PESQUISA
PARTICIPANTE
E
PESQUISA
AÇÃO:
ALTERNATIVAS
DE
PESQUISA OU PESQUISA ALTERNATIVA http://jarry.sites.uol.com.br/pesquisaparticipdef.htm acessado em 20/11/2006 Roberto Jarry Richardson. Para entender o significado, características e importância da pesquisa participante devemos nos remetermos a sua evolução, particularmente, no últimos vinte anos. America Latina dos sessenta, apresentava-se como um continente rico em processos de modernização social e programas de desenvolvimento. O Banco Mundial, a Aliança para o Progresso, o Corpo de Paz enviavam recursos humanos com o intuito de colaborar com as políticas de desenvolvimento dos nossos paises.Esses profissionais e técnicos incorporavam-se as equipes nacionais e juntos decidiam sobre possíveis estratégias de ação. Foram épocas de muita discussão sobre participação sóciopolítica e econômica, o conceito de marginalidade aparecia, constantemente nos documentos, discursos, conferencias e outras. Procurava -se incorporar os grupos "excluídos" das esferas de decisão às ações a eles destinadas. Pretendia-se transformar objetos das ações em sujeitos históricos. Muitos cientistas sociais que participaram nesses programas de desenvolvimento tomaram consciência das limitações e abusos dos modos convencionais de perceber, tratar e reconstruir a realidade social. Emergem, assim, formas alternativas de pesquisa com rótulos variados: pesquisa-ação, pesquisa participante, pesquisa militante, etc. Todas tem em comum a procura de processos de investigação comprometidos com transformações sociais.
Marcela Gajardo refere-se a cientistas sociais europeus que assinalam, como próprios aos processos de pesquisa participante, os seguintes aspectos: a) São baseados nas necessidades de grupos social politicamente marginalizados. Seu objetivo e o de trabalhar com os grupos excluídos, em situações comuns de trabalho e estudo e trocar informações para colaborar na mudança das condições de dominação. Procura realizar este objetivo em colaboração com grupos relativamente homogêneos, do ponto de vista social e local. b) O ponto de partida, o objeto e a meta da pesquisa participante são o processo de aprendizagem dos que fazem parte da pesquisa. Suposições teóricas não examinadas. Pelo contrario, o trabalho científico e entendido como contribuição prática para a transformação social, como contribuição à democratização. Incentiva-se uma tomada de consciência dos grupos sociais marginalizados, em relação a sua situação e necessidades, para que estas possam melhorar mediante a organização e a ação política. c) Ao invés de se manter distancia entre o pesquisador e o grupo que vai ser examinado, tal como se exige nas ciências sociais tradicionais, propõe-se a interação. Isso significa, para o pesquisador, trabalhar, talvez viver, no grupo escolhido, a fim de elaborar perspectivas e experimentar ações que perdurem, inclusive depois de terminado o projeto. d) No desenrolar do estudo, aspira-se a uma comunicação o mais possível horizontal entre todos os participantes. Isso pressupõe que as metas e o desenvolvimento do projeto não sejam previamente determinados, mas que se elaborem com a intervenção de todos os participantes e que, no decorrer da pesquisa, possam ainda ser mudados. e)Utiliza o dialogo como meio de comunicação mais importante no processo conjunto de estudo e coleta de informação. Tenta, por isso, desligar-se da linguagem das ciências sociais, acessível somente aos iniciados. Sustenta que a ciência exerce poder e que a informação e o conhecimento são suscetíveis de manipulação, com o fim de legitimar situações de dominação ou criar estados de dependência.
Assim, a pesquisa participante enfatiza a socialização do saber, tentando romper com o monopólio do conhecimento, através da participação dos sujeitos na analise e solução de seus problemas. Portanto, diferença fundamental entre a pesquisa participante e a pesquisa "tradicional" e o controle sobre a produção e uso do conhecimento. Na pesquisa "tradicional" o pesquisador assume a responsabilidade de elaborar o problema, decidir os aspectos metodológicos, coletar informações, analisar os dados e disseminar os resultados. Em contrapartida, o enfoque da pesquisa participante aponta para:
a) promoção da produção coletiva de conhecimentos, rompendo o monopólio do saber e da informação, permitindo que ambos se transformem em patrimônio dos grupos marginalizados;
b) promoção da analise coleta na ordenação da informação e no use que dela se possa fazer;
c) promoção da analise critica, utilizando ainformação ordenada e classificada, a fim de determinar as raízes e as causas dos problemas e as vias de solução para os mesmos;
d) estabelecimento de relações entre problemas individuais e coletivos, funcionais e estruturais, como parte da busca de soluções conjuntas para os problemas enfrentados." (Gajardo, p.47)
Em geral, a pesquisa participante surgiu como uma alternativa de pesquisa orientada a solucionar problemas imediatos e locais com a participação plena dos autores sociais. O pesquisador passou a ser um "animador" responsável da analise critica e construção da realidade.
A Pesquisa Ação:
As origens do conceito pesquisa-ação remontam à década dos trinta. Kurt Lewin, professor alemão que em 1933 teve que abandonar a Universidade de Berlim para instalar-se nos Estados Unidos da América do Norte, elaborou a pesquisa-ação. Como dizia Lewin, "Quando falamos de pesquisa, estamos pensando em pesquisa-ação, isto e, uma ação em nível realista, sempre acompanhada de uma reflexão autocrítica objetiva e de uma avaliação dos resultados. Como o objetivo é aprender, não devemos ter medo de enfrentar as próprias insuficiências. Não queremos ação sem pesquisa, nem pesquisa sem ação" (Barbier,1985,p.38)
Desde o seu inicio a pesquisa-ação se orientou para a solução dos problemas surgidos pelo crescimento industrial, modernização e outros. No caso de Lewin, a preocupação concentrou-se nos problemas da inserção de fabricas em zonas rurais, cuja mão-de-obra era incapaz de atingir os altos padrões de produção das regiões industriais do Norte dos EUA. Mas, o seu propósito não era conscientizar os operários com relação à situação de vida, senão adaptá-los às condições de trabalho das fábricas.
Os estudos de pesquisa-ação multiplicaram-se durante e depois da Segunda Guerra Mundial, procurando alternativas de pesquisa que valorizassem a ação humana. No entanto,é preciso reconhecer que Kurt Lewin praticamente ignorou um outro tipo de intervenção cujo objetivo é transformar as estruturas sociais e políticas da sociedade de classe. Enquanto Lewin procurava influenciar os operários para fazê-los produzir mais, através do mecanismo de estimulação e de competição, o outro tipo de intervenção procura as classes populares porque somente elas podem transformar a situação de exploração produzida pelo capitalismo.
Na América Latina, a pesquisa-ação adquire força em fins da década dos sessenta, contextualizada por uma forte crítica à suposta unidade do método entre ciências sociais e naturais, à visão parcial e unidimensional da realidade social, à separação entre o científico e o político, e à marginalização de grupos do desenvolvimento econômico e social latinoamericano. Existe diferença entre a pesquisa participante e a pesquisa-ação? Michel Thiollent (1985) oferece uma caracterização geral da pesquisa-ação, distinguindo-a da pesquisa participante. A primeira, alem da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico ou outro, que nem
sempre se encontra
em propostas de pesquisa participante. Mas,ambas buscam alternativas à pesquisa convencional. O autor define pesquisa-ação como "...um tipo de pesquisa social com base empírica que e concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e na qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participante". Do ponto de vista cientifico, "a pesquisa-ação e uma proposta metodológica e técnica que oferece subsídios para organizar a pesquisa social aplicada sem os excessos da postura convencional ao nível da observação, processamento de dados, experimentação, etc. Com ela, se introduz uma
maior flexibilidade na concepção e na aplicação dos meios de investigação concreta" (Thiollent, op. cit. p.24). Para Michel Thiollent e outros, características fundamentais da pesquisa-ação são: - a participação das pessoas implicadas nos problemas pesquisados e uma ação destinada a resolver o problema em questão. Essa ação seria a que distingue
a dita pesquisa de
pesquisa participante. De extrema importância e a ênfase colocada na participação das pessoas na pesquisa, não como"objetos" de estudo, mas como elementos ativos do processo de investigação. Logicamente, essa postura tem conseqüências para a organização e realização da pesquisa e determina diferenças fundamentais com a pesquisa "tradicional ou "convencional". Não existe a relação sujeito-objeto de pesquisa: tanto pesquisadores quanto "usuários" são sujeitos ativos de um processo; a formulação do problema, objetivos, possíveis hipóteses, coleta de dados, etc., são discutidos e analisados pelo grupo como um todo papel dos pesquisadores se refere basicamente a preservar o caráter cientifico da pesquisa(analise sistemática e critica da realidade), portanto, a metodologia tem um importante papel a desempenhar.
Assim, a pesquisa-ação e considerada uma estratégia metodológica da pesquisa social na qual ha uma ampla interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada; dessa interação surgem os problemas a serem pesquisados o objeto da pesquisa e a situação e os problemas encontrados;o objetivo consiste em resolver ou esclarecer esses problemas; ha um acompanhamento permanente de toda a atividade dos atores da situação; e, a pesquisa não se limita apenas a uma ação, mas procura aumentar o conhecimento de todas as pessoas envolvidas no processo.
Situação atual e possibilidades
As características históricas, culturais e sóciopolíticas do contexto determinam os fatores que facilitam ou obstaculizam as possibilidades reais da pesquisa alternativa. As experiências conhecidas no Brasil e no resto da América Latina refletem nos seus resultados e limitações as contradições do momento histórico no qual se desenvolvem. Concordando com Maria Tereza Sirvent (1985), nas sociedades caracterizadas por uma alta concentração de renda com uma maioria da população em condições de pobreza e miséria absoluta, esses projetos participativos são facilitados por uma vontade política de “abertura democrática:” mas, na prática não passam de experiências isoladas num clima geral de autoritarismo, paternalismo institucional, arbitrariedades, desemprego e fome. Além disso, e fundamentalmente, na medida em que a abertura democrática ou os projetos participativos, não impliquem em ideologias de modificação das estruturas do poder social, político e econômico, essas experiências isoladas serão permitidas pelo esquema de poder vigente. Mas, no momento que cresçam e desenvolvam grupos comprometidos com transformações sociais, os projetos passam a ser uma ameaça contra esse poder. Indubitavelmente, e muito fácil acabar com experiências isoladas. Na década dos oitenta, a América Latina experimentou transformações importantes. Na maioria dos países ressurgem regimes políticos democráticos, deixando para atrás a época do autoritarismo militar. Além disso, aprofundou-se um processo de contestação às tendências modernizadoras e participantes próprias à expansão capitalista, as quais não conseguiram criar sociedades mais jutas, nem capazes de alcançar um crescimento que diminuísse a fome e a miséria. Pelo contrario, os modelos de desenvolvimento vigentes, contribuíram a aumentar a exploração e pobreza dos povos latino-americanos. Concomitante a esse questionamento da modernização e do modelo capitalista existente, desenvolveram-se, na América Latina. Experiências que baseadas num processo de produção e disseminação do conhecimento, procuram aumentar a capacidade própria dos setores populares na descoberta de modelos alternativos. O intelectual que participa dessas experiências constata que os paradigmas e metodologias utilizadas para interpretar a realidade social mostram-se inadequados para trabalhar os processos vividos. Os
movimentos sociais que se apresentam a si mesmos como portadores de um sentido político popular ganham força e ocupam todos os espaços disponíveis. Na pesquisa social, surgem novos enfoques metodológicos que insistem na importância da participação da população, tradicionalmente objeto alienado de estudo, na produção do conhecimento social. Considera-se, a pesquisa, como um processo de conhecimento e de transformação da realidade, procuram-se estratégias de participação da população no planejamento e execução da investigação. Configuram-se novas tendências e metodologias de pesquisa, agrupadas sob um mesmo título, pesquisa participante. Hoje, ninguém pode duvidar da contribuição dessa pesquisa alternativa para a construção de uma nova ciência e uma sociedade mais justa.
Problemas da Pesquisa Participante
A pesquisa participante, conto prática em processo de consolidação, apresenta diversos problemas. Estes problemas permitem uma variedade de reflexões que abarcam desde as técnicas e a concepção do método, ate os aspectos epistemológicos que orientarão a construção de um novo conhecimento. Entre aquelas reflexões interessa-me destacar as seguintes: - os problemas teóricos da pesquisa alternativa e a definição da pesquisa participante como estratégia metodológica.
Problemas teóricos
Seguindo as idéias de Justa Espeleta (1986) chama a atenção nos projetos de pesquisa participante, a linguagem. Uma linguagem que pretende denominar a realidade de “outro” modo e que procura constituir-se ao mesmo tempo em linguagem crítica. Este “outro” modo um modo diferente daquele utilizado pela ciência social dominante. Trata-se, em geral, de uma linguagem com claras conotações marxistas. Mas, muitas vezes, o material produzido apresenta serias ambigüidades nos conceitos utilizados. Por exemplo, “transformação da realidade” pode ser usado tanto para falar da mudança de hábitos alimentares de um grupo, como para designar um fenômeno cognitivo referente a sujeitos individuais; “transformação’ aparece também freqüentemente como sinônimo de “mudança social”; relações sociais” e usado para falar de interação; “classe social” tem uma infinidade de acepções; a relação “sujeito-objeto” - categoria da epistemologia - refere-se habitualmente
a uma interação entre pessoas. Por outro lado, ‘construção do
conhecimento” pode referir-se tanto i gênese da teoria como a síntese que o pesquisador chegava fazer de alguns saberes populares; ‘pesquisa”, enfim, pode ser permutada por método ou por técnicas. Um outro aspecto a considerar a freqüente transposição de categorias estruturais (sistema social, classe, reprodução) para a analise de situações particulares, específicas. Situações que a linguagem funcionalista designa como microsociais um grupo de mães, um grupo de camponeses, um bairro. A transposição coloca um problema epistemológico a adequação das categorias ao nível e ao tipo de processos a estudar. Este problema é importante, tanto para a teoria como para a metodologia. É comum ver trabalhos de pesquisa participante que utilizam o conceito de classes sociais no sentido positivista, procurando atributos ‘‘materiais’’ para identificar e situar pessoas na ‘‘escala” social, que tem pouco a ver com o conceito marxista de classes, onde a questão é mais complexa, se historia e se situa em termos de relações históricas de dominação. Além disso. conceitos gramscianos como “bom senso”. “senso comum” ou ‘‘intelectual orgânico” são de uso freqüente nesta produção, individualizando categorias criadas para a escala do movimento social ou personalizando - pela via de atributos “objetivos” - categorias cuja definição teórica tem conhecidos compromissos com significações muito precisas e
ausentes deste uso. O intelectual, por exemplo, que ‘‘devolve” o conhecimento mais elaborado, recolhido nos setores populares, costuma chamar-se, por este fato, de “intelectual orgânico”. Evidentemente este não é o sentido outorgado por Gramsci à categoria intelectual orgânico. Essas e outras confusões surgem porque, na prática, a pesquisa participante esta mais voltada à solução de problemas imediatos, com recursos a nível local. Lamentavelmente, o pesquisador esquece a teoria e cai num perigoso a-teorismo. Devemos lembrar que a teoria social esta sempre vinculada a processos históricos e que não se pode enfrentar a realidade sem uma perspectiva que permita visualizá-la e defini-la. Conseqüência dessa falta de teorização surge, por exemplo, uma séria confusão entre observação participante e pesquisa participante. Existem muitos especialistas em pesquisa participante que sugerem que dita pesquisa deveria expressar a conjunção da observação participante com a participação em pesquisa. Nestes momentos devemos fazer referência a dois grandes pensadores: Malinowski e Marx. Bronislaw Malinowski, antropólogo inglês (1884-1942) foi o elaborador da observação participante que o levou a uma teoria, o funcionalismo. Karl Marx, foi quem introduziu a dimensão política para o uso da ou a participação da pesquisa. Não podemos negar que a observação participante e a única técnica que possibilita a interação entre o pesquisador e os sujeitos, permitindo uma abordagem pessoal. Mas, quando Malinowski procurava compreender as sociedades primitivas estava satisfazendo uma necessidade do Império Britânico para ajustar a sua administração, no sentido de consolidar a dominação política e econômica. Como afirma Espeleta. “o saber de Malinowski um saber que se imbrica numa necessidade histórica de dominação. Um saber não só útil, senão necessário ao poder’’ Pelo contrário, como já se sabe, Marx opta pela perspectiva histórica dos explorados. A revolução social é a sua meta. Mudar a sociedade implica construir um novo conhecimento sobre ela e, nesse processo, vai-se construindo o método, Em resumo, Malinowski, procura ordenamentos e Marx o movimento da sociedade. O primeiro, utiliza uma técnica, a observação participante, para investigar os ordenamentos
das sociedades primitivas. O segundo, insiste no compromisso histórico da pesquisa social com a transformação da sociedade capitalista. Assim, podemos constatar as diferenças fundamentais entre a pesquisa participante e a observação participante. Confundir ambas ou tentar conjugá-las e um erro produzido pela falta de teorização. O pesquisador corre o risco de abrir caminho ao senso comum como elemento vital da analise científica.
A Pesquisa Participante como Estratégia Metodológica.
Diversos autores consideram a pesquisa participante uma estratégia metodológica. Isto gera diversos problemas que prejudicam o avanço da pesquisa alternativa. Devemos lembrar que as críticas à pesquisa convencional se dão particularmente no campo epistemológico do empirismo e positivismo das Ciências Sociais. Logicamente, os supostos epistemológicos influem nos supostos metodológicos. Em geral, o empirismo e o positivismo aplicado às Ciências Sociais refletem uma visão atomista do homem e da sociedade. Em outras palavras, o elemento mais importante um sistema social é o individuo, sendo preciso conhecer as suas opiniões, atitudes, costumes, etc. A totalidade se resume a soma das individualidades. O exemplo mais claro desse critério e a teoria da amostragem
aplicada às ciências humanas. Em geral, uma amostra
deve ser representativa de uma população ou universo. Como se trabalha com amostras? Geralmente se aplicam questionários ( 50 ou mais pessoas) que incluem diversas perguntas relacionadas ao problema pesquisado. Após coletar e codificar os dados, analisa-se a informação, somando as opiniões de cada respondente, considerando-as como opiniões do grupo. Este é um pressuposto epistemológico não aceito pelos cientistas sociais que trabalham com pesquisa alternativa: o importante é o conhecimento coletivo, a ação, reação e opinião do grupo ante uma situação determinada. Portanto, toda amostragem que se
baseia em princípios de individualidade não se adequa à pesquisa alternativa, seja ação ou participante. Um outro pressuposto epistemológico do empirismo e positivismo que se reflete na pesquisa convencional é o “aparencialismo”(seguindo o conceito de Jacobo Waiselfiz) pelo qual se limita a capacidade de conhecer à aparência imediata dos fenômenos. em uma perspectiva deliberadamente externa e coisificada. Ao limitar a análise ao nível imediato da realidade e às formas de apresentação dos fenômenos, o âmbito da problemática a ser pesquisada fica limitada ao dado empírico, enfatizando-se o império das técnicas de medição, levantamento e analise de dados. Mas, essa aparência, por ser um modo imediato de manifestações de um processo histórico, é um ocultamento do real. Devemos lembrar que os cientistas sociais da América Latina, como produto de alguns sucessos e muitos fracassos e repressões aos movimentos populares da década de 60, começaram a questionar politicamente o trabalho do cientista social; questionam os aspectos epistemológicos, teóricos e metodológicos da pesquisa e da ciência convencional; e procuram alternativas de compreensão da realidade social. Assim, a pesquisa alternativa, incluindo a pesquisa participante, a pesquisa ação, etc., não se define apenas por uma metodologia participativa. É uma outra concepção de ciência, com supostos teóricos e epistemológicos críticos que evidentemente levam a uma pesquisa que procura contribuir à transformação social.
A Ciência e a Pesquisa Alternativa
Ao longo deste trabalho, diversos críticas à ciência convencional tem sido feitas:- a definição, aos aspectos epistemológicos, aos aspectos teóricos, à metodologia, técnicas e outros. Logo a seguir, tentar-se-á descrever alguns aspectos fundamentais da ciência que deve orientar a pesquisa alternativa.
Princípios Ontológicos e Epistemológicos
A realidade social é um processo concreto e historicamente condicionado, no qual a atividade humana produz e reproduz o mundo material, social e cultural. Este mundo pode ser representado simbolicamente e internalizado pelos seres humanos, mas, possui uma existência histórica objetiva. A sociedade não é, apenas, um agrupamento de estruturas sociais e pautas de comportamento produzidas historicamente. A subjetividade e a autonomia dos seres individuais só pode ser separada do contexto social e simbólico para fins analíticos. Em conseqüência, a sociedade não pode ser vista como a soma tio indivíduos socializados; é uma totalidade de relações nas quais os indivíduos estão inseridos. Além disso, as pessoas e grupos criam seu mundo e história sob condições produzidas no passado histórico. Em outras palavras, produzem as condições e estruturas historicamente objetivas, nas quais se baseiam para criar o mundo do futuro. Disso se depreende que uma determinada formação social deve ser examinada concretamente, não em termos abstratos. Os fenômenos devem ser enfocados na sua totalidade, sem dela abstraí-los. Segundo se sabe, a produção social ocorre sempre nesses contextos totais e esta configurada por eles. Não se pretende afirmar que em todo trabalho científico, a formação social global (deva ser analisada, é impossível. Isso significa que as analises feitas de qualquer fenômeno social, devem incorporar, como elemento fundamental a inserção desse fenômeno na formação social total. Em outras palavras, um determinado fenômeno deve ser visto a luz das principais estruturas o tendências de uma formação social. Nesta visão totalizante, a formação social o concebida como um conjunto de relações sociais, historicamente, em desenvolvimento Retomando a forma de análise totalizante, o pesquisador deve trabalhar a relação existente entre as tendências fundamentais da formação social e suas formas, historicamente, espec!ficas. Analisar uma ou outra das possibilidades (o fundamental ou o específico) é um trabalho incompleto. A análise deve mostrar as formas específicas de manifestação das tendências fundamentais de uma formação social para fazer isto, é preciso passar da complexidade das observações a um modelo conceitual da formação, o qual identifica os componentes essenciais e secundários, situe
acontecimentos, e identifique as principais tendências. Existe, assim, um processo de interação entre a observação empírica e a formação do modelo conceitual. Isto não e uma interação unilateral dominada pelo empirismo ou o teoricismo, ambos configuram a pesquisa. Na visão aqui exposta, a produção do conhecimento segue os mesmos princípios. Esta configurada pelo contexto e pela forma de inserção dos “produtores de conhecimento” na realidade social. Ditos “produtores” reagem ao mundo real, mas, não em termos passivos (visão funcionalista). Mediante a suas práticas compartilhadas, modelam o conhecimento gerado e, podem chegar a transformar a realidade. Deve-se insistir que as referidas práticas desenvolvem-se em determinados contextos sociais e estão, parcialmente,
configuradas por esses contextos. Neste ponto, cabe destacar o pensamento de Álvaro Vieira Pinto(1985) com relação à produção do conhecimento. Não se pode partir de “eu penso”, idéia intemporal metafísica,relativa a um ‘‘eu’’ que não e ninguém, que não esta situado no tempo e no espaço, mas do fato histórico, social, objetivo de que “nós pensamos. Este nós, colocado na origem da reflexão gnosiológica representa o abandono das especulaç ões metafísicas. Com efeito, ao reconhecer na origem da teoria do conhecimento um “nós’’, não um “eu’’, partese de uma situação objetiva, de um fato concreto e social que fixa e qualifica a posição de cada individuo num processo histórico. O “nós” implica a inclusão do individuo num processo objetivo, exterior a ele e a qualquer outro homem, cuja validade não precisa de confirmação, porque o próprio homem e a confirmação dele. A existência histórica do individuo, é conhecida e fornece o ponto de partida para o raciocínio que procura entender o conhecimento, não por uma evidência interior, mas por uma experiência exterior, social e histórica. O individuo pode ignorar o processo histórico, mas o processo histórico não ignora a ele, esse processo que contribui à formação cultural do homem, pela qual se pode questionar, interpretar e transformar a realidade social a que pertence. Assim, o conhecimento deve ser construído partindo não da subjetividade humana, mas da objetividade, da existência concreta do mundo em transformação permanente. O individuo
cria a própria consciência no âmbito de uma consciência social que o envolve, antecede e condiciona. Após das reflexões feitas anteriormente, vale a pena formular alguns princípios que se identificam com as bases científicas da pesquisa alternativa:1º - Para viver e se reproduzir, o homem deve transformar a realidade, e em primeiro lugar, a realidade material. 2º - Para transformar algo material devemos conhecê-lo, e para conhecê-lo, devemos tratar com ele, transformá-lo. Isto significa que só aqueles envolvidos na transformação material têm a possibilidade de conhecer a realidade. Quem produz a transformação material (produção)? As classes sociais. 3º - Além da realidade material, existem concretos reais não-materiais (as relações sociais). As relações sociais de produção primam sobre as outras relações sociais. 4º - O processo de produção de conhecimento é um processo de transformação, mental e ativa, determinado pela classe social. Os princípios assinalados fundamentam uma pesquisa alternativa e um método dialético com diversas implicações para a análise dos fenômenos sociais:- A importância de estudar a produção material como condição para a compreensão de todos os aspectos da realidade; - o estudo da totalidade como condição para compreender todos os aspectos da sociedade(econômico, político, e social); - a necessidade de estudar as classes sociais como unidade básica da sociedade, num contexto de antagonismo dessas classes; - a necessidade de estudar as relações sociais que caracterizam as classes sociais; - o estudo da estrutura interna, da lógica, dessas relações sociais;
- a necessidade de estudar o presente e o passado histórico das relações sociais, procurando os princípios que permitem a manifestação dessas estruturas (relações sociais).
A aplicação dos princípios formulados, permitem estabelecer três critérios metodológicos de uma ciência social alternativa:-
1º - Considerar o fenômeno social como algo determinado pela totalidade. Os fenômenos sociais são objetivos, independentes da vontade de indivíduos ou grupos isolados.
2º - Considerar o fenômeno social como algo determinado pelas classes sociais e pelas estruturas. Segundo já vimos os fenômenos sociais surgem pela luta de classes e podem subdividir-se em categorias, as mais importantes são: as econômicas, ideológicas e políticas. Estes são es principais tipos de dominação de uma classe sobre as outras. Cada uma destas categorias é o objeto de estudo de ciências sociais específicas.
3º - Considerar o fenômeno social como algo determinado historicamente. A determinação das estruturas é um processo. Portanto o fenômeno deve ser estudado no presente e no seu passado.
A utilização destes princípios permite esclarecer muitos problemas da pesquisa participante. Por exemplo, quem participa? De quê? Sabemos que esse quem” é um sujeito
histórico. Não é um indivíduo isolado que somado a outros indivíduos forma um grupo ou uma sociedade. É um ser social, “produtor” de conhecimento que compartilha as suas práticas, em determinados contextos, para transformar a realidade a que pertence. De que participa? Participa da produção material em uma realidade total com relações sociais que caracterizam as classes de uma determinada formação social. Assim, ‘‘quem participa? De quê? Um sujeito histórico e social que protagoniza processos sociais, procurando a transformação da realidade. Atualmente a pesquisa participante enfoca e tenta solucionar problemas reais que afetam as condições de vida dos setores populares. Os processos procuram organizar os indivíduos enfatizando fenômenos locais ou setoriais e com durações variáveis. Indubitavelmente, essa pesquisa participante tem contribuído a modificar situações isoladas. No entanto, deve assumir a responsabilidade de uma pesquisa alternativa para uma nova ciência. Quem faz pesquisa participante deve ter claramente definidos os seus pressupostos epistemológicos e gnosiológicos de uma ciência que procura descobrir a essência dos fenômenos e as leis que os regem, com o fim de aproveitar as propriedades das coisas e dos processos naturais em benefício do homem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GAJARDO, Marcela. Pesquisa Participante na America Latina, São Paulo, Brasiliense, 1986
BARBIER, Rene. Pesquisa-Ação na Instituição Educativa. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. 1985
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação.São Paulo, Cortez, 1985.
SIRVENT, Maria Teresa. Estrategias participativas em educación de adultos: sus alcances y limitaciones. La Educación. Ano XXIX Nº 07 Enero - Mayo 1985 p.20-35.
ESPELETA, J. e Rockwell, E. Pesquisa participante. São Paulo, Cortez Editora, 1986
VIEIRA PINTO, A. Ciência e Existência.São Paulo. Paz e Terra, 1985.