaca depois alguns jovens escritores da Geração de 70 (Lopito Feijóo, João Maimona e Luís Kandjimbo) e da de 80 (Pombal Maria, Gociante Patissa e Bentinho Freitas), e conclui propondo a sobrevivência da tradição oral de Angola numa reinvenção verbal e elaboração figurativa da linguagem escrita, “uma poção estética-poética”. Inês Barata Raposo “Uma infância e uma história entram numa página”. Neste texto, a autora reflete sobre o que é uma história infantil e sobre a complexidade temática e vocabulário que devem ser característicos de um texto para crianças. Considerando que,

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Mas será interessante registar que, na faixa etária da população ativa (sensivelmente entre os 15 e os 64 anos), segundo os dados divulgados pelo FNUAP (Relatório do Fundo das Nações Unidas para a População), intitulado “Acedendo ao Estado da População Mundial – 2017), Macau tem o grosso da população nesse intervalo, com 77%, seguido por Brasil (70%), Cabo Verde e Portugal (ambos com 65%), Guiné Equatorial (60%), Guiné-Bissau (56%), São Tomé e Príncipe (54%), Timor-Leste (53%), Moçambique (52%) e Angola (51%). 020


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historicamente, o surgimento da categoria de “literatura juvenil” foi uma criação das editoras, na procura de melhor vender um certo tipo de histórias, a autora questiona as vantagens ou a necessidade de adaptar a escrita literária a categorizações etárias e a um público-alvo. A autora defende que, em vez de “forçar certas obras e banir outras, o interesse dos alunos num texto pode sempre ser aproveitado para refletir e conversar com eles. Evitar impor sentidos, ouvir e fazer pensar, para que as pontes se criem e com elas os hábitos de leitura evoluam”. Nuno Rebocho O autor aborda o importante “Papel dos suplementos juvenis e das páginas literárias da imprensa regional na resistência cultural à ditadura”, fosse nas colónias ou fosse na metrópole, lembrando o nome de jovens leitores e colaboradores desses suplementos que vieram a revelar-se grandes escritores e artistas antifascistas. Muitos deles vieram continuar os seus estudos em Portugal. Rebocho destaca a sua experiência pessoal em Moçambique e a importância das suas leituras enquanto jovem na formação da sua personalidade e posterior resistência à ditadura. A mordaça da ditadura fascista abatia-se inexoravelmente sobre todas as formas públicas de expressão, em especial no jornalismo, na poesia, na ficção, no cinema e no teatro, no desenho e na fotografia. Os suplementos juvenis literários tiveram a meritória função de despertar e fazer germinar outras sensibilidades e consciência cívica. O autor lança o desafio e defende a importância de ser estudado de forma sistemática o corpus documental dos suplementos juvenis e páginas literárias dos jornais das colónias e regionais “por quantos queiram observar com rigor as malhas tecidas pela cultura de expressão portuguesa para se afirmar contra o rolo compressor do colonial-fascismo”. Olinda Beja No texto “O deslumbramento da urbe nos jovens artífices da palavra” a autora descreve o fascínio que as cidades e alguns dos seus elementos mais cosmopolitas, como os cafés, tinham sobre os escritores e em geral sobre as elites, como microcosmos de encontro, diálogo e tertúlias culturais. A ilustrar esse cosmopolitismo são citadas as obras de Eça de Queiroz a Cesário Verde, de Mário de Sá Carneiro a José Cardoso Pires, de Julio Ramón Ribeyro a Patrick Modiano, a José Rodrigues Miguéis e a Pedro Homem de Melo. Sobre essa permanente tensão entre a cidade, com a sua modernização, e o fenómeno da ruralidade, com a necessidade do regresso às origens 021


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sentida por alguns autores, diz-nos Olinda Beja: “Há uma sensação de claustrofobia na cidade que se fecha sobre si própria. A cidade só ama os que nela habitam e não os que a visitam, os que estão de passagem” e alerta para macrocefalia de Portugal centrada na grande cidade de Lisboa.

2º TEMA: LITERATURA E CRIATIVIDADE Foi o tema que se seguiu, com três apresentações sobre a multiplicidade das atitudes veiculadas através da poesia. Do amor à resistência, à cidade e à inquietude. A importância da literatura como meio de inspiração de outras formas artísticas, entre as quais o cinema. Pela primeira vez nestes Encontros de Escritores, fomos alertados para a necessidade e as dificuldades inerentes à tradução dos clássicos da literatura portuguesa para linguagens tão díspares da nossa civilização ocidental como, por exemplo, para a língua chinesa. Filipa Melo A escritora portuguesa, no texto “Eu sou um outro”, fala da transfiguração dos movimentos da prosa e da poesia enquanto representação do mundo real ou dos mundos imaginários enquanto metáfora da própria representação. Destaca a modernidade da poesia de Arthur Rimbaud, génio do século XIX, enfant terrible da literatura ocidental do século XIX, com o seu profundo desejo de aventura e liberdade, revolta contra o ambiente provinciano burguês e hipócrita das pequenas cidades. Filipa Melo homenageou as suas antigas raízes e ligações familiares a Cabo Verde, nomeadamente o escritor cabo-verdiano Luís Romano de Melo, autor do célebre romance Famintos, de profunda e dorida denúncia social da fome em Cabo Verde. José Carlos de Vasconcelos O poeta português, fundador do Jornal de Letras, intitulou o seu texto “A(s) Cidade(s) dos Poetas” para nos brindar com a perceção dos maiores poetas portugueses sobre o fenómeno das urbes. Em especial, foram lembradas algumas cidades como fonte de inspiração de famosos poetas e de romancistas, como a cidade do Porto para Manuel de Pina, Eugénio de Andrade, José Gomes Ferreira; a cidade de Sevilha e a de Recife para João Cabral de Melo Neto, também para Manuel Bandeira o Recife e o Rio de Janeiro; já para Carlos Drummond de Andrade, a sua cidade natal de Itabira, Belo 022


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Horizonte e o Rio foram as suas musas principais. Salvador/Bahia para Jorge Amado. Naturalmente, o Rio de Janeiro inspira quase todos, de Machado de Assis a Ruben Fonseca, passando por Ferreira Gullar. A cidade de Lisboa inspiraria igualmente inúmeros outros escritores, mas José Carlos Vasconcelos destaca Cesário Verde, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, Alexandre O’Neill e David Mourão Ferreira. O nosso autor termina com referência a autores inspirados pela memória romântica, saudosa e rebelde associada à cidade de Coimbra, destacando Camões como um dos seus maiores poetas. Zhang Weimin O autor chinês analisa neste seu texto – os “Desafios da tradução da poesia clássica portuguesa para Chinês: o caso de Camões e de Fernando Pessoa”. Como tradutor chinês da língua portuguesa (há cinco décadas), destaca como uma das características mais importantes para o tradutor, em primeiro lugar, ser um leitor muito atento, para compreender com toda a profundidade possível os sentimentos e imagens consubstanciadas na língua de origem, para encontrar posteriormente o vocábulo apropriado na língua de destino.

3º TEMA: LITERATURA E CIDADANIA Neste tema apresentamos seis textos, da autoria de três cabo-verdianos, um guineense, um timorense e uma galega. A cidade da Praia mereceu uma especial centralidade através da evocação do seu Liceu, das implicações do seu desenvolvimento urbano e do seu quotidiano crioulo na literatura cabo-verdiana. Fomos igualmente convidados a compreender as particularidades das literaturas galega, timorense e guineense no seu posicionamento de intervenção cívica. Hermínia Curado Ferreira O texto “O primeiro e efémero liceu da Praia, 1860-1862” analisa a constituição deste liceu, não deixando de referir a implantação do ensino público em Cabo Verde, a criação do Seminário-Liceu em São Nicolau e do Liceu de São Vicente, e o papel destacado da Igreja Católica no ensino em Cabo Verde no século XIX. A autora refere ainda o curioso facto de o edifício da Câmara Municipal da Praia ter acolhido o primeiro liceu desta cidade e as primeiras reuniões da Assembleia Nacional da nação cabo-verdiana independente. 023


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Judite Nascimento & Fátima Fernandes As autoras cabo-verdianas de “O desenvolvimento urbano e a literatura” consideram que as cidades são os espaços inspiradores da literatura por excelência. A riqueza dos elementos trazidos à reflexão transporta os leitores por algumas das características urbanas que propiciam a criatividade literária, sejam elas de natureza espacial e morfológicas por um lado, ou estéticas, sociais e psicológicas por outro. Este texto delicadamente complexo alerta para a interligação positiva entre a geografia inspiradora da criatividade artística que através da literatura divulga uma cidade, e que devolve às ruas dessa cidade os elementos literários, e os livros e as obras artísticas, como no caso da Rua d’Arte. Luís Costa Este autor timorense, no texto “Díli: Cidade, cultura e literatura”, começa por apresentar a evolução da cidade de Díli e as múltiplas influências para o seu desenvolvimento, nomeadamente a presença Portuguesa. Seguidamente, o autor enumera alguns pontos fulcrais da sociedade timorense: a terra, o homem e a família, a vida social e cultural e as crenças tradicionais. Por fim, reflete sobre o ambiente literário, alertando para as diferentes tradições étnicas e culturais, destacando a influência portuguesa e a religião católica, sem esquecer o peso psicológico das lendas e mitos ancestrais nas perceções sociais mais profundas. Tony Tcheka O autor guineense fala-nos sobre “A cidade e as vozes assalariadas e rebeldias juvenis” rebuscando memórias sobre Bissau, a cidade da sua infância, na qual a consciência do tratamento desigual e da marginalização dos grupos sociais mais desfavorecidos marcaram o desenvolvimento e maturidade do próprio autor. Tony Tcheka integrou uma nova geração que desenvolveu a capacidade corporizar as vozes das tabancas, numa rebeldia criativa de questionamento e afirmação identitária e patriótica. “Hoje, mais de 44 anos de independência, o caminho para as cidades continua a ser palmilhado por gente procurando o que o seu mundo não propicia. As tabancas sentem-se sós. Nada ka tem!”. Mas Tony Tcheka termina com uma voz de esperança –“Hoje, como ontem, a rebeldia chama-se cidadania e tem nos jovens os principais protagonistas”. Concha Rousia Em “Mudança de narrativa linguística na Galiza”, a autora galega analisa as 024


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diferenças entre a escrita e a fala na Galiza como uma consequência da imposição da ditadura espanhola de Franco, de castelhanização da forma escrita do GalaicoPortuguês como forma de os jovens esquecerem que a língua falada na Galiza é a Língua Portuguesa. Apoiando-se na lei aprovada pelo Parlamento Galego em 2014, a escritora afirma que o mais importante atualmente “é conseguir a universalização do ensino de português padrão nos centros de ensino da Galiza.” Jorge Carlos Fonseca O texto “Literatura e cidadania” deste poeta cabo-verdiano é uma reflexão sobre a relação existente entre a Literatura e a Pólis, onde se desenvolveram as primeiras formas de literatura – a poesia e teatro. O autor enquadra esse surgimento e a sua evolução histórica desde o clássico período Helénico, ao Medieval e da Renascença à atualidade. Jorge Fonseca considera que é a relação entre cidadania e a criatividade literária que irá definir os diferentes tipos de literatura que a modernidade e a educação para a cidadania propiciaram. A educação para a cidadania pode incutir valores universais que resgatem a literatura como espaço de liberdade e do exercício de se ser cidadão hoje. Quanto maior o acesso às literaturas, maior capacidade de informação, de conhecimento, logo, de maior capacidade crítica e intervenção cívica o leitor poderá assumir na sociedade. Boa leitura! Rui Lourido Coordenador Cultural

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VIII EELP na Cidade da Praia – Cabo Verde


1º TEMA

LITERATURA E JUVENTUDE

1. DAVID CAPELENGUELA | Pastoesia – canções para o tempo de pasto e festas de puberdade 2. INÊS BARATA RAPOSO | Uma infância e uma história entram numa página 3. NUNO REBOCHO | O Papel dos Suplementos Juvenis e das Páginas Literárias da Imprensa Regional na Resistência Cultural à Ditadura 4. OLINDA BEJA | O deslumbramento da urbe nos jovens artífices da palavra


VIII ENCONTRO DE ESCRITORES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Conferencistas do 1º tema LITERATURA E JUVENTUDE EM CIMA:

Da esquerda para a direita, David Capelenguela e Inês Barata Raposo EM BAIXO:

Nuno Rebocho e Olinda Beja


Pastoesia – canções para o tempo de pasto e festas de puberdade (Reflexões sobre as dinâmicas da (in) produção literária no contexto actual de Angola) DAVID CAPELENGUELA

É

com grande prazer que estamos aqui, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, para, no âmbito da 8ª edição do Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, darmos a nossa contribuição sobre o tema proposto, “A Cidade e a Literatura: conexões entre cidadania, criatividade e juventude”. De uma passagem de Novalis, que diz que “poesia é poesia”, não menos por uma questão de pudor, tenho-me servido como suporte e, sempre que posso, nego-me a abordar analiticamente a poesia, a literatura ou até mesmo tudo quanto for do foro da criatividade artística. Assim, o que me tem acontecido no inevitável contacto que por vezes tenho que estabelecer com a formulação linguística, é recorrer a toda a prudência para que a curiosidade intelectual me não conduza aos terrenos da poética, província da língua, e não me leve a introduzir racionalidade dedutiva num domínio que me excede, com isso corrompendo também a minha inocência de poeta, fazendo de mim um aprendiz de analista onde eu acho que, enquanto poeta, não tenho nada para analisar, só tenho para viver, experimentar e arriscar. Da poesia como explicação bastar-me-iam as quase delirantes e tão belas asserções da tradição oral (por exemplo, os provérbios) que, quanto a mim, foram tão longe no entendimento da sua condição e da condição da matéria em que se expõem. Em vez disso, prefiro arriscar, legitimando a operacionalização da tradução, da fixação de uma matéria de constante renovação garantida pela própria di*Sem Acordo Ortográfico

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nâmica e natureza da oralidade, e transformar em poesia de contornos modernos aquilo que, à partida, não correspondia a tal configuração formal. Feitas todas as contas, tenho assumido o risco, excluindo-me dos perigos do exercício de uma auto-condenação que me conduzisse à inoperatividade ou à letargia poética. Porém, para quem, como eu, tem o estudo artístico-literário como lugar de seara alheia, o tema proposto é um verdadeiro desafio, mas ainda assim aprazível, já que o alargar da essência e visão para a “Cidade e a Literatura,” com as conexões entre cidadania, criatividade e juventude, pressupõe uma dose de razões para não deixar de exprimir o meu ponto de vista sobre o assunto. Assim, no âmbito do subtema “Literatura e Juventude”, sobre o qual me propus falar, ocorreu-me olhar para outras conexões que tenho vindo a detectar e partilhar aqui o meu ponto de vista que, quiçá, alguns escritores angolanos, sobretudo os das gerações anteriores, têm sobre as dinâmicas do contexto estético­‑literário angolano. É claro que não deixei de ter em conta as condições de tempo e de lugar em que tais pontos de vista ocorrem. Não apenas as circunstâncias do tempo político imediato que estamos a viver em Angola e que não serão certamente raras, senão as referências directas, pelo menos as alusões mais ou menos veladas a questões de ordem da produção literária, mas também as do contexto literário actual e de consolidação de uma cada vez maior consciência nacional, tão necessária aos modernos Estados­ ‑Nação do continente africano. Em tais condições, o assunto que aqui nos traz tende adquirir um carácter muito mais envolvente do que se apenas se tratasse de um exercício de especulação intelectual ou científica. Ao tratar da literatura no contexto actual de Angola, proponho irmos ao encontro de um dos problemas mais quentes da nossa própria problemática nacional, geracional ou mesmo pessoal. Quando introduzi a expressão “Pastoesia” no título deste trabalho, assumi deliberadamente o risco de cometer um atropelo teórico. Embora, enquanto intenção primária, o que me ocorria trazer com este tema era, de facto, o alargamento do âmbito de “poesia de pasto” que, concretamente em Angola, corresponde, dentro dos terrenos de um possível entendimento especializado, sobretudo ao sul de Angola, e não à incidência de uma identidade, simples região ou línguas angolanas, referidas como unidade sociológica e cultural. Compreender­ ‑se­‑á melhor a minha opção se acrescentar, desde já, que partilho da perspectiva analítica que não considera, quer do ponto de vista teórico quer do ponto de vista empírico, a existência de línguas fechadas, cómoda ou estratégicamente tidas como tal. Assim, o fantasma do regionalismo ou tribalismo cultural, por exemplo, tão frequente e sistemáticamente invocado para contestar a capacidade de adequação dos africanos a uma cena política inserida na modernidade 030


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universal e universalista, emerge quase sempre apoiado e fundamentado numa sobrevalorização precipitada. É nesta conformidade que, com a proposta de “Pastoesia – canções para o tempo de pasto e festas de puberdade”, pretendi fazer referência à poesia inspirada no pasto, colocando­‑me no lugar de fiel repórter no e do diálogo entre pastores de gado do Sul de Angola, que são, ao mesmo tempo, cultores de raras e belíssimas canções, sobretudo em tempo de pasto e transumância, bem como aquelas que fazem referência às festas da puberdade. Como em toda a história da poesia, o canto é mãe da sua própria origem e, no lugar da sua essência e fôlego, quando “a articulação entre as tradições da visualidade e da verbalidade” empreende um diálogo mais dinâmico e dimensional, pode compreender­‑se que, na interacção de espaço­‑tempo­‑ser de uma canção, gesto do pouso do passo do pé na dança, de um diálogo, provérbio, adivinha ou conto, as gentes a que nos estamos a referir, impregnadas na sua base filosófico­‑cultural, são capazes de preencher a alma humana de grande poder catalisador. Todos nós, enquanto actores do processo cultural, histórico e político que envolve cada um no seu tempo e espaço, acabamos por nos ver frequentemente confrontados com os feitos, ou com a falta deles, da nossa própria geração, ou com a produção literária pessoal, ou a dos outros, sem que a maior parte das vezes tenhamos uma noção muito exacta da substância dela. E isso é pretexto e terreno para muitos equívocos. Estes factores, tempo e espaço, intervêm certamente no tipo de proposta estético­‑literária de cada um. Isso me leva, prudente e humildemente, a pedir que seja desde já levado em conta que não venho aqui fazer qualquer elogio ou louvor de uma cultura, identidade ou linha estética na produção artística. Embora breve e incompletamente, tentarei apontar, isso sim, pistas para análise dentro do que, no meu entender, é certamente mais correcto e civicamente mais honesto no aspecto da actuação, enquanto produtor de texto, do que pode representar uma certa visão, meramente pessoal; custa-me deixar de referir de que forma, neste contexto, até as melhores intenções podem ver-se afectadas por equívocos e falsas pistas capazes de conduzir a resultados, em termos de recolha de memória, que podem raiar os contornos da mais despudorada ineficácia. Ainda assim, peço que compreendam a minha posição, e a minha opção como alguém que, instado no seu labor, traz as questões da oralidade para os terrenos da expressão pessoal, para a escrita, portanto, e para a escrita em língua portuguesa, quer dizer, traz a africanidade e a angolanidade. E se acaso os desiludir por não praticar o tom de que podem estar à espera, convido-os a considerar desapaixonadamente o material que vos proponho. 031


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Recupero ânimo para prosseguir dizendo que, embora a minha opção estética, neste percurso ao longo do fio condutor que nos vai levar até àquilo a que dou o atributo de poesia, não possa constituir paradigma para seja o que for, talvez possa considerar ter-me colocado numa posição de lúcido privilégio relativamente à matéria deste encontro, e julgo que haverá necessidade de reconhecer-se sempre a presença, estou em crer, de duas ansiedades dinamizadoras. A necessidade de comunicar inerente à própria definição mais elementar de expressão escrita, e a de comunicar precisamente aquilo que, extraído do que as populações dizem, importa colocar não só perante quem possa estar literariamente interessado na expressão dos “outros”, mas também perante quem, muito politicamente, decide, julga e especula em nome dos “outros”, quer dizer, tornar universalmente frequentável tudo quanto possa interessar ao destino universal e cósmico da espécie, incluindo o que dizem, e vivem, certas populações tradicionalmente desmunidas de capacidade para se fazerem ouvir e de participar na elaboração da sua própria história. Mas como exprimi-lo e dá-lo a saber, perante o mundo, pergunto eu, se não através da transportação do seu testemunho para os circuitos da escrita, e dos lugares de debates de ideias como este onde nos encontramos? Como? É evidente, para mim pelo menos, que, não querendo cair em tais expedientes e recursos de facilidade, quer a minha condição cultural quer a minha condição de poeta, no contexto de Angola, justificam e explicam o percurso que tem sido o meu nos terrenos da produção escrita. Não sei sequer de que forma a minha démarche poderá caber nas tipologias da representação da língua falada do “outro”. Mas tenho para mim que aquilo que tenho escrito não pode deixar de ser senão o resultado de um processo de interacção entre a língua portuguesa e o chão de Angola e quem o povoa. Quer isto dizer que actuo, por opção ou por limitação, não interessa para aqui agora, de acordo com uma via de expressão que procura conduzir a palavra exacta ao seu mais alto grau de condensação e em que a significação não reside apenas nas palavras mas também no conjunto sonoro dado por um adágio, por um provérbio, por trecho, quiçá, de um assobio agudo, orientador do pastor de gado. Tenho feito, ou pretendido fazer poesia, tendo em conta não apenas nem sobretudo os sentimentos e as emoções, mas o facto de as palavras ou os sons estarem investidos de um valor, de uma frequência, energia e de uma massa aprendidas, portando de simultaneidade e continuidade em acto e vertigem das equivalências convocadas para a configuração do que se me revela. A doutrina cultural, religiosa, mítico-filosófica, muitas vezes de saber difuso, das tradições do Sul de Angola, é caracterizada por ritos de iniciação, cujo vasto programa, conteúdo, carácter de suas revelações e exigências, detido pelos anciões, 032


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instrui progressivamente os jovens acerca da sua própria natureza original, do saber e da sua relação com os antepassados, relação entre alma e corpo, homem e mulher, o bem e o mal (em suma, do julgamento e da consciência moral), das relações do homem com o sol, a terra, a fauna e a flora, o penetrar e deslocar-se nos terrenos em que encontra, o contacto com elementos míticos, mas, mais do que isso, e porque o gado é a razão da sua existência, o ser hábil interpretador de adágios, provérbios, adivinhas e contos que descrevem a persuasão dos actos de enfrentar os animais selvagens que são o símbolo das forças com ou contra as quais deve lutar em sua defesa ou em defesa do seu gado, tal como aos principais vegetais que intervêm na vida pastoril. Assim, no seu percurso ao encontro d`outros espaços, a poesia, por força da própria dialéctica, tem conhecido sedimentos na sua originalidade, sendo que, como dizia, no lugar da sua essência e fôlego, quando “a articulação entre as tradições da visualidade e da verbalidade” empreende um diálogo mais dinâmico e dimensional. E a esse respeito, as tradições do Sul de Angola, ainda que expressas como pequenas manifestações culturais, são de grande alcance e significado, e quando reproduzidas com subtileza, mestria e arte para o texto, realizam a solenidade da poesia e os seus cultores podem-se orgulhar de lhe terem rendido a excelência. Quem acompanha, ainda que ao longe, a realidade angolana, concordará que se assiste hoje e cada vez mais ao surgimento dos chamados movimentos literários ou movimentos de estudos literários, em que jovens, universitários ou não, organizam-se e procuram a seu jeito estudar teorias da literatura e dar voz ao seu modo de pensar e encarar o actual contexto da literatura Angolana. É um momento de fascinantes desafios à teoria da literatura. A realidade literária angolana e talvez não só a angolana, está a exigir uma revisão radical de alguns de seus até hoje mais sólidos pilares conceituais. É interessante notar que tal realidade da produção literária e da dinâmica cultural colocam hoje como problema a própria realidade: o real enquanto tal, as relações entre criação e realidade, entre ficção e realidade. Já não se trata de um momento de crise. Estamos vivendo o pós-crise, em que se configura necessário construir categorias positivas num contexto intelectual marcado pela complexidade. Tal contexto afecta a vida da linguagem, a vida do conceito, no sentido de que os meta-vocabulários precisam existir dentro da ambivalência e ser abertos à flexibilidade. Afinal de contas, qual é o saldo da crise de identidade, de partilha entre cidades, juventude e literatura ou, se quisermos, a convivência entre urbanidade que traz o escritor com o seu ofício e urbanismo que as cidades devem oferecer e nelas a confluência com actos omissos e agir correctivo que vêm há tantos anos 033


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e nalguns casos atormentando a estabilidade da própria razão de estar na vida? Mas, ainda assim, a literatura não morreu, e o romance tradicional como forma jamais deixou de existir. Tal acto de redução e exclusão conceptual e prática vem por esta razão convocar a nossa atenção para o exercício de reflexão contínua sobre a responsabilidade da juventude no seu processo de envolvimento na literatura.

A propósito de três poetas/escritores da geração de 80 Lopito Feijóo, João Maimona e Luís Kandjimbo

Julgo que é do vosso conhecimento que a inovação da poesia da década de 1970, em Angola, trouxe as primeiras publicações de alguns poetas e aqui, a título de exemplo, citarei apenas três – David Mestre, Ruy Duarte de Carvalho e Arlindo Barbeitos. Embora fazendo ponte com a geração anterior, instados a produzir, estes poetas manifestaram importantes e assinaláveis inovações em seu experimentalismo, aliadas a novas configurações temáticas. E sobre isso, ao indagar sobre o “lugar” do ensaísmo na esfera da produção literária de cariz rural, por exemplo, vêm-me à memória versos do poeta angolano Ruy Duarte de Carvalho, cuja poesia apresenta, em diversos momentos, aspectos próprios do ensaio, na medida em que a voz lírica se questiona filosoficamente a respeito das tradições culturais africanas, ao mesmo tempo que investiga processos criativos do próprio fazer poético. E, mais uma vez, abre-se a vida, o recriar e a contínua pertinência da intenção e desejo de discutir o papel da literatura no âmbito das letras africanas, uma vez que são, ainda, consideradas preconceituosamente pelo cânone ocidental como “literaturas menores”, e só nas duas últimas décadas do século XX o seu ensino começa a se afirmar em alguns centros literários académicos. Por essas razões, acredito ser necessário privilegiar o estatuto dessas literaturas, consciente de que não prejudicam a literatura de língua portuguesa, pelo contrário, a sua coexistência torna-as mais fortes, como revela a própria etimologia da palavra “ensaio”, derivada do vocábulo latino exagiu(m), cuja significação é, justamente, a de “dar peso”, isto é, “valorizar” os assuntos analisados. Cabe ao ensaio, portanto, esse papel de chamar a atenção, atrair olhares para este tão importante assunto. Entretanto, o peso de cada obra literária não é, na verdade, o ensaio que lhe dá: encontra-se na trama da própria linguagem artística, cuja contundência e força de imagens, palavras e sentimentos são capazes de tornar os leitores mais humanos. Por sua vez, a poesia dá-nos a abertura de uma disponibilidade da concepção, adaptação metódica dos fenómenos sociológicos, a suscitar uma literatura de cânones desmedidos por erguer, de forma sábia, este mosaico cultural de esmerado 034


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valor. Uma poesia sem fronteiras, a partir de uma função anunciadora de utopias que se mergulham numa nascente selectiva, porque na obscuridade da inteligência o escritor incita-nos à problemática da questão combinatória das palavras. A interacção centra-se no processo psico-pedagógico. Em Angola, a independência política chegou à meia-noite do dia 11 de Novembro de 1975 e, com ela, mudou-se o panorama da cultura angolana. Como é sabido, o movimento de libertação nacional angolano, concebido a partir de movimentos culturais, contava com a presença de escritores entre os principais fundadores e líderes. Escritores que deram sua contribuição das mais variadas formas possíveis: na frente da batalha comandando tropas, produzindo na prisão obras literárias de mensagem anti-colonial que pudessem consciencializar e encorajar os angolanos, dentro do país ou no exílio, chamando a atenção do mundo para o drama angolano. Foi então que, com a independência política de Angola, se funda, nesse mesmo ano, a União dos Escritores Angolanos, cuja proclamação é feita sobre os auspícios da «vinculação da criação literária ao processo revolucionário». Este compromisso com o «processo revolucionário» dá lugar a uma orientação ideológica das manifestações literárias e, por conseguinte, à censura de livros e publicações a introduzir no mercado. De tal modo que o mercado do livro passou a ser dominado, durante muito tempo, pela literatura dos países socialistas, tendo sido banida a literatura e autores de países capitalistas. É nesse ambiente que ocorre a socialização da geração de 80 que, do ponto de vista biológico, alcança a maturidade nos fins da década de 70, e consolida­ ‑se na década de 80 com a publicação de livros, a que se junta uma intensa e eufórica actividade associativa de jovens nos principais centros urbanos de Angola, onde, inexorável, se impusera a luta pela independência; e porque esta já se tinha tornado um facto, havia necessidade de se irrigar a força da urgência. Urgência na reformulação estético-temática, urgência na tradução do sentir virado para a terra e para a dor do povo. Havia sim, a urgência de se comunicar em língua portuguesa introduzindo falas e ritmos de impacto e influências diversas de expressões de origem africana para ao mundo regressarem com o seu timbre de identidade. A expressão desse movimento associativo está nas Brigadas Jovens de Literatura, a primeira proclamada em Luanda, a que se seguiram outras em várias capitais de província e algumas cidades, tais como Lubango, Huambo, Lobito, Uíge, Namibe. Poetas cujo sujeito de enunciação se encontra entre os signos e desígnios da celebração do corpo que o leva de imediato a dar soluções, sobretudo, às questões problemáticas, e daí a fruição de suas ideias, aquando da questão optativa entre a intenção e o outro extremo, que é o d’ (o curso das palavras), no percurso da literatura angolana do 035


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pós-independência, podem ser encontrados sobretudo em Luís Kandjimbo, Lopito Feijóo, António Panguila, João Maimona e outros poucos. Surgida a independência, se impunha então a necessidade da introdução de novos conteúdos programáticos no sistema de ensino da língua portuguesa, onde textos literários angolanos eram inseridos. Entretanto, para quem nunca tinha tido contacto com um texto lírico de um autor Angolano (para além dos de Fernando Pessoa, Almeida Garrett ou outro autor português) que em sua estruturação de linguagem introduz palavras como Kimbombo, Quinaxixi, ambula omona, dizanga dyamunhu, entre outras, aqui já vistas como lexema com dignidade, espaço e vigor para coexistir com outras palavras correntes no português da cidade, é evidente que era um motivo de satisfação, pois estas palavras fazem parte do discurso da sua convivência familiar. Essa realidade veio a obrigar a que, lendo o Roteiro da Literatura Angolana1, de Carlos Ervedosa, estes jovens fossem percebendo que havia necessidade de aprofundar a ruptura no discurso literário existente naquela altura. Jovens determinados, como Luís Kandjimbo, Lopito Feijóo e António Panguila, sobretudo estes, com o suporte de David Mestre e Ruy Duarte de Carvalho, em plena cidade de Luanda e num ambiente bastante carregado de incertezas, vissem a necessidade de se desmarcarem da Brigada Jovem de Literatura, já que não se identificavam com os propósitos pelos quais tinha sido criada, pois nesta altura já se mostrava revestida de algum pendor político, partiram então para a criação do movimento estético-literário, com profunda dimensão reflexiva e teórica, para dar consistência às suas intenções de ruptura, como que um reclamar da necessidade da transição literária no contexto da chamada “geração das incertezas” ou da revolução. A esse movimento, designaram por OHANDANJI, fusão de OHANDA (da língua umbundu) do centro e sul de Angola, que significa a mó de pedra, e NDANJI (da língua kimbundu),do norte de Angola, cujo significado tinha o mesmo alinhamento estético-filosófico. Sob o signo de crivo, moer, triturar, polir ou afinar a linguagem com o objectivo de introduzirem palavras novas no discurso literário angolano, comprometidos com a causa, a determinação foi mais forte e vencedora, tendo, essa ruptura vindo a contribuir bastante para o contexto da literatura actual em Angola. Quando a juventude quer, desde que feito com disciplina, rigor e persistência, as coisas acontecem e, numa altura de grandes convulsões, quer políticas, quer sócio­ ‑culturais, crises de identidade entre outras, que envolveram inclusive choques entre gerações, não restava mais nada a não ser uma convivência e partilha de espaços de actuação, artístico-literária, sobretudo.

Ervedosa, Carlos. Roteiro da Literatura Angolana (1975), Luanda, Sociedade Cultural de Angola.

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Para uma demostração de persistência e rigor estético Três poetas do pós-geração de 80 – Pombal Maria, Gociante Patissa e Bendinho Freitas

Atirada praticamente para o arquivo histórico da literatura Angolana da década de 80, a Brigada Jovem de Literatura deixou de ser aquele grupo de jovens com profundo dinamismo em termos de produção artística, debates entre outras actividades. E, dada a carência, mas acima de tudo o vigor da criatividade juvenil, e porque a dinâmica o impõe, como dizíamos, em Angola assiste-se hoje e cada vez mais ao surgimento dos chamados grupos ou movimentos de estudos literários, em que jovens, universitários ou não, organizam-se e procuram a seu jeito estudar teorias da literatura e dar voz ao seu modo de pensar e encarar o actual contexto da literatura Angolana. Grupos como Lev`Arte, Movimento Litteragris, Associação Literária dos Jovens de Cazenga, Poetas e Trovadores da Vila Alice, Movimento Cultural do Cunene, entre outros, podem ser identificados entre aqueles a que nos estamos a referir. Apesar de emergirem novos autores, outros há que, independentemente de todas as adversidades, se perpetuam na sua literatura com a mesma disciplina, cultivando a mesma acutilância e rigor estético. E, dentre alguns poucos, três nomes se despontam: Pombal Maria Menção honrosa no prémio Sonangol de Literatura da década de 80, Pombal Maria exerceu jornalismo por algum tempo. A viver actualmente em Luanda, nasceu na Huíla em 1968, é activista cívico e membro da União dos Escritores Angolanos. Publicou duas obras de poesia, sendo a mais recente Palavras Lavradas. A sua escrita “traz à luz uma forma não muito comum de estar na poesia angolana, tendo em conta a arquitectura do texto, como transgressões verbais entre outros neologismos.” É autor de pena fina, cujas formas lapidares do seu texto, ou a finalização do labor, se caracteriza pela coexistência da brevidade textual e o aprofundamento do sentido estético. Gociante Patissa Daniel Gociante Patissa nasceu na comuna do Monte-Belo, município do Bocoio, província de Benguela, sul de Angola, em Dezembro de 1978. Tem licenciatura em Linguística, especialidade de Inglês, pelo Instituto Superior de Ciências da Educação. É membro efectivo da União dos Escritores Angolanos. Foi distinguido com o Prémio Provincial de Benguela de Cultura e Artes 2012, na categoria de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, “pelo seu contributo na divulgação 037


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da língua local Umbundu, na perspectiva das tradições orais, através do conto e novas Tecnologias de Informação e Comunicação”. Patissa anima os blogues <www. angodebates.blogspot.com> e <www.ombembwa.blogspot.com>. Tem oito obras publicadas. Vive na cidade de Benguela. O seu traçar artístico traz para o contexto Angolano um alinhamento dos mais sérios e seguros valores da sua geração. Possui com ele três das mais requeridas qualidades de que carece um escritor que se preze como tal: rigor, cultura e implantação. Portanto, um profissional digno do ofício. Bendinho Freitas Nasceu no dia 25 de Maio de 1971, em Luanda. Jurista, licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, leccionou História em algumas escolas secundárias e Língua Portuguesa no Centro Pré-Universitário, em Luanda. É autor da obra poética A Pitoresca Etnia das Palavras, edição da UEA 2016. “Uma tutela excelsa que Bendinho Freitas acolhe como a dádiva do passado literário de uma insurgência amorosa, com muitas referências, que foi dando corpo a uma poesia amorosa muito importante.”2 Graças a sua tenacidade e talento, Bendinho Freitas, em breve viu seu nome marcado nos anais da recente literatura Angolana. Os temas preferidos raiam o amor, a identidade e a cultura, servindo-se de uma estrutura metafórica riquíssima de significação. Assim, a sua poesia se caracteriza pela modernidade de uma descentração, ou seja, pela força de uma mobilidade temático-formal, que, todavia, se imobiliza e se centra no rigor da estruturação da língua de comunicação.

Conclusão

A criação verbal oral, acervo de textos orais, tão antiga como a própria humanidade, é um segmento da literatura angolana. Segundo o ensaísta e crítico literário Luís Kandjimbo, «o termo “oratura”3 foi forjado nos anos 60, pelo linguísta ugandês Pio Zirimu, no calor de um debate que decorria nas universidades de Makerere no Uganda, Nairobi, no Quénia e Dar-Es-Salaam, na Tanzânia...» e, enquanto vertente das línguas modernas em África, «encerra em si as conotações de

Citação do prefácio de Xosé Lois García para o livro A Pitoresca Etnia das Palavras. A “tutela” mencionada por García refere-se ao poeta angolano Ernesto Lara Filho. In http://palavracomum.com/prefacio-do-livro-a-pitorescaetnia-das-palavras-de-bendinho-freitas-poeta-angolano-por-xose-lois-garcia/ 3 O termo foi forjado por Zirimu como alternativa à expressão “literatura oral” (do inglês oral literature), usada para referir as eloquentes mas não escritas tradições orais. 2

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um sistema estético, um método e uma filosofia.» O provérbio, por exemplo, carregando sempre consigo dois sentidos, o literal e o conotativo, centrando­ ‑se a sua beleza na passagem do primeiro ao significado secundário, dentro da sua classificação, independentemente da autonomia que comporta, intervém sempre na construção de outros textos e, enquanto segmento da literatura oral, comparado com outros, sempre ocupou um lugar de destaque. Existente em toda a pluralinguística angolana, e caracterizado pela sua brevidade, «associando­ ‑se-lhe uma estética de transmissão de pensamentos, crenças, ideias, valores e sentimentos», na sua exigente interpretação para o alcance da sua essência, deve prevalecer sempre a coerência. Assim, cumpre-me o dever de dizer que, no seu percurso ao encontro d`outros espaços, a poesia, por força da própria dialéctica, tem conhecido sedimentos na sua originalidade, sendo que, como dizia, no lugar da sua essência e fôlego, quando “a articulação entre as tradições da visualidade e da verbalidade” empreende um diálogo mais dinâmico e dimensional, o artista da palavra nos prende com a sua caneta. E a esse respeito, por via do jornalismo investigativo, ganhei paixão pela poesia e o meu trabalho de campo tem-me permitido profunda interacção cultural, sobretudo com os povos do sul de Angola, principalmente os pastores, onde, convivendo com símbolos e signos, tenho procurado perpetuar, sempre que posso, com subtileza e mestria, elementos da oralidade, dando lugar a uma descentralização temático-estética, reinvenção verbal e elaboração figurativa da linguagem, sobretudo no ponto de vista da base filosófica inspirada na tradição oral onde a comunhão celebrativa da pátria e terra têm realizado a solenidade de uma poção estético-poética.

Bibliografia Ruy Duarte de Carvalho, Lavra.

Luís Kandjimbo, Ideogramas de Ngandji.

Lopito Feijóo, Meditando.

Luís Kandjimbo, Ensaio para Inversão do Olhar.

Pires Laranjeira, Ensaios Afro-Literários.

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UMA INFÂNCIA E UMA HISTÓRIA ENTRAM NUMA PÁGINA INÊS BARATA RAPOSO

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ilhas. Orlada. Cisco. Sicómoros. Fendidas. São algumas palavras do primeiro parágrafo de Ratos e Homens, de John Steinbeck. Poderia dizer que estão sublinhadas num exemplar que li precocemente aos 11 ou 12 anos e que foram de imediato adicionadas ao meu vocabulário. Estaria a mentir. Não faço parte do grupo de escritores que se orgulha de ter lido os clássicos todos antes de saber apertar os sapatos. Ainda assim, o Ratos e Homens é dos primeiros livros que me lembro de ter comprado. Em casa, tinha pais que, embora não me soubessem aconselhar títulos ou autores, me davam liberdade – nos dias bons – para ficar no corredor dos livros do supermercado e escolher o que queria ler a seguir. Lembro-me de ter encontrado uma promoção, um “leve dois pague um”, que incluía o Ratos e Homens e um indecifrável e mórbido, para a época, Mito de Sísifo, de Albert Camus. Nunca tinha ouvido falar de Steinbeck. Só me lembro da desilusão que senti quando abri o livro e, às primeiras páginas, percebi que aqueles ratos e homens não tinham nada a ver com a história do rato do campo e do rato da cidade que eu tinha imaginado pelo título. Em todo o caso, li o livro e fiquei com uma história e muitos detalhes em memória do que lá era contado. No início de 2018, num artigo de opinião publicado num jornal português, uma académica queixava-se que os livros para crianças editados em Portugal *Com Acordo Ortográfico

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tinham ilustrações “escuras”, palavras que os mais pequenos não entendem, questão que, para ela, era inadmissível. Havia outro problema nesses livros: acontecia o impossível – como tigres que bebem chá e rapazes que comem livros. Segundo a autora do artigo, as crianças precisam de histórias que conhecem, de narrativas lineares – enfim, de histórias que não causem atrito. Tudo o que ali foi dito vai contra aquilo que defendo, no que diz respeito à literatura, à infância e à juventude. O argumento daquele artigo de opinião não é original. A escuridão (darkness, na língua inglesa) é, de facto, um defeito frequentemente apontado à escrita para jovens dos nossos dias, acusada de ser demasiado intensa e demasiado visível nos livros para o público mais novo (Gurdon, 2011). Contudo, é errado assumirmos que ao falarmos de «coisas más» estamos a normalizá-las ou a encorajá-las. Por outras palavras: «Não há um escritor de YA1 vivo que se proponha a escrever livros para corromper a juventude. Ninguém que escreva sobre autoflagelação está a pregar a autoflagelação. Ninguém que escreva sobre violação está a dar instruções sobre como violar ou ser violado. Sei que parece ridículo de tão óbvio, mas esta é uma questão que aparece uma e outra vez.» Depois, há a ideia que a tal “escuridão” não é apropriada para histórias juvenis. Das notícias no ecrã de telemóvel às tragédias clássicas da literatura, o lado negro de se ser humano está sempre presente. Se temas pesados aparecem em livros juvenis, apenas mostra que são reais. Que, sim, coisas terríveis podem acontecer; mas também que, sim, é possível ultrapassá-las. O escritor Neil Gaiman sabe-o bem, quando escreve em Coraline: «Os contos de fada são mais do que a verdade. Não porque eles nos dizem que os dragões existem, mas porque eles nos dizem que dragões podem ser derrotados2.» A morte é um dos grandes temas da literatura, um tópico ao qual não faz sentido poupar os leitores, seja qual for a sua faixa etária. Não podemos subestimar o poder de um livro capaz de dizer a um adolescente: «não estás sozinho». Num artigo para o jornal britânico The Guardian, Rupert Wallis deixa uma luz sugestiva sobre a importância da morte na literatura juvenil: «O poder da ficção YA para gerar uma ressonância emocional em torno da morte não deve ser subestimado na sociedade britânica, onde os jovens adultos passam muito tempo imersos Abreviatura do inglês Young Adult literature. Tradução livre. No original: “Fairy tales are more than true: not because they tell us that dragons exist, but because they tell us that dragons can be beaten.”

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nas realidades artificiais do ciberespaço e dos jogos.» Afinal, quão distanciado deve parecer o conceito de morte aos adolescentes que jogam, durante horas, videojogos em que a imortalidade é garantida simplesmente pressionando o botão de recomeçar?

Literatura juvenil: miragem ou unicórnio

Tentar juntar as palavras juventude e literatura é a mais ingrata das tarefas quando mal se reconhece a existência do género. Acontece que uma criança que lê Ratos e Homens pode, ao mesmo tempo, devorar livros do Harry Potter, tiras do Tio Patinhas e histórias de adolescentes, como a emblemática (e geracional, arrisque­ ‑se) coleção “O Clube da Amigas”, trazida à estampa pela Editorial Presença. O debate não deve centrar­‑se em perceber se se tratam de obras de literatura para a juventude. Importa mais a leitura na juventude. Do mesmo modo, não é particularmente interessante debater a ideia de escrever para jovens, com um propósito e um público­‑alvo definidos. Existem, pelas livrarias e páginas na Internet, centenas de livros que ensinam a comunicar com esse público. É atribuída a Madeleine L’Engle, autora do clássico Um Atalho no Tempo, uma citação esclarecedora e, para muitos, definitiva sobre o ato criativo de escrever para os mais novos: «Temos de escrever o livro que quer ser escrito; e se o livro for demasiado complexo para os adultos, então escrevemo­‑lo para crianças.3» A posição de L’Engle sobre o poder da imaginação das crianças muda o que se possa concluir, antecipada e prematuramente, da citação anterior. Várias vezes a autora defendeu em público que as crianças são quem mais se deixa entusiasmar por ideias novas, elas que ainda não fecharam «as portas e janelas das suas imaginações». Assim, uma das qualidades que distinguem os jovens leitores é uma certa abertura, com tendência a diminuir à medida que crescem, quando com ela diminuem os índices de leitura. Nunca se tratou de simplificar ao escrever para os jovens; se há grupo recetivo à inovação e à complexidade são eles. Apesar de ter escrito um livro juvenil, nunca o fiz a pensar nesse segmento. A verdade é que saiu juvenil porque a personagem principal assim se expressava: era uma adolescente, a falar para outros adolescentes. Ainda assim, foi necessário

Tradução livre. No original: “You have to write the book that wants to be written. And if the book will be too difficult for grown-ups, then you write it for children.”

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mergulhar nas águas da própria adolescência à procura do que foram aqueles anos – as aulas de ginástica, as borbulhas na testa, os momentos constrangedores que preferíamos não ter recordado. Forçados a pensar sobre regras para a escrita que se quer lida por jovens, surgem apenas duas: não ser condescendente; fugir a sete pés da moral. Contudo, falamos de princípios de criação literária que se aplicam a todos os leitores, não só aos jovens, por isso voltamos ao ponto de partida. O que é afinal a literatura para a juventude? Existe mesmo? Será feita de miragens?

O eterno mito da juventude

A mitificação da infância e da adolescência é uma tradição recente na história da humanidade. Trata-se de uma ratoeira, uma âncora, que impede homens e mulheres adultos de aceder a todas as dimensões da infância. Se o fizessem perceberiam, talvez espantados de existir, que a infância e a adolescência não são os destinos paradisíacos aos quais se convenceram que gostariam de regressar. Lembramo-nos mesmo do que é estar no mundo e perceber o mesmo do que percebemos agora – nada? Uma das palavras não raras vezes associada à infância: inocência. Importa desmistificá-la. A questão da inocência nasce de uma ilusão comum, a de que não há maldade nas crianças. Muitos escritores perceberam que se trata de uma falsa assunção. Pensemos, por exemplo, em Henry James e na sua Maisie4 que sabia muito mais do que imaginamos, ou nos livros do Stephen King, que têm invariavelmente crianças e adolescentes mal-intencionados. Podemos mesmo ir diretos a um clássico moderno da literatura infantil, Roald Dahl, autor que insistia em incluir crianças execráveis na maioria das suas histórias. A este propósito, um parágrafo da BBC refere: «Há uma perceção de que a literatura infantil envolve piqueniques intermináveis em que o doce de morango e as goladas de ginger ale nunca acabam. Mas Roald Dahl seguiu um caminho diferente, satisfazendo o apetite das crianças pelo violento, ganancioso e nojento.» (Castella, 2011) É evidente que este apetite pelo «violento, ganancioso e nojento» não se esgota nas crianças. Uma análise superficial pelos conteúdos noticiosos mais consumidos por adultos revela que é um apetite transversal, ainda que com tendência a evoluir em sentidos mais ou menos pejorativos. Acontece que estes adultos também vão lendo.

O que Maisie sabia (ed. portuguesa, 2017), Henry James

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Um estudo publicado em 2012 revela que mais de metade dos leitores norte­ ‑americanos de literatura juvenil5 são maiores de idade. Assim, um autor pode dar­‑se ao luxo de escrever sem restrições de linguagem ou enredo. Se se justificar usar uma expressão antiquada, que só um adulto entenda, por exemplo uma referência histórica, não há nada que impeça o autor de avançar. O público leitor, independentemente da idade, percebe os códigos da literatura, não tendo por obrigatório partilhar todas as referências. A ideia de que a literatura juvenil não deve submeter-se em excesso aos imperativos dos leitores jovens é defendida não só por escritores, como por académicos que estudam o fenómeno. É mais importante que se adeque, progressivamente, à chamada literatura de adultos, fazendo de ponte. É por isso que os leitores podem manter a leitura de obras juvenis a par com outras leituras. É por isso que qualquer escritor se pode dar ao luxo de escrever sem restrições nem público-alvo em mente. Numa teses de doutoramento sobre o tema da literatura juvenil em Portugal, Maria Tomé lembra-nos que livros como o Catcher in the Rye, de JD Salinger, ou O Deus das Moscas, de William Golding, são obras precursoras daquilo a que hoje chamamos literatura juvenil. Contudo, foram inicialmente publicados em coleções para adultos. Na verdade, distingue nestes dois livros algumas características habituais dos romances para adolescentes: Catcher in the Rye está escrito na primeira pessoa, por um narrador adolescente, com linguagem próxima da oralidade. Entres os temas abordados, é clara uma crise da adolescência e as relações em contexto escolar. Já O Senhor das Moscas apresenta-se como uma aventura robinsoniana protagonizada por um grupo de jovens. Tanto na forma como no conteúdo, temos nestes dois livros a porta aberta para um novo tipo de romance. A categorização juvenil surge só mais tarde, quando os departamentos de marketing das editoras criaram a etiqueta “Young Adult”. O caso Harry Potter é paradigmático do que acabei de dizer. Uma saga de fantasia para jovens, cativou leitores de todas as idades. Incluindo pessoas que antes nunca teriam lido um livro para crianças. No Reino Unido estes livros chegaram mesmo a ser editados com duas capas distintas: uma para o público infantil e outra para público adulto.

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Para o caso, usa­‑se o termo literatura juvenil para designar o segmento dos 12 aos 17 anos, definido no mercado editorial anglo­‑saxónico por Young Adult literature. (New Study: 55% of YA Books Bought by Adults, 2012) 044


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Uma luz (de cabeceira) ao fundo do túnel

Já todos ouvimos falar da juventude perdida. Os adultos sempre se queixaram da geração mais nova. Aristóteles e Platão já se queixavam do mesmo. Esta ideia de que os adolescentes são mais preguiçosos, insolentes, não respeitam os mais velhos, não querem saber da escola, é tão velha como a humanidade. A boa notícia é que sobrevivemos até aqui, mesmo com as manadas de adolescentes rebeldes que iam condenar o futuro da humanidade. Ou seja, não há realmente juventudes perdidas. Perguntam-me muitas vezes o que fazer com esses miúdos que não querem ler. Muitas vezes esse pedido vem acompanhado por uma nota: nem os livros da escola ele quer ler. Como se fosse surpreendente. A alguns destes pais, preocupados com filhos que não leem, conto a história do Pedro e do Livro. O Pedro é um amigo de infância, com uma dislexia tarde diagnosticada, que hoje é grande leitor, apesar de nunca ter lido um livro até chegar ao ensino secundário – muito menos um de leitura obrigatória. O universo ficcional do Pedro eram os jogos de computador, em que assumia com pompa e circunstância o papel de general a expandir o império romano. Um dia, fiz-lhe uma sugestão de leitura muito afastada das obras recomendadas por ministérios e professores: O Código da Vinci, quem sabe o enredo o cativasse. Aquele best-seller pouco recomendável nos parâmetros do cânone tornou-se o primeiro de muitos e muito bons livros lidos pelo Pedro. A qualidade literária pode sempre ser questionada, mas no caso a questão é outra. Foi através de um livro comercial que a ideia de leitor ganhou raízes no Pedro, afinal acabara de fazer algo que nunca pensara fazer: era possível ler e, conforme descreveu, «ver um filme dentro da própria cabeça». Por vezes é preciso um best-seller para acordar «o prazer da leitura» e não há nada de errado com isso. Logo chegará o Proust. E se não chegar, tudo bem. A literatura comercial, de entretenimento ou juvenil, deve ser vista como um trampolim no acesso ao que designamos por literatura canónica. Na verdade, a experiência de inúmeros professores e estudiosos, tem vindo a mostrar que, não raras vezes, são essas mesmas leituras que «levam os jovens leitores a querer contactar com gosto, posteriormente ou até em simultâneo, com os Clássicos da Literatura que, quantas vezes, são por eles rejeitados, só pelo simples facto de serem de leitura obrigatória, em contexto escolar.» (Silva, 2011) Nunca é demais sublinhar a importância da criação de um percurso, uma evolução na leitura para juventude, com um antes, um durante e um após, à medida de cada um. Ajuda muito se o jovem leitor, num golpe de sorte, tiver alguém atento por perto. Entre familiares, professores e colegas, o caminho para a 045


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leitura enquanto jovem faz-se em boa companhia. Esta é, sobretudo, uma missão que podemos exigir aos professores, não a todos. Um bom professor é uma tábua de salvação. É vital que estes não tenham medo de aceitar a literatura juvenil nas suas salas de aula, mesmo determinado best-seller ao qual tenham especial aversão. No lugar de forçar certas obras e banir outras, o interesse dos alunos num texto pode sempre ser aproveitado para refletir e conversar com eles. Evitar impor sentidos, ouvir e fazer pensar, para que as pontes se criem e com elas os hábitos de leitura evoluam. A máxima da literatura para salvar a vida não é aqui defensável. Contudo torna-se difícil negar que ajuda. O Pedro hoje é um dos maiores especialistas em latim no nosso país, com leituras bem distantes daquele primeiro best-seller. É também um desses adultos que leram o Harry Potter fora de tempo, quando já não era parte integrante do dito público-alvo, numa tradução feita por colegas de uma escola romana, em latim. Algo se terá salvado, suspeito.

Bibliografia Castella, T. d. (12 de Setembro de 2011). Roald Dahl and the darkness within. Obtido de BBC: https://www.bbc.com/news/magazine-14880441 Gurdon, M. C. (4 de Junho de 2011). Darkness Too Visible. Obtido de The Wall Street Journal. Johnson, M. (8 de 06 de 2011). Yes, teen fiction can be dark – but it shows teenagers they aren’t alone. Obtido de The Guardian: https://www. theguardian.com/commentisfree/2011/jun/08/ teen-fiction-dark-young-adult Kitchener, C. (1 de Dezembro de 2017). Why So Many Adults Love Young-Adult Literature. Obtido de The Atlantic: https://www.theatlantic.com/ entertainment/archive/2017/12/why-so-many-adults-are-love-young-adult-literature/547334/ New Study: 55% of YA Books Bought by Adults. (13 de Setembro de 2012). Obtido de Publishers Weekly: https://www.publishersweekly.com/ pw/by-topic/childrens/childrens-industr y-news/article/53937-new-study-55-of-ya-books -bought-by-adults.html

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Silva, G. (2011). A ‘nova literatura’ na promoção de uma competência literária global, verdade ou consequência? Globalização na Literatura Infantil. Vozes, Rostos e Imagens. Tomé, M. C. (2013). O Outro na Literatura Juvenil Portuguesa do Novo Milénio. Lisboa: Universidade Aberta. Obtido de http://hdl.handle. net/10400.2/3469 Wallis, R. (18 de Agosto de 2014). Why death is so important in YA fiction. Obtido de The Guardian: https://www.theguardian.com/childrens -books-site/2014/aug/18/death-important-young-adult-fiction-rupert-wallis


O PAPEL DOS SUPLEMENTOS JUVENIS E DAS PÁGINAS LITERÁRIAS DA IMPRENSA REGIONAL NA RESISTÊNCIA CULTURAL À DITADURA NUNO REBOCHO

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uando cheguei a Lisboa, vindo de Moçambique – onde cresci e estudei – encontrei, no longínquo ano de 1962, dois Suplementos Juvenis na imprensa diária – o “Juvenil” do Diário de Lisboa, orientado por Mário Castrim (pseudónimo de Mário Nunes da Fonseca) e o suplemento com o mesmo nome, editado pelo jornal República, que tinha por mentor Augusto da Costa Dias. Para trás, nas margens do Índico, deixara as experiências dos similares “Despertar”, no Notícias de Lourenço Marques, conduzido por Guilherme José de Melo, e “Limiar”, no Notícias da Beira, gerido por Nuno Bermudes. Ambos tinham surgido por influência do que no continente português se fazia. Os “Juvenis” foram canteiros sobre que despontaram novas gerações ganhas para a cidadania da cultura literária, adubados e regados por atentos jardineiros que endireitavam os débeis caules que, a algum custo, irrompiam num solo difícil sobre o qual as borrascas do céu cinzento da ditadura salazarista iam despejando raios e coriscos. A atenta vigilância fascista dardejava-lhes insultos e apodava-as de Komsomolskaya Pravda – metáfora a que os ditadores e sub-ditadores desse tempo, a corja censória e pidesca, recorriam para lhes chamar “comunistas”, perigoso epíteto então lançado sobre quem se quisesse eximir ao império da omnipresente ideologia autoritária e ao que Hélia Correia chamou de “ordem do silêncio”. Neste “céu cinzento sob o astro mudo”, as “vítimas do credo” salazarento *Com Acordo Ortográfico

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medravam. Eram as debutantes gerações respondendo aos cuidados dos jardineiros que, indiferentes às ameaças, iam gradando, regando, adubando, sachando as tímidas vergônteas. Por vezes, em vez de flores, nasciam urtigas que arranhavam as mãos de quem tratava do jardim. Costa Dias e Mário Castrim suportavam as feridas. Que as safras, deve dizer-se, eram generosas: lembremos alguns dos nomes que emergiram desse canteiro português – Jorge da Silva Melo, Luís Matoso, Alice Vieira, Eduardo do Prado Coelho, Maria Teresa Horta, Nuno Júdice, Hélia Correia, Jaime Rocha, Regina Louro, José Augusto Seabra, Luís Filipe Castro Mendes, João Carreira Bom, Mário Contumélias, Fernando Grade, Torquato da Luz, Hugo Beja… É enorme a lista dos nomes que emergiram para a cidadania cultural a partir desses nateiros. No caso moçambicano, basta referir o nome de Luís Bernardo Honwana para se perceber a importância que essas páginas tiveram para o despertar da consciência anticolonialista e independentista da juventude. São páginas a merecerem que alguém, mais tarde ou mais cedo, se dedique ao seu apurado estudo e as antologie (anunciadas são as intenções que, nesse sentido, houve ao longo dos tempos. Mas de intenções não se passou.). Já tiveram – que eu saiba – a interessante tese de Maria José Oliveira: “Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa – Lugar de Ensaio para uma Nova Poesia Portuguesa”´, apresentada à Escola Superior de Jornalismo do Porto, em 1968. Poder-se-á, no entanto, considerar ser demasiado limitada no tempo em que se centrou – os exemplares publicados entre 1967 e 1970 – e ao que nela se vasculhou: mais aos seus reflexos na imprensa do que nas artes. Os “Juvenis” foram escola para os aprendizes de poetas se exercitarem e darem os seus primeiros passos, para candidatos a ficcionistas ensaiarem os seus primeiros contos e contarelos, para os aspirantes a artistas plásticos fazerem prometedoras investidas, para futuros pensadores e críticos medirem os seus iniciais tenteios. Havia a consciência, por parte dos seus orientadores, de que o futuro seria sempre a adolescência do tempo ou dele o seu augúrio. Se, como se lhes referiu Augusto Abelaira, foram sobretudo “escola de leitores”, também na verdade foram escola de criadores. Sabe-se que é sempre penoso para as gerações que se despedem terem a audácia de Alberto Ferreira para clamarem: “corram agora os mais jovens da tribo” (de Diário de Édipo)… Na poesia e na ficção, nos arremedos de crítica cinematográfica, no desenho e na fotografia, encontram-se ali sintomas de capacidades para os quais os mentores davam maiores e menores destaques, que serviam de incentivos e orientações. Com os radicalismos próprios da sua idade, os debutantes enveredavam por 048


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vezes por ardentes ensaios polemistas – foi o tempo das “críticas”, das “críticas às críticas” e das “críticas às críticas críticas”. Em suma, foi o tempo das “verduras”. Tentou-se, em 1983 e durante 13 anos, renovar estas experiências através do “DN Jovem”, direcionado por Manuel Dias. Talvez que Mário Mesquita, então diretor do matutino editado na lisboeta Rotunda do Marquês de Pombal, se tenha socorrido da sua vivência no velho República para ousar acolher a aventura de dar expressão a “escritores, fotógrafos, ilustradores e cartoonistas em início de jornada”, para usar frase que já vimos escrita. Teve melhor sorte este “DN Jovem” do que os seus antepassados “Juvenis”: Helena de Sousa Freitas já documentou em livro (O DN Jovem entre o Papel e a Net) aquilo a que se pode chamar a sua “biografia”. Revistas dedicaram-lhe atenção, houve edições especiais que o relembraram. José Luís Peixoto, José Eduardo Agualusa, Pedro Mexia, José Tolentino de Mendonça, José Mário Silva, José Carlos Barros, Luís Quintais, Rita Taborda Duarte, Tiago Salazar, foram nomes (entre muitos outros) que ressaltam das páginas do “DN Jovem” que a passagem à era da internet, em junho de 1996, acabou por silenciar: os jovens portugueses, na sua grande maioria, ainda não tinham acesso aos meios informáticos. Apesar dos protestos do público e dos próprios jornalistas, a inovação tecnológica dobrou a finados por esta incursão. A importância dos suplementos juvenis aqui referidos poderá entender-se decisiva para trazer gerações ao convívio com as artes. Injustas foram as acusações endereçadas contra os seus mentores, verdadeiros pedagogos, algumas quase insurreições das criaturas contra os seus criadores – foram os casos das de Alberto Costa e de mim próprio contra Mário Castrim, contra a sua “mais completa e duradoura experiência”. Os “Juvenis” foram férteis sementeiras, cuja falta se faz sentir hoje no convívio cultural: complementaram e, nalguns casos mesmo substituíram, o que foram as tertúlias literárias. Deixo aqui um apelo para que seja dada a devida relevância ao impacte que os suplementos juvenis tiveram na cultura lusófona, para que os estudiosos sobre eles se debrucem, podendo recorrer aos depoimentos dos que neles participaram e estão ainda ativos ou às memórias que deles deixaram os que, infelizmente, nessa tarefa já não possam colaborar. Passei pelas aventuras do “Limiar” na cidade da Beira e do “Juvenil” do Diário de Lisboa. Deles recolhi as aragens que de mim fizeram o ser esquisito que está ainda por saber se é português, moçambicano ou cabo-verdiano – afinal um ser quase mestiço, quase crioulo, fruto da lusofonia e da luso-cultura a ela agregue. Se os suplementos juvenis integraram as novéis gerações no caudal cultural 049


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do seu país, as páginas literárias da imprensa regional tiveram a função de arregimentar ao todo os movimentos que, aqui e ali, iam germinando. Tiveram, portanto, função homogeneizante. Atente-se no caso da página literária da “Voz de Loulé”, que serviu de rampa de lançamento para a “Poesia 61”, juntando nomes como Casimiro de Brito, Fiama Pais Brandão, Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge. Nessa página colaboraram António Ramos Rosa e Maria Rosa Colaço. Ou no do “Jornal do Fundão”, criado no pós-guerra por António Paulouro, acompanhando a avalanche democratizante do Movimento de Unidade Democrática: nele, José Cardoso Pires, Alexandre Pinheiro Torres e grande parte do escol literário português, escreveram resmas e resmas de prosa consciêncializadora contra a opressão ditatorial. São dois casos que merecem especial referência. Outros poderíamos adiantar: por exemplo, o do “Notícias da Amadora”, em cujo suplemento, “Andaime” – dirigido por Joaquim Benite – colaboraram Deodato Santos, Adriano de Carvalho, Serafim Ferreira, Artur Bual ou João Nascimento. O Suplemento Literário do Jornal de Sintra, conduzido por Maria Almira Medina. Ou o Suplemento Literário do Nossa Terra, orientado por Fernando Grade, onde publicaram nomes e nomes da cultura portuguesa. Os Encontros de Páginas Literárias e Suplementos Culturais da Imprensa Regional, um dos quais se realizou em Cascais, encimaram e cimentaram o movimento que se afirmou contra o lápis azul das censuras. A imprensa regional serviu de escape às vozes que procuravam eximir-se às tentativas de silenciamento efectuadas pela horda censória salazarista: graças à sua pertinaz luta contra o obscurantismo, foi possível manter acesa a chama das liberdades democráticas da irredenta cultura portuguesa. Nas colónias portuguesas, o Suplemento Cultural do Boletim de Cabo Verde terá sido, apesar da atenta vigilância colonialista, talvez o melhor exemplo do aproveitamento que as vozes libertadoras fizeram dos pequenos espaços entreabertos na muralha de silêncios: basta atentar nas vozes que ali se expressaram – as de Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Aguinaldo Fonseca, Terêncio Anahory e Yolanda Morazzo, por exemplo. Suplementos juvenis e páginas literárias da imprensa regional devem ser estudadas por quantos queiram observar com rigor as malhas tecidas pela cultura de expressão portuguesa para se afirmar contra o rolo compressor do colonial­ ‑fascismo.

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O DESLUMBRAMENTO DA URBE NOS JOVENS ARTÍFICES DA PALAVRA OLINDA BEJA

“Minha mesa no Café, / Quero-lhe tanto... A garrida Toda de pedra brunida / Que linda e fresca é! Sobre ela posso escrever / Os meu versos prateados, Com estranheza dos criados / Que me olham sem perceber... Nos cafés espero a vida / Que nunca vem ter comigo: – Não me faz nenhum castigo, / Que o tempo passa em corrida. – Cafés da minha preguiça, / Sois hoje – que galardão! – Todo o meu campo de acção / E toda a minha cobiça.” Mário de Sá-Carneiro

É

esta a modernidade da cidade em Mário de Sá-Carneiro, a casa emblemática que dá pelo nome de Café. O café é, e foi, um dos lugares por excelência onde, durante muitos anos, se reunia a fina flor das letras, da música, enfim, das artes. No café se discutia o último romance do Eça, as pinturas do Almada, os amantes da Geração de Orfeu. Mas o café foi, sobretudo, o lugar da tertúlia, do encontro furtivo, digamos até do esconderijo pitoresco em tardes de chuva e nevoeiro. O café foi o lugar mítico da cidade. Uma cidade que se preze de o ser tem que ter o seu café. Aí se deliciaram poetas e prosadores, se leram nas parangonas dos jornais os últimos escândalos de uma sociedade que, em finais de séc. XIX, início do XX, vivia absorvida pela atividade literária. O café era o centro da cidade e a cidade era o centro da boémia, do mundo. “Paris, anos 60. No café Condé reúnem-se poetas malditos, futuros situacionistas e estudantes. À nostalgia que impregna aquelas paredes junta-se um enigma personificado numa mulher: todas as personagens e histórias confluem na misteriosa Louki. Quatro homens contam-nos os seus encontros e desencontros com a filha de uma empregada do Moulin-Rouge. Para quase todos eles, ela encarna o inalcançável objecto de desejo. Louki, tal como todos os boémios que vagueiam por uma Paris espectral, é uma personagem sem raízes, que inventa identidades e luta por construir um presente perpétuo. Modiano recria em redor da fascinante e co*Com Acordo Ortográfico

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movente personagem desta mulher a Paris da sua juventude, enquanto constrói um maravilhoso romance sobre o poder da memória e a busca da identidade.” Pela sinopse deste romance de Patrick Modiano, No Café da Juventude Perdida, considerado o melhor romance de 2007, vê­‑se que o escritor asfixiava sem estes dois elementos – café/cidade. Sem eles, era sobretudo um ser amorfo, abúlico, despido de sensibilidade e da sua capacidade intelectual. A cidade ou as cidades formaram­ ‑se a partir do despovoamento do campo para a cidade, da desertificação das terras interiores para o deslumbramento daquilo que não se tinha ali ao pé. Ouvia­‑se esse desejo nas canções populares da Maria Papoila, jovem rude e simples que aspira a deixar as raízes campesinas para se embrenhar no mundo citadino que nunca tinha conhecido: “despedi­‑me das ovelhas/ do “mê” cão, das casas velhas/ do lugar onde eu nasci / não me importo de ir à toa/ que o “mê” sonho é ver Lisboa/ mai­‑lo mar que eu nunca vi./” E esse mar que circundava uma cidade era o sonho a duplicar para quem vivia no meio de rochas, urzes e terras cobertas de neve, onde o vento suão trazia vozes medonhas e lendas de arrepiar. Que esperar então? Sair desse pequeno espaço claustrofóbico e partir para largos horizontes – a luz da cidade era diferente da luz do campo – dizem e os jovens sentem essa atração irresistível. Mário de Sá­‑Carneiro deixou-se influenciar por essa luz. Para o poeta, Lisboa já era um espaço diminuto, queria ir mais longe “um pouco mais de sol e eu era brasa/ um pouco mais de azul e eu era além…”. E esse além leva-o à grande urbe de Paris, cidade-luz, cidade dos artistas, dos grandes intelectuais, sonho dourado de quem tem por missão deixar o seu legado em páginas de livros: “Paris da minha ternura Onde estava a minha obra – Minha Lua e minha Cobra, Timbre da minha aventura.” Excerto do poema “Abrigo”, Mário de Sá-Carneiro (Paris, setembro 1915) Paris irradia a luz da descoberta do seu eu e proporciona à mente tenebrosa e insatisfeita deste poeta um certo conforto espiritual. Quando se pensa nos primórdios da literatura urbana tal como a concebemos hoje, é comum citar-se dois nomes: Balzac e Charles Dickens, já que ambos são considerados os dois principais romancistas das maiores cidades do século XIX, ou, melhor dizendo, as duas capitais do século XIX: Paris e Londres. 052


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Mas não só Balzac e Charles Dickens se deixaram influenciar e deslumbrar pelo bulício labiríntico da cidade. Baudelaire, esse poeta das Flores do Mal, canta Paris de uma forma magistral, expondo nos célebres “Quadros parisienses” a urbe das luzes, dos ciúmes, das traições, dos amantes que se encontram nas margens do Sena… Também o argentino Jorge Luis Borges trouxe ao mundo a cidade de Buenos Aires fazendo dela personagem das suas histórias a par de Ernest Hemingway, que cantou Havana. As grandes cidades literárias só foram possíveis à medida que os centros urbanos se constituíram, resultado das revoluções industriais, do êxodo do campo e dos abismos sociais formadores das diferentes camadas das urbes. A cidade é algo palpitante para a juventude. Cafés, cinemas, teatros, sensações luminosas… As luzes da cidade marcam o prefácio de qualquer obra imortal. Deslumbramento urbano do qual faz parte a vida noturna e traz à flor da pele a expressão artística por vezes adormecida no efémero dos dias. É aí, nesses caminhos da cidade, que é feita, quase sempre, a busca da literatura. A relação entre o escritor e a cidade é uma relação de amor-ódio em que um tenta sobrepor-se ao outro amando, odiando, admirando ou pura e simplesmente contando e cantando. O escritor ama as avenidas, os tetos de forma oval, as velhas e gastas mas sempre belas catedrais, as pontes que fazem encontros e desencontros, os vultos que se esgueiram entre a negrura da noite e o espelho da madrugada… O escritor é o flaneur que tenta devolver o tempo à luz que se some entre as árvores dos parques e os lagos onde se passeiam cisnes enamorados… A cidade é o espaço vital por onde o escritor deambula os seus segredos, as suas angústias, dores, paixões, tudo numa amálgama de sentimentos dúbios que só a literatura lhe dará a suprema ventura de reproduzir. E mesmo atualmente, com todos os atropelos que a cidade possa representar, os jovens continuam enamorados e fascinados pela rapidez com que se vive o dia a dia da cidade. Isso faz parte de um frenesim que a juventude transporta consigo e a que eu chamaria “pressa desenfreada de viver”. O escritor mineiro Pedro Nava (1903-1994) flanava. Percorria ociosa e atenciosamente as ruas de Juiz de Fora e Belo Horizonte e, quando escrevia crónicas sobre as cidades, retirava-as do lugar de paisagem e colocava-as como protagonistas. Inventava verbos para falar de sua relação saudosa com as vielas do passado: “Ruávamos o dia inteiro”, escreveu numa crónica de 1978. “Só assim vos repalmilho, ruas de ontem. Porque pensar-vos não vale. O necessário é ter dessas iluminações que vencem a dimensão do tempo e põem num relâmpago os caminhos já idos dentro do agora”. “A cidade é um artefato complexo, para muito além da materialidade de seus edifícios ou da forma das suas ruas. Ela é feita das pessoas que vivem ali, das relações que se estabelecem, além de também ser a imagem e representação de como 053


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a pensamos” – assim exprime o seu conceito de cidade a historiadora brasileira Ana Cláudia Veiga de Castro, docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Mais do que encapsular ficcionalmente um território, as narrativas que se debruçam sobre a cidade também geram uma fonte de estudos por vezes mais ampla que a produção académica, segundo a historiadora: “Em geral, os estudos sociais fragmentam a cidade separando suas diversas esferas de existência: a urbanização, a economia, a demografia. Já a literatura condensa tudo isso, recuperando e apresentando o mundo em sua totalidade, complexidade e contradições”. Gostaria de listar neste texto alguns escritores que usam a cidade como protagonista do seu deslumbramento e a utilizam como destino dos seus personagens. Começo por Conceição Evaristo (1946)1, senhora que muito prezo e admiro e de cuja obra extraí o trecho que se segue: “Ele ia de vez em quando à cidade e voltava com livros. Trazia notícias sobre o que acontecia por lá”, ele era uma espécie de mentor para os trabalhadores, “lendo para os outros, estudando com eles um jornal que explicava tim tim por tim tim, o que era sindicato, greve, liga camponesa, reforma agrária”2. Conceição Evaristo reconhece cidades possíveis para além de grandes centros urbanos. Ela explica como o apagamento de comunidades periféricas implica não só na derrubada de casas ou deslocamento de pessoas, mas na destruição das memórias ali construídas. A comunidade desintegrada no romance Becos de Memória é contada por uma coletividade saudosa que vê os seus afetos se transformarem abruptamente – são protagonistas negras e negros como “folhas espalhadas pelo vento”, nas palavras da escritora mineira. Já em Ponciá Vicêncio é relatado o conflito de personagens que abandonam a ruralidade e enfrentam a cidade, dando voz aos protagonistas sistematicamente apagados de qualquer discussão urbana. Passando para Italo Calvino, apercebemo-nos que este grande escritor não odiou a cidade como nos pode parecer numa primeira leitura. Não, nada disso. Amou-a à sua maneira e divulgou-a o mais que pôde. Ela fazia parte integrante do seu ser. Na sua obra, As Cidades Invisíveis, presenteia-nos com o trecho seguinte, em que nos faz a descrição de uma cidade atual bem como de seus problemas atuais: “Em Cloé, grande cidade, as pessoas que passam pelas ruas não se conhecem. Ao verem-se imaginam mil coisas umas das outras, os encontros que poderiam verificar-se entre elas, as conversas, as surpresas, as carícias, as ferroadas. Mas ninguém dirige uma saudação Conceição Evaristo (1946): Becos da Memória (2006); Ponciá Vicêncio (2003); Histórias de Leves Enganos e Parecenças (2016). 2 Conceição Evaristo, Becos da Memória. 1

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a ninguém, os olhares cruzam-se por um segundo e depois afastam-se, procurando novos olhares, não param.” As 55 cidades descritas pelo deslumbrado jovem Marco Polo ao imperador melancólico Kublai Khan no livro As Cidades Invisíveis, não existem. Isso não as torna menos parecidas com espaços urbanos reais. O escritor italiano não faz economia ao desmembrar o fantástico de cidades onde pessoas não se falam, outras penduradas em abismos por fios de aranha, algumas habitadas por mortos. Sua narrativa transformou o modo como urbanistas e arquitetos pensam a cidade, enxergando-a como um cristal multifacetado de dimensões históricas e sociais. Se Cloé, ou Otávia ou Melânia assustam e deslumbram, é por guardarem ecos tão fortes do mundo concreto. O escritor Julio Ramón Ribeyro, na sua obra Los Gallinazos sin Plumas (1955), posa numa cidade à beira-mar e descreve-a com uma finíssima leveza. “Às seis da manhã a cidade se levanta na ponta dos pés e começa a dar seus primeiros passos. Uma fina neve dissolve o perfil dos objetos e cria como uma atmosfera encantada. As pessoas que percorrem a cidade essa hora parecem ser feitas de outra substância, pertencente a uma ordem de vida fantasmagórica”. Há cidades mais conhecidas na literatura latino-americana: a Buenos Aires de Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, a Rio de Janeiro do cronista João do Rio. É menos exaltada Lima (Peru) que, após o golpe militar em 1950, enfrentou um êxodo rural sem precedentes, inchando e alargando sua capital de ares rarefeitos. O contista e escritor Júlio Ramos Ribeyro fazia da modernização e suas consequências os motes de seus livros. No romance Los Gallinazos sin Plumas (Os Urubus sem Plumas), Ribeyro alcança o auge do realismo urbano, com duas crianças protagonistas sujeitas a uma cidade cinza, cruel e complexamente humana em suas desigualdades. A cidade foi muito importante para “ganhar mundo, ter conversas, leituras, diletância e uma boémia saudável”, diz o poeta Miguel Manso numa entrevista ao Diário de Notícias. E acrescenta, “A importância de Lisboa é que torna o autor mais fácil de ser aceite e favorece encontros.” Sim, sem a cidade as nossas obras pura e simplesmente não existem. É preciso estar presente na cidade!

Escritores que se enamoraram de cidades e por elas fizeram divagar as suas personagens: José Cardoso Pires: “Há vozes e cheiros a reconhecer — cheiros, pois então: o do peixe de sal e barrica nas lojas da Rua do Arsenal, não vamos mais longe; o da maresia a certas horas das docas do Tejo; o do Verão nocturno dos ajardinados da Lapa; o dos armazéns de aprestos marítimos entre Santos e o Cais do Sodré; o do 055


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peixe a grelhar em fogareiro à porta dos tascos de recanto ou de travessa, desde o Bairro Alto a Carnide; o cheiro fumegante das castanhas a assar nos fogareiros dos vendedores ambulantes.”3 José Rodrigues Miguéis: A Avenida Almirante Reis – “Ponho-me a olhar a Avenida cá de cima, da minha água furtada e meu refúgio, e digo-lhe, seu Apolinário: tudo isto levou uma grande volta. Antigamente vivia-se aqui como num céu aberto. Nem faz ideia onde isso vai, parece que não, os dias passam devagar, mas olhe que os anos vão-se depressa. A gente só dá por isso quando já não tem remédio.”4 “Faltou pela primeira vez à missa. Vagueou todo o dia de olhos bem abertos, por bairros antigos e ao longo dos cais, e admirou as barcas, as fragatas e os vapores no espelho fulgurante do Tejo. Respirava os cheiros da nova cidade, aromas de mercadorias exóticas e emanações fétidas de marés baixa e dos boqueirões, sem medo de nada, a tudo estranho e por tudo atraído.”5 Eça de Queiroz: Praça de Camões – “À beira do assento, com as mãos nos joelhos, Artur, através dos vidros embaciados, ia olhando avidamente as fachadas das casas, os cartazes nas esquinas, a prolongação das ruas. Galegos curvados sob o barril chapinhavam na lama, gente passava encolhida sob os guarda-chuvas. Teve um espanto ao ver de repente os arcos do Terreiro do Paço, o rio, mastreações de esquadras! Pela Rua da Prata, ia lendo avidamente as tabuletas. Quem viveria naquelas altas casas, cerradas ainda? Àquela hora, decerto, os jornalistas, as duquesas, dormiam, depois das agitações intelectuais e amorosas da noite da grande cidade…”.6 Saramago: Cais do Sodré – “Os barcos, vistos do meio da praça, pousados sobre a água luminosa, parecem aquelas miniaturas que os comerciantes de brinquedos põem nas montras, em cima de um espelho, a fingir de esquadra e porto de mar. E, de mais perto, da beirinha do cais, pouco se consegue ver, dos nomes nenhum, apenas os marinheiros que vão de um lado para o outro no tombadilho, irreais a esta distância, se falam não os ouvimos, e é segredo o que pensam”7.

In Lisboa, livro de bordo – vozes, olhares, memorações (1997), José Cardoso Pires. In Leah e outras histórias (1958), José Rodrigues Miguéis. 5 In O milagre segundo Salomé, José Rodrigues Miguéis. 6 In A Capital (1825), Eça de Queirós. 7 In O ano da morte de Ricardo Reis (1984), José Saramago. 3 4

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Fernando Pessoa: Janela com vista para a cidade – “Nada disso me interessa, nada disso desejo. Mas amo o Tejo porque há uma cidade grande à beira dele. Gozo o céu porque o vejo de um quarto andar de rua da Baixa. Nada o campo ou a natureza me pode dar que valha a majestade irregular da cidade tranquila, sob o luar, vista da Graça ou de São Pedro de Alcântara. Não há para mim flores como, sob o sol, o colorido variadíssimo de Lisboa”.8 Cesário Verde: Noite na Baixa “A espaços, iluminam-se os andares, E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos Alastram em lençol os seus reflexos brancos; E a Lua lembra o circo e os jogos malabares. Duas igrejas, num saudoso largo, Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero: Nelas esfumo um ermo inquisidor severo, Assim que pela História eu me aventuro e alargo. Na parte que abateu no terremoto, Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas; Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas, E os sinos dum tanger monástico e devoto.”9 Adília Lopes: Abandono (…) “Cidade desabitada / como um armazém Cidade que se degrada/ cidade que acaba”10 “A Literatura permite-nos ler uma dimensão especial da cidade: a da experiência e a da existência. Gary Bridge e Sophie Watson afirmam: «As cidades estão tão integradas na literatura, configurando a vida quotidiana, sentimentos e experiências pessoais que muitas grandes obras da literatura quase dependem da cidade para sua existência.» ... a Literatura pode carregar também a percepção, o tempo, o espaço, os lugares e as paisagens vividas pelo autor ou compartilhadas na sociedade e na história. Calvino, por exemplo, fala das cidades em que viveu após sair de San Remo, aos 25 In O Livro do Desassossego (1982), Bernardo Soares, um dos heterónimos de Fernando Pessoa. In poema “Noite Fechada”, O Livro de Cesário Verde (1901), organização e edição de Silva Pinto. 10 In poema “Lisboa”, Poemas Novos (2004), Adília Lopes. 8 9

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anos de idade, quando vai a Turim, uma cidade operosa e racional, além de outras metrópoles, «de todas enamorando­‑me à primeira vista, com algumas iludindo­ ‑me de tê­‑las compreendido e possuído, outras restando­‑me incompreensíveis e estrangeiras.» Devido a esse grande enamorar­‑se por tantas cidades, Calvino diz ter sofrido, por longos anos, de uma neurose geográfica: «não conseguia ficar mais de três dias seguidos em nenhuma cidade ou lugar.» Esta neurose durou até eleger de forma estável, domicílio em Paris, onde casou­‑se e teve sua filha. Mas foi em Roma, cidade para a qual se mudou em 1980 e na qual ele disse ter vivido mais para si, sem se perguntar o porquê, que veio a falecer, em 1985.”11

Análise final

O esquecimento a que são votados os escritores que estão fora da grande urbe e do seu deslumbramento: Tal como tantos escritores que vivem e criam as suas obras literárias no campo, a cidade para mim, como escritora, não representa uma fonte de inspiração, apenas uma fonte de alguns conhecimentos e de vivência diferente. Estar na cidade, sentir a cidade, entranhar-me na cidade serve-me de guião para a explanação dos sentidos e dos sentimentos que afloram em algumas das minhas obras. Há uma sensação de claustrofobia na cidade que se fecha sobre si própria. A cidade só ama os que nela habitam e não os que a visitam, os que estão de passagem. Portugal continua a ser um país macrocéfalo – tudo passa pela e na grande cidade. Mas isso não deveria acontecer. E falo na luta inglória de todos os que vivem longe da grande urbe e tentam, na literatura, erguer a voz até que lhe rebentem as cordas vocais. Por vezes de nada lhes serve. Estão fora dos grandes circuitos comerciais, dos grandes eventos literários, dos acontecimentos de última hora, das passerelles onde desfilam altos e baixos atores mas, por mais baixo que as suas medidas os situem, estão sempre na grande urbe arrimados a um qualquer bordão… o resto do país é apenas paisagem para turista ver. Por isso termino com um poema de um grande senhor das letras e tão injustamente esquecido pelo motivo que acabo de referir:

In Literatura e Cidade, uma leitura geográfica da obra de Italo Calvino (2004), Janaina de Alencar

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Mota e Silva.

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“Fria Claridade No meio da claridade, Daquele tão triste dia, Grande, grande era a cidade, E ninguém me conhecia! Então passaram por mim Dois olhos lindos, depois, Julguei sonhar, vendo enfim, Dois olhos, como há só dois? Em todos os meus sentidos, Tive presságios de Deus E aqueles olhos tão lindos Afastaram-se dos meus! Acordei, a claridade Fez-se maior e mais fria. Grande, grande era a cidade, E ninguém me conhecia!” Pedro Homem de Melo (1904-1984)

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2º TEMA

LITERATURA E CRIATIVIDADE

1. FILIPA MELO Eu sou um Outro 2. JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS A (s) Cidade (s) dos Poetas 3. ZHANG WEIMIN Desafios da tradução da poesia clássica portuguesa para chinês: o caso de Camões e de Fernando Pessoa


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Conferencistas do 2º tema LITERATURA E CRIATIVIDADE EM CIMA:

Da esquerda para a direita, Filipa Melo, José Carlos de Vasconcelos e Zhang Weimin


EU SOU UM OUTRO FILIPA MELO

O

brigada a todos os presentes. Agradeço este convite à UCCLA e às entidades oficiais de Cabo Verde que apoiam e promovem este VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa. Estou aqui como escritora, mas também como representante da vila de Cascais e da Fundação D. Luís I (cujo conselho diretivo integro), trazendo de ambas um cumprimento especial para a cidade da Praia. Antes de mais conto-vos um sonho. Ontem sonhei que era um bebé. Estava de fora dele, observava-o com atenção, mas ele era eu. Um bebé perfeito, tal qual a família o idealizara, sorridente. Tinha todos os membros em perfeita ordem, os dedos todos nas mãos e nos pés, até uma face rosadinha e um caracol rebelde que lhe caía sobre a testa. Vi-o, ou antes, vi-me nele, deitado no berço, em pose serena. Eu era um bebé de aparência angelical. No entanto, quando, enlevada por toda aquela atmosfera que parecia de algodão, me aproximei do berço para lhe – ou me – dar colo, recuei com a surpresa. Eu era um bebé de cera. Perfeito por fora, e, verifiquei depois, absolutamente oco por dentro. Afinal, por dentro, aquele bebé era eu a observá-lo. Porque vos conto isto? Porque quero partilhar convosco o contraste que senti entre os dois momentos contidos no mesmo sonho: um de beleza, exterior, e outro de repugnância, interno. Partilho isto convosco porque no sonho, enquanto o sonhei, *Com Acordo Ortográfico

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como por breves minutos aqui enquanto o narro, aquele bebé foi uma realidade, ou eu na pele daquele bebé fui uma realidade. Ao escutarem a minha narração deste sonho, ele é também, por momentos, uma realidade vossa. Aquele bebé, no meu sonho, era uma transfiguração dos movimentos da prosa e da poesia enquanto representação do mundo real ou de mundos imaginários. Isto é, era uma metáfora da representação do próprio poder de representação. Precisamente o mecanismo que permite ao artista descolar, desligar-se do real, e é isso que, ao mesmo tempo, nos permite identificarmo-nos com os mundos criados pelo artista. Escolhi como título da minha intervenção a tradução de uma frase escrita por um adolescente francês numa carta que, aos 17 anos, ele endereçou a um professor cuja poesia subjetiva bem-comportada e cujos princípios de obediência à ordem estabelecida ele condenava. Por isso, escreveu-lhe assim: “Agora, estou a tentar com todas as forças ser um crápula. Por quê? Quero ser poeta e trabalho para me tornar um clarividente (voyant). É uma questão de chegar ao desconhecido pela perturbação de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes, mas é preciso ser forte, ser poeta, e eu reconheço-me um poeta. Não é culpa minha. É errado dizer: eu penso; devíamos dizer: eu penso-me. – Desculpe-me pelo trocadilho. Eu sou outro (je est un autre). Má sorte para a madeira que se acha violino, e um apupo para os inconscientes, que se queixam daquilo que não sabem!» O adolescente chamava-se Arthur Rimbaud e foi o génio do século XIX, o enfant terrible da literatura ocidental. Há uns anos, numa tournée literária pela região de Champagne-Ardenne, conheci a cidadezinha onde ele nasceu, no noroeste da França, em 1854. Chama-se Charleville-Mézières e, hoje, por todo o lado, espalhadas pela cidade, encontramos referências ao seu nativo mais querido, Rimbaud, filho de um militar que o abandonou muito cedo, a ele, a um irmão mais novo e à mãe, filha de camponeses. Curiosa a homenagem a quem tanto detestou a sua cidade natal. Rimbaud foi um estudante brilhante, especialmente dotado em verso latino, ganhou muitos prémios de poesia, muito cedo e com uma confiança arrogante em si mesmo que se tornou a sua marca de estilo. Aos 16 anos fugiu para Paris, um mês após o início do conflito franco-alemão, mas foi preso na estação por viajar sem bilhete. Passou um tempo na prisão, deambulou pelo norte da França e pela Bélgica, até a mãe conseguir resgatá-lo através da ação da polícia. Voltou a Charleville-Mézières, para fugir de novo, logo a seguir, e se tornar voluntário da Comuna de Paris. Amante do simbolista Paul Verlaine, viveu uma vida boémia em Paris, regressando 064


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a espaços a casa da mãe para regressar depois para os braços de Verlaine. Escreveu a totalidade da sua obra durante a adolescência: Iluminações, Uma Estação no Inferno e o longo poema O Barco Bêbado. Por fim, decidiu viajar pelo mundo e instalar-se em África, como comerciante de armas e de café. Morreu em Marselha, de cancro, aos 37 anos. Rimbaud e a sua poesia simbolizam um profundo desejo de aventura e liberdade, um sentimento de revolta em relação ao ambiente provinciano burguês, à apatia e à hipocrisia das pequenas cidades. Cínico, ele foi sempre contra o sentimentalismo e a religião. Dedicou-se à expressão poética de impressões e sentidos, procurando uma união sensual com o mundo. Praticou a blasfémia e a escatologia. Criou imagens grotescas e alucinatórias para exprimir a sua clarividência, afinal não explicável por palavras. Rimbaud foi um dos primeiros modernos. Imaginamo-lo a vaguear por aí, qual flâneur, recolhendo impressões da vida vivida, lida e pensada. Desses fragmentos que recolhe enquanto por eles passa (ou eles passam por ele) faz o narrador passeante surgir, sempre em movimento, as suas personalizações do mundo; fá-las surgir do nada, isto é, elas surgem à medida da sua própria linguagem e da sua digestão do tempo. Rimbaud, o pessoano Bernardo Soares, e nós, todos os criadores literários que lhes sucederam, poderíamos dizer (como no Livro do Desassossego): «Sou como uma história que alguém houvesse contado e, de tão bem contada, andasse carnal, mas não muito neste mundo romance.» Um bebé virado do avesso, um adolescente alucinado e apocalíptico e o extraordinário poder da imaginação, da metáfora e da enigmática ambiguidade da criação literária... Mas por que raio virá isto a propósito agora, aqui... Segue-se a justificação. A minha presença aqui é também uma homenagem à minha família paterna. Especificamente, ao meu tio Luís Romano de Melo, autor de Famintos, romance que aborda de forma clara, nua e crua, o fenómeno da fome em Cabo Verde, um livro de profunda e dorida denúncia social como poucos existirão no espaço da lusofonia. Luís Romano, escritor militante, fugiu em 1948 de Cabo Verde, com os manuscritos desse romance colados ao longo do corpo para escapar à censura política. No final dos anos 1950, aderiu aos ideais da independência, tendo chegado a desempenhar cargos de direção no PAIGC e sendo perseguido pela PIDE. Fugiu para Argel e Paris e exilou-se, depois, no Brasil, onde viveu desde 1962 e morreu em 065


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2010. No ano passado, o seu acervo bibliográfico foi doado à Biblioteca Nacional de Cabo Verde, ao mesmo tempo que se editava um volume inédito: Comentários Literoverdianos. De Famintos, recordo o seguinte excerto: “Finalmente os pedintes ergueram-se e enfiaram-se pelas ruas do Povoado. O número de pessoas aos lamentos era enorme. Como massa escura, a leva espalhava­ ‑se pelas vielas, a mendigar pelos portões. Os cães latiam enervados. Nas janelas, atrás dos reposteiros, as donas olhavam, cheias de pena. Depois, escondiam­‑se nos quartos, por causa dos ruídos, e faziam paninhos de renda para serviços de chá. Ao pé do Pelourinho, quem passasse nem já olhava por alguns corpos que vieram até lá render o último suspiro. As cenas repetiam­‑se constantemente e quase ninguém fazia caso; os cadáveres parte do empedrado onde tombaram. No entanto, os sinos tocavam ave­‑maria, os senhores descobriam­‑se, faziam o sinal da cruz, enquanto os comerciantes fechavam as portas, seguravam as trancas. Da rua ouvia­‑se o telintar das moedas nas gavetas dos balcões e o reflexo da luz, dentro das lojas, fugia pelas frinchas das portas ou passando pelas gretas das fechaduras. No Adro da Sé os sem­‑nome abrigavam­‑se às dezenas, unidos, aquecendo­‑se uns aos outros e a gemer de quando em quando. A miudagem dormia encolhendo os ombros debaixo do corpo dos mais velhos. Os piolhos passavam de um ponto para o outro, as pulgas sugavam o pouco de energia que ainda restava e as pulguinhas que deformam os pés, enchiam os dedos de casulos brancos, a desenvolver cavernas, atrofiando a marcha dos maltrapilhos. E dentro da Sé a quietude impressionava. Nos nichos, nas redomas, nos andores, as imagens de santos contemplavam o vazio com olhos cheios de bondade. Na rua, contra a porta, a cacimba atormentando os desamparados.” Estou aqui em homenagem também ao meu tio Teobaldo Virgínio de Melo, colaborador da revista Claridade, há muitos anos emigrado nos Estados Unidos. Teobaldo Virgínio Nobre de Melo foi pastor evangélico, poeta, ficcionista, diretor da revista Arquipélago (EUA) e colaborador em outros órgãos de imprensa, como Presença Crioula, Morabeza, Revue Noire, Notícias do Imbondeiro (Angola) e Coluna do Norte (Brasil). De temática cabo-verdiana, publicou, em prosa e verso, doze títulos, entre os quais, Distância, O Meu Tio Jonas, Vida Crioula, e, de 2010, Folhas da Vida (poesia) e Gaudêncio, o Filho Errante (prosa). 066


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Estou aqui, pois, em homenagem a Luís Romano e a Teobaldo Virgíno de Melo. Mas também em homenagem a um certo Jacob Guanano, nascido em 1700, em Tétouan1, Marrocos, e à sua mulher, Bonina; em homenagem a Haim Guanano, nascido em 1734 também em Tétouan, mas que emigrou para Gibraltar em 1751, com a sua mulher, Belida. Estou aqui em homenagem a Jacob Wahnon, nascido em Tétouan em 1769, negociante, marido de Simy Whanon, pai de Jonas (Josias ou Yonah Wahnon), nascido em 1812 em Gibraltar e, após viver em Lisboa durante duas décadas, emigrado para Cabo Verde, Santo Antão. Jonas é o meu trisavô. Pai da minha bisavó Nininha, parteira famosa na ilha, e da minha avó Bibia, que impunha respeito na Fazenda Monteiro da Garça, enquanto chusmas de meninos cresciam à sua volta, onze deles de sua criação e entre eles o meu pai, António Amaro de Melo, e os meus tios Luís e Teobaldo. Quando eu era pequena, o meu pai dizia-me que devia ter sempre a mala à porta e que, por caber tão pouco dentro dela, deveria sempre cultivar o que, dentro da cabeça, podia alimentar e transportar para qualquer lado. É também dessa capacidade de ser um outro, permanecendo igual a si mesmo e às suas raízes, que falam as histórias dos meus antepassados cabo-verdianos: Wahnon, Spencer ou Nobre de Melo. Cresci com as histórias fabulosas dos meus tataravós, fugidos de Portugal e da conversão forçada decretada por D. Manuel I em 1496, para o norte de África, das histórias dos meus trisavós e bisavós, que encontraram refúgio numa ilha encantada, uma Atlântida chamada Santo Antão. Existem desde sempre dentro de mim esses outros que viveram antes de mim. E uma ligação muito forte à terra que os acolheu e onde lhes foi permitido recriarem-se e viverem em liberdade. Quando eu era pequena, era muito mentirosa. Talvez não acreditem, mas hoje se há coisa que eu detesto é a mentira. Na vida real, digo. Porque na ficção, espero continuar sempre a praticar a capacidade de fingir, de me transformar num outro, personagem de ficção, capaz de traduzir muitos outros mundos para além daquele que habito quotidianamente. Termino com um poema de Pedro Corsino Azevedo, publicado na revista Claridade em julho de 1948 e visado pela censura.

Tetuão, em português.

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Abandono A catástrofe das vidas que tive e que perdi Mói-me lentamente a vida que eu tenho. Venho De longe, a buscar aquilo que esqueci. E canto E choro E gemo E tremo Diante das mil vidas Que novamente hei de ganhar. Olalá! Olalá! Mil vidas perdidas Conseguidas À força de querer! (Nem canto Nem pranto). Nem gemo Nem tremo. Eu vou deixar-me embalar.

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A(S) CIDADE(S) DOS POETAS JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS

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.“Uma cidade é mais do que ruas, casas, pessoas. É uma roupa interior que

nos veste por dentro, uma pele imemorial, um corpo à desmesurada medida do nosso corpo”, escreveu, como só ele escrevia, Manuel António Pina, continuando: “Há muitos anos eu perdera a infância. Uma tarde parti para sempre da infância num grande camião de mudanças e atravessei, como um náufrago, uma imensa ponte sobre um rio desconhecido. Diante de mim fechou-se qualquer coisa e a cidade abriu-se. Subi as escadas de uma casa solitária, sem jardim e sem árvores de fruta, e deitei-me numa cama solitária dum quarto solitário. Era tudo tão estranho e tão longe. Para trás ficara o Mundo, todo o Mundo e, como um sobrevivente, eu tinha que reconstruir, sobre destroços e recordações, todo o Mundo e todas as coisas.” O poeta, a quem tão inesperada como justamente foi atribuído em 2011 o Prémio Camões, reconstruiu esse seu mundo, que era o da infância que num poeta nunca morre, numa cidade, que ficaria a sua cidade: o Porto. Cito-o: “Aqui se nasceu ele, adolescente primeiro, adulto depois, ao longo de muitos e desencontrados anos, felizes uns, impenitentes outros, entre memórias, medos, exaltações, rostos, desejos e tudo aquilo de que é cegamente feita e desfeita essa respirada coisa que é a vida.” Curiosamente, um outro grande poeta, Eugénio de Andrade, chegou à mesma cidade mais tarde na vida, e também nela ficaria até ao fim, mas mantendo sempre *Com Acordo Ortográfico

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um certa relação tensa, não se deixando em absoluto conquistar, posto que era ou se considerava um “homem do sul”. E, assim, tendo algumas assinaláveis páginas sobre a cidade, nelas não está a sua, da cidade, alma – antes paisagens, momentos, lugares, como São Lázaro num fim de tarde ou a sua casa na “Rua Duque de Palmela, 111” (“Pelo lado dos lódãos ao fim do dia/ depressa se chega agora no verão/ à pedra viva do silêncio/ onde o pólen das palavras se desprende/ e dança dança dança até ao rio”). Ao invés, dedica a Lisboa vários poemas, lá irei se houver tempo, e alguns seus belos poemas reportam à infância, na sua beirã Póvoa da Atalaia, infância profundamente ligada à mãe, à natureza, às estações, a certa luz muito presente nos seus versos. Comecei com dois exemplos, em relação ao Porto. Poderia começar com muitos outros. Cidades, grandes ou pequenas, as terras onde nasceram ou a que a vida, o destino, os conduziu, ou que escolheram e fizeram suas, estão presentes, ou são presenças marcantes, na obra de imensos escritores, hoje e sempre ao longo dos tempos. E, em geral ou muitas vezes, na poesia, sem o seu nome ser sequer referido, sem haver uma “narrativa” que permita identificá-la fisicamente, digamos. Também, no entanto, acontece o contrário, mesmo o oposto, em “casos” de que é muito expressivo exemplo João Cabral de Melo Neto com os seus poemas de Sevilha. Só os de Sevilha Andando e Andando Sevilha são quase 70 extraordinários poemas sobre a cidade, a que há que acrescentar os de Ainda, ou sempre, Sevilha. Uma cidade sempre nomeada, figuras, instituições, ruas, bairros, monumentos, toureiros, cantadores, gente: os sevilhanos, sobretudo as sevilhanas, o seu caráter, a alma de uma cidade e de um povo vividos intensamente, de tal forma que o poeta escreve: Só em Sevilha o corpo está/ com todos os sentidos em riste,/ sentidos que nem se sabia,/ antes de andá-la, que existissem;// sentidos que fundam num só:/ viver num só o que nos vive,/ que nos dá a mulher de Sevilha/ e a cidade ou concha em que vive. E isto é tanto mais espantoso – e mostra como as cidades podem marcar os poetas, os escritores e suas obras – quanto é certo ser João Cabral também poeta do Recife, onde nasceu, de Pernambuco, do seu poderoso rio Capiberibe e da secura do sertão, das “paisagens com figuras”, como dos pobres e explorados “retirantes”1 de Morte e Vida Severina. O seu poema “Autocrítica” dessa dualidade dá, aliás, expressivo testemunho: 1

Termo usado no Brasil para referir as pessoas que abandonam a sua terra, o sertão nordestino, devido à seca e à miséria. 070


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Só duas coisas conseguiram/ (des)feri-lo até a poesia:/ o Pernambuco de onde veio/ e o aonde foi, Andaluzia.// Um, o vacinou do falar rico/ e deu-lhe a outra, fêmea e viva,/ desafio demente: em verso/ dar a ver Sertão e Sevilha.

2.

João Cabral tem também “Uma evocação do Recife”, que nos traz à lembrança a, mais famosa, de Manuel Bandeira. O poeta de “Vou-me embora para Passárgada” constitui, de resto, um bom exemplo de como a cidade em que nasceu e passou parte da infância pode ser importante para um escritor e, insisto, marcar a sua obra e marcar a própria cidade. Bandeira viveu na capital pernambucana apenas oito dos dez primeiros anos da sua vida e não há quem o não lembre ao visitá-la, não há quem não ‘ouça’ intimamente os seus versos daquela “Evocação”, não procure as ruas de que fala e se certifique de os seus nomes não foram mudados… Recife/ Não a Veneza americana/ Não a Mauritsstad dos armadores/ das Índias Ocidentais/ Não o Recife dos Mascates/ Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois/ — Recife das revoluções libertárias/ Mas o Recife sem história nem literatura/ Recife sem mais nada/ Recife da minha infância (…) Rua da União.../ Como eram lindos os montes das ruas da minha infância/ Rua do Sol/ (Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)/ Atrás de casa ficava a Rua da Saudade.../...onde se ia fumar escondido/ Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora.../...onde se ia pescar escondido (…) Rua da União…/ A casa de meu avô.../ Nunca pensei que ela acabasse!/ Tudo lá parecia impregnado de eternidade (...) O Recife constitui, de resto, excelente exemplo de uma cidade em que existe uma presença dos poetas, presença visível, até porque há versos seus, sobre a cidade, impressos em azulejos nas esquinas de certas ruas. E entre os poetas do Recife, além de Bandeira e João Cabral, realço Mauro Mota, o de, entre muito mais, “A Chuva Cai Sobre o Recife”: “A chuva cai sobre o Recife devagar,/ banha o Recife, apaga a lua, lava a noite, molha o rio,/ e a madrugada neste bar.// A chuva cai sobre o Recife devagar.” Para o Rio também, como Bandeira, mas de Belo Horizonte, foi o imenso Carlos Drummond de Andrade ainda jovem. Mas nem por isso alguma vez esqueceu a sua pequena cidade, Itabira, no Estado de Minas Gerais, que evoca em “Confidência do Itabirano”: 071


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Alguns anos vivi em Itabira./ Principalmente nasci em Itabira./ Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro./ Noventa por cento de ferro nas calçadas./ Oitenta por cento de ferro nas almas./ E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.// A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,/ vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. (...)// Tive ouro, tive gado, tive fazendas./ Hoje sou funcionário público./ Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói!// Porém, quer na obra de Bandeira, quer na de Drummond, o Rio está muito mais presente. Em numerosos poemas, em facetas e com aspetos muito diversos. Desde o então “revolucionário” e curtíssimo “Beco”, de Bandeira (“Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? – O que eu vejo é o beco.”) até ao muito longo “A um hotel em demolição”, de Drummond; ou, também deste, aos poemas que são em simultâneo crónicas líricas e de intervenção imediata, “municipal”, digamos, na vida da cidade. Ou até a “declarações” de amor, como a “Canção do Fico”, escrito quando a capital se transferiu para Brasília: “Minha cidade do Rio,/ Meu castelo de água e sol,/ A dois meses de mudança/ Dos dirigentes de prol;// Minha terra de nascença/ Terceira, pois foi aqui,/ Em êxtase, alumbramento,/ Que o mar e seus mundos vi; (…) Rio antigo, Rio eterno,/ Rio­‑oceano, Rio amigo,/ O governo vai­ ‑se? Vá­‑se!/ Tu ficarás, e eu contigo.” Como se sabe, no Brasil há muitas cidades, e/ou regiões, que dão matéria substancial para a obra de grandes escritores, que por sua vez se transformam em suas referências ou mesmo símbolos maiores. O exemplo óbvio, na ficção, é o de Jorge Amado – Baía/Salvador; e na poesia, um bom exemplo pode ser o do (recentemente desaparecido) Manoel de Barros – “Pantanal”. Mas não há no Brasil nenhuma cidade tão presente na sua literatura, em particular na sua poesia, como o Rio – e, já agora, tão presente também na sua música, amiúde da poesia inseparável, como aconteceu com a bossa nova. Este já seria, porém, tema para toda uma outra conversa, que naturalmente partiria de Vinicius de Moraes, o raro poeta carioca que faz a ponte entre esses dois mundos que afinal são um só. Desde Machado de Assis, em cuja obra está tanto o Rio, até aos novos escritores, passando, entre tantos outros, no romance, por Garcia Roza ou Ruben Fonseca (em especial o seu “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”), na crónica, pelo inigualável Rubem Braga e, na poesia, pelos principais nomes do modernismo ou pelo Ferreira Gullar (com “o poema/ na mente do poeta/ a caminhar/ na rua Duvivier”, onde vive, em Copacabana), é todo um mundo o da dita “cidade maravilhosa” na literatura brasileira. 072


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3.

Bom, mas regresso a Portugal, deixando de lado aquilo por que pensara começar: as “cidades, como espaço de vivências coletivas, paisagens privilegiadas de registros da memória”, de que os escritores fazem “personagens vivas de narrativas que, na interseção com a História, expressam, de forma policromática, a vida das pessoas no cotidiano de suas ruas, praças, etc.”. As cidades como “cristais de múltiplas faces espaciais e temporais, cristais de variadas luzes, dentre elas as da memória, que, com sua temporalidade sempre em movimento, reencontra os lugares do ontem com os sentimentos do presente” – como escreveu a Professora Lucília de Almeida Neves. Deixando de lado também qualquer referência a cidades imaginárias, ou invisíveis, para lembrar o célebre livro de Ítalo Calvino, e deixando de lado ainda projetos como “Amores expressos”, que levou 16 escritores brasileiros para outras tantas cidades de vários países, a fim de aí escreverem narrativas a partir do tema do “amor”. Regresso a Portugal, e ao Porto. A cidade de Garrett, como se costuma dizer, e que é também a de António Nobre, ambos nela nasceram; e, de certa forma, o foi ainda do nortenho, minhoto/duriense de opção, Camilo Castelo Branco, nascido em Lisboa. E que hoje é de Agustina Bessa Luís e de Mário Cláudio, para só falar de escritores com obras em que a cidade está bem presente. Sem tempo para mais, fico-me, nessa cidade da liberdade, por lembrar poetas seus da resistência, como Egito Gonçalves e Luís Veiga Leitão, e outros, atuais, tão originais como Jorge Sousa Braga, o autor de Porto de Abrigo. Curiosamente, o enciclopédico e multiforme Jorge de Sena, que era de Lisboa e viveu poucos anos no Porto, onde concluiu o curso de Engenharia, é autor de um poema, “Metamorfose”, muito citado a propósito da cidade, pelo que deixa implícito sobre o seu caráter: Para a minha alma eu queria uma torre como esta,/ assim alta,/ assim de névoa acompanhando o rio.// (….) uma luz desce o rio/ gente passa e não sabe/ que eu quero uma torre tão alta que as aves não passem/ as nuvens não passem/ tão alta tão alta/ que a solidão possa tornar-se humana.// E é ainda do caráter do Porto que releva sobretudo um dos poemas que lhe dedica o por mim nunca esquecido José Gomes Ferreira, natural da sempre Invicta e Leal Cidade, mas que cedo rumaria a Lisboa e seria um seu magnífico cronista e “diarista”, em verso e prosa:

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Não nasci por acaso nestas pedras/ mas para aprender dureza,/ lume excedido,/ coragem de mãos lúcidas.// Aqui no avesso da construção dos tempos/ a palavra liberdade/ é menos secreta.// (…) Porto/ – cidade de luz de granito.// Tristeza de luz viril/ com punhos de grito.//

4.

Do Porto é também, a (para mim) maior poeta da nossa língua, Sophia de Mello Breyner, que no entanto não tem visivelmente a cidade nos seus versos – embora tenha um certo jardim ou as praias, que lhe são próximas, “onde a direito o vento corre”. Já Lisboa, e mudo para Lisboa, onde se fixou, está, com o seu rio, em vários momentos da sua poesia: “Ao virar da esquina de súbito avistamos/ Irisado o Tejo:/ Então se tornam/Leve o nosso corpo e a alma alada”. Veja-se, por exemplo, o poema que tem mesmo como título, “Lisboa”, e que é um belíssimo exemplo da expressão, por um escritor, da sua ligação a uma cidade, além de bem ilustrativo de uma vertente da arte poética de Sophia: Digo:// “Lisboa”// Quando atravesso – vinda do sul – o rio/ E a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse/ Abre-se e ergue-se em sua extensão noturna/ Em seu longo luzir de azul e rio/ Em seu corpo amontoado de colinas – / Vejo-a melhor porque a digo/ Tudo se mostra melhor porque digo/ (…) Lisboa com seu nome de ser e de não-ser/ Com seus meandros de espanto insónia e lata/ E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro/ Seu conivente sorrir de intriga e máscara/ Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata/ Lisboa oscilando como uma grande barca/ Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência/ Digo o nome da cidade/ – Digo para ver// Bom, mas parece-me que como hoje o universalmente mais conhecido poeta de Lisboa é Fernando Pessoa – cuja Lisboa, porém não está tanto em “Lisbon revisited”, e em outros poemas, quanto no Livro do Desassossego, de Bernardo Soares –, o mais emblemático poema de Lisboa e, em simultâneo, de certa viragem na nossa poesia oitocentista, em meu juízo é “ O Sentimento dum Ocidental”, de Cesário Verde. Uma única extraordinária deambulação pela cidade, e um ainda mais extraordinário seu retrato em movimento. Recorde-se só a primeira quadra da primeira das suas quatro partes: Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.// 074


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Como em relação ao Rio, é impossível falar da miríade de poetas que têm escrito sobre, ou a partir de, Lisboa, bem como dos novos poetas, e não só letristas, do novo fado, após o pioneirismo de Amália Rodrigues e o exemplo de Carlos do Carmo. Temos na nossa poesia, ao longo do tempo, a cidade na sua paisagem geográfica e humana, a beleza e singularidade da sua luz, o simbólico lugar da partida para as descobertas ou para a guerra, ou da esperança na libertação da pátria em tempo de ditadura, etc., etc. De Camões até hoje, passando – e cito um pouco ao acaso, entre os principais – Gomes Leal, Almada Negreiros, Vitorino Nemésio, José Régio, Miguel Torga, Natália Correia, etc. etc.

5.

Mas seja­‑me permitido destacar, quanto a Lisboa, dois poetas (que aliás, sobretudo o segundo, também escreveram para Amália): Alexandre O’Neill e David Mourão­ ‑Ferreira. Com O’Neill temos uma Lisboa “remanchada”: “E de novo, Lisboa, te remancho,/ numa deriva que quem tudo olha/ de viés: esvaído o boi no gancho,/ ou o outro vermelho que te molha”, com o poeta a acabar por perguntar: “Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,/ na terra onde nasceste e eu nasci?”. Temos o poeta, no seu jeito e estilo inconfundíveis, com um apurado e gozado sentido crítico a escrever, por exemplo: Daqui, desta Lisboa compassiva,/ Nápoles por Suíços habitada,/onde a tristeza vil, e apagada,/ se disfarça de gente mais ativa;// Daqui, deste pregão de voz antiga,/ deste traquejo feroz de motoreta/ ou do outro de gente mais seleta/ que roda a quatro a nalga e a barriga;// (…) Daqui, só paciência, amigos meus!/ Peguem lá o soneto e vão com Deus.// Já em David há tanto a sua cidade, em vários aspetos, que se compreende que uma estudiosa da sua obra tenha considerado ser a sua poesia “eminentemente urbana, citadina e... lisboeta”. Entre tantos poemas, prefiro lembrar um dos que, não sendo só “letras”, Amália cantou: Se uma gaivota viesse/ trazer­‑me o céu de Lisboa/ no desenho que fizesse,/ nesse céu onde o olhar/ é uma asa que não voa,/ esmorece e cai no mar.// Que perfeito coração/ no meu peito bateria,/ meu amor na tua mão,/ nessa mão onde cabia/ perfeito o meu coração.// 075


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6.

Continuando na poesia – se entrasse na prosa o primeiro romancista de certa Lisboa que deveria destacar era decerto José Rodrigues Miguéis – sobre Lisboa, há ainda assinaláveis versos de poetas vindos, por nascimento ou não, de outras cidades, como Vasco Graça Moura, do Porto (“Todos somos do Porto ou pelo menos fomos do Porto uma vez na vida”, disse uma vez), e Manuel Alegre, de Coimbra. E já que não posso falar da “Toada de Portalegre”, de José Régio, ou da Vila do Conde do “Portugal Sacro­ ‑Profano”, de Ruy Belo, e de tantos, tantos mais (a outro nível seria interessante falar de cidades que têm mesmo o considerado ‘seu’ romancista, como, hoje, João Almino em relação a Brasília); e como não quero falar de mim, que tenho até um livro que se intitula o mar a mar a póvoa, que é a Póvoa de Varzim, inteira – ‘confundindo­‑se’ também com o próprio mar, a infância, o tomar de consciência da realidade em volta –, concluo com uma referência a Coimbra. Que não podia faltar porque é uma cidade muitíssimo presente na literatura, através dos tempos – até por ser uma cidade que muitas vezes representa a juventude e é cantada com saudade, ou nostalgia, ou memória viva, triste ou alegre, nessa perspetiva. Desde Camões até à atualidade, como se vê da antologia de versos e prosa sobre Coimbra organizada por Eugénio de Andrade, que exatamente se intitula Memórias da Alegria. Antero, Eça, Nobre (o da Torre de Anto, pouco acima da Sé Velha), Alberto de Oliveira, Afonso Duarte, Torga, Régio, António de Sousa, Manuel Alegre e muitos mais me acodem ao espírito a propósito da Coimbra que também foi minha e evoquei –sendo curioso que Fernando Assis Pacheco, natural da cidade e nela vivendo até ir para a guerra, é quem o faz de forma mais distanciada e de certa forma crítica. Mas como já não posso dar muitos exemplos, fico­‑me, no circunstancial, apesar de ser da autoria de um poeta culto e ‘universitário’, pelas duas primeiras quadras da “Cantiga de Coimbra”, de Vitorino Nemésio: Rio que corres tão fundo,/ Erva e choupos corcovados,/ Nem toda a água do mundo/ Faz os meus versos lavados!// Coimbra, minha madrinha!/ Mondego, meu coração!/ Ó Alta, a noiva que eu tinha/ Morreu e pura paixão!// E fico­‑me, no substancial, no essencial, porque não há nada como acabar com o maior génio da língua portuguesa, com um belíssimo soneto de Luís de Camões – que me permite chamar a atenção para o facto de muitas vezes as cidades serem identificadas/evocadas, não só nas literaturas de língua portuguesa como em todas 076


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as outras, através dos rios que as atravessam e com elas se confundem – no caso, pois, o Mondego, tão presente também no fado e, depois, nas “baladas” de Coimbra; e chamar ainda a atenção que a Coimbra dos estudantes que por lá passaram tem quase sempre uma carga romântica e saudosa, porque é sinónimo de juventude, e de juventude perdida, bem como, para muitos, em que me incluo, o é ou foi de uma certa utopia, de rebeldia, protesto, luta por um mundo melhor. Lembrando o fado, silêncio, o silêncio mais absoluto porque se vai ouvir Camões… Doces águas e claras do Mondego,/ Doce repouso de minha lembrança,/ Onde a comprida e pérfida esperança/ Longo tempo após si me trouxe cego.// De vós me aparto; mas, porém, não nego/ Que inda a memória longa, que me alcança,/ Me não deixa de vós fazer mudança;/ Mas quanto mais me alongo, mais me achego.// Bem pudera Fortuna este instrumento/ D’alma levar por terra nova e estranha,/ Oferecido ao mar remoto e vento;// Mas alma, que de cá vos acompanha,/ Nas asas do ligeiro pensamento,/ Para vós, águas, voa, e em vós se banha.//

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DESAFIOS DA TRADUÇÃO DA POESIA CLÁSSICA PORTUGUESA PARA CHINÊS: O CASO DE CAMÕES E DE FERNANDO PESSOA ZHANG WEIMIN

C

omeço por agradecer ao Presidente da Câmara Municipal da Praia, Dr. Óscar Santos, e ao Secretário-Geral da UCCLA, Dr. Vítor Ramalho, o convite para participar no VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, aqui na cidade da Praia, em Cabo Verde. É para mim uma honra estar presente neste evento que reúne tantos escritores de países que falam língua portuguesa, especialmente porque não sou escritor, mas tradutor. Sou tradutor da língua portuguesa há cerca de meio século. Um tradutor é, em primeiro lugar, um leitor, um leitor que lê com muito mais atenção do que qualquer outro leitor. Para ele, a leitura de uma obra pode prolongar-se por vários meses, ou até anos, pois não pode omitir qualquer dúvida que surja durante a leitura do texto para, primeiro, compreender o pensamento, os sentimentos e expressões originais e, só depois, procurar o equivalente na língua de destino. Fernando Pessoa disse uma vez que a Humanidade se pode dividir em três classes, não pela posição social nem pela riqueza, mas entre os que criam a arte, os que a compreendem e o resto. Disse ele: “A humanidade, ou qualquer nação, divide-se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não se sabe *Com Acordo Ortográfico

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como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se produzem homens de génio.”1 Assim, nesta ocasião sinto-me privilegiado por estar ao lado de criadores da arte da literatura. Como tradutor, tento compreender e ajudar o mundo de língua chinesa a apreciar a criação da arte literária em língua portuguesa. Queria aproveitar a ocasião para dar um pequeno exemplo de como se pode traduzir um poema de língua portuguesa para outra língua tão diferente como a chinesa. Apresento a seguir, na escrita ideográfica chinesa, um poema tradicional que é o mais conhecido poema de Zhang Ji (século VIII), um poeta que viveu durante a dinastia Tang. 《枫桥夜泊》。Ancorado à noite, junto da Ponte do Bordo 月落乌啼霜满天 江枫渔火对愁眠 姑苏城外寒山寺 夜半钟声到客船 枫桥夜泊 张继 O mesmo poema2: Yue luo wu ti shuang man tian Jiang feng yu huo dui chou mian Gu su cheng wai Han Shan si Ye ban zhong sheng dao ke chuan Feng qiao ye bo Zhang Ji

Textos Filosóficos. Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993): 162. 2 Poema transliterado (romanizado) segundo o método pinyin. 1

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Tradução literal: Lua mingua, o corvo crocita, geadas coberto céu Bordo rio, pescador, lanterna, frente em frente triste adormecem Gusu cidade fora han shan templo Noite meia sino som chega forasteiro barco Tradução final: “Ancorado à noite, junto da Ponte do Bordo” A lua declina, o corvo crocita, o céu está coberto de geada, Junto ao rio, sob um bordo, uma lanterna de pescador Adormecem tristes. No barco do forasteiro ouvem-se os sinos da meia-noite Do templo de Hanshan, fora da cidade de Gusu.

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Se compararmos a tradução portuguesa, este exemplo pode ser considerado um poema de versos com sete sílabas, porque cada caracter chinês é uma sílaba. Agora, vamos ver como é possível traduzir um poema da língua portuguesa para chinês, utilizando a forma tradicional da poesia chinesa: “Cantigas de portugueses São como barcos no mar — Vão de uma alma para outra Com riscos de naufragar.” In Quadras ao gosto popular, Fernando Pessoa A tradução3: 葡萄牙人的民谣 像大海上的小船—— 从心灵传到心灵 冒着沉船的危险 Foneticamente:

Pu tao ya ren de min yao Xiang da hai shang de xiao chuan Cong xin ling chuan dao xin ling Mao zhe chen chuan de wei xian

Se traduzirmos este texto para português, obteremos esta quadra: “Cantigas de portugueses Como barquinhos no mar De alma transmite para a alma Arriscando o perigo de naufragar.”

Escrita ideográfica.

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Outro exemplo: “Trazes os brincos compridos, Aqueles brincos que são Como as saudades que temos A pender do coração.”

In Quadras ao gosto popular, Fernando Pessoa

Tradução: 你戴着长长耳坠 那耳坠是那样长 就像我们的思念 长长地挂在心上 Foneticamente:

Ni dai zhe chang chang er zhui Na er zhui shi na yang chang Jiu xiang wo men de si nian Chang chang di gua zai xin shang

Volto a traduzir este “poema”, agora de chinês para português: “Trazes brincos compridos Tão compridos aqueles brincos são, Como fossem as nossas saudades Longamente penduradas no coração.” Soneto de Luís de Camões: CCLI “Vi queixosos de Amor mil namorados, E nenhum inda vi com seus louvores; E aquele que mais chora o mal de amores Vejo menos fugir de seus cuidados. 082


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Se das dores de Amor sois maltratados, Porque tanto buscais de Amor as dores? E se também as tendes por favores, Porque delas falais como agravados? Não queirais alegria achar alguma No Amor, porque é composto de tristeza, Na fortuna que acheis mais agradável. Nela e nele achei sempre a mesma lua, Em quem nunca se viu outra firmeza, Que não seja a de ser sempre mudável.” Tradução4: 我见一千个恋人抱怨爱情, 却还没见到一个人赞美她, 哭诉爱情的烦恼最多的人, 却最不肯逃避爱神的情网。 如果被爱情的痛苦所折磨, 何苦又去自寻爱情的烦恼? 假使你们也把它当作恩典, 却为何又说蒙受她的屈辱? 请不要在爱情中寻求快乐, 因为它全部是用忧伤配製, 在财富中才能感到更舒适。

Escrita ideográfica.

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我在爱情和财富这两者中, 永远看见同样确定的事情, 阴晴圆缺就像无常的月亮。 (《卡蒙斯全集•韵诗•十四行诗》之二百五十一) Não é fácil explicar este “soneto” em chinês, aparentemente com 14 versos de 11 “sílabas”. O trabalho dum tradutor é como a imagem da quadra de Fernando Pessoa sobre as cantigas dos portugueses, como um barco a transmitir os sentimentos entre dois mundos de língua e cultura muito diferentes, mas as emoções poéticas são transcendentes e comuns a toda a Humanidade. Obrigado!

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3º TEMA

LITERATURA E CIDADANIA

1. HERMÍNIA CURADO FERREIRA O primeiro e efémero Liceu da Praia 2. JUDITE NASCIMENTO E FÁTIMA FERNANDES O desenvolvimento urbano e a literatura 3. LUÍS COSTA Díli: cidade, cultura e literatura 4. TONY TCHEKA A cidade e as vozes assalariadas e rebeldias juvenis 5. CONCHA ROUSIA Mudança de narrativa linguística na Galiza 6. JORGE CARLOS FONSECA Literatura e cidadania


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Conferencistas do 3º tema LITERATURA E CIDADANIA EM CIMA:

Da esquerda para a direita, Hermínia Curado Ferreira, Judite Nascimento e Fátima Fernandes AO CENTRO:

Luís Costa, Tony Tcheka e Concha Rousia EM BAIXO:

Jorge Carlos Fonseca


O PRIMEIRO E EFÉMERO LICEU DA PRAIA 1860 –1862 HERMÍNIA CURADO FERREIRA

Breve contexto histórico

O

papel da Igreja no ensino em Cabo Verde demonstra o espírito missionário e colaborante da classe eclesiástica, procurando ultrapassar todos os constrangimentos que foram surgindo ao longo dos vários séculos relativamente à sua dependência da Coroa portuguesa e do Governo da Metrópole. A centralização de poderes terá contribuído, muitas vezes, para que as decisões se mantivessem em “banho-maria” e chegassem ao nosso Arquipélago, nalguns casos, com algum atraso na sua implementação. O ensino secundário teve o seu início em 1860, de uma forma muito tímida, mas terá no entanto servido para que outras iniciativas aparecessem. Destaca-se, em 1866, a criação do Seminário-Liceu em São Nicolau1, viveiro de muitas figuras que, pelo seu trabalho, se destacaram ao longo de décadas no nosso meio cultural. O Liceu de São Vicente, em 1917, logo após o encerramento do Seminário-Liceu, ocupou um espaço importantíssimo não só na sociedade mindelense, mas também 1

O Seminário-Liceu foi criado pelo Decreto de 3 de setembro de 1866, publicado no Boletim Oficial nº44, de 3 de novembro de 1866. A relação população/escolas fez sempre parte da preocupação dos responsáveis da educação e terá impulsionado o crescimento e o aparecimento de outros estabelecimentos de ensino em vários pontos do país, de forma paulatina, até às décadas de 60/70 do século XX e de forma mais dinâmica, a partir de 1975. *Com Acordo Ortográfico

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em todas as ilhas do nosso Arquipélago. O facto de sermos ilhas contribuiu sempre para que algumas medidas surgissem de forma lenta, contradizendo a vontade dos ilhéus. A vontade férrea e a determinação dos cabo-verdianos contribuíram, em certos momentos da nossa história educativa, para que o “impossível” deixasse de o ser. É de realçar também o altruísmo de alguns cabo-verdianos que permitiram, em alguns momentos críticos, ultrapassar as dificuldades próprias da época, pondo à disposição dos cidadãos o necessário para que os projetos de ensino se concretizassem.

Os primórdios do ensino

O núcleo original da formação educativa em Cabo Verde funda-se nas atividades religiosas e doutrinárias. Temos, como exemplo, a apresentação do Relatório do Bispo D. Frei João Henriques Moniz (5 de fevereiro, 18452, mostrando a necessidade de criação de escolas em todas as ilhas e de um Seminário-Liceu com internato para 24 alunos, sendo 12 destinados à vida eclesiástica). Em 1847, o Bispo apontava, como local da implantação do Seminário Eclesiástico, a ilha Brava, mais concretamente em Santa Bárbara, referindo também os custos deste estabelecimento, que seriam de quatro contos, sendo três para a construção e um para o sustento dos alunos, anualmente. Nesta época, foram lançadas as bases legais para a organização geral do ensino primário nas províncias ultramarinas (Decreto de 14 de agosto 18453). Ao longo de vários séculos, foram sendo criadas condições para que a instrução primária fosse uma realidade na então Província de Cabo Verde e, paulatinamente, se foram dotando as várias ilhas de escolas primárias. No entanto, já se fazia sentir a necessidade de um estabelecimento de ensino secundário. Um dos grandes problemas da época era o espaço para a instalação de qualquer “casa de instrução” e, mais uma vez, assiste-se ao dilema vivido em ocasiões semelhantes4. Na antiga Praça do Pelourinho, que passou a chamar­‑se Praça Alexandre Albuquerque, existia um prédio onde funcionavam a Câmara, o Tribunal e a Cadeia, que terá sido transferida para um edifício na Ponta Belém. Em 1845 inicia­ ‑se a construção de um novo edifício para a Câmara Municipal, mas só se conseguiu

2 3 4

Barcellos, Parte V, 1911, pp.40-41; 45-46. Boletim Oficial do Governo Geral Cabo Verde, nº 112, 1845. Para a instalação do Seminário-Liceu teve de se recorrer a um edifício particular, propriedade do médico Dr. Júlio José Dias, situado na Ribeira Brava, ilha de São Nicolau. 088


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deitar abaixo as instalações anteriores. O Governador Arrobas instituiu o imposto de 3% ad valorem, pela Portaria nº 162-A, de 27 de agosto de 1855, tendo dado um novo alento à Câmara Municipal. Esta medida ter-lhe-á custado a exoneração, por não ter autorização para legislar nesse sentido. Caso insólito é que esse mesmo imposto veio a contribuir para a melhoria da cidade5. Assim, a 15 de março de 1859, conclui-se a construção da torre do edifício, colocam-se os sinos, regula-se o relógio, termina-se toda a ordem de cantaria, alvenaria e carpintaria, para além de outras pequenas obras. Em 23 de julho de 1860, estava a obra concluída e o Eng.º Januário Correia de Almeida pede ao Secretário-Geral do Governo que comunique ao Governador esse facto. As chaves foram entregues ao Presidente Isidoro José de Sousa Carvalho, no dia 24 de julho de 18606.

O efémero liceu nos Paços do Concelho

Concluídas as obras e entregues as chaves, passam a funcionar neste edifício, além da Câmara Municipal, o Tribunal de Justiça e o Liceu Nacional (Relatório das Obras Públicas, referente ao 2º semestre de 1860, 28/11/18617.)

Câmara Municipal da Praia (Museu de Documentos Especiais, Instituto do Arquivo Histórico Nacional) 5 6 7

Este tema é tratado no primeiro texto que integra as Memórias do Liceu da Praia, da autoria de José Évora. Boletim Oficial do Governo-Geral de Cabo Verde, nº 73, 1860. Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Cabo Verde, nº 11, 1861.

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Câmara Municipal da Praia (Museu de Documentos Especiais, Instituto do Arquivo Histórico Nacional)

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Estava-se no ano de 1860 e, em Cabo Verde, tanto o estado sanitário como as colheitas tinham sido muito regulares. Nesse ano não houve reunião da Junta Geral de Distrito, sinal que “tudo ia no bom caminho”, como é hábito dizer. O Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, nº83, de 22 de dezembro de 1860, publica um “mapa de informação” elucidativo do estado da Praia de Santiago.

Por ordem régia de 11 de julho de 1860, o governo da Província foi entregue, interinamente, ao Eng.º Civil e Militar da Província, o Capitão de Estado-Maior do Exército, Januário Correia de Almeida. A 15 de dezembro de 1860, este criou, pela Portaria Provincial nº 313 – A, o Liceu Nacional da Província de Cabo Verde e ficou a aguardar a confirmação do Reino (Boletim Oficial nº 83, pp. 392-393). CIRCULAR Nº 313 – A, 15/12/1860 O Governador Geral da Província de Cabo Verde, considerando devidamente a particular atenção que é mister prestar à Instrução Pública nesta Província, por ser este um dos mais salutares princípios em que se baseiam, o progresso e a felicidade dos povos, considerando mais, que, o estado em que actualmente se acha na mesma Província, esta importante parte da Administração Geral, demanda uma prompta reforma, que remediando desde já os maiores males, promova sucessivamente o seu aperfeiçoamento, e tendo ao mesmo tempo em vista que tal reforma deve aproximar-se quanto possível, ao que sobre este assunto se acha disposto no Decreto de 14 de Agosto de 1845, e posteriores determinações do Ministério da Marinha e Ultramar, sem que todavia se exceda a verba votada para instrução pública no orçamento em vigor na Província; ouvido o Conselho do Governo, determina o seguinte: 1.º Ficam estabelecidas na Cidade da Praia, e reunidas em um mesmo edifício para esse fim adequado, as seguintes Cadeiras já existentes: Ensino Primário – Latim – Philosophia Racional e Moral – Theologia – às quais se adicionarão as de Francez – Inglez – Desenho – Mathemática Elementar – Rudimento de Náutica.

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2.º Estas Cadeiras formarão um Lyceo, que se denominará Lyceo Nacional da Província de Cabo Verde, e será dirigido pelo Professor mais antigo. 3.º Serão transferidas desde já para esta Cidade, as Cadeiras que se leccionarão na Cidade da Ribeira Grande. 4.º Não podendo reunir-se o antigo Conselho Inspector de Instrução Pública, por ter falecido a maior parte dos seus membros, e achar-se outra parte ausente da Província, fica instaurado o referido Conselho, sendo composto do Governador Geral, como Presidente e dois professores do Lyceo, como Vogaes, além de outros que devidamente tenham sido, ou venham a ser nomeados; tudo em conformidade com o artigo 15º do Decreto de 14 de Agosto de 1845. 5.º Em quanto se não acha preparado o edifício exclusivamente destinado para o Lyceo, ficará este provisoriamente estabelecido nos Paços do Concelho, aonde se reunirá também o Conselho Inspector. 6.º Em harmonia com o nº2 do artigo 15º do supracitado Decreto, será nomeado Secretário do Conselho um dos seus membros, com a gratificação que lhe é votada no 1º do artigo 3º do orçamento da Província. 7.º Reunir-se-á desde já o Conselho Inspector com os professores presentemente existentes, a fim de confecionar os estatutos pelos quaes deverá reger-se o Lyceo, tendo em atenção o referido Conselho e seguindo quanto for possível, a legislação geral sobre a Instrução Pública, e especialmente o Decreto de 20 de Setembro de 1844, na parte relativa à Instrução Primária. 8.º Depois de preparado este trabalho, que tendo sido aprovado pelo Governador Geral, em Conselho do Governo terá que subir à aprovação de Sua Majestade, ocupar-se-á em seguida o Conselho Inspector de estudo e adopção das medidas tendentes a regularizar e a aperfeiçoar a Instrução Primária em todos os pontos da Província aonde as cadeiras de tais disciplinas estão estabelecidas ou onde convenha estabelecê-las. 9.º Em harmonia com o que se acha disposto nos artigos 12º e 13º do já citado Decreto de 14 de Agosto de 1845, serão nomeados Professores temporários para as 092


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Cadeiras de Francez - Inglez – Desenho – Mathematica Elementar e Rudimentos de Náutica – e sob proposta do Conselho Inspector ser-lhe-ão abonadas provisoriamente as competentes gratificações extraídas da verba destinada à escola principal na secção 2º artigo 3º orçamento em vigor na Província. 10.º Em toda a reforma provisoriamente determinada e dependente da aprovação de sua Majestade, compreendendo a despesa necessária com o pessoal e material das escolas de toda a Província, não será excedida a verba destinada para Instrução Publica no artigo 3º da Tabela anexa ao Decreto de 1 de Setembro de 1854. 11.º No dia 7 de Janeiro de 1861, terá lugar abertura do Liceu com as Cadeiras que então estiveram providas, e para a sua imediata frequência seguir-se-ha temporariamente um regulamento provisório. Quartel-general do Gôverno da Província, na Cidade da Praia de S.Tiago, 15 de Dezembro de 1860, Januário Correia de Almeida, Governador Geral interino. No dia 7 de janeiro de 1861, teve lugar nos Paços do Concelho a “abertura em nome d’El-Rei e Senhor D. Pedro V, do Liceu Nacional desta Cidade e Província”: “Foi este acto acompanhado de todas as solenidades do estilo, e a ele assistiram todas as corporações e militares, povo e o batalhão da 1ª linha; as descargas de fuzilaria e salvas de artilharia faziam ecoar o regozijo que todos experimentaram ao ver despontar a instrução no horizonte deste país.” (Cabo Verde, Boletim de Propaganda e Informação, julho 1958, p.14).

Os professores das quatro primeiras cadeiras foram nomeados antes da criação do liceu, recebendo os ordenados através do Governo da Metrópole. Relativamente aos professores das outras disciplinas, ficou acordado que receberiam uma gratificação de 120.000 reais anuais e ordenado, mais tarde. Os estudantes do Liceu Nacional, em número de dez, colocaram o problema da sua deslocação da Ribeira Grande para a Cidade da Praia, argumentando que antes praticamente não tinham despesas e que a transferência dos estudantes para a nova capital exigia outras condições. Requereram então que lhes fosse abonado um subsídio para sustentação, de 100 reis diários. Este pedido é atendido, tendo em conta a conveniência de se promover a habitação de indivíduos que diariamente pudessem exercer o sacerdócio e o próprio desenvolvimento de instrução na 093


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Província. Assim, por Portaria Provincial nº 156 – A, de 13 de maio de 1861, foi autorizado o abono de 100 reis aos 10 estudantes do Liceu Nacional da Província de Cabo Verde (Boletim Oficial nº, 21, 18618). Illmo. Senhor Este cobre dois Requerimentos um do Professor de Francez e Inglez e outro do dos Rudimentos de Nautica do Licêo Nacional desta Província, os quaes pedem a gratificação de 120$000 reis anuais, que lhes foi arbitrada por Portaria do Governo Geral n.º 327 de 22 de Dezembro do anno transacto, que manda tirar a dita gratificação da Secção 2.ª do art.3º do orçamento. Acho justa a pretenção dos suplicantes, por que entendo que deve ser remunerado o seo trabalho, que fiados na promessa do Governo até hoje têem feito. O que peço a V.Sr:ª se digne levar ao conhecimento do Ex.mo Conselheiro Governador Geral. Deus guarde a V.Sr.ª. Licêo Nacional desta Província de Cabo Verde a Cidade da Praia, 24 de Julho de 1861. Ex.mo Sr. Secretário Geral do Governo da Província C/C Damião Caetano de Souza Director do Lycêo Carta do Diretor do Liceu, Damião Caetano de Souza, de 24/07/1861.9 Entretanto, a confirmação do governo colonial, relativamente à gratificação e ao ordenado dos professores, nunca mais chegava à Província e estes, cansados de esperar (ver documento supra) e vendo o trabalho mal reconhecido, pediram a sua exoneração. Alguns professores do Liceu Nacional da Praia foram transferidos “para desempenhar as funções do seu cargo no Seminário Liceu creado por decreto de 3 8

Apud Novo Jornal de Cabo Verde, de 17 de agosto de 1996, “Os pelourinhos da Praia”, de Henrique Lubrano de Santa Rita Vieira. 9 S.G.G. – AHN, Carta do Diretor do Liceu, Damião Caetano de Souza, de 24/07/1861. Cxª. 666. 094


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de Setembro do anno próximo findo (1866) e estabelecido na ilha de São Nicolau” (Portaria 8, de 26/1/1967). O Liceu Nacional da Província de Cabo Verde foi extinto por portaria datada de 7 de janeiro de 1867. Por ocasião das comemorações do primeiro centenário da elevação da Villa de Santa Maria à categoria de cidade, José Soares de Brito Júnior, Presidente da Câmara Municipal, apresentou um breve historial do primeiro Liceu, “que sucumbiu ao silêncio e falta de sanção do governo colonial”: “Os desejos do Governador que fundou este estabelecimento eram bons, salutares e regeneradores, porem, esses desejos e a esperança firme que os habitantes desta Província por eles conceberam, sucumbiram ao silêncio e falta de sanção do Governo da Metrópole! E assim é que tudo marcha nas nossas possessões ultramarinas, o que profundamente lamentamos.” (Cabo Verde, Boletim, julho 1958, pp 14-15)

Embora o Liceu Nacional da Praia, instalado nos Paços do Concelho, tivesse tido uma duração efémera, pois funcionou só dois anos, terá sido com certeza o húmus que veio fertilizar o chão da nossa terra, dando lugar a outras iniciativas.

Passaram 115 anos. Os Paços do Concelho acolhem a Assembleia Nacional do país independente Cento e quinze anos após a instalação do primeiro liceu na Câmara Municipal, a 1.ª e 2.ª Sessões Legislativas, nos dias 4 e 5 de julho de 1975, tiveram lugar nos Paços do Concelho, onde funcionou o primeiro e efémero Liceu da Praia. Recordamos este importante momento de celebração de um país livre e soberano. O edifício da Câmara voltou a expressar o simbolismo que carrega desde o tempo em que nele se instalou o primeiro liceu de Cabo Verde. Às 16:30 horas, reuniram-se no salão da Câmara Municipal da Praia, os Deputados eleitos por todos os círculos eleitorais de Cabo Verde, a fim de constituírem a Assembleia Nacional de Cabo Verde, sob proposta do Secretáriogeral do Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde – PAIGC, Senhor Aristides Pereira. Assim, foi constituída uma Mesa Provisória 095


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que orientaria os trabalhos da Assembleia até à eleição da Mesa definitiva. Foram designados os Deputados, o Senhor Oswaldo Lopes da Silva, Carlos Lineu Soares Miranda e Manuel da Costa Barros. Após a leitura da Acta de Apuramento Geral da Eleição para a Assembleias Nacional de Cabo Verde e verificada a identidade dos Deputados, o Presidente declarou constituída a 1.ª Assembleia Popular de Cabo Verde. Passou-se à eleição da Mesa efectiva da Assembleia, sob a proposta do Senhor José Luís Fernandes. Para Presidente, Abílio Augusto Monteiro Duarte, 1º Vicepresidente, o Olívio Melício Pires, 2º Vice-presidente, Alexandre Ramos de Pina, 1º Secretário, o Senhor Luís de Matos Monteiro da Fonseca e 2º Secretário, o Senhor Rolando Lima Barber. Após a instalação da Mesa, o Presidente declarou aberta a 1ª Sessão da Assembleia Nacional Popular, tendo os Deputados prestado juramento colectivo. Às 17:40 a Sessão foi suspensa para que o Presidente acompanhasse à saída, o Senhor Alto Comissário da Republica Portuguesa em Cabo Verde. Retomados os trabalhos, foram convidados para tomarem assento na Mesa, os Senhores Francisco Mendes e João Bernardo Vieira, respectivamente Comissário Principal e Presidente da Assembleia Nacional Popular da Republica da Guiné Bissau. Em seguida foi aprovada a seguinte Ordem do dia: - Aprovação do Texto da Proclamação da República de Cabo Verde; - Aprovação da Lei da Organização Política do Estado; - Eleição do Chefe de Estado ou Presidente do Conselho de Estado; - Eleição do Primeiro-Ministro; - Adopção da Lei que atribui ao Camarada Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade. O Texto da Proclamação da Republica de Cabo Verde, foi aprovado por aclamação, a Lei da Organização Política do Estado foi aprovada por unanimidade. Para Chefe de Estado foi eleito por aclamação, o Senhor Aristides Maria Pereira, Secretáriogeral do PAIGC. Também por aclamação foi eleito para Primeiro-Ministro, o Senhor Pedro Verona Rodrigues Pires, Presidente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC. A Lei que atribui ao Camarada Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade, foi igualmente adoptada por aclamação. 096


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A II.ª Sessão Legislativa teve lugar no mesmo espaço, no dia 5 de Julho, tendo o Presidente declarado aberta a Sessão às doze horas e trinta minutos, com a presença de todos os Deputados. O Presidente fez referência ao momento histórico que tinham acabado de viver, com a proclamação da Independência de Cabo Verde e em seguida confirmaram as decisões adoptadas no dia anterior. Propôs para a Ordem do dia desta Sessão, a prestação do juramento do Presidente da República, o Senhor Aristides Maria Pereira e do Primeiro-Ministro, Pedro Verona Pires, de acordo com os artigos, décimo segundo e décimo sexto da Lei sobre a Organização Política do Estado. Seguiu-se o juramento e os cumprimentos da praxe. O Presidente da Assembleia (da varanda da Câmara Municipal) dirige algumas palavras ao povo, informando-o dos trabalhos da Assembleia Nacional Popular e das eleições realizadas. Em seguida, o Presidente da Republica dirigiu uma histórica comunicação ao Povo de Cabo Verde e a Sessão foi encerrada pelo Presidente da Assembleia, às catorze horas e quinze minutos.10

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Assembleia Nacional Popular, Diário das sessões, 1.ª Legislatura, Sessão nº 4, de 4 de julho de 1975 e 2.ª Sessão n.º 5, de 5 de julho de 1975. 097


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS – Assembleia Nacional Popular, Diário das Sessões, I.ª Legislatura, 1.ª Sessão Legislativa, Sessão de 4 de julho de 1975. – Assembleia Nacional Popular, Diário das Sessões, I.ª Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, Sessão de 5 de julho de 1975. – Barcellos, Christianno José de Senna, (1911). Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné: Memórias apresentadas à Academia Real das Sciências de Lisboa, Parte V (1843 – 1853), Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciências de Lisboa. – Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, nº 112/1845, Praia: Imprensa Nacional.

– Carvalho, Alberto (1986). “Do Classicismo Romantismo ao Realismo da Claridade ou a Escola da Didáctica da Autenticidade Possível”. Lisboa. – Carvalho, Maria Adriana Sousa (2011). O Liceu em Cabo-Verde. Um Imperativo de Cidadania (1917-1975). Praia: Edições Uni-Cv. – Ferreira, Hermínia Curado (1990). “Surgimento e Evolução da Instituição Liceal de Cabo-Verde – Sua integração nas reformas da instrução pública (seus antecedentes na Escola Primária Superior, Escola Principal, Liceu de Cabo-Verde de 1860). Praia.

– Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, nº 73, de 16 de agosto de 1860. Praia: Imprensa Nacional.

– Silva, Adriano Duarte. “A Instrução Pública em Cabo-Verde”. Boletim da Agência Geral das Colónias, Separata, no 45, Lisboa, março 1929, pp. 172-179.

– Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, nº 83, de 22 de dezembro de 1860. Praia: Imprensa Nacional.

– Vieira, Henrique Lubrano de Santa Rita. “Os pelourinhos da Praia”. Novo Jornal de CaboVerde, 17 de agosto de 1996.

– Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, nº 11/1861, de 16 de agosto de 1860. Praia: Imprensa Nacional. – Boletim de Informação e Propaganda, Cabo Verde, nº 33, Ano III, 1/7/1952, pp.29-32. – Boletim de Informação e Propaganda, Cabo Verde, nº 41, Ano IV, 1/2/1958, pp.28.

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O DESENVOLVIMENTO URBANO E A LITERATURA JUDITE NASCIMENTO & FÁTIMA FERNANDES

INTRODUÇÃO

A cidade não é um lugar. É a moldura de uma vida. A moldura à procura de retrato, é isso que eu vejo quando revisito o meu lugar de nascimento. Não são ruas, não são casas. O que revejo é um tempo, o que escuto é a fala desse tempo. Um dialecto chamado memória, numa nação chamada infância. Pensatempos, Mia Couto

A

literatura sempre teve uma ligação umbilical com os espaços urbanos. É nesses complexos espaços urbanizados, cosmopolitas e concentrados, que se desenvolvem ambientes propícios à criação literária. Não seríamos tão radicais a ponto de excluirmos a hipótese de criação literária em outros espaços que não as cidades. No entanto, a probabilidade e a intensidade do fenómeno são nitidamente maiores em espaços urbanos/citadinos, onde se concentram as atividades afins, mas também onde o ambiente é propício ao processo criativo nessa área específica (nomeadamente a concentração de elementos estéticos, de morfologias inspiradoras e de instituições produtoras e difusoras de conhecimento). *Com Acordo Ortográfico

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Será possível conhecer uma cidade através de um romance?

Esta é uma pergunta para a qual a resposta é afirmativa. Bastas vezes os autores conduzem os leitores para mundos e submundos geográficos, espaços urbanos que alimentam trajetórias de vida complexas e interessantes. Em todo o mundo, em todos os países, espaços urbanos atraíram e atraem escritores que fazem dos percursos de ruas, dos amontoados de casas ou da reorganização artística, espontânea e simbólica, um modo de escrita. Do polémico romance Ulisses, de James Joyce, escrito entre 1914 e 1921, à Tabacaria, de Fernando Pessoa ou As Virgens Loucas, de António Aurélio Gonçalves, confirma-se que a Cidade serve de guia ao labirinto de ruas, construções e locais de diferentes épocas. No seu artigo “Figurações da cidade: um olhar para a literatura como fonte da história urbana” (Castro, 2016), a propósito dessa relação entre a literatura e a cidade, a Arquiteta Ana Cláudia Veiga de Castro afirmou, parafraseando Malcolm Bradbury (Bradbury, 1989), que “sempre existiu uma íntima ligação entre a literatura e as cidades”, pois é nas cidades que se encontram “as instituições literárias básicas: editoras, patronos, bibliotecas, museus, livrarias, teatros, revistas”. É também no espaço urbano que “as pressões, as novidades, os debates, o lazer, o dinheiro, a alta rotatividade das pessoas, os fluxos dos visitantes, o som de muitas línguas, a rápida troca de ideias e estilos, a oportunidade de especialização artística” se realizam. Assim, num encontro de escritores, as autoras quiseram introduzir um elemento surpresa, mostrando a pluridisciplinaridade e diversidade de perspetivas de abordagem dessa relação fantástica entre o desenvolvimento urbano e a literatura através da simulação de um diálogo entre a Geografia e a Literatura.

Porque é possível conhecer a Literatura das Cidades ou a Geografia literária citadina?

Ao longo da História, mais remota ou mais recente, encontramos uma verdadeira História da Literatura das Cidades ou então uma Geografia Literária centrada sobre as Cidades, seus movimentos urbanos e urbanísticos. Quer os escritores escrevam romances tendo uma ou outra cidade como cenário, quer se tenham preocupado em descrevê-las exatamente como são na realidade, no percurso e/ou olhares das suas personagens, não podemos ignorar alguns dos que o fizeram propositadamente, tais como: Heródoto, autor do primeiro “guia”, há 2500 anos, seguido de Estrabão, que registou a mais antiga geografia da costa portuguesa 400 anos depois; os clássicos 0100


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que nos deixaram as memórias de Grécia e Roma; E. M. Forster, um guia eterno para a cidade de Alexandria1; a Lisboa de Cesário Verde2, ou a de Os Maias, com que Eça de Queiroz nos deixou um retrato do realismo lisboeta; a Estocolmo na saga policial Millenium, de Stieg Larsson, Londres de Camilla Läckberg, Agatha Christie e Conan Doyle, tal como a Paris de Georges Simenon, Hemingway e a cidade de Havana, Augusto Abelaira, em A Cidade das Flores, para nos guiar por Florença, Saramago em O Ano da Morte de Ricardo Reis e História do Cerco de Lisboa, Lídia Jorge e Richard Zimler, Orlanda Amarílis, A. A. Gonçalves, Baltasar Lopes, Pepetela, Arménio Vieira, só para citar alguns dentro e fora do universo de língua portuguesa. E assim seguimos…

1. O desenvolvimento urbano e a literatura: conceptualização e derivações

Os espaços urbanos, cuja representação espacial mais conhecida é a cidade, passam por um processo de crescimento que é essencialmente quantitativo, demográfico e espacial, e refere-se a uma concentração demográfica crescente, com implicações no crescimento físico horizontal e/ou vertical do aglomerado. Uma fase mais avançada desse processo evolutivo é mais qualitativa e está associada à urbanidade e ao equilíbrio ecológico, intimamente conotados ao que os geógrafos designam por desenvolvimento urbano. A urbanidade deve ser entendida aqui como um padrão de comportamentos, suportados por um conjunto de valores essencialmente apropriados pelos residentes das cidades, adaptados aos seus contextos económico, espacial e psicológico, que se refletem no espaço, na paisagem urbana. O equilíbrio ecológico é entendido como um estado superior do crescimento urbano em que se atinge um equilíbrio entre o crescimento físico (aumento da população, construção de habitações, infraestruturas e equipamentos coletivos, redes e serviços de saneamento urbano, rede viária), o uso racional do ambiente natural, o desenvolvimento dos serviços de saúde e a urbanidade dos residentes da cidade. Ora, tanto a fase de crescimento urbano, como a mais avançada, de desenvolvimento urbano, podem inspirar escritores e poetas, dependendo da forma como os elementos da paisagem (natural e/ou humanizada) influenciarem o seu imaginário.

Alexandria, A History and Guide, E.M. Forster. In O Livro de Cesário Verde, org. Silva Pinto.

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Como será que se dá esta inter-relação entre a Cidade e a Literatura?

Quando os escritores escrevem sobre a cidade, descrevem-na sob vários ângulos. Vejamos: Um dos primeiros elementos em destaque é, sem dúvida, o Espaço, através dos localizadores espaciais (o aqui, o ali, a rua estreita, a praça, o mercado, as casas, os edifícios) que registam elementos que configuram teoricamente o espaço físico, o espaço social, o espaço psicológico em que se movem os personagens. Depois, a Arte de observar se faz descrever nos movimentos, nas perspetivas, nas cores, nas dimensões. E é essa Arte configurada estilo que permite distinguir uma visão romântica de uma visão realista, uma visão clássica de uma visão moderna, consoante as épocas e os estilos. E daí reconhecer um Cesário Verde, um Álvaro de Campos, um Arménio Vieira pelo modo como descrevem e se referem apaixonada ou criticamente à sua cidade. Torna-se assim impossível distanciar espaço da sociedade, o sujeito do objeto urbano de inspiração. Dentro da perspetiva de que o sujeito seja o homem produtor do espaço e o objeto, o espaço produzido, este passa a ser considerado como “paciente da história” e, ao mesmo tempo, a ter, na materialidade, uma função de condicionar o agente da história – o homem em sua ação transformadora. Necessário é avaliar tudo isto segundo, também, os imperativos da dimensão simbólica e da representação em que se inclui o imaginário social.

2. Expressão espacial do desenvolvimento urbano e o surgimento dos elementos estéticos que alimentam o imaginário do escritor

Um rápido passeio pela cidade da Praia, tentando interpretar os elementos da paisagem e a sua possível influência sobre a literatura, confirmou que a surpresa de encontrar elementos inesperados em determinados espaços da cidade pode instigar o nosso imaginário e levar à inspiração poética e literária, elevando-nos a uma dimensão abstrata onde se desenvolvem imagens de estórias que a nossa mente criará a partir das histórias que poderão ser-nos relatadas pelos transeuntes e residentes. Um olhar sobre o bairro informal de São Paulo, a partir do planalto de Ponta d’Água, pode transportar-nos, através do nosso imaginário, ao Coliseu de Roma (Figura 1) pelas similitudes da paisagem em que a Ribeira se abre num dos seus meandros, formando uma espécie de anfiteatro, e se fecha parcialmente por uma relíquia geológica em forma de parede de basalto que quase corta a ribeira. 0102


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Figura 1 – Vista sobre o bairro de São Paulo (Cidade da Praia) Fonte: Acervo fotográfico de Judite Nascimento

É surpreendente a simbiose imperfeita, mas extraordinária, entre a paisagem natural e a humanizada (a forma ordenada e linear como se ocupou o espaço com habitações e equipamentos urbanos, na maior parte das vezes respeitando as curvas de nível e aproveitando o seu desenho para a construção das vias de acesso). As casas podem facilmente ser imaginadas como bancadas de um anfiteatro romano. A intervenção da autarquia local, com a introdução de elementos estéticos, através da construção de infraestruturas e equipamentos urbanos, embeleza e instiga ainda mais a imaginação do observador e leva à criação de um produto abstrato novo que se pode traduzir num texto poético.

Figura 2 – A transformação da paisagem, com elementos estéticos derivados da intervenção humana no bairro de São Paulo (Cidade da Praia) Fonte: Acervo fotográfico de Judite Nascimento

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Considerando que o ser consciente exprime a sua cultura e a sua época, deve ser introduzido na discussão da produção do espaço, segundo Moraes (1988), o fato de que: “Sem dúvida, as formas criadas permitem uma leitura enquanto símbolo de uma cultura e uma época. Elas exprimem concepções e mentalidades, são construções impostas à natureza...” (p. 23) Concluindo as considerações sobre o espaço como resultado de uma prática de produção e levando-se em conta o sujeito deste processo, o espaço criado é registo de época e de cultura, logo, de diferentes representações em que a dimensão simbólica está presente. Quanto à apreensão do espaço geográfico em que se insere o pensar geográfico, é preciso entender que, para “dar conta” geograficamente do real, o processo ocorre para além da aparência e do visível, chegando à essência e ao que determina o que é visto. Importante se faz revelar as determinações “invisíveis” sem fugir da premissa de que o homem é agente da produção do espaço.

3. A FORMA? (o primeiro contacto, a primeira inspiração, uma coincidência infeliz e a força do imaginário)

As formas que se descortinam nas paisagens também podem desafiar o nosso imaginário, ainda mais aguçado pelas histórias e o conhecimento empírico sobre o espaço eleito. A cidade da Praia, numa primeira fase, cresceu sobretudo sobre os planaltos, ocupando o seu espaço de forma preponderantemente regular (exemplo do Platô, do Bairro Craveiro Lopes, da Fazenda), ou irregular, na maior parte dos casos e ao longo das vias de ligação entre os núcleos originais. Numa versão mais antiga, a malha urbana assemelhar-se-ia a uma mancha de óleo ou à imagem de um arbusto de grossos ramos e tronco, mas sem folhas. À influência das formas descortinadas na paisagem urbana pelo imaginário do observador juntam-se as estórias que se poderão recriar, a partir de histórias, acontecimentos e conhecimentos empíricos sobre o espaço em questão. Uma das autoras deu como exemplo a associação que faz entre a forma em coração da mancha urbana da cidade da Praia e o acontecimento trágico do falecimento do 0104


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Figura 3 – As formas da paisagem urbana como elementos inspiradores da produção literária

artista Katchaz3, de quem é admiradora, cujo cortejo fúnebre coincidiu com a sua primeira aterragem na cidade da Praia. Efetivamente, não podemos deixar de enfatizar que na apreensão do espaço material aparecem valores subjetivos, representativos e simbólicos num jogo onde sujeito – agora, o observador – e objeto se inter-relacionam reciprocamente, de forma a entrar no processo o imaginário social. A preocupação dos cientistas sociais – agora encarados como sujeitos da apreensão do espaço geográfico – não pode restringir-se ao objeto; deve voltar-se também para o sujeito-produtor do espaço a ser apreendido, atentando para o fato de que ambos só têm sentido dentro de uma referência recíproca. Na apreensão do espaço geográfico existe uma dimensão concreta – produção do espaço material – e uma dimensão simbólica – as representações – que interagem. Evidentemente, não há sociedade sem espaço, assim como não há espaço produzido Carlos Alberto da Silva Martins (1952-1988), conhecido como Katchaz, ou Katchás, um dos músicos que promoveram uma revolução no campo musical cabo-verdiano, particularmente no caso do funaná.

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sem sociedade. As formas de organização das sociedades diferenciam-se e, para a apreensão do espaço geográfico, não basta apenas compreendê-lo sob determinado modo de produção dentro de um contexto histórico definido. Hoje, entende-se a necessidade de reconhecer que o espaço apreendido pressupõe um sujeito, no qual os componentes da representação e do simbólico estão presentes.

4. A morfologia do terreno como fonte inspiradora do texto literário

A cidade da Praia cresceu entre vários planaltos e os seus vales intercalares (Figura 4). Observando a morfologia do terreno onde se desenvolveu, o nosso imaginário pode recriar a estória do seu crescimento, imaginando a cidade como um organismo vivo, cuja evolução se iniciou em núcleos isolados de células (núcleos originais dos bairros), que se foram transformando e crescendo, mas também se foram ligando por vasos sanguíneos (as vias de ligação entre os bairros) sobre os quais foi exercida uma pressão externa anormal (êxodo rural intenso e descontrolado) que levou a um derrame (preenchimento dos interstícios entre os planaltos, com a ocupação intensa dos vales e encostas pelos bairros espontâneos). Facilmente nos deixamos levar pelas aventuras imaginárias que a observação de uma paisagem morfológica tão rica como a da cidade da Praia pode provocar. Sem dúvida, a cidade da Praia é uma das cidades que merece um documentário em apologia do Literário e do Urbano. Destaca-se por inspirar grandes autores, como Ludgero Correia, Osvaldo Osório, Arménio Vieira, José Luís Tavares e Jorge Carlos Fonseca, muitos poemas e romances com os seus bairros e cenários de movimento, transformação e cultura. Praia Maria é personagem mulher, lugar de

Figura 4 – Vista do Platô, a partir da Achada Grande de Frente, em dois momentos diferentes da sua história Fonte: Cortesia de Francisco Livramento

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partida e chegada de população proveniente do interior e de todas as ilhas, o crioulo que deambula pelas suas ruas chega de diferentes falares e alimenta a aglomeração de famílias e origens de Santo Antão a Brava; leva-nos pelas suas Achadas à Terra Branca de gente colorida, ao Fonton da solidariedade comunitária, à Vila Nova de portas abertas para quem dorme do alto da Achadinha Pires, referências inspiradoras para os locais onde mora o imaginário do escritor.

5. Desenvolvimento dos espaços sociais e psicológicos na cidade, que se cruzam com a urbanidade e territorialidade

A cidade é muito mais do que pessoas, infraestruturas e equipamentos. Ela incorpora igualmente os espaços abstratos sociais, políticos, psicológicos e económicos, as múltiplas relações/ligações que se desenvolvem entre os mesmos, mas também os seus intensos reflexos na paisagem urbana. Considerando os impactos positivos provocados na paisagem e no ambiente urbano pela difusão e apropriação dos valores associados aos conceitos de urbanidade e de territorialidade, podemos presumir a sua potencialidade para serem muito importantes enquanto fatores inspiradores indiretos do imaginário humano. A territorialidade será aqui interpretada como a relação, individual ou coletiva, com um espaço que é tomado como apropriado. Essa relação intensifica-se com o tempo de residência, a par do desenvolvimento dos sentimentos de pertença e de apropriação e não está diretamente relacionada com a naturalidade. Ela pode ser desenvolvida pelos imigrantes em relação a um novo espaço em que se fixam de forma permanente. A esse propósito, Brunet e outros afirmaram que estes princípios permitiram aos imigrantes pioneiros reconstituir os seus horizontes em novos espaços, apropriando-se de novos territórios. Eles permitem também, a cada imigrante, ao se mudar para outros espaços, mesmo dentro de uma mesma nação de uma cidade para outra, reconstituir o seu território (Brunet, 2005). Na cidade da Praia, as evidências sobre os reflexos na paisagem desta apropriação do espaço e da urbanidade dos citadinos são cada vez mais frequentes e resultam exatamente da simbiose e interinfluência entre os elementos da paisagem natural e a ação dos diferentes agentes de transformação urbana, nomeadamente, os residentes e as suas dinâmicas, os transeuntes, a autarquia local com a implementação das suas políticas, entre outros. Estes reflexos traduzem-se na toponímia, na transcrição de elementos da cultura e das artes nas paredes dos edifícios, a eternização da memória de figuras emblemáticas através dos murais e da toponímia, etc. 0107


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Figura 5 – Reflexos da territorialidade e urbanidade na paisagem urbana na Cidade da Praia

O melhor exemplo de pensar numa cidade e autor em simultâneo é o caso de Rua d’Arte, nosso cenário geográfico preferido. Das cores, da identidade, do cosmopolitismo linguístico, das memórias da música e da literatura, tudo numa harmonia que espanta e encanta. A Cidade da Praia merece ter esse efeito em milhões de leitores de todo o mundo, poderá aproximar e diminuir distância entre os munícipes como nós e autores que até recentemente tinham escrito sobre aquela cidade ou aqueles que, não tendo (ainda) enveredado por essa aventura, não devem perder nas fotos e desenvolvimentos singulares o melhor exemplo de livro sobre esta nossa cidade, como o regista o poeta sobre a sua cidade: […] Que seria do mundo sem ti, tu o Artista, o Tesouro por enquanto desconhecido, quase clandestino, a face perlada, o sorriso, eterna cenoura de feitiços cor­‑de­ ‑prata?! Não há clonagem capaz de fazer outra igual a ti! Fará Lisboa, S. Filipe, Ziguinchor, Pará ou Niamey, mas cidade como tu, nunca! Terás uma mindelo, três assomadas, meia dúzia de sidneys, uma vintena de mosteiros só para ti, todos os bares de Pat Pong, e, se o desejares, 0108


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farei de ti uma metrópole sem igual, longa, perversa, cheia de luz, a pedir sempre mais luz, como queria Goethe. Transportarei para ti, arrastado por uma esquadrilha de galeras de todas as cores, erecto, cilíndrico e musculado fiorde, que atravessará, festivo e arrogante, as artérias da ressuscitada Praia Negra, e, então, cidade minha, só minha, erguerei sobre o teu aveludado dorso uma gigantesca bandeira com os dizeres seguintes: Abram bem os ouvidos, poetas desta cidade! Nunca digam que paraíso nenhum existe ou que todos os paraísos são artificiais! Jorge Carlos Fonseca, “À Cidade da Praia”

BIBLIOGRAFIA Bradbury, M. (1989). As cidades do modernismo. (J. MCFARLANE, Ed.) Modernismo: guia geral (1890-1930), pp. 73-82.

Gomes, Renato Cordeiro (2008). Todas as Cidades, a Cidade. Literatura e Experiência Urbana. Rio de Janeiro: Rocco.

Brunet, R. (2005). Les mots de la Géographie Dictionaire critique (3ª ed.). Montpellier-Paris: RECLUS - La documentation Française.

Macedo, Tânia. (2008). Luanda Cidade e Literatura. São Paulo: UNESP.

Castro, A. C. (Sept./Dec. de 2016). Figurações da cidade: um olhar para a literatura como fonte da história urbana. Anais do museu paulista: História e cultura material, vol.24 no.3 .

Moraes, Antonio C.R. de (1988). Ideologias Geográficas, Ed. Hucitec, São Paulo, 1988, p.23. Velhote, Jorge; Rebocho, Nuno (2004). Na liberdade – Antologia poética 30 anos – 25 de Abril. Peso da Régua: Garça Editores, pp. 123.125. 0109


DÍLI: CIDADE, CULTURA E LITERATURA* LUÍS COSTA

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íli, situado à latitude 8º 35’ Sul e à longitude 125º 35’ Leste, foi a baía que recolheu a presença portuguesa, fugida de Lifau, em agosto de 1769, e perseguida pelos liurais1 Costa e Hornai, de Oecusse-Ambeno, com apoio dos holandeses. António José Teles de Meneses, nomeado Governador de Timor e Solor entre 1768 e 1776, em agosto de 1769, por “dificuldades de conservar Lifau como capital de Timor”, incendeia Lifau e dirige-se em direção a leste onde fundeia na baía de Díli a 10 de outubro do mesmo ano. A nova sede da presença portuguesa, fundada na baía de Díli, começa a ser construída a 10 de outubro do mesmo ano. Nos primeiros anos, a cidade não passa de um pequeno aglomerado de casas de madeira, sumariamente protegidas por trincheiras e quatro baluartes para acolher os portugueses e pessoal do quadro administrativo que tinham fugido de Lifau. O resto do que é Díli hoje era coberto de capins e pântanos. Mais junto do sopé das montanhas viviam poucas famílias falantes da língua mambae2.

Desde tempos imemoriais, continuando depois da chegada e da colonização portuguesa, Timor era composto por vários reinos, divididos por sucos e povoações. Os governantes destes reinos eram designados liurais. Apesar das alterações sofridas pelos diversos reinos ao longo dos séculos, os sucos mantiveram-se como estrutura política fundamental de Timor-Leste. O liurai é o chefe de um reino nalguns postos administrativos ou chefe de um suco noutros postos administrativos. 2 O mambae é uma das línguas nacionais de Timor-Leste. 1

*Com Acordo Ortográfico

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Pouco a pouco, com a presença portuguesa no local, estabelece-se contacto com a população para adquirir produtos da terra para o consumo. Assim, no ano de 1813, Díli tinha crescido e contava com 1768 habitantes. Os frágeis edifícios de madeira acabaram por ser consumidos por sucessivos incêndios. Só em 1834, sob a orientação do governador José Maria Marques, é que Díli foi devidamente urbanizada, sendo elevada à categoria de cidade em janeiro de 1864. No ano de 1852, Díli já contava com 3017 habitantes e, no ano de 1879, a população aumentara para 4114 pessoas. A cidade foi crescendo e, em 1888, fizeram-se diversas melhorias, ligando Díli aos povoados circunvizinhos por estradas, construindo uma rede de abastecimento de água e erguendo o farol do porto. No ano de 1972, Díli tinha 17000 habitantes. Díli é um dos 13 distritos administrativos de Timor-Leste. Está localizado na costa norte da ilha de Timor e confina, a leste, com o distrito de Manatuto, a sul, com Aileu, a oeste, com Liquiçá e, a norte, com o Mar de Savu e, ainda, a ilha de Ataúro, 24 km em frente da cidade de Díli. A cidade de Díli é a capital do país, sede do distrito de Díli e sede da primeira diocese. Em Díli está localizado o principal porto do país e o aeroporto internacional, em Comoro, recentemente rebatizado com o nome de Presidente Nicolau Lobato. A cidade, centro cultural, político e económico do país, tem muito poucos recursos, dependendo da ajuda económica de Portugal e Macau, dos impostos/finta3 e ainda da agricultura, atividade que emprega a maioria da população. Díli tornou-se centro da praça e da administração portuguesa, onde se encontravam todos os serviços centrais da administração colonial. Todo o ensino secundário estava em Díli, o que obrigava todos os jovens que quisessem prosseguir os seus estudos, depois do ensino primário, a ter que sair das suas aldeias e concentrar-se na cidade de Díli. Em Díli, os jovens ficavam na casa de familiares, ou vinham com as famílias, que deixavam a sua terra natal para acompanhar os filhos e filhos de parentes.

CULTURA O Homem e a Terra

Existe uma forte identificação entre o homem e a terra, o que propicia um grande equilíbrio entre o Homem e a Natureza. Essa noção de equilíbrio está tão profundamente enraizada que, em Timor, na época do verão, altura das queimadas

Imposto pago pelos reinos timorenses ao governo português, do século XVIII ao século XIX.

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para preparar o solo para a agricultura, fazem-se celebrações rituais e oferendas aos deuses (lulik) para invocar a sua proteção, aplacar-lhes a ira e, de algum modo, obter a sua compreensão para o atentado ecológico que o homem se vê forçado a fazer por razões de sobrevivência. Esta identificação pode caracterizar-se por estas palavras de um autor desconhecido – “se a terra pudesse falar, falaria por nós…”.

A família

A família é o núcleo central de toda a sociedade. O sentido da família é muito amplo e os laços familiares prolongam-se a vários graus de parentesco. É uma família de tipo alargado que se consolida pelo sistema de alianças, das quais a mais significativa é, sem dúvida, o casamento tradicional – barlaque (aliança matrimonial). No barlaque assiste-se a uma troca de bens de valor equivalente. A família do noivo deve dar búfalos, cavalos e luas de ouro ou prata (belak)4, enquanto a família da noiva oferece porcos, panos (tais) de tecelagem tradicional e morteen (colares de corais extremamente raros). O montante dos bens trocados por ocasião do barlaque é definido pelas famílias e funciona como forma de nivelamento social, obrigando a que os casamentos se façam entre famílias de estatuto social e riqueza similares.

A vida social

A vida social é bastante intensa, permitindo afirmar que o ser social se sobrepõe ao ser individual. Por isso, não existem famílias isoladas, nenhuma casa se constrói, nenhum campo produz sem a ajuda da oração e dos ritos e a cooperação da comunidade, de todos os vizinhos do knua (aldeia). O timorense encontra, na maioria das ocasiões, boas oportunidades para festejar e celebrar. Estas festas que, de um modo geral, misturam o sagrado – rituais – com aspectos vivenciais do dia a dia, são sempre cuidadosamente organizadas, com muita alegria e entusiasmo. A música e a dança ocupam um espaço e um lugar imprescindível e preponderante nos múltiplos aspetos da vida e das atividades sociais do knua ou do reino. Canta-se e dança-se em situações festivas de carácter puramente lúdico; em concentrações para recenseamento, encontros de reflexão sobre a situação de um suco5 ou reino. Canta-se e dança-se em cerimónias rituais, nupciais e fúnebres; em ocasiões

Belak, medalhão de grande dimensão, usado ao pescoço. Posto administrativo.

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de batizado, casamento e coremetam 6 (desluto) executam-se danças de salão ocidentais, danças típicas da região como ampat kali, dua kali, sentidu, entre outras. Canta-se e dança-se em situações de carácter laboral como sama-hare 7 (pisar néli), dada ai (puxar tronco). De todos os acontecimentos, ocupa um lugar de destaque o sama-hare, devido à sua importância na vida social e laboral timorense. Pois o sama-hare não é só uma canção de trabalho. É também pretexto de convívio e de solidariedade, solidariedade dos vizinhos e amigos que se juntam para a ceifa do arroz, convívio e trabalho de todos os participantes, durante dias e noites, até acabar a tarefa.

A crença tradicional

A crença tradicional é animista, acreditando o timorense na existência de um ente supremo e princípio do bem, maromak (deus), que se contrapõe ao princípio do mal, raina’in (espécie de diabo). O raina’in habita no interior das montanhas ou vagueia pelo mundo na figura do buan (demónio). A ideia de maromak, a quem não se presta culto especial, fica quase apagada perante a impressão do lulik (sagrado) e o suposto poder das almas (klamar), como reflexo do poder divino. Esta crença animista não tem doutrina definida nem ritual fixo. Os ritos desta crença são normalmente designados por estilo e consistem essencialmente em oferendas e sacrifícios em honra dos antepassados. Maromak, entidade suprema, vive acima da vida terrena mas, porque a vida está sob o seu domínio, também tudo precisa dele, da sua energia, do seu poder sagrado. Existe ainda em todos os knua a Uma Lulik (casa sagrada, altar ou eixo do mundo), construída no centro da aldeia, que é o lugar onde se guardam inúmeros objetos insólitos e valiosos respeitantes à história ou às relíquias da comunidade da aldeia, a quem chamam lulik. O lulik (sagrado, proibido, misterioso, temido) aparece quase sempre como espíritos ocultos e manifesta-se através de animais (crocodilo, enguia), árvores, pedras, nascentes, elementos da natureza ou em tudo o que pode inspirar temor e respeito.

Coremetam – o período e os rituais do fim do luto (desluto), que ajudam a libertar o sentido do luto na família, na aldeia e entre familiares. O primeiro passo do desluto é o encontro dos parentes que chegam com alimentos e bens e ainda preparação das flores. As tarjas negras, usadas ou não nos braços, são deixadas na campa do falecido, que depois é enfeitada com flores e velas, numa cerimónia formal com a participação de todos os presentes. 7 É uma dança de trabalho, que, literalmente, quer dizer pisar arroz, ou seja, debulhá-lo, pisando-o com os pés, dançando e cantando a um ritmo determinado, por vezes ao longo de toda a noite. Chama-se sama-hare porque costumava ser realizada na altura das colheitas do arroz. É uma dança de trabalho, executada em círculo, ao ritmo dos pés que vão pisando e separando o grão das espigas de arroz. 6

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O sacrifício aparece em vários acontecimentos da vida, mas a doença é a causa principal que leva o timorense a sacrificar. Consideram a doença, uma doença grave e prolongada, como simples detenção da alma e só um sacrifício poderá libertá-la da vingança de outras almas inimigas ou do buan. O sacrifício não tem propósitos de privação, renúncia, penitência, antes é um meio de comunicação com as potências sobrenaturais. Cabe ao Lulik Na’in, ou Dato Lulik (sacerdote animista), zelar pela sua conservação, para além de presidir ao estilo e orientar as diversas cerimónias de invocação e oferendas às diferentes divindades em épocas tão diversas como as sementeiras, as colheitas, ou em ocasiões como as do nascimento e da morte. Um morto é algo sagrado e, como tal, oferecem-se sacrifícios às almas. Estas, separadas dos corpos, continuam a viver, nas montanhas sagradas (foho lulik) ou em entidades tutelares do mundo natural (ai lulik, fatuk lulik), uma vida material mais perfeita e feliz, na companhia das almas dos parentes e amigos. Por isso, logo que morre alguém da família, são informados todos os parentes e todos os vizinhos ou toda a aldeia contribuem para receber e dar de comer aos presentes. Sete dias após o enterro, todos são convidados para se reunirem em casa do defunto a fim de receberem o pano de luto (hena metan), a que se segue uma visita à campa. Entre os cristãos, antes de irem à campa, todos participam na missa pela alma do falecido. Este ritual é conhecido por nome de aifunan moruk (flores amargas). Durante a primeira semana, o luto é observado com muito rigor por familiares e parentes. Quarenta dias depois juntam-se de novo para o mesmo ritual e após este só ficam a guardar o luto os parentes mais próximos. É o chamado aifunan midar (flores doces). Ao fim de um ano, juntam-se todos em grande festa – o coremetam (desluto) e, após participação na missa, todos se dirigem à campa para tirar o luto e regressam à casa para um convívio festivo – comem e dançam até de madrugada. No dia a dia, os mortos contam tanto como os vivos. Os mortos e os vivos movimentam-se num quotidiano real de maneira que os vivos acreditam que o seu presente é o prolongamento dos antepassados. O sentido da vida orienta o vivo constantemente na direção das fontes da vida ou daquilo que ele crê ser origem da força vital ou sede de influências benéficas, de poderes soberanos. Há na Terra, no Mar, no Monte, nos Astros, na Fonte, na Pedra, na Árvore uma força sagrada (lulik), um mistério que o atrai. Algo que o prende aos seus espíritos, aos espíritos dos seus antepassados. Por isso, cada um sente que o seu tempo de vida há de prolongar-se para além da morte. Assim, durante a vida terrena, cada um deve contribuir para equilíbrios locais, oferecendo à vida comum o que é da sua dinâmica. 0114


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LITERATURA

Devido à existência de vários grupos etnolinguísticos distintos mas bem aparentados, não há uma cultura única nem culturalmente homogénea. A esta diversidade há a juntar os diferentes graus de assimilação da influência portuguesa e, sobretudo, da religião católica: maior no meio urbano, no litoral e entre a nobreza tradicional, menor nos meios rurais, no interior. A civilização timorense é herdeira da civilização austronésia que chegou à ilha nos anos 2000 a 500 a. C. A influência portuguesa foi a mais significativa em Timor, sobretudo no aspeto de religião, língua e arte, e menos no aspeto material. A literatura tradicional é toda oral. Os textos são conservados de memória pelos mais velhos, sobretudo por mulheres. No aspeto cultural há a considerar as lendas e as fábulas tradicionais e as obras escritas em português, primeiro por missionários portugueses e por outros portugueses e, por fim, por timorenses. Contos e lendas são histórias de um povo, são narrações que transmitem informações de uma sociedade, do imaginário de um povo, da realidade da vida, dos problemas que surgem na vida da comunidade e das soluções que se apontam para os ultrapassar. Pois tudo tem explicação, nada é obra do acaso. A sua temática principal é a relação entre o homem e a mulher e relações familiares. Os contos colocam problemas sociais atuais, como o casamento sem consentimento dos pais, o adultério, o direito aos filhos nos casamentos sem dote, o direito aos filhos depois da separação do casal, entre outros. As lendas, umas são recolhas do próprio contador, outras são transcrições por autores (sacerdotes ou não) e outras ainda recriações das lendas tradicionais. Analisando as lendas, podemos dizer que cada narrador contava de uma maneira personalizada, enriquecendo-as com pormenores específicos, dando explicações e interpretações de acordo com a sua convicção. Os narradores não cristãos eram os mais fiéis aos aspetos originais, mas os cristãos introduziam aspetos da sua convicção religiosa (talvez para não ferir a sensibilidade do autor da recolha quase sempre um sacerdote ou algum colono branco). As sessões de narração realizavam-se normalmente depois do jantar, na varanda (klabis) ou junto da lareira (ahi-matan), e apresentavam-se como acontecimento social de carácter instrutivo para as crianças e divertido para os adultos. Além das lendas, há que realçar as fábulas, cujo protagonista é sempre um animal com características predeterminadas quer a nível da capacidade e propriedade física (tamanho, força), quer a nível das qualidades morais (esperteza). Esta tipologia é fixa e determina os parâmetros da ação. O interesse do conto/fábula vem da 0115


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encenação concreta entre dois animais – símbolos de carácter humano. A temática mais frequente é a amizade e a sua destruição/derrota – entre dois animais. A nível dos valores morais constata-se que a inteligência e a esperteza triunfam sobre a força bruta, a agressão injusta de um adversário mais fraco é severamente punida. Nas fábulas denota-se o espírito de observação sobre os traços característicos de tudo o que se vê, sem deixar de realçar a minúcia, a astúcia e a subtileza de humor. Eis algumas fábulas do imaginário timorense: O rato e o macaco; O búfalo, o crocodilo e o macaco; O macaco e o galo bravo; A ave kako’ak e o maribondo; O macaco e a tartaruga; O macaco e o ‘laku’; O cão e o macaco; entre outras. Os contos tendo pessoas como personagens são em geral mais compridos e complexos. São as relações entre homem e mulher e suas relações familiares a sua temática principal. Os contos colocam problemas sociais que ainda hoje subsistem na sociedade, como o casamento sem consentimento dos pais, o adultério, o direito aos filhos nos casamentos sem dote, o direito aos filhos depois da separação do casal, entre outros aspetos. A nível da ação são os mais ricos e implicam mais pessoas que se definem pelas suas ações. Entram, muitas vezes, elementos fantásticos e sobrenaturais, como que para justificar a origem. São um meio de representar conflitos familiares e sociais típicos, tratados sob forma abstrata e, portanto, inofensiva. A solução proposta corresponde aos valores tradicionais da comunidade e pode pôr em questão certos valores que reflitam opinião divergente (novos valores adquiridos ou assimilados). A nível temático, os contos refletem a vida diária da comunidade e falam do trabalho (tarefas domésticas, trabalho na horta/várzea, pesca, caça, construção das casas, ‘serviço fora da aldeia’), das relações sociais (convites, visitas, encontros de jovens), da vida política e comunitária (reuniões, relação com as estruturas políticas no tempo colonial e/ou no trabalho voluntário e comum). Eis alguns contos do imaginário timorense: Bau-Tai; Karau kohe haat; Lafaek nakfilak rai Timor; A origem de Bé-Dois; O primeiro habitante de Timor; A origem do homem; O príncipe e os sete periquitos; A princesa das flores e das lágrimas de ouro; A princesa Bui Iku; etc., etc. Em resumo, podemos afirmar que as lendas timorenses apresentam traços da sua psicologia, apontamentos de seus usos e costumes, dados do sistema político, social e religioso, amostras de suas práticas supersticiosas. Há lendas que apresentam maravilhosas fantasias à volta de uma crença secular que se constitui em mito (Rai Timor foin-nalo malus tahan, bua baluk – a lenda do crocodilo); lendas de conceção pueril, repassadas de lirismo e ricas de imaginação (Na’i feto Bui Iku – a princesa Bui Iku); lendas históricas que fantasiam o desembarque do primeiro apóstolo em Timor 0116


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(Na’i Lulik foin-tama iha rai Timor – o senhor sagrado recém-chegado a Timor). Nas lendas encontramos uma linguagem mais cuidada, mais expressiva, rica e sublime, superior ao tétum vulgarmente praticado; a expressão ganha ritmo pelo sistema de concordância entre os vários elementos da frase; o estilo anima-se, toma beleza e graça com frases idiomáticas, expressões elípticas, figuras de pensamento, etc. No aspeto literário, podemos distinguir dois géneros literários de textos: versos e narrativos. Pertencem, em geral, ao género narrativo as lendas, os contos e as fábulas. A composição de textos recitados, salmodiados ou cantados, num ritmo suave e cadenciado, em circunstâncias de interação social formal e informal, baseia-se no paralelismo de estrofes mais ou menos longas, em elevado número de pares de palavras sinónimas e em constantes metáforas, e apresentam as seguintes características: a) dadolin ou dolin – composição poética usada para narrar factos importantes da vida de um povo, façanhas extraordinárias do liurai ou dato8, descrição de qualquer facto importante da vida (de uma pessoa ou reino). A principal característica do dadolin consiste em usar sinónimos ou antónimos no primeiro e segundo verso, ou usar as últimas palavras dos dois versos anteriores para formar os versos seguintes (ita ema sura / fitun la sura; / fitun iha lalehan / okos la sura); b) knananuk ou ai knananuk – poesia de quatro versos e de uso bastante vulgar. É usado nas danças de trabalho e divertimento “tebe” ou “dahur”, nos cantos fúnebres “sidon”, ou em adivinhas (sasi’ik ou ai sasi’ik); c) sidon – é uma composição para atos fúnebres, em que se lembra os feitos e o papel que o defunto desempenhou na família e na comunidade, durante o velório ou como último ato do adeus no cemitério; d) sasi’ik ou ai sasi’ik – são adivinhas proferidas em quadras ou não e tem lugar em casa nas noites chuvosas ou de insónias ou na altura em que mulheres e homens atam o milho em molhos ou as mulheres joeiram o arroz depois de separado da espiga [Ta hae ta rabat fatuk / ta fatuk ta rabat rai / ta rai ta rabat ué (corta-se a erva e atinge a pedra / parte-se a pedra e atinge a terra / corta-se a erva e atinge-se a água)]. A composição do ritual de casamento proclamado pelo liana’in (orador oficial) é a que melhor ilustra a oratória timorense [... na’i inan, na’i aman sira, / .... / loron ida

Classe nobre timorense.

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ohin / uain ida ohin / tan oan feto / tan oan mane / ita sudin rua / ita rohan rua / soru mutu malu / libur mutu malu / ... (… mães e pais, /…/ no dia de hoje/no tempo de hoje/por causa da filha/por causa do filho/nós os dois/vós e nós/encontramo-nos/ reunimo-nos/ …)]. Ao abandonar o seu meio ambiente, as famílias, sobretudo os jovens, foram adquirindo uma formação onde se aprendia tudo o que era de Portugal, no tempo colonial, depois, na ocupação indonésia, tudo o que era da Indonésia e hoje, tudo o que vão adquirindo na diáspora e nas universidades. Os jovens vão adquirindo uma nova mentalidade, uma nova maneira de estar na comunidade e, aos poucos, o que é da sua cultura ancestral e da literatura que os antepassados lhes legaram vai desaparecendo para dar lugar a uma modernidade mais consumista, mais individualista e de pseudogrupo, o sentido da família vai diminuindo, o respeito pelos mais velhos e os valores humanos vão esmorecendo. Numa cidade como Díli, em que a população cresceu com a concentração de famílias e jovens estudantes, para um total, segundo o censo de 2015, de 215 000 habitantes numa área de 372 km2, podemos observar, infelizmente, uma população jovem sem emprego, jovens estudantes com os pais no interior sem meios económicos para os apoiar, graves problemas sociais, situação de exploração do trabalho pelos próprios irmãos ou tios, e ainda de exploração sexual e entrega ao sexo para ganhar a vida. Nos últimos tempos, com o apoio dos professores cooperantes, podemos ver jovens que desenvolvem a contação das lendas de forma cénica, podemos ver jovens que começam a desenvolver uma literatura em prosa e em poesia sobre temas do meio que os rodeia. Acredito que os jovens podem no futuro produzir uma literatura capaz de informar e desenvolver culturalmente a sociedade timorense.

Bibliografia: Díli, a cidade que não era, D. Carlos Ximenes Belo, Porto Editora, 2014

A alma de Timor vista na sua fantasia, Pe. Ezequiel, Braga, 1967

Língua Tétum, contributos para uma gramática, Luís Costa, Colibri, 2015

Timor Português, Artur Teodoro de Matos, FLUL, Lisboa 1974

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*A CIDADE E AS VOZES ASSALARIADAS E REBELDIAS JUVENIS TONY TCHEKA

Introito (saudação à terra anfitriã) Quando a guinendade 1 se encontra com a morabeza e olham para a história, ressalta o espírito da solidariedade e da fraternidade, palavras-chave do saber estar, saber receber e tecer espaços ao convívio e à cidadania, sem muros nem fronteiras farpadas de paredes de ódio e escárnio. Estando na cidade da Praia neste fórum literário, espraio-me em mantenhas guineenses aos libertadores e construtores de Cabo Verde que das pedras e rochas duras fizeram crescer esta terra de António Nunes, BLEZA 2, Eugénio Tavares, Ovídio Martins, Germano Almeida, Arménio Vieira, entre tantos outros que tão bem cantaram a sua morabeza, acreditando que “essas leiras de terra, quer sejam Mato Engenho, Dacabalaio, ou Santana, filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor serão nossas” 3. Constato agora que as novas gerações continuam a desbravar caminhos duros iniciados nas matas da minha Guiné, pela edificação do Desenvolvimento em prol dos cabo-verdianos. Como africano, como guineense, o meu agradecimento pelo exemplo. Aos presentes, um abraço eivado de guinendade.

N

a abordagem que me é proposta, podia começar a minha comunicação no ritmo e na melodia de um contador de história bem em jeito de djumbai, com “era uma vez… ou erre-erre – stória certo”, e então desfiar a história das vozes assalariadas e da rebeldia guineense. Podia, mas não o faço. Mas vou contar essa história.

Modo de ser e de estar na vida dos guineenses. Nome por que era conhecido no meio artístico de Cabo Verde o músico Francisco Xavier da Cruz. 3 Excerto de “Poema da Manhã”, do poeta cabo-verdiano António Nunes. 1 2

*Com Acordo Ortográfico

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Ao debruçar-me sobre esta temática, com a chave centrada num título tão sui generis – “a cidade e as vozes assalariadas e rebeldias juvenis” – senti-me impelido a viajar no tempo e aportar na minha infância. A minha mininessa, nos seus diferentes degraus, foi tocada pela magia dos sons dolentes nascidos do interior dos subúrbios, espalhando-se sem licença nos ventos, percorrendo os corredores da noite e chegando aos bairros urbanos em construção. Mais tarde, com o andar do tempo, noutra fase do meu crescimento, encontrei esses mesmos sons saídos de gargantas atoladas nas tabernas de Bissau. Sons ténues apertados na exiguidade destes espaços melancólicos, de refúgio da dor, que venciam as paredes e a portada, num constante abre e fecha, facilitando a passagem do som às ruas circundantes. Eram cânticos mansos, suaves sofridos, em vozes sussurradas acompanhadas de batidas compassadas feitas com palmas de mãos duras assalariadas, lamentando a vida enteada, ou evocando o passado, as estórias do antigamente que a narrativa oral fixou nas suas mentes, com protagonistas anónimos e chefes valentões, destacando­ ‑se em lutas e combates, ora antrinós, outras vezes opondo-se aos forasteiros, aos ocupadores-conquistadores. À mesa, feita de tábuas, ladeada de pequenos bancos, entrava e saía a garrafa sebenta de aguardente de cana, servida em pequenas canecas tisnadas pelo tempo e, de quando em vez, uma surrapa, a que o nhu tuga, o Só manel, que pontificava por detrás do balcão de madeira coberto com pedaços de chapa leve de alumínio, chamava de “vinho de bom bidão, vindo da metrópole”. Entre cantigas e passadas contadas e recontadas vezes sem conta, jogava-se ao baradju, à bisca, ao uri, às damas, tudo à espera de um surne desejado mas sem garantias. Dava jeito, um quintal por limpar, um recado de alguém-djinton, ou ajudar uma senhora metropolitana carregada de compras nas lojas da cidade, a troco de umas moeditas. Um ou dois patacão4 já dava jeito e direito a um “graças a deus... que Deus a pague, minha senhora”. Bem contadas, as moedas pouco davam. E o trabalho esgueirava-se, tardava. Escapava-se por entre nesgas de promessas de todos os dias, mais para despachar aqueles que haviam permanecido em longas filas de espera, ainda antes do amanhecer, na estiva, na ponte cais, na Casa Gouveia da CUF, pela cidade toda. Um trabalho como criado em casa qualquer dava jeito e, se os patrões fossem generosos e bons cristãos, era também uma garantia que das sobras haveria uma refeição, ainda que de quando em vez.

Moeda antiga de pouca valia.

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O mais certo ao final do dia, antes do regresso a casa, era apalpar o fukusinhu e encontrar nada, ou quase nada. Nada em moeditas de pouca valia. Tempo agreste. Cumpriam diariamente o ritual de bater portas e ouvir “volta amanhã ou outro dia”, ou ouvir o silêncio de passos que não falam. Como conforto, restava o refúgio na obscuridade lôbrega e viciante das tabernas, “lundjo di udjus di fomi di mininus”, cenário que mais tarde viria a inspirar o então jovem Adriano Ferreira, o Atchutchi da banda Mama Djombo, que o descreveu em versos e na música num lamento doloroso que a voz de Dulce Neves eternizou no seu jeito, então algo griot, sublimado no refrão: “tudo dia média, tudo dia cinco ora/ nha omi tá sinta na mesa/ ku si mon na kabessa/ kudadi di salariado/Na taberna i ta tchami/ na taberna i ta n`palia/ Taberna vida di salariado/ pa sukundi di udju di fomi di mininus ói ”. Longe do seu meio, das suas tabancas, esses guineenses, filhos e netos de camponeses que procuraram a cidade como boia de salvação, sentiam-se estrangeiros na sua própria terra. O mito da cidade não passava de uma miragem. O chamamento apresentava-se fantasiado, e ilusório. Ela, a cidade, nada tinha a oferecer. Não havia garantia de espécie alguma para grumetos5. O indígena era confinado à exiguidade da periferia, sem direitos e com um turbilhão de deveres e “porrada se refilar”. A maioria dessa massa anónima, embora passasse o dia calcorreando a cidade, vivia e sobrevivia obrigatoriamente na periferia. Muitos eram oriundos do interior da colónia, depois rebatizada de província. Quase todos de origem camponesa e sem nunca terem tido acesso à escola. Uma pequena minoria tinha tido acesso à escola missionária, que garantia o 1º grau de escolaridade e, mais tarde, o 2º grau, ou seja, a quarta classe, um certificado que tudo o que dava era a condição de assalariado, porque indígena. Sentiam-se imigrantes estando na sua própria terra. Bissau ou Bolama eram cidades portos de abrigo, a esperança de um trabalho melhor, gratificado. A cidade tinha mais patrões, mais serviços precisando de braços musculados habituados a malhar a terra. Precisavam certamente de mão de obra não qualificada. Alcatroar as ruas, cortar ervas, varrer a área do plateau, onde viviam os senhores, e compreendia a zona de Bissau-Velho ao palácio do senhor governador, subindo até à Mãe d`Água, no Alto-Krim. Com o andar dos tempos, o bairro de Chão de Papel e a estrada de Pilum passaram a ser a fronteira entre o centro dos “civilizados” e a periferia dos grumetos, confinados e reduzidos à dimensão segregacionista e desumana imposta pelo chamado “estatuto do indígena ou do indigenato”.

Grumetos – indígenas; homens ou mulheres considerados cidadãos de segunda classe.

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Realmente, bardadi sabi konta, era uma carga de trabalhos entrar no centro da cidade. O atrevido tinha de ser portador do comprovativo do “paga kabessa”6. Era um dos passes. Mas não bastava. Tinha de ter bons modos e apresentar-se aprumado. Nada de fundinhos nem de lopé. Bem trajado na ótica de outros figurinos. Sem calçado, só restava dar meia volta e regressar à palhota, fosse em Pessubé, Santa Luzia, Gambeafada, Pilum, Belém, Reno, N´tula, Nhakra, Quinhamel ou Safim7 ordem é ordem – riba ku trás. A princípio, essa disposição só era aplicada à risca nos serviços da Administração do Concelho, mas com o tempo alargou-se aos centros, às zonas de ruas alcatroadas. No recôndito isolado dos bairros, os djumbai, o trabalho duro, de sol a sol, que alguns já haviam experimentado, também era contado e cantado por essas vozes cansadas, em tons de exorcismo, para espantar o kasabi. Se na terra das bolanhas8 e lalas9 se canta no choro e se chora no canto, porque não fazer humor com as dores do insucesso? Era a vingança codificada, num alfabeto estranho sem escrita, mas impercetível para o outro... No bairro onde nasci, em Santa Luzia de Santa Boa, nas casinhas de pomba, assim conhecidas por serem muito pequeninas, situadas junto ao frondoso poilão10 grande e à capela do senhor padre, chegavam-me essa mesmas cantigas em sons melodiosos com sabor a trabalhadores-griots em registos de clara rebeldia “kampamento ó /n´ka na bay kanpamento/ papia di cinco pés/ n`ka na bay romba pitu/ n´na kana bay/n`ka na bay”. Era uma forma de afagar as mágoas, mas também de resistência, com suportes colhidos nos ensinamentos a eles chegados pela oralidade. A oralidade não pagava o imposto de cabeça e viajava gratuitamente no tempo, tocando uns e outros. Cada cabeça, cada voz, era uma ferramenta de fixação e transmissão da memória. Era uma magia secular voando no tempo e percorrendo distâncias enormes num som cantado, sussurrado, contado ou assobiado. Já os aviões grandes de motores ruidosos aterravam em Bissau, já os barcos de apito rouco atracavam mensalmente no cais carregados de coisas da metrópole depois de mais de dez dias de longa viagem. Mas ali, para os filhos da terra, nada mudava. Aqueles que conseguiam integrar a equipa de carga e descarga, na estiva, sentiam-se abençoados pelos irãs. E a rebeldia camuflada das vozes das tabancas e

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Imposto pago “por cabeça”, ou seja, por pessoa. Bairros de Bissau. Nome dado na Guiné-Bissau aos terrenos onde se cultiva o arroz. Terras baixas, periodicamente alagadas na época das chuvas, onde se cultiva arroz. 10 Árvores de grande porte que existem com abundância na Guiné-Bissau. 6 7

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das tabernas tardou, mas chegou a uma nova geração, entrou nos reportórios dos conjuntos musicais emergentes e logo desaguou na escrita, ocupando espaços nas páginas quase virgens pela pena rebelde de jovens escribas nos seus primeiros textos de questionamento e de afirmação identitária. O poeta Pascoal D`Artagnan Aurigema questionava essas aberrações com pertinência “nas noites do cais11: …Barco veio: de onde?// Mar salgado saberia contar a história de/ um gigante de vapor/ que rompeu seu segredo/ Da Europa para cá. // Mas estão ali uma data de anónimos/ da noite no cais./ Estão ali/ no cais/ ansumane becô, infamará, bicinti cabupar, malam sedi, djodje badiu, batimpon cá…/ Para quê aquela gente? Aquela gente? Gente para carrego de sacos fartos/ e tantas caixas de whisky and coca-cola and beer/ que o mundo galã há-de consumir/ em noites diferentes da noite no cais”. Mas “as noites do cais” espalhavam-se pela terra toda. Os dias também eram noites sem perspetivas. Tamanhas eram as barreiras de circulação e acesso à cidade e ao trabalho digno, limitações impostas pelo sistema que negava aos nativos direitos elementares porque os seus valores e práticas eram diferentes. Na caminhada para Bissau, Bolama e outros centros urbanos, que podia demorar dias, semanas, meses de marcha desventurada, levavam, no barkafon da vida, espaços de memórias com histórias das suas origens, os hábitos da tabanca deixada para trás, na vã esperança de, fora dela, encontrarem a vida que há muito se lhes escapava. Nas tabernas, ou à sombra de um poilão, longe do centro, reeditavam mesmo antes do cair da noite os djumbai – kau di lembra tempo, di konta passada. Alimentavam-se do passado, das suas identidades, para sonhar um futuro melhor. Imaginavam novos reinos, mas sem chicotes vibrando nos corpos-cativos e sem capatazes mauzões. Sem o serem por tradição e/ou herança, cada um à sua maneira comportava-se como um djidiu da cidade. Era uma forma de resistência. Nesse estar sem estar, irrompia a força de uma ligação umbilical de rebeldia alimentada por uma vida real eternizada pelas palavras-testemunho, passadas boca a boca para ouvidos atentos. Essa ponte que atravessa o tempo e as sociedades, e interpela a história e a razão, esteve na motivação que, em 1870, fez que o cónego guineense Marcelino Marques de Barros tivesse ido beber à literatura oral e, em resultado de uma intensa pesquisa e recolha, acabasse plasmando em livro histórias, cantigas e fábulas infantis, fazendo desde então a Guiné entrar mansamente nos anais da literatura em língua portuguesa.

“O cantor miserável da noite no cais”, de Pascoal D'Artagnan Aurigema, in Antologia Poética da Guiné-Bissau, 1990.

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Entre as cidades de Bissau e Bolama viveram-se períodos marcados por alguma atividade cultural e literária, embora com interregnos consideráveis. Seguiram-se outras abordagens nas penas de outros literatos com outros géneros e conteúdos. Aqui cabia a rebeldia como forma de quebrar o vazio e, nalguns casos, interpelar os inquestionáveis. Nomes como Fausto Duarte, autor do romance AUÁ, Fernanda de Castro, Juvenal Cabral, Fernando Pais de Figueiredo, Maria Archer, Artur Augusto Silva. Bem mais tarde, já na década de sessenta, surgiram outros poetas e contistas, destacando-se Atanásio Miranda, Carlos Semedo, Joaquim Moreira (Quim di nha Rosa), Pascoal D´Artagnan (também conhecidos em certos meios por rapaziada de Bissau), Armando Pereira, entre outros, que ousaram perturbar o status quo, aproveitando as páginas dos jornais Bolamanense (Bolama), Arauto (Bissau) e a revista Poilão (1973), a grande referência editorial com o patrocínio do Banco Nacional Ultramarino. Lá se perfilavam, cada um com a sua herança cultural e cartilha própria de valores. Eram vozes não-alinhadas com o sistema político vigente, desagradados com a vida dos seus conterrâneos, mas nem por isso assumiam uma rotura clara, salvo os casos mais flagrantes de Atanásio Miranda e Carlos Semedo (transferido compulsivamente para Angola e recentemente falecido em Portugal), que sofreram no corpo os castigos de uma repressão dura nas esquadras policiais de Bissau a mando da polícia política, a PIDE/DGS. A maioria desses criadores da cidade nem se enquadrava no espírito dos movimentos literários que na época já se faziam sentir um pouco por toda a África, bafejada pelos ventos do pan-africanismo, ou mesmo na Europa, como era o caso de Présence Africaine, na cidade de Paris, urbe por onde o angolano Mário Pinto de Andrade e outros companheiros, como Alioune Diop, sentiram a fragrância do aroma do nacionalismo africano apontando para uma nova narrativa. E é Mário de Andrade quem, em Bissau, já no pós-independência, ao inteirar-se da atividade cultural guineense, e na ausência de um autêntico movimento literário, descobre, enquadra e incentiva um grupo de jovens possuidores de escritos de combate esquecidos nas gavetas a juntarem-se para analisar e debater os conteúdos das suas lavras no novo contexto político. Sucederam-se oficinas no Gabinete de Andrade, então Coordenador Nacional de Cultural (CNC) e, nas horas mortas, nas instalações do jornal Nô Pintcha. Meses depois, aquele companheiro de Amílcar Cabral assumia o patrocínio da edição da coletânea Mantenhas Para Quem Luta (1977) “um autêntico libelo acusatório sob a forma de versos assinados por 14 autores ao colonialismo na Guiné e, simultaneamente, um hino ao movimento

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nacionalista encabeçado pelo PAIGC12 de Amílcar Cabral que, segundo os autores da obra “liquidou as bases do projeto colonialista”. Lê-se no pequeno prefácio da obra, escrito a várias mãos: “…nós, então meninos na hora do Pindjiguiti, galvanizados pelas vitórias guerrilheiras e em sintonia com os da luta, procurámos exprimir também nos nossos poemas as aspirações do nosso povo à sua liberdade criadora.” Prometia-se mais “...se é verdade que esta poesia se escreve em kriol e português, cabe-nos a tarefa de sua fixação nas línguas nacionais, enquanto depositários dos verdadeiros valores africanos”. Sonhava-se alto. Havia um olhar para longe. Um olhar para depois da festa que na hora repicava nos tambores e ecoava nos compassos marcantes das tinas de água. Uma parte dos “Meninos da Hora de Pindjiguiti”13, já nos anos 80 deixava transparecer na sua lavra literária algum desencanto e confirmava acesa a chama da rebeldia patriótica. Incapacidade governativa, golpes de estado, intrigas palacianas e a terra prometida por construir, foram dando sinais claros de desagrado. Na música, no teatro e no cinema. Críticas contundentes começaram a ser ouvidas nas sessões culturais em Bissau e outras urbes. A rebeldia não tinha sido domesticada e embrulhada no manto da independência, com um selo de missão cumprida. A Casa de Cultura de Bissau, enquanto não se tornou incómoda, era a casa do livro, de leituras, de debates, da troca de ideias, de boas conspirações sob a forma de textos literários sem fronteiras e condenação de práticas políticas contrárias ao espírito e ensinamentos de Cabral. A Antologia Poética da Guiné-Bissau, editado pela União Nacional de Artistas e Escritores (UNAE) e a Editorial Inquérito (1999), reúne outros 14 autores, uma parte considerável dos quais vinca o desconforto provocado por um mar de contradições evidentes entre o discurso político feito do alto dos palanques em tempo de promessas e a prática governativa. O leitmotiv mudou e abriu brechas enormes entre o poder e os escritores que se recusavam a ser os cantadores inocentes de uma nova corte, dizendo não saber se o tão prometido amanhã sempre amanhece. A literatura funciona como um termómetro social e alonga-se inquieta no tempo. O livro Traços no Tempo – Antologia Poética Juvenil da Guiné-Bissau, divulgando 23 jovens autores no seu primeiro volume (2010) e, cinco anos depois, no segundo, 46 jovens, dá conta da extensão da rebeldia a uma nova geração de jovens nascidos na independência. Uns, residindo na diáspora, sobretudo em cidades europeias, outros, por força da sua formação académica, estreiam nas lides literárias com um Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Nome dado por Mário Pinto de Andrade aos 14 jovens poetas autores de Mantenhas Para Quem Luta.

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discurso assumidamente sem cor partidária política, mas contundente quanto ao falhanço dos políticos nas diferente áreas da governação. Sonhando sim, mas apalpando e interpretando o vaivém e o pulsar da terra dos poilões sagrados que albergam os santuários guardiões de uma vida sofrida, promessas esquecidas, ultrapassaram as distâncias e juntam-se no epicentro de um sentimento coletivo partilhado. Ali onde a dor e a paixão se confundem. Sem perder de vista o fator estético-literário, utilizam a escrita para dizer não à demagogia e à tendência ditatorial e da verdade única, identificando na tela poética as tonalidades e intensidade dos males que vinham adiando a construção da terra. No corpo lírico e melódico da poética aqui apresentada desnuda­‑se a vida acontecida, numa rebeldia própria de quem se sentiu traído e num discurso que em certos casos beija o panfletário, comprometendo a própria estética. Estes “Meninos da Independência”, na sua ficção poética, já nada têm a ver com o passado do exclusivismo da temática patriótica­‑revolucionária assente no protagonismo dos chamados libertadores da pátria. São chamados sim, à razão, por jovens sentindo­ ‑se traídos por incumprimento daqueles que ocuparam o poder e nunca foram continuadores da epopeia que encantou os meninos da hora de Pindjiguiti. Hoje, mais de 44 anos de independência, o caminho para as cidades continua a ser palmilhado por gente procurando o que o seu mundo não propicia. As tabancas sentem-se sós. Nada ka tem! A eletricidade não chegou, as escolas, as poucas que há, ficam longe, sem meios. Emprego e salário ká ten. Mas Bissau tem televisão, tem carros de botão fino, carrões – Hummer´s –, que ajudam a abrir ainda mais as crateras de boca larga que, também como os novos senhores, se apropriam das ruas e das estradas. Bissau tem confusão, mas também tem sobrados grandes, tem mansões iguais às do estrangeiro-rico. Se luz bay, luz bin, nessas casas dos novos ricos há máquinas que geram eletricidade com ruídos ensurdecedores que calam muitos griots e afugentam os djumbai para mais longe. Mas o protesto e a rebeldia persistem sob outras formas. O Movimento dos Jovens Conscientes e Inconformados organizou­ ‑se sem selo partidário. A rebeldia juvenil sai à rua em protesto, entupindo-a com um mar de gente em protesto. Porque incomodam, porque dizem verdades, são duramente reprimidos. Mas nada cala as vozes da insatisfação. Nem mesmo os envelopes bojudos, fartos de notas e muitos zeros, calam a revolta. Nem todos têm um preço que não o bem da terra-mãe. Os rappers sobem ao palco, cantam os males de que a Guiné padece e até falam de capiton amonton. A crítica alarga-se. Fala-se de “chefe amnésico esqueceu-se das suas próprias palavras”. O cineasta-mor da terra sintetizou: “a Guiné de hoje é um avião sem rota, com um comandante cego e 0126


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surdo”. As novas vozes inconformadas não desistem de denunciar as enfermidades culturais, políticas e o desprezo pelo valor da palavra dada. Como ontem, a rebeldia nascida dos maus tratos tem força e alastra-se em nome da justiça, do saber, da competência e da dignidade. Hoje, como ontem, a rebeldia chama-se cidadania e tem nos jovens os principais protagonistas.

Glossário Alguém-djinton Alguém importante; gente que se considera fina Antrinós Entre nós Baradju Baralho de cartas Barkafon Instrumento musical Djidiu Griot; trovador Djumbai Momentos de convívio em que as pessoas se juntam para ouvir estórias reais ou ficcionadas Erre-erre – stória certo O contador dá início a uma estória, e os ouvintes respondem “stória certo” ou “erre certo” Fukusinhu Bolsinho; bolso pequenino para guardar moedas Fundinho Calças tradicionais com fundo bem largo Irãs Divindade dos animistas Kasabi Sofrimento; mal estar Lopé Uma espécie de tanga tradicional Mininessa Meninice Nhu Senhor Tuga Português Surne Trabalho ocasional Surrapa Zurrapa, bebida de muito má qualidade Uri Jogo tradicional 0127


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Frases em kriol “Lundjo di udjus di fomi di mininus” – “Longe dos olhos de fome dos meninos” “Tudo dia média, tudo dia cinco ora/ nha omi tá sinta na mesa/ ku si mon na kabessa/ kudadi di salariado/Na taberna i ta tchami/ na taberna i ta n`palia/ Taberna vida di salariado/ pa sukundi di udju di fomi di mininus ói…” – “Todos os dias ao meio-dia/ todos os dias às cinco horas./ O meu homem senta-se à mesa/ com a mão na cabeça/ pensamento de assalariado/ Na taberna embriaga-se/ na taberna queima o tempo/ Taberna, vida do assalariado/ onde se esconde dos olhos de fome dos meninos…” Riba ku trás – Dar meia volta; voltar para trás, para o sítio de onde saiu. “Kampamento ó /n´ka na bay kanpamento/ papia di cinco pés/ n`ka na bay romba pitu/ n´na kana bay/n`ka na bay…” – “Acampamento (local de concentração de trabalhadores assalariados à procura de emprego) não vou para o acampamento/ só por cinco pesos (escudos) / não vou arrombar o peito/ não vou, não/ não vou…” Djumbai – kau di lembra tempo, di konta passada – Local onde se lembram as recordações, acontecimentos ou episódios passados ou presentes, através de estórias contadas pelos mais velhos. Ka ten – Não há. Luz bay, luz bin – A luz vai abaixo, a luz volta (a luz vai e volta). Capiton amonton – Capitão incapaz

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MUDANÇA DE NARRATIVA LINGUÍSTICA NA GALIZA CONCHA ROUSIA

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conceito de narrativa será entendido aqui como o conjunto de histórias a ter em conta à hora de definir o que na Galiza somos do ponto de vista linguístico. As mudanças no jeito de considerar o que somos, e o que não, têm repercussões tanto na escrita como na oralidade, que não são bem a mesma cousa. Claramente, fala e escrita são diferentes; mesmo que estabeleçamos que a palavra falada precedeu a palavra escrita num sentido histórico, e até mesmo que esta foi baseada naquela, não são o mesmo. Haverá que ter também em conta que a escrita não é ouvida mas sim vista, com tudo o que isso implica no mundo ocidental, em que a visão está considerada por cima dos outros sentidos; podemos falar de uma espécie de “oculocentrismo”, tal como se pode ver (e reparemos mesmo aqui no uso do termo “ver”) em frases como: “Se não o vejo não o creio”, “Vi-o com os meus próprios olhos”, “insightful” (que tem visão interior), “visão de futuro”, etc.... e também “curto de vista”, “cego”... A escrita potencia a expansão da informação (a qual, usando só a nossa memória, seria limitada), permitindo a incorporação da dimensão temporal, onde as pessoas podem determinar o tipo de organização que vão dar à informação e às experiências e podem também, com efeito, produzir relatos marcadamente diferentes dos eventos. Por esta razão, a narrativa privilegia a escrita sobre a oralidade e, portanto, uma 0129


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mudança de narrativa tem necessariamente que provir do campo da escrita. Então conseguiremos uma mudança de narrativa linguística do que é ou não é a língua na Galiza na medida em que formos capazes de o fazer no âmbito da escrita, quer dizer, na medida em que conseguirmos que se “veja” com os olhos. Vejamos então, quando e como aparece a necessidade de uma mudança de narrativa. Nos seres humanos surge mal-estar quando as histórias em que narram as suas experiências não representam suficientemente bem a experiência vivida, ficando por contar aspetos que são importantes mas que, de serem incluídos na história, iriam contradizer a narrativa dominante dentro da qual se fazem os discursos. Há dous conceitos essenciais a ter em conta: o conceito de “poder” e o conceito de “conhecimento”, que devem ser considerados inseparáveis. As instituições detentoras do poder político na Galiza levam muitos anos escrevendo o discurso de o galego ser uma língua diferente do português, o que vai ser fulcral no momento de elaborar a escrita da língua da Galiza. Se galego é concebido como diferente de português, o que se vai fazer é trabalhar na sua diferenciação. E por esse motivo se escolheu a ortografia do castelhano. Se se tivesse escolhido a ortografia histórica da nossa língua seria difícil manter o discurso de galego e português serem diferentes. E o que foi escolhido servirá para criar diferença e para ser usado posteriormente como argumento de diferença. Mas como esse discurso não é satisfatório para dar conta da sensação que as pessoas têm à hora de avaliar a sua língua, não fica livre de críticas; porque, como bem diz o filólogo José Martinho Montero Santalha: “mesmo que grafemos ‘galiña’ em vez de ‘galinha’ não devemos esquecer que nos estamos a referir com o mesmo nome ao mesmo animal, é isso que faz a língua da Galiza e o português ser uma e a mesma língua” (c. p.). Mas isso que Montero Santalha afirma é o que com frequência se esquece, e se esquece porque se percebe antes essa diferença (visível), seja esta real ou fabricada. Ora bem, o discurso de “galego” língua diferente do “português” mostra-se incapaz na altura de dar conta das experiências vividas polas pessoas, que veem como podem compreender português, não só escrito mas também falado e, portanto, o discurso termina por nunca ser completamente aceite, e a insatisfação com ele nasce no momento mesmo do nascimento do próprio discurso. À medida que o tempo vai passando e esse discurso de “galego oficial” se vai fazendo mais poderoso, a insatisfação e o mal-estar pola realidade linguística vivida por diversos sectores da sociedade galega, que veem negada a sua experiência, vai aumentando progressivamente. Esse discurso dominante vai conseguir impor-se apenas polo poder das instituições que o defendem. Mas se o galego é diferente do português, como pode ser que duas pessoas, fa0130


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lando uma em galego e a outra em português, possam manter uma conversa com total intercompreensão? Ou ainda, como uma pessoa galega, sem nunca ter estudado português, pode ler com assombrosa facilidade um texto escrito nessa língua? E mesmo quando não houver intercompreensão, pelo deterioro1 das falas na Galiza pela convivência invasiva do castelhano ao longo dos séculos, mesmo aí continuaria a ser a mesma língua; pois como bem afirma o académico Evanildo Bechara, o que faz uma língua “ser” é a sua gramática. Ora bem, essas experiências de familiaridade com o português não produzem dados linguísticos relevantes, dado que contradizem o discurso dominante a partir do qual analisamos a nossa realidade linguística e, assim, esses dados passam a ser desconsiderados; e, na medida em que o número de experiências que a pessoa tenha que descartar vão em aumento, o seu mal­‑estar “linguístico” vai também crescer, ainda sem a pessoa saber bem por quê. Esse mal­ ‑estar é, sem qualquer dúvida, o responsável pela altíssima porcentagem de falantes que se passam ao castelhano: mais de um 30 % de perda de falantes em pouco mais de 30 anos de modelo de língua oficial com escrita grafada com a ortografia do castelhano. O poder, como muito bem explica Michel Foucault, subjuga os indivíduos, convertendo­‑os no que este autor denomina “corpos dóceis”, a serem conduzidos a atividades que sustenham a proliferação de formas de conhecimento globais e unitárias. No caso que estamos analisando, a narrativa linguística que na Galiza nos dita o que é e o que não é a língua, o poder tenta levar­‑nos a aceitar como único conhecimento válido o de que o galego é uma língua diferente do português. Os meios utilizados para atingir essa meta são os clássicos de prémio e castigo, ou aceitável e não aceitável. Quer isto dizer que se vai premiar todo aquele que trabalhe na proliferação do discurso dominante e se vai castigar, mesmo com a exclusão do grupo, por ser inaceitável, que é a pior forma de castigo social, toda a pessoa que tente contradizer esse discurso. E é assim que o Reintegracionismo passa a ter que sobreviver nas margens do sistema. Se falarmos de poder temos ao mesmo tempo que falar de conhecimento, porque são inseparáveis; a pessoa que domina uma área de conhecimento retém o poder sobre essa área; para além disso, a pessoa que tem o poder sobre uma área, controla o conhecimento nela. No campo da narrativa linguística na Galiza, a norma que tentaram impor é a

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norma da Real Academia Galega. Mas, apesar dos esforços dos organismos de poder para impor um discurso sobre o que é a língua na Galiza, o certo é que, na realidade, cada vez mais pessoas se mostram insatisfeitas com esse discurso chamado “oficial”. Chegou-se deste modo ao limite da necessidade de construir uma narrativa alternativa. A superioridade de um texto frente a outro emana da capacidade de esse texto render múltiplas interpretações, de modo que seja capaz de atuar como guia que ajuda o leitor a obter o sentido próprio daquilo que lê; neste sentido, o texto atua mais como virtual do que real. Isto quer dizer que de um texto se poderiam extrair muitos textos diferentes, dependendo de quem o ler. Devemos, antes de mais, introduzir as formas de conhecimentos subjugados: Temos em primeiro lugar aquele constituído polos conhecimentos eruditos que foram descartados dos registos dos acontecimentos da história por discordarem do discurso dominante. A literatura vai ser a chave neste ponto. A lista é ampla: assim, temos o Pe. Feijóo, o Pe. Sarmiento, B. Vicetto, Marcial Valadares, López Ferreiro, Garcia de Olhóqui, Garcia Pereira, o Marquês de Figueroa, F. Vaamonde Lores, F. Anhom, J.M. Pintos, E. Pondal, M. Murguia e a própria Rosalia de Castro. Depois temos Victoriano Taibo, R. Cabanilhas, C. Emílio Ferreiro, A. Noriega Varela, Á. Zebreiro, Á Gil, M. Lugris Freire, F. Bouça-Brei, F.L. Cuevilhas, A. Iglésia Alvarinho, A Couceiro Freijomil, Francisco Tettamancy, Leandro Carré Alvarelhos, E. Carré Aldão, Julio Camba, V. Fernandes Flores. E dos não galegos: J.J. Nunes, Menéndez Pidal, Leite de Vasconcelos, Lindley-Cintra, José Agostinho, Margot Sponer, Sampaio Bruno, Luciana Stegagno Picchio, Maria Helena Mira Mateus; e também E. Alarcos Lhorach, Koldo Mitxelena. Nos anos 20 teríamos autores como Vicente Risco, Antom Vilar Ponte, Rafael Dieste, Evaristo Correa Calderón, Roberto Blanco Torres, e Johan Carbalheira, Manuel Rodrigues Lapa, Otero Pedraio, Álvaro das Casas, João Vicente Biqueira, Fuco G. Gomes, Ricardo Flores, Daniel R. Castelão, o historiador espanhol Sánchez Albornoz. Ernesto Guerra da Cal, Valentim Paz-Andrade, Álvaro Cunqueiro, Agostinho da Silva, Carvalho Calero, Joan Coromines, Jenaro Marinhas del Valhe, Issac Alonso Estraviz, Carlos Durão, J. M. Montero Santalha, Leodegário A. De Azevedo Filho, Gladstone Chaves de Melo, Silvio Elias, Evanildo Bechara, Eugenio Coseriu, António Gil Hernández, Maria do Carmo Henríquez Salido, Ângelo Cristóvão Angueira, Xavier Vilhar Trilho, José Luís Fontenla, Luís Gonçáles Blasco, V. R. Fagim, J. L. Valinha, Ernesto Vasquez Souza, Teresa Moure, Chrys Chrystello, Mário Herrero Valeiro, Celso Álvarez Cáccamo; e alguns mais que decerto se nos esquecem. E temos uma segunda forma de conhecimentos subjugados: são aqueles aos 0132


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quais Foucault se referiu como “locais populares”, ou “indígenas”. Este tipo de conhecimentos sobrevive apenas nas margens da sociedade e não goza do suficiente reconhecimento. Foucault sugere que será através da recuperação destes conhecimentos autónomos, e da sua união com os conhecimentos eruditos, que os conhecimentos subjugados conseguirão a sua insurreição contra o efeito do conhecimento dominante que se acha vestido de “verdadeiro” com seu discurso institucional. Quando isso acontece, nasce, ou aparece, uma história alternativa. Como uma superestrutura que vincula este conhecimento que denominamos “erudito” ao conhecimento “indígena”, ou autónomo, surge na Galiza o movimento cívico, tentando articular vias de comunicação entre estas duas formas de conhecimento, com o fim de tornar visível esta realidade linguística e fazer que sejam reconhecidos os direitos dos cidadãos que têm uma visão da língua não coincidente com o discurso dominante. Aqui incluiremos todas as organizações do movimento Reintegracionista ou Movimento Lusófono Galego para fazer uma crítica efetiva ao conhecimento dominante. Essa crítica efetiva consegue-se de um modo indiscutível com a criação da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), em 2008. A AGLP, diferentemente de outras academias de Língua, não nasce para premiar os conhecimentos eruditos que já são muito valorizados pola sociedade na qual nasce essa Academia; não, a AGLP nasce para dar voz a conhecimentos que, longe de serem valorizados, estão sendo subjugados polo poder estabelecido, e nesses conhecimentos incluem-se tanto os eruditos (na literatura) como os indígenas. A aparição da AGLP faz real a crítica efetiva a esse conhecimento dominante estabelecido sobre a Língua na Galiza e, portanto, uma nova narrativa, que satisfaça esta nova informação que agora a sociedade tem, faz-se imprescindível. A AGLP é fruto da constância e esforço da cidadania, e do poder da produção literária pró-lusista. A AGLP não só afirma que o “galego” não é diferente do “português”, contradizendo a premissa central do discurso da RAG, senão que afirma que se deve chamar “português”. No dia seis de outubro de 2008, com a inauguração da AGLP, consegue-se finalmente fazer chegar à cidadania, em maior ou menor medida, o reconhecimento da existência de elementos linguísticos que, sendo reais, não podem ser explicados polo discurso oficial sobre a língua. A partir do momento em que o novo discurso começou a produzir o seu efeito, o velho discurso ficou obsoleto; a partir desse momento vai começar a proliferação de discursos narrativos para tentar explicar esses novos dados. Esse surgimento de novos discursos é o passo mais importante para a geração de 0133


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significado, porque destes novos discursos e da sua adequação e aceitação dependerá o efeito na sociedade. O prognóstico era que, na medida em que a AGLP fosse capaz de orientar o apoio do Governo para os novos discursos, estaria guiando a direção da mudança da narrativa linguística. E, tal como a hipótese antecipava, na Galiza, a narrativa do que é a nossa língua foi mudando progressivamente, chegando em 2014 a aprovação, no Parlamento Galego, da Lei Paz­‑Andrade, de 24 de março, por unanimidade dos deputados do Parlamento da Galiza, tendo conseguido o apoio popular necessário. A Lei Paz­‑ Andrade, no seu articulado, dita que “os poderes públicos galegos promoverão o conhecimento da língua portuguesa e das culturas lusófonas para aprofundar os vínculos históricos que unem a Galiza com os países e comunidades de língua portuguesa”, e “pelo caráter estratégico que para a Galiza têm as relações económicas e sociais no quadro da Euro­‑região Galiza-Norte de Portugal”2. O Governo Galego incorporará progressivamente a aprendizagem da língua portuguesa nos centros de ensino da Galiza. Na lógica da mudança de narrativa, motivo deste estudo, esse seria um discurso intermédio na direção adequada de fomentar a cada dia mais a confluência e identificação de galego com português. Agora é tempo de esperar que o ensino de português se vá incrementando pouquinho a pouco3 no sistema educativo galego para ver como isso vai modificar a narrativa da conceção de língua na Galiza. Cabe antecipar que, com maior conhecimento do português padrão europeu, a cada dia mais e mais pessoas abraçarão o discurso de “galego igual a português”; ou mesmo o de “português igual a língua da Galiza”; contudo, o mais importante neste momento é conseguir a universalização do ensino de português padrão nos centros de ensino da Galiza. Quando isso acontecer, será uma questão de tempo para galegos e galegas perceberem que, de facto, parafraseando o saudoso poeta Ernesto Guerra Da Cal: “A língua portuguesa é o nosso lar, perdido e reencontrado”.

2 “Os poderes públicos galegos promoverán o coñecemento da lingua portuguesa e das culturas lusófonas para afondar nos vencellos históricos que unen Galicia cos países e comunidades de lingua portuguesa e polo carácter estratéxico que para Galicia teñen as relacións económicas e sociais no marco da Eurorrexión Galicia-Norte de Portugal.” Título Único, Artº 1º, LEI 1/2014, do 24 de marzo, para o aproveitamento da lingua portuguesa e vínculos coa lusofonía, conhecida como Lei Paz-Andrade. 3 Pouco a pouco. 0134


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FOUCAULT, Michel, Discipline and punish: The

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LITERATURA E CIDADANIA JORGE CARLOS FONSECA

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e pensarmos na ideia de cidadania grega ou romana, isto é, uma categoria de indivíduos aos quais eram reconhecidos determinados direitos e obrigações, nas suas sociedades, por preencherem determinados requisitos estabelecidos e aceites, no primeiro caso, pela Polis, verificamos que é no seio dessa classe privilegiada que se produzem, igualmente, as primeiras formas de literatura escrita que se conhece – a poesia e o teatro. Aqui falamos dos poetas que inventaram e aprimoraram esta forma literária, há mais de 2800 anos, elevando‑a à categoria de arte, que produziram obras como A Odisseia, a conhecida epopeia de Homero, a poesia de Safo e Píndaro, as fábulas de Esopo, a oratória de Demóstenes, a biografia de Plutarco e a historiografia de Heródoto, ou os clássicos latinos, como a Eneida, de Virgílio, e ainda os escritos de Horácio, Ovídio, Cícero, que hoje se consideram as obras fundacionais da literatura universal, de onde derivam todas as outras que se lhes seguiram. O que resulta dessa condição de cidadão é a elevada capacidade de entendimento das regras a que assiste a organização de uma sociedade e capacidade também de intervenção e de exposição de ideias, contribuindo assim para a elevação e o aprimoramento dessas linhas de conduta. Nesse período clássico que falamos, a literatura existente, a poesia, o teatro, alguns relatos de viagem embebidos em História, pela pena de Heródoto, por exemplo, são lidos, apreciados, exaltados por *Sem Acordo Ortográfico

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estes cidadãos. E, séculos depois, Roma vem mesmo a alargar essa condição de cidadania para lá da concepção grega anterior. A literatura, na sua forma nobre, é reconhecida por ser expressão artística de elevada importância para a vida das pessoas, dos cidadãos, dando‑lhes não só essa capacidade de sonhar, de efabular, mas também servindo de instrumento do conhecimento e de evasão, de criação de mundos alternativos que vêm preencher todo um imaginário de que hoje somos todos legatários. Após a queda do Império Romano, e com a erosão e o posterior desaparecimento da ideia de cidadania, as trevas que se abatem sobre o indivíduo colocam‑no numa ligação directa e permanente com o Divino e a salvação da sua alma, objectivos que pouco têm que ver com autoconsciência cívica ou relação com a Polis – esta também a passar por profundas mutações, perdida entre as muralhas do Feudalismo. Mas a literatura recupera, reergue‑se e, a pouco e pouco, surge aqui e ali, em diversas formas: canções provençais, cantigas de amigo, sagas nórdicas (que tanto apaixonavam Jorge Luis Borges) para, na Alta Idade Média, ressurgir um pouco por toda a Europa, em obras‑primas de Dante, Gil Vicente, e depois Shakespeare, Camões, Montaigne, Cervantes, etc. Obras que procuravam agora ser metáforas da condição humana que se transmuta rapidamente; são como balões de ensaio de uma vontade de autodescoberta, da libertação do homem do jugo da Igreja e dos dogmas que cerceiam a vontade do conhecimento, e que vão produzir o Espírito Iluminista. No Século das Luzes, filósofos e políticos franceses, ingleses e norte‑americanos retomam o caminho na direcção dessa ideia inicial de cidadania, impondo cartas, constituições que estabelecem, a pouco e pouco, novas regras do indivíduo na Polis – agora renovada – alargando esse conceito para outros espaços, assim como o conjunto dos direitos que pretendem proteger, numa visão progressista da sociedade e da Humanidade, saída da Revolução Francesa. Mas é no século XIX que a literatura, na sua forma romanesca, ganha fóruns de espaço de luta e intervenção, sobretudo social, de denúncia das condições de vida dos mais humildes, como, por exemplo, Victor Hugo, Charles Dickens, ou apenas de registo de costumes e relatos da vida em sociedade, como Honoré de Balzac, Gustave Flaubert, Guy de Maupassant, ou nos clássicos russos, como Turgueniev, Gogol, Dostoievsky, Tolstoy. Por outro lado, com a criação e a expansão de impérios coloniais europeus reescreve‑se o mapa de uma cidadania mundial, arredando populações inteiras deste espaço de privilégios e protecção. Pode‑se dizer que os primeiros encontros entre a literatura moderna e uma ideia de liberdade e igualdade de direitos e deveres, que enforma a cidadania, começam a 0137


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surgir por esta altura. Esta vertente vai acentuar‑se ainda mais no século XX, com as suas duas guerras mundiais, as diversas guerras civis, a carnificina que as caracteriza, os regimes totalitários, as fomes, a emigração, a angústia do homem perante a vida, que vai passar a fazer cada vez mais parte dos assuntos de todos os géneros literários. Acresce a fusão entre a literatura e a condição humana, aqui incluída a sua condição de cidadão, agora reconhecida amplamente, mas com nuances no que respeita, por exemplo, à segregação racial em alguns países. Assim, neste breve apontamento histórico, podemos verificar como, ao longo dos séculos XIX e XX, o reformular de conceitos como raça e nação leva igualmente a literatura a ter que repensar e a trazer a ideia da “cidadania” para o centro da discussão, até chegarmos à noção que hoje existe e que é unanimemente aceite entre nós. A construção de uma ideia de cidadania moderna, na literatura, encontra‑se já implícita em autores como William Shakespeare, Olaudah Equiano (conhecido também como Gustavus Vassa, nascido em Biafra, actual Nigéria, foi o primeiro escravo negro liberto que escreveu a sua autobiografia), em Herman Melville [curiosamente, tem um conto de nome “The Gees” (corruptela de portuguese), que incide sobre marinheiros cabo‑verdianos a bordo de baleeiros da Nova Inglaterra], em A Cabana do Pai Tomás (de Harriet Beecher Stowe), nos escritos do abolicionista e ex‑escravo Frederick Douglass, mas também nos textos de James Baldwin, Richard Wright e Ralph Ellison (autor de O Homem Invisível, sobre o dia­‑a­‑dia de um afro­ ‑americano, no final dos anos 40 do séc. XX, ou, ainda, de Shadow and Act), ou no célebre romance Não Matem a Cotovia, de Harper Lee, entre muitos outros. Aqui estamos a falar de uma literatura que toca, com maior ou menor intensidade, na extensão dos direitos cívicos, constitucionalmente consagrados, a uma parte da população de um país, ignorada e tida quase como inexistente. Chegados a este ponto, o da intersecção da Literatura com a Cidadania, outras questões se levantam neste nosso tempo e, em particular, no nosso país, e que se prendem directamente com uma ideia incontornável: a de uma educação para a cidadania. Não há dúvidas de que os textos seleccionados, quer pelos professores, quer por uma orientação de política educativa superior, para serem discutidos com os alunos, têm um papel importante na educação cívica e moral. Para além de servirem para aquisição e melhoramento do vocabulário, estes mesmos textos podem ter, e normalmente têm, noções muito fortes ligadas à ideia de cidadania. Podemos destacar o civismo, a vida em sociedade e um conjunto de valores importantes e universais, intemporais, que podem vir a constituir a tessitura intelectual de cada um dos indivíduos. O reconhecimento de um grupo específico 0138


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num espaço social é a base para a realização da cidadania. E, assim como na Literatura, este é um espaço onde deve fluir o debate, a tensão de mãos dadas com a criatividade, a busca de soluções e, sobretudo, de confronto de ideias, quer entre pessoas, cidadãos, quer entre estas e as instituições que enformam e dirigem essa sociedade. Mas também poderíamos estender a discussão à volta de uma certa tensão que por vezes encontramos entre cidadania e direitos humanos. Continuamos a falar de direitos e obrigações e da relação, também essa tensa por vezes, entre o indivíduo e o Estado. Mas sem esquecer que, em certos países, nem sempre o conceito de cidadania está ligado ao de direitos humanos, com todas as consequências que daí advêm. Recuperamos, também, a ideia da Literatura como qualquer coisa de perfeitamente inútil – ideia que cada vez mais perpassa as mentes de muitos intelectuais; ou seja, de algo perfeitamente inútil, e que cada vez tem mais dificuldade em falar directamente ao nosso coração, mas que é, ao mesmo tempo, indispensável à própria vida. É a literatura como a possibilidade do mundo, em oposição ao vazio; a literatura igualmente como espaço de liberdade, de exercício da cidadania. No fundo, um conjunto de coisas cada vez mais estranhas ao mundo de hoje, que são as obras literárias capazes de acordar a consciência dos leitores e de criar jovens cidadãos. Porque a literatura, para além da sua componente representativa, é também a possibilidade de questionar, de pensarmos uma realidade social diferente, uma forma de escapar à opressão. E sendo a leitura e a escrita as duas componentes constitutivas da literatura, a representação e o questionamento das realidades, através da palavra, é uma forma de fortalecimento da cidadania e de despertar as consciências. O que leva à conclusão que já todos sabemos: quanto maior o acesso à literatura, independentemente da forma desta, mais conhecimento uma população terá e mais crítica ela se torna face à sua realidade e mais facilmente poderá agir. A arte e o poema são, assim, parte indispensável da cidadania. Será desejável que nas escolas do país, em todas as ilhas e em todos os concelhos, se estimule a leitura e o ensino dos autores clássicos, mas também dos modernos; conhecer a poesia, mas também as personagens e seguir a suas vidas, as situações por que passam, estimulando assim também o leitor a colocar‑se na sua pele e a questionar a sua própria vida, sentir essa corrente que liga a literatura à cidadania. De referir que a nossa consciência cívica, aquela que nos fez chegar até aqui e construir uma sociedade democrática, reconhecida internacionalmente, resulta de um trabalho laborioso dos nossos pais, professores e tutores. O crescimento da nossa 0139


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taxa de literacia, que acompanhou a emergência do país, enquanto Estado soberano, influenciou positivamente o nosso desenvolvimento, não só económico mas também pessoal e profissional. Mas é aqui que nos devemos preocupar, especialmente com os baixos índices de leitura que se registam cada vez mais no nosso país. A falta de rigor e a impreparação só promovem maior exclusão social e, por conseguinte, menos cidadania. Por seu lado, a falta de hábitos de leitura leva, inevitavelmente, à falta de informação ou de capacidade para compreender a pouca que chega, afastando o indivíduo dos seus direitos enquanto cidadão. E porque estamos também aqui reunidos pelos 160 anos da Cidade da Praia de Santa Maria, recordamos a Polis clássica de Homero, Platão, Aristóteles, Eurípedes, Plutarco, Heródoto, e os que aqui habitam ou habitaram, e pelas suas ruas e encostas caminham ou caminharam, como Jaime Figueiredo, Arnaldo França, Oswaldo Osório, Mário Fonseca, Arménio Vieira, Vadinho Velhinho, fazendo desta cidade o seu espaço do dia‑a‑dia, de convívio e de reflexão, de amores, paixões e ansiedades. É incontornável a influência da cidade na vida de um escritor, pois para além daquilo que se possa escrever ou não sobre a cidade da nossa infância ou juventude, existe um património de afectividades, um cordão umbilical que o liga às suas ruas e praças, fazendo dele próprio uma espécie de toponímia pessoal e secreta da sua eterna cidade. Essa ligação à sua cidade que também lhe molda o carácter, contribuindo para o conforto e equilíbrio do seu estado de espírito. E é essa infusão de alma e paixão, recebida, que o escritor depois devolve à sua cidade, num acto de amor ou de reconciliação, quiçá também de descoberta. A Lisboa de Bocage, Pessoa, o Porto de Camilo, a Dublin de Joyce, a Trieste de Svevo, a Londres de Dickens, a Barcelona de Montalban, a Mindelo de Nho Roque e Baltasar Lopes, a Salvador de Jorge Amado. Falando de cidades, refiro aqui o que li na imprensa destes dias, de Abraão Vicente, sobre a Praia e a literatura: a partir da literatura, podemos recriar a auto­ ‑estima e reconstruir a narrativa sobre a cidade da Praia. Pelo menos durante muitos anos, esta cidade foi mal amada, quiçá por muitos de seus habitantes e, sobremaneira, por muitos que ela acolheu com generosidade. Na literatura indígena, ela foi claramente ignorada, injustiçada, diria. Os romances, a poesia, os contos... falavam de São Nicolau, de Santo Antão, das ribeiras, cheias e estiagens do interior das ilhas, de Monte Cara e Caleijão, do Paúl e até da Brava, mas Praia... uma cidade maldita ou amaldiçoada. Subscrevo, sim, o essencial do que o jovem ministro afirmou, mas diria, porque desde praticamente a nascença e até agora, me atenho, nalguma medida, 0140


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a concepções dos idos trinta, que em recriações, qualquer pretensão a ARTE, a POESIA, sobremaneira, deverá ter a noção de que a arte é sempre chamada a saber que a sua qualidade reside apenas na imaginação, independentemente do objecto superior que lhe deu origem. Só assim, desligada, na sua própria objectividade, de qualquer círculo determinado de ideias e de formas, ela se pode conformar àquela sua necessidade primordial, que é a de ser totalmente humana (os que me ouvem saberão que refiro palavras escritas por outrem em 1935 – “Posição política do surrealismo – posição política da arte de hoje”). Acrescentaria eu, hoje, aqui, potenciadora de verdadeira cidadania. Presumo que terá sido com esta convicção e – quem sabe – ingenuidade de uma pós‑juventude assumidamente imadurecida – pelo acantonamento a uma espécie de hiperbolização estética e metodológica da ideia de Eduardo Lourenço de que «Antes e depois dos “Ulisses” de Homero e Joyce a aventura de que a literatura é manifestação e signo existiu e existe...”, mas só entre um e outro a literatura se apresenta como errância da substância humana» que, há vinte anos, em jeito de rebeldia poética ou de resgate (palavra adorada, quase obsessivamente, pelos políticos e média nossos), em nome das ruas, das gentes, dos gestos, das fantasias e fantasmas, dos heróis e glórias, dos segredos e deuses desta cidade, escrevi o texto que vos releio, com gosto, e talvez para desconforto dos que já me ouviram dizê‑lo em momentos os mais diversos, mesmo – temerariamente – em reuniões de campanha eleitoral. Sim, um texto escrito em verdadeiro ano de tigre (símbolo não do fogo que resplandece e arquétipo eterno do Mal, ao jeito de Blake, mas, singelamente, símbolo de terrível elegância, como o definiu Chesterton), num exílio prolongado em que o poeta se convence de que vai a Tóquio, Baden‑Baden e Roma, revisita a magnífica Espanha e regressa às ruas da Praia, banhando‑se diariamente nas águas das ilhas, decreta estado de sítio numa parcela de Achada de Santo António, acaba um romance «cidade minha, leviana prostituta, em quatro traições banais, a caminho de uma bela e subterrânea salvação, converte Arménio Vieira ao budismo e Cânfora ao Benfica, ainda antes de ser acusado de ser o mentor de frustrado assalto à grande Galeria do Louvre. Aliás, o poeta, não, a cidade fora apanhada em flagrante com a mão direita sobre «Ixion, roi des Lapithes, trompé par Junon»1.

Quadro de Peter Paul Rubens, pintado c. 1615, pertencente ao Museu do Louvre, em Paris.

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POEMA À CIDADE DA PRAIA - lido pelo autor -

Cidade minha, obsessão muito dolorida, quem alguma vez te romanceou, quem espreitou, de alguma varanda escondida, os seios coniformes e desprevenidos de tuas caníngicas (de cana e esfinge) mulheres? Quem, até hoje, te escreveu poema que não fosse chato, desolado ou ranhoso?! (Lembras-te de “Câ nhôs djobem di pâ baxu”?) Onde se esconde o teu Ferreri, em que labirinto se deixou de ver o teu Kafka, cidade minha apetecida? Estão a dar cabo de ti! Mas quero ser eu o único a dar cabo de ti! Quero ser o teu rei, o teu súbdito, o teu amante, o teu poeta, quero ser eu a cidade (tu), toda a cidade. Dizem que não mereces umas Las Hurdes?! Acham os teus inimigos que nunca terás um Ulysses ou uma Sistina?! Onde está o teu Garbarek, onde está a tua Vera Zasulich, cidade minha, capital que vais ser do império que aí vem? Ri dos imperadores que te querem dar, tu que já tiveste e celebraste Patchitcha, Fernando Jorge, Baíno, Valente, Grilo, Tútú, Antoninho Baratêro, Cócó di Gigante, Nezinho Brasileiro e Lindos Melhas! Hei-de construir, para os teus heróis, os mortos e os vivos, pirâmides, castelos damasquinados, e erguer, em nome deles, catedrais, estádios e universidades reluzentes. 0142


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Onde fica o teu sexo? Qual é o teu sexo?! Serei o teu amor singular, quero ser eu apenas a seduzir-te, a violar-te, docemente, diariamente, minha cidade, minha capital suficientemente leviana, de vez em quando discreta prostituta na arte e nos sonhos. Quero-te só para mim, o peito alto e descoberto, os cabelos de mar, soltos e bravios, entrelaçados a sal e vinagre, a vagina célere, insubmissa e com os dentes de fora, arreganhados. Uma vagina que aloje a América, toda a Guang Dong, Paris, as avenidas de Kuala Lampur, Ou Mun, para não falar dessas capitais LP. Uma vagina, cidade amada, que, finalmente, junte di Nhâ Reinalda a Brubeck, vagabundo orgasmo a gigantesco lava-loiças, onde dançarão cisnes dourados e peixes vermelhos ao ritmo de rag time. (Mas deixa que te diga: nunca hei-de aceitar que teus detractores, afinal, ingratos pastores de tuas águas e veias, te chamem vagina navegável!) Apesar das traições, grandes e pequenas (quem não trai, afinal?); apesar de teu mitigado pundonor quando, soberba e de olhar fulminante, ofereces o suave e rápido encanto de tuas partes mais íntimas, farei de teu útero um palácio visigótico, ou, se quiseres, árabe ou judio, com átrios gigantescos, centenas de corredores e jardins de orquídeas, guardado por um exército permanente e fardado a rigor. Onde está o teu Picasso? Onde está a tua Guernica?! As pedras de tuas ruas não têm musgo? Afinal, lembras-te de alguma vez te chamarem grande capital, cidade eterna ou varanda de qualquer continente?! Serei eu a dar-te os jovens que mereces, e não essas múmias, essa cachupa requentadíssima que te servem por aí. Mereces meter essa gente toda no bolso. Que é Montreux comparado com a tua Gamboa? 0143


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Que seria do mundo sem ti, tu o Artista, o Tesouro por enquanto desconhecido, quase clandestino, a face perlada, o sorriso, eterna cenoura de feitiços cor-de-prata?! Não há clonagem capaz de fazer outra igual a ti! Fará Lisboa, S.Filipe, Ziguinchor, Pará ou Niamey, mas cidade como tu, nunca! Terás uma mindelo, três assomadas, meia dúzia de sidneys, uma vintena de mosteiros só para ti, todos os bares de Pat Pong, e, se o desejares, farei de ti uma metrópole sem igual, longa, perversa, cheia de luz, a pedir sempre mais luz, como queria Goethe. Transportarei para ti, arrastado por uma esquadrilha de galeras de todas as cores, erecto, cilíndrico e musculado fiorde, que atravessará, festivo e arrogante, as artérias da ressuscitada Praia Negra, e, então, cidade minha, só minha, erguerei sobre o teu aveludado dorso uma gigantesca bandeira com os dizeres seguintes: Abram bem os ouvidos, poetas desta cidade! Nunca digam que paraíso nenhum existe ou que todos os paraísos são artificiais! Se, por algum tosco Cláudio ou Napoleão, à morte condenado for, nada temas, amada minha, que farei como Arria: “Praia, non dolet!” Queres ser outra cidade, ter outro nome? Ser desavergonhada como Sun City? Alguma vez desejaste ter outro esposo? Não?! Já o adivinhava, minha cidade (só minha), cidade da Praia!

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Saída da Polis, a literatura tornou‑se, nos dias de hoje, um bem comum: é espaço de exercício livre da cidadania e usuária desta condição para a sua realização plena, enquanto expressão artística. E surge como derradeira alternativa, como último recurso que nos resta quando não existe mais nenhuma outra forma de acção possível. Podemos ver isso naqueles que foram torturados, humilhados e enxovalhados nas prisões, campos de concentração, sobretudo ao longo da História recente, e que não lhes restou outra forma de resistência para manter a sua dignidade, provando que a literatura é a última arma, o último reduto para a afirmação incondicionada e perene da Liberdade. Permitam‑me, caros amigos, que termine do modo como esta cidade se defendera da acusação de assalto atrás mencionada: «A liberdade nasceu sobre estes muros. Mas a paixão está inscrita irremediavelmente no dorso de minha alma».

Notas sobre o poema:

Guangdong – é o nome chinês da província de Cantão. Ou Mun – é o nome chinês de Macau. “Câ nhôs djobem di pâ baxu” – “não me olhem para baixo” (não me inferiorizem). Arria – Mulher romana (século I), cujo marido recebeu ordem do imperador Cláudio para se suicidar. Vendo que o marido não tinha coragem para o fazer, tirou-lhe o punhal, espetou-o no seu próprio corpo, dizendo “Non dolet”, ou seja, não dói. 0145



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1. Sessão de abertura do VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa. Na mesa, da esquerda para a direita, Mário Fernandes, Presidente da EMEP (patrocinadora oficial dos EELP na Praia), Óscar Santos, Presidente da Câmara Municipal da Praia, Abraão Vicente, Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde e Vítor Ramalho, Secretário­ ‑Geral da UCCLA.

3. Rui Lourido e Vítor Ramalho, durante a apresentação da 3ª Edição do Prémio UCCLA – Novos Talentos, Novas Obras em Língua Portuguesa, atribuído ao livro Equilíbrio Distante, de Oscar Maldonado.

2. Grande afluência do público no auditório da Universidade de Cabo Verde para assistir aos trabalhos do VIII EELP.

5. Jorge Tolentino, escritor e diplomata (Cabo Verde), durante a homenagem a “Jaime Figueiredo, o pintor que escrevia magnificamente”.

4. Na primeira fila, da esquerda para a direita, o Cardeal Dom Arlindo Furtado, Bispo de Santiago, Vítor Ramalho, Óscar Santos, Abraão Vicente e Mário Fernandes, assistem à homenagem a Jaime Figueiredo.

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6. No écrã, uma imagem da capa do livro A Caminhada, de Samuel Gonçalves (Cabo Verde), apresentado pela escritora Fátima Bettencourt (Cabo Verde), à direita, com intervenções de Carmelinda Gonçalves (filha do autor) e do próprio autor. 7. Na mesa, da esquerda para a direita, Carmelinda Gonçalves, Samuel Gonçalves, autor do livro A Caminhada, apresentado por Fátima Bettencourt. 8. Na primeira fila, Rui Lourido, Óscar Santos, Vítor Ramalho, Maria Aleluia Andrade e Mário Fernandes, durante a apresentação do livro A Caminhada. 9. Na mesa de acolhimento aos participantes, brochuras do VIII EELP e edição fac-similada do texto "O sentido da morna e das coladeras" de Jaime Figueiredo. 10. Na Feira do Livro organizada pela Universidade de Cabo Verde, exposição de livros de autores de vários países lusófonos, e também da Galiza. 11. Mostra da Feira do Livro na Universidade de Cabo Verde.

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12. A desafogada e cuidada entrada para a Universidade de Cabo Verde, em Palmarejo, vendo­‑se à direita a indicação para aceder ao Encontro de Escritores.

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13. Aspeto da assistência, com a presença de vários alunos de Universidades da Praia para ouvirem as intervenções incluídas no painel “Literatura e Juventude”. 14. Mais um aspeto da assistência que encheu o auditório da Universidade. 15. Inês Barata Raposo (Portugal) 16. Natacha Magalhães (Cabo Verde) 17. José Carlos de Vasconcelos (Portugal) foi o moderador do 1º painel, subordinado ao tema “Literatura e Juventude”. Da esquerda para a direita, os escritores David Capelenguela (Angola), Inês Barata Raposo (Portugal) e Natacha Magalhães (Cabo Verde), oradores neste painel. De pé, Ivan Santos da Câmara Municipal da Praia. 18. David Capelenguela (Angola) 19. Da esquerda para a direita, David Capelenguela, Inês Barata Raposo, José Carlos de Vasconcelos, Olinda Beja e Natacha Magalhães, durante o debate sobre “Literatura e Juventude”. 18

20. A escritora são-tomense Olinda Beja, à direita, no decurso da sua apresentação.

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21. José Carlos de Vasconcelos apresenta a sua comunicação no painel dedicado ao tema “Literatura e Criatividade”. 22. Vera Duarte (Cabo Verde) 23. Filipa Melo (Portugal) 24. No painel subordinado ao tema “Literatura e Criatividade”, a moderadora, Vera Duarte, ao centro, com Filipa Melo (Portugal) e José Carlos de Vasconcelos, os dois intervenientes nesta mesa.

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25. Na assistência, Tony Tcheka (Guiné-Bissau), Concha Rousia (Galiza), Olinda Beja e Inês Barata Raposo seguem com atenção as comunicações dos oradores. 26. Leão Lopes (Cabo Verde), escritor e cineasta, apresenta a sua comunicação, incluída no painel sobre “Literatura e Criatividade”. 27. Zhang Weimin (República Popular da China). 28. Zhang Weimin (China), durante a sua comunicação sobre os desafios da tradução de Camões e de Fernando Pessoa para a língua chinesa. 29. Um membro do público dirige uma questão à mesa. 30

30. Tony Tcheka, na assistência, interpela um dos oradores.

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31. Judite Nascimento (Cabo Verde). 32. Luís Costa (Timor Leste). 33. Judite Nascimento (Cabo Verde), que apresentou um texto em coautoria com Fátima Fernandes (Cabo Verde), durante a sua comunicação, no painel “Literatura e Cidadania”. Na mesa, da esquerda para a direita, os escritores Luís Costa (Timor-Leste), Fátima Fernandes (Cabo Verde), Mário Silva, moderador (administrador da Livraria Pedro Cardoso, Praia), Hermínia Curado Ferreira (Cabo Verde) e Joaquim Arena (Cabo Verde). 34. Jorge Carlos Fonseca apresenta a sua comunicação, ladeado por Judite Nascimento e Mário Silva. 35. Joaquim Arena apresenta a sua comunicação, incluída no Painel “Literatura e Cidadania”. 35

36. Fátima Fernandes (Cabo Verde).

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37. Hermínia Curado Ferreira (Cabo Verde). 38. Joaquim Arena (Cabo Verde) 39. Da esquerda para a direita, o escritor Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República de Cabo Verde, Mário Silva e Concha Rousia. 40. Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República de Cabo Verde. 41. Concha Rousia (Galiza). 42. Diversos autores e oradores do VIII EELP entre o público, no auditório da Universidade de Cabo Verde, onde decorreram as sessões.

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43. Tony Tcheka (Guiné-Bissau) 44. Manuel Brito-Semedo (Cabo Verde). 45. À volta de uma longa mesa, no debate sobre Literatura e Cidadania, da esquerda para a direita, o escritor e antropólogo Manuel Brito-Semedo, Fátima Fernandes, Judite Nascimento, Jorge Carlos Fonseca, Mário Silva, Concha Rousia, Tony Tcheka, Hermínia Curado Ferreira, Luís Costa e Joaquim Arena.

46. Na primeira fila da assistência, da esquerda para a direita, Mário Fernandes, Vítor Ramalho, Óscar Santos, António Lopes da Silva, Judite Nascimento e Rui Lourido. Na primeira cadeira da segunda fila, Anabela Carvalho, assessora de comunicação da UCCLA.

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47. Fernando Elísio Freire de Andrade, Ministro dos Assuntos Parlamentares, da Presidência do Conselho de Ministros e do Desporto, 48. O Secretário­‑Geral da UCCLA, Vítor Ramalho, dirige­ ‑se aos autores, convidados e demais público durante a sessão de encerramento do VIII EELP. Na mesa, Rui Lourido, Fernando Elísio Freire de Andrade e Óscar Santos.

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49. Óscar Santos, Presidente da Câmara Municipal da Praia e impulsionador da realização dos Encontros de Escritores no seu município. 50 Rui Lourido, responsável pelo Departamento de Cultura da UCCLA e pela realização dos Encontros de Escritores de Língua Portuguesa, dirige-se à assistência, na sessão de encerramento. 51. Vítor Ramalho, Secretário-Geral da UCCLA 52. Rui Lourido lê o comunicado final do Encontro durante a sessão de encerramento. Na mesa, da esquerda para a direita, Fernando Elísio Freire de Andrade, Ministro dos Assuntos Parlamentares, da Presidência do Conselho de Ministros e do Desporto, Óscar Santos, Presidente da Câmara Municipal da Praia, e Vítor Ramalho, Secretário-Geral da UCCLA.

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53. A assistência durante a sessão de encerramento.

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54. Jorge Carlos Fonseca troca impressões com a escritora Filipa Melo e com João Céu e Silva, jornalista do Diário de Notícias (Portugal) na receção que ofereceu à comitiva do VIII EELP na sua residência oficial. 55. Os escritores Tony Tcheka e David Capelenguela, com Filomena Nascimento (UCCLA), na residência oficial do Presidente de Cabo Verde. 56. Jorge Carlos Fonseca à conversa com o escritor David Capelenguela.

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57. No final do Encontro, alguns autores convidados dirigem-se num autocarro para a Cidade Velha. Na janela da esquerda, no sentido dos ponteiros do relógio, Luís Costa, Filipa Melo, Inês Barata Raposo e Concha Rousia. Na janela da direita, David Capelenguela e Olinda Beja. Na porta, José Carlos de Vasconcelos.

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A CIDADE E A LITERATURA PROGRAMA DAS

MESAS E COMUNICAÇÕES REALIZADAS NO VIII EELP Cidade da Praia – Cabo Verde

Dia 19 de abril 16h

Abertura do Encontro

Intervenções: Ministro da Cultura de Cabo Verde – Abraão Vicente Presidente da Câmara Municipal da Praia – Óscar Santos Presidente da EMEP – Mário Fernandes Secretário-Geral da UCCLA – Vítor Ramalho 16h50m Homenagem a Jaime Figueiredo

“Jaime Figueiredo, o Pintor que escrevia magnificamente”, por Jorge Tolentino

17h15m Apresentações

Prémio de Revelação Literária UCCLA – Novos Talentos, Novas Obras em Língua Portuguesa (3ª Edição), por Rui Lourido Lançamento e apresentação do livro Casa dos Estudantes do Império – 50 anos | testemunhos, vivências, documentos, por Vítor Ramalho A Caminhada, de Samuel Gonçalves, por Fátima Bettencourt

Dia 20 de abril 10h – 13h Tema: LITERATURA E JUVENTUDE

Moderador José Carlos de Vasconcelos (Portugal) Natacha Magalhães (Cabo Verde) Nós, a cidade e a emergência de uma juventude cidadã e crítica David Capelenguela (Angola) PASTOESIA – Canções para o tempo de pasto e festas de puberdade Inês Barata Raposo (Portugal) Uma infância e uma história entram numa página 0169


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Intervalo

Nuno Rebocho (Cabo Verde) O Papel dos Suplementos Juvenis e das Páginas Literárias da Imprensa Regional na Resistência Cultural à Ditadura Olinda Beja (São Tomé e Príncipe) O deslumbramento da urbe nos jovens artífices da palavra 12h30m Debate Intervalo para almoço 15h –18h Tema: LITERATURA E CRIATIVIDADE

Moderadora Vera Duarte (Cabo Verde) Filipa Melo (Portugal) Eu sou um Outro José Carlos de Vasconcelos (Portugal) A(s) cidade(s) dos poetas

Pausa para café/Intervalo

Leão Lopes (Cabo Verde) Literatura e Cinema: Intercomunicabilidade quase virgem, no caso de Cabo Verde Zhang Weimin (China) Desafios da tradução da poesia clássica portuguesa para chinês: o caso de Camões e de Fernando Pessoa 17h30m Debate

Dia 21 de abril 9h – 13h Tema: LITERATURA E CIDADANIA

Moderador Mário Silva (Cabo Verde) Hermínia Curado Ferreira (Cabo Verde) O primeiro e efémero Liceu da Praia Judite Nascimento e Fátima Fernandes (Cabo Verde) O Desenvolvimento Urbano e a Literatura Luís Costa (Timor-Leste) Díli: Cidade, Cultura e Literatura Joaquim Arena (Cabo Verde) A Literatura e as Cidades, os Fundamentos da Psicogeografia 0170


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Pausa para café/Intervalo

Manuel Brito-Semedo (Cabo Verde) António Nunes, o poeta do quotidiano crioulo Tony Tcheka (Guiné-Bissau) A cidade e as vozes assalariadas e rebeldias juvenis Concha Rousia (Galiza) Mudança de narrativa linguística na Galiza Jorge Carlos Fonseca (Cabo Verde) Literatura e Cidadania 12h

Debate

12h30m Encerramento do Encontro

Intervenções Rui Lourido – Coordenador cultural da UCCLA e Coordenador dos EELP – Leitura do Comunicado Final do VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa Vítor Ramalho – Secretário-Geral da UCCLA Óscar Santos – Presidente da Câmara Municipal da Praia Fernando Elísio Freire de Andrade – Ministro dos Assuntos Parlamentares e da Presidência do Conselho de Ministros e do Desporto

Atividades complementares Mostra / Feira do Livro, Universidade de Cabo Verde, Palmarejo (de 19 a 21 de abril) Exposição “Praia e Literatura”, Universidade de Cabo Verde, Palmarejo (de 19 a 21 de abril) Visita guiada à Cidade Velha, seguida de Porto de Honra no Palácio do Presidente da República (dia 21 à tarde) Visita ao Tarrafal, com ida ao Campo de Concentração (dia 22) 0171



ESCRITORES

Referências Biobibliográficas

Concha Rousia David Capelenguela Fátima Fernandes Filipa Melo Hermínia Curado FERREIRA Inês Barata Raposo Jorge Carlos Fonseca José Carlos de Vasconcelos Judite Nascimento Luís Costa Nuno Rebocho Olinda Beja Tony Tcheka Zhang Weimin



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CONCHA ROUSIA [Galiza]

Concha Rousia, Galiza, é psicoterapeuta e escritora. Bibliotecária da Academia Galega da Língua Portuguesa, de que foi cofundadora em 2008, é membro fundador da Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia e membro da Associação Galega da Língua. Presidente, pela parte galega, do Instituto Cultural Brasil-Galiza, é ainda membro da Junta Diretiva da Ordem dos Psicólogos da Galiza, e Coordenadora da Comissão Cultural, onde criou o Prémio Literário “Rosa de Cem folhas”, que vai na sua 10ª edição. Tem publicado poemas, contos, crónicas, e outros textos em diversas revistas galegas, portuguesas e brasileiras. Tem numerosos textos publicados em obras coletivas de poesia na Galiza, em Portugal e no Brasil. Algumas publicações: Se Os Carvalhos Falassem, 2016, Através Editora, Santiago de Compostela. “Blasfêmeas”, em Mulheres de Palavra, antologia de poesia contemporânea, 2016, homenagem à escritora Hilda Hilst. “Mudança de Narrativa Linguística na Galiza”: Capítulo no livro A Língua Portuguesa no Mundo: Passado, Presente e Futuro, 2016. Nântia e a Cabrita d’Ouro, romance, 2012, Através Editora, Santiago de Compostela. As Sete Fontes, romance, publicado em 2005, e-book. Arcos de Valdevez, Portugal. Já recebeu vários prémios, entre eles o Premio Literario Feminista do Condado, 2006, com o romance A Língua de Joana C. Em 2010, participou na Comitiva Oficial dos Colóquios da Lusofonia na visita à Academia Brasileira de Letras, onde deu uma palestra sobre a participação da Galiza nos Acordos Ortográficos da Língua Portuguesa. 0175


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DAVID CAPELENGUELA [Angola]

David Capelenguela nasceu em Angola, em 1969. Vinculado ao jornalismo desde 1990, no Namibe colaborou no Jornal de Angola e na Angop, mas é no jornalismo radiofónico que se realiza (rádios Namibe, Huíla, Cunene e, atualmente, na Rádio Lunda-Sul). É licenciado em Direito pela Universidade Agostinho Neto (Luanda), onde frequenta o Mestrado em Ciências Jurídico-Económica e Desenvolvimento. É membro do sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) e membro da direção e pesquisador do Centro de Estudos de Educação e Desenvolvimento (CEED) da Diocese de Ondjiva. Poeta, às vezes prosador, é membro cofundador da Brigada Jovem de Literatura do Namibe, onde exerceu funções de Secretário Provincial do Namibe e Cunene. É membro da União dos Escritores Angolanos (UEA) e Diretor Provincial do Fundo de Apoio Social na Província da Lunda-Sul (FAS). Obras publicadas (poesia): Verso Vegetal, 8:2=24, Ego do Fogo, Véu do Vento, Gravuras Doutro Sentido, Tipo-Grafia Lavrada, Acordanua, Vozes Ambíguas, Rugir do Crivo, O Enigma da Welwitschia, Planta da Sede. Tem também participação em várias Antologias. 0176


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FÁTIMA FERNANDES [Cabo Verde]

Maria de Fátima Fernandes nasceu em São Tomé e Príncipe, filha de pais cabo-verdianos. É licenciada em Língua e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Estudos Portugueses, Brasileiros e África Lusófona – Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, pela Universidade de Sorbonne (Paris III), e Doutora em Letras (Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa), pela Universidade de São Paulo, com a tese “A expressão metafórica do sentido de existir na Literatura cabo-verdiana contemporânea: João Vário, Corsino Fortes e José Luís Tavares”. Fátima Fernandes é Professora da Universidade de Cabo Verde – Departamento de Ciências Sociais e Humanas (DCSH). Foi Coordenadora da Licenciatura em Língua, Literatura e Cultura – Estudos Cabo-Verdianos e Portugueses, Leitora do Instituto Camões no ex-Instituto Superior de Educação (hoje Uni-CV) e Vogal do Conselho Diretivo do DCSH da Uni-CV. Dedica-se à divulgação das Literaturas africanas de Língua Portuguesa, com trabalhos apresentados internacionalmente, em colaboração com a Universidade Agostinho Neto (Angola), a Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil). Em 2017, Fátima Fernandes tomou posse como Curadora da Biblioteca Nacional e do Livro de Cabo Verde. Em 2016, publicou Percursos Identitários e Estéticos na Literatura Cabo-verdiana Contemporânea – João Varela, Corsino Fortes e José Luís Tavares, com base na sua tese de Doutoramento, e coorganizou o livro Cabo Verde – 100 Poemas Escolhidos. 0177


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FILIPA MELO [Portugal]

Filipa Melo é escritora, crítica literária e jornalista. Autora do romance Este É o Meu Corpo (2001), editado em Espanha, França, Itália, Polónia, Croácia, Eslovénia, Sérvia e Brasil e traduzido em sete línguas, também autora do livro de reportagens Os Últimos Marinheiros (2015) e do Dicionário Sentimental do Adultério (2017). Trabalha há mais de ​vinte anos na divulgação da literatura nacional e clássica na imprensa e na televisão, em comunidades de leitores, em eventos de divulgação e oficinas e tutoria d ​ e escrita criativa. Em 2006, criou a Comunidade de Leitura LPC (Literatura Portuguesa Contemporânea), atualmente sob patrocínio da Sociedade Portuguesa de Autores. ​Atualmente, assina crítica literária na revista Ler e nos jornais Sol e “i”​, coordena e ministra uma pós-graduação em Escrita de Ficção, na Universidade Lusófona, em Lisboa, é vogal do conselho directivo da Fundação Dom Luís I (Cascais)​e dirige e modera a Comunidade de Leitores Leya Connosco (Livraria Buchholz, Lisboa). 0178


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HERMÍNIA CURADO FERREIRA [Cabo Verde]

Hermínia Gomes da Cruz Curado Ferreira nasceu em São Vicente, em 1944. Fez o curso de Magistério Primário e licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas/Estudos Portugueses e Cabo-Verdianos, em Portugal (Coimbra) e Cabo Verde. Hermínia Curado tem um vasto curriculum em áreas diversas da cidadania. Foi responsável pelas Relações Exteriores na AEC (Associação de Escritores Cabo-Verdianos), professora de Português, Diretora-Geral da Educação (por substituição), Deputada Nacional/Secretária da Mesa da Assembleia Nacional/Presidente da Rede de Mulheres Parlamentares, Presidente da Assembleia Geral da SOCA (Sociedade de Autores) e da VERDEFAM (Associação C-V para a Proteção da Família). Atualmente, é conselheira do Instituto do Género (ICIEG), membro da Direção da ACL e faz voluntariado na área social e cultural. Livros publicados: Estórias de Encantar (2000) e A Magia das Palavras (2003), para o público infanto-juvenil, Sonhos e Anseios (ficção, 2008), Padre Campos: o missionário do Espírito Santo (2016), e é co-autora de Manual di Kriolu – Kauberdi (1998) e de Memórias do Liceu da Praia (2013). 0179


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Inês Barata Raposo [Portugal]

Natural de Castelo Branco, venceu o prémio Branquinho da Fonseca Expresso/ Gulbenkian na modalidade juvenil com o livro Coisas que Acontecem, que será publicado em 2018. Foi a única selecionada na categoria de literatura do concurso nacional Jovens Criadores em 2017, uma iniciativa do Instituto Português do Desporto e Juventude e do Gabinete do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto. No mesmo ano, o seu conto "Uma Maçã por Dia" foi escolhido para integrar a antologia A Criança Eterna editada pelo Centro de Estudos Mário Cláudio. Estudou Comunicação e Edição de Texto na Universidade Nova de Lisboa. Ex-bolseira do Instituto Camões, passou pelo mundo do jornalismo e pelo mercado editorial. Atualmente mora numa aldeia do interior de Portugal e trabalha como redatora freelancer. 0180


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JORGE CARLOS FONSECA [Cabo Verde]

Jorge Carlos Fonseca, nascido em Cabo Verde, em 1950, cumpre o seu 2º mandato como Presidente da República de Cabo Verde. É um conceituado jurista a nível nacional e internacional nas áreas do Direito Penal, Processual Penal e Constitucional, sobre as quais tem vasta obra publicada, em livros e artigos em revistas cabo-verdianas e estrangeiras. Professor universitário, lecionou na Faculdade de Direito de Lisboa, no Instituto de Medicina Legal de Lisboa, na Universidade de Macau e no Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais de Cabo Verde. Foi investigador de Direito Penal no Instituto Max-Planck (Alemanha) Participou na elaboração da Constituição de Cabo Verde e, como perito contratado pelas Nações Unidas, na elaboração da Constituição de Timor-Leste. Como Ministro dos Negócios Estrangeiros, conseguiu que o seu país fosse eleito para o Conselho de Segurança da ONU. Fundou a Revista Direito e Cidadania e a Fundação Direito e Justiça (ambas em Cabo Verde), e colabora em publicações sobre Ciências Criminais em Portugal e no Brasil. Poeta, publicou O silêncio acusado de alta traição e de incitamento ao mau hálito (1995), Porcos em delírio (1998) e O Albergue Espanhol (2017). Figura em várias antologias literárias e obras coletivas e foi conferencista sobre temas jurídicos, culturais e políticos em diversos países em África, na Europa e nas Américas. Jorge Carlos Fonseca já recebeu inúmeros galardões, entre eles, o Grande Colar da Ordem da Liberdade, atribuído em 2017 pelo Presidente da República Portuguesa. 0181


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JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS [Portugal]

Poeta, membro da Academia Brasileira de Letras, José Carlos de Vasconcelos nasceu em Paços de Ferreira, em 1940, e publicou o primeiro livro de poemas, Canções para a Primavera, em1960. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, iniciou a sua carreira de jornalista em 1966, no Diário de Lisboa. Interveio ativamente na vida sindical e, como advogado, na defesa de presos políticos e jornalistas. Foi um dos fundadores de O Jornal, seu diretor e diretor editorial do grupo, e fundador e diretor editorial da revista Visão. Foi deputado à Assembleia da República, e presidiu à Comissão Parlamentar Luso­ ‑Brasileira. Criou, em 1981, o JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, que dirige desde o início; é coordenador editorial da Visão e presidente do CG do Sindicato de Jornalistas. Tem várias obras editadas, sendo as últimas O Mar A Mar A Póvoa (2001), Repórter do Coração (2004), Caçador de Pirilampos (2007); Florzinha, gota de água e Arco, Barco, Berço, Verso (2010) e O sol das palavras (2012). Foram-lhe atribuídos todos os prémios de carreira do jornalismo português e ainda, na sua 1ª edição, o Prémio Cultura, da Fundação Luso-Brasileira. 0182


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JUDITE NASCIMENTO [Cabo Verde]

Judite Medina do Nascimento é Doutorada pela Universidade de Rouen (França) em Géographie. Aménagement de l’espace, urbanisme, Mestre em Geografia Humana e Planeamento Regional e Local pela Universidade de Lisboa e licenciada em Geografia pela Universidade Estatal de Kharkov (Ucrânia). Tem um percurso professional notável: Docente do Ensino Superior desde 1995, e do quadro definitivo da Universidade de Cabo Verde; Presidente e Vogal do Departamento de Ciência e Tecnologia na UniCV, Vogal do Conselho Nacional da Diretiva do Ordenamento do Território, do C.N. de Estatística, membro eleito do Conselho Científico para as áreas de Ciências Exatas e Presidente da Comissão Científica para as áreas de Geografia e Ciências da Terra; membro do Conselho Diretivo da Comissão de História da Geografia da União Geográfica Internacional desde 2012. Foi Diretora do CIDLOT/Uni-CV. Atualmente, é Reitora da Universidade de Cabo Verde, eleita em 2014 e, de novo, em 2018 e, como tal, é 1ª Vice-Presidente do Conselho de Administração da AULP. Preside ao C. A. da Universidade Virtual Africana. Tem vários artigos publicados e participa em diversos eventos científicos internacionais como Conferencista convidada, para além fazer parte de júris internacionais de teses de Mestrado e Doutoramento e dos Conselhos editoriais de revistas internacionais. 0183


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LUÍS COSTA [Timor-Leste]

Luís Costa nasceu em 1945, em Timor-Leste. Licenciou-se em Humanidades e Filosofia em Macau e em Évora, e em Teologia no Seminário Maior de Leiria. Ordenado sacerdote em dezembro de 1973, regressou a Timor em novembro de 1974 e foi colocado na Missão de Ossú. De 1976 a 1979 esteve nas montanhas, com a Resistência. Traduziu para tétum, com outros sacerdotes, o Ordo Missae (Ordinário da Santa Missa), o Ferial e as Leituras das Missas, tradução que foi aprovada pela Santa Sé. Em 1983 regressou a Portugal e em 1986 abandonou a vida sacerdotal. Desde 1984, é membro do Comité da Fretilin na Diáspora e colabora em ações pela causa de Timor-Leste. É autor do Dicionário Tétum-Português, 2000, Guia da Conversação Português-Tétum, 2001, Língua Tétum – contributos para uma gramática, 2015; Borja da Costa – Selecção de Poemas, 2010; Ué-Lenas, Lenda de Timor Lorosa’e, 2016. De 2001 a 2004, trabalhou no Instituto Camões. De abril a agosto de 2014 trabalhou no Ministério da Educação de Timor como assessor do currículo da língua tétum para ensino recorrente. 0184


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NUNO REBOCHO [Portugal]

Nascido em 1945, em Queluz (Portugal), Nuno Rebocho viveu em Moçambique desde os três meses até 1962. Detido por motivos políticos em 1967, esteve preso na Cadeia do Forte de Peniche. Escritor, poeta e jornalista, Nuno Rebocho recusa ser um “animal sedentário” e vive, desde há alguns anos, em Cabo Verde. Colaborou em diversos órgãos de imprensa, foi redator da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, das revistas O Tempo e O Modo e Vida Mundial, e chefe de redação da Antena 2 da RDP. Como escritor, tem vários livros publicados, em várias áreas: poesia, romance, ensaio, investigação histórica, e está representado em diversas antologias e coletâneas em Portugal, Espanha e Brasil. Organizou, comissariou ou participou em inúmeros eventos dedicados à escrita, em particular à poesia, em Portugal e em Cabo Verde. Da sua já extensa obra, destacam-se Arte de Matar, Discurso do Método e Canto Finissecular (poesia), A Segunda Vida de Djon de Nha Bia (romance) e Histórias da História de Santiago de Cabo Verde. Nuno Rebocho faleceu em janeiro de 2020. 0185


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Olinda Beja [S. Tomé e Príncipe]

Olinda Beja, escritora, poetisa, narradora, nasceu em Guadalupe, São Tomé e Príncipe, em 1946. Ainda criança deixou as ilhas e foi viver em Portugal, em Viseu, onde reside atualmente. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (Português/Francês) pela Universidade do Porto, possui Formação Superior em várias áreas. Docente do Ensino Secundário desde 1976 em Portugal, lecionou Língua e Cultura Portuguesas e Lusófonas na Suíça, de 2005 a 2014, e mantém a sua atividade de dinamizadora cultural. Olinda Beja tem uma vasta obra publicada – poesia, romances, contos – grande parte da qual dedicada à difusão da cultura e da vida em São Tomé e Príncipe. As suas obras têm sido objeto de estudo em várias universidades no Brasil, Inglaterra, Alemanha, França, África do Sul, Suíça e Luxemburgo. Tem contos e poemas traduzidos para várias línguas. Em 2013, venceu o Prémio Literário Francisco José Tenreiro com o livro de poesia A Sombra do Ocá, incluída no Plano Nacional de Leitura (PNL - Ler+) por um período de 10 anos. Em 2015, o seu livro Um Grão de Café foi recomendado para o PNL – Ler+. As suas obras mais recentes publicadas: Tomé Bombom – Conto, 2016; Todos Somos Vent – conto ambiental, 2017 e Chá do Príncipe – Contos, 2017. 0186


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LITERATURA E LUSOFONIA | REFERÊNCIAS BIOBIBLIOGRÁFICAS

Tony Tcheka [Guiné-Bissau]

Tony Tcheka (António Soares Lopes Júnior), poeta e jornalista, é natural de Bissau. Foi um dos “Meninos da Hora do Pindjiguiti” que lançaram o primeiro livro da Guiné­‑Bissau independente, a antologia poética Mantenhas para quem luta (1977). Coordenou e tem textos nas mais importantes antologias poéticas da Guiné­‑Bissau, como Mantenhas Para Quem Luta, Momentos Primeiros da Construção, Antologia da Poesia Moderna da Guiné­ ‑Bissau e Ecos do Pranto, todas com poesias em crioulo. Autor de várias obras, como Noites de Insónia na Terra Adormecida, Guiné Sabura que Dói, Desesperança no Chão de Dor e Medo. Em 2015, publicou Os Media na Guiné-Bissau, trabalho feito enquanto perito na área dos media do Programa da União Europeia de Apoio a Atores Não-Estatais, e tem no prelo a obra Quando cravos vermelhos cruzaram o Geba. É um dos fundadores da União Nacional de Escritores e Artistas da Guiné-Bissau e da Associação de Escritores da Guiné-Bissau. Apoiou a organização e edição da antologia juvenil Traços no Tempo (2009) e, com quatro colegas, criou a Cooperativa e Edições Corubal, promotora de atividades culturais e editoriais. Integra o grupo dinamizador da Criolofonia, em Bissau, e é membro do Observatório da Língua Portuguesa. Fez parte da Comissão Executiva da Organização Internacional de Jornalistas, fundou a Associação de Jornalistas da Guiné-Bissau, e trabalhou para vários órgãos noticiosos estrangeiros, como a BBC, Voz da América, Voz da Alemanha, Público, TSF, RTP… No seu país, foi diretor da Rádio Nacional e do jornal Nô Pintcha. Tem trabalhos traduzidos em francês, espanhol, alemão e inglês e, entre prémios e distinções, destacam-se: Diploma com Estatueta do ISCE – Instituto Superior das Ciências da Educação de Lisboa; Diploma de Mérito em Literatura, Grau de Engenheiro de Alma da SGA – Sociedade de Autores Guineenses. Esta mesma Instituição distinguiu-o ainda com os diplomas de Mérito em Jornalismo, nas áreas de Televisão, Rádio e Imprensa. 0187


ESCRITORES DO VIII ENCONTRO DE LÍNGUA PORTUGUESA

LITERATURA E LUSOFONIA | REFERÊNCIAS BIOBIBLIOGRÁFICAS

ZHANG WEIMIN [República Popular da China]

Zhang Weimin nasceu em Beijing, em 1951. Estudou espanhol (língua e cultura) e português em Beijing. Foi correspondente e tradutor em várias revistas naquela cidade, e bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Oriente; desde 2008, trabalha na Fundação Oriente/Museu do Oriente. Tem publicadas inúmeras traduções (português - mandarim) de obras de autores portugueses (Camões e Fernando Pessoa, entre outros), outras para publicação ou ainda em curso. Ganhou o Prémio de Tradução de 1986 da Sociedade de Língua Portuguesa e, atualmente, está a traduzir o Novo Atlas da Língua Portuguesa. Destacam-se algumas das traduções publicadas: Poesia de Camões; História da Literatura Portuguesa; Fernando Pessoa, Poesia; Antologia de Fernando Pessoa; Os Lusíadas, 1ª e 2ª edições (para ajudar o leitor chinês, Zhang Weimin incluiu cerca de 900 notas sobre mitologia greco-latina, geografia e história); Dicionário de Português-Chinês (em colaboração); Os Mistérios de Lisboa - What the Tourist Should See, a Lisbon Guide by Fernando Pessoa; 100 Sonetos de Camões. 0188



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