Intervenção Dr. Carlos Moedas Encontro da AT Kearney Portugal

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Pedro Rezende, Presidente da A.T. Kearney Portugal, Distintos Conferencistas, Minhas Senhoras e meus Senhores,

Vivem-se dias intensos e sensíveis do ponto de vista político. O debate está ainda muito vivo, pelo que gostaria de aproveitar esta oportunidade para vos dar a minha perspetiva – naturalmente parcial, mas espero que serena e ponderada – sobre o que Portugal tem alcançado no último ano e sobre o muito trabalho que ainda temos pela frente. Acabámos há poucos dias o 5º Exame Regular ao Programa de Assistência Económica e Financeira. Todos os Exames têm tido as suas dificuldades mas todos, todos, têm sido superados com trabalho e reconhecimento internacional. Mas como tem sido reportado na imprensa, esta avaliação foi de facto uma etapa difícil neste processo. Tivemos que negociar alterações ao programa, nomeadamente no que diz respeito aos limites quantitativos. Mas partimos para essa negociação de uma posição mais forte do que a que Portugal tinha há um ano atrás. A relação de confiança que construímos com os nossos parceiros internacionais, fruto do empenho, da transparência e da capacidade de execução, assim como a Página 1 de 11


credibilidade entretanto recuperada, foram essenciais para esta negociação. Deste modo, a revisão das metas que sai deste 5º Exame torna o programa mais realista e preserva a sua credibilidade. Temos ainda muitos desafios pela frente. Mas o 5º Exame Regular, como os anteriores, foi bem-sucedido porque Portugal está a cumprir, porque está a corrigir os desequilíbrios interno e externo e porque está a empreender as reformas que geram crescimento económico e emprego. Em áreas críticas, tais como competitividade, redução do endividamento, exportações e correção do desequilíbrio externo, o ritmo de ajustamento está a ser mais rápido que o esperado. E estes resultados concretizaram-se não obstante forte ventos contrários, nomeadamente a deterioração da situação económica internacional e o agravamento da crise da dívida soberana na área do Euro. Mas sabemos também que temos ainda obstáculos a ultrapassar. O processo de consolidação orçamental está numa firme trajetória em direção ao equilíbrio de médio prazo. No entanto, o progresso registado ao longo deste ano foi menor do que o previsto. Os fatores que estavam sob nosso controlo evoluíram positivamente, em alguns casos de forma mais favorável que o previsto, demonstrando a determinação em reduzir despesa. Mas a receita ficou aquém do esperado. Sabemos que tal se Página 2 de 11


deve a alterações da composição da atividade económica – os portugueses estão a consumir menos bens duráveis, estão a importar menos e a exportar mais e isso tem consequências fiscais. Constatou-se portanto, neste 5º Exame, que a velocidade do ajustamento externo da economia portuguesa – algo positivo – afetou negativamente a execução orçamental. Este aspeto exemplifica, aliás, a complexidade inerente a um processo de ajustamento, no qual as diferentes variáveis estão em constante interação dinâmica, requerendo afinações no caminho. Assegurar o sucesso do Programa implica a conciliação permanente dessas variáveis. Permitam-me um breve parêntesis para comentar três equívocos que por aí circulam. Tenho ouvido alguns a dizer que do 5º Exame saiu a decisão de estender o programa mais um ano – ora isso não é verdade, a duração do programa não se alterou, nem esta revisão implica mais dinheiro. Apenas se adiou por um ano, para 2014, o objetivo de colocar o défice abaixo dos limites de Maastricht. O segundo equívoco é mais perverso, mas felizmente menos frequente: é o de se dizer que como não alcançámos o objetivo do défice, então o sacrifício não valeu a pena. Trata-se de uma extraordinária falácia. Como país temos a necessidade imperiosa de estancar o Página 3 de 11


ritmo de acumulação de dívida. Cada ponto do défice é mais dívida, pelo que quanto menor for esse défice melhor para Portugal. O terceiro equívoco é também perverso mas é infelizmente mais comum que o anterior – é a ideia que os défices geram crescimento. Que o aumento do Estado e da Dívida estimulam a economia. Se há país no qual essa ilusão já devia ter caído é no nosso. Tentámos essa via, anos sem fim, e tivemos um dos mais fracos crescimentos da Europa. E no caminho acentuámos desequilíbrios macroeconómicos, acumulámos dívida e esquecemo-nos de reformar a economia. É importante relembrar, embora tenho sido há tão pouco tempo, que o nosso país encontrava-se numa insustentável trajetória de desequilíbrio crescente nas contas externas e públicas, de sobre-endividamento, público e privado. A crise que vivemos representa o culminar de mais de uma década de desequilíbrios macroeconómicos persistentes, de estagnação económica e de crescimento do desemprego. Foi essa crise que forçou o país a recorrer a um programa de assistência internacional. Ao fim de 5 Exames sentimos que ainda há muito por fazer. Mas sentimos que a credibilidade está a ser recuperada e que houve uma clara inflexão no perigoso caminho pelo qual seguia o nosso País.

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Alguns dados sustentam essa mudança no caminho. Vivese hoje um notável ajustamento da conta externa portuguesa, de um padrão histórico recente que rondava os -10% do PIB entre 2000 e 2010 para cerca de -1% em 2012. Recorde-se que em Agosto de 2011 a previsão do FMI era de que Portugal estaria neste momento com um saldo da conta externa de -6,1%, continuando a melhorar gradualmente até aos -2,5% em 2016, último ano de análise. Outro indicador central é a redução do défice estrutural. Em 2011 e 2012 o défice estrutural primário caiu cerca de 6 p.p. Um ajustamento sem precedentes na história recente de Portugal. Algo mais difícil de quantificar mas tão ou mais importante, é a agenda de transformação estrutural da economia portuguesa. Grande parte das reformas estruturais definidas no programa de governo e nos memorandos está já executada. A nossa economia é já hoje mais flexível e mais capaz de se adaptar às oportunidades da economia global. Temos um novo código do trabalho e uma nova lei da concorrência; houve uma reforma do mercado do arrendamento, do código de insolvências, e da lei de arbitragem. Estão em curso múltiplas iniciativas de liberalização do regime de licenciamento, de acesso a profissões ou do reconhecimento de qualificações, reformas que geram uma maior igualdade de oportunidades e que tornam a economia mais competitiva. Página 5 de 11


O programa de privatizações tem sido bem-sucedido e continuará a bom ritmo nos próximos meses. Esse programa reforça a liquidez da economia, diminui o endividamento, atrai capital e proporciona um ambiente mais competitivo. Com base no sucesso alcançado, o governo decidiu neste 5º Exame alargar o programa de privatizações, estando em curso uma análise de possíveis transações. Apresentámos também uma medida de desvalorização fiscal, já apresentada nos seus traços essenciais mas cujo detalhe será discutido de forma alargada, nomeadamente com os parceiros sociais. É uma medida que ataca de frente um conjunto de fragilidades de curto prazo da economia portuguesa, nomeadamente o rápido crescimento do desemprego e as restrições de liquidez que enfrentam a generalidade das empresas. É uma medida complexa e que como tal está a ser calibrada de forma a atender aos mais desfavorecidos e de forma a garantir a sua plena eficácia. Precisamente por ser complexa, esta medida tem gerado alguns equívocos. Diz-se por exemplo que a medida tem impacto no consumo. Mas omite-se que as medidas alternativas que estavam em cima da mesa teriam também esse impacto, mas com a agravante de não gerarem qualquer contrapartida ou benefício para as empresas. Durante meses sem fim ouvimos muitas empresas referindo as restrições de liquidez que Página 6 de 11


enfrentam no momento de pagar os salários ou investir. No entanto, a crer nas palavras de alguns empresários por estes dias, essas restrições desapareceram de um dia para o outro, não sendo já necessário aliviar custos para promover a competitividade. Sei que para algumas empresas, incumbentes, bem instaladas e com domínio de mercado, esta medida pode representar uma ameaça, uma vez que poderá dar mais força às empresas ágeis e dinâmicas. Às empresas que diariamente lutam com as bem instaladas pela quota de mercado; mas que, infelizmente, sentem maiores restrições no acesso ao crédito. Para um governo que quer um país com maior concorrência e mais dinamismo, libertar essas empresas é uma das chaves para um país mais justo. Outra questão é que no clima agitado em que vivemos, alguns retratam a economia como um palco de confronto entre empregados e patrões, esquecendo-se que as empresas são pessoas, que a economia portuguesa é feita essencialmente de pequenas e médias empresas, que a sobrevivência e o crescimento das empresas representa criação de emprego, representa bem-estar, representa crescimento económico. Saindo deste tema, gostaria ainda de referir um conjunto de reformas de que pouco se fala, mas que é essencial para que daqui a 10 ou 20 anos Portugal não volte a mergulhar numa crise semelhante. Falo-vos da reforma institucional do Estado, das administrações públicas e do Página 7 de 11


processo orçamental. Estamos a reforçar a transparência do orçamento e das contas públicas, por via, por exemplo, da criação do Conselho das Finanças Públicas. Estamos a reforçar os mecanismos de controlo orçamental, tanto ao nível central, como regional e local, através por exemplo da Lei dos Compromissos. E estamos a caminhar para um processo orçamental moderno, assente numa visão plurianual. São estas reformas que garantem que o esforço que os portugueses estão agora a empreender perdurará no tempo. Em suma, o papel do governo tem sido o de cumprir de forma determinada as obrigações internacionais, recuperar a credibilidade, reequilibrar as contas e reformar e economia. É um processo muito duro, mas infelizmente necessário. Mas de vez em quando algumas pessoas dizem-me que não basta tirar Portugal da situação de emergência em que estava, que não basta equilibrar as contas e recuperar a credibilidade perdida. Dizem-me que é preciso apresentar uma visão para o país, uma visão que mobilize as pessoas à volta de um objetivo comum. Compreendo esta posição. Mas penso que ganhamos muito em construir uma visão aberta e universalista. Uma visão assente na criação de condições equitativas para todos; e não na escolha de sectores a privilegiar. Uma

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visão assente na remoção das barreiras e entraves à economia; e não numa visão paternalista do Estado. Um país é feito da sua cultura, dos seus momentos de partilha coletiva mas também da diversidade gerada pela individualidade de cada um. Quando os governos impõem um caminho rígido normalmente perpetuam erros e destroem a livre-espontaneidade da sociedade. Muitas pessoas clamam também pela promoção do crescimento. Esta pergunta reflete uma postura tentadora mas que levado ao extremo é nociva – a ideia que o crescimento se faz por decreto; a ideia de que existem fórmulas mágicas para o crescimento; a ideia de que a promoção do crescimento se faz através de mais divida e mais défice. Penso que é justo assumir que foram os políticos em geral, aqui e fora, agora e no passado, que mais contribuíram para criar e perpetuar essa ideia de que o crescimento vem de um planeamento público iluminado. Das “Novas Fronteiras” de Kennedy, ao “fumo branco da tecnologia”, de Harold Wilson, são poucos os políticos que resistem à tentação de apresentar grandes visões de prosperidade assentes em bases pouco sólidas e em dúbios exercícios de futurismo. Sabe-se onde isto acaba: na escolha política de sectores a privilegiar; na fútil tentativa de criar campeões nacionais; na inevitável

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restrição à livre iniciativa; na criação de rendas que beneficiam alguns, poucos, para prejudicar quase todos. O crescimento económico não vem de uma dada decisão deliberada; vem sim de um conjunto variado e complexo de decisões e de dinâmicas, internas e externas, públicas e privadas; vem de um ambiente marcado pelos incentivos certos; vem da cultura, vem da geografia; vem da História; virá certamente da execução das reformas estruturais. Um governo tem um papel na promoção do crescimento. Mas deve ser mais humilde na assunção desse papel, reconhecendo que na equação do crescimento entram múltiplos fatores. Parte dessa humildade passa também por admitir não só o papel limitado do Estado na promoção do crescimento como também o papel negativo que pode ter nesse mesmo processo. Os efeitos positivos de políticas acertadas são muitas vezes suplantados pelos efeitos negativos de políticas erradas. Assim, o melhor contributo que um governo pode dar para o crescimento advém de um conjunto de medidas tangíveis e intangíveis; vem de medidas proactivas mas principalmente de medidas que retiram o Estado da economia; vem da promoção de uma igualdade de oportunidades, que recompense o mérito; vem da criação das condições de concorrência equitativas (o que os anglo-saxónicos chamam de “level playing field”); Página 10 de 11


É de facto difícil o momento em que vivemos. Estamos todos a tomar as decisões difíceis que promovem o equilíbrio das nossas contas e a redução do endividamento; estamos a reformar a economia, tornando-a mais flexível e justa. A vasta maioria das empresas portuguesas está a adaptar-se à crise, a melhorar a sua oferta ao mercado interno ou a exportar mais. O processo em que no encontramos é duro, e implica múltiplos sacrifícios. E é um processo lento. Mas julgamos que este caminho é mais realista: porque enfrenta, não esconde, as fragilidades da nossa economia; porque rejeita o facilitismo; porque rejeita a ilusão; É um caminho assente no rigor do Estado e das suas contas públicas. É um caminho assente na recuperação da credibilidade. É um caminho assente no trabalho e no espírito criativo dos portugueses. Obrigado pela vossa atenção.

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