Procuradoria Geral Eleitoral

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Processo Judicial Eletrônico

PJe - Processo Judicial Eletrônico

Número: 0600935-77.2020.6.06.0013

Classe: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL

Órgão julgador colegiado: Colegiado do Tribunal Superior Eleitoral

Órgão julgador: Ministra Cármen Lúcia

Última distribuição : 08/12/2022

Valor da causa: R$ 0,00

Assuntos: Conduta Vedada ao Agente Público, Cargo - Prefeito, Cargo - Vice-Prefeito, Abuso - De Poder Político/Autoridade, Ação de Investigação Judicial Eleitoral Segredo de Justiça? NÃO

Justiça gratuita? NÃO

Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM

Partes Advogados

FRANKLIN BEZERRA DA COSTA (RECORRENTE)

RAFAEL FERNANDES DA COSTA (ADVOGADO)

ELILUCIO TEIXEIRA FELIX (ADVOGADO)

RAMON ALCANTARA GOMES DE ANDRADE COSTA (ADVOGADO)

JOSE CLAUDIO BENEVIDES VIEIRA JUNIOR (ADVOGADO)

CASSIO FELIPE GOES PACHECO (ADVOGADO)

LEONARDO ROBERTO OLIVEIRA DE VASCONCELOS (ADVOGADO)

RAUL LUSTOSA BITTENCOURT DE ARAUJO (ADVOGADO)

EDNALDO DE LAVOR COURAS (RECORRENTE)

RAFAEL FERNANDES DA COSTA (ADVOGADO)

ELILUCIO TEIXEIRA FELIX (ADVOGADO)

RAMON ALCANTARA GOMES DE ANDRADE COSTA (ADVOGADO)

JOSE CLAUDIO BENEVIDES VIEIRA JUNIOR (ADVOGADO)

CASSIO FELIPE GOES PACHECO (ADVOGADO)

LEONARDO ROBERTO OLIVEIRA DE VASCONCELOS (ADVOGADO)

RAUL LUSTOSA BITTENCOURT DE ARAUJO (ADVOGADO)

COLIGAÇÃO IGUATU FELIZ DE NOVO (RECORRIDA)

MOELBA COSTA PIRES (ADVOGADO)

RONNEY CHAVES PESSOA registrado(a) civilmente como

RONNEY CHAVES PESSOA (ADVOGADO)

PEDRO TEIXEIRA CAVALCANTE NETO (ADVOGADO)

Ministério Público Eleitoral (RECORRIDO)

Procurador Geral Eleitoral (FISCAL DA LEI)

Outros participantes

13/03/2023
Documentos Id. Data da Assinatura Documento Tipo 158786159 13/03/2023 19:15 Parecer da Procuradoria Parecer da Procuradoria

MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL PROCURADORIA-GERAL ELEITORAL

Nº631/2023-PGGB/PGE

REspElnº0600935-77.2020.6.06.0013–IGUATU/CE

Relator(a) :MinistraCármenLúcia

Recorrente(s)

Advogado(a/s)

:EdnaldodeLavorCouras

:FranklinBezerrada Costa

:RaulLustosaBittencourtdeAraújoeoutros(a/s)

Recorrido :ColigaçãoIguatuFelizdeNovo

Advogado(a/s)

:PedroTeixeiraCavalcanteNetoeoutros(a/s)

Recorrido :MinistérioPúblicoEleitoral

Eleições 2020. Prefeito e Vice-Prefeito. Recurso especial. Ação de investigação judicial eleitoral. Abusode poder político. Conduta vedada.

Sentença comum para quatro ações de investigação judicial eleitoral (uma pelo Ministério Público Eleitoral e três pela Coligação Iguatu Feliz de Novo).

Condenação por um dos fatos narrados nas iniciais tanto do Ministério Público quanto da coligação, relativo a conduta vedada, com inflição de pena de multa.

Recurso ao TRE deduzido apenas pela coligação investigante contra o juízo formado em primeira instância de recusa de ilicitude relacionada com abuso de poder. Matéria que havia sido ventilada tãosomente na inicial do MPE. Rejeição pelo TRE de argumento desenvolvido nas contrarrazões sobre falta de legitimidade para recorrer. Procedência do recurso especial, que torna a sustentar a mesma tese da ilegitimidade e de decadência. Em consequência, a

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RLZ/B.01.3

condenação por abuso de poder político com pena de cassação e de inelegibilidade merece ser suprimida. Hipótese de conduta vedada caracterizada. Fixação de multa elevada sem motivação que lhe revele a proporcionalidade. Recurso que merece ser provido para a reduçãoda multa.

O Ministério Público Eleitoral1 e a Coligação Iguaçu Feliz de Novo2 ajuizaram ações de investigação judicial contra Ednaldo de Lavor Couras e Franklin Bezerra da Costa, candidatos eleitos Prefeito e Vice-Prefeito de Iguatu-CE nas últimas eleições municipais.

1 O Ministério Público ajuizou a AIJE n. 0600935-77.2020.6.06.0013, narrando onze fatos ilícitos: 1) manutenção de outdoors, em diversos pontos da cidade, contendo propaganda institucional visando promoção pessoal (condutaµ vedada do art. 73, VI, “b” da Lei n. 9.504/97; 2) realização de propaganda antecipada, com pedido explícito de votos, em 20.7.2020; 3) promoção de eventos causadores de aglomeração, infringindo às normas sanitárias em razão da pandemia da Covid19; 4) tentativa de realização de showmício intitulado “Matuto Folia” em 08.10.2020; 5) aumento excessivo do número de servidores temporários, bolsistas e cargos comissionados na Prefeitura; 6) irregularidades em licitações para realização de obras de recuperação asfáltica em período eleitoral; 7) distribuição de combustível por parte dos investigados; 8) perseguição política de pessoas que trabalhavam na Prefeitura com exoneração ou destituição da função de confiança que ocupavam em razão de não apoiarem Ednaldo Lavor; 9) compra de apoio político de Vandeilton Sucupira Francelino; 10) desvio de finalidade com promoção pessoal do então Prefeito em publicações de ações da Prefeitura no facebook, instagram e sites oficiais, entre 1º.1.2020 e 31.5.20202 (conduta vedada do art. 73, inciso IV e art. 74 da Lei n. 9.504/97); 11) utilização da máquina pública em benefício pessoal mediante o uso das cores, imagens e símbolos utilizados na campanha de 2016.

2 A Coligação Iguatu Feliz de Novo ajuizou as seguintes ações: i) AIJE n. 060105268.2020.6.06.0013, tendo por causa de pedir o "significativo aumento do número de servidores temporários, bolsistas e cargos comissionados"; ii) AIJE n. 060054510.2020.6.06.0013, cuja causa de pedir é "realização de obras de recuperação asfáltica com licitações eivadas de irregularidades em período eleitoral visando benefícios políticos"; iii) AIJE n. 0600510-50.2020.6.06.0013, com causa de pedir irregularidades do contato com o Instituto Gestão e Cidadania (IGC).

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O Juiz de primeiro grau entendeu que a ação proposta pelo Ministério Público era mais abrangente, englobando as causas de pedir de todas as ações ajuizadas pela coligação investigante. Determinou, por isso, a instrução e o julgamento conjuntos.

A sentença julgou parcialmente procedentes a ação ajuizada pelo Ministério Público3 (ajuizada pelo Ministério Público) e uma das ajuizadas pela Coligação Iguatu Feliz De Novo4. Reconheceu ter havido a prática de conduta vedada denunciada nas duas demandas. Condenou os investigados à multa de R$ 200.000,00.

O Ministério Público não deduziu nenhum recurso. A Coligação Iguatu Feliz de Novo recorreu dos pontos em que não viu as denúncias que formulou nas iniciais das suas ações. Além disso, também recorreu do não acolhimento pelo Juiz Eleitoral da acusação de desvio de finalidade em publicações em site oficial e em redes sociais. Essas acusações não haviam sido formuladas pela coligação, tendo sido objeto tão-somente da inicial do Ministério Público. A defesa, em contrarrazões, nesse ponto, suscitou preliminar de ilegitimidade para recorrer, porque a situação escapara da denúncia do recorrente.

3AIJE n. 0600935-77.2020.6.06.0013

4AIJE n. 0601052-68.2020.6.06.0013

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O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará5, rejeitou a preliminar de ilegitimidade da coligação investigante para recorrer 6. A maioria formada entendeu que, por força do art. 96-B da Lei n. 9.504/1997, em caso de reunião de ações, as partes se tornam litisconsortes. Daí que, no caso, seria dado à coligação suscitar fatos configuradores de abuso de poder, ainda que narrados exclusivamente na ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo Ministério Público. Disse que, segundo o art. 1.013 do Código de Processo Civil, a apelação devolve ao Tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo. Não viu cerceamento de defesa, nem violação do contraditório, nem julgamento extra ou ultra petita.

Quanto aos temas de fundo, o acórdão não viu positivadas as diversas ilicitudes denunciadas pelos autores, exceto no ponto em que

5 Lê-se no dispositivo do acórdão: “Inicialmente, apreciando preliminares de ilegitimidade ativa e de inovação recursal, a Corte, por maioria, rejeita as prefaciais. Vencido o juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, que, divergindo parcialmente do relator, votou em acolher e reconhecer a ilegitimidade recursal da Coligação Iguatu Feliz de Novo, em relação aos fatos narrados exclusivamente nos autos n.º 0600935-77.2020.6.06.0013, mantendo a análise dos recursos apresentados nos feitos n°s 0601052-68.2020.6.06.0013 e 060054510.2020.6.06.0013, e, ainda, parcialmente, o recurso interposto nos autos n° 060093577.2020.6.06.0013, mas limitados aos fatos em comum. Acompanharam a divergência os juízes David Sombra Peixoto e George Marmelstein Lima. Proferiu voto de desempate o desembargador Inacio de Alencar Cortez Neto, Presidente, acompanhando o Relator quanto ao voto das preliminares”.

6 A tese de inovação recursal é porque, no seu recurso eleitoral, a coligação investigante suscitou fato alegado apenas inicial da ação proposta pelo Ministério Público Eleitoral na AIJE n. 0600935-77.2020.6.06.0013, qual seja, o desvio de finalidade com promoção pessoal em publicações de ações da Prefeitura no facebook, instagram e site oficiais, realizadas entre 01/01/2020 a 31/05/2020, tendo, inclusive, interposto recurso naqueles autos.

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criticaram um aumento de servidores temporários e de bolsistas no período vedado sem demonstração da essencialidade desses serviços 7 Deu por configurada, por isso, a conduta vedada do art. 73, V, da Lei n. 9.504/1997, reduzindo a multa, no entanto, de R$ 200.000,00 para R$ 50.000,00.

Depois de vencida a preliminar da defesa, o TRE enfrentou o mérito do tema que apenas apareceu na inicial do Ministério Público Eleitoral, não tendo sido até ali, aludido pela coligação recorrente. O Ministério Público alegara na inicial desvio de finalidade em ações em redes sociais e no site da prefeitura, traduzido em promoção pessoal do candidato à reeleição, no período compreendido entre 1º.1.2020 e 31.5.2020. O Tribunal estimou configurado o abuso de poder político, do que resultou a cassação dos investigados e a inelegibilidade Prefeito. Determinou, afinal, a realização de novas eleições.

O recurso especial dos investigados alega dissídio jurisprudencial e contrariedade aos arts. 73, V e §12; 74 e 96-B da Lei n. 9.504/1997; 37, § 1º, da Constituição; e 22, XVI, da LC n. 64/1990.

Arguem que, ao julgar os embargos de declaração, com a mudança de voto da Juíza Kamile Castro, a Corte formou maioria para reconhecer a tese de ilegitimidade recursal da coligação investigante,

7Afirmou que, em julho de 2020, a Prefeitura contava com 804 servidores temporários e 4 bolsistas, passando para 872 servidores temporários e 144 bolsistas no mês de agosto, período em que o art. 73, inciso V, da Lei n. 9.504/1997, vedava contratações.

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tendo em vista que, no primeiro acórdão, outros três membros já haviam aderido à tese.

Anotam que, ao recusar a ilegitimidade recursal arguida, o TRE ampliou desarrazoadamente o sentido da norma que dispõe sobre julgamento comum por força da conexão, ensejando burla ao prazo decadencial das ações. Reputam equivocada a conclusão da Corte Regional sobre o art. 96-B da Lei n. 9.504/1997, por não distinguir quanto ao seu âmbito de incidência hipóteses em que as causas de pedir das ações reunidas não se identificam totalmente.

Criticam a interpretação que prevaleceu do art. 1.013 do Código de Processo Civil. Ressaltam que a sentença analisou isoladamente cada causa de pedir das demandas. Acrescentam que o tema da configuração do abuso de poder foi examinado tendo em vista fato específico; desse modo, a conclusão do juízo sobre a correspondência, ou não, de cada fato à figura do abuso de poder constitui capítulo decisório autônomo, a desafiar impugnação específica. Pontuam que o art. 1.013 do CPC deve ser interpretado sob a ótica da Súmula n. 62/TSE, segundo a qual são os fatos narrados na inicial, e não o seu pedido, que definem a lide.

Os recorrentes extraem também do art. 96-B da Lei n. 9.504/1997 que a causa para o julgamento comum das ações há de ser a identidade de fatos alegados (causa de pedir remota) e que o dispositivo não autoriza ampliar a relação jurídica entre as partes

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demandantes como descrita em cada ação proposta. Retomam a conclusão dos votos vencidos sobre ser impossível reconhecer litisconsórcio ativo em relação a fatos abrangidos pela decadência.

Insistem também no bem fundado da tese de não haver efeito devolutivo para além dos capítulos decisórios efetivamente impugnados. Indicam a harmonia dos votos vencidos com a compreensão firmada pelo STF na ADI n. 5.507/DF, que cobraria a identidade entre as causas de pedir como pressuposto para o exame do magistrado sobre a conveniência da reunião dos processos. Arguem que o litisconsórcio imposto pela reunião de ações sem a completa identidade das causas de pedir infringe a regra da decadência para a propositura de ações de investigação judicial eleitoral.

Insistem, em suma, em que faltava à coligação investigante legitimidade para recorrer da deliberação da primeira instância sobre desvio de finalidade na publicidade institucional, que originou a condenação por abuso de poder no TRE. Dizem que o autor de uma ação limitada a certa causa de pedir não há de se tornar parte legítima para atuar em outras questões fático-jurídicas autônomas, ignoradas por ele até o escoamento do prazo decadencial.

Cogitam dissídio jurisprudencial com decisão do TSE (AIJE n. 0601782-57) e STF (ADI n. 5.507/DF).

Adentram também o mérito da condenação por do abuso de poder de autoridade, falando em falta de provas, de tipicidade da 7/18

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conduta e de gravidade dos fatos. Realçam que foram eleitos com 54,25% dos votos válidos contra 43,12% da coligação investigante.

Quanto à conduta vedada que o acórdão subsumiu ao art. 73, V, da Lei n. 9.504/1997, garantem que não houve aumento de contratos temporários após 15 de agosto de 2020, à exceção de três bolsistas admitidos entre agosto e setembro. Afirmam que bolsistas não são servidores públicos e que não haveria evidência de que desempenhassem funções típicas de servidor público. Falam na pandemia para justificar as bolsas concedidas pela Secretaria Municipal de Educação. Postulam, subsidiariamente, que seja reduzido o valor da multa para o mínimo legal.

O Ministro Presidente Alexandre de Moraes, nos autos do pedido de Tutela Cautelar Antecedente n. 0602029-96.2022.6.00.0000, deferiu, em 27.12.2022, liminar para suspender a realização de novas eleições em Iguatu/CE até o julgamento deste recurso especial.

- II -

O recurso especial dos investigados sustenta que, no acórdão proferido em embargos de declaração, a Juíza Kamile Moreira Castro mudou o seu entendimento sobre a questão da legitimidade da Coligação para recorrer da sentença no ponto que somente a petição inicial do Ministério Público Eleitoral havia suscitado. A magistrada,

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no seu voto nos embargos de declaração, endossou a arguição de ilegitimidade para recorrer. O recurso especial entende que, com o voto da Juíza nos embargos, a tese da ilegitimidade, que havia sido rejeitada por 4 votos a 3 no julgamento anterior, tornou-se vitoriosa, pelo mesmo placar.

Ocorre que o tópico da reversão do resultado final está sendo suscitado originalmente na instância especial até por isso mesmo não cumpre o requisito do prequestionamento. Como o problema surgiu no julgamento dos embargos de declaração, caberia à parte provocar a Corte cearense novamente, por meio do mesmo recurso, para analisar a questão. Não o tendo feito, não cabe suscitar o tema pela primeira vez na petição do recurso especial.

De toda forma, o que integra o acórdão embargado não é o voto isolado de um dos julgadores, mas a deliberação final do colegiado. Por maioria, os embargos foram rejeitados, ao argumento da falta de pressuposto que o justificasse. O acórdão no recurso ordinário, portanto, não foi alterado pelo acórdão nos embargos de declaração.

Daí decorre que, mesmo com a mudança individual de posição de uma das julgadoras do colegiado, o primeiro acórdão persiste intacto, como foi prolatado. Continua firme a decisão que rejeitou o argumento da ilegitimidade para recorrer da Coligação Iguatu Feliz de Novo.

O recurso especial, porém, reúne pressuposto para provocar

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o debate, nesta instância, da tese da ilegitimidade para recorrer da Coligação no ponto que levou o TRE a tornar a sentença mais gravosa.

É certo que o magistrado de primeiro grau achou por bem processar e julgar em conjunto todas as ações que apontavam comportamento ilícito dos integrantes da coligação que elegeu o prefeito e o vice-prefeito de Iguatu. É certo, também, que algumas das faltas examinadas pela sentença haviam sido descritas e arguidas tãosomente na ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral. Lê-se na sentença a lista integral dos fatos imputados aos investigados, com a indicação, em cada um dos itens, de qual autor o havia suscitado na respectiva inicial.

É induvidoso que o recurso para o TRE interposto pela Coligação Iguatu Feliz de Novo atacou a não acolhida de duas faltas a que apenas o Ministério Público Eleitoral havia se detido na sua peça inicial. A coligação, portanto, se bateu contra deliberação da sentença sobre fatos que não havia suscitado na sua representação.

Prevaleceu no TRE a percepção de que, isso não obstante, a reunião de processos sob o pálio do art. 96-B da Lei das Eleições daria franquia para que qualquer dos autores interpusesse recurso contra a sentença, mesmo que o assunto do recurso não houvesse sido por ele abordado na sua petição inicial. O litisconsórcio estabelecido o legitimaria, bem como a devolução de todas as questões abordadas para o tribunal de segunda instância o admitiria.

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Assim, embora a sentença haja condenado os investigados apenas a multa por conduta vedada, o TRE aplicou pena de cassação de mandato e de inelegibilidade, reconhecendo, a partir do recurso da Coligação Iguatu Feliz de Novo, ilícitos sobre os quais apenas o Ministério Público Eleitoral se detivera.

O art. 96-B da Lei n. 9.504/97 fala em reunião de processos que versam o mesmo fato. Estabelece que, nesse caso, haverá litisconsórcio entre os autores diversos. Na espécie, alguns fatos foram efetivamente suscitados como causa de punição dos atuais recorrentes tanto pela coligação como pelo Ministério Público Eleitoral. A controvérsia, porém, pede que se esclareça se um dos autores pode recorrer de decisão que disse respeito a causa de pedir que não foi por ele descrita na sua petição inicial.

Pode-se recolher da ADI 557, julgada em 5.9.2022, achega de interesse para a causa. A reunião de processos por força do art. 96-B, § 2º, da Lei n. 9.504/97 foi ali vista como geradora de litisconsórcio entre as partes. Daí constar da ementa do julgado que, “na hipótese de ajuizamento de ações por autores distintos, há que se determinar, sempre que possível, a reunião dos processos, o que equivaleria a um litisconsórcio ativo facultativo de uma única demanda”. O acórdão especificou que esse litisconsórcio depende de apreciação de conveniência da Justiça, tendo em vista parâmetros de celeridade e de devido processo legal. Esse litisconsórcio foi, como visto, classificado como facultativo.

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Esse litisconsórcio, no caso dos autos, além de facultativo, há de ser simples, e não unitário, justamente pela circunstância de ser possível que o resultado buscado na ação de cada autor varie em consequência da invocação de distintas causas de pedir remotas. Portanto, haverá ações distintas nos pontos em que as causas de pedir não guardam identidade entre si. A sentença pode ser única, terá, sem dúvida que apreciar a lide de modo comum para os autores quando forem coincidentes as causas de pedir que descreverem. Por outro lado, deverá abordar em capítulos distintos as causas de pedir que constarem apenas de uma das petições.

Se “a unitariedade do litisconsórcio é uma consequência da natureza da relação jurídica substancial deduzida” 8, levando-se a juízo fatos diferentes, ainda que para se obter um mesmo resultado, o litisconsórcio será simples, como acontece na espécie.

Se as causas de pedir são diversas, a decisão de mérito pode ser diferente para cada uma das ações reunidas; efetivamente, em casos assim, é possível que um autor não logre obter o que pediu porque a sua causa de pedir não justificava o pedido formulado. A possibilidade de decisões diferentes é suficiente para que se qualifique como simples o litisconsórcio. O que há nesse caso é a formação de litisconsórcio pela afinidade de várias das questões jurídicas, apontando para a conveniência instrutória da unificação dos feitos. A sentença de mérito

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8 Fredie Didier Júnior. “Litisconsórcio unitário e litisconsórcio necessário”. https://esmec.tjce.jus.br/wp-content/uploads/2015/12/Litisconsórciotexto1.pdf, acessado na data deste parecer.

que resolve as diferentes situações que animam cada ação será julgada formalmente por uma só sentença, que haverá de conter capítulos específicos, em que delibera sobre as situações referidas por uma das ações apenas, bem como conterá outros capítulos em que resolve as situações que motivaram a demanda por ambas as partes do polo ativo da relação processual. Se assim é, não haverá, com relação a situações que apenas uma das ações reunidas tratou, uma decisão comum para todos os litisconsortes.

Essa precisa realidade foi perspicazmente compreendida pelo voto vencido, que assinalou:

Após a análise individual dos fatos/temas, o magistrado sentenciante proferiu decisão final, ficando o dispositivo nos seguintes termos, onde se destaca ojulgamento de cada um dos processos reunidos(...)

O voto também esclareceu:

(...) Houve uma reunião de processos para julgamento conjunto, o que não importa necessariamente em julgamento comum ou único. Uma coisa é o julgamento conjunto e outra é o julgamento único/comum. Importante, desse modo, para esclarecer tal tópico, analisar os conceitos de efeito devolutivo e de capítulos da sentença.

De fato, se assim é, não cabe a uma das partes recorrer do capítulo da sentença que dispôs sobre situação que outra parte suscitou 13/18

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sozinha, não viu o seu pleito atendido e optou por não recorrer. Não cabe à coligação assumir o processo que teve resultado com o qual o Ministério Público, na sua demanda, concordou. Não há previsão legal de a coligação assumir ação que o Ministério Público tenha deixado de levar adiante, preferindo não recorrer da decisão desfavorável. De outra forma, como o recurso especial argumenta, estaria também sendo contornado o prazo de decadência que a Coligação dispunha para propor ação em torno do problema.

Isso o que parece haver antevisto o eminente Ministro Alexandre de Moraes, ao resolver a Tutela Cautelar Antecedente n. 0602029-96, dizendo:

A ação ajuizada pelo MPE detinha causa de pedir mais abrangente em relação às outras duas. Em outras palavras, além dos fatos descritos pela Coligação Recorrente, a ação movida pelo MPE acrescentava outros, todos no sentido da caracterização de abuso do poder político, econômico e de autoridade. Julgadas improcedentes em primeira instância, o TRE, em recurso eleitoral apenas manuseado pela Coligação, deu provimento ao recurso para cassar o diploma dos requerentes. No entanto, o fez adotando como fundamento fato apenas invocado naaçãoajuizadapeloMPE,queseconformoucom oresultadodadoem primeirainstância.

Resta, assim, saber se remanesce a legitimidade para a Coligação recorrer, haja vista que, na ação por ela promovida não houve descrição deste fato comocausadepedir.

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A conexão e a continência, como fatores modificativos de competência, permitem como regra a reunião dos processos para julgamento simultâneo, evitando futuras decisões conflitantes. No entanto, as ações conexas não são fundidas, sendo que os autores se tornam litisconsortes (art 96-B, § 2º, da Lei 9504/97) quando os fatos de cada uma das ações são comuns, o que não aconteceu nocaso.

Desse modo, há dúvida razoável nas alegações dos autores, pois se a ação da Coligação tivesse sido julgada isoladamente, o resultado, também perante o TRE, importaria na improcedência, com a procedência, apenas, da ação julgada pelo MPE. Daí porque atendido o requisito da plausibilidade dodireito.

Assentada a ilegitimidade da coligação para recorrer ao TRE no caso, fica prejudicada a questão da extensão do efeito devolutivo do recurso eleitoral. Mesmo que assim não fosse, porém, não haveria como deixar de concordar com esta argumentação de um dos votos

vencidos:

Nãoé possível ampliar o capítulo da sentença, referente aos processos nº 060105268.2020.6.06.0013 e nº 0600545-10.2020.6.06.0013, para abarcar aqueles contidos no processo nº 0600935-77.2020.6.06.0013. A profundidade permite apenas buscar entre os fatos tidos como ilícitos, mas narrados pela parte recorrente, aqueles que possam importar no reconhecimento doargumentodaocorrência doabusoalegado.

A verticalidade do efeito devolutivo permite a análise dos fundamentos da exordial, mesmo

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quando não presentes na peça recursal, desde que relativos ao mesmo capítulo. Ocorre que os limites da lide são os impostos com a formação da relação processual, pelo princípio da congruência ou adstrição,previstonoart.492doCPC.

A profundidade não pode permitir que se recorra a fatos não narrados pela coligação recorrente, o que se admitiria se houvesse litisconsórcio, o que não ocorreu no caso, pois cuidou apenas da reunião de ações para instrução e julgamento em conjunto.

Concluo, nesse diapasão, ser possível que se reconheça que as condutas relativas ao aumento no número de cargos comissionados ou pelas irregularidades em licitações sejam reconhecidas como abuso do poder, mas não podemos analisar as condutas (os fatos) narrados no processo que a parte recorrente não foi autora e não participou. (grifosacrescidos)

O recurso merece provimento para livrar os recorrentes da condenação imposta no TRE a partir de recurso da Coligação Iguatu Feliz de Novo sobre situação por ela não indicada na inicial.

O TRE concordou com a primeira instância, quando condenou os investigados por prática de conduta vedada, ensejando pena pecuniária. O acórdão, aqui, está em sintonia com a jurisprudência do TSE, firme em considerar que o ilícito tem caráter objetivo, bastando a ocorrência do fato para que a consequência prevista na lei se justifique. Assim, no recente Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº 060079972, reiterou-se o que o

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Tribunal Superior também dissera em 2021: Conforme a jurisprudência do TSE: "Os efeitos decorrentes do cometimento da conduta vedada são automáticos, ante o caráter objetivo do ilícito, o qual prescinde da análise de pormenores circunstanciais que eventualmente possam estar atrelados à prática, tais como potencialidade lesiva e finalidade eleitoral (AgR–REspEl nº 0600306–28/RN, rel. Min. Edson Fachin, julgadoem 12.8.2021,DJede18.8.2021). Esse pressuposto para a caracterização da conduta vedada foi afirmado no voto vencedor do acórdão sob revisão, referindo-se a contratações no período vedado9

Para efeitos de atuação da instância especial, esses são os fatos a serem considerados. A maioria da Corte Regional reconheceu que houve a contratação de servidores e bolsistas não essenciais em período proibido pela legislação eleitoral. Nesse quadro, perfaz-se a

9 Diz o voto, que há de prevalecer sobre outros que hajam enxergado realidade diferente, restando, porém, vencidos (Cf. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 060001493 - LAURENTINO – SC - Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto – Publicação: DJE 18/03/2021).:

“É de se ter, mais, que os Investigados não comprovaram a essencialidade dos serviços, o que enquadraria as referidas contratações na ressalva prevista na alínea “d”, inciso V do art. 73 (…) Assim, comparando-se o quantitativo de servidores temporários de julho de 2020, ID 17949977 –AIJE nº 0601052-68.2020.6.06.0013, com o de agosto de 2020, ID 17950027 - AIJE nº 0601052-68.2020.6.06.0013, conclui-se que houve aumento de servidores temporários na Secretaria da educação, ciência e ensino superior, Secretaria de Governo, Secretaria de Agricultura e Pecuária, Secretaria de Trabalho, Habitação e Assistência, dentre outras, restando afastado o caráter de essencialidade de tais contratações. No que tange aos bolsistas, cabe ressaltar que a testemunha Danielle de Oliveira Sousa Araújo, que trabalhava na Secretaria de Educação à época dos fatos, afirmou em seu depoimento que estes haviam sido contratados em março de 2020, tendo seus contratos sido suspensos em razão da pandemia e suspensão das aulas, tanto no formato presencial, como no formato virtual. Afirmou, ainda, que, no período de março a julho de 2020, não houve aulas presenciais ou virtuais, sendo somente enviadas para os alunos as tarefas, via whatsapp, mediante programa educacional da época, com início das aulas em formato virtual somente em agosto de 2020, acarretando a necessidade de entrada em exercício dos referidos bolsistas. Contudo, não há nos autos comprovação de que mencionada contratação se deu em março de 2020, tendo, de qualquer forma, as despesas referentes a tais gastos sido incluídas somente em agosto de 2020, conforme se constata no portal da transparência do município”

Vale recorder que “sobre o quadro fático emoldurado, é importante observar que, nos termos do art. 941, § 3º, do Código de Processo Civil, o voto vencido será necessariamente considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive o de prequestionamento. Contudo, na instância especial, prevalece – se conflitante, implícita ou explicitamente, com a posição minoritária – a conclusão factual da maioria formada”.

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hipótese do art. 73, V, da Lei n. 9.504/1997.

É certo que essas contratações não se mostram de volume alarmante, como também analisou o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral. A Corte reduziu, afinal, em três quartos a pena imposta na sentença de R$ 200.000,00. Deu por impertinente o critério de reincidência adotado em primeiro grau.

Os recorrentes pedem que a pena seja fixada, porém, no mínimo legal. Neste ponto, é de se notar que o acórdão não explicitou a gravidade dos fatos, de modo a justificar a sanção mais gravosa. Efetivamente, o princípio da proporcionalidade recomenda que a punição rigorosa seja também ponderosa na motivação. A queixa dos recorrentes, portanto, procede, sendo de se limitar a sanção pecuniária ao piso estabelecido em lei. *

O parecer, enfim, é pelo parcial provimento do recurso especial. Propõe que se reconheça a ilegitimidade da Coligação para versar no seu recurso a situação narrada na AIJE n.0600935-77, com o que se exclui da condenação a cassação e a inelegibilidade. Propõe, no que tange à pena por conduta vedada que se reduza a sanção ao mínimo legal.

Brasília, 13 de março de 2023

Paulo Gustavo Gonet Branco

Vice-Procurador-Geral Eleitoral

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