Que Sombra faz o Horizonte?

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HORIZONTE? QUE SOMBRA FAZ O

CARLOS RODRIGUES

Que Sombra faz o Horizonte?

Que Sombra faz o Horizonte?

Ilustrações, Fotografias e Textos

Carlos Rodrigues

Capa, Design Gráfico e Paginação

Carlos Rodrigues

A todas as pessoas anónimas que não se chatearam por eu as desenhar

Edição de autor

© Copyright 2022

Carlos Rodrigues

Reservados todos os direitos para esta edição.

É expressamente proíbida a reprodução integral ou parcial do livro.

This is the Hand

Em Fevereiro de 2020, ainda a Covid não nos estremecia, comecei a sarrabiscar quem me circundava pelos cafés. Dois anos depois, infectado (finalmente chegava a minha vez), decidi meter mãos à obra e iniciar a compilação em formato digital dos meus rabiscos para memória futura. Quer no (entretanto extinto) Nautilus (a minha ilha de despandemia forrada a torradas de pãode-água) assim como noutros assentares, fui fundindo a tinta-dachina as sombras que quebravam a luz da rua com o branco dos meus

cadernos. Os desenhos, nasceram assim, do meu olhar funâmbulo sobre as linhas, os planos, e as sombras do quotidiano anónimo. Os desenhos foram na sua maioria feitos "in situ" (desenhei ao pé com o que tinha à mão), sendo que, muitas vezes, fiz os acabamentos de memória. É sempre assim, quando se tenta capturar numa nesga de tempo os traços e linhas que definem quem passa por nós. Por aqui as sombras são rápidas e não deixam espaço a melancolias.

Quanto aos materiais utilizados, nos primeiros tempos, consumi todos os

"top 5" da internet. Muita tralha, que com a experiência fui reduzindo para um par de canetas de aparo, duas ou três canetas pincel e muita tinta-da-china. Ficou-me um acervo que me dará para desenhar pelo menos até aos 120 anos. Já avisei dessa intenção ao Diabo. Não sou muito dado às palavras. Aliás, na última vez que brinquei com elas, caiu-me um “X” em cima e parti uma costela. Tal como não aprecio sushi, também me incomoda a crueza com que se quedaram as palavras a quem despiram consoantes. Assim, os escassos textos

que acompanhavam os desenhos e que agora são aqui transcritos, estão no português que aprendi na escola há cinco décadas. Enquanto desenhava, para além de mergulhar na luz e nas sombras, era muitas vezes a música que ouvia que me servia de transporte. Há uma música que me ressoa a toda a hora nos ouvidos, e que faz parte da minha estrada de vida. Essa música é "Road to Nowhere" dos Talking Heads. Um dos versos diz: "We're on a ride to nowhere, Come on inside...".

Maputo, Maio 2022
Carlos Rodrigues
"...

The sun is the same in a relative way but you're older..." Reflexes on Empty

How it gonna end?

O Nautilus fechou, mas para já o edifício não vai abaixo. É a última nesga de céu nesta zona da cidade. Do outro lado da rua, na pequena courela outrora ocupada pela moradia que servia de atelier ao arquitecto Forjaz, já trepa uma nova torre, enlaçada ao Shopping Polana. Esta plantação desenfreada de torres de betão e vidro, que

renega a todas as boas práticas do urbanismo, vai fechando cada vez mais as pernas às ultimas frestas de luz no cruzamento, tornando-o cada vez mais num túnel de vento exangue de vida.

A força do vento e o acaso divino, mimam de quando em vez nas senhoras despracatadas, o vestido de vento da Marylin.

À minha maneira

Entre este dois desenhos, estão comprimidos 2 anos, alguns metros e mais de uma centena de sketches distribuídos por meia dúzia de cadernos de diversos formatos. O primeiro, um habitué do Piripiri, foi esboçado no Nautilus em fevereiro de 2020. O segundo, que foi rabiscado exactamente

na mesma mesa do café, dois anos depois, capturou uma das muitas almas que vagueiam pelas ruas. O seu corpo, encostava-se langorosamente no suporte vazio de distribuição de jornais.

Certamente amaldiçoado pelo Nietzsche, regresso sempre ao ponto de partida, todavia diferente.

Bucket of blood

No ano passado, na "minha" acácia rubra, apenas um galho intonso resistiu à fúria infrene da machada. Acurvado, o lenhador, quietou-se por instantes, aceniscou e adormeceu. Sim, porque aqui a noite não cai, ela bate-nos na cara vinda do nada.

No dia seguinte, junto ao tronco, repousavam a machada e as roupas. "Desaparecido nu". Foi o que ficou

carimbado no boletim da polícia que registou a ocorrência.

Reparei que este ano a Acácia floriu mais rubra do que nunca e que cada vez que o vento a fustiga o seu tronco urra.

Amanhã teremos nova tosquia. Pelo sim pelo não vou abster-me de ir ao café. É que o sangue sempre me causou impressão.

Rapaz pendular

Os moluenes, que fazem das ruas a sua casa, crescem sem paredes, na umbra do horizonte. Não deixam de ser crianças. Um cabo de fibra óptica solto, transforma-se num baloiço.

No Nautilus, reparo, que a qualidade da minha ligação à Internet, está sincronizada com as oscilações pendulares do baloiço. A lei de Newton a interferir com a reflexão. Sublata causa, tollitur effectus.

There's a bit of magic in everything

Esta zona da cidade é palmilhada por figuras impares. De chofre destaco três: 1. O "Condutor de vento": conduz-se a si próprio, mimando os movimentos e sons de um automóvel. Condutor consciente, faz sempre pisca antes de virar ou inverter a marcha. É a prova viva dos postulados do Heisenberg. 2. O "Parece que é mas não é": “Não se lembra de mim?”, começa sempre desta maneira a conversa. “fui eu que carimbei o seu passaporte

no aeroporto? Não se lembra de mim?” insiste. Se hesitamos, lança de imediato um pedido de subsídio para compra de gasolina para um carro "fantasma” que ficou seco no quarteirão anterior; 3. O "Filósofo": Orador incansável, papagueava a plenos pulmões na nesga de calçada que abraçava as fachadas do Nautilus. Transcrevo para memória futura uma das suas pérolas: "Podem lhe roubar a carteira mas não lhe tirem as calcinhas".

Working class hero

Os incansáveis “informais” calcorreiam as ruas da cidade, numa lufa-lufa diária, carregados de tudo e mais alguma coisa. Alguém mais incauto, pode muito bem

sair à rua solteiro e voltar para casa com casamento apalavrado, fato completo e sapatos de verniz. Esta cidade está prenha de gente bonita.

She comes in colours ev'rywhere

Quando saímos à rua, somos acometidos por cores quentes, odores húmidos, sabores fortes. Todos os sentidos em alerta. As vendedoras de rua, adornam-se de arco-íris. Mesclam-se com as mangas, atas, bananas, uvas que transportam à cabeça. "Quanto custa?". "I mali muni?". A

resposta pode não ser linear mas também não é aleatória. É calibrada por factores diferenciadores como por exemplo a geolocalização da compra. Regatear preço e peso, faz parte do processo. No final, oferecem como bacela o que escoou da balança. Assim se compensa um quilo de pernas curtas.

Beautiful people

Para quem adora andar txunado e não se permite matrecar, as xicalamidades (xicalamidades ou calamidades é o nome atribuído a artigos de segunda mão) representam a oportunidade de se adquirirem artigos de vestuário (e não só) de boa qualidade a preços muito baixos. Basta alguns meticais no bolso e paciência para dzudzar . As boutique-vasculha de xicalamidades vão florescendo coladas às paragens de machimbombos e chapas, principalmente para lá das margens do quadrado socialista (zona de cimento onde moram maioritariamente as classes médiasaltas e os estrangeiros, também chamada de “prisão de luxo”, a qual é delimitada pelas avenidas Julius Nyerere, Eduardo Mondlane, Vladimir Lenine e Mao Tse Tung).

Na sua maioria, as xicalamidades são “geridas” por mamanas, enquanto os mais jovens preferem ir à caça de clientes engrossando a fila dos informais.

You shone like the sun

Se há quem faça do alongamento do passo a sua imagem de marca, outros estancam e alongam todo o corpo. De roupas garridas e batida musical forte, são vários os grupos de mufanas que se dedicam ao entretimento acrobático, o qual é servido como sobremesa pelas esplanadas de Maputo.

Finda a actuação, os mais novos, circulam pelas mesas, na tentativa quase sempre vã de colher meticais dos comensais, os quais passam rapidamente a “patrão, “mais velho”, “tia”, “tio”. Com as esplanadas cada vez mais vazias, os jovens desconseguem.

"... What did you dream?

It's alright we told you what to dream..." Almas

All is fair in love and war

Em Maputo (como em todas as grandes cidades onde os serviços, o emprego e a riqueza se comprimem e concentram num espaço exíguo), o fluxo de almas discorre em acordeão por entre os vários círculos concêntricos que enlaçam o caniço ao cimento. Se o movimento é horizontal, uma vez chegadas ao

cimento, as almas acamam-se entre vazios na vertical, a sul e a norte do horizonte. Os contactos entre si são limitados. Serão porventura os corvos dos poucos, que sem olhar a quem, galgam o horizonte e conseguem percorrer a enorme distância que vai do chão ao topo dos guarda-sóis das esplanadas.

Encosta-te a mim

Partir de madrugada e regressar tarde a casa é rotina diária obrigatória e sofrida de muitos milhares de pessoas. As viagens fazem-se muitas vezes em veículos com parcas condições para transportar passageiros. Diariamente, é possível ver um pouco por todo o país, dezenas de pessoas literalmente aconchegadas num dos muitos "My Love" que circulam entre as grandes cidades e os subúrbios de difícil accesso. Os corpos deixam de ter dono. Ora se entesam ora se comprimem. Dançam como um só ao ritmo do movimento. Um ser uno “pluri-alma”.

Sinto o mundo inteiro no teu colo

As mulheres carregam o passado, o presente e o futuro estampados em padrões garridos na sua pele de capulana. Os seus passos são muitas vezes regidos por regras

ancestrais de submissão. Pelas ruas das cidades, das machambas ao Índico, trazem feixes de ilusões à cabeça enquanto a capulana lhes ampara umbilicamente os filhos.

Black crow king

Maputo está infestada de "corvus splendens", estes, ao contrário dos corvos de Elias, agadanham o repasto aos incautos. São absolutamente democráticos na sua labuta. Não distinguem extractos sociais. Tanto lutam pela pizza na esplanada do hotel, como pelos restos abandonados nos caixotes de lixo. “There's always free cheddar in a mousetrap...", canta o Tom Waits.

A mim, enturvam-me os dias. São os meus "anti pirilampos".

Há duas décadas, quando cheguei a Maputo, eram os corvos de colarinho branco que dominavam a cidade. Incautos, foram canibalizados sem dó pelos novos inquilinos.

Se o Fibonacci andasse por aqui, já teria postulado que “o problema seguinte resulta sempre da soma dos dois problemas anteriores”.

Where do they all come from?

Se já viajaram de carro para fora de Maputo, de certeza que já se questionaram com a origem das pessoas, que como por magia, despontam das savanas que

rodeiam as estradas que rasgam o corpo deste país. Os seus corpos, quebram a espaços a sua invisibilidade num átimo antes de se esfumarem anónimos no ar.

Dreamer

“Vais ter riqueza e amor em abundância, patrão”, assegurame o vendedor de artesanato. O

Hipopótamo Banqueiro, talhado em madeira engraxada, encaixouse a custo no elevador. Coloquei-o junto à cama, acendi duas velas e adormeci.

Acordei com um remoer rumuroso. A luz que se escapava por entre a frincha da porta entreaberta do frigorífico, delineava o hipopótamo, que afanosamente devorava os meus carapaus. “Paxa-me umadoisémi”, pediu com a boca cheia. “Acabaramse. Estou seco”, retorqui. “Vamos para a Noite”, ordenou.

Vesti-me à pressa e entramos na rua desalumiada. Uma hora depois e chegamos à Noite lá para os lados da Feira Popular. À porta, um elefante mantinha a ordem.

Reparei que a maioria dos clientes saíam a voar pela janela. “Sítio animado”, pensei. Entramos. Uma morna irrompia pela sala quente e húmida. Fui directo ao bar. Fico com a cerveja fria e ele com as mulheres quentes. Antes assim. A sua fama de abastado precedia-o. O mulherio trocou de pronto o colo dos clientes habituais pelo aconchego do seu corpanzil.

De repente senti um bafo no pescoço. Uma girafa ainda jovem, enfia a língua na minha orelha e massageiame a hipófise. “Tens pinta”, disselhe. Trocamos afectos e números de celular.

Chegou a manhã. Sentámo-nos no areal da marginal para ver o nascer do sol. Ao longe, um pescador arrasta a custo um vulto.

Your kingdoms' coming

Nas praias, retumbam ladainhas que os múltiplos cultos, que oram junto ao mar, tentam elevar aos céus. Tanto pode ser, o indivíduo que se ajoelha solitário com a sua fé nos pontões, como coloridos grupos evangélicos em rezas sincronizadas. A cura, tanto se pode conseguir apelando ao sagrado como investindo no pagão. Curiosos são os cartazes colados em postes e árvores, com promessas de alongar o curto ou de encurtar o longo, dependendo da geografia corporal. Há que ter fé.

Esta coisa da "fé" tem que se lhe

diga. Num sonho recorrente, dou por mim a acordar com uma estranha sensação de não existência. É como se o meu caminho se tivesse esvanecido.

Fim da linha. Atarantado, procuro os conselhos de uma vidente, cujos serviços vi anunciados numa mafurreira. Estico as mãos, mostro as palmas, erosão total. Estão plainas. Nem pregas nem ornatos, linhas nem vê-las. A vidente sorri. Abre a gaveta do psiché e oferece-me um x-acto., e, sem mostrar os dentes ressoa: “Podes traçar a linha da tua vida como te apetecer”.

Under african Skies

O pôr de sol do hotel Cardoso, é um postal ilustrado de Maputo saturado de vermelhos, laranjas e amarelos fugazes. Os turistas, deslumbrados ,apontam os narizes ao céu. No que concerne ao céu eu sou um animal nocturno e em Maputo a frágil iluminação da cidade permite que o cruzeiro do sul me bata à janela nas

noites escuras despidas de nuvens. Nas cálidas noites da Macaneta, podem-se desenhar na areia da praia todas as constelações do hemisfério sul. Diz-se por aqui que o brilho fugaz das estrelas cadentes são pinceladas de Deus. Reconfortame esta ideia de um Deus abstracto e não realista.

It's a Kind of Magic

O céu estava a meia-luz quando a rede o safanou. Algo de muito pesado se tinha envencilhado. Ao fim de custosos minutos, conseguiu atonar um vulto. “Será o podador de acácias desaparecido?”, questionava-se. Num último esforço puxou o corpo a bordo. Era uma mulher. Na verdade era metade mulher e metade peixe. Acocorouse. Sentiu uma leve bafagem. Estava viva. Acobertou cuidadosamente o

corpo com a rede e aproou a casa Estancado no areal, salta do barco, e, dobrando os joelhos ergue os braços numa longa prece. Depois, curvado sobre a amurada, levanta a rede, e onde outrora repousara o corpo metade mulher, metade peixe, estava agora um enorme chicharro. Agradecido carrega a custo o peixe para casa. Esposas já tem três e chicharro dá sempre jeito.

"... A distant ship smoke on the horizon

You are only coming through in waves..." A Ilha

Parecem bandos de pardais

In the Shadows

Rust never sleeps

A Ilha de Moçambique dividese em duas: A cidade de Pedra e Cal, que alberga os edifícios de “pedra”, onde, até 74, habitavam e circulavam maioritariamente os portugueses; e a cidade de Macuti, que se formou pela fixação das gentes que afluíam em busca de trabalho. Pelas ruas da Cidade

de Pedra e Cal, é ainda comum encontrar casas abandonadas em ruínas. Outras, fechadas, cerram-selhes as portas e as janelas, talvez na vã esperança de que o tempo não prossiga caminho. Alheia a tal esforço, a ferrugem, incrustada no tempo, descasca laranjas e azuis das madeiras e paredes.

Nos finais do Século XVII, o navio da coroa portuguesa, o "São Luíz", naufragou numa noite de tempestade junto à Ilha de Moçambique. Segundo os relatos mais contidos, o "São Luíz", transportava em riqueza a esperança de D. Pedro V em financiar o fortalecimento da suas armada por forma a proteger os seus navios que eram vítimas constante dos ataques de piratas. Desde o naufrágio, que muitos têm procurado o tesouro. Entre os mais famosos, está o diplomata, artista e aventureiro Henry Salt, que por volta de 1809 encetou uma busca

privada, acobertada por uma visita diplomática oficial.

Corto ia ao encontro de Amin, um velho amigo de Cush. Amin é um dos últimos descendentes dos xeiques que outrora governavam a ilha e as terras do continente.

Foi avisado por Cush de que a população tem receio de falar com estranhos. Está na memória de todos, os raides executados pelos espiões alemães a mando do Leão de África, o General Paul Von LettoeVorbeck, que tentou pela coação descobrir o paradeiro do navio.

Navegar é preciso

"... look mommy there's an airplane up in the sky..." Wandering

Should I stay or should I go?

A azáfama que se vivencia no cruzamento das avenidas Samora Machel e 25 de Setembro, torna esse quadrado num dos pulmões da cidade. Em dois dos cantos desse ringue, confrontam-se mano a mano o Scala e o Continental. No canto oposto ao Continental, onde outrora ficava a casa Coimbra, alcantilouse um estacionamento vertical, e, do outro lado o resignado prédio

Pott, repousa alquebrado. Quando trabalhava nesta zona, repartia o meu tempo livre pelo dois antagonistas: Cafés no Continental e almoços na varanda do Scala. Este desenho do Scala, foi feito a partir da esplanada do Continental, à altura metamorfoseado num vistoso café com letras. Foi um sopro de vida fátuo. Sign of Times.

Walk a mile to drink your water

Na Marginal, quando a maré está baixa, os barcos são plantados no mar chão e os pescadores aproveitam para endireitar as costas.

Do Marítimo, onde estou sentado a desenhar, tenho uma vista privilegiada para a verticalidade de Maputo.

Recordo-me que durante a gravação do filme "Diamante de Sangue", que

tinha como estrela maior o Leonardo DiCaprio, montaram por aqui um bar de praia, o qual a certa altura, era feito explodir. Se repararem nas imagens onde aparece esse bar, o "Maputo Skyline" foi digitalmente obliviado.

“Jikel'emaweni ndiyahamba”

cantava a Angelique Kidjo nessa cena.

Takin' that ride to nowhere

Se durante o dia, o rame-rame natural da cidade, mesmo que aqui e ali soluçado pelos alarmes estridentes dos automóveis a fazer lembrar o balido de uma girafa no cio, nos embala o ser, é quando o sol se esconde, que o volume aumenta e tudo se complica.

Eu que sofro de ouvidos tísicos, tento sempre que possível escapar ao ruído noturno das muitas festas que proliferam por Maputo nos fins de semana e feriados. Tento trocar a gritaria pela grilaria.

All together now

Mar.

dobram-se as costas, dobram-se as ondas, Terra.

dobram-se as costas, estica-se a corda, Nada.

dobram-se as costas, desenlaça-se a rede, Fé.

dobram-se as costas, agradece-se ao mar, Amanhã.

endireitam-se as costas, dobram-se os esforços, mantém-se a fé, que essa pode se dobrar mas não se quebra.

Sweet the sin

Neste recanto da Macaneta, onde as calças do poeta que retesam engalhadas, fazem de bandeira, os macacos de tintins azuis descem das casuarinas por se sentirem protegidos dos miúdos das aldeias vizinhas.

Há éons, muito antes do ciciar de quatro fabulosos besouros que me circuitam, sentava-se por aqui amiúde Adão, o qual tinha por usança, olhar apaticamente para a selva lá fora, controlando o crescimento das ervas, enquanto a Eva se entregava aos seus mistérios.

Uma serpente abeirou-se do dedão do pé direito de Adão. "Não têm macieiras por aqui?", questionou a serpente. "Não temos. Ainda não foram criadas, isto da génese não se faz em dois dias. Temos boas melancias.", respondeu Adão sem desviar o olhar do crescimento da sua erva favorita. A serpente olhou para as melancias, reflectiu um pouco e decidiu que seria um trabalhão criar um pecado de tal dimensão. "Voltarei na época", disse, e partiu.

Back in black

No principio eram as árvores. Há árvores que desenhei vezes sem conta nos cadernos quadriculados Moleskin. Muitas vezes, estreava uma página, rabiscando no meio a árvore que me protegia de crestar em excesso. Em redor da árvore, escrevia os apontamentos de trabalho. Os cadernos transformavam-se em pequenos arquipélagos de ilhas pardas com ondas de palavras e letras a confluir nas suas praias.

Sou quase sempre o primeiro a chegar ao café pela manhã. No augusto canhoeiro que cobre a esplanada, um galagala enfuna o papo azul enquanto se agita frenético, na tentativa de impressionar a eleita. Rente ao chão, uma maria-café aboleta-se em espiral. Reparo entre piscadelas que é a dose certa de vento que permite aos pássaros voar. Nunca se está sozinho. Tudo depende da perspectiva.

Vida às Costas, @Macaneta, Macaneta, Fev. 2020

Vida às Costas, @Macaneta, Macaneta, Fev. 2020

Quo vadis?, 24 de Julho, @Maputo, Mai. 2022

contra-luz, @Oak, Maputo, Fev. 2022

@Mundos, Maputo Mar. 2022

mundo inteiro nas mãos, @24 Julho, Maputo, Mai 2022

Penso, logo descalço @24 de Julho, Maputo, Mai. 2022

O tesouro , @Rua da Solidariedade, Ilha de Moçambique, Out. 202166

Capitães da areia, @Bairro do Areal, Ilha de Moçambique, Out. 202167

Arcadas 2, @Arcadas, Ilha de Moçambique, Out. 2021

Arcadas 1, @Arcadas, Ilha de Moçambique, Out. 2021

Sporting, @Areal, Ilha de Moçambique, Out. 2021

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Não me apanhas, @Jardim da Memória, Ilha de Moçambique, Out. 202171

Sombras, @Escondidinho, Ilha de Moçambique, Out. 2021

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Sombras,Igreja de Sto António, @Ilha de Moçambique, Out. 202173

A Ferrugem nunca dorme, @Karibu, Ilha de Moçambique, Out. 202174

Girassol, @Casa Girassol, Ilha de Moçambique, Out. 2021

Rapariga Macua, @Reliquias, Ilha de Moçambique, Out. 2021

Paralelo 15, @Reliquias, Ilha de Moçambique, Out. 2021

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Preparar a viagem, @Cais da Ilha, Ilha de Moçambique, Out. 202178

Wandering

Comida para o espírito, @Continental (Minerva), Maputo, Abr. 202082

Txova de cocos, @Igreja Mártires do Uganda, Maputo, Fev. 202184

Edifício Rubi, @Rua Joaquim Lapa, Maputo, Dez. 2020 85

Horizontes

Maputo Skyline, @Marítimo, Maputo, Jun. 2021 86

Ao sabor do vento, @Ponta do Ouro, Ponta do Ouro, Out. 2020 88

All Together Now, @Macaneta, Macaneta, Abr. 2020 90

1,2,Trees

Tangled up in Blue, @Ponta do Ouro, Ponta do Ouro, Out. 2020 93

Calças do Poeta a Ventanear, @Macaneta, Macaneta, Abr. 2020 95

Figueira magistral, @Southern Sun, Maputo, Dez. 2020 95

Pizza com todos, @Mundos, Maputo, Nov. 2021 96

Refrescar a sede, @Miradouro, Maputo, Mar. 2022 98

A árvore da Amizade, @Escondidinho, Ilha de Moçambique, Out. 202199

Até à cruz, @Hotel Avenida, Maputo, Mar. 2022 100

Entrelaçados, @Casa do Peixe, Maputo, Set. 2021 100

Árvore, @Acácias, Maputo, Nov. 2020

Café Matinal, @Acácias, Maputo, Nov. 2020

Índice

Palmeiras,@Ponta do ouro, Dez 2021 104

Sketchs rápidos, @Taverna, Maputo, Mar. 2022 105

Bugigangas, @Ponta do Ouro, Ponta do Ouro, Fev. 2022

Guarda, @Oak, Maputo, Fev. 2022

Mãe, @Oak, Maputo,Apr 2022

Músico de Rua, @Rua Augusta, Lisboa, Portugal, 2021

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Banda Sonora

This is the end

Perguntam-me muitas vezes o porquê de eu desenhar maioritariamente a preto-ebranco e alagar os desenhos com tinta-dachina (a cor, a qual tenho reais dificuldades em distinguir e combinar, é quase sempre agregada à posteriori). Bem, poderia responder sem mentir, que é porque sou grande fã de autores de BD que são mestres na dualidade luz e sombra, tais como: Pratt, Eisner, Miller, Breccia, Risso, Kirby, etc. Mas, na realidade, acontece que na primavera de 66 os Rolling Stones cantavam "Paint it black", e, coincidência ou talvez não, nesse outono , eu dava o meu primeiro hausto de vida num convento de freiras. O meu destino binário estava fadado. Com excepção de alguns momentos esparsos em que desenhava árvores ou colegas de reunião sonâmbulos marginalmente nos Moleskins, em mais de 50 anos, quedei-me pelas obrigações mundanas. Nos últimos três anos, desenhei quilómetros de horizontes e não pondero reformar-me. Parafraseando Woody Allen: "Retirement isforpeoplewhohavespentalifetimehatingwhattheydid".

"IwanttoseetheSun

Blottedoutfromthesky

Iwanttoseeitpainted,painted,painted

Paintedblack Yeah!"

Paint it Black, The Rolling Stones

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