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PROCESSO Nº: 0816920-86.2020.4.05.8100 - AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL REU: IPL 0816746-77.2020.4.05.8100 e outro ADVOGADO: Sergio Bruno Araujo Reboucas e outros 11ª VARA FEDERAL - CE (JUIZ FEDERAL TITULAR) D E C I S Ã O

I- RELATÓRIO. 1-O Ministério Público Federal ofertou a denúncia vista no identificador 4058100.19699283 em desfavor de JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA (brasileiro, nascido aos 11/07/1963, filho de Maria Terezinha Carneiro Silva e de Vicente José da Silva, natural de Solonópole-CE, portador da carteira de identidade nº 91002108783, inscrito no CPF sob o nº 210.482.153-34), imputando-lhe a prática do crime descrito no art. 1º, §4º, da Lei nº 9.613/1998, em face do valor de R$ .988.635,00 apreendido pela Polícia Federal quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido nos autos do processo nº 0807262-38.2020.4.05.8100, no dia 19 de novembro de 2020, na sede das empresas "LA BRASIL" /Locadora de Autos Brasil Eireli - ME e ABIM Administração e Incorporações de Bens Imóveis Ltda. (situada na rua Juvenal de Carvalho, nº 1185, bairro de Fátima, em Fortaleza-CE). 2- Assevera o Parquet Federal não se mostrar viável o acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal, uma vez que, dentre os vários requisitos objetivo previstos, está a confissão formal e circunstancial do cometimento do delito, "entretanto, o ora denunciado foi preso em flagrante (ID 4058100.19551423 do PJE 0813713-79.2020.4.05.8100) e sua defesa, quando se manifestou, insistiu em negar a prática das condutas que lhes foram imputadas, não tendo, em nenhum momento, confessado formal e circunstancialmente a prática (identificador 4058100.19445350) 3- Pede, ainda, a manutenção da prisão preventiva de JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA, "para assegurar a instrução processual e a ordem pública", encontrando-se presentes todos os elementos que a fundamentaram. 4- Foi apresentado (cf. identificadores 4058100.19704754 e 4058100.19704765) instrumento procuratório por intermédio do qual JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA constituiu os advogados Drs. Sérgio Bruno Araújo Rebouças (OAB-CE 18.383), Gilberto Antônio Fernandes Pinheiro Júnior (OAB-CE 27.722), Daniel Ayres de Moura Rebelo (OAB-CE 25.679), Beatriz Chaves Bittencourt de Albuquerque (OAB-CE 44.118) e Felipe Braga Hortêncio Jucá (OABCE 22.791) para representá-lo judicialmente, além do termo de revogação dos poderes (datado de 18 de dezembro de 2020) antes outorgados pelo mesmo constituinte ao advogado Dr. Flávio Jacinto, OAB-CE 6.416 (identificadores 4058100.19704755 e 4058100.19704766). 5- Sobreveio decisão de recebimento da denúncia acostada ao identificador 4058100.19711295. 6- O réu foi devidamente citado e intimado (cf. id's. 4058100.19715166 e 4058100.19715167). 7- Acostada ao identificador 4058100.19716101, a decisão que indeferiu novo pedido de revogação da prisão preventiva do réu proferida nos autos do Proc. 0813713-79.2020.4.05.8100. 8- O réu, mediante sua defesa constituída, apresentou a resposta à acusação (id. 4058100.19744620), juntando os documentos vistos no id. 4058100.19744621 (consulta de Quadro Societário e administradores - QSA da empresa


Locadora de Autos Brasil LTDA, bem como comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da referida empresa). 9- Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal apresentou réplica - id. 4058100.14447820, pugnando, em suma, pelo prosseguimento do feito com a ratificação do recebimento da denúncia. 10- É o que de relevante havia a relatar. Passo a decidir. II- FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO. 11- Em sua resposta à acusação, postula a defesa, em suma, a rejeição liminar da inicial acusatória, com base no art. 395, incisos I e III, do Código de Processo Penal, alegando, para tanto, a inépcia da denúncia por não conter dados mínimos individualizadores do crime antecedente, assim como a falta de justa causa para a ação penal considerando-se: (a) a ausência de lastro informativo mínimo acerca da existência de um crime antecedente determinado em suas características e circunstâncias; (b) a ausência de demonstração mínima do vínculo causal de um real produto desse crime com o valor tido por ocultado (R$ 1.988.635,00), e (c) a ausência de transcendência penal da mera guarda de dinheiro em ambiente discreto, sem aprofundamento quanto a seu vínculo efetivo e especial com uma prática criminosa anterior. 12- De acordo com a peça inicial acusatória, foi atribuída ao acusado JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA a prática, ao menos em tese, do crime descrito no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998, em face do valor total de R$ 1.988.635,00 apreendido pela Polícia Federal quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido nos autos do processo nº 0807262-38.2020.4.05.8100 (no âmbito da denominada "Operação Km Livre"), no dia 19 de novembro de 2020, na sede das empresas "LA BRASIL" /Locadora de Autos Brasil Eireli - ME e ABIM Administração e Incorporações de Bens Imóveis Ltda. (situada na rua Juvenal de Carvalho, nº 1185, bairro de Fátima, em Fortaleza-CE). 13- A fim de contextualizar os fatos que motivaram a instauração das investigações pertinentes, esclareceu o representante ministerial que: "A representação pelas medidas de busca e apreensão realizadas na data de 19/11/2020, que desencadearam a prisão em flagrante do ora denunciado, ocorreram para instruir os autos do IPL 994/2010, (PJE 0001797-96.2011.4.05.8100), no qual a autoridade policial já havia representado pela prisão preventiva de JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA, sob o fundamento de ser ele o verdadeiro proprietário do grupo de empresas que vêm realizando serviços de transportes para a Prefeitura Municipal de Fortaleza, há cerca de 20 (vinte) anos, e também ser o chefe de todo o esquema criminoso investigado no IPL 994/2010 (PJE 000179796.2011.4.05.8100)". 14- Mais especificamente acerca das circunstâncias envolvendo a apreensão de tal quantia em espécie, traz a denúncia: "(..) Além de documentos e dispositivos eletrônicos, foram apreendidos no endereço das empresas LOCADORA AUTOS BRASIL - EIRELE ME (LA BRASIL), CNPJ 07039536/0001-60 e ABIM ADMINISTRAÇÃO E INCORPORAÇÕES DE BENS IMÓVEIS LTDA., CNPJ 03436.257/0001-89, em um cômodo que, segundo afirmado perante a autoridade policial pelo Sr. Antônio Adriano Rodrigues de Lima, porteiro que trabalha há cerca de 03 (três) anos no local, seria um "quarto utilizado privativamente por ADAIL CARNEIRO"1, acondicionada em uma caixa de TV, a quantia de R$ 1.799.900,00 (um milhão, setecentos e noventa e nove mil e novecentos reais) em espécie. Na cozinha do imóvel investigado, também no mesmo endereço, desta vez em um saco plástico, foi encontrada a importância de R$ 188.735,00 (cento e oitenta e oito mil, setecentos e trinta e cinco reais) também em


espécie (id 4058100.19432597 do Auto de Prisão em Flagrante já citado). Os valores em espécie apreendidos somam a quantia de R$ 1.988.635,00 (um milhão, novecentos e oitenta e oito mil e seiscentos e trinta e cinco mil reais). As circunstâncias da apreensão do valor oculto foram assim descritas pela autoridade policial (fl. 13 ID 4058100.19551425): "A disposição da dinheirama surpreendida no cômodo utilizado por ADAIL CARNEIRO no endereço das empresas LA BRASIL/ABIM (maços de cédulas de R$ 100,00 e R$ 50,00 ocultados numa caixa de televisor de 50 polegadas e em um saco plástico arrecadado em outro ambiente do prédio), o vultoso montante (quase dois milhões de reais), a confirmação por ADAIL CARNEIRO da posse do dinheiro quando de seu interrogatório flagrancial e a ausência de qualquer justificativa quanto às origens e os destinos daqueles valores quando indagado sobre os fatos em seu interrogatório, apontam o cometimento do delito permanente de lavagem de valores pelo ex-parlamentar federal, tipo penal já fortemente corroborado pelas diligências desenvolvidas na investigação que culminou com a expedição dos mandados de busca e apreensão por esse Juízo". (grifos constantes do original) 15- A esse respeito, o MPF trouxe à lume, no corpo da inicial acusatória, trechos da decisão exarada por este Juízo quando da decretação da preventiva do acusado nos autos do Proc. 0813713-79.2020.4.05.8100 - id. 4058100.19444064), adiante: "(...) 18- Ademais, como se verifica nos autos do Inquérito Policial nº 0001797-96.2011.4.05.8100 (IPL nº 994/2010 SR/PF/CE), em busca e apreensão realizada aos 09 de setembro de 2016, por ordem da Exa. Sra. Ministra Rosa Weber, foram arrecadados pela Polícia Federal R$ 5.943.363,70 em espécie, no endereço da empresa LAUCE LOCADORA DE AUTOS CEARÁ EIRELI - EPP (avenida governador Raul Barbosa, nº 1.350, em Fortaleza-CE, cf. o Auto de Apreensão nas fls. 148/159 e o documento juntado na fl. 147, no identificador 4058100.16402715 daquele Inquérito), encontrados, segundo a Autoridade Policial, "ocultados em diferentes cômodos do prédio, acondicionados em envelopes/caixas e sacos plásticos", sem que, como consignado na decisão proferida no processo nº 0807262-38.2020.4.05.8100, tenham sido esclarecidas as razões que pudessem justificar a presença dessa vultosa quantia de dinheiro em espécie naquele local. (grifamos) 19- Essa nova apreensão de grande quantia de dinheiro em espécie - obviamente contemporânea, ocorrida no dia 19 de novembro de 2020 -, ainda que na sede de outra pessoa jurídica,mas que também faria parte do grupo empresarial liderado por JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA, de forma semelhante ao antes ocorrido, corrobora a hipótese de se estar diante de reiteração delitiva, a indicar que a sua soltura colocaria em risco a ordem pública, ante o receio concreto de nova prática de crime. (grifamos) (...) 20- Aparentemente, mesmo a efetivação da anterior medida judicial de busca e apreensão não teria levado ao flagrado ao encerramento das suas atividades tidas como delituosas, aparentemente ainda em continuidade e com elaborado esquema criminoso. 21- Tem-se, ainda, o informado pela Autoridade Policial no identificador 4058100.19441527, como novidade, em suma, que,"Além dos cerca de dois milhões de reais apreendidos nas buscas ocorridas no dia 19/11/2020 no endereço da LA BRASIL/ABIM, pertencentes a ADAIL CARNEIRO, as buscas executadas no endereço de THERCIO CARNEIRO DE OLIVEIRA, sobrinho de ADAIL CARNEIRO, em Mossoró/RN, também foram exitosas e identificaram um extrato de conta bancária situada no exterior, no Bank of America, em Miami - EUA, titulada pelo sobrinho de ADAIL, aberta no ano de 2019, fato relevante que aponta novos rumos para a lavagem de valores operada pela ORCRIM", sendo ressaltado que THERCIO CARNEIRO DE OLIVEIRA "figurou como um dos primeiros sócios da LA BRASIL".


Tal fato não pode de logo ser afastado do flagrado, tendo em mente o relacionamento/envolvimento de THERCIO CARNEIRO DE OLIVEIRA no suposto grupo criminoso, já elencado no procedimento investigatório, como amplamente reportado na decisão proferida no processo nº 0807262-38.2020.4.05.8100". 16- Importante realçar que a apreensão da vultosa quantia em espécie na posse do acusado, de que cuida a denúncia ofertada nestes autos, se deu em investigação na qual foram colhidos elementos indiciários de uma organização criminosa supostamente comandada pelo acusado JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA voltada para desviar recursos do erário da Prefeitura Municipal de Fortaleza através de fraudes em licitações públicas promovidas para contratação dos serviços de locação de veículos a diversos órgãos e entidades do Município de Fortaleza. 17- Segundo apurado, as fraudes aos processos licitatórios possibilitariam a contratação de empresas controladas pela ORCRIM, que atuaria há cerca de vinte anos, tituladas por interpostas pessoas ('laranjas'), simulando uma concorrência, a fim de que uma dessas empresas se sagrasse vencedora ao final do certame, em burla ao caráter competitivo dos procedimentos licitatórios, com os subsequentes repasses de recursos públicos para o grupo criminoso, vislumbrando-se a ocorrência de condutas que se subsumiriam às descrições contidas no art. 90 da Lei nº 8.666/1993, no art. 1º da Lei nº 9.613/1998, no art. 299 do Código Penal e nas Leis nº 7.492/1986 e nº 12.850/2013. A propósito, a autoridade policial em seu relatório (id. 4058100.19680098 - trechos constantes da denúncia) destacou quanto ao modus operandi do grupo criminoso: "(..) A ORCRIM atua há cerca de vinte anos e, desde então, tem obtido consecutivos e progressivos êxitos na empreitada criminosa. O Poder Público serve de instrumento/logística para a atuação finalística da ORCRIM, ou seja, sem as contratações fraudulentas não haveria repasse de dinheiro público para as empresas controladas pela organização criminosa e os consequentes desvios de recursos do erário . As fraudes mais evidenciadas nos processos licitatórios deflagrados pela Prefeitura Municipal de Fortaleza - PMF consistiram no estratagema da concorrência simultânea de empresas geridas por JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA e asseclas, tituladas por interpostas pessoas ("laranjas"), simulando uma concorrência, sagrado-se vencedor, ao final do certame, uma dessas empresas, em patente burla ao caráter competitivo dos procedimentos licitatórios . A tipologia da fraude em comento foi claramente observada no Pregão Presencial - Pregão Presencial N.º 76/2013, orçado inicialmente em cerca de 70 milhões de reais, com o envolvimento de recursos públicos federais. Esse PP foi promovido pela PMF sob a gestão do atual Prefeito ROBERTO CLÁUDIO, no qual concorreram ficticiamente as empresas LAUCE-LOCADORAS DE AUTOS CEARA - EIRELIEPP e a LOCADORA DE AUTOS BRASIL LTDA ME - LA BRASIL,controladas pela ORCRIM, sagrando-se vencedora a empresa LA BRASIL, que é a atual contratada da Prefeitura para prestação dos mesmos serviços com base noutro certame deflagrado recentemente pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão - SEPOG da PMF, o PP N.º 006/2019, no valor de cerca de 70 milhões de reais, também suspeito de fraude. (...) A organização criminosa empregou expedientes já observados na casuística de desvios de recursos públicos: 1) Reiteradas fraudes e procedimentos licitatórios promovidos pela Prefeitura Municipal de Fortaleza com a utilização de empresas controladas pela organização criminosa tituladas por interpostas pessoas; 2) Subsequentes contratações fraudulentas de empresas integrantes da ORCRIM para prestação dos serviços de locação de veículos a diversos órgãos e entidades do Município de Fortaleza;


3) Desvios de recursos públicos insinuados pelas condutas descritas anteriormente (fraudes a processos licitatórios e contratações fraudulentas de serviços a preços milionários), corroborados por saques sistemáticos de mais de 80 milhões dere ais em espécie das contas das empresas LA BRASIL e LAUCE, prestadoras dos serviços de locação de veículos a Prefeitura de Fortaleza; ocultação de cerca de 06 milhões de reais na sede formal da empresa LAUCE que concorreu ficticiamente com a empresa LA BRASIL no Pregão Presencial Nº 076/2013, ambas controladas pela organização criminosa, fato que também pode consubstanciar o delito de lavagem de valores; (destacamos) 4) O processo de afastamento dos recursos de sua fonte originária por meio de saques em espécie, na boca do caixa, de forma sistemática, também pode constituir modalidade ou fase do processo de branqueamento de capitais, seguida pela constituição de pessoas jurídicas em nome de interpostas pessoas com capital oriundo das empresas integrantes da organização criminosa contratadas pela Prefeitura de Fortaleza, o que constitui etapa do processo de lavagem de dinheiro denominada comumente na doutrina de "mescla"(constituição de sociedades em conta de participação, aquisição de corretoras de valores mobiliários e até de uma instituição bancária com valores possivelmente desviados do erário) etc; 5) Destinação de parcela dos recursos desviados ao financiamento ilícito/clandestino de campanhas políticas regionais/locais; 6) Corrupção de agentes públicos a ser comprovada pela análise da documentação apreendida nas medidas cautelares executadas preteritamente, dentre outras diligências. 7) A participação de agentes públicos na atividade finalística da ORCRIM (desviar recursos do erário da Capital por meio das contratações públicas fraudulentas) necessita de corroboração por meio das diligências em andamento (analise do material apreendido nas buscas, análises dos dados bancários e fiscais dos investigados, dentre outras medidas); 8) Enriquecimento ilícito dos criminosos . As relações da ORCRIM com os agentes do Poder Público da Prefeitura de Fortaleza ainda carecem de maiores esclarecimentos. Como a atuação da ORCRIM perpassou diferentes gestões municipais da Prefeitura de Fortaleza, fato que atesta a longevidade e do esquema criminoso e o potencial lesivo da ORCRIM, a tese de possível associação criminosa com agentes públicos pende de confirmação pelo resultado das diligências em curso". 18- Observa-se, portanto, que houve pelo representante do Parquet a narrativa adequada dos fatos tidos por delituosos, de suposta autoria do denunciado, sendo ali também mencionado o nexo causal entre a conduta imputada ao denunciado e o delito de 'lavagem' que lhe foi atribuído, estando suficientemente delineados para desencadear a persecução penal e a dilação probatória, sendo certo, outrossim, que lastreou-se a denúncia em amplo procedimento investigatório, de maneira a permitir o exercício da ampla defesa, entendendo este juízo que a denúncia satisfaz todos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não havendo que cogitar em sua inépcia ou de ausência de justa causa para a ação penal. 19- Oportuno salientar que a aptidão da denúncia relativa ao crime de 'lavagem' de dinheiro não exige uma descrição pormenorizada do suposto crime prévio, bastando a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de infração penal, conforme prevê o art. 1º da Lei 9.613/98. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente jurisprudencial ao qual ora me alio, in verbis: E M E N T A HABEAS CORPUS. ART. 1º, §1º, I E II E § 4º DA LEI N. 9.613/98, C. C. O ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. AUTONOMIA. CRIMES ANTECEDENTES. INDÍCIOS DE MATERIALIDADE. SUFICIÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A denúncia descreve de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito na forma tentada, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41, do Código de Processo Penal. 2. Para a configuração do delito de lavagem de dinheiro, basta a existência de indícios de materialidade dos delitos antecedentes, os quais se encontram descritos na denúncia e que se referem à apreensão de ? 200.000,00 (duzentos mil euros) em poder do paciente, nas proximidades da Praça da República, nesta Capital, em decorrência de fatos investigados na Operação Arepa (feito n. 000590123.2015.4.03.6104) e relativos a uma organização criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas 3. Ordem de habeas corpus denegada." (TRF 3ª Região, HC nº Nº 5021810-23.2020.4.03.0000, DJE 09.11.2020)


20- Desse modo, a inicial deve ser considerada apta se contiver narrativa que demonstre, de modo indiciário, a probabilidade da prática do crime antecedente e as condutas relacionadas ao suposto branqueamento de bens, direitos e valores que seriam proveitos do(s) crime(s) antecedente(s), permitindo a efetiva defesa do acusado, o que ocorre no caso dos autos, conforme acima explanado. 21- A propósito, o egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região ao decidir o Habeas Corpus nº 081493365.2020.4.05.0000 impetrado em favor do acusado JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA assim se posicionou: "(...) no que se refere ao requisito "prova da existência do crime"[1] (art. 1º da Lei nº 9.613/98), convém anotar, primeiramente, que o momento não se presta à verticalização do debate inerente à tipificação das condutas atribuídas ao ora paciente, seja sob a perspectiva de a incomum apreensão de extraordinária quantia de numerário em espécie de origem ainda não justificada - R$ 1.988.635,00, sendo R$ 1.799.900,00 em caixa de televisor que se encontrava em cômodo existente na sede de empresa vinculada ao ora paciente; e o restante (R$ 188.735,00) em ambiente que parecia se tratar de uma cozinha, situado no mesmo imóvel - ser suficiente à configuração do delito de lavagem de dinheiro na modalidade "ocultar"; seja sob o prisma se estar diante de conduta autônoma de lavagem de dinheiro ou mero exaurimento do (s) suposto (s) delito (s) antecedente (s) - art. 90 da Lei nº 8.666/1993, no art. 1º da Lei nº 9.613/1998, art. 299 do Código Penal e Leis nº 7.492/1986 e nº 12.850/2013 - matérias atreladas ao mérito de futura e incerta ação penal. No entanto, o contexto fático apurado até o presente momento processual permite concluir pela configuração da materialidade delitiva, notadamente em se considerando todas as circunstâncias que cercam a diligência apreensão, em 19/11/2020, de vultosa quantia em dinheiro em dois cômodos de imóvel onde funciona empresa gerida pelo ora paciente, acondicionada em uma caixa de televisão e um envelope de papel, sendo que, cerca de três anos antes (09/09/2016), foram apreendidos R$ 5.943.363,70 em espécie no endereço de outra empresa vinculada ao ora paciente (LAUCE LOCADORA DE AUTOS CEARÁ EIRELI - EPP), guardados em diferentes cômodos do prédio, acondicionados em envelopes/caixas e sacos plásticos, sem que, até o momento, tenha sido indicada a origem lícita do numerário - aliado ao conteúdo da investigação realizada no inquérito Policial nº 0001797-96.2011.4.05.8100 (IPL nº 994/2010 - SR/PF/CE) - em que se apura a prática de fraude a licitação, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e organização criminosa. Por sua vez, no concernente ao pressuposto "indício suficiente de autoria delitiva", este se mostra caracterizado, em princípio, pela evidência de que o local onde foram apreendidos os numerários se tratarem de empresas vinculadas ao ora paciente (empresas LA BRASIL e ABIM), a primeira atuante no ramo de locação de veículos (objeto das investigações relacionadas aos supostos crimes antecedentes). Quanto ao requisito contemporaneidade, não se pode perder de vista que o delito de lavagem de dinheiro, na modalidade "ocultar" (art. 1º da Lei 9.613/1998), possui natureza de infração permanente (a indicar a desnecessidade da renovação de condutas à preservação da natureza ilícita da ocultação), protraindo-se sua execução até que os objetos materiais do branqueamento se tornem conhecidos, quando, enfim, verifica-se sua cessação. E justamente neste ponto reside a atualidade, já que o delito se perpetua e se renova sem exigir a reiteração de atos voltados a esse propósito pelo agente responsável (STF, AP 863. Rel. Ministro Edson Fachin, DJe 29.08.2017). Portanto, ainda que em sede de juízo de cognição sumária, identifica-se a presença dos pressupostos para a decretação/manutenção da prisão preventiva." 22- Ao indeferir o pedido de substituição de prisão preventiva por medidas cautelares diversas, assim decidiu aquela egrégia Corte nos autos do mesmo Habeas Corpus nº 0814933-65.2020.4.05.0000 impetrado em favor do acusado JOSÉ ADAIL CARNEIRO SILVA: "


(...) 7. Relativamente à possibilidade de substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas - considerados critérios de adequação (a medida propicia a consecução do objetivo visado), necessidade (a finalidade pode ser atingida mediante utilização de meio menos gravoso) e proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental e o interesse que motiva a tutela cautelar) - tendo em conta o já referido contexto fático em que se deu a diligência, aliado ao conteúdo da investigação realizada no Inquérito Policial nº 0001797-96.2011.4.05.8100 (IPL nº 994/2010 - SR/PF/CE) - em que se apura a prática de fraude a licitação, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e organização criminosa - pode-se concluir pela existência de consistente lastro indiciário de que o ora paciente, em reiteração criminosa, manteve em atividade suposta estratégia criminosa, inclusive com a utilização, em tese, do mesmo modus operandi, consistente na ocultação de vultosa quantia em dinheiro acondicionada de forma não convencional, em afronta à ordem pública, cujo resguardo constitui uma das hipóteses autorizadas na lei processual à imposição da medida extrema da segregação cautelar e que, no caso ainda que em sede de exame perfunctório - desaconselham a sua substituição por medida cautelar diversa." (grifo nosso) 23- No que se refere a alegação da defesa de ausência de transcendência penal da mera guarda de dinheiro em ambiente discreto, sem aprofundamento quanto a seu vínculo efetivo e especial com uma prática criminosa anterior, tem-se que, conforme já destacado na presente decisão, a vultosa quantidade de dinheiro em espécie apreendida no endereço das empresas LA Brasil e Abim Administração e Incorporações de Bens Imóveis na data de 19.11.2020 (no total de quase dois milhões de reais) estava acondicionada em sua maioria (R$ 1.799.900,00 - em maços de R$ 100,00 e R$ 50,00) em uma caixa de televisor de 50 polegadas (de papelão) encontrada em um cômodo utilizado pelo denunciado ADAIL CARNEIRO e o restante (a quantia de R$ 188.735,00) encontrada em uma espécie de cozinha do imóvel acondicionada em um saco plástico. Tais fatos evidenciam uma conduta que, no mínimo, se afasta daquela esperada do cidadão/contribuinte que, de posse de tão elevada quantia, procura, por exemplo, guardá-la em ambiente seguro como um cofre ou aplicá-la em uma instituição financeira para conferir-lhe adequado rendimento. 24- Repise-se que a apreensão de tão expressiva quantia em espécie se insere dentro do contexto em que teriam ocorrido as fraudes a licitações em questão já que o grupo criminoso, segundo apurado, realizava saques sistemáticos de dinheiro em espécie das contas das empresas controladas pela ORCRIM, sendo certo, ainda, que ADAIL CARNEIRO confirmou a posse do dinheiro quando de seu interrogatório flagrancial, não sendo apresentada qualquer justificativa quanto às origens e os destinos de tão ingente numerário quando indagado sobre os fatos em liça, o que aponta para indìcios do cometimento do delito permanente de lavagem de dinheiro, na modalidade ocultar. 25- Por fim, no que diz respeito ao novo pedido de revogação da preventiva, observa este Juízo que os argumentos elencados pela defesa na resposta à acusação não afastam a situação do réu já examinada no decisum proferido aos 22.12.2020 (identificador 4058100.19716101 do Proc. 0813713-79.2020.4.05.8100), para onde me remeto por questão de economia processual, nada havendo trazido aos autos que tenha o condão de alterar o seu fundamento acerca da necessidade de manutenção sob custódia do réu para garantia da ordem pública. 26- Ademais, questões relacionadas ao próprio mérito da questão, demandam por parte deste Juízo uma análise mais aprofundada, com o exame acurado dos fatos/circunstâncias de que cuida a denúncia, o que somente será possível no decorrer da instrução penal. 27- Assim sendo, não comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou, ainda, a ausência de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito narrado na denúncia, entendendo, à luz dos fatos, objeto da denúncia, que a peça acusatória está lastreada em razoável suporte probatório, preenchendo, ademais, os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, contendo a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do(s) agente(s) e a classificação do(s) crime(s), não restando caracterizada qualquer causa de absolvição sumária, ratifico o recebimento da denúncia, devendo ser designada data para realização da audiência de instrução e julgamento (de forma remota - Resolução nº 322/20 do CNJ e Ato nº 199/20 do TRF5ª), com as devidas intimações (acusado, advogado(s), membro do Parquet Federal e das testemunhas arroladas pelas partes.


28- Proceda-se a secretaria a designação de audiência de instrução e julgamento. Intimações e expedientes necessários.

Processo: 0816920-86.2020.4.05.8100 Assinado eletronicamente por: DANILO FONTENELE SAMPAIO CUNHA - Magistrado Data e hora da assinatura: 21/01/2021 19:12:43 Identificador: 4058100.19820101

21012115540556200000019849008

Para conferência da autenticidade do documento: https://pje.jfce.jus.br/pjeconsulta/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam

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