Corpo candente

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CORPO CANDENTE

PAULO CAVALCANTI


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES CIÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA | EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE

CORPO CANDENTE DANÇA, PRESENÇA E EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA EXPERIÊNCIA CONTEMPORÂNEA

PAULO CAVALCANTI

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO (TCC) ORIENTAÇÃO: PROFESSORA DOUTORA BEATRIZ FERREIRA PIRES CO-ORIENTAÇÃO: PROFESSORA DOUTORA MARÍLIA VELARDI

SÃO PAULO 2016


Primeiramente, Fora Temer, Fora Alckmin, Fora Doria, Fora Trump. Este trabalho que celebra o final do meu percurso de graduação é uma escrita performativa de protesto, repúdio e revolta em relação ao golpe de estado em curso no Brasil de 2016. Exemplos sutis dessa conjuntura, que incide diretamente nas duas principais tópicas da minha pesquisa: arte e educação (corporal) - esferas absolutamente ameaçadas - estão disponíveis nestas recentes notícias da Folha de São Paulo: <http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/09/1815828-novo-ensino-medio-usa-metaantiga-e-exclui-artes-e-educacao-fisica.shtml>; E da Carta Capital: <http://www.cartacapital.com.br/politica/entenda-o-que-esta-em-jogocom-a-pec-241>.1 São Paulo, setembro e outubro de 2016.

O teor deste ensaio é político, ideológico e inevitavelmente autobiográfico, portanto, muito afetivo. Talvez eu, “Paulinho”, tenha querido tanto tratar sobre a presença justamente por causa da ausência. São Paulo, novembro de 2016.

A PEC (Proposta de Emenda Consitucional) 241 já foi aprovada pela Câmara dos Deputados brasileiros em outubro de 2016 e subsequentemente tramita no Senado sob uma nova numeração, porém com as mesmas propostas, agora chamada de PEC 55. Mais informações disponíveis em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/a-pec-55-que-tramita-no-senado-e-a-pec-241>. Acesso em dezembro de 2016. 1


"O mundo precisa romantizar-se. Assim reencontraremos seu sentido original. [...] Dando ao lugar comum um significado mais elevado, ao vulgar um aspecto misterioso, ao familiar a dignidade do desconhecido, ao finito uma aura de infinitude, eu o romantizo." (Novalis)2

Citação de um texto visto em uma exposição sobre o Romantismo no MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) em São Paulo-SP, anotada no ano de 2012. 2


“CORPO CANDENTE”: DANÇA, PRESENÇA E EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA EXPERIÊNCIA CONTEMPORÂNEA

Autor: Paulo CAVALCANTI*3 Orientadora: Beatriz Ferreira PIRES* Co-orientadora: Marília VELARDI*

Resumo De natureza ensaística, este é um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para formação de Bacharel em Educação Física e Saúde (Ciências da Atividade Física) pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) cujo objetivo é entender a questão da presença do corpo na contemporaneidade, na assunção deste corpo enquanto condição sem a qual não podemos nos articular humanamente com a natureza, na vida, nas artes. Aborda-se a ideia de “produção de presença” em detrimento da “cultura de sentido”, conceitos de Hans Ulrich Gumbrecht. Trata-se de uma constatação da supremacia do significado, da racionalidade e da interpretação - sobretudo na cultura ocidental -, relegando a materialidade do corpo e sua ocupação na natureza e na fruição da experiência estética, ou seja, sensível, sensitiva. Para apreender a noção complexa e polivalente do termo presença apresenta-se um traçado que se atrela às questões de educação estética por meio das artes e da experiência. Como exemplo prático e objeto de estudo, dispõe-se o fazer artístico em dança contemporânea e sua poética. O texto foi desenvolvido conjuntamente à criação de um solo chamado “Corpo Candente” (ou “Cr sh”), concebido pelo próprio autor no mesmo fluxo performativo, ratificando metodologias conhecidas como Practice as Research, Arts Based Research e Pesquisa Radicalmente Qualitativa. Os pilares desta pesquisa são transdisciplinares, partindo da premissa de que a fisicalidade e o empoderamento do corpo são questões de saúde. Doravante, desabrocham caminhos para discutir o estatuto do corpo contemporâneo (inextricavelmente mediado pela cultura digital e pelas novas tecnologias?). Além da dança e do registro escrito e audiovisual da pesquisa, não houve conclusão para este percurso, sequer houve esta pretensão. Remanesceram rastros de experiências da presença. Palavras-chave: produção de presença, dança contemporânea, educação estética, experiência estética. 3

*Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.


Introdução pre·sen·ça (latim presentia, -ae) substantivo feminino 1. Existência ou comparência de uma pessoa num lugar. 2. Participação de pessoa ou entidade numa atividade ou evento. 3. Existência de uma coisa num lugar. 4. Feição que uma pessoa apresenta à vista. = aparência, aspecto, figura, porte, talhe.4 A dança confere ao corpo em movimento uma ordem estética. A Estética5 pode se debruçar no belo, no feio, ou no indefinível; sua percepção se dá na sensação e pela experiência, que é um continuum da vida. A vida, por sua vez, é análoga à arte, que é sempre política, inequivocamente. Para prospectar arte e produção de conhecimento (e não somente conteúdo) é necessária educação com sensações e abstrações, e não somente com informação, ou forma(to)s. A partir dessas considerações, a dança contemporânea foi o suporte escolhido para abrigar a problematização da investigação estética proposta neste trabalho: como verificar/ discernir/ entender/ compreender/ apreender/ averiguar/ distinguir/ assumir/ empoderar/ definir/ identificar/ lidar com o estatuto do corpo e sua presença no mundo. Além disso, a intuição disparadora deste ensaio enxerga a presença enquanto elemento primeiro da dança contemporânea, ou o meio mais essencial-genuíno para defini-la (se é que isso é possível) ou verificá-la, entendê-la. Uma vez que estamos cada vez mais conectados e ao mesmo tempo cada vez mais desamparados na sociedade capitalista, talvez precisemos entender um pouco mais sobre a complexidade do termo presença, a dimensão, espacialidade e sensorialidade do corpo. Em tempos onde a lógica operante é pautada pela competição e a meritocracia advindas da economia capitalista, é, de fato, muito difícil estabelecer uma relação de salubridade com as “coisas do mundo”. No afã para a criação e a dominação da técnica, onde será que passamos do ponto e paramos de perceber as experiências que nos acometem pelo devir? Cuidar do nosso próprio corpo e apreender sua dimensão, seja ela sagrada ou profana, física ou espiritual, estrita ou mágica, é uma tarefa cada vez mais difícil para a cidadã e o cidadão contemporâneo. Talvez todos nós precisemos aprender a dançar. "Presença", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2016. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/presen%C3%A7xa>. Consultado em 30 de outubro de 2016. 4

Para Alexandre Gottlieb Baumgarten (1714-1762) “a estética (como teoria das artes liberais, como gneseologia inferior, como arte de pensar de modo belo, como arte do análagon da razão) é a ciência do conhecimento sensitivo”. In: BAUMGARTEN, A. G. “A estética”. In: Estética. A lógica do poema, Petrópolis: Editora Vozes, 1993, p. 105-120. 5

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A presente escrita irá dispor a produção de presença em oposição ao imperativo do “sentido”6, numa tensão e oscilação; o foco de estudo será a educação estética pela poética da dança contemporânea, a qual, por sua vez, pode se revelar potencializadora do empoderamento e da assunção do corpo, aqui e agora, pelo movimento, pela sensação e pela improvisação. Proponho uma aproximação entre teoria e prática, arte e ciência; Verifico as ausências e a perda de mundo, da natureza. Esse pensamento caminha na contracorrente da Modernidade e da representação tradicional artística, uma vez que a arte contemporânea já se emancipara desse tipo de modus operandi, hoje precisamos notar e problematizar os elementos reais da vida para, a partir deles, desabrocharmos manifestações artísticas com nossos corpos e não com modelos corporais suplantados. O contemporâneo deslegitima o paradigma da representação, do adestramento, não se subordinando ao pré-estabelecido, trazendo à tona a capacidade e inteligência sensitiva, insurgindo. O hibridismo é recorrente, as fronteiras são diluídas, a ambiência, em naturezas e em comunalidades, se pronuncia mais do que a fisicalidade de um sujeito individual. Em tempo, noto - com inevitável pesar - a fragmentação e relegação da presença corporal pelas mediações digitais contemporâneas. Procuro investigar a dança contemporânea na questão da presença (cênica, corporal, existencial e cultural), e indago: Qual é o lugar do corpo nesta suposta contemporaneidade? É possível discernir o estatuto dessa corporeidade? Procuro meios de ativar esteticamente o corpo, a fim de disparar suas faculdades sensíveis, em coletividades. Desejo aproximar a ideia de produção de presença da literatura com o fazer artístico em dança, na prática, biunívocamente. Um exercício de aplicação, imersão e individuação. Acredito que a noção de presença seja necessária para entender e fruir a dança contemporânea. A consciência da própria presença é necessária para qualquer atividade de movimento humano. A consideração da presença do corpo pode abolir (ou diluir) a dicotomia corpo/mente! Dança contemporânea, produção de presença, experiência estética, criatividade, romantismo e utopia são analogias ou quase metonímias, intimamente correlatas. Não somente o sentido, mas também a presença pode ser legítima produção de conhecimento. E é importante salientar que não há qualquer expectativa de resultados científicos convencionais (tangíveis) por aqui, senão a própria experiência e o remanescimento desta de investigação estética, sem pretensões de verdades absolutas, mas sim de conjecturas e potencialidades. Essa conduta se adequa, ou pelo menos se ampara, no que os escritos qualitativos contemporâneos vêm nos propondo.

A palavra “sentido” aqui é entendida como uma instância de informações, significados, e toda forma de conteúdos que devem ser inteligíveis racionalmente. 6

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Contemporaneidade Para versar sobre a contemporaneidade é necessário fazer inúmeras remissões ao passado, a história e às diferentes concepções de mundo que foram se reconfigurando através dos tempos. Para falar de presença é preciso notar a ausência. Sentir o corpo contemporâneo (hoje quase inapreensível - pela fragmentação do sujeito em seus diversos papéis sociais, pela velocidade da vida em disputa e pela artificialidade imagético-digital em rede) é se empoderar de suas (co)habitações dimensionais no mundo. Sobretudo pelo fato de estarmos experienciando o advento da comunicação digital e das novas tecnologias de forma tão veloz, inédita e introjetada, esse novo estatuto do corpo é quase inescrutável, um mistério. Sentimos e existimos corporalmente de maneira muito diversa do século passado e essa questão merece atenção. De acordo com o filósofo francês Roland Barthes, apud Giorgio Agamben (2009), “o contemporâneo é o intempestivo”7. Destarte, ao elucubrar sobre outro filósofo alemão, Nietzsche, o filósofo italiano escreve: Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões, e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso. Exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mas do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo. (...) Essa não coincidência, essa discronia, não significa, naturalmente, que contemporâneo seja aquele que vive em outro tempo, um nostálgico que se sente mais em casa na Atenas de Péricles, ou na Paris de Robespierre ou do marquês de Sade, do que na cidade e no tempo em que lhe foi dado viver. Um homem inteligente pode odiar o seu tempo, mas sabe, em todo caso, que lhe pertence irrevogavelmente, sabe que não pode fugir ao seu tempo. (...) A contemporaneidade, portanto, é uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este, e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias (...) através de uma dissociação e um anacronismo. (...) Pode-se dizer contemporâneo apenas quem não se deixa cegar pelas luzes do século e consegue entrever nessas a parte da sombra, a sua íntima obscuridade. (...) que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpelá-lo. (...) Ou ainda, ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar.8

Esse caráter intempestivo, que consegue perceber o que não está em foco, nas filigranas, e as vicissitudes do que é tido como “normal”, também se coaduna com a intempestividade deleuziana, que se revela como o díspar, a “esquiza”, causada pelo desejo, polívoca. O próprio Deleuze, ao ler Nietzsche, pressupõe que há no intempestivo uma relação insólita com o presente, ao passo em que combatemos essa temporalidade e oportunamente recusamos o Agamben G. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução: Vinícius Nikastro Honesko. Chapecó: Argos; 2009. p. 58 7

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Idem. Op. Cit. p. 58, 59, 63, 65. 3


passado.9 Em linhas gerais, digamos que, para sermos contemporâneos, precisamos de um pouco de extemporaneidade (ou talvez muita). Elucubrando além, quiçá uma das questões mais nevrálgicas da contemporaneidade seja justamente o entendimento de presença, especialmente a presença do corpo e a valorização da sua materialidade. Qual seria a natureza desta presença, uma vez que nos “presentificamos” uns aos outros cada vez mais à distância, em redes, via aplicativos, bytes, pixels, e fluxos de informação algorítmica? Essa questão é absolutamente paradoxal.

Mediações digitais Em tempo “real”, estaríamos cada vez mais presentes por meio dos aparatos tecnológicos de conexão global, ou cada vez mais ausentes? Afinal, a presença digital é uma legítima ausência, por excelência. Toda a contradição se exprime na dissipação deste corpo fragmentado e desmaterializado digitalmente, imbricado às novas tecnologias, hiperconectado com um mundo de dados, mas, muitas vezes, totalmente dissociado de seu próprio corpo. Estamos inexoravelmente relacionados remotamente, mas não necessariamente em relação corpórea e energética. Não trocamos oxigênio e gás carbônico, fragmentos de pele, poeira, células, átomos, tanto quanto atualizamos nossos status, postagens e álbuns de fotografia digital online. Nossa interface háptica se dá muito mais com nossos teclados, ecrãs, gadgets e aparelhos eletrônicos digitais. Já não é surpreendente o sentimento tão comum de desespero e desamparo quando perdemos ou não temos acesso aos nossos celulares smartphones, relógios, notebooks, ou quando aplicativos populares tais como WhatsApp ou Facebook ficam fora do ar por algumas horas. Destarte, a pele desse corpo reage, nosso primeiro invólucro se estranha, assim como toda a organicidade nele circunscrita, das circunvoluções às entranhas: é mais do que sabido que a depressão é a grande doença do século XXI que acomete a maior parte (senão a totalidade) da sociedade contemporânea. Não obstante, a motricidade do corpo vai sendo atrofiada e desconsiderada, desanimada... No último levantamento de dados do IBGE 10, destaca-se a informação de que quase metade da população brasileira (46%) é considerada sedentária (realizam menos de 150 minutos semanais de atividade física - recomendação mínima da Organização Mundial da Saúde OMS). Além disso, mais de 39% entre brasileiros e brasileiras tiveram pelo 9

Pelbart, 2003, p. 194

Pesquisa Nacional de Saúde 2013 (PNS). Disponível em: <ftp:// ftp.ibge.gov.br/ PNS/2013/ pns2013.pdf >. Acesso em setembro de 2016. 10

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menos uma doença crônica em 2013. Trata-se de uma questão de saúde pública, afinal, doenças crônicas, acometimentos biopsicossociais - tal qual a depressão -, e atividade corporal são fatores intimamente relacionados. Fazendo remissão ao pensamento da autora Paula Sibilia, “o velho corpo humano, tão primitivo em sua organicidade, tão obsoleto diante da nova matriz tecno-científica, parece ser ele o ponto de incidência em que o sonho prometeico torna-se hoje projeto fáustico”, há uma inelutável “vontade infinita que subjaz à tecno-ciência contemporânea, seu impulso infinitista”.11 Notar tamanha potência humana em detrimento de uma inelutável

suscetibilidade

à

técnica

-

menos

“prometeica”

do

que

“fáustica”

ou

“frankensteiniana”12 - nos coloca em uma “vertigem metafísica”13 sem precedentes na história. Bastante crítico em relação às mudanças provocadas pelas mídias digitais e pela globalização na cultura contemporânea, Marc Augé afirma que a nova escala planetária em que nos colocamos hoje dá nova dimensão aos acontecimentos. Em razão disso, “as referências locais são insuficientes, as pessoas são mais individuais […]”, provocando uma certa “vertigem metafísica”, como ele denomina essa sensação de apequenamento diante da nova dimensão da realidade social. Daí a necessidade cada vez maior do encontro com o outro para que possamos viver o momento mais íntimo, “a relação com nós mesmos, com um olhar, uma paisagem, uma ideia” (Augé, 2011 apud Costa, 2012).

A neuroplasticidade14 humana não é responsiva apenas biologicamente, mas também biociberneticamente, seria o surgimento do homo tecnologicus15. Ou seja, com o advento

11

Pelbart, 2003, p. 239.

Ver o homem pós-orgânico de Paula Sibilia. Aqui cotejamos duas tradições ou pontos de vista para encarar a conduta do ser humano na utilização das tecnologias. A primeira, prometeica, faz remissão ao mito de prometeu, que foi castigado pelos deuses por criar e manipular o fogo. Essa seria uma visão “otimista”, na qual os seres vivos utilizam da técnica visando melhorias para a sociedade como um todo. A visão antitética seria a fáustica, nos remetendo à história de Fausto que vendeu sua alma ao diabo pelo ganância e acabou subjugado pelo seu poder, aqui refletimos sobre a sociedade que acanba se tornando refém de suas criações tecnológicas. Essas informações foram encontradas em obras das autoras Paula Sibilia e Ivani Santana. In: Sibilia P. O homem pós-orgânico: a alquimia dos corpo e das almas à luz das tecnologias digitais. Rio de Janeiro: Contraponto; 2015. E Santana, Ivani. Dança na cultural digital / Ivani Santana. - Salvador: EDUFBA; 2006 Outras sugestões de leituras de base são: Goethe. Fausto. São Paulo: Martin Claret, 2006; e Shelley M. Frankenstein (ou o prometeu moderno). São Paulo: Martin Claret, 2012. 12

Augé M. “A Globalização Não Difere da Colonização”. Entrevista concedida a Eduardo Febbro, correspondente de Carta Maior em Paris, 13/10/2011. Disponível em: <http:// www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-globalizacao-nao-difere-da-colonizacao-dizmarc-auge>. 13

A neuroplasticidade se refere à capacidade do sistema nervoso de mudar, adaptar-se e moldar-se a nível estrutural e funcional ao longo do desenvolvimento neuronal e quando sujeito a novas experiências. Tratase de uma das descobertas científicas mais relevantes até hoje, que conferiu a Eric Kandel o prêmio nobel de medicina. (Kandel, E. et al.; 2013. Principles of Neural Science. McGraw-Hill Companies. 5th ed.) 14

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Lemos R, DiFelice M. A vida em rede. Campinas: Papirus 7 Mares; 2014. 5


revolucionário da comunicação digital16 - considerado por muitos autores ainda mais radical do que a criação do livro impresso - e das relações remotas tão arraigadas em nosso cotidiano, nos tornamos ciborgues, pós-humanos, nosso corpo se comporta diferentemente na presença dos aparatos tecnológicos. Os dedos estão mais ágeis para digitação, o olhar está mais viciado no ecrã, as vértebras cervicais da coluna assumem outras posições recorrentes na utilização de smartphones, sem mencionar todas as formas de diminuição de atividade física por meio de facilidade da técnica, escadas rolantes, elevadores, carros, segways, escovas de dente automáticas, etc. Doravante, nossa plasticidade neuronal, nossa capacidade de adaptação genética de acordo com o meio ambiente, se dá nesse elã da natureza e da técnica humana, de inteligência artificial e codificada. Felicidades, tristezas, reações; euforias, disforias, desafios. O ideário virtual vê na materialidade do corpo uma viscosidade incômoda, um entrave à liberação imaterial. (...) Neocartesianismo high-tech, tecnotranscendentalismo, aspiração incorpórea, platonismo ressuscitado - é interessante considerar essas expressões como variantes da metafísica17 tradicional. Nesse sentido haveria de fato uma continuidade entre o prometeico e o fáustico. (...) Reconfiguração da mercadológica da eugenia, superado o “desvio” nazista, a vida como mercadoria, privatizável, patenteável, o sonho de autoproduzir-se, a autocriação narcisista, os gestores de si, administrando potencialidades e riscos.18

Um conjunto de dispositivos instigante. Depois do sangue e do sexo, agora o biopoder coage os genes. A ideia de que quando o pós-humano se impõe como modelo cria-se imediatamente a categoria do sub-humano é alarmante, “já que empurra uma boa parte da humanidade para essa condição de inferioridade e nos obriga a repensar tudo isso politicamente, no sentido radical da palavra”.19 Entre os prometeístas se inclui o iluminismo, o positivismo e o socialismo utópico, ainda atrelados a um humanismo com contornos finalistas, em contraposição ao sonho fáustico, que pretende violar o mistério da vida e transcender a condição humana. Essa contraposição entre prometeístas e fáusticos parece muito útil para ler um certo salto de regime, mas fica uma certa Historicamente, podemos destacar três momentos cruciais e revolucionários na evolução da comunicação: I. Surgimento da escrita (V a. c.) no Oriente Médio; II. Surgimento da imprensa, por J. Gutemberg. Meados do Século XV (1550); III. Revolução Industrial, séculos XIX e XX, cultura de massa e meios eletrônicos; E, no contexto contemporâneo, temos: IV. Tecnologias digitais, público ilimitado, tempo real. (Di Felice, 2008. p. 22). 16

A metafísica é uma disciplina filosófica muito ampla, tradicional e complexa, que perpassa obras de Aristóteles, Platão, Kant e outros autores clássicos. No entanto, para o entendimento deste trabalho, basta nos atermos à colocação de Hans Ulrich Gumbrect (2010), que considera uma atitude metafísica, seja ela acadêmica ou cotidiana, a postura que confere e atribui sentidos aos fenômenos de experiência estética em um lugar elevado e deslocado da presença material, de corpos, objetos, da natureza enfim. 17

18

Pelbart, Op. Cit., Idem.

19

Idem. p. 240 6


dúvida se do ponto de vista de uma concepção filosófica tecnofóbica, tal como a heideggeriana, uma tal contraposição continuaria valendo. Em todo caso, é sugestiva a ideia de transformação do corpo num pacote de informações (a passagem da metáfora do homem-máquina para o modelo do homeminformação), a hibridização humano/não humano, orgânico/informático, as tecnologias da imortalidade, em suma, a tendência ao corpo pós-biológico, ou seja, ao homem pós-orgânico. (Ibidem)

Em um “cronótopo acrônico”, a contemporaneidade é marcada pela simultaneidade de eventos, em franca e enérgica velocidade, e já não conseguimos discernir o tempo como podíamos antes do advento da internet, com a web 2.0. A multiplicidade e a diversidade também são tópicas deste cenário. O hibridismo é marca nos corpos e nas artes de hoje. Fragmentados pelos diferentes papéis que a sociedade nos demanda, precisamos ser cada vez mais versáteis e atualizados com as novidades que disparam em cadeia global. A comunicação digital aproxima as pessoas de uma maneira atópica (sem definição de lugar), com efeito, a materialidade do corpo é cada vez mais diluída numa abstração que opera nas redes sociais, por meio de nossos avatares e aplicativos. Esse fenômeno de grande poder tecnológico do humano carrega consigo as mazelas de um planeta que já pouco se sustenta, vai se afastando da natureza e cuja população vem perdendo bastante tempo vital de contato interpessoal que envolva fragrância, olhar, tato, gosto, sensação, enfim. O tempo sempre é escasso para abarcar toda a agenda de acontecimentos das grandes metrópoles, mas nunca deixamos de rolar nossas linhas do tempo no Facebook ou no Google para atender ao que não nos compete regional ou kinesfericamente20. A socialização em redes nas novas arquiteturas digitais informativas, concebida para a nova sociedade informacional - que goza o novo capitalismo cognitivo -, se engendra na internet das coisas, voando nos backups das nuvens, nos interpelando com novos engendramentos. A essência elementar desse fenômeno digital já convive conosco há algum tempo e consiste na atopia e na acronia21, a não definição de espaço e de tempo, respectivamente. Talvez Kinesfericamente, refere-se a kinesfera, conceito que consiste em “é tudo que podemos alcançar com todas as partes do corpo, perto ou longe, grande ou pequeno, com movimentos rápidos ou lentos etc. A Kinesfera ou Cinesfera é a esfera que delimita o limite natural do espaço pessoal, no entorno do corpo do ser movente. Esta esfera cerca o corpo esteja ele em movimento ou em imobilidade, e se mantém constante em relação ao corpo, sendo 'carregada' pelo corpo quando este se move.” (BRASIL, 2016, Secretaria da Educação do Governo do Estado do Paraná). Disponível em: <http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=262>. Acesso em outubro de 2016. Imagem ilustrativa disponível em: <https://s-media-cacheak0.pinimg.com/originals/b2/31/19/b231190460102bbef1bba3a64410ce7f.jpg>. 20

Ver Espaço, tempo e mundo virtual | Marilena Chauí e Olgária Matos. Disponível em: <https://vimeo.com/30198935>. Acesso em novembro de 2016. Com a ressalva de que virtual neste contexto poderia ser melhor colocado enquanto digital, para evitar ambiguidades entre conceitos de virtual e atual. 21

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estejamos vivenciando uma transição de biopsicossocialidade para a biotecnossocialidade. Talvez estejamos suplantando a corpolatria (culto ao corpo) pela iconolatria (culto à imagem), a hipervalorização da aparência de nossos avatares torna a questão de culto ao corpo irrisória - e talvez até urgentemente necessária de ser resgatada - frente à ilusão afetiva das imagens difundidas nas redes sociais e nas mídias convencionais, ou seja, pouco importa a salubridade do seu corpo, o importante é que a imagem deste corpo esteja adequada, nada que um bom filtro de edição não resolva… A curtida como parâmetro e critério de aceitação pode ser gravemente perigosa e perversa, principalmente para as gerações mais jovens, uma vez que notamos a depressão enquanto uma das doenças mais violentas do nosso tempo, mazela absolutamente associada a inatividade física, por fatores sociais, emocionais e bioquímicos. Tal cenário cultural-digital - de ordem estética, social e política - reconfigura todo o sistema de convívio interpessoal, nossos afetos, nossa cognição, nossa atenção, nossa maneira de verificar o mundo, mas em contrapartida - e, sobretudo - nos permite o empoderamento para a produção de conteúdo, suplantando a tópica da modernidade analógica, na qual um cerne nevrálgico transmitia informação para as periferias de maneira unívoca. Hoje, analogamente a um rizoma, a informação e a comunicação pululam e emergem, ramificadas, vindas de todos os lugares, materiais e principalmente imateriais, ganhando dimensões extra geográficas e desterritorializadas. Via de regra, a mediação do corpo se dá pela técnica que, por sua vez ressignifica os seus contornos, reconfigurando sua presença e seus modos de ser, estar e agir no mundo... Parafraseando Marshall McLuhan: o meio (corpo ou ambiente) é a mensagem. Aqui a técnica é citada em sentido amplo, como um sinônimo de tecnologia, ainda não há uma terminologia que possa distinguir a técnica humana mais genuína da tecnologia mais avançada, de inteligência artificial, por exemplo. Uma passagem muito emblemática deste salto vertiginoso entre o manuseio mais bruto e singelo e a tecnologia espacial mais complexa se encontra em “2001: Uma Odisseia no Espaço” filme de Stanley Kubrick (1968)22, na cena em que um macaco fortuitamente descobre a técnica ao utilizar um osso encontrado no solo para marretar outros ossos dispersos, para enfim transformar aquele objeto em uma ferramenta, para abater outros animais, ter comida, sobreviver, para doravante conceber o fogo, símbolo maior de toda tecnologia, como nos mitos de prometeu, ou como emblema associado ao deus grego olímpico Hefesto, ou até Apolo. No final da cena, após grande euforia e êxtase com tal descoberta, o macaco lança o osso ao céu, e, na cena subsequente, esse osso, num rodopio, se transtorna em Cena disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=VSjZjXySgzk>. Acesso em setembro de 2016. 22

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uma nave espacial em órbita. Ainda que ficcional, trata-se de uma representação brilhante e muito assertiva sobre a evolução da técnica na humanidade, e sua grandeza. Como já foi exposto, estamos vivenciando a quarta revolução da história da comunicação com o advento da cultura digital, de natureza não linear, rizomática, heterárquica e descentralizada. Uma teoria que se adequa perfeitamente ao estatuto reticular da comunicação digital é a ideia filosófica e sociopolítica de pós-modernidade. Para entender esse conceito, precisamos remeter e pontuar alguns momentos históricos, a começar pela Pré-modernidade - Antiguidade clássica; Ideal Greco-Romano; Idade Média; Hegemonia política e econômica da Igreja; na qual o corpo em sua total amplitude, se baseava unicamente de uma tecnologia muscular. Em um segundo momento, temos a Modernidade - Estado Nacional; Derrocada Narcísica; Renascimento; Desencantamento do Mundo; Racionalismo científico cartesiano lógico-positivista; Iluminismo; Revolução Industrial; Capitalismo; Individualismo; Tecnologia das máquinas. Um dos períodos culturais mais sedimentados da história que concebeu as consequências das formas de produção e vida que temos hoje (em crise). “Finalmente”, temos a Pós-modernidade - Guerra-Fria; Queda do muro de Berlim; Reencantamento do mundo; Crises dos discursos totalizantes; Incredulidade às metanarrativas23; Não-linearidade; Capitalismo cognitivo, Globalização, Tecnologia digital; Ubiquidade. O estatuto do corpo é agora radicalmente reconfigurado e as possibilidades de inserção e participação do sujeito no mundo ultrapassam largamente sua kinesfera e materialidade corporal. A sociedade ulterior a modernidade também se manifesta na arte e nos meandros mais tênues da vida. Na obra Foucault (2013)24 de Gilles Deleuze, podemos também extrair, analogamente ao parágrafo anterior, três momentos históricos distintos: na idade clássica, ou pré-modernidade, temos a primazia da relação do homem com Deus, inspirando uma ligação infinita e divina. A modernidade, por sua vez, faz preponderar a relação do homem com o trabalho, vida e linguagem numa lógica de finitude. Hoje, no entanto, por efeito da análise e decomposição do código genético, há um número finito de elementos em recombinações ilimitadas. Um finito ilimitado, nem finito, nem infinito. A partir desse raciocínio podemos amenizar um pouco a demonização da ideia fáustica.25 As metanarrativas ou discursos totalizantes seriam o marxismo e o iluminismo, por exemplo, os quais de acordo com Lyotard, perdem sua validade no período ulterior à modernidade. Ver Lyotard, J-F. A condição Pós-Moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2103. 23

24

Ver Deleuze G. Foucault. São Paulo: Brasiliense; 2013.

25

Pelbart, Op. Cit. p. 241 9


Habitamos (ou somos) corpos (des)potencializados pelas novas tecnologias? Na era cibernética, no momento em que nossos corpos se confundem com máquinas e com animais não humanos, o inconsciente muda de forma. Seu aspecto corpóreo também quer se manifestar. Sabemos que a memória inconsciente habita nossos corpos, ou seja, tanto nossos órgãos internos como nosso maior órgão e o único externo, a nossa pele. Agora reivindicamos o direito de colocar abertas, à luz do sol, diante do público, nossas criptas, ou seja, aquilo que enterraram (enterramos) no nosso “inconsciente”. Nossa identidade passa por rituais de imersão no todo, de reconstrução do eu pelo seu mergulho epifânico no aqui e agora ritual. Rasgar o corpo é também descosturar as amarras de séculos de construção de camisas de força que foram atando nossos desejos e pulsões.26

É muito importante em nossa sociedade repensarmos constantemente os novos contornos, mediações e (re)(a)presentações do corpo inscrito na comunicação reticular com o aparato das novas mídias da cultura digital. Comunicar é função e ideal, habilidade e necessidade intrínseca humana - primordial - tanto na política, na economia, na sociedade e sua cultura, quando na filosofia e no próprio exercício da vida. Em nossos tempos pós-modernos nos deparamos com misturas, amálgamas e fluidez, uma dispersão delirante baudrillardiana27; um transbordamento. Frente ao ciberespaço - o loco legítimo de nosso habitar atópico - há duas vertentes de pensamento: o disfórico e o eufórico, os quais consistem (grosso modo) em visões negativas e positivas, respectivamente, acerca da cibernética. Essas vertentes estão relacionadas às tradições de visão fáustica e prometeica, respectivamente, já citadas. Para todos os efeitos, a realidade virtual está posta, sua atualização na vida real também, e suas reverberações são evidentes em nossas vidas, sendo assim, faz-se necessário “um faro que seja política e culturalmente criativo, antes que o capital termine por realizar a proeza de colonizar o infinito.”28 Vivenciamos uma “mutação da física da comunicação”. Com as transformações cotidianas da cultura, a posição e a identidade dos sujeitos interagentes é modificada, há uma espécie de processo de rizomas29 de interação através das mais díspares arquiteturas informativas, num trânsito irrefreável de ações dos usuários digitais; são novas maneiras de habitar30. As diversas áreas da comunicação social possuem um legado na tradição analógica, ou seja, pensar em termos de fluxo do centro para a periferia, à “luz” do mecanicismo, na relação unívoca emissor-receptor (concepção funcional-estruturalista). A ruptura 26

Pires, 2009. p.12

27

Baudrillard, 2005.

28

Santaella, 2003. p. 76

Sugestão de vídeo sobre este conceito chave: “O que é um Rizoma? Alexander Kluge e Joseph Vogl”. Disponível em: <https://youtu.be/2k-wWziPk-g>. Acesso em novembro de 2016. 29

30

Di Felice, 2009. 10


deste paradigma se dá com a digitalização dos ecossistemas informativos, tornando-se interativos - a internet -, possibilitando uma nova via de emissão e recepção de informação, numa relação biunívoca, mútua e aberta. Forma-se uma rede social metageográfica31. Hoje o emissor constrói rotas, e não informação direta (como o era na fadada tradição analógica), possibilitando novas plataformas e ramificações com caminhos para maior alcance e produção de conteúdo informacional. Algo nada trivial é que tal “mundo digital nasceu e cresce no terreno das formações socioeconômicas e políticas do capitalismo globalizado.”32 E isso perdura. Literal e metaforicamente, Donna Haraway enuncia em seu Manifesto Ciborgue a existência de um corpo que comporta o mecânico e o orgânico, o simulacro e o original, a ficção científica e a realidade social, dissolvendo fronteiras patriarcas de gêneros e dualismos hierárquicos. Segundo a historiadora - biologista, socialista e feminista -: “somos todos ciborgues”. Essa visão é fortemente pautada numa ideologia social específica, no entanto, tal pensamento se universaliza na medida em que declara o potencial polimorfo aberto à diversidade em formatos redesenhados de delineamento corporal.33 As tecnologias consubstanciam-se à vida, indissociavelmente, deixando de ser uma opção funcional, mas sim uma necessidade. A cada momento há uma nova imagem, um novo acontecimento, um novo dispositivo, e a rede global agudiza esse fluxo em tempo real. A grande maioria social se informa e se excita nesta potente profusão. A humanidade remanesce conectada 24h por dia como ciborgues autômatos34. É o indivíduo orgânico tecnológico, ou seja, aquele que se utiliza da tecnologia como “extensão de seu corpo” - como já nos disse Marshal McLuhan. Aliás, onde terminaria e começaria a visão de um indivíduo míope de óculos, ou mesmo a escuta de um usuário de telefone celular? Parafraseando Haraway: onde termina o humano e começa a máquina? Estilhaçam-se as antigas noções de tempo e espaço geográfico, imergimos em novas dimensões. Diluem-se as fronteiras entre público e privado, espaço cênico e espaço público, sujeito e objeto, emissor e receptor, forma e conteúdo, obra e processo, apolíneo e dionisíaco, tradicional e inovador, bom e mau, certo e errado, trabalho e lazer, ficcional e real, ator e performer, bailarino e dançarino, ativo e passivo... ad infinitum. Entrementes, se o paradigma da comunicação digital se faz baluarte das relações contemporâneas, temos uma radical mudança no estatuto da fisicalidade: os corpos se projetam e 31

Idem, 2008.

32

Santaella, 2006.

33

Haraway et al., 2013.

34

Santaella, 2006. p. 185 11


se articulam por vias que não são mais simples e unicamente terrestres, fluviais, marítimas, aéreas ou ferroviárias, mas já biocibernéticas, no campo da imagética e do discurso, virtual, em franca ubiquidade. A cultura digital contemporânea engendra o eixo das transformações na sociedade, inexoravelmente, e o fator mais determinante da influência das novas tecnologias em nossas vidas é a velocidade com a qual tais mudanças ocorrem, algo inédito na história35. Ademais, a cultura digital confere ao corpo uma aptidão obrigatória de velocidade capital. Dromoaptos, vivenciamos a dromocracia cibercultural36. Somos catapultados pelo tempo, implacavelmente. Toda sociedade contemporânea, sobretudo a ocidental, está arraigada em sistemas de informação, em nuvens de dados, vigilância distribuída, mecanismos de controle dos mais díspares e implícitos, perfilização, predição assertiva da nossa performatividade por registros de comportamento em rede, por rastreamento de geolocalização37. Esse amálgama tecnocrático é um vasto e famigerado dispositivo condicionante, sem o qual se torna praticamente impossível obter aceitação na sociedade, viver em comunidade, participar de grupos, trocar em pares. Agora, no século XXI, somos atores e espectadores de velozes transformações nas relações interpessoais, sobretudo por meio das redes sociais. Na virtualização dos encontros, nossa experiência de vida é hoje inextricavelmente mediada pela tecnologia. A ideia de inclusão social já se dilui na noção de inclusão digital. A corporeidade se fragmenta primeiramente através da imagem, por dispositivos dos mais variados. O corpo como movimento em tempo-espaço torna-se uma repetição, reprodutibilidade, mimese. Talvez o sujeito esteja se dissociando do seu corpo através de sua imagem (pré)concebida. Relacionamo-nos com nossos próprios corpos através das vias de civilidade e cultura, instâncias já emaranhadas na tecnologia, mas, sobretudo, através da linguagem e do discurso, que, por sua vez, compreendem normatizações, gramáticas e estruturas que relegam o corpo físico e sensorial, sobressaindo-se a ele. A questão da identidade está justamente em crise, há um curtocircuito de informações que emanam e atingem o corpo em suas vicissitudes, culturas, feições, gestos, vestimentas, músculos, glicogênio, ossos, sangue e expressão em sentido lato. A

35

Santaella, 2003.

A dromocracia cibercultural é um conceito de Eugênio Trivinho (2007) que tem a ver com o imperativo da velocidade na sociedade contemporânea. O autor elabora a ideia de que sofremos uma violência cibercultural, muitas vezes inconscientemente, ao nos subjugarmos ao regime desenfreado do tempo cada vez mais escasso e competitivo. O ordenador das relações seria justamente a velocidade do tempo, que nos torna dromoaptos, ou nos deixa para trás. 36

Sugiro acesso ao livro: BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Editora Sulina, 2013. A autora trata a questão de vigilância distribuída e sobre os dispositivos de controle na contemporaneidade. 37

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identidade é imagética e estética, todavia. Estaríamos hoje vivenciando algo que ultrapassa a corpolatria, para uma idolatria da imagem? Superada (talvez) a dicotomia corpo/mente cartesiana, teríamos agora uma famigerada anomia por meio da alienação numa gama vasta de alegorias e mosaicos de selfies (autorretratos fotográficos digitais)? Por que a imagem se faz tão preponderante? Já verificamos que as transformações advindas da cultura digital conferem novas configurações ao corpo e suas representações, possibilidades. A liminaridade e oscilação do real e do virtual nunca foi tão tênue. Acima de juízos de valor, é sabido que apesar das inúmeras mazelas apontadas pela literatura e também pelo senso comum, podemos nos utilizar positiva e potencialmente dos mecanismos de inter-relação horizontal, democrática, coletiva, colaborativa, instantânea e acessível das redes sociais. A educação estética, física e sensorial da humanidade seria o suporte necessário para evitar as desmesuras dos sintomas sociais do uso excessivo das novas tecnologias. Tal excesso pode ser danoso para a saúde coletiva não apenas no sentido de afastar as pessoas de seus embates “tête-à-tête”, de comunhões presenciais, mas como motivador da procrastinação, de tendinites ou complicações posturais na região das vértebras cervicais da coluna.

Corpos narcísicos A celebração viciante de autorretratos e o massivo fomento ao investimento narcísico alheio são agenciamentos coletivos e horizontais que, por ora, podem soar como novas formas de autonomia, empoderamento e autenticidade do usuário na rede. Porém, em contrapartida, esse soar pode, por vezes, ecoar como apenas mais uma das maneiras perversas e veladas de subserviência ao biopoder38 de instituições verticalizantes e de poderio pecuniário de dominação, um sistema triunfando em detrimento da alienação e da ode a futilidade da grande maioria da massa dos usuários. Com efeito, nosso cotidiano permanece cada dia mais filtrado pelos novos paradigmas outorgados pelos “formadores de opinião” (ou melhor: propagadores da imagem da beleza), difusores da boa imagem, status quo, dos padrões normativos da contemporaneidade de “voga fashionista”, e, sobretudo, pelos detentores do capital, os publicadores das fotos com os filtros mais nítidos por lentes caríssimas de coloração brilhante e sem ruídos, em suas roupas tingidas por grifes oriundas de regime escravocrata. A saber, não destacamos aqui um tipo Estado, oligarquia, empresa ditadora, mas sim sintomas controversos advindos de um coletivo 38

Pelbart, 2008. 13


social formado por usuários em rede interconectados, de diferentes classes sociais e possibilidades aquisitivas. O superinvestimento ao corpo que se pode notar na atualidade é inequívoco, e, de fato, o corpo humano é fascinante. Tal fascínio nunca esteve tão agudo - e tão controverso - como no século XXI. Este novo tempo ainda é um mistério em curso, mas, já podemos verificar a grande reviravolta que o século XX nos deixara: jamais o organismo foi tão penetrado (...) pelas tecnologias de visualização médica, jamais o corpo íntimo, sexuado, conheceu uma superexposição tão obsessiva, jamais as imagens das brutalidades sofridas pelo corpo na guerra e nos campos de concentração tiveram equivalente em nossa cultura visual, jamais os espectáculos de que foi objeto se aproximaram das reviravoltas que a pintura, a fotografia, o cinema contemporâneos vão trazer à sua imagem.39

Talvez esse conjunto de fenômenos representem simbolicamente um grito ou um sintoma do desamparo na sociedade, fenômeno endossado por Freud, que assinalou nossa “derrocada narcísica”40. Trata-se de um percurso histórico-científico que tombou os pilares do antropocentrismo. Houve a descentralização do homem e sua fragilização - e controversamente sua potencialização com o advento das (e acoplamento às) máquinas -. Posto isso, hoje remanesce uma ambiguidade de tradições que por um lado cultivam um corpo narcisista, individualista, egoísta, egocêntrico, egomaníaco (a sociedade contemporânea, sobretudo a ocidental, ainda não demonstra estar preparada para viver sob uma lógica coletiva, o individualismo ainda é o conforto ao qual nos acomodamos; e talvez, de fato, a coletividade seja algo impraticável no regime capitalista), e por outro lado ainda há resquícios - demasiado preponderantes - da modernidade que desconsideram o corpo e sua relevância existencial, verificando-o como uma máquina, uma carne, dissociando-o da mente, da racionalidade, do pensamento, ou mais além, do espírito, da alma, apenas um invólucro biológico que nos serve de hospedaria até a morte. Muitas transformações históricas vêm sendo determinantes para a modificação do estatuto do corpo, e o final do século passado nos deixou vários paradoxos antropológicos:

Corbin A, Courtine JJ, Vigarello G. História do corpo: as mutações do olhar: o século XX. (3ª ed.). Petrópolis: Vozes; 2008. p.10 39

Primeiramente, Copérnico denuncia que a Terra não é o centro do universo, mas gira em torno do sol; mais tarde, Darwin denuncia que o ser humano não é o centro da criação, mas resultado da evolução das espécies (em particular, dos macacos) para então legitimar a fragilidade do narcisismo humano Sigmund Freud denuncia que o homem não é o senhor de si mesmo, mas, antes, determinado pelas razões de seu inconsciente. 40

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a eliminação das distinções entre são e enfermo, corpo normal e anormal, vida e morte em uma sociedade medicalizada de ponta a ponta; o afrouxamento de coerções e disciplinas herdadas do passado, a legitimidade outorgada ao prazer e ,ao mesmo tempo, a emergência de novas normas e de poderes novos, biológicos e também políticos; a saúde que agora se tornou um direito e a ansiedade face ao risco, a procura do bem-estar individual e a extrema violência de massa, o contato das epidermes na vida íntima e a saturação do espaço público pela frieza dos simulacros sexuais.41

Super investido (e revestido) pela cultura e seus padrões sociais, o corpo, belo, dentro do padrão ideal de perfeição, protelando e ojerizando o envelhecimento, compõem o pensamento contemporâneo da imagem corporal imposta e aceita na sociedade. As cirurgias bariátricas estão acontecendo, além de muitas outras para o alcance do corpo ideal almejado, além do grande desenvolvimento da indústria da beleza. Academias, Spas e programas de TV sobre o assunto proliferam. O corpo consome principalmente a si mesmo, devido às investidas da indústria farmacêutica.42 Presenciamos hoje um arcabouço de rituais “ciberurbanos” de relacionamentos mediados pelas redes sociais (Snapchat, Instagram, Whatsapp, Twitter, Facebook, Skype, Vimeo, Pinterest, Blogger, Tumblr, Tinder, Happn, Youtube, Grindr, Hornet, Scruff, LinkedIn, Google +, etc). Nossa mitologia contemporânea se dá no ciberespaço. Não valeria a pena falar então sobre a presença (do corpo)?

Presentificação Destaco a presença enquanto uma questão de ordem estética43, em uma clara intenção insurgente de oposição ao racionalismo cartesiano-lógico-positivista ainda hegemônico na cultura contemporânea e seu modelo econômico capitalista. Elencar-se-á, em sequência, pontos de vista dos mais díspares, mas muito dialógicos, a fim de escrutar potências do corpo que são recorrentemente relegadas ou, sequer percebidas. O trajeto aqui proposto aborda discussões concernentes ao corpo nas artes da cena, especialmente a dança. A poética, linguagem, esfera e potência da dança foi escolhida como meio de expressão e descoberta de competências, habilidades e possibilidades corporais, quais sejam, impreteríveis para a autonomia e saúde de uma pessoa que deseja saber mais sobre si e que se interessa no relacionamento coletivo com sujeitos, objetos e natureza, da melhor maneira possível. Aí reside o caráter filosófico dessa 41

Idem. Op. Cit. p.11

42

Vaz, 1999, p. 163, apud Santaella, 2004.

43

E, inevitavelmente, ética e política. 15


pesquisa que se ocupa a pensar a educação de corpos que ainda, em pleno século XXI, são oprimidos por padrões e normatividades religiosas, sobretudo de uma tradição judaico-cristã, tayloristas, fordistas, positivistas, produtivistas. Na contracorrente da modernidade, evocamos um corpo que pode, sim, ter um pouco de romantismo, que pode, antes de anárquico, ser revolucionário44 em sua micropolítica, que seja razão sensível, que não tenha corpo, mas que seja corpo - parafraseando Moshe Feldenkrais45. Trata-se de uma obviedade, mas que requer muito trabalho e reflexão para desmistificar a distorção causada na sociedade moderna pela influência de René Descartes e sua máxima, “cogito ergo sum”46. Um modelo de pensamento lógico, mecanicista que privilegia eminentemente a razão, desconsiderando o corpo e sua materialidade, tão sensível. Todas essas apreensões e provocações serão discorridas ao longo da discussão deste ensaio a fim de entender um pouco mais acerca do estatuto do corpo contemporâneo, o qual, por sua vez, poderia ser assumido enquanto um lugar - de passagens, fluxos, devires e atravessamentos - e não somente um meio de expressão, ou mero instrumento. Não haveria uma enorme lacuna no reconhecimento do próprio corpo para a vida em sociedade? Ser um corpo ao invés de meramente habitá-lo é uma condição sem a qual não se torna possível o exercício de vida. Talvez precisemos reaver a criatividade corporal e a habilidade de intervenção no mundo, na contracorrente do consumo e da esquizofrenia capitalista. Estaria superada a dicotomia da antítese corpo|mente que dominou o pensamento racional-cartesiano da modernidade? Estaria a materialidade do corpo e do espaço superada com o advento da comunicação digital? Mas, sobretudo, como é possível produzir presença e expressão do próprio corpo em meio ao excesso de sentido do mundo? Talvez a dança - presença, por excelência -, enquanto eminente manifestação da relação do sujeito com o seu próprio corpo (no mundo), possa oferecer respostas ou pelo menos nortes para elaborar essas indagações. Pode ser um caminho de educação do corpo que pode colaborar com a quebra de paradigmas sociais já desgastados e para prover a autenticidade das pessoas, em sua anatomia sensível e potente. O ser-no-mundo deve potencializar, delirar, transgredir, criar e devir. Ver Michel Lowy: Löwy M, Sayre R. Revolta e Melancolia. São Paulo: Boitempo; 2015. Este livro fala sobre o Romantismo, numa perspectiva marxista que analisa os componentes revolucionários do romantismo e sua potência utópica tão necessária nos dias de hoje. 44

Moshe Feldenkrais é um educador físico e psicólogo israelense que viveu entre 1904 e 1984, fundador do método Feldenkrais, que propõe e autoconhecimento por meio do movimento corporal. Ver website oficial de seu método: <http://www.feldenkrais.com>. Acesso em novembro de 2016. 45

46

“Penso, logo existo”. 16


Enfeixando esta introdução (demasiado densa, porém necessária para refletir a crise premente na qual nossos corpos estão circunscritos), deixo uma citação de Baumgarten, pensada no século XVIII: Os sentidos – e os conhecimentos que deles derivam – permitem imaginar uma gnosiologia inferior. Não duvido que possa existir uma Ciência do Conhecimento Sensível... intermediária entre a sensação pura, obscura e confusa, e o puro intelecto, claro e distinto. Ela não é nem algo existente na própria Coisa, nem pura criação do ser humano: é o resultado de uma síntese particular, harmonia entre Coisa e Pensamento. O conceito sensível é particular, como objeto de sensibilidade; geral como objeto de entendimento. (Baumgarten apud Boal, 2009. p. 25)

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Método O curso dessa pesquisa de revisão de literatura se deu concomitantemente com a criação de um solo de dança contemporânea, criado e executado pelo autor deste trabalho que vos escreve. Tal metodologia se afina com a perspectiva de Arts Based Research e Practice as Research47. A pesquisa baseada na arte pode ser definida como o uso sistemático do processo artístico, a realização real de expressões artísticas em todas as formas das artes, como forma primária de compreender e examinar a experiência tanto dos pesquisadores quanto das pessoas envolvidas Em seus estudos. Estes inquéritos distinguem-se das actividades de investigação em que as artes podem desempenhar um papel significativo, mas são essencialmente utilizadas como dados para investigações que ocorrem dentro de disciplinas acadêmicas que utilizam descrições, análises e fenômenos científicos, verbais e matemáticos mais tradicionais. (tradução do autor)48 A volta às artes criativas na pesquisa social resulta de uma confluência de muitos fenômenos historicamente específicos. Ao mesmo tempo, essas práticas abrem um novo espaço que, como o espaço negativo define um objeto positivo na arte visual, cria novas formas de pensar sobre as práticas tradicionais de pesquisa. O que é claro ao compilar as recentes reflexões do ABR e pesquisador sobre ela, é que os pioneiros nesta área procuram esculpir práticas engajadas, holísticas, apaixonadas, de pesquisa. Procuram unir e não dividir tanto o eu artístico e o eupesquisador com essas novas ferramentas estão fundindo seus interesses enquanto criam conhecimento baseado na ressonância e na compreensão. (tradução do autor)49

Aqui se propõe e demonstra a inextricável relação entre teoria e prática, algo imprescindível para a arte e para a vida. O que coadunará essa interface de operação teórico-prática será um eixo conceitual, norteado pela ideia de traços, de Josette Féral50, algo muito semelhante à crítica Ver Josette Féral. A Fabricação do Teatro: questões e paradoxos R. bras. est. pres., Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 566-581, maio/ago. 2013. Disponível em: <http:// seer.ufrgs.br/presenca/article/viewFile/39158/26134>. Acesso em setembro de 2016. 47

McNiff, 2007. Texto original: “Art-based research can be defined as the systematic use of the artistic process, the actual making of artistic expressions in all of the different forms of the arts, as a primary way of understanding and examining experience by both researchers and the people that they involve in their studies. These inquiries are distinguished from research activities where the arts may play a significant role but are essentially used as data for investigations that take place within academic disciplines that utilize more traditional scientific, verbal, and mathematic descriptions and analyses of phenomena.” Disponível em: <https://www.moz.ac.at/files/pdf/fofoe/ff_abr.pdf>. Acesso em novembro de 2016. 48

Leavy, 2015. Texto original: The turn to creative arts in social research results from a confluence of many historically specific phenomena. Concurrently, these practices open up a new space that, as negative space defines a positive object in visual art, creates new ways of thinking about traditional research practices. What is clear when compiling recent ABR and researcher´s reflections on it, is that the pioneers in this area seek to sculpt engaged, holistic, passionate, research practices. They seek to bridge and not divide both the artistic-self and researcher-self with these new tools are merging their interests while creating knowledge based on resonance and understanding. 49

50

Op. Cit., p. 569. 18


genética em artes.51 Especificamente neste trabalho, tais traços são de ordem principalmente audiovisual e escrita, registros em vídeo, música e poesias. Para além da subjetividade do autorpesquisador-executante, está também inserido neste trabalho o relato de sua experiência com outros artistas da cena da dança contemporânea paulistana: Plataforma Shop Sui com direção de Fernando Martins, Companhia de Dança Siameses com direção de Maurício de Oliveira, J.Gar.Cia de Dança com direção de Jorge Garcia e companhia Dual Cena Contemporânea com direção de Ivan Bernardelli. As discussões sobre um Corpo Candente que este estudo impinge estão postas em palavras e em movimento corporal e são elaboradas teoricamente por meio de eixo tríplice: a) a educação estética, pela arte, sob uma ótica que considera e valoriza o corpo; b) a consideração e percepção dos efeitos de presença (devires, magias, sensações, eventidades e efemeridades de substâncias, espacialidades e materialidades do ser-no-mundo) num mundo regido pelo imperativo do sentido (significados e interpretações racionais a partir do paradigma cartesiano lógico-positivista, da metafísica, hermenêutica, da representação, da modernidade, na oposição sujeito/objeto, no estruturalismo) nos fenômenos de experiência estética; e c) a evidência e a potência da ideia de presença para a dança contemporânea. O percurso de revisão de literatura se deu nos meandros das fontes mais contemporâneas às mais antigas, na crença de que para revisitar o passado é preciso estar imbuído do presente e prospectando futuros. Para esclarecer o recorte de interesse, os temas arte, educação, experiência estética, corpo, dança e contemporaneidades culminam para elucidar, elucubrar e problematizar a questão de produção de presença do corpo; desde já alertando que produzir presença não é o mesmo que expressão corporal, mas antes um termo muito plural e complexo e diversificado em suas aplicações e entendimentos, sendo discorrido sem pretensões de verdades irrefutáveis, mas sim de pistas e constatações que possam contribuir para produção de uma natureza de conhecimento diversa da lógica racionalista-positivista-cartesiana própria da modernidade. Aqui a dança se circunscreve exemplar, por ser a principal atividade profissional do autor, o leitmotif é a experiência estética, a tópica é a corporeidade. A poética do movimento humano em sentido lato é a base de investigação, a ideia de contemporaneidade situa historicamente o corpo a fim de compreender sua trajetória através dos séculos. Cada uma dessas esferas desemboca no ideal de educação pela arte, e primeiramente, pelo corpo, o que somos - e não o que temos. A educação Idem. Para entender melhor sobre o conceito de crítica genética, sugiro a leitura de: Salles, CA. Crítica Genética: fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. 3ª ed. revista. São Paulo: EDUC; 2008. 51

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sensível é a estratégia de resistência e militância para prover possibilidades de transformação social e atuação responsável no mundo, de forma (des)construtiva. Reconhecimento e legitimidade de si se dão primeiro - senão absolutamente - no corpo. Evidentemente ou não, este assunto é uma questão de saúde, pública e privada, micro e macro, esse detalhe corrobora a escolha de toda a abordagem e decisão de aproximação entre arte e educação física, lamentavelmente quase opostas e cindidas, por essa razão as proposições aqui relatadas podem ser consideradas de cunho transdisciplinar. A busca se apoia na ideia de que o aprendizado acerca do próprio corpo por meio da dança pode ser profícuo para a criação de presença e para a fruição do movimento corporal no cotidiano contemporâneo, visando a salubridade biopsicossocial nas dinâmicas biotecnossociais da atualidade, dos mais diversos potenciais do corpo e de suas extensões, mediações, sentidos, representações e (re)configurações, não somente na dança e nas artes da cena, mas para a formação e emancipação de qualquer indivíduo interventor na sociedade. Para isso recorreu-se a textos clássicos de estética, de autores como Friedrich Schiller, Alexander Gottlieb Baumgarten, Jacques Rancière, Jacques Aumont e Richard Shusterman, por exemplo, a fim de trazer à tona a importância da elaboração das faculdades sensíveis e sensoriais do corpo para além de normatividades médicas ou sociais. O foco remanesceu no binômio presença-sentido, epistemes advindas da filosofia de Hans Ulrich Gumbrecht, o qual se apoiará em Martin Heidegger. Christine Greiner também colabora na discussão sobre a presença. Especificamente sobre dança e artes da cena contemporânea, o autor consultado foi José Gil, principalmente. O corpo na cultura digital e o pós-humanismo são tratados à luz de Lúcia Santaella, Paula Sibilia, Ronaldo Lemos, Massimo Di Felice e Eugenio Trivinho. E finalmente, a questão de educação pela arte foi estudada também com a ajuda de Herbert Read.

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Resultados O processo de criação em dança realizado por mim durante o período de pesquisa está disponível para apreciação em meu canal da rede social de compartilhamento de vídeos Vimeo, disponível em: <http://www.vimeo.com/paulocavalcanti>. Além deste registro audiovisual, deixo a seguir alguns relatos pessoais e profissionais de experiências enquanto bailarinoobservador e artista-pesquisador: Plataforma Shop Sui Passei a integrar o elenco da companhia de dança contemporânea Plataforma Shop Sui em outubro de 2016, justamente na fase de finalização da escrita deste trabalho. O projeto “A Máquina da Amnésia” de Fernando Martins culminará num espetáculo de dança cujo processo criativo se baseará na pesquisa de linguagem idealizada pelo próprio diretor, bailarino e coreógrafo: “Brain Diving”, para além de um técnica ou pesquisa de linguagem é uma forma de pensar e agir em dança, é literalmente um mergulho no cérebro, no qual a mente trabalha imbricada ao corpo, na investigação e autodesvelamento de uma textura corporal, abolindo a dicotomia corpo/mente. A fim de atingir estados, não de inconsciência, mas, de extrema consciência e domínio do corpo em plena integração, são propostos um conjunto de exercícios e ações que interligados podem suscitar cenas e contingencias. Contínuo estado de alerta. A pessoa que se coloca neste lugar se depara com sua subjetividade em profundidade, com seu ego e suas (im)potências. Há uma sensação singular de um corpo com estado de consciência alterado, porém não descontrolado. Quem dança nesta plataforma é demandado a manter o controle no ínterim do descontrole. Os joelhos recebem atenção especial neste tipo de trabalho, os movimentos de órbita dos deslocamentos dos membros devem ser absolutamente integrados, considerando cada uma das articulações. São ações nas quais um mínimo movimento do polegar do pé direito pode reverberar no corpo inteiro modificando sua estrutura, mas em perfeita sinergia e harmônica (ainda que caótica). Cada dia de trabalho é muito específico e demasiado inusitado. As tarefas são diversas e muito específicas de acordo com o resultado cênico que se espera. A duração dos ensaios é extensa, e praticamente não há pausas, são danças ou movimentações que duram 1, 2, 3, 4, 5 horas.... às vezes ininterruptas, provocando um estado de exaustão que gera respostas fisiológicas e expressivas impossíveis para um corpo que estivesse, resfriado ou em perfeitíssima homeostase. Naturalmente a improvisação é presente o tempo todo, mesmo quando há algumas células coreográficas a serem executadas. O improviso também pode ser entendido aqui como uma maneira de lidar e se resolver com seu corpo. A questão reside em como o corpo pode 21


manifestar a sua dança da maneira mais genuína e essencial, despindo-se de todas as couraças culturais que são impregnadas ao corpo durante o processo de civilização. A máquina de amnésica funciona para fascinar, fazendo-nos esquecer para podermos lembrar. Este mergulho profundo é sobre você. Autonomia e imediatidade para se articular com propriedade e presença, mesmo nos momentos mais eufóricos de frequência cardíaca máxima, ou submáxima. Dual Cena Contemporânea Enquanto estagiário acompanhei as ações dos trabalhos “Duo para dois perdidos” e “Profetas da selva” de Ivan Bernardelli. Na primeira obra acontece uma dança por dois bailarinos absolutamente diferentes. Um deles é portador de necessidades especiais, possui atrofia dos membros inferiores, oriunda de Poliomielite52. A dança é concebida considerando as especificidades de cada corpo. Acima de tudo, o que remanesce é uma conexão e um olhar atento muito forte entre os dois, absolutamente presentes. A dualidade me parece ser justamente o denominador comum e a essência poética deste grupo. No segundo trabalho, tive oportunidade de experimentar algumas cenas e células coreográficas com o elenco. “Profetas da Selva” consiste num ritual, e novamente a conexão entre os intérpretes e sua presença é que mais importa e se ilumina. Com influência de movimentos de culturas populares de matriz indígena e ocasionalmente afro-brasileira, há muitas caminhadas nas quais os corpos se confluem num único movimento, uma unidade movente. Os ensaios ocorreram na FUNARTE-SP, e os espetáculos em diversos locais por São Paulo.53 Companhia de Dança Siameses Dancei na Siameses de dezembro de 2015 até setembro de 2016. Neste percurso, talvez tenha feito as descobertas mais inquietantes da minha trajetória artística. No ambiente desta Companhia de dança, a forma e a beleza não são nada convencionais, apesar de muito atraentes e fascinantes. O diretor, Maurício de Oliveira, opera especialmente como um encenador, engendrando os processos de criação em cooperação com os intérpretes. Um dos objetivos e desejos que me acometeram no período de trabalho foi a vontade de transcendência, que veio acompanhada de um ímpeto vigoroso para tentar esgotar o inesgotável: as infinitas possibilidades físicas, mentais, imagéticas e energéticas do corpo, em perfeita consonância. A preparação corporal do elenco se dá pela prática de Yoga, conduzida pelo diretor e coreógrafo. Tal método visa a longevidade do 52

Uma doença de paralisia infantil infectocontagiosa.

53

Website da companhia: <https://ciadual.wordpress.com/>. 22


artista, preservando o corpo de lesões e preparando-o para o enfrentamento da dor e da sobrecarga muscular, articular e óssea durante exercício diário da dança. Para além disso, elevando a mente a uma concentração específica e a um estado de consciência resiliente capaz de superar os desafios impostos pelas técnicas corporais e às adversidades do cotidiano artístico.54 Tive oportunidade de dançar o espetáculo “Albedo”, na capital de São Paulo e em algumas outras cidades do Estado. Sempre oferecendo workshops gratuitos para o público de bailarinos locais. Estabelecendo uma interface e um compartilhamento da pesquisa de linguagem da Siameses. “Albedo” é inspirado na psicologia alquímica, e coloca em cheque as tradições e convenções das danças clássicas e contemporâneas, da beleza e da feiura, entre o real e o onírico. Sobre presença, algo muito curioso foi o convite feito a mim para trabalhar neste grupo. Em momento algum o diretor tecera comentários diretamente sobre minha técnica e minhas capacidades físicas no momento da contratação. Disse justa e simplesmente: “Gostei da sua presença”. Minha impressão sobre o último espetáculo da Companhia, dançado no SESC Consolação em setembro de 2016: Não sei do que se trata Rubedo, e que bom, pois não deve ser essa a questão. Uma malha de disparidades é tecida com uma crueldade bastante sutil. Um novelo ensanguentado, ocasionalmente coagulado, vai de desenrolando por meio dos feixes de luz e sombras irradiados pelos corpos dos bailarinos e seus tentáculos, suas glândulas, suas perfurações no ar. Na vermelhidão de uma inflamação, enxergarmos as cores que a nossa ira quiser... Não há controle. Que servidão é essa, e para quê? Para quem? Uma limpeza paulatina, que por ser tão lenta, mais emporcalha do que higieniza, e quando aprenderemos a administrar o abjeto, ministrando bons costumes? Uma narrativa enviesada, com neblina e indícios de distopia. Parece muito mas não é tudo, é só uma parte, uma escama, de uma ferida bem profunda, que demanda coragem para mergulhar, sem se embebedar e apagar. Os órgãos vão ficando todos suspensos e rarefeitos, há um peso insuportável sendo carregado por uma ladeira, que a qualquer momento pode se subverter e derrocar. Trajetórias breves que parecem intermináveis. Corpos que parecem gostar de causar estranhamento para exalar seu desconforto e sua lascívia, mas não podemos saber... Depois de desabrochar, saber muito, saber nada, e delirar em pus, o que sobra? Devaneio e gargalhada? Rachamos de rir por alegria ou por uma convulsão no com-plexo solar-umbilical-sexual? O gênero se indistingue, os pelos se trans-tornam o teu próprio cobertor... e, eventualmente, a manta que te chicoteia. A natureza é o seu espasmo na treva. A sua mentalidade é a iluminação numa caixinha trancada. A dança fica linda... sem querer querendo. Segurando na mão divina, mas de luva, aliás, não somente nas mãos, mas “o corpa” inteira montada impecável. Rubedo é, paradoxalmente, um emblema demolidor e legitimador da energia estética da dança dos Siameses. Consuma uma trilogia que abarca um norte cênico que se transborda, numa alquimia anômala, que não se basta, se indefine, e insurge. A dança precisa de 54

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insurgência, e de um desejo de transcendência que discuta e tire nossos corpos hedonistas de seus pedestais estanques. Rubedo induz a trajetórias infindas, que já não distinguem sua origem e se inserem ramificadamente, procurando uma diluição em todas as possibilidades possíveis, de escolhas intelectuais e sensoriais. Corpos que riscam seus riscos, amedrontam seus medos, se debatem em seus debates mudos. A beleza da perda de rumo faz com que criemos novos caminhos, as intersecções das mãos nos oferecem pistas que gentilmente nos confundem. Para enfim apreendermos o "jogo que não é jogo" fundante do ritual da dança, que não se deve inteligir, mas ser, estar, correr, fruir, receber, dispor, serenar, presenciar, presentificar, devir, deglutir, devolver. E de novo, no elã e no apogeu de um inferno precioso, meticulosamente lapidado, recomeçar.55

J.Gar.Cia de Dança Contemporânea Minhas experiências na Companhia de Jorge Garcia foram muito breves, porém, suficientes para identificar o interesse do diretor pela atmosfera de jogo e conexão não verbal instaurada pelos bailarinos(as). Jorge frisava a importância de um jogo, que tinha algumas regras prédeterminadas, e outras que se davam durante a cena, durante os ensaios, sem que ninguém precisasse bradar ou detalhar tais regras. Se o grupo estiver realmente conectado e perceptivo com o outro, o jogo pode se desenrolar de maneiras imprevisíveis sem que haja quebras ou desconexão da cena. A presença dos(das) intérpretes era muitíssimo potente, sobretudo quando executavam movimentos mínimos, quando mentalmente tomavam decisões durante o curso dos movimentos, modificavam suas escolhas a partir dos estados que sucediam, que a cada dia eram diferentes, ainda que respeitando um mesmo clima e contexto. Enquanto um ou dois bailarinos apenas estavam em cena, os outros se mantinham conectados, observando, e criando um cerco que conferia energia ao jogo, deste modo, sabiam exatamente o momento de adentrar a cena, mesmo já dentro da cena. Acompanhei os ensaios do trabalho Imprimi Potest, durante o mês de agosto de 2016.56 Processo criativo do solo “Corpo Candente” (ou Cr sh) Historicamente, o discurso da ausência é sustentado pela mulher: a Mulher é sedentária, o Homem é caçador, viajante; a Mulher é fiel, o homem é inconstante. É a mulher que dá forma a ausência, elaborando-lhe a ficção, pois tem tempo para isso; ela tece e ela canta. (...) Segue-se em todo o homem que diz a ausência do outro, o feminino se declara: esse homem que espera e sofre com isso é miraculosamente feminizado. Um homem não é feminizado porque é invertido, mas porque está enamorado. (Mito e utopia: a origem pertenceu, o futuro pertencerá aos sujeitos em quem o feminino está presente.)57 55

Relato de experiência pessoal, outubro de 2016.

56

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57

Barthes R. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes; 2013. p. 36. 24


O processo criativo deste solo se deu, principalmente, nas dependências da EACH-USP. A revisão bibliográfica motivadora deste trabalho inspirou a criação dramatúrgica de movimento que foi fortemente pautada em instauração de estados cênicos e improviso. A criação de presença foi o principal objetivo. O corpo candente produz calor, queima sua calorias (energias) enquanto dança, se aquece, e se torna brasa, incandescente, esse calor se relaciona ativa e reativamente com as forças da natureza que o rodeiam, é um ser que se apaixona pela natureza em toda sua diversidade, ao habitar este corpo eu flerto com o espaço e meu entorno, o meu contexto, o meu tempo e o meu corpo já são materiais instrumentais expressivos muito potentes para suscitar momentos e relações. Antes de obter uma presença que seja muito altiva, forte e chamativa, a ideia é estabelecer uma conexão muito consciente e inextricável com a natureza, essa alta consciência gera uma tensão entre uma profunda introspecção concomitantemente a uma profusa disseminação e apropriação do ambiente ao redor. É o engendramento de um ser estético. Que sente, percebe, sente e se totaliza, heterarquicamente. Desse esquecimento, bem depressa acordo. Prontamente instauro uma memória, uma perturbação. Uma palavra (clássica) vem do corpo, dizendo a emoção da ausência: suspirar: “presença corporal”: as duas metades do andrógino suspiram uma pela outra, como se cada sopro, incompleto, quisesse se misturar ao outro: imagem do beijo, na medida em que este funde as duas imagens numa só: na ausência amorosa, sou, tristemente, uma imagem descolada que seca, amarelece, encarquilha-se.58

Corpo candente concerne às diferentes maneiras (ou maneirismos) de um corpo que se deflagra apaixonado. Essa dança flerta com os “Fragmentos de um discurso amoroso” escritos por Roland Barthes. Como reage um corpo ao se apaixonar por outro(s) corpo(s); ou pelo próprio corpo; ou pela memória, ou pelo entorno? Sucessivos, lascivos, eróticos e abissais torpores de afeto e fascínio. (Eu via tudo de seu rosto, tudo de seu corpo, friamente: seus cílios, a unha de seu artelho, a fineza de suas sobrancelhas, de seus lábios, o esmalte de seus olhos, tal pinta, um modo de estender os dedos fumando: eu estava fascinado – a fascinação não é, em suma, senão a extremidade do distanciamento – por uma espécie de estatueta colorida, como que de faiança, vitrificada, em que eu podia ler, sem nada entender, a causa do meu desejo.)59

Os traços deste experimento estão em todas as minhas leituras. Testei inspirações de movimento através de músicas de diferentes caráteres. Optei pro traçar um percurso que me levaria a uma textura corporal de temperatura máxima, como um ritual javanês. A ideia é alcançar

58

Idem. Op. Cit. p. 37-38

59

Idem. Op. Cit. p. 94 25


o limite de um corpo entre a hiper consciência e uma leve abertura para a eventidade que sequencia cada tempo e espaço de movimento. Seja silêncio, música eletrônica, eletroacústica, ou o som de um atabaque, a ideia é me conectar com os efeitos das materialidades das coisas que me assolam, que me tocam, me fascinam e me fazem dançar. Dialogando, ocupando e devindo. Na busca por uma dança que manifeste claramente presença, um corpo que se coloca, muito utópico, por ser extremamente imaginativo, mas muito encarnado em sua fisicalidade e muito consciente de seu espírito, notando ausências e preenchendo-as. Aqueço-me pelo mais “trivial” friccionar de mãos, movimentos que ecoam e reverberam por toda minha circulação sanguínea, por cada articulação, tendão, ligamento, osso e músculo do meu corpo. Amparo-me nos elementos da natureza, no ar, e no fogo; surpreendo-me também com a terra e a água. Ritualizo as comunhões e as presenças que se instauram. Valorizo as materialidades e me inebrio em seus efeitos. Proponho uma catarse ou um momento, uma epifania, nem que seja por um átimo de segundo. Abro-me para memórias e lembranças, também abrindo espaço para o devir e para novas histórias do agora. Contingente, converso com o ecossistema e seus agentes, me misturo, me dissolvo, me erijo, estou presente, comigo, com você. Por uma nota ambiente, por uma surpresa, por uma resolução, e - confesso - motivado por alguns componentes de sentido, teço minha subjetividade pela textura do meu corpo presente. Danço, improviso, crio, vivo.

[“Corpo candente”. Fotografia digital. Paulo Cavalcanti, 2016]

26


Discussão 1.

Educação Estética - do corpo Para Jacques Rancière, “estética designa a ciência ou a disciplina que se desenvolve sobre as coisas da arte e

que procura dizer em que elas consistem enquanto coisas do pensamento”60, e fazendo remissão a Baumgarten, cita que a estética designa o “domínio do conhecimento sensível, do conhecimento claro mas ainda confuso que se opõe ao conhecimento claro e distinto da lógica.”61 Rancière chama de revolução estética “a abolição de um conjunto ordenado de relações entre o visível e o dizível, o saber e a ação, a atividade e a passividade.”62 Jacques Aumont (2001), em seu ensaio “La Estética Hoy”, analisa muito criticamente as concepções contemporâneas de estética que não consideram as transformações dos dias atuais, e que ainda se pautam em noções, obras e referências estanques numa lógica museológica. Em suma, o autor, muito assertivamente nos alerta para o fato de que, no século XXI e desde o final do século XX, muitos fenômenos transformaram o estatuto das artes, e a maioria das imagens hoje são dotadas de movimento. E, especialmente, a emergência de um reconhecimento frontal da parte material e corporal da arte. O autor também elenca a estética e sua experiência como todo o domínio da razão sensível, e da recepção, da percepção. Numa análise histórica, citando Baumgarten, Kant, Hume, Descartes, Dewey e outros estetas tradicionais, Aumont elenca três consequências: a) o prazer estético, que concerne à percepção, sensação, sentido e sensorialidade, além da utilidade ou do efeito e valor da sensação; b) a sensação como via de acesso ao mundo; é o ser-no-mundo, e a maneira como as visualidades trazem a percepção de que as imagens agora estão sempre em movimento, não são mais estanques, o cinema e o vídeo colaboraram para essa assunção; e c) o juízo de gosto como intuição, o gosto é a essência que fundamenta a existência da estética, e pode ser visto também como um fato social, que pode sempre ser renovado ecleticamente. É muito clara a confluência para onde se dirige a estética que vai ao encontro da ideia de Serno-mundo, muito explorada por Hans Ulrich Gumbrecht, em seus textos sobre produção de presença, que será melhor discorrida no capítulo subsequente. Há também uma enorme afinidade com o pensamento de Richard Shusterman e sua somestética (estética da soma, ou seja, do 60

Rancière, 2012.

61

Ibidem.

62

Idem. p. 25 27


corpo). Uma disciplina filosófica teórico-prática inaugurada em 1996 que critica veementemente a desconsideração do corpo na tradição filosófica que insistiu e ainda insiste na dicotomia que cinde o corpo e a mente.63 Bataille e Artaud, por exemplo, acusavam a cultura ocidental de ter perdido o contato com o corpo humano.64 Shusterman (2012) discute a ausência de um exercício filosófico que se dê no (e pelo) corpo, de fato. Afinal, naturalmente, num espaço de estudo acadêmico, os estudiosos são instruídos a permanecerem sentados, concentrados, com o olhar a frente focado em alguma pessoa emissora de conteúdo, impossibilitando qualquer tipo de expressão e investigação mais livre com o próprio corpo humano. Para ratificar seu ideal de disciplina teórico-prática (ele define também um campo denominado somestética pragmática) Shusterman se utiliza de procedimentos não teóricos de mapeamento do corpo, muito utilizados em abordagens somáticas como a técnica de Moshe Feldenkrais, Alexander, Ideokinesis, eutonia e outras. Até mesmo o empoderamento das minorias sociais, movimentos contra discriminações étnico-raciais, sobretudo dos negros, a luta perene da população LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) pela liberdade e diversidade sexual, a emancipação da mulher na sociedade patriarcal com o feminismo, políticas de cotas, acesso e acessibilidade a portadores de necessidades especiais, direitos mínimos de subsistência, moradia, alimentação e transporte público para pessoas desfavorecidas financeiramente, engajamento de classes estudantis, como o movimento secundarista na discussão de normatividades da gestão pública e dos modelos disciplinares (modernos e industriais) da educação formal, o apoio às comunidades indígenas ameaçadas pela desapropriação de suas terras, o mote do MST, além de toda e qualquer ação política visando à inclusão social, num estado laico... todas essas questões de importância atroz, num planeta tão rico e tão pouco sustentável, recaem, incidem, atravessam, retornam e reverberam (n)o/ao/para/pelo corpo; entre, através e além… Herbert Read (2001) acredita que a arte deve ser a base da educação. Assim como Schiller quando, ainda no século XVIII escreveu suas cartas sobre a educação estética do homem (título deveras sexista). Eu também acredito nisso.

63

Shusterman, 2012.

64

Pelbart, 2003, p. 70 28


Há seis principais premissas de uma educação estética schilleriana: 1. Impulso lúdico; 2. Beleza enquanto moralidade; 3. Liberdade; 4. Contemplação; 5. Educação pela arte; e 6. O ser humano absoluto. Esses pilares definem os principais conceitos propostos por Schiller. A transformar o universal em particular e vice-versa, ver a vida com mais leveza, criatividade, poetizando o acaso, transfigurando objetos no imaginário... tudo isso nunca foi tão necessário numa sociedade de hegemonia ocidental capitalista, que impinge a cultura da competição e da punição ao erro; Para Schiller, havia uma estreita relação entre o Belo e o Bom, aí reside uma questão ético-estética, fortemente influenciada pela filosofia de Immanuel Kant. Algo perfeitamente discutível hoje, mas compreensível para a época; A liberdade incide em sua obra como um dos princípios também marcantes da Revolução Francesa, na qual o escritor teve muito de participação e influência. Infelizmente o curso tomado pela insurreição francesa, com a ascensão da burguesia, o Estado Nacional, a Idade Moderna e as mazelas do racionalismo exacerbado do iluminismo, Schiller viu seus ideais sendo deturpados, esvanecidos; A contemplação e a educação pela arte seriam o cerne e a essência para a formação social do cidadão, para constituição de sua subjetividade enquanto ser agente no mundo que consegue se relacionar poética e sensivelmente com seu entorno. Somente a arte poderia sensibilizar o ser humano a ponto de prepará-lo para se articular em todas as suas esferas de vida. Apenas por meio da estética, do domínio do sensível e da percepção, no reencontro com a natureza, o indivíduo legitimaria o seu “ser humano absoluto”, pleno, feliz.65 É evidente que o romantismo de Schiller revela uma conduta elitista e deveras ultrapassada, afinal estamos falando de um texto de 1794. Todavia, hoje as humanidades ainda têm uma atribuição de resgatar algumas de suas inspirações que são ainda muito relevantes, sobretudo pelo caráter de relação da sensibilidade com a racionalidade, que favoreça a vivência humana, a consciência de si, do outro e do meio. O objetivo da educação, para Read, “só pode ser o de desenvolver, juntamente com a singularidade, a consciência social ou reciprocidade do indivíduo.”66 Ele chama de educação estética uma abordagem integral da realidade, que se ocupa da elaboração dos sentidos nos quais a consciência e, em última instância, a inteligência e o julgamento do indivíduo humano estão baseados. É só quando esses sentidos são levados a uma relação harmoniosa e habitual com o mundo externo que se constitui uma personalidade integrada. (...) Esse ajustamento dos sentidos ao seu meio ambiente objetivo talvez seja a função mais importante da educação estética.67 65

Schiller, 2013.

66

Read, 2001. p. 6

67

Idem, p. 9 29


Read ainda expõe que nossa experiência no meio ambiente não é absolutamente objetiva nem empírica. Há dois estados existências que podem ser desabrochados com as faculdades estéticas, seriam eles os estados somáticos e proprioceptivos, de sensibilidade háptica; e os estados subconscientes, imagéticos e imaginativos. A dança estaria circunscrita numa categoria de formas de expressão que o autor chama de educação cinética, que envolve os músculos e a intuição, e que está intimamente relacionada com a música. O instinto musical afinal seria o desejo de dançar e cantar.68 O autor não opõe arte e ciência e verifica a educação como o cultivo dos modos de expressão de uma pessoa, que possa produzir sonos, imagens, movimentos, ferramentas e utensílios. O objetivo é formar artistas: pessoas capazes nos vários modos de expressão. A revelação do Ser pode se dar, tanto na modalidade do belo, quanto na modalidade do sublime; podemos dizer que ela pode nos transportar pra um estado de clareza apolínea ou para um estado de arrebatamento dionisíaco. Independentemente dessas distinções (que, noutros contextos, seriam cruciais), (...) estamos sempre - deliberada ou inconscientemente - citando epifanias quando usamos a palavra “estética” em nossa situação cultural específica. Com essa palavra, citamos epifanias que, pelo menos por alguns momentos, nos fazem sonhar, nos fazem ânsias por saber e nos fazem até recordar como seria bom viver em sintonia com as coisas do mundo.69

O filósofo da citação acima acredita que um ensino acadêmico mais “adequado” poderia ser dêitico, isso seria uma atitude estética de experiência vivida, antes de interpretada, e poderemos entender melhor sobre isso no capítulo seguinte. É curioso como até o século XV era muito mais comum que as pessoas exprimissem pensamento por meio de outros suportes que não somente a linguagem. Por imagens, por exemplo. Isso foi se perdendo com o advento da escrita, da imprensa, da indústria, da cultura de massas e da cultura digital, cronologicamente. Grandes ensinamentos da cultura oral (de poucos grupos étnicos que vêm sendo cruelmente extintos por serem excluídos da sociedade e de suas próprias terras, como os indígenas brasileiros) também foram evanescidos através dos tempos, uma comprovação das implicações que castram e podam determinados instintos, e potenciais sensoriais dos humanos em detrimento da hiperespecialização, do virtuosismo e de um quase fetichismo da linguagem e do discurso científico, acadêmico, culto, da elite. Como se articular, essencialmente, honestamente e esteticamente em tempos de violência digital, na qual o indivíduo apenas consegue se legitimar como cidadão pleno e com acesso a todo o contingente de cultura, oportunidade e informação possíveis caso esteja conectado em tempo 68

Idem, p. 11

69

Gumbrecht, 2010, p. 148 30


real e tenha um perfil muito bem formatado nas redes das novas tecnologias digitais? Os excluídos digitais entram em estado de anomia; os incluídos são normatizados dentro dos padrões de comportamento e de vigilância da rede, da geolocalização e dos filtros que rotulam perfis de consumo. Como militar frente a este cenário de regime de cárcere aberto, subserviência voluntária e hegemonia do capital? Quais são os mecanismos e ferramentas para além da linguagem, do discurso, do léxico, da tradição e da morfologia de códigos pictóricos ou de algoritmos que ainda não descobrimos?

2.

Poéticas de Presença - e sentido A presença é uma instância disparadora de relações de corpos em um dado espaço. Aqui

veremos uma postura que evoca a presença como uma energia muito real que insurge contra a perda de mundo hermeneuticamente induzida, que será explicada em sequência. Em nossas construções de mundo, os entendimentos de “corpo” estão submetidos aos regimes de produção de sentidos que vão sendo engendrados ao longo do tempo. O corpo contemporâneo ainda está tentando se desvencilhar de resquícios da modernidade, essa é sua principal agenda. É necessário desgarrar-se do modelo cartesiano, eugenista, higienista, fordista, taylorista, lógico-positivista que reinou para a ascensão do capitalismo global. Por exemplo, como se percebe no filme “Tempos Modernos”, de 1936, retrata-se claramente um paradigma taylorista, que é a implicação de um corpo maquinificado, com seu tempo e suas ações rigidamente controladas a serviço da produtividade fabril. Suscitara, com as revoluções industriais, a divisão do trabalho e a fragmentação do corpo; mecanizado e padronizado para operar de maneira disciplinar.70 E, parafraseando Michel Foucault, docilizado.71 Hoje sabemos que esse regime de punição e fiscalização já está introjetado passando de imperativo à disciplinar, à de controle, vigilância distribuída e subjetivada. Notemos que, assim como o corpo, a realidade está sempre em constante mutação. Destarte, devemos considerar que o corpo, coadunado às mídias, tecnologias e culturas, nos conduz a biopolítica. Esse termo foi inaugurado por Foucault

70

Katz, 2010 In Greiner, 2010.

71

Foucault, 1983. 31


em 1974, trata-se da aplicação e impacto do poder político sobre todos os aspectos da vida humana. Helena Katz e Christine Greiner, pesquisadoras do corpo, propõem o conceito de “corpomídia”: “meio e corpo se ajustam permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças”, ou seja, “corpo e realidade são frutos sempre provisórios das trocas permanentes que fazem.” Tratase de um corpo que não é anterior e nem ulterior a cultura, fora da oposição sujeito/objeto(s da natureza), mas sim uma codeterminação, verificando o binômio dentro/fora como complementaridade e não como exterioridade.72 De acordo com Antônio Damásio, os sentimentos seriam mudanças nos mapeamentos cerebrais de estado do corpo engendradas por correções adaptativas (e vice-versa), relacionadas com as emoções. Os sentimentos mantém nossa condição de vida organizando eticamente nossos comportamentos, essa função deveria ser mais considerada para as configurações e sistemas sociopolíticos. No corpo, ficção e verdade são absolutamente reais.73 Devemos nos atentar aos processos de tradução dos nossos sentimentos, ou seja, sua corporificação. Um dos caminhos mais essenciais para tal proeza é a presença do corpo. Para André Lepecki, “corpo e presença desestabilizaram radicalmente a base epistemológica na qual a arte estava assentada”.74 A noção de “traço” de Derrida, já comentada, também ratifica essa importância.75 Para Eric Landowski76, o modo de presença no mundo seria uma forma única de atenção sensível, disponibilidade total, acordo imediato com as coisas e as pessoas ou pequenos acontecimentos que se encadeiam. Sendo assim, a ação do espaço também é uma forma de presentificação. Christine Greiner considera que a presença do corpo é a responsável por dar visibilidade aos pensamentos, esse fator é de suma importância para compreendermos as formas de engendramento da arte contemporânea e sua fruição, afinal, hoje verificamos muito mais obras que se propõe a expor pensamentos, em vez de simplesmente produzir ou reproduzir resultados estéticos a serem consumidos por bel lazer. Está posta a exposição ao “olhar”. A presença é a 72

Katz & Greiner, 2001.

73

Greiner, 2010. p. 88

74

Idem.

75

Féral, Op. Cit.

76

Landowski, 1997 apud Greiner. Op. Cit. 32


instauração de “micromovimentos de interface”. A presença pode ser virtual também, porém, a presença legítima do corpo se dá numa atualização e tradução-deslocamento que se presentifica e ganha visibilidade, estabelecendo um novo processo comunicativo com o entorno.77 A presença do corpo nada mais é do que a externalização de um pensamento que se dá a partir de micromovimentos de interface entre o dentro e o fora do corpo. O seu reconhecimento depende, ao mesmo tempo, da “melodia cinética” composta no corpo e do olhar do outro, que, por sua vez, engendra novos deslocamentos redimensionando as interfaces e reinventando os pensamentos. (...) o trânsito entre o dentro e o fora, o privado e o público em suas zonas de indistinção, um dos pontos de partida para compreender a presença do corpo pode, e, de fato, se organiza como uma ação política é o reconhecimento da materialidade do corpo.78

Notar como temporalidade e espacialidade estão relacionadas, assim como história e regionalidade, é importante para entender o conceito de presença. Doravante, a autora versa sobre a definição de fûdosei (o movimento estrutural da existência humana) de Tetsurô Watsuji: a presença do corpo seria a carne do corpo, mas também as suas conexões não apenas com diferentes objetos, mas com realidades plurais, ou seja, um fluxo de informações não apenas individuais, mas eminentemente coletivas. Tudo estaria relacionado ao momento presente, sem qualquer separação entre natureza e cultura: o clima, a paisagem, os tempos do corpo e do ambiente, a espacialidade do corpo e do entorno, a história e a situação material e simbólica do aqui e agora (regionalidade).79

Segundo a semioticista, a presença corporal pode ser definida como um estado (ou movimento) de disponibilidade e atenção sensível-sensorial ao devir, micromovimentos de interface.80 É fatídica a constatação de que, com o advento da modernidade, nós “perdemos o mundo” 81. Ou seja, a partir do cartesianismo nossa sensibilidade com o corpo e o espaço no mundo é tolhida e relegada. Nossa condição corporal é desmaterializada, apartada, na exigência de que a humanidade seja uma eficiente máquina de produzir sentido (informação, conteúdo, racionalidade, resultados científicos, códigos, inteligibilidades em geral). A ideia de necessidade de

77

Idem. p. 93-95

78

Idem. p. 96

79

Ibidem.

80

Ibidem.

Colocação do professor Otávio Leonídio na contra capa do livro Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir de Hans Ulrich Gumbrecht. 81

33


produção de presença na contemporaneidade vem justamente para se opor a este cenário cartesiano-mecanicista, absolutamente ultrapassado. Essa discussão, proposta veementemente por Hans Ulrich Gumbrecht em grande parte de suas obras, também se relaciona intimamente com a “crise da representação”, algo muito relevante, sobretudo nas artes cênicas contemporâneas, em detrimento das artes modernas. A arte contemporânea não mais se propõe a jazer em reproduções fiéis e reféns de tradições anteriores, especialmente a partir da segunda metade do século XX. No ocidente, a performance, os happenings, as vanguardas, o dadaísmo e os ulteriores neodada, o Fluxus, a Tropicália, o movimento Hippie, a Popart, o Pós-dramático, o Minimalismo, a Arte conceitual e outros movimentos insurgentes, vêm para contribuir nessas desconstruções. As ideias de Gumbrecht, no entanto, ainda vão para além da mera desconstrução, vislumbrando reconstruções, expressando originalidade e força política. Com as ressalvas e críticas às tradições filosóficas da metafísica, o autor sugere novas vias de acesso ao mundo, que na realidade podem ser mais antigas do que imaginamos. A partir de conceitos e premissas não hermenêuticas, ou seja, “não interpretativas”, são lançadas pistas para que nos re-situemos no mundo.82 Em “Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir” (2010), Gumbrecht nos conta que “a experiência estética sempre nos confrontará com a tensão, ou a oscilação, entre presença e sentido. Ou melhor, entre efeitos de presença e efeitos de sentido.” A presença seria uma referência espacial, algo que está a nossa frente e que é tangível para os corpos. Producere, do latim, significa “trazer para diante”, sendo assim, produção de presença expressa um efeito de tangibilidade que surge com materialidade em movimento permanente. Qualquer comunicação “tocará” os corpos das pessoas de maneiras variadas. Esta obra “aponta para todos os tipos de eventos e processos nos quais se inicia ou se intensifica o impacto dos objetos „presentes‟ sobre corpos humanos.”83 Apenas para elencar alguns autores por ele citados que colaboram para a conceituação de (efeitos de) presença, temos: Descartes, com a inauguração de um arquétipo de corpo humano “res cogitans”84, subordinou não só o corpo ao pensamento, mas também todas as coisas do mundo. O cartesianismo,

82

Gumbrecht, 2010.

83

Op. Cit. p. 13

84

Res cogitans: “coisa pensante”, sujeito pensante. 34


conferindo ao pensamento a supremacia da vida e da verdade, pela metafísica, dicotomiza o corpo e a mente, desprezando a materialidade corporal. Em 1927, Martin Heidegger, em “Ser e Tempo” viria se opor ao paradigma cartesiano, reafirmando a substancialidade corporal e as dimensões espaciais da existência, reformula também o paradigma sujeito/objeto pelo conceito de “ser-no-mundo”, devolvendo a autorreferência humana ao contato com seu mundo. O filósofo também desenvolve a ideia de “desvelamento do Ser”, em vez do conceito metafísico de “verdade”.85 Para Jean Luc Nancy, em “Birth to Presence”, a presença na contemporaneidade é o nascimento, “a chegada que apaga a si mesma e devolve a si mesma” 86. É o que Gumbrecht chama de “temporalidade extrema”. E de acordo com George Steiner, as artes estão maravilhosamente enraizadas na substância, no corpo humano, na pedra, no pigmento, na vibração das entranhas ou no peso do vento nos juncais. (...) têm início na imanência. (..) é tarefa e privilégio da estética tornar rapidamente presente o continuum entre a temporalidade e a eternidade, entre a matéria e o espírito (...).87

Judith Butler vem para refutar a solidez do construtivismo nas humanidades nos recordando da materialidade do corpo, recorrendo ao conceito de performance. Afinal, independentemente de construções sociais abstratas, há dimensões que não podem ultrapassar a fixidez e fronteiras das matérias, ainda que estas possam ser moldadas. Há muitos autores contemporâneos das humanidades que se interessam pelo tema da presença tem posição crítica em relação ao construtivismo, afinal, essa escola de pensamento tem como premissa que apenas sejam objeto de análise os conteúdos da consciência humana. Claramente privilegiando a mente em detrimento do corpo e suas sensações mais sinceras. Como se tudo (toda realidade) fosse uma construção social (mental).88 Alguns exemplos de componentes e efeitos de presença podem ser: a música, a dança, a sensação, noções de espacialidade, substância, a efemeridade, o “ser-no-mundo”, elã, imediatidade, obviedade, fluxos, devir, magia, eventidade (desconectada de inovação ou surpresa), eucaristia. Componentes e esferas de sentido: o paradigma cartesiano, racionalismo lógico-

85

Idem. p. 70

86

apud Gumbrecht, 2010.

87

Idem-Ibidem.

88

Ibidem. 35


positivista, metafísica, hermenêutica, representação, modernidade, oposição sujeito/objeto, o estruturalismo, um debate parlamentar… Podemos notar alguns contrastes e topologias nessa discussão, o primeiro já foi posto, que é a distinção entre culturas de presença e culturas de sentido, este é o pontapé inicial. Agora, o autor desenvolve outros dez conceitos experimentais para esmiuçar essa questão que faz um apelo não hermenêutico para as Humanidades: 1) A autorreferência humana no (na cultura de) sentido é o pensamento (estamos “excêntricos ao mundo”), enquanto a autorreferência humana na presença é o corpo. Na cultura de presença, as coisas do mundo já têm um sentido inerente que dispensa qualquer interpretação e atribuição de sentido. Devemos pensar também que cada signo depende de uma cultura e que estamos inscritos numa cosmologia. 2) A ideia de sujeito e subjetividade, com o predomínio da mente, opondo o homem da natureza é preponderante numa cultura de sentido, enquanto numa cultura de presença o corpo não se isenta do mundo e suas coisas. 3) A autorrevelação do mundo é um “conhecimento tipicamente revelado”, não parte do sujeito. Ou seja, a ideia de produção de presença é bem menos pretenciosa e antropocêntrica do que parece, e tem muito mais haver com uma percepção e assunção do entorno, fenômenos estéticos que geralmente (quase sempre) não podemos controlar. 4) Cada signo depende de uma cultura específica. 5) Na cultura de presença estamos inscritos e imbuídos de uma cosmologia. A ideia de alterar os ritmos cosmológicos da natureza seria uma inconstância (ou um pecado) nas culturas de presença, enquanto na cultura de sentido, em contra partida, os seres humanos tendem a ver a ação de transformar o mundo como sua principal vocação. Neste caso o que seria “ação” para o sentido, seria “magia” para a presença (tornar presente o que está ausente e vice-versa, independendo do “conhecimento” humano). 6) O espaço é a dimensão de relação na presença, o tempo é a relação no sentido. 7) A cultura de presença “ilumina” as relações que se dão na espacialidade, e a ocupação dos espaços ocasionalmente ocorre por violência; a cultura de sentido habitualmente adia essa violência, a evita ou oculta, muitas vezes transtornando-a em poder (ou potência). O potencial e a ameaça da violência física pode se transformar em relações de poder ditadas pela distribuição de conhecimento. 8) Na cultura de presença a eventidade está desconectada de inovação ou surpresa (paradoxalmente), mas na cultura de sentido, um evento é um conceito inseparável da ideia de inovação e surpresa. Apesar da difícil compreensão, pensemos: Há um evento pré-agendado para o qual você está se dirigindo, numa hora marcada, irá tocar uma música, você já conhece esta música, no entanto, no momento exato da irrupção dos sons e timbres, a sensação que te acomete é absolutamente imprevisível. 9) O lúdico e a ficção por meio do sentido inspiram uma 36


ideia vaga sobre a motivação de algum jogo. Essa ausência de motivação é a razão pela qual as regras ocupam sua função motivadora. Essa consciência de regras não possui lugar na cultura de presença, que instauraria uma insularidade ou carnaval, como atividade lúdica. E, finalmente, 10) A eucaristia é uma legitima celebração de presença, na qual Deus se presentifica por um ritual de magia. Esse é um protótipo de ritual de presença, no qual a presença de Deus se intensifica no mundo, afinal, para os crentes destes rituais (que não é o meu caso) a presença de Deus já é inerente, onisciente e onipresente, e a eucaristia apenas reafirma sua presença. De outro lado, temos um exemplo de ritual de sentido com os debates parlamentares nos quais, apesar da presença física, as pessoas discutem e decidem exclusivamente considerando suas faculdades mentais e intelectuais em suas encenações.89 Agora, outra tipologia muito interessante criada pelo autor consiste nas formas de apropriações de mundo, divididas em quatro distinções: 1) Comer as coisas do mundo, que concerne às práticas de antropofagia, mesmo em rituais religiosos nos quais se come e bebe o sangue de Cristo, ao nos alimentarmos de algo estamos nos apropriando do mundo e de suas coisas. 2) Penetrar coisas e corpos, seja pelo sexo, pela violência, assassinato, destruição que promove uma fusão transitória entre corpos. Aqui há uma aproximação entre as naturezas do sexo e da morte, onde arrebatamos corpos, pois desejar outra pessoa sexualmente pode significar querer se fundir e se dissolver nela, habitando o mesmo corpo e, da mesma maneira, o desejo de morte pode ser a vontade de “tornar eterna uma união transitória”. 3) O misticismo seria uma outra forma de apropriação do mundo, especialmente nos rituais religiosos de possessão, como das culturas religiosas de matriz africana, como os cultos afro-brasileiros nas atividades dos pais de santo que tem seus corpos arrebatados por entidades. E, por fim, 4) interpretar e comunicar, que talvez seja o nosso modo mais óbvio e comum de nos apropriarmos do mundo, fundados primeiramente no sentido, na psicanálise, na psicoterapia. Notemos que neste quatro conceitos, do primeiro ao último, respectivamente, temos uma gradação de intensidades que começa com efeitos de mais presença e termina com efeitos de mais sentido.90

89

Op. Cit. p. 106-113

90

Op. Cit. p. 114-117 37


O filósofo alemão desenvolve também três conceitos onde reúne suas previsões em relação às Artes e Humanidades: são eles, epifania, presentificação e dêixis91. Ele acredita que a arte tem um papel preponderante, quando as movimentações para dar mais destaque ao elemento da presença na experiência estética, a estetização potencial da história e a proposta de libertar o nosso ensino da obrigação de oferecer orientação ética podem criar, mais uma vez, maior consciência da proximidade que a prática artística concreta pode ter relativamente às nossas atividades acadêmicas.92

Discutamos agora a frase: “Nosso fascínio pela presença baseia-se num desejo de presença que, no contexto da contemporaneidade, só pode ser satisfeito em condições de fragmentação temporal extrema.” 93 A partir de suas tipologias, o autor versa sobre a experiência estética enquanto algo que nos dá sempre sensações de intensidade que não costumamos encontrar especificamente na nossa cultura e na nossa história, e que talvez tal experiência seja sintoma de nossos desejos mais profundos. Somos tomados por uma exacerbação de doçura e fascínio, o que também pode ser apavorante numa experiência dessa dimensão. Tudo depende de uma “estrutura situacional dentro da qual essa experiência tipicamente ocorre”, é a ideia bakhtiniana de insularidade, uma cultura “carnavalesca” que promove uma “incomensurabilidade entre a experiência estética e a propagação de normas éticas”. Em suma, “adaptar a intensidade estética a requisitos éticos significa normalizá-la e até mesmo diluíla.” Por isso talvez seja muito incipiente e talvez até incoerente esperar que uma obra de arte transmita ou exemplifique alguma mensagem ética… Há também uma disposição específica para suscitar tais experiências. Hoje em dia, por exemplo, arte-educadores atuam como facilitadores que alertam para determinados objetos da experiência, e que convidam seus alunos à serenidade, para que haja concentração e disponibilidade ao mesmo tempo, sem que haja tensão ou esforço excessivos. Outra constatação é a de que o que nos fascina nos objetos de experiência estética é justamente o fenômeno e a impressão da presença, esse seria nosso objeto de desejo principal, justamente pela saturada hegemonia de sentido a qual somos expostos. Lembremos apenas que presença e sentido estão sempre juntos, em maior ou menor grau, em mais ou menos aproximação, sempre em tensão. Com a ajuda de Nancy, Gumbrecht destaca que a presença está sempre permeada pela ausência, por tanto é sempre efêmera e contingente. Na verdade, os “fenômenos de presença surgem sempre como Por falta de conveniência, não adentraremos a fundo nesses conceitos, bastaria dizer que eles sintetizariam respectivamente a ideia de catarse induzida numa experiência estética: epifania; a (ilusória) ideia de materialização de tempos passados: presentificação; e a capacidade dêitica de localizar um fato no tempo e no espaço sem defini-lo: dêixis. 91

92

Ibidem.

93

Idem. p. 42 38


“efeitos de presença” porque estão necessariamente rodeados de, embrulhados em, e talvez até mediados por nuvens e almofadas de sentido.”94 O fato marcante desta discussão é que nossa sociedade tende a ignorar o lado da presença de modo muito automático em nossos cotidianos cartesianos. Com efeito, “concepções exclusivamente semióticas ou metafísicas do signo não conseguem fazer jus à experiência estética.”95 Para que estabeleçamos sintonia com as coisas do mundo, com serenidade, precisamos abandonar a autorreferência cartesiana que se dissocia de seu ambiente e apenas o observa (quando o faz) como se fosse um quadro, para assumir a autorreferência do corpo que está absolutamente imbricado à natureza onde vive. Aí seria então possível o desabrochar do conceito heideggeriano de verdade, que acima de significados ecumênicos, de certo ou errado, se daria no autodesvelamento do Ser, sua autorrevelação.96 Enfim, “a experiência estética nos impede de perder por completo uma sensação ou uma recordação da dimensão física das nossas vidas.”97

3.

Presença e Dança - contemporânea “Meu corpo, topia implacável.” (Michel Foucault) Hipoteticamente, André Lepecki98 lança a ideia de que “a dança contemporânea é muito mais definida

pela presença de seus dançarinos do que pelos movimentos dos corpos”. Marie Bardet desenrola esta ideia cotejando duas noções de presença antitéticas: a) como conexão mágica, transcendente, de totalidade plena e ecumênica e b) uma atenção, um esforço, no presente… um sonho acordado?99 A ideia de presença é absolutamente relevante para a improvisação em dança, algo extremamente recorrente e substancial na dança contemporânea.

94

Idem. p. 135

95

Idem. p.139

96

Idem. p. 147

97

Ibidem.

98

apud Bardet, 2014.

99

Idem. 39


Nesta parte final, pretendo espelhar principalmente as ideias de presença de Gumbrecht com as ideias da metafenomenologia de José Gil, coadunando e também cotejando seus conceitos, os quais acredito serem muito dialógicos. Mas antes, faço algumas inserções de outros pensadores: Em seu ensaio “O Corpo Utópico”, Michel Foucault induz seu leitor ao desvelamento de uma ideia que percorre um caminho inusitado e brincante, elaborando a ambivalência do corpo como uma instância que ora habita o universo das ideias e ora se presentifica numa tenaz materialidade física, biológica, bem definida topologicamente: Inicialmente, ele diz que o nosso corpo é o contrário de uma utopia: a utopia é um lugar fora de todos os lugares, mas um lugar onde eu teria um corpo sem corpo, um corpo que seria belo, límpido, transparente, luminoso, veloz, colossal na sua potência, infinito na sua duração, solto, invisível, protegido, sempre transfigurado; (...) um corpo incorporal, (...) feérico, (...) o contrário de uma utopia, o que jamais se encontra sob outro céu. Lugar absoluto, pequeno fragmento de espaço com o qual, no sentido estrito, faço corpo.100

E extrapola… Meu corpo é o lugar sem recurso ao qual estou condenado. Penso, afinal, que é contra ele e como que para apagá-lo que fizemos nascerem as utopias. (...) Afinal o que são as múmias? Elas são a utopia do corpo negado e transfigurado. A múmia é o grande corpo utópico que persiste através do tempo. (...) Porém, a mais obstinada talvez, a mais possante dessas utopias pelas quais apagamos a triste topologia do corpo, nos é fornecida, desde os confins da história ocidental, pelo grande mito da alma. (...) Minha alma é bela, pura, é branca; e, se meu corpo lamacento vier a sujá-la, haverá sempre uma virtude, haverá uma potência, haverá mil gestos sagrados que a restabelecerão na sua pureza primeira.101

Postula-se o desaparecimento do corpo. No entanto, no final deste mesmo ensaio - muito engenhosamente - o autor nos diz exatamente o oposto: “Todas aquelas utopias pelas quais eu esquivava meu corpo encontravam muito simplesmente seu modelo e seu ponto primeiro de aplicação, encontravam seu lugar de origem no meu próprio corpo”.102 E diz que para que eu seja utopia, basta que eu seja um corpo, simples (e complexamente!). Ele diz que o haviam enganado quando disseram que as utopias estavam contra o corpo e ameaçavam apagá-lo, e que elas “nascem do próprio corpo e, em seguida, talvez, retornem contra ele.”103

100

Foucault, 2013.

101

Idem.

102

Idem. p. 11

103

Ibidem. 40


Maquiar-se, travestir-se, tatuar-se, se arrumar, antes de ser o forjar de outro corpo, é fazer com que o seu corpo entre em contato com “poderes secretos e forças invisíveis”, instalando o corpo em outros lugares, criando heterotopias104, ou seja, presentificando espaços, sensações, justamente pela materialidade e espacialidade da situação, como vimos com Gumbrecht. A máscara, a tatuagem, a pintura, instalam o corpo em outro espaço imaginário que se comunicará com o universo das divindades ou com o universo do outro. Por ele, seremos tomados pelos deuses ou seremos tomados pela pessoa que acabamos de seduzir. De todo modo, a máscara, a tatuagem, a pintura são operações pelas quais o corpo é arrancado de seu espaço próprio e projetado em um espaço outro. (...) E se considerarmos que a vestimenta sagrada ou profana, religiosa ou civil faz com que o indivíduo entre no espaço fechado do religioso ou na rede invisível da sociedade, veremos então tudo o que concerne ao corpo – desenho, cor, coroa, tiara, vestimenta, uniforme - tudo isso faz desabrochar, de forma sensível e matizada, as utopias seladas no corpo.105

E pergunta: “Afinal, o corpo do dançarino não é justamente um corpo dilatado segundo um espaço que lhe é ao mesmo tempo interior e exterior?”; E responde: “Meu corpo está, de fato, sempre em outro lugar.” Ligado e conectado a tudo. Essa potência de criar mundos que nos é inerente, atrelada às questões de presença que foram trazidas à tona até aqui, e considerando nossa fragmentação e indefinição topológica pela comunicação digital contemporânea, é absolutamente complexa. Precisamos estar preparados para nos imbuir de tamanha potência. Pois somos um microcosmo e uma micropolítica da natureza e a natureza é assombrosamente gigantesca. Além disso, para Deleuze e Guattari, na obra “O que é a filosofia”, utopia seria justamente uma desterritorialização absoluta, porém, justamente no momento em que se conecta com o presente, não aspirando um futuro, mas um encontro entre o que há de infinito e o que está aqui e agora.106 Parafraseando Yvonne Rainner, sobre utopia: quanto mais impossível, mais necessária... Por último, agora concentrarei o foco de análise teórico-filosófica no exercício da dança contemporânea, finalmente. Notemos que em meus relatos de experiências expostos anteriormente a questão da presença era muito latente em todas as Companhias descritas. E enquanto bailarino-intérprete e criador sempre me foi muito demandado o exercício de improviso e criação cênica. Aí está a relação da dança com o jogo. 104

Heterotopia significa um lugar outro ou diferente, díspar, diverso. Hetero: diferente; topos: lugar.

105

Idem.

106

Deleuze & Guattari, 1992. p. 130 41


No primeiro capítulo de seu livro “Movimento Total: o corpo e a dança”, José Gil107 fala sobre a imanência do corpo. E versa a dança instaurada justamente pela presença, parafraseando Susanne Langer, definindo a dança como “o surgimento de uma presença”, ou aparição. Essa imanência é, em primeira instância, antônima da transcendência. Fazendo remissão a Merce Cunningham, por exemplo, temos um corpo cujo movimento e fisicalidade já se bastam em sua expressão, não demandando nenhum tipo de alegoria, emoção, aparato ou externalidade para sua manifestação, pelo menos não a princípio. Deslocamo-nos absolutamente da representação, partindo para a ação, sensação, apresentação, performatividade e performance. É um ponto zero, um intervalo de esforço, um continuum. O plano de imanência sobre o qual o autor fala, se situa e é percebido num plano virtual. A virtualidade do corpo tem a ver com o seu devir, um estado que precede a sua atualização, que, no entanto não é estanque, tampouco definida pela concretude do evento. Não só os movimentos resultantes, mas suas intenções, seus ínterins e seus mistérios são o que nos enovelam numa dramaturgia de dança. O “corpo virtual” está aquém do “corpo atual”, mas o prescinde. Precisemos ainda a noção de corpo virtual. Este reconhece com facilidade em Cunningham que, como vimos, decompões gestos no equilíbrio do corpo em movimento, de tal modo que o nexo das posições dos membros já não é o de um corpo orgânico. Pode-se mesmo dizer que a cada uma destas posições simultâneas de gestos heterogêneos corresponde um corpo diferente (orgânico; mas da multiplicidade dos corpos orgânicos virtuais que formam um mesmo corpo resulta um corpo impossível, uma espécie de corpo monstruoso; ele é o corpo virtual). Este corpo prolonga na virtualidade o gesto cuja continuação já não se vê no corpo empírico, actual. (...) Não há, portanto um corpo único (como o “corpo próprio” da fenomenologia), mas múltiplos corpos. O corpo do bailarino é composto de uma multiplicidade de corpos virtuais.108

Ou seja, o corpo que se realiza é antes diverso, múltiplo, utópico e heterotópico. Paul Valéry e José Gil versam sobre a abertura de “infinitos” no espaço através das danças dos bailarinos. Diferentemente do ator que cria e recria espaços e situações, paredes e arquiteturas típicas ou atípicas, os bailarinos perfuram o espaço, dimensionando-o de maneira infinita, mesmo estando muito conscientes dele. Para Mary Wigman, o espaço “é o reino do bailarino.” Um reino intangível, no qual ele cria atopias, mais do que heterotopias109. Talvez a presença seja o que antecede o início do movimento, e o que permeará toda a duração cênica ulterior. Sendo passado e futuro ao mesmo tempo, se torna o momento presente em toda sua potência. Para Rudolf Laban, o que

107

Gil, 2001. p. 51

108

Idem. Op. Cit. p. 44

109

Idem. p. 51 42


inicia o movimento é um tipo de “esforço”, um impulso interior vital e originador. Na dança, esse esforço latente tem qualidades de energia, tempo e espaço...110 Há um silêncio, associado ao vazio, que conduz à presença e que também se atrela aos intervalos que conferem a irradiação da arte da presença na dança. É o silêncio que Merce Cunningham pedia aos corpos dos seus bailarinos, e também o grande vazio primordial das pinturas chinesas. Essa tábula rasa propicia espaços e terrenos profícuos para criação de intensidades, plasticidades e preenchimentos dos fluxos corporais.111 Discordando de um aspecto de Gumbrecht sobre a presença, Gil se afasta do clichê de verificarmos a dança enquanto uma arte do efêmero. A partir disso ele discorre sobre o corpo paradoxal na dança. A não efemeridade se dá pela presentificação dos gestos corporais e seus ecos. “Um gesto presente que se insere numa continuidade mais profunda, virtual, do tempo” 112. Ou seja, para Gil, o movimento da dança não é efêmero, pois deixa suas marcas perenes, que ecoam. Há muitos outros elementos díspares de análise sobre a dança nos quais não me aprofundarei aqui, mas vale a pena destacar que: Todo corpo que dança tem um grande componente narcísico, inequivocamente: O movimento dançado recolhe o corpo sobre si, e por outro lado, projeta suas múltiplas imagens em pontos de contemplação narcísica, pontos necessariamente fora do corpo próprio, mas que se encontram no espaço. (...) É o espaço do corpo que fornece os pontos exteriores-interiores de contemplação. (...) Graças ao espaço do corpo, o bailarino cria duplos e múltiplos virtuais do seu corpo que garantem um ponto de vista estável sobre o movimento.113

Há unidades de tempo-espaço que caracterizam o movimento do bailarino; A dança gera um escoamento de energia, uma possessão, um transe que não permite qualquer espaço fora da consciência. É justamente o movimento total ao qual o autor se refere. “Sabe-se que o bailarino evolui num espaço próprio, diferente do espaço objectivo. Não se desloca no espaço, segrega, cria o espaço com o seu movimento.”114 Esta afirmação de José Gil, nos acorda à questão da dança contemporânea muito mais pautada na ambiência do que na centralização do foco na fisicalidade de um corpo. Ele faz surgir um novo espaço, parafraseando novamente Foucault, uma heterotopia. Mas o paradoxo 110

Idem. p. 15-18

111

Idem.

112

Ibidem.

113

Ibidem.

114

Ibidem. 43


está no fato deste espaço não ser dissociado do espaço objeto. É uma maravilhosa indistinção, numa absoluta imbricação espacial objetiva-abstrativa. A pele enquanto extensão do espaço. Aliás, trata-se de “uma realidade muito geral, não reservada apenas a artistas do corpo e atletas”, está “presente por toda parte, nasce a partir do momento que há investimento afectivo do corpo”.

115

Essa

“corporeização do espaço” que estamos discutindo aqui é bastante reveladora do interesse tão contemporâneo nas obras de dança em Site-Specific, ou seja, danças concebidas para determinados lugares, espaços, ambientes. Os corpos aumentam sua potência narcísica na cena. Mas enquanto o narcisismo do ator se reparte por outros elementos além do corpo, no bailarino concentrase por inteiro na presença corporal. Queira-o ou não o bailarino, o movimento do corpo sem outro fim que não seja mostrá-lo, transporta consigo um poderoso fator de narcisização.116

“Enquanto dança o bailarino cria duplos e múltiplos virtuais do seu corpo que garantem um ponto de vista estável sobre o movimento.”117 Isso justifica muito bem a necessidade de exploração do ego e da subjetividade do artista da dança. Trata-se do reconhecimento de si. Olhar para si e ao mesmo tempo se autoconhecer permite ao artista que se emancipe das marcas impressas no seu corpo pela sociedade, que não necessariamente refletem sua essência, ou melhor, sua possibilidade de devir. Dancemos: A dança compõe-se de sucessões de micro-acontecimentos que transformam sem cessar o sentido do movimento. E (...) realiza da maneira mais pura a vocação de agenciar do desejo. O que explica sem dúvida a sua presença tão poderosa, mas muitas vezes deserotizada, na maior parte das danças reais. A dessexualização dos corpos acompanha o desenvolvimento do movimento de agenciamento, quer dizer muito simplesmente do movimento dançado como movimento do desejo. Se a dança deserotiza os corpos, é porque o movimento dançado se tornou desejo (desejo de dançar, desejo de desejo, desejo de agenciar). Quando o erotismo irrompe e possui o corpo (nomeadamente nas danças populares), é porque o movimento de agenciamento de agenciamentos foi ele próprio tomado num agenciamento concreto erótico. Então tudo se inverte: é o movimento dos gestos concretos que mantém o continuum do agenciamento abstracto, enquanto toda a coreografia se impregna de erotismo, como uma vaga ou uma atmosfera. (...) A ideia é prover um “espaço de onde as obstruções, as máquinas de romper os fluxos, de os cortar, de os vampirizar, sejam varridas - pela própria intensidade do fluxo. (...) Digamos, simplesmente que o corpo habitual, o corpo-organismo é formado de órgãos que impedem a livre circulação de energia. Desembaraçar-se deles, constituir um outro corpo

115

Idem. p. 56-59

116

Idem. p. 57

117

Idem. p. 63 44


onde as intensidades possam ser levadas ao seu mais alto grau, esta é a tarefa artista e, em particular, do bailarino.118

Destarte, reitero a potência do corpo presente, de atitude estética, que pode criar utopias, heterotopias, corpos múltiplos, instaurando poéticas de estranhamento, primeiramente pelo fato de se localizar no mundo, e entender seu corpo como um lugar circunscrito nesse mundo, e não somente um instrumento de expressão, apesar de também poder sê-lo. A fenomenologia teve o mérito de considerar o corpo no mundo. Não se trata de uma perspectiva terapêutica, mas do estudo do corpo próprio na constituição de sentido. A noção de corpo próprio compreende ao mesmo tempo o corpo percebido e o corpo vivido, em suma o corpo sensível, a Carne de Husserl, de Merleau Ponty e de Erwin Strauss. A descrição do corpo em situação prima sobre qualquer outra consideração de sentido ou de função. Mas o corpo fenomenológico não considerava duas instancias muito importantes, concernentes aos bailarinos: a energia e o espaço-tempo do corpo.119

José Gil considera o corpo não somente um fenômeno, mas um metafenômeno. Que vai além. Percebido concretamente em sua materialidade, visível, virtual ao mesmo tempo, emissor de signos e transsemiótico. “Um interior orgânico e ao mesmo tempo solúvel à superfície.”120 Receptáculo que abre e fecha, que se conecta sem cessar com outros corpos e com a natureza. Um devir-bailarino, paradoxal que pode devir qualquer coisa. (...) Um corpo interior-exterior, poroso, esponjoso, liso, estriado, de simetrias assimétricas. A dança é imanência, por excelência, o corpo que dança é pura imanência. Com tal imanência pode-se alcançar as mais altas intensidades, como desejava Cunningham. (...) Por que dançar? Pelo desejo, cuja natureza jaz no ato de agenciar. (...) O desejo cria agenciamentos. (...) O desejo não se esgota no prazer, mas aumenta agenciando-se. Criar novas conexões entre materiais heterogêneos, novos nexos, outras vias de passagem de energia, ligar, pôr em contato, simbiotizar, fazer passar, criar máquinas, mecanismos, articulações. (...) Infinito. (...) O desejo produz ou constroi em si próprio. Os agenciamentos, doravante, tornam-se dispositivos para fluência do desejo. (...) Corpo-sem-órgãos, plano de imanência.121

Esta questão de liminaridade pode ser muito representativa da questão de produção de presença durante as atividades cênicas corporais. A liminaridade concerne o dualismo entre consciente e inconsciente muito presente em rituais, de passagem ou possessão, nessa indefinição dos limites que possam definir um estado corporal específico. O desempenho do artista ao se disponibilizar no palco, numa intervenção, ou numa gravação, é absolutamente cerceado por essa 118

Idem. p. 73

119

Idem. p. 68

120

Ibidem.

121

Idem. p. 73 45


dualidade. Afinal, de acordo com as teorias da comunicação que vimos com Christine Greiner no capítulo 2, a presença é, a priori, uma interface de microcomunicação. Presentes nós já estamos no mundo, isso é inevitável, cabe a nós agora potencializarmos ou não nossas presenças. Talvez a assunção da presença, tanto cênica quanto existencial, prescinda da abolição dos organogramas corporais aos quais nos acostumamos durante o processo civilizador, e em meios a tantas fetichizações digitais do contemporâneo. As reflexões anteriores me abismam nas ideias de um “corpo-sem-orgãos”, recorrentes na obra deleuziana, na qual José Gil se inspira notavelmente. “O corpo-sem-órgãos, termo cunhado por Antonin Artaud e vastamente elaborado por Deleuze em seus platôs, para a esquizoanálise seria a apresentação de “uma matéria intensa não-estratificada, superfície aberta a conexões e limiares que a significância e a subjetivação hegemônicas proscrevem.”122

122

Pelbart, 2003. p. 217 46


Considerações Como já foi citado acima, não é nada trivial o movimento profícuo de criação de dança contemporânea em Site Specific, ou seja, concebida para um determinado espaço ou lugar. Estar presente é se imbuir da materialidade do próprio corpo no mundo e se relacionar com as presenças outras com as quais nos deparamos. Não é gratuito o fato de que as ocupações de locais públicos como forma de manifestação política seja algo tão emergente e recorrente hoje em dia. A sociedade, especificamente a brasileira neste momento, vem encontrando as formas mais potentes de se manifestar pelos meandros burocráticos da civilização. “Ocupar e resistir” são produção de presença. Vejamos as ocupações das escolas pelos estudantes secundaristas que causaram uma verdadeira revolução quantitativa e qualitativamente nas discussões políticas sobre educação. Dançar é produzir presença, especial e assertivamente quando verdadeiramente dançamos em uma terra que nomeamos como nossa, dialogicamente, abandonando a velha oposição sujeito/objeto. Somos humanos, humanas, somos natureza. Já exaurido, finalizo as colocações deste trabalho. Concluo apenas um desejo latente de que haja cada vez mais transformações nos modelos tradicionais de educação no mundo, e que as artes e as práticas de sensibilização do corpo sejam valorizadas e verificadas em sua potência de produção de conhecimento. Acredito ser um enorme contrassenso que aulas de educação física sejam ministradas ainda num modelo disciplinar, fordista e taylorista, em carteiras enfileiradas, salas fechadas, um emissor em pé e vários receptores na posição sentada. Ademais, acredito que a educação corporal e sensível seja necessária para todas as pessoas, sem exceção. E, retornando um pouco a poética amorosa que inspira a dança que criei para este trabalho, deixo mais uma citação sobre o corpo e a utopia de Foucault, mais como um enfeixe do que um desfecho. A dança, tal qual a busca pelo conhecimento, é inesgotável. (...) fazer amor é sentir o corpo refluir sobre si, é existir, enfim, fora de toda utopia, com toda densidade, entre as mãos do outro. Sob os dedos do outro que nos percorrem, todas as partes invisíveis de nosso corpo põem-se a existir, contra os lábios do outro os nossos se tornam sensíveis, diante de seus olhos semicerrados, nosso rosto adquire uma certeza, existe um olhar, enfim, para ver nossas pálpebras fechadas. O amor, também ele, como o espelho e como a morte, serena a utopia de nosso corpo, silencia-a, acalma-a, fecha-a como se numa caixa, tranca-a e a sela. É por isso que ele é parente tão próximo da ilusão do espelho e da ameaça de morte; e se, apesar dessas duas figuras perigosas que o cercam, amamos tanto fazer amor, é porque no amor o corpo está aqui.123

123

Foucault, 2013. 47


O “corpo candente” que criei em aliança com esta escrita traz, como uma malha rizomática, todas as reverberações dessas reflexões atreladas às minhas próprias mitologias. Trago Hefesto, Prometeu, Fausto, Barthes, Oxum, música, pessoas, lugares e me relaciono eroticamente com os elementos da natureza que rodeiam minha dança. Não há muito mais o que dizer por aqui que não seja melhor expressado na dança que preparei (disponível no link citado no capítulo Resultados, p. 19). Trata-se de um corpo que se presentifica ao notar e assumir sua ligação inextricável com o regimento da vida, e que valoriza a materialidade das coisas do mundo, inclusive aquelas que não somos capazes de ver a olho nu. Imbuído de muitas histórias e imaginações, estou aqui, e as trago comigo. Com a ajuda do sentido de todas essas palavras aqui dispostas, desejei que saltassem efeitos e ecos de presença daqui. Ao que remanesce não cabe interpretação, talvez apenas sensação. Que suscite reflexões, sim! Mas, sobretudo, sensações...

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Abstract This essay is a Graduation Final Work (TCC) of Bachelor in Physical Education and Health (originally Physical Activity Sciences) by the School of Arts, Sciences and Humanities of the University of SĂŁo Paulo (EACH-USP). The study deals with the perception and assumption of the body as the first instance for human acting, in arts and life. Explores the idea of production of presence at the expense of meaning culture, which, on the other hand, favors the hegemony of meaning and rationalist logic, hermeneutical, relegating the materiality of the body and nature, the sensitive experience. In order to grasp the complex notion of presence, traces embraces aesthetic education issues through the arts and experience, and as a practical example, there is contemporary dance and its poetics. The text was developed along with the creation of a dance solo called "Corpo Candente (Cr sh)", confirming methodologies known as Practice as Research, Arts Based Research and Qualitative Studies. The propositions of this work considers the needs of physicality and body ambience as health issues, and in addition, tries to check the status of the contemporary body inextricably mediated by digital culture and the new technologies. Key-words: production of presence, contemporary dance, aesthetic education, aesthetic experience.

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Iconografia “Corpo Candente”| 22 e 23 de novembro de 2016, São Paulo, SP, Brasil Fotografias: Alessandra Alves e amigas(os).

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Agradecimentos À minha orientadora, Beatriz Ferreira Pires, ritualística, que me serenou entre as magias da graciosidade e do abjeto - gratidão incomensurável pela leitura de cada palavra escrita por mim neste percurso, pela sensibilidade. Sergio Bairon, pelo pronto e gentil aceite de interlocução excepcionalmente assertiva - na banca, grato por todo reconhecimento e motivação. Marília Velardi, atenciosa nas consultas, doce e mordaz, provocadora e facilitadora de transformações políticas. Paula Leitão Batista, Elen Caroline Palandi Gomes, Adriano Orivaldo Alves Batista e Danilo Patzdorf Casari de Oliveira, pelas paixões e dualidades. Ivan Bernardelli, pela inspiração pungente e troca existencial. Thalita Sanção Tozi, Vinícius Jordão, Alice Caliento Machado, Viviane Gomes, Aline Amâncio de Lima - uma feiticeira -, Aline Maria, Larissa Marques, Aluá Machado, Flávia Gioia, Paulo de Tarso, Gustavo Bonin, Maíra Alves, Felipe Guedes e Cauê Muratt - meu sátiro -, pela amizade colossal. Júlia Beatriz Evaristo pela ajuda performática também. Aos amigues e parceires presentes, Henrique Ferreira, Eriki Hideki, Vinícius Francês, Dalilla Leon, Vitor Rosa, Giuli Lacorte e Bárbara Elias - “vó”. Tahyná Oliveira, pelo abrigo de uma paisagem sonora “pânica”. Alessandra Alves, pelas imagens. Anne Caroline Feitosa dos Santos, pela vestimenta. Docentes Cristina Landgraf Lee e Marco Almeida Bettine, pelo apoio. Horacio Gouveia, Selma Sueli da Silva, Sandra Sueli da Silva, Luis Augusto Ribeiro, Neyde Rossi, Eduardo Bonnis, Claudia de Souza, Maurício de Oliveira, Luiz Fernando Bongiovanni, Rafaela Sahyoun, Jorge Garcia e Fernando Martins pelos mundos que me deram. Audrey Gluck e Sergio de Simone pela base, subsídio e paciência. Ieda Pereira Leitão Cavalcanti e Patrícia Cavalcanti por me darem heterotopias para onde poder sempre voltar. Enfim, ao(s) universo(s), ao(s) sonho(s); todas as presenças da minha vida.

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Paulo Cavalcanti Escola de Artes, Ciências e Humanidades Universidade de São Paulo Rua Arlindo Béttio, 1000 03828-000 - São Paulo - SP - Brasil E-mail: paulo2.cavalcanti@usp.br; paulocavalcantti@hotmail.com Telefone: (11) 968-199-447

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