D ezembro
- 2011
Região Metropolitana do Cariri
Realização
promoção
apoio
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REGIÃO DO CARIRI
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EDITORIAL Janela de artesania para o “mundo todo”
A
ntes da chegada dos portugueses ao interior brasileiro, no século XVII, as terras localizadas no sopé da Chapada do Araripe eram habitadas pelos índios Kariris. Os primeiros contatos com o homem branco foram mantidos pelas caravanas militares e/ou religiosas, que tanto estudaram a região como catequizaram os indígenas e os agruparam em aldeamentos ou missões. Segundo historiadores, esses contatos e alguns descobrimentos no interior do país ajudaram a espalhar os boatos de que nessas regiões existiria ouro em abundância, o que ocasionou uma verdadeira corrida aos sertões brasileiros. Inclusive com a chegada de famílias inteiras, vindas de Portugal, sonhando com as riquezas
das terras inexploradas e com a esperança de encontrar o minério. Até porque isso representava aumento de patrimônio e do prestigio pessoal na Corte portuguesa. Era a lenda das Minas dos Cariris Novos. A busca do metal nas ribanceiras do Rio Salgado trouxe a colonização e, como consequência, a doação de sesmarias, o que permitiu o surgimento de lugarejos e vilas que mais tarde se tornariam municípios. Hoje, resultado de uma reivindicação antiga e efetivamente concretizada graças à Lei Complementar nº 78, de 26 de junho de 2009, a Região Metropolitana do Cariri é um fato. Com as complexidades, exuberâncias e contradições culturais de um grande ajuntamento humano
abrigado na riqueza natural de um verdadeiro oásis ao Sul do Ceará. É formada pelos municípios de Juazeiro, Barbalha e Crato, Santana do Cariri, Nova Olinda, Farias Brito, Missão Velha e Jardim. Uma parcela desses recursos governamentais será destinada, justamente, ao fomento e fortalecimento do setor turístico através de iniciativas como, por exemplo, a construção do Centro de Cultura e Eventos do Cariri, no Crato; o projeto Roteiro da Fé, que requalificará o Centro Comercial de Juazeiro; e a implantação do Museu do Engenho, no sítio Tupinambá. Têm relevância, também, os projetos e as ações voltadas para a produção associada ao turismo, em que se enquadra o artesanato caririense.
A criação da Região Metropolitana do Cariri teve, como objetivo, constituir uma circunstância cultural e socioeconômica capaz de compar-
tilhar, com a capital do Estado, a atração de equipamentos, serviços e investimentos públicos e privados. Segundo a Secretaria das Cidades do
Estado do Ceará, até 2013, US$ 65 milhões serão investidos para a implantação do projeto Cidades do Ceará / Região Metropolitana do Cariri.
FARIAS BRITO
NOVA OLINDA
SANTANA DO CARIRI
CRATO
JUAZEIRO DO NORTE
BARBALHA
MISSÃO VELHA
JARDIM
Contatos: Diretor-presidente: Luzenor de Oliveira - Diretor de Conteúdo: Donizete Arruda
Diretora de Jornalismo: Jaqueline Freitas - Editor Caderno Especial: Wilton Bezerra Jr
Editor-chefe : Márcio Dornelles - Fotografias: Márcio Dornelles e Cícero Valério Projeto Gráfico e diagramação: Flávio Marques e Evando Ferreira Matias
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REGIÃO DO CARIRI
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Juazeiro do Norte
Tradição de fazer arte que dignifica e sustenta A religiosidade está na gênese
do crescimento do lugar. Assim, não há como fugir às exponenciais referências sobre a figura responsável não só pela fundação e desenvolvimento de Juazeiro do Norte, como pelo incentivo na popularização dos ofícios que disseminaram as tipologias artesanais Cariri afora: o Padre Cícero Romão Batista. Com uma área total de 4.115,828 quilômetros quadrados, a Região Metropolitana do Cariri ou Cariri Central, reúne oito municípios com características históricas comuns. Basicamente, as cidades formaram-se ao redor de fazendas de gado e de propriedades religiosas doadas por donos de terras para a construção de igrejas. Essas comunidades
religiosas tinham, também, o objetivo de catequizar os índios e moradores da região. No primeiro volume desta trilogia, lembramos que era a figura do sacerdote quem recebia as legiões de sertanejos em busca do abrigo em Juazeiro. Do padre, ouviam a direta recomendação de que deveriam seguir as tradições católicas e aprender um ofício para garantir e dignificar o próprio sustento. E assim, Juazeiro e o Cariri seguiram à risca a orientação do “Padim”, criando seus oratórios nas salas e uma oficina nos fundos de cada casa. Quem não bordava, costurava, tecia, esculpia, talhava, fundia ou trançava, tratava de aprender e passar a
técnica para os filhos, a fim de garantir a sobrevivência e as bênçãos do padre. De tal forma incentivados, os muitos peregrinos que se radicaram no pequeno arraial que deu origem a Juazeiro, começaram a produzir utensílios para o cotidiano. Hoje, a cidade concentra, também, o maior número de artesãos e de associações voltadas para o artesanato. Algumas famosas como o Centro de Cultura Popular Mestre Noza, local de parada obrigatória para turistas, e a Associação dos Artesãos Mãe das Dores do Padre Cícero.
4 Meca da escultura religiosa, REGIÃO DO CARIRI
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ourivesaria e lapidação Segundo
publicação do Sebrae sobre “Caminhos do Fazer, Guia de Produtos Associados ao Turismo”, o contato com matérias-primas como o barro e a madeira, revelou vocações em Juazeiro do Norte. Assim, grande parte dos artesãos passou à escultura, especialmente inspirada na temática religiosa. Imagens sacras de todos os tamanhos podem ser encontradas, do simples souvenir de gesso a grandes esculturas finamente executadas com argila e fibra de vidro.
Lamparinas do “Padim”. Para sempre, amém! tesãos de metais que ainda mantém viva uma tradição iniciada pelo fundador da cidade: a produção de lamparinas. Em um quartinho apertado, de porta única e sem janelas, vamos encontrar seu Cícero Sousa em plena atividade de flandrereiro, nome que ele próprio dá a quem trabalha o flandres, comprado em folhas. Sentado num banco pequeno e baixo e munido de uma espécie de alicate, ele vai, com destreza, moldando e burilando,
como fator de diversidade O “Estudo Setorial do Artesanato” do Sebrae Ceará classifica o município como um dos mais ricos em tipologias. As técnicas mais fortemente presentes são relacionadas ao trabalho em cerâmica, couro, madeira, rendas e tecelagem. Com taxa de urbanização superior 95%, o que praticamente extingue zonas rurais, diversidade artesanal é o que não falta à cidade. As mãos rápidas e talentosas dos artesãos juazeirenses estão presentes em quase tudo. Nos utensílios em palha, bordados e xilogravuras que deixaram as capas dos livrinhos de cordel para se transformarem em quadros religiosos e decorativos, bem como na nova geração de artesanias: os reciclados. Um setor que cresce em novas utilidades e plasticidades das peças usadas e renovadas na sua finalidade primária.
É em Juazeiro, também, que vamos encontrar uma interessante parceria entre lapidadores e ourives. É promovida pela Associação dos Lapidários, Artesãos Minerais e Ourives, que uniu na cidade a já tradicional ourivesaria à lapidação de pedras, resultando na produção de belíssimas jóias. Na sede da entidadeé possível assistir ao trabalho de lapidação dos cristais, ametistas e turmalinas.
Pelas ruas de Juazeiro, encontramos ar-
Urbanização
reunindo e apertando peças, até que surge mais uma lamparina. Por dia, mais de 100 saem das suas mãos direto para o mercado. Resultado de uma jornada de trabalho que começa às sete horas da manhã e vai até as 17 horas. Seu Cícero acredita que seu o ofício aprendido com a família está longe de ficar com os dias contados. “Desde que eu comecei, há 15 anos, continuo vendendo do mesmo jeito. E não acredito que isso vá mudar. Vai sempre ter mercado para a lamparina”. Sobre a pergunta que não cala: Se tem luz elétrica, para que comprar lamparina? Ele tem a resposta na ponta da língua: “É a tradição. Além disso, quando falta energia, quem salva é a lamparina. Ela é muito usada para andar no escuro e ir de uma casa para outra, nos sítios”. Como Cícero, outros 50 dividem o mesmo ofício na cidade. Cada lamparina tem cerca de dez centímetros. Ele vende por R$ 1,50 a unidade. E não dá para quem quer. Tanto que no incremento de seu mercado fiel, Cícero lançou uma novidade: a lamparina pequenina, de pouco mais de três centímetros. “Essa é para quem quer levar de lembrança. Acesa, a luz dura uma hora. Já a grande faz luz a noite toda”.
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Doces e Compotas
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Barbalha açucarada com arte e talento O fértil Vale do Cariri mantém entre suas principais tradições a confecção
de doces e compotas. Com uma expressiva produção de frutas, é comum encontrar quem transforme, com açúcar, talento e arte, bananas, abacaxis, laranja, caju, goiaba e siriguela, em deliciosas iguarias. Na cidade de Barbalha, onde ainda pontificam os trabalhos com madeira, cerâmica, tecelagem e metal, a produção artesanal de doces tem reconhecido destaque. É na terra natal do celebrado Monsenhor Murilo, do advogado Hermes Carleial e dos médicos Leão Sampaio e Lírio Callou, que dona Maria do Socorro Silva Soares (foto) é a doceira mais afamada. Nascida em Exu, ela veio para o Cariri depois do casamento com um barbalhense. Demorou para ver na especialidade desenvolvida pela mãe, um ofício que iria ajudá-la a educar as filhas. Moradora de Barbalha há 32 anos, dona Maria do Socorro lembra que foram os pedidos dos amigos e a propaganda boca a boca os responsáveis pelo seu reconhecimento. Embora diga que seus doces não tem segredo, vai revelando detalhes e cuidados que explicam o sabor único, unanimidade na região. Um item com açúcar, outro com mel, outro com rapadura preta. Assim, combinando sabores, ela conquistou e continua encantando a cidade, principalmente com ineditismo em receitas com os doces de jambo, amendoim e gergelim.
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Enxovais e Paramentos
Crato bordado à mão como ofício de fé O
mesmo amor que dona Maria do Socorro dedica aos doces em Barbalha, outra exuense emprega nos bordados que faz e vende na cidade do Crato. Berço natal da figura que move a fé no Cariri, o Padre Cícero, a cidade, tem fortes registros de tipologias como couro, tecelagem e madeira, mas as rendas e bordados são um caso à parte. E foi isso o que percebeu dona Maria Neide de Macedo (foto) quando chegou à cidade, em 1971. Casada com um cratense, foi o bordado à mão que sempre ajudou a bordadeira no orçamento familiar. Hoje, ela emprega uma das suas duas filhas. Começou trabalhando no quintal de casa. As peças ficaram conhecidas e as encomendas foram chegando. Tanto que se encheu de coragem e montou uma loja no Centro. Agora, a demanda cresceu ao ponto da necessidade de empregar outras bordadeiras. Isso a afastou da máquina de costura e do bastidor. Foi cuidar de pensar novos produtos. “A minha especialidade é cama, mesa, banho, enxovais de noiva e de bebê” enumera.
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á dona Maria Marques da Costa (foto), também bordadeira e moradora do Crato, tem uma especialidade diferente: “Sou especialista em fazer e bordar roupas de padre”. Esse tipo de vestimenta tem nome específico: paramentos litúrgicos. Mas, como ela foi descobrir esse ofício? A história é longa e começa com a menina que adorava ver a mãe bordar, mas não tinha nem agulha. Usava um espinho de mandacaru. “Minha mãe dizia que não ia desperdiçar agulha comigo, que não sabia trabalhar direito”, conta. Nessa época, dona Maria Marques morava num sítio onde tudo era difícil. Por isso, só foi ganhar a tão esperada agulha muito tempo depois. “Aí, fui aprender a fazer ‘richeliê’, já na máquina da minha mãe. Fazia blusas e recebia muitas encomendas. Foi então que um padre me pediu para fazer uma roupa para ele. Disse que não sabia e ele explicou: dava o pano e, se ficasse bom, me pagaria. Caso contrário, não haveria problema”. A roupa ficou linda e logo a história se espalhou entre o clero da região. Hoje, dona Maria Marques veste padres de 52 paróquias. Do Crato, de Juazeiro e ainda sacerdotes da Paraíba e Pernambuco. Mas, se engana quem pensa que as roupas ricamente trabalhadas são vendidas por um alto preço. Uma promessa feita por ela, depois que conseguiu andar de novo após um ano numa cadeira de rodas, faz com que seja cobrado apenas o material usado e um percentual para que ela sobreviva com dignidade. “Sei que dá muito trabalho, mas gosto do que faço e tem, ainda, a minha promessa que vou cumprir até o fim da vida,” garante.
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Utensílio e decoração
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Jardim repleto de trançados e cestarias O lugar
já foi conhecido como Barra do Jardim e Santo Antonio do Jardim. Está encravado em região antes habitada por tribos indígenas e serviu de palco a memoráveis acontecimentos históricos. Hoje, o município
de Jardim, que ostentava como tipologias de maior incidência o tecido, as rendas e bordados, o couro, a tecelagem e o metal, vê crescer na região um tipo de artesanato quase rudimentar, mas de grande aceitação: o trançado e a cestaria. Tipologia característica de utensílios e objetos de decoração é encontrada em várias versões por todo o Cariri. Em Jardim, tem destaque pelas bandas do Sítio Gravatá, localizado pouco antes da sede do município. Francisca Sirley de Sousa (foto) é uma dessas artesãs dedicada ao trançado e cestaria. Portadora de deficiência que limita os movimentos, ela conta que começou a trabalhar com cipó. “Para ter o que fazer”, pois desde pequena, passa a maior parte do tempo sentada. Quanto à matéria-prima, a mãe, os irmãos e primos trazem da
floresta que cerca a casa humilde, mas de alvenaria, plantada no alto de uma pequena elevação, à beira da estrada. Sirley é autoditada. Não só no ofício de trançar o cipó, que transforma em luminárias, vasos, leques e outros objetos de decoração. Aprendeu sozinha, também, a bordar e, agora, a costurar. Apesar de receber aposentadoria, o dinheiro que consegue com o artesanato ajuda a pagar os estudos da irmã mais nova, hoje cursando o último ano do curso de Pedagogia. A primeira da família a conseguir graduação superior. A conquista, inimaginável há algum tempo, é o sonho realizado de Sirley. Ela conta com indisfarçável orgulho. Afinal, sem o trabalho artesanal dessa filha, neta e bisneta de agricultores, não seria possível pagar os estudos da primeira professora formada da família.
Entre potes e esculturas
Missão Velha do barro que molda a vida Missão Velha é conhecida por patrimonios
naturais como a sua cachoeira e pelo grande número de pontos de concentração de fósseis. Suas tipologias mais expressivas são a tecelagem e a cerâmica. Esta última, em franco crescimento graças à vocação natural e aos de cursos de capacitação que propiciam a descoberta de novos talentos. Uma das professoras dessa novíssima geração, Maria do Socorro Nascimento (foto, à esquerda) é a ceramista mais famosa da cidade. A habilidade para moldar o barro e tirar dele desde esculturas de conhecidas personalidades públicas a peças utilitárias como potes, jarras e panelas já lhe rendeu fama e várias viagens. Em uma delas, teve o orgulho de apertar a mão do ex-presidente Lula e da atual presidente Dilma Rousseff. Suas esculturas também já foram parar nas mãos de gente famosa como o apresentador Jô Soares. Nada dessas histórias, porém, muda o jeito humilde de quem sabe, como poucos, misturar areia, água e talento. Vizinho a casa onde Maria do Socorro mora com a mãe e o pai, na localidade de Baixa do Coresma,
ela mantém um galpão onde trabalha, às vezes, até durante o turno da noite. “Se deixar, esqueço até de comer”, conta. A mãe da artesã, dona Terezinha (foto), é uma espécie de auxiliar. Entre fazer o almoço, lavar roupa, arrumar os quartos e varrer a sala, ela vai “cortando a massa”, como se chama o ato de molhar o barro. Depois, passa uma espécie de arame para desfazer os nódulos e partes duras. Assim, quando Maria do Socorro chega para esculpir e moldar, já encontra a massa pronta. A vocação ela descobriu aos 13 anos, vendo os mais velhos trabalharem na olaria. Com um mês, lembra, fez sozinha o primeiro pote. E, depois, não parou mais. Foi se aperfeiçoando no ofício, descobrindo os segredos do barro e criando releituras para peças tradicionais. Sorriso fácil e jeito inquieto, Maria do Socorro conta que, “embora o trabalho com o barro tenha lhe dado tudo”, sonha com outros desafios. Está no segundo semestre da Faculdade de Serviço Social, curso à distância que considera “uma vitória” para quem chegou à graduação fazendo telecurso.
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Chapada do Araripe
Santana é coisa rara em renda, pedra e gesso Conhecida como a capital cearense da Pa-
leontologia, Santana do Cariri possui um vasto sítio arqueológico. Abriga o Museu da Universidade Regional do Cariri e tem uma das maiores reservas fossilíferas do mundo. O município destaca-se também pelo comércio de produtos feitos manualmente. Turistas compram artesanato típico em renda, bordado, cerâmica e pintura. Boa parte dessa produção está concentrada no Casarão Cultural Felinto da Cruz Neves e Generosa Amélia da Cruz, que abriga artesãos e rendeiras.
A renda de Santana é coisa rara. A cidade tem orgulho de fazer a de bilro como manda a tradição. Lá, ao invés da almofada pequena, que caracteriza as rendeiras do litoral, é usada a almofada grande, com mais de um metro e apoiada em cavaletes. As mulheres trabalham sentadas em cadeiras. Também a forma de torcer a linha foi preservada e repete o ritual, feito há séculos, com o fuso rodando no chão. Já o bilro é de espinho de mandacaru, que tem na ponta uma semente de macaúba. Dona Antonia Toilza (foto) faz parte de uma iniciativa que resgata e preserva o artesanato original da cidade, batizado de “Projeto Bilro”. Ela conta que retomou os trabalhos manuais há seis anos, com um curso da Ceart (Centro de Artesanato do Ceará). Hoje, faz crochê e bordado cheio, além da renda de bilro. Trabalha com outras cinco artesãs em redes, caminhos de mesa, bolsas , toalhas de bandeja e manta. O projeto está ajudando a formar uma nova geração de rendeiras. Os quatro filhos de dona Antonia, a exemplo de outras famílias das rendeiras, também sabem o ofício.
Mais adiante, vamos encontrar outra tipologia ca-
racterística de Santana do Cariri: o trabalho com pedra. Santeiro e também escultor, Francisco Evilázio usa a pedra Cariri, o gesso e o calcário laminado, abundantes na região. Como a retirada e venda de fósseis estão proibidos, o artista imita à perfeição esqueletos de peixes, calangos e libélulas, como se estivessem fossilizados. “É uma forma de preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, garantir para os turistas uma lembrança da cidade”, explica.
Fama e autenticidade
Nova Olinda da Casa Grande e do “Seu Espedito Seleiro” Com 13 mil habitantes e 54 anos
de história, o município de Nova Olinda deu novo impulso ao turismo quando inaugurou a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri. Hoje, segundo Francisco Alemberg de Souza Lima, coordenador do projeto Promoção do Turismo Social e Cultural de Base Comunitária no Sertão do Cariri, apoiado pelo Ministério do Turismo, a cidade recebe uma média de 33 mil visitantes por ano. No entorno do projeto, surgiram então, pousadas domiciliares, oficinas caseiras de artesanatos, lojas de souvenirs e restaurantes de comidas típicas. Com o dinheiro gerado pelo fluxo turístico foi criado um fundo de educação que tem dado aos jovens a possibilidade de acesso à formação universitária. Hoje, a pequena Nova Olinda é um dos 65 destinos indu-
tores do Desenvolvimento Turístico Regional priorizados pelo Ministério do Turismo. A cidade é berço de Espedito Veloso de Carvalho, o “Seu Espedito Seleiro” (foto), um dos artesãos em couro mais conhecidos do Ceará. O apelido ganhou graças à habilidade para fazer selas de vaqueiro. Filho e neto de artesãos, ele conta que começou cedo no ofício. Tratou de passar aos filhos, que hoje também trabalham com couro. Sentado na velha máquina de costura, Espedito Seleiro diz que acha inspiração
em tudo o que vê. De todas as peças, a que lhe dá mais satisfação é a sela. “Faço roupa de vaqueiro, também, bolsa, sandálias, mas é na sela onde eu exercito tudo o que aprendi”. E o que ele aprendeu não é pouca coisa, não. Na oficina, instalada no Centro de Nova Olinda, as paredes estão cobertas de artesanato e de homenagens a quem ganhou fama em todo o Nordeste sem nunca ter saído da sua cidade. Na entrada de Nova Olinda, mora outro artesão em outra realidade. Menos conhecido, mas também popular. É Seu José Felipe Ferreira, que tira o seu sustento do trabalho em pedra. São pequenos souvenirs, simples e rústicos, além de esculturas de peixes que fazem a alegria de quem passa em busca de lembranças dessa parte do Cariri. Artesãos como Seu José Ferreira ou como Dona Bernadete Santana, que vamos encontrar vendendo abanos de palha de coqueiro na beira da estrada, próximos ao Sítio Serra do Zabelê, são autênticos representantes do artesanato caririense. Gente anônima que, com a vocação à flor da pele, vive de uma produção nem sempre reconhecida ou bem remunerada, mas que dá o tom dos saberes e fazeres populares que fazem do Cariri cearense o celeiro de vocações mais rico do Ceará.