5. A Cultura na Estratégia da Região de Lisboa
A Cultura na Estratégia da Região de Lisboa
1. INTRODUÇÃO No âmbito dos trabalhos de preparação do próximo Quadro Comunitário de Apoio, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) está a promover uma reflexão global sobre a estratégia a prosseguir pela Região de Lisboa no período 2005-2015 que inclui a definição de uma visão estratégica para este território, com base na qual se deverão definir os objectivos e projectos estruturantes a integrar o próximo período de programação financeira 20072013 (QREN - Quadro de Referência da Estratégia Nacional).
A partir de 2007, a Região de Lisboa passará a incluir as sub-regiões da Grande Lisboa
e da Península de Setúbal, ou seja, será uma região de natureza
marcadamente urbana, e passará a integrar o objectivo 2 dos Fundos Estruturais Europeus denominado ‘Competitividade Regional e Emprego’, objectivo esse que visa reforçar a competitividade e a atractividade das regiões, bem como o emprego, através da antecipação das mudanças económicas e sociais baseadas na inovação, através da melhoria do ambiente e da acessibilidade, da adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas e do desenvolvimento dos mercados de trabalho inclusivos.
Na sequência deste exercício de reflexão estratégica, encontra-se já relativamente consolidada como visão estratégica para a Região de Lisboa pós 2006 a ideia de
Dar dimensão e centralidade ibérica à Área Metropolitana de Lisboa, espaço privilegiado e qualificado de relações euro-atlânticas, com recursos produtivos, científicos e tecnológicos avançados, um património histórico, urbanístico e cultural singular, terra de intercâmbio e solidariedade, especialmente atractiva para residir, trabalhar e visitar.
Sendo hoje unanimemente reconhecido que a cultura é um factor decisivo para o desenvolvimento dos países, das regiões, dos territórios, importa analisar de que forma a dimensão cultural deve ser integrada na estratégia
a definir para o
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período 2007-2020 e que contributo podem os recursos e projectos de natureza cultural dar para a implementação da visão estabelecida.
2. DIAGNÓSTICO E PROSPECTIVA Acompanhando as tendências gerais, também no nosso país se tem verificado um fenómeno de expansão do sector cultural, muito embora ele revista características muito particulares e tenha sido fortemente marcado, quer pelo contexto político que Portugal viveu até à revolução de Abril, quer pela instabilidade político-económica dos anos que se seguiram, sendo que só a partir de finais de 80, princípios da década de 90, se começaram a delinear estratégias de intervenção com um potencial de estruturação mais claro e duradouro.
No que respeita às tendências de fundo mais recntes em matéria política e institucional são sobretudo de destacar a expansão constante das políticas culturais públicas de âmbito central, bem como o protagonismo crescente das autarquias locais no domínio da cultura, cuja viabilização foi, em parte, possível em resultado da crescente captação de financiamento externo para este domínio, nomeadamente através dos fundos estruturais comunitários (Programas Operacionais Regionais, Programa Operacional da Cultura/POC, já no 3º Quadro Comunitário de Apoio).
No que à administração central se refere, e para além do aumento progressivo dos orçamentos para a área da cultura, a sua actuação traduziu-se numa preocupação crescente com a estruturação da sua intervenção ilustrada, nomeadamente através do conjunto de instrumentos de natureza jurídica e normativa que tem vindo a produzir, que correspondem às diversas funções que na tradição portuguesa se tem entendido competir ao Estado no domínio da cultura e se prendem, fundamentalmente com funções de enquadramento e regulação geral do sector
(em aspectos tão
diversificados como, por exemplo, as leis de base de enquadramento dos vários subsectores, a classificação de monumentos, o licenciamento e as condições técnicas e de segurança dos recintos culturais), funções de redistribuição para o
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sector privado através do co-financiamento às actividades e organizações de iniciativa privada, funções de estruturação e dinamização do sector (igualmente de natureza muito diversificada, podendo abranger tanto a correcção das assimetrias regionais, como a correcção das disfunções do mercado nomeadamente no que respeita à fixação do preço fixo do livro ou à fixação de compensação remuneratória para os autores no caso da regulamentação da cópia privada, ou ainda a estimulação de um ambiente valorizador das actividades culturais mediante a celebração de dias mundiais, a instituição de prémios, etc.).
Igualmente de referir a criação ou participação em mega-eventos de dimensão interna e internacional, como a XVII Exposição do Conselho da Europa, a Europália 91, a Exposição Universal de Sevilha de 1992, Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura, a Feira do Livro de Frankfurt em 97, a Expo 98, a Bienal Internacional de Veneza, o Salon du Livre de Paris, em 2000, a Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, bem como a recuperação ou criação de importantes infra-estruturas culturais como o Teatro Nacional de S. João, o Centro Cultural de Belém, o Museu de Serralves, a Casa da Música, o Teatro Camões. A promoção destes grandes eventos e obras teve sem dúvida
uma
capacidade
significativa
de
alavancagem
de
dinâmicas
de
internacionalização e de reforço do tecido artístico e de produção cultural.
Relativamente à administração local, a relevância crescente da sua intervenção resulta sobretudo da obtenção de condições mínimas de satisfação das necessidades básicas das populações que permitiu a libertação de recursos para outras áreas de acção, bem como do já referido acréscimo de meios financeiros que passaram a ter à disposição através dos instrumentos comunitários para o desenvolvimento regional e da progressiva transferência de competências da administração central para a local também neste domínio.
O aumento da despesa pública a nível local tem sido sobretudo canalizado para a criação e/ou requalificação de equipamentos culturais – bibliotecas, cine-teatros, museus – sob tutela municipal, para a recuperação e salvaguarda dos bens patrimoniais, para o apoio crescente à realização de espectáculos, exposições e outros eventos de natureza efémera.
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Para além dos fenómenos e realizações directamente induzidas pelas políticas públicas, são ainda de referir dinâmicas que resultam indistintamente de iniciativas públicas e privadas, designadamente a consolidação de uma programação regular oferecida pelas várias companhias, estruturas de produção e exibição públicas e privadas do sector; a multiplicação de acontecimentos efémeros, mas também regulares, de âmbito nacional e internacional, como festivais, encontros e outros eventos nas várias áreas de expressão artística, que têm contribuído de forma decisiva para a modelação do sector, quer do ponto vista artístico propriamente dito (permitindo o confronto de visões, linguagens e técnicas), quer do ponto de vista da formação de públicos, quer do ponto de vista da sua economia e profissionalização; a dinamização crescente do mercado da arte contemporânea; a proliferação de estruturas museológicas e de iniciativas de salvaguarda e promoção do património; a multiplicação de serviços educativos nos museus, monumentos, teatros e outros espaços culturais. Igualmente de registar parece-nos ser a progressiva introdução a partir dos anos 80 de uma lógica de mercado no funcionamento da cultura e traduzida, quer na existência de novos actores neste domínio, nomeadamente as empresas através da Lei do Mecenato publicada em 1986, quer nas preocupações com os públicos, a sustentabilidade económica e o auto-financiamento das organizações culturais, tanto públicas, como privadas, o marketing e a promoção, a necessidade de gestores e administradores, profissionais especializados para implementar estas novas práticas empresariais no sector.
Finalmente, parece-nos ser fundamental relevar a existência de outros factores de natureza exógena ao sector cultural que têm condicionado de forma decisiva as suas dinâmicas de evolução
Referimo-nos primeiramente à progressiva inserção do nosso país num contexto internacional mais alargado, processo que teve o seu marco inicial com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia e que hoje se assume na sua verdadeira plenitude com o fenómeno da globalização e que tem viabilizado a
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circulação e internacionalização de pessoas, ideias e bens culturais de forma e intensidade até há poucos anos desconhecidas no nosso país, exigindo de todos os actores, públicos e privados, um novo posicionamento no quadro destas dinâmicas alargadas e intrinsecamente internacionalizadas do sector.
Não menos importante é a relevância da televisão no quotidiano dos portugueses, fenómeno que tem na abertura dos canais privados de televisão na década de 90 um marco fundamental e as consequências que daí decorrem, quer em termos da criação e produção cultural propriamente ditas, quer em termos das práticas de recepção e consumo cultural, quer em termos da configuração da economia do sector.
No que se refere às práticas culturais é ainda de registar a alteração significativa entre as práticas de consumo outdoors (fora de casa) e as de consumo indoors (domésticas), que passaram a ser as predominantes (e que os novos media e suportes, como a Internet ou os DVD, tornam ainda mais preponderantes), bem como o impacte que estas últimas têm não apenas sobre a frequência de salas de cinema e de espectáculos ao vivo, mas também sobre os hábitos de leitura, por exemplo.
De registar, por outro lado, as alterações que decorrem das transformações da natureza da economia e aos fenómenos designados como ‘culturalização da economia’ e da emergência da sociedade do conhecimento , bem como as que decorrem da dimensão intrinsecamente cultural num sentido amplo e de natureza antropológica das questões da(s) identidade(s), qualidade de vida, coesão e que conferem aos bens e serviços culturais uma nova centralidade e relevância, tornandoos recursos fundamentais para o desenvolvimento dos países e das comunidades.
Neste contexto, a cultura é transversal , vale por si, mas também pelos contributos que dá a outros sectores como a economia, o turismo, o emprego, a educação, a imagem, a coesão social e territorial, transformando-se num domínio de intervenção de fronteiras mais híbridas e indefinidas, mas potencialmente mais inovadoras e mais ricas do que as existentes numa abordagem mais tradicional exclusivamente relacionada com a criação, produção, difusão, valorização dos bens e serviços culturais nos domínios das artes e do património.
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Não obstante estas tendências de expansão clara do sector, há, no entanto que registar fragilidades e disfuncionamentos vários, perceptíveis designadamente nos seguintes aspectos: - descontinuidade estratégica das políticas públicas para o sector; - irregular cobertura do território em termos de infra-estruturas físicas: nalguns casos, como no das bibliotecas públicas ou centros de arte contemporânea, ainda insuficiente, noutros casos (sobretudo museus e espaços de apresentação de espectáculos), satisfatória, por vezes, desregulada e/ou sobredimensionada; - insuficientes condições de funcionamento destas infra-estruturas físicas em virtude do
desfazamento
entre o financiamento do investimento e o financiamento à
exploração e consequente desajustamento entre o esforço de intervenção e assistência e o da dinamização e financiamento da sua actividade e exploração, que mantêm as assimetrias básicas em termos de oferta e procura cultural e dificultam a estruturação artística e económica do sector à escala nacional; - predomínio crescente da oferta cultural de origem internacional, sobretudo nos eventos mais qualificados; - deficiências recorrentes no sistema do ensino artístico fundamentalmente relacionadas com o desfazamento entre os seus curricula e o contexto artístico e cultural da actualidade; - insuficiências que, não obstante alguns projectos e iniciativas pontuais e a importância e actividade crescentes dos serviços educativos das várias instituições culturais públicas e privadas verificadas em anos muito recentes, persistem no que respeita à ligação entre as artes e o ensino e à fruição das artes no quotidiano das crianças e dos jovens.
Sintetizando e nalguns casos detalhando as questões enunciadas anteriormente, poderemos então apontar no sector cultural os seguintes:
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Análise SWOT PONTOS FORTES
PONTOS FRACOS
- Reforço muito acentuado da rede de infraestruturas artísticas e culturais e consequente efeito indutor de novas e mais intensas dinâmicas de produção e de procura, não apenas nos centros urbanos mais importantes, mas em todo o território
- Descontinuidade estratégica das políticas públicas para o sector, com consequências ao nível da sua regulamentação, financiamento e capacidade de adopção de estratégias estruturantes de médio e longo prazo por parte de entidades públicas e privadas
- Protagonismo crescente das autarquias em matéria de políticas culturais, contribuindo para uma maior articulação com o tecido cultural (privado e associativo) e para a diversificação de fontes de financiamento no sector
- Assimetrias e/ou desordenamento ao nível da cobertura territorial em termos da rede de infra-estruturas culturais, que dificultam políticas de descentralização e difusão artística e cultural, bem como a existência de mecanismos de mercado com adequadas dimensão e estruturação
- Promoção de grandes eventos no país e a participação em eventos estrangeiros e seu efeito de alavancagem de dinâmicas de internacionalização e de reforço do tecido artístico e de produção cultural - Relevância crescente de redes, formais e informais, como instrumentos de cooperação, organização e gestão Evolução e modernização tecnológica progressiva do sector, designadamente ao nível da criação artística, do acesso ao património digitalizado, das questões organizativas e de produção, da comunicação com os públicos, das condições técnicas de apresentação de espectáculos -Internacionalização crescente, embora insuficiente, das actividades artísticas e culturais
- Insuficiente capacidade de criação, renovação e/ou produção de obras e imaginários, dificultando a afirmação e preservação de uma identidade e de um espaço próprios no quadro de circulação de bens e serviços culturais à escala global - Insuficientes internacionalização e projecção externa da maioria das organizações e agentes do sector - Inadequação do ensino e formação artística, em termos organizativos e curriculares, face ao contexto artístico e cultural da actualidade e às necessidades, exigências e/ou oportunidades que daí decorrem em termos de valorização artística e pessoal e de trabalho - Insuficiente articulação entre as estruturas culturais e, em especial, dos seus serviços educativos, e o sistema escolar, prejudicando a ligação das artes ao ensino e dificultando formas de fruição das artes no quotidiano das crianças e jovens
- Capacidade crescente de atracção de turistas, essencialmente no subsector do património cultural e artístico e dos grandes eventos culturais
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OPORTUNIDADES
AMEAÇAS
- Reconhecimento crescente do papel das actividades artísticas e culturais no processo de afirmação da(s) identidade(s) aos vários níveis em que ela pode operar: internacional, nacional, regional, local
- Falta de articulação entre as políticas culturais públicas e as outras políticas públicas, nomeadamente nas áreas da educação, social, economia, emprego, turismo, ambiente
- Situação periférica de Portugal no contexto europeu e potencial de funcionamento como plataforma de interface que daí decorre - Emergência da economia do conhecimento, de base cultural, incluindo o crescimento acentuado do segmento das industrias criativas, e oportunidades que daí advêm para os artistas e outros profissionais do sector - Crescimento no âmbito do mercado turístico, internacional e nacional, do segmento de turismo cultural - Multiculturalismo crescente da sociedade portuguesa e relevância do factor cultural como elemento de inclusão e coesão
- Processo de globalização e expansão acentuada das leis e princípios do mercado e suas consequências ao nível da diversidade cultural - Crescimento e diversificação expressivos das oportunidades e práticas de lazer (desporto aventura, turismo activo, práticas de convívio e sociabilidade em espaços públicos, etc.), nomeadamente em contexto “de saída” (outdoor) - Insuficiente flexibilidade dos mecanismos e instrumentos de gestão de actividades e de serviços na administração pública, com consequências internas em matéria de eficiência de serviços, e com impactos externos em matéria de estrangulamento do mercado de prestação de serviços, especialmente em sectores em que o mercado público é dominante - Fragilidade do tecido empresarial nacional e insuficiente reconhecimento pelo mesmo do financiamento das artes e da cultura como investimento estratégico
- Tendência continuada de aumento da esperança de vida das populações e do aumento dos seus tempos livres - Capacidade crescente de captação de recursos financeiros não especificamente direccionados para a área cultural - Reforço no âmbito do processo de descentralização em curso de condições favoráveis ao desenvolvimento de competências no sector cultural nas autarquias e nas novas configurações administrativas supra-municipais
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Com o intuito de validar o diagnóstico efectuado e a partir dele chegar a algumas pistas sobre a estratégia a adoptar nos anos vindouros foram auscultados cerca de vinte peritos e personalidades ligados às diversas áreas do sector cultural,1 aos quais foram colocadas, como base para o debate, as seguintes questões:
1. Poderá existir um tema/uma ideia que permita sustentar culturalmente a Região e lhe dê um sentido de futuro?
2. Quais os factores e que estratégias que poderão tornar, nos próximos anos, a Região de Lisboa (mais) dinâmica e criativa?
3. Como desenhar, hoje, (num contexto de forte pressão identitária e de algum desgaste dos modelos vigentes), eventos culturais periódicos que permitam fortalecer a criação artística nacional e dar visibilidade aos artistas e criadores, à região e ao país (conteúdos, formatos organizativos, parcerias internacionais)?
4. Deverá a Região de Lisboa ter algum posicionamento privilegiado com outras regiões da Europa e do Mundo?
Em relação à primeira questão e face à evidente necessidade que qualquer cidade ou região do mundo hoje tem em definir o seu traço diferenciador face às demais, vários participantes na reunião referiram que a futura Região de Lisboa deveria ser dinamizada e promovida como uma plataforma de passagem entre a Europa, a África e a América do Sul, valorizando esta sua situação semi-periférica no contexto europeu e transformando-a numa placa giratória activa à escala global, potenciadora de um novo cosmopolitismo, de novas dinâmicas culturais, urbanas e sociais.
Foi ainda referido, que para um segmento de público mais erudito e ocidentalizado ‘Fernando Pessoa’ poderia constituir uma marca a promover, devendo nesse sentido ser implementado um projecto exemplar em torno desta figura ímpar da literatura
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Reunião realizada em 05.06.03 na fundação Cidade de Lisboa
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portuguesa e a Casa Fernando Pessoa dotada dos meios financeiros, humanos e logísticos indispensáveis para ser o agente estratégico neste domínio.
Relativamente aos temas incluídos na segunda questão, referiram os participantes que, no que respeita aos equipamentos e à excepção das bibliotecas, se deveria adoptar uma atitude de contenção face a novos projectos de construção.
Dadas as diferentes natureza e valor do financiamento dos projectos – mais fácil e barato o do investimento físico do que o do funcionamento – torna-se prioritário, nos próximos anos, criar condições de sustentabilidade mínima das infra-estruturas físicas, promover a sua qualificação, nomeadamente através de uma actuação concertada no seio de redes de pessoas, técnicas e de conteúdos, fomentar a existência de competências de coordenação e gestão nas diversas organizações culturais.
No caso específico dos museus, e tendo em conta que a Área Metropolitana de Lisboa, congrega ¼ de todos os museus pertencentes à Rede Portuguesa de Museus, foi referido que se deveriam constituir no âmbito da rede uma sub-rede de núcleos com funções específicas de apoio: apoio à conservação, digitalização, programação e produção de exposições, projectos educativos, edição, etc.
No caso das bibliotecas, e contrariamente ao que se verifica nos outros domínios, o problema da cobertura territorial não está ainda resolvido, existindo desigualdades significativas na AML, pois a construção dos designados ‘anexos bibliotecários’, que permitem uma mais correcta adequação à densidade populacional de cada município, não está concluída.
Por outro lado, seria desejável e necessária a estruturação em rede das várias bibliotecas da AML, devendo a Biblioteca Central de Lisboa nela desempenhar um papel central, questão que não é clara neste momento. Por outro lado, a articulação das bibliotecas municipais com as bibliotecas escolares é um aspecto fulcral a promover e privilegiar.
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Acresce que, também nas bibliotecas, há uma necessidade imperiosa de qualificação do respectivo funcionamento: existem desigualdades significativas ao nível dos fundos bibliográficos (sua dimensão, actualização e crescimento), da oferta de serviços ao público e seu relacionamento com a população local, da relação com as demais instituições municipais. É necessário apostar em estratégias de divulgação e comunicação sobre a leitura e os livros, as bibliotecas municipais podem ter uma intervenção muito mais activa e abrangente como agentes de dinamização local – identificar e investigar os talentos literários locais, efectuar a recolha dos ex-libris municipais, servir como postos de informação turística, por exemplo – desde que disponham de meios humanos, tecnológicos e financeiros para tal, o que raramente é o caso.
Finalmente, outra questão a necessitar de uma intervenção mais empenhada é a da digitalização do património bibliográfico, que está muito atrasada relativamente à dos demais países europeus. Tal situação deve-se também ao facto de a maior parte dos municípios não terem capacidade da conceberem projectos consistentes na área da digitalização.
Em relação às artes visuais, existem já estruturas sedimentadas ao longo dos anos, que se articulam em torno de dois eixos geográficos - zona ribeirinha, que vai desde o Museu do Chiado ao CCB, zona entre a Culturgest e o Centro de Arte Moderna/Fundação Calouste Gulbenkian - aos quais urge dar maior protagonismo e visibilidade, já que, não carecendo de tradução específica, permitem dinamizar fluxos de visitantes internos e externos. Por outro lado, urge igualmente decidir um contexto e um espaço para acolher a colecção Berardo, colecção de referência a nível europeu e que poderá constituir um importante pólo de atracção cultural e turística.
No subsector das artes performativas deveria existir uma aposta clara nas redes, de forma a criar sinergias e articulações, quer entre obras e espectáculos (permitindo que uma criação tivesse assegurada à partida a sua apresentação em 4 ou 5 locais distintos), quer entre os vários espaços e equipamentos (permitindo colmatar carências fundamentais, por exemplo, ao nível dos espaços de ensaio). Neste
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contexto foi mencionada a figura do ‘programador-artista’ como constituindo um obstáculo ao funcionamento eficiente das redes.
No caso do cinema, foi apontada a necessidade de criar uma rede de difusão de cinema independente e alternativa ao circuito comercial à escala nacional, cujos principais agentes de dinamização deveriam ser os cine-clubes, entidades já presentes no terreno e que deveriam poder obter outro tipo de apoios para a sua actividade. Este seria um meio fundamental promover o cinema português, incentivando a sua circulação.
Por outro lado, é fundamental fomentar a criação neste domínio, existindo actualmente um deficit claro de produção cinematográfica nacional, justificado em parte, pela ausência em Portugal de agentes, públicos e privados (nomeadamente televisões), com capacidade de resposta às iniciativas do mercado, bem como de criação de condições para a viabilização de projectos, quer de iniciativa nacional, quer de iniciativa externa.
Nesse sentido, também na área da produção cinematográfica e audiovisual faria sentido fazer da Região de Lisboa uma plataforma de co-produção internacional, aproveitando, para além da situação geográfica, as vantagens competitivas em termos naturais, custo e qualificação da mão-de-obra especializada, reforçando os necessários meios humanos, técnicos e logísticos e com uma aposta clara no triângulo Europa/África/América do Sul.
A questão dos públicos – como ter públicos e não os perder, como atrair novos públicos, como responder às mutações sócio-demográficas em curso (envelhecimento da população, novas comunidades imigrantes: africanas, brasileira, de leste) – é um dos aspectos fundamentais que atravessa todos os subsectores culturais e que merece reflexão e mecanismos de intervenção específicos no quadro mais amplo das estratégias de qualificação a implementar.
Também como aspecto transversal a desenvolver, foi defendida a necessidade de uma maior ligação da cultura à escola, bem como a necessidade de formação
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específica dos professores, o que poderá passar, por exemplo,
por uma oferta
formativa pioneira em Portugal, resultante de uma parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o Ministério da Cultura.
Quanto ao urbanismo e espaço público, foi salientada a importância da faixa ribeirinha e a necessidade da sua requalificação, dotando-a de uma mais-valia urbana e arquitectócnica, quer revitalizando os fluxos de utilizadores (por exemplo, através de roteiros para residentes e visitantes), quer recuperando e/ou promovendo a reutilização de edifícios e espaços arquitectónicos degradados e/ou mal utilizados.
Finalmente, como questão não despicienda para os temas em discussão, foi referida a falta de sensibilidade ainda existente em grande parte dos responsáveis autárquicos para as questões culturais e para o facto de também relativamente a estas ser necessária uma cultura de gestão e de avaliação: ou seja, conhecimentos das realidades próximas e da Região, necessidade de programação funcional dos equipamentos, necessidade de estudos de rentabilidade.
Ao nível da Região foi ainda salientada a existência de significativas assimetrias interregionais.
Relativamente aos festivais e outros eventos periódicos - tema incluído na terceira questão colocada aos participantes na reunião - , foi, por um lado, referido o sistemático generalismo das políticas culturais e como contraponto a necessidade de segmentar as estratégias culturais e de criar eventos absolutamente focados nos seus objectivos, por exemplo, arte contemporânea, fotografia, etc..
Por outro lado, foi relevada a necessidade de estes eventos partirem de uma plataforma internacional como elemento de diferenciação, mas terem simultaneamente uma forte inserção no tecido cultural da cidade, nas estratégias de intervenção desenvolvidas pelos equipamentos e infra-estruturas que nela operam com carácter de continuidade, de modo a fomentar sedimentação e estruturação da actividade destas últimas, a articulação e a criação de sinergias entre eventos e infraestruturas, a produção de efeitos multiplicadores. Assim, se poderão também
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criar condições para o desenvolvimento e fortalecimento da criação portuguesa e dos artistas nacionais, já que, também em termos culturais, a tendência nos últimos anos é a de um deficit de internacionalização e a de Portugal se afirmar como país sobretudo ‘importador’, em vez de ‘exportador.’
3. A MISSÃO E OS OBJECTIVOS PARA UMA ESTRATÉGIA CULTURAL NA REGIÃO DE LISBOA Assumindo que a visão estratégica global para Região de Lisboa pós 2006 é a referida no ponto 1 deste documento e que a partir dela se definiram como eixos estratégicos de intervenção os da (1) competitividade e internacionalização, (2) coesão territorial e (3) coesão social (4) governabilidade, pensamos que a visão para uma estratégia cultural no âmbito da Região deveria ser a seguinte:
Afirmar a Região como um território multicultural de ligação entre a Europa, a África e a América, capaz de gerar dinâmicas qualificadas, inovadoras e sustentáveis de criação, produção e difusão cultural de âmbito nacional e internacional
A implementação desta visão deverá passar pela prossecução dos seguintes objectivos:
a) promover a criação artística, fortalecendo a capacidade de criação e produção dos artistas e demais agentes culturais da Região, contribuindo para a sua competitividade e internacionalização
As cidades e regiões são hoje tanto mais ricas, competitivas e atractivas quanto maior for a sua capacidade de invenção, de criação e produção de imaginários, de bens artísticos, de obras de arte e de cultura que contribuam para alimentar e reactualizar a
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produção de novos sentidos para os destinos individuais e colectivos dos seus residentes, e que simultaneamente constituam elementos caracterizadores dos seus traços identitários e diferenciadores do território em causa à escala global.
Por outro lado, na era da economia do conhecimento em que vivemos, a criatividade e a criação artística são as novas matérias-primas da produção de riqueza e valor acrescentado, sendo fundamental promover o reposicionamento, quer das instituições de investigação e ensino, quer das instituições e agentes de criação, produção e difusão, tanto no domínio artístico, como no domínio empresarial em geral, no sentido de criar espaços e contextos com condições artísticas, tecnológicas e organizativas que viabilizem a criação de bens e serviços de qualidade e internacionalmente competitivos no domínio das indústrias criativas, nomeadamente cinema (ficção, documentário, animação), audiovisual, multimédia, design, edição, música.
b) promover a distribuição e o acesso aos bens e serviços de conhecimento e cultura, dotando a Região de uma rede de infra-estruturas culturais espacialmente equilibrada e adequadamente dotada
em termos humanos e financeiros,
contribuindo para a sua coesão social, competitividade e internacionalização
A vitalidade de um território promove-se também criando condições adequadas de difusão e acesso ao conhecimento e à cultura, o que exige uma intervenção que assegure uma cobertura espacialmente equilibrada em termos de infra-estruturas físicas - bibliotecas, cine-teatros, centros de arte contemporânea, museus, monumentos, etc. -, que garanta condições de organização e funcionamento consentâneas com a missão e objectivos que lhes foram atribuídos, bem como condições de recepção dos bens e serviços prestados através, quer de mecanismos de divulgação e promoção apropriados, quer
do fornecimento ao(s) respectivo(s)
público(s) de meios e instrumentos de descodificação e leitura.
No caso da Região de Lisboa, que é simultaneamente o centro nevrálgico do país e o seu ponto principal de abertura ao mundo, há que considerar a questão da distribuição e acesso na tripla dimensão que a caracteriza - internacional, nacional e regional - e
a partir daí clarificar a missão
de cada uma das
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instituições culturais responsável por aquela questão e as competências e funções que da referida missão decorrem.
Assim, no plano estritamente regional e essencial à prossecução dos objectivos globais, quer da competitividade, quer da coesão social, é a adopção de um conceito de cultura como 'bem essencial e de proximidade', o que pressupõe a correcção das assimetrias ainda existentes ao nível da cobertura territorial nalguns equipamentos culturais específicos (como é, por exemplo, o caso das bibliotecas), bem como o ordenamento espacial, programático e organizativo das infra-estruturas culturais já existentes, criando condições para a dinamização e qualificação da sua actividade, nomeadamente dotando-as dos meios humanos e financeiros indispensáveis e promovendo a cooperação e o funcionamento em rede entre elas.
Só deste modo poderá a cultura 'invadir' e penetrar o dia-a-dia dos cidadãos e das comunidades, humanizar os espaços que atravessam e habitam, dar respostas e sentido às mutações e complexidades do nosso tempo, designadamente as que resultam das alterações demográficas de natureza etária ou étnica ou dos fenómenos de violência juvenil em comunidades suburbanas, por exemplo.
Na perspectiva da afirmação nacional e internacional da Região, do seu património e recursos culturais, importa consolidar, reforçar e articular a actuação das instituições e eventos culturais mais significativos e emblemáticos nela sedeados, promovendo a cooperação estratégica entre os vários organismos e agentes, públicos e privados, de natureza
cultural
ou
outra,
com
capacidade
para
interferir
no
respectivo
funcionamento, nomeadamente na área do turismo, de modo a rentabilizar e valorizar todo o potencial de intervenção, dinamização e projecção que possuem.
c) reforçar a internacionalização da Região, tornando-a uma plataforma de criação, produção e difusão no domínio da cultura
Complementarmente a uma estruturação e ordenamento internos, o futuro da Região de Lisboa deverá passar pelo reforço e aprofundamento da sua vocação internacional e pela enfatização, como traço claramente único e diferenciador, da
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sua condição geográfica simultaneamente semi-periférica e euro-atlântica, que é sustentadora de um posicionamento geo-estratégico específico à escala global e concomitantemente de uma actuação como plataforma de ligação entre a Europa, África e América nos diversos domínios de actividade: política, económica, social, cultural.
Aliás, é também neste âmbito que a dimensão cultural ganha hoje uma relevância acrescida, pois que, não só é fundamental para promover externamente a projecção e imagem da Região, como deverá ser considerada a matriz a partir da qual os demais fluxos e intercâmbios, de natureza, comercial, política ou outra, acontecem e frutificam.
Por outro lado, qualquer iniciativa de âmbito internacional deve assentar e promover activamente uma ideia de reciprocidade das trocas: pressupor uma atitude de acolhimento e abertura ao mundo, mas ser simultaneamente capaz de garantir aos artistas, agentes e organizações culturais portuguesas condições de inserção e circulação nos circuitos internacionais.
Condição essencial para que tal aconteça é que estas iniciativas sejam estrategicamente
concebidas
em
termos
programáticos
e
organizativos,
nomeadamente no que respeita à sua periodicidade e encaradas como instrumentos de estruturação e consolidação do sector também do ponto de vista interno, através da sua inserção no tecido artístico e cultural da Região considerado nas suas diversas escalas territoriais: nacional, regional, local.
d) promover a articulação de recursos e competências
A interligação.crescente das várias dimensões do desenvolvimento, bem como a insuficiência previsível dos recursos disponíveis para a dimensão e complexidade das tarefas e projectos a implementar, exige a adopção de uma nova cultura de acção e organização por parte de todas as instituições públicas, empresas e outras organizações privadas e cidadãos do nosso país.
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Assim, também no domínio da cultura é essencial promover a concertação estratégica e operacional das várias entidades e pessoas com responsabilidades políticas, financeiras e organizativas nesta área e definir claramente as respectivas competências e funções.
4. OS PROJECTOS ESTRUTURANTES Finalmente, tendo em conta a visão e os objectivos enunciados nos pontos antecedentes, consideram-se como sendo os projectos estruturantes mais relevantes para a respectiva prossecução e nessa medida, necessitando a sua concepção ser aprofundada e desenvolvida, os seguintes:
1. Criação de um pólo de ensino artístico avançado de natureza pluridisciplinar 2. Criação de uma plataforma permanente de co-produção internacional na área do cinema, audiovisual e multimédia vocacionada para o triângulo Europa – África América 3. Realização de evento(s) de periodicidade regular, com dimensões e públicosalvo específico(s) que constitua o evento-âncora de uma plataforma permanente de co-produção e difusão internacional na área das artes do espectáculo, performativas e plásticas vocacionada para o triângulo Europa – África - América 4. Consolidação e renovação da oferta museológica e patrimonial da cidade de Lisboa, através da revalorização dos espaços, espólios e conteúdos existentes (podendo eventualmente incluir a criação de novo espaço museológico), bem como da melhoria e diversificação dos respectivos canais de informação e promoção 5. Criação e dinamização de uma rede regional de bibliotecas públicas, que contemple a finalização da cobertura infra-estrutural do território, bem como a articulação com a rede das bibliotecas escolares 6. Criação de projectos inovadores que relevem a importância da dimensão artística e cultural como factor de inclusão e valorização das comunidades migrantes
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