Justiça proíbe manifestação de militares no Ceará

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Processo: 0620274-93.2020.8.06.0000 - Habeas Corpus Impetrantes: Associação das Praças do Estado do Ceará - ACSMCE, Carlos Filipe Cordeiro D`ávila, Claudio Ramalho Galdino e Adan Marx Ximenes Coelho Paciente: Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado do Ceará ( Associados A Associação dos Profissionais de Segurança Pú Impetrados: Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado do Ceará, Comandante - Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará e Controlador - Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Estado do Ceará

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Trata-se de petição da Procuradoria-Geral do Estado do Ceará habilitando-se no feito e insurgindo-se contra a decisão interlocutória prolatada por esta Relatora às fls. 490/496. Afirma, em apertada síntese, que a legislação na qual se baseia o direito pretendido, a pretexto de elencar princípio, editou indevidamente regra normativa, o que seria próprio da competência legislativa estadual. Além disso, argumenta que concedeu o prazo de doze meses para que os estados da federação promovam a regulamentação e implementação da norma. Alega inadequada a via eleita, por não haver ato ou ameaça concreta à liberdade, assim como por não restarem individualizados os beneficiários da ordem, e que a Constituição Federal veda a impetração de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. Afirma que a impetração volta-se à discussão abstrata da norma, de modo que a tentativa de exigir a aplicação imediata da novel legislação, afastando a legislação estadual, deveria ser feita em ação declaratória de constitucionalidade ou arguição de descumprimento de preceito fundamental por parte desta última. Ainda, entende que ausentes os requisitos necessários à concessão da ordem em caráter liminar, diante da não demonstração de fundada e concreta ameaça de constrangimento ilegal. Ventila, ainda, questão de ordem político-social, qual seja, a alegada iminência de movimento grevista por parte dos policiais e bombeiros militares, entendendo que a impetração é utilizada indevidamente como “salvoconduto para a desordem”.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por FRANCISCA ADELINEIDE VIANA, liberado nos autos em 06/02/2020 às 11:26 . Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0620274-93.2020.8.06.0000 e código 16D82AA.

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É o relatório, no essencial. Decido. Da leitura da petição, verifico que o Estado do Ceará insurge-se contra decisão pela qual se deferiu medida liminar para determinar que, “até posterior deliberação do colegiado da Seção Criminal desta Corte, as autoridades impetradas suspendam o cumprimento de medidas aplicadas com base no Código Disciplinar Militar em desfavor de militares estaduais integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará quando estas importarem em privação ou restrição à liberdade destes indivíduos, permanecendo válidos, todavia, os demais efeitos disciplinares e administrativos decorrentes das punições aplicadas”. Com efeito, o peticionante apresenta diversos argumentos contra a concessão da medida em caráter liminar – e da ordem, em seu mérito – os quais, todavia, já foram, em uma análise perfunctória própria da fase, devidamente analisados e levados em consideração na decisão objurgada. Tal decisão, de fato, baseou-se no entendimento de que, muito embora, a legislação tenha concedido o prazo de doze meses para que os estados da federação promovam a regulamentação e implementação do novo regramento, com a edição de novos Códigos de Ética e Disciplina, tal fator, à primeira vista, não autorizaria a manutenção da eficácia de dispositivos em claro conflito com a nova lei federal editada no exercício de verdadeira competência legislativa concorrente. Deveras, a meu ver, até o momento, trata-se de norma válida, vigente e sem oposição de inconstitucionalidade, a qual extinguiu, por si mesma, a pena de prisão disciplinar, editando, como aponta o peticionante, verdadeira regra, e não princípio, ao vedar a aplicação de medidas privativas e restritivas de liberdade no regime disciplinar da polícia militar.

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Ao fim, requer a reconsideração da medida liminar outrora deferida ou, subsidiariamente, consideradas as razões de ordem pública, submeter a decisão liminar ao crivo do colegiado da Seção Criminal em convocação extraordinária.


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A medida, portanto, buscou rebalancear o peso do tempo do processo entre as partes, privilegiando a liberdade do indivíduo, diante de possível, ao menos em tese, concessão da ordem, em especial quando estão em debate direitos tão caros como o direito à liberdade. Em relação ao movimento paredista noticiado pelo Estado, a medida concedida não modifica a vedação ao direito de greve dos profissionais de segurança, tampouco afasta o princípio da hierarquia. Entender nesse sentido seria dizer que, com a superveniência da novel legislação, estaria esvaziada toda a hierarquia, disciplina e ética militar, o que não se pode conceber, tanto é que em outros estados, como Minas Gerais, a medida privativa ou restritiva de liberdade inexiste há muito na disciplina administrativa, assim como o Paraná suspendeu de imediato o cumprimento de reprimendas aplicadas, mantendo os demais efeitos das sanções disciplinares, sem que se cogite que isso importe em subversão da ordem militar. Até porque, além da existência de outras sanções, fora do âmbito administrativo disciplinar, também existe uma miríade de repercussões cíveis e penais de atos eventualmente cometidos por agentes de segurança, não se podendo dizer que o afastamento das debatidas sanções administrativas, por si só, gerará situação de inexistência de coercibilidade do poder público. Por outro lado, a decisão considera devidamente que a suspensão de eficácia gera um vácuo normativo, pois resta aos estados estabelecerem sanções de natureza diversa, de modo que, cumpre esclarecer, a medida deferida não impediu o trâmite dos procedimentos disciplinares, mas apenas suspendeu, até submissão do mérito ao órgão colegiado, o cumprimento das reprimendas porventura aplicada, mantendo, contudo, os demais efeitos decorrentes das punições. Destarte, após regular e detido debate pela Seção Criminal, eventual denegação da ordem quando do julgamento final poderia, naturalmente, ensejar o cumprimento das sanções aplicadas, as quais

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Assim, há a aparência de bom direito na impetração, o que autorizou o deferimento da medida liminar em conjunto com a urgência da providência, a qual se encontra consubstanciada na manutenção da possibilidade, enquanto tramita a presente impetração, do cumprimento de medidas que gerem a privação de liberdade.


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Trata-se, portanto, de medida de caráter eminentemente cautelar, e de forma alguma satisfativa. Destarte, não visualizo motivos, a priori, para reconsideração da decisão que deferiu medida cautelar. Todavia, o Estado do Ceará trouxe a lume relevantes razões de ordem pública a indicar a iminência de uma provável situação de conturbação, pondo em risco a própria segurança e a paz social, diante de notícias de possível paralisação da classe policial na proximidade de feriados estendidos, como o carnaval que ora se avizinha, onde a atuação das forças de segurança se torna ainda mais essencial. Com efeito, acostou aos autos material indicado na petição, dentre eles vídeos, áudios, imagens e mensagens em redes sociais de convocação dos profissionais à paralisação, inclusive com repercussão em matéria de jornal de grande circulação, pelos quais se anuncia a iminente ocorrência do movimento paredista. Nesse contexto, uma má interpretação por parte do jurisdicionado acerca da liminar conferida, que de forma alguma teve caráter satisfativo, mormente pela classe de policiais militares em comento, poderá gerar efeitos extremamente nocivos à sociedade nesse iminente momento de maior fragilidade da segurança pública, conforme observado em outros momentos da História nacional recente. Frise-se que não se trata de efetuar, mormente nesta seara, qualquer juízo de valor acerca da legitimidade, ou não, de eventual movimento de paralisação, mas tão somente de evitar que uma ilação equivocada da decisão vergastada implique na deflagração de atos contrários à paz social. Assim, muito embora no material apresentado pelo Estado não se observe alusão direta, por parte de quem quer que seja, à medida liminar outrora conferida, não se pode afastar a possibilidade plausível de que tal decisão, mediante uma distorcida interpretação, possa ensejar repercussão indevida em momento tão excepcional. Diante de tal cenário, considerando o manifesto interesse

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tiveram seu aperfeiçoamento suspenso no decorrer da tramitação. Dessa forma, não se concedeu “salvo-conduto” ou autorização para o desrespeito à hierarquia militar ou, ainda, garantia de impunidade, como alegou o peticionante.


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Nesse contexto, tendo em vista a reconhecida urgência na submissão da matéria ao colegiado, bem assim o princípio da fungibilidade e a exigência de economia processual, recebo o petitório de fls. 507/519 como recurso de agravo regimental, nos termos do art. 268 e seguintes do RITJCE. Ainda, havendo sessão ordinária da Seção Criminal designada para o dia 17 de fevereiro próximo, e considerando que, em sendo processo de natureza penal, o Relator julgará o agravo interno independentemente da oitiva da contraparte e, também, independentemente de inclusão em pauta, restará, com essa providência, atendida a urgência que a matéria demanda e privilegiado o princípio da colegialidade. Ante todo o exposto, diante das relevantes razões de ordem pública alegadas, suspendo os efeitos da medida cautelar concedida em caráter liminar às fls. 490/496 até que a matéria versada na decisão seja devidamente submetida ao respectivo órgão colegiado por meio de agravo regimental. Defiro o ingresso no feito da pessoa jurídica interessada, mediante seu respectivo órgão de representação judicial. Recebo o petitório de fls. 507/519 como recurso de agravo regimental, nos termos do art. 268 e seguintes do RITJCE, determinando seu desentranhamento e autuação como tal, com numeração própria, bem como regular distribuição por prevenção a esta Relatora. Empós, nestes autos principais, dê-se regular cumprimento aos demais expedientes determinados na decisão de fls. 490/496, com a regular tramitação da ação constitucional. Empregue-se aos expedientes a urgência que o caso requer possibilitando que o recurso de Agravo seja submetido a julgamento pelo colegiado da Seção Criminal desta Corte na sessão designada para o próximo dia 17.

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público na apreciação da medida pelo Órgão Colegiado e para evitar potencial e grave lesão à ordem pública, tenho por bem suspender os efeitos da decisão de fls. 490/496, possibilitando a discussão da medida cautelar por aquele Órgão antes de seu efetivo cumprimento.


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ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DESEMBARGADORA FRANCISCA ADELINEIDE VIANA Por fim, junte-se aos autos as mídias digitais entregues na Secretaria Judiciária.

Fortaleza, 5 de fevereiro de 2020 DESEMBARGADORA FRANCISCA ADELINEIDE VIANA Relatora

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Publique-se. Intimem-se.


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