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COLENDA QUINTA TURMA DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSO ESPECIAL N. 1.789.343-CE (2018/0345350-1) RECORRENTE: Maria das Graças Cordeiro de Paiva RECORRIDO: Ministério Público do Estado do Ceará RELATOR: Ministro Jorge Mussi
PA R E C E R PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93. ART. 2º, II, DA LEI Nº 8.137/90. ARTS. 359-C E 359-D DO CP. NULIDADES. AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE DENÚNCIA E SENTENÇA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. ABSOLVIÇÃO. DIMINUIÇÃO DA PENA-BASE. DIMINUIÇÃO DO PATAMAR DA CONTINUIDADE DELITIVA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7STJ. NULIDADE DA SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTERPOSTOS PELO MP. PRAZO RECURSAL. TERMO A QUO. RECEBIMENTO DOS AUTOS NO ÓRGÃO. PRECEDENTE VINCULANTE STJ. EMBARGOS TEMPESTIVOS. PARECER PELO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO E, NO MÉRITO, PELO SEU DESPROVIMENTO.
I – RELATÓRIO Trata-se de recurso especial interposto por Maria das Graças Cordeiro de Paiva com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão da 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará, que, nos autos da apelação criminal nº 0004674-13.2012.8.06.0178 deu provimento parcial ao recurso da ré, apenas para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em relação aos delitos do artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90 e artigo 359-D do Código Penal, mantendo, no mais, a sua condenação a um total de 14 anos e 4 meses de reclusão, bem como pagamento de 600 dias-multa(e-fls. 445-511). O acórdão recorrido foi assim ementado (e-fls. 439-442):
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EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 359-D, DO CÓDIGO PENAL (DUAS VEZES EM CONCURSO MATERIAL). ART. 89, DA LEI N° 8.666/93 (QUARENTA E CINCO VEZES EM CONTINUAÇÃO). ART. 359-C, DO CÓDIGO PENAL. ART. 2°, INC. II, DA LEI 8.137/90. PRELIMINAR DE NULIDADES PROCESSUAIS. REJEIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. FARTO MATERIAL PROBATÓRIO. PLEITO ABSOLUTÓRIO NEGADO. DOSIMETRIA REALIZADA NA FORMA LEGAL. ELEMENTOS CONCRETOS DO PROCESSO. CONTINUIDADE DELITIVA. TABELA JURISPRUDENCIAL. MANUTENÇÃO DA FRAÇÃO. REGIME INICIAL MANTIDO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RECONHECIDA EM RELAÇÃO AO DELITO DO ART. 2°, INC. H, DA LEI N.° 8.137/90, E DO ART. 359-D, DO CP, REFERENTE AO EXERCÍCIO DO ANO DE 2001. PUNIBILIDADE EXTINTA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A acusada foi condenada à pena total de 19 (dezenove) anos e 01 (hum) mês de reclusão, em regime inicial fechado, e 950 (novecentos e cinquenta) dias -multa, pela prática dos crimes previstos no art. 359-D, do Código Penal (duas vezes em concurso material); no art. 89, da Lei n° 8.666/93 (quarenta e cinco vezes em continuação); no art. 359-C, do Código Penal, e art. 2°, inc. II, da lei 8.137/90, todos em concurso material na forma do art. 69 do Código Penal. 2. Preliminarmente, argui a zelosa defesa a nulidade do feito, aos argumentos: 1) pelo fato da sentença ter sido integrada por decisão que concedeu provimento a recurso supostamente intempestivo; 2) de cerceamento de defesa da ré pela reunião dos processos; 3) de ausência de correlação entre a denúncia e a sentença; e 4) de carência de fundamentação do decisum guerreado. 3. A priori, explicite-se que a teoria das nulidades no processo penal é fundamentada, essencialmente, pelo princípio do prejuízo, ou seja, segundo dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". É o consagrado princípio geral do direito francês pás des nullité sans grief 4. Quanto à alegada nulidade da Sentença integrada por decisão de embargos declaratórios ministeriais, face à suposta intempestividade recursal, destaque-se ser cediço que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que a fluência do prazo recursal para o Ministério Público, este claramente beneficiado com intimação pessoal, tem início com a remessa dos autos com vista ou com a entrada destes na instituição, e não com aposição de ciência pelo seu representante (AgRg no REsp 1.298.945/MA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 15/2/2013). No entanto, muito embora a data da ciência não seja o ato adotado pela hodierna jurisprudência para certificar a efetiva intimação de membro ministerial, por outro lado, a falta de um documento apto a atestar a remessa, ou o recebimento dos autos na instituição, gera incerteza quanto ao momento exato em que o Ministério Público tomou conhecimento da decisão impugnada. Desta forma, instaurada a dúvida acerca do dies a quo, a data do recebimento do feito pelo Parques local deve balizar o início da contagem do prazo de interposição do recurso de embargos de declaração, por ser a mais favorável àquele que interpõe o recurso. Precedentes do STJ. Preliminar rejeitada. 5. Em relação ao cerceamento de defesa ocasionado pela reunião das treze ações penais ajuizadas em face da recorrente, convém destacar que, por ocasião do agrupamento das ações, ocorrida por determinação do douto magistrado a quo durante audiência realizada nos autos do processo n.° 0003750-70.2010.8.06.0178, em data de 09/10/2013, reconheceu-se a continência e a conexão instrumental (probatória) dos feitos. Esclareça-se, ainda, que não houve qualquer insurgência
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acerca da questão, nem mesmo posteriormente, em sede de alegações finais, momento oportuno para se ventilar a matéria, encontrando-se, pois, convalidada a situação pelo instituto da preclusão temporal, nos termos do art. 571, inc. II, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ. Preliminar não acolhida. 6. No tocante à suposta violação ao princípio da correlação entre a denúncia e a sentença, no caso sub examine, as denúncias referentes aos processos n.°s 374985.2010.8.06.0178, 3750-70.2010.8.06.0178, 4271-78.2011.8.06.0178 e 964-58.2007.8.06.0178, descreveram, detalhadamente, a atuação criminosa da recorrente. No entanto, por ocasião do julgamento, o douto magistrado sentenciante entendeu por conceituar as condutas delituosas atribuídas à apelante como apropriação fiscal (art. 2°, inc. II, da Lei 8.137/90), e ordenação de despesa não autorizada (art. 359-D, do Código Penal). Neste ínterim, em sendo as condutas descritas pelo julgador idênticas às narradas nas denúncias que ensejaram a nova capitulação, não pairam dúvidas de que se trata de emendatio libelli, e não mutatio libelli, como faz parecer a recorrente, inexistindo na sentença qualquer vício apto a ensejar sua nulidade. Art. 383, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ. Preliminar também rejeitada. 7. Finalmente, quanto à arguida carência de fundamentação do decisum que justifique a condenação da apelante, observa-se, de antemão, que a defesa incorreu em patente equívoco ao pretender discutir, em sede de preliminar, matéria apontada como argumento chave para o pleito absolutório formulado nas razões da apelação, a qual deverá ser analisada no exame do meritum causae. No mais, sem adentrar, neste momento, no cerne da questão, acerca da existência ou não de material probatório, todas as acusações, sem exceção, foram descritas, uma a uma, classificadas e analisadas, utilizando-se o Juízo de primeira instância da prova oral colhida, bem como da prova documental, principalmente os laudos técnicos do TCM, para chegar às suas conclusões. O fato de discordar a recorrente dos argumentos utilizados e das provas consideradas não autorizam o reconhecimento de ausência de fundamentação na sentença, uma vez que observado, em sua integralidade, o art. 93, inc. IX da Constituição Federal. 8. No mérito, vê-se que a autoria e a materialidade dos crimes restaram sobejamente comprovadas pela produção probante levada a efeito durante a instrução processual. Esta se encontra plenamente caracterizada através dos processos administrativo -fiscais oriundos dos Processos de Prestação de Contas de Gestão e de Tomada de Contas Especial, todos catalogados nas quase oito mil páginas que compõem a presente demanda. 9. Nos termos do art. 2°, inc. II, da Lei 8.137/1990, comete crime contra a ordem tributária todo aquele que "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos". Tratando-se de crime formal contra a ordem tributária, não se submete aos ditames da Súmula Vinculante n° 24 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1°, incisos I a IV, da lei n° 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo". Logo, é desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário para o início da persecução penal, porquanto o crime se tipifica com a conduta omissiva. Ademais, é crime instantâneo, sendo suficiente para configurar o fato típico a simples constatação de não ter havido o repasse (pagamento) na época apropriada. 10. Prosseguindo, a análise da FARTA prova documental, consubstanciada em relatórios contábeis e ofícios ou decisões do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, demonstra à exaustão que a acusada, então Prefeita Municipal e, nessa condição, responsável pela gestão das contas públicas daquela localidade, determinou a assunção de obrigações acima da capacidade financeira e orçamentária do Município nos dois últimos quadrimestres de seu mandato, bem como ordenou despesa não
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autorizada por lei. Tais fatos implicam, inexoravelmente, em inobservância do disposto pelo art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e art. 62, da Lei Geral de Finanças Públicas, caracterizando, consequentemente, os delitos previstos no art. 359-C e art. 359-D, ambos do Código Penal. Após detalhada análise probatória, cuja autenticidade em nenhum momento foi objeto de questionamento por qualquer das partes e, principalmente, porque já submetida ao escrutínio técnico do Tribunal de Contas dos Municípios, é possível concluir, ao contrário do que sustenta a apelante, restarem comprovadas as condutas ilícitas. 11. Por fim, quanto à condenação referente ao art. 89, da Lei n.° 8.666/90, o Supremo Tribunal Federal, atualmente, entende que o precitado tipo penal exige, além do necessário dolo simples (vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação, bem como a comprovação de efetivo prejuízo ao erário. Este posicionamento foi confirmado quando o pleno do STF julgou o Inq. 2482/MG, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2011, DJe 17/02/2012. Aliás, a linha sufragada pelo STF, corrobora com a posição doutrinária de Marçal Justen Filho. 12. Frise, primeiramente, que a configuração de cada delito tipificado no art. 89, da Lei n.° 8.666/93, foi antecedida de minucioso procedimento de averiguação, iniciado através de inúmeros Processos de Prestação de Contas e Tomada de Contas Especial, todos apontados e colacionados aos autos, onde restou concedida à ora recorrente a oportunidade de defesa, mediante justificativa por escrito. Em análise de cada processo, isoladamente, verifica-se que a ex-gestora, na tentativa de eximir-se de suas responsabilidades, alegou a existência dos procedimentos licitatórios correspondentes e a desnecessidade de sua realização, em sua grande maioria. Em alguns casos específicos, chegou a colacionar, ainda em sede administrativa, documentação apta à comprovação do alegado, sanando as falhas junto ao Tribunal de Contas dos Municípios. No entanto, com relação às situações trazidas nos presentes fólios, nada foi apresentado, notadamente sob a justificativa de que não teria acesso aos documentos junto à atual administração municipal. levando em consideração as particularidades de cada situação. Depara-se, aqui, com uma gestão, de 04 (quatro) anos, que mediante inúmeros processos de inspeção do TCM (procedimento normal e necessário à salvaguarda dos princípios da Administração Pública), teve suas contas julgadas como irregulares por, notadamente, "dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade", em diversos setores, nada menos do que 45 (QUARENTA E CINCO) vezes, mesmo encontrando-se o Município de Uruburetama em alarmante dificuldade financeira, situação admitida pela acusada e ratificada mediante decreto de Estado de Calamidade Pública assinado pelo Prefeito que a sucedeu nos primeiros dias de sua gestão. Conclui-se, na realidade, que, com tais condutas, a acusada deu início a um processo gradual e contínuo de 'fabricação de emergência' para se comprar de modo direto e irregular vários tipos de insumos e contratar diversos serviços sem realizar prévia licitação. O elemento doloso configura-se pela repetição deliberada e consciente da conduta prejudicial aos certames e, portanto, ilícita. 14. Relativamente ao quantum da reprimenda aplicada, cumpre pontuar que "a dosimetria da pena configura matéria restrita ao âmbito de certa discricionariedade do magistrado e é regulada pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que, não evidenciada nenhuma discrepância ou arbitrariedade na exasperação efetivada na primeira fase da dosimetria, deve ser mantida inalterada a pena -base aplicada". (AgRg no HC 343.128/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016,
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DJe 31/05/2016). 15. Em reanálise, conclui-se que o MM Juiz que proferiu a sentença empregou de forma correta as disposições contidas no art. 68, do Código Penal Brasileiro, chegando, assim, as penas aplicadas. Na muito bem fundamentada sentença, a valoração negativa dos referidos vetores ocorreu com a constatação de elementos concretos que, apontando situações fáticas que revestem os crimes praticados de uma repulsa social que extrapola aquela ínsita ao tipo penal, notadamente a audácia e destemor na execução dos delitos ao longo do tempo, bem como pelas graves consequências deles decorrentes. Ademais, é possível que "o magistrado fixe a pena -base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto" (AgRg no Resp 143071/AM, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 6/5/2015). 16. Sobre a continuidade delitiva, "(..) segundo reiterado entendimento desta Corte, à míngua de circunstâncias desfavoráveis, o aumento pela continuidade delitiva deve se pautar unicamente pelo número de infrações. Assim, aplica-se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (..)". (STJ, HC n° 376882/SP, Rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, Julgado em: 06/12/2016). Com tal entendimento, reputa-se correto o posicionamento do douto magistrado quando de sua aplicação. Veja-se que, pela observância da tabela jurisprudencial, a fração de 2/3 (dois terços) encontra-se escorreita, considerando que quarenta e cinco foram os delitos praticados. 17. Por oportuno, impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, decorridos que estão: a) mais de 04 (quatro) anos ENTRE O COMETIMENTO DO CRIME DO ART. 2°, INC. II, DA LEI N.° 8.137/90 (EXERCÍCIO DE 2003), E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (22/02/2011), marco interruptivo do prazo prescricional; b) mais de 08 (oito) anos ENTRE O COMETIMENTO DO CRIME DO ART. 359-D, DO CP (EXERCÍCIO DE 2001), E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (27/03/2012), marco interruptivo do prazo prescricional; consoante o art. 107, inc. IV, c/c artigo 109, incisos IV e V, c/c artigo 110, § 1°, e artigo 117, inc. I, todos do Código Penal. 18. Considerando a manutenção das penas aplicadas pelo douto magistrado a quo e, procedendo-se a redução ensejada pelo reconhecimento da prescrição, nos moldes acima delineados, deverá a acusada cumprir a pena total e definitiva de 14 (quatorze) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, cumulado com o pagamento de 600 (seiscentos) dias -multa. 19. Mantenho o regime de cumprimento da pena, fixado em inicialmente fechado, com fulcro no art. 33, § 2°, 'a', do Código Penal. 20. Recurso conhecido e parcialmente provido.
O recorrente alega violação aos artigos 76, 80, 382, 383, 386, II e 798, todos do Código de Processo Penal, além dos artigos 29, 68 e 71, todos do Código Penal. Preliminarmente sustenta a nulidade do processo e função de: (I) ausência de defesa técnica; (II) cerceamento de defesa; (III) violação ao princípio da correlação entre denúncia e sentença; (IV) deficiência na fundamentação da sentença condenatória; (V) intempestividade dos embargos de declaração da acusação que integraram a sentença condenatória. No mérito, postula sua absolvição dos delitos que lhe foram imputados e, subsidiariamente, a fixação da pena-base e da causa de aumento da continuidade delitiva no mínimo legal (e-fls. 519-568).
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Com contrarrazões (e-fls. 671-686) e após juízo de admissibilidade parcial (e-fls. 688-696), os autos foram encaminhados a esse egrégio Superior Tribunal de Justiça, vindo, na sequência, a esta Procuradoria-Geral da República para parecer. É o relatório do essencial. II – FUNDAMENTOS O recurso especial merece seguimento apenas em relação à alegada intempestividade dos embargos de declaração da acusação que integraram a sentença condenatória. Em relação aos demais pleitos, não houve prequestionamento da matéria ou é necessário aprofundado reexame probatório, conforme salientou o juízo de admissibilidade (e-fl. 690-695): Pois bem, quanto à primeira preliminar suscitada (ofensa ao devido processo legal, diante da ausência de defesa técnica), o recurso não merece prosperar, eis que a questão correlata não foi debatida no acórdão impugnado, tratando-se, portanto, de inovação recursal. […] Quanto às últimas preliminares apontadas (afronta aos princípios da ampla defesa e contraditório diante da reunião de 13 (treze) ações criminais distintas; e violação ao princípio da correlação entre denúncia e sentença), o recurso encontra óbice à sua admissibilidade, face à patente necessidade de revolvimento do acervo fático-probatório coligido. Isso porque, para sustentar suas teses, a recorrente parte de premissa fática diversa das delineadas no acórdão guerreado, quais sejam: de que teria ocorrido a preclusão temporal, nos termos do art. 571, II, do CPP; e que o juízo de primeiro grau não procedeu qualquer modificação na descrição dos fatos contidos na denúncia, mas somente enquadrou-os nos dispositivos legais adequados ao caso, tratando-se de mera correção da tipificação legal, inexistindo, em ambos os casos, prejuízo para a defesa. [...] Quanto ao mérito, a recorrente pugna pela sua absolvição dos delitos tipificados nos arts. 2°, II, da Lei n° 8137/1990; 359-C e 359-D do Código Penal; e 89, da Lei n° 8666/1993, com base no art. 386, do CPP. Subsidiariamente, pretende reformar a dosimetria da pena aplicada à espécie, notadamente para ver aplicada a pena - base em seu patamar mínimo, bem como requer que sejam tratadas como crimes continuados, nos termos do art. 71 do Código Penal, as condutas preconizadas pelo art. 359-D do mesmo diploma legal. Em relação ao pleito de absolvição pelos delitos descritos nos arts. 2°, II, da Lei n° 8137/1990; 359-C e 359-D do Código Penal; e 89, da Lei n° 8666/1993, o apelo não merece prosperar, por força da incidência da mencionada Súmula n.° 7, do STJ. Isso porque, para discutir eventual contrariedade ao art. 386, do CPP, far-se-ia necessário analisar o substrato fático dos autos, tendo em vista que rever a decisão vergastada, no sentido de aferir eventual deficiência probatória quanto à autoria e materialidade dos delitos, demandaria, naturalmente, o revolvimento das provas carreadas aos autos. […] Por fim, no tocante à dosimetria da pena cominada à espécie, conforme assentou a jurisprudência da colenda Corte Superior, em regra, não se presta o recurso especial à revisão da dosimetria da pena estabelecida pelas instâncias ordinárias, razão pela qual somente se
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admite o reexame quando configurada manifesta violação dos critérios dos arts. 59 e 68 do CP, sob o aspecto da legalidade, nas hipóteses de falta ou evidente deficiência de fundamentação ou ainda de erro de técnica. (g.n.)
A controvérsia remanescente cinge-se à tempestividade ou não dos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público contra a sentença condenatória (e-fls. 228229). A recorrente alega que os embargos seriam intempestivos e, por consequência, sustenta a nulidade da sentença que os acolheu, agravando a sua pena. Observa-se que os embargos foram interpostos em 17 de julho de 2014, quintafeira (e-fl. 228). Embora haja divergência entre a certidão da secretaria do juízo de primeiro grau e a certidão de ciência do Ministério Público (e-fl. 226), o juízo a quo considerou que a intimação do Ministério Público fora realizada no dia 16 de julho de 2014 (e-fls. 264), vejase: Inicialmente, assento a tempestividade dos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público. Com efeito, tendo o parquet sido intimado pessoalmente em 16/07/2014 (fls. 190), e apresentado a peça no protocolo em 17/7/2014, no dia seguinte, tenho que não houve violação à regra prevista no art. 619 do CPP, que estabelece o prazo de 2 (dois) dias para o oferecimento do recurso no ambiente penal. Não desconheço que após o julgamento do HC 83.255/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 12.3.2004, pelo Plenário do STF, a compreensão da jurisprudência é no sentido de considerar que a intimação do Ministério Público e, consequentemente, o inicio do prazo recursal ocorre com a entrega dos autos na secretaria administrativa do órgão.Todavia, não há demonstração inequívoca de que os autos tenham ingressado na secretaria do Ministério Público em 14/7/2014, não se podendo extrair essa conclusão tão somente da certidão de fls. 190.
Há entendimento consolidado sob a sistemática dos recursos repetitivos neste Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, no sentido de que “o termo inicial da contagem do prazo para impugnar decisão judicial é, para o Ministério Público, a data da entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado ( TEMA 959)”. Nesse sentido cumpre trazer à colação o precedente vinculante dessa Corte Superior: RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). PROCESSO PENAL E PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTAGEM DOS PRAZOS. INÍCIO. NECESSIDADE DE REMESSA DOS AUTOS À INSTITUIÇÃO. INTIMAÇÃO E CONTAGEM DE PRAZO PARA
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RECURSO. DISTINÇÕES. PRERROGATIVA PROCESSUAL. NATUREZA DAS FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PECULIARIDADES DO PROCESSO PENAL. REGRA DE TRATAMENTO DISTINTA. RAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 18, II, "h", DA LC N. 75/1993 e 41, IV, DA LEI N. 8.625/1993. 1. A intimação dos atos processuais tem por objetivo dar conhecimento ao interessado sobre o ato praticado, permitindo-lhe, eventualmente, a ele reagir, em autêntica expressão procedimental do princípio do contraditório, o qual se efetiva no plano concreto com a participação das partes no desenvolvimento do processo e na formação das decisões judiciais, de sorte a conferir tanto ao órgão de acusação quanto ao de defesa o direito de influir, quer com a atividade probatória, quer com a apresentação de petições e arrazoados, escritos e orais, na formação do convencimento do órgão jurisdicional competente. 2. Na estrutura dialética do processo penal brasileiro, o Ministério Público desempenha suas funções orientado por princípios constitucionais expressos, entre os quais se destacam o da unidade e o da indivisibilidade, que engendram a atuação, em nome da mesma instituição, de diversos de seus membros, sem que isso importe em fragmentação do órgão, porquanto é a instituição, presentada por seus membros, que pratica o ato. 3. Incumbe ao Ministério Público a preservação da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF), o que autoriza a otimização da eficiência dos serviços oficiais, dependentes do acompanhamento e da fiscalização de vultosa quantidade de processos. Daí a necessidade e a justificativa para que a intimação pessoal seja aperfeiçoada com a vista dos autos (conforme disposto expressamente no art. 41, IV, da Lei n. 8.625/1993 e no art. 18, II, "h", da LC n. 75/1993). Raciocínio válido também para a Defensoria Pública (arts. 4º, V, e 44, I, da LC n. 80/1994), dada sua equivalente essencialidade à função jurisdicional do Estado (art. 134 da CF) e as peculiaridades de sua atuação. 4. Para o escorreito desempenho de suas atribuições constitucionais e legais, a intimação pessoal dos membros do Ministério Público é também objeto de expressa previsão no novo CPC, no art. 180 (repetindo o que já dizia o CPC de 1973, em seu art. 236, § 2º), semelhantemente ao disposto no art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal. 5. A distinção entre intimação do ato e início da contagem do prazo processual permite que se entenda indispensável - para o exercício do contraditório e a efetiva realização da missão constitucional do Ministério Público - que a fluência do prazo para a prática de determinado prazo peremptório somente ocorra a partir do ingresso dos autos na secretaria do órgão destinatário da intimação. Precedentes. 6. Assim, a não coincidência entre a intimação do ato decisório (em audiência ou por certidão cartorial) e o início do prazo para sua eventual impugnação é a única que não sacrifica, por meio reflexo, os direitos daqueles que, no âmbito da jurisdição criminal, dependem da escorreita e eficiente atuação do Ministério Público (a vítima e a sociedade em geral). Em verdade, o controle feito pelo representante do Ministério Público sobre a decisão judicial não é apenas voltado à identificação de um possível prejuízo à acusação, mas também se dirige a certificar se a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis - dos quais é constitucionalmente incumbido de defender (art. 127, caput, da CF) - foram observados, i.e., se o ato para o qual foi cientificado não ostenta ilegalidade a sanar, ainda que, eventualmente, o reconhecimento do vício processual interesse, mais proximamente, à defesa. 7. É natural que, nos casos em que haja ato processual decisório proferido em audiência, as partes presentes (defesa e acusação) dele tomem conhecimento. Entretanto, essa ciência do ato
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não permite ao membro do Ministério Público (e também ao integrante da Defensoria Pública) o exercício pleno do contraditório, seja porque o órgão Ministerial não poderá levar consigo os autos, seja porque não necessariamente será o mesmo membro que esteve presente ao ato a ter atribuição para eventualmente impugná-lo. 8. Recurso especial provido para reconhecer a tempestividade da apelação interposta pelo Ministério Público Federal e determinar ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região que julgue o recurso ministerial. (STJ - REsp 1349935/SE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/08/2017, DJe 14/09/2017)
Portanto, o acórdão impugnado e a sentença cuja nulidade é alegada posicionam-se de acordo com o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao afirmarem a tempestividade dos embargos. Desse modo, não há nulidade a ser reconhecida, devendo ser improvido o recurso especial nesse aspecto. III – CONCLUSÃO Pelo exposto, o Ministério Público Federal opina pelo conhecimento parcial e, no mérito, pelo não provimento do recurso especial. Brasília-DF, 27 de fevereiro de 2019.
ROBERTO MOREIRA DE ALMEIDA Procurador Regional da República (PRR-5ª Região) substituto de Subprocurador-Geral da República (Portaria PGR/MPF n. 50/2019)