Decisão favorável a Padre Pedro

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Processo: 0621470-35.2019.8.06.0000 - Agravo de Instrumento Agravante: Pedro da Cunha Agravado: Ministério Público do Estado do Ceará Custos legis: Ministério Público Estadual

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Em

análise,

pedido

de

atribuição

de efeito

suspensivo à

interlocutória de fls. 32/40 proferida pelo juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Beberibe que decidiu pelo afastamento cautelar do Prefeito da mencionada municipalidade, ora agravante (Pedro da Cunha) na via da tutela provisória cautelar antecedente a ação civil pública de autoria do Ministério Público do Estado do Ceará (autos nº 0000706-61.2018.8.06.0049). Admissibilidade do recurso procedida na forma da decisão de fls. 1.576/1.577, ocasião na qual entendi pela formação do contraditório e requisição de informações ao Juiz da causa. Realizados

os

expedientes

direcionados

ao

agravado

(fls.

1.578/1.581). O recorrente atravessou petição (fls. 1.582/1.583) no bojo da qual argumenta que o dano grave restou acentuado em face da data em que foi afastado do cargo de Prefeito, ou seja, há quase quatro meses. Assim relatados, decido: O princípio democrático insculpido no § único do art. 1º da Constituição Federal expõe que todo o poder emana do povo, que o exerce por intermédio dos seus representantes eleitos ou diretamente, nos moldes traçados na Carta de Princípios. Erigido o princípio da representatividade popular como fundamento da República Federativa do Brasil, tem-se que o exercício de mandatos

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO, liberado nos autos em 04/04/2019 às 14:15 . Para conferir o original, acesse o site http://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0621470-35.2019.8.06.0000 e código 10C9263.

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populares, após regulares eleições diretas, somente pode findar com o término dos mandados respectivos, ou, em situações excepcionais, quando, nos termos em que a Constituição Federal dispuser e a lei a regulamentar, houver justificativa para a perda do cargo eletivo ou o afastamento do titular. O art. 37, § 4º, da CF/1988 ao tratar das possibilidades de perda da função pública por prática de atos de improbidade administrativa direciona à lei a definição das suas hipóteses. Em assim sendo, a Lei de Improbidade Administrativa revela, no seu art. 20 e § único, os casos em que se permite a perda da função pública: Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

A interpretação razoável do caput do art. 20 da Lei nº 8.429/1992 é no sentido de conformar o direito fundamental à presunção de inocência previsto no art. 5º, LVII, da Carta Magna, ou seja, admite que a efetivação da perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos ocorra com o trânsito em julgado da sentença condenatória, exigindo, portanto, o exaurimento das instâncias judiciais. Todavia, este princípio comporta limitação, não no sentido de antecipar a culpabilidade e a condenação do réu em ação de improbidade administrativa, mas para evitar que o agente público, no exercício das suas funções praticar atos que comprometam a instrução processual. O recorrente, na minuta do agravo, nega que agiu de forma a embaraçar ou impedir a regular instrução processual, postulando, em síntese,

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pela concessão do efeito suspensivo ao decisum a quo para que retorne ao exercício do mandato popular no cargo de Prefeito do Município de Beberibe. A

interlocutória

menciona

como

razões

de

decidir

que

a

possibilidade de interferência do agente/Prefeito no andamento processual justifica-se pelo uso da máquina administrativa na tentativa de desvirtuar os fatos em razão de ocupar o cargo máximo do Governo municipal, dando como certos trechos da petição firmada pelo Ministério Público no sentido de que o Prefeito se reuniu com o Advogado Edson Luís Monteiro Lucas e com testemunhas

dias

antes

dos

depoimentos

que

prestariam

junto

ao

representante do Parquet local no âmbito do inquérito público respectivo. Estas as únicas referencias atinentes à possível incidência do § único do art. 20 da LIA para justificar a medida excepcional de afastamento temporário do agravante do cargo de Prefeito de Beberibe. A concessão de tutela provisória de urgência necessita da presença dos elementos constantes no art. 300 do CPC razão porque devem estar demonstrados a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo atrelados à hipótese versada no art. 20, § único da Lei nº 8.429/1992. A propósito, o jurista Fredie Didier Jr. Ensina que: A probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (ou fumaça do bom direito). O magistrado precisa avaliar se há "elementos que evidenciem" a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante. (...) A tutela provisória de urgência pressupõe, também, a existência de elementos que evidenciem o perigo que a demora no oferecimento da prestação jurisdicional (periculum in mora) representa para a efetividade da jurisdição e a eficaz realização do direito. (Curso de Direito Processual Civil. vol. 2. 11ª ed. Salvador. JusPodivm: 2016, págs. 608/610).

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Em relação ao caso sob julgamento, tem-se, da análise da documentação acostada, a inexistência de elementos que justifiquem a manutenção da tutela provisória concedida na origem, consubstanciada no afastamento do réu/agravante do exercício do seu mandato de Prefeito do Município de Beberibe na medida em que não restou evidenciado, de forma patente, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo consistente no comprometimento efetivo da instrução processual. A norma do § único do art. 20 da Lei de Improbidade Administrativa supõe prova suficiente de que o agente possa dificultar a instrução do processo. E tal não se configura apenas pela natureza do cargo ou função pública exercido pelo agente, mas, da prática efetiva de atos que possam por em risco a apuração da verdade real no âmbito da ação civil pública. O fato da decisão de primeira instância refletir entre aspas termos constantes da peça acusatória, ainda em sede preparatória, no sentido de que o recorrente se reuniu com um advogado e testemunhas antes dos seus depoimentos perante o Parquet local com o objetivo de interferir em tais testemunhos não justifica a adoção da medida extrema de afastamento cautelar do mandato de Prefeito, sem, antes, oportunizar ao agente o exercício, em sua plenitude, do seu direito à ampla defesa e ao contraditório, assegurando o devido processo legal, garantias processuais fundamentais erigidas no art. 5º, LIV e LV da Lei Maior. Sobre o assunto, torna-se necessário assentar que o afastamento cautelar de agente público, nos termos do preconizado no art. 20, parágrafo único da Lei nº 8.429/1992, deve ser encarado como medida excepcional, que

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somente se justifica para fins de resguardar a instrução processual, ou seja, deve haver a demonstração efetiva de que se esta encontra ameaçada, nos termos do já transcrito § único do art. 20 da LIA, caso contrário, a medida somente encontra conformidade quando transitada em julgado a sentença condenatória, hipótese versada no caput do mencionado dispositivo legal. Inexistindo,

na hipótese versada, prova incontestável de que o réu,

ora agravante, esteja praticando atos que dificultem ou impeçam a regular instrução processual, não subsiste razão para manter o afastamento cautelar de seu mandato eletivo, prevalecendo, in hoc casu, o princípio da soberania popular aliado ao da presunção de inocência. O Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que a menção genérica de que a posição ocupada pelo agente público poderá atrapalhar o andamento da instrução processual não justifica, por si só, o afastamento cautelar do mandato ou da função pública: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO DO AGENTE PÚBLICO DO EXERCÍCIO DO CARGO. RISCO À INSTRUÇÃO PROCESSUAL. REQUISITO NÃO DEMONSTRADO. 1. "A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada se presente o respectivo pressuposto, qual seja, a existência de risco à instrução processual" (AgRg na SLS 1.558/AL, Rel. Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 6/9/2012). A mera menção à relevância ou posição estratégica do cargo não constitui fundamento suficiente para o respectivo afastamento cautelar. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 472.261/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/06/2014, DJe 01/07/2014) ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO CAUTELAR DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 20, § ÚNICO, DA LEI 8.429/92. MEDIDA

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EXCEPCIONAL. NECESSIDADE NÃO EVIDENCIADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. É assente na jurisprudência desta colenda Corte Superior de Justiça que o afastamento cautelar do agente público de sua função, com fundamento no art. 20, par. único da Lei 8.429/92, é medida excepcional, que somente se justifica quando o comportamento do agente, no exercício de suas funções, possa comprometer a instrução do processo. Precedentes: AgRg na SLS 1.563/MG, CE, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe 6.6.2012, AgRg no REsp. 1.204.635/MT, 2T, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 14.6.2012, REsp. 929.483/BA, 1T, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 17.12.2008, REsp. 993.065/ES, 1T, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 12.3.2008. Ressalte-se que a relevância do cargo ou a posição estratégica do cargo não é razão suficiente, por si só, para o afastamento. 2. No caso em apreço, o Tribunal a quo, amparado nas peculiaridades do caso concreto, se manifestou de forma fundamentada sobre a desnecessidade de afastamento cautelar da recorrida; a análise da situação processual evidencia o acerto dessa conclusão, por isso que não está a merecer qualquer ressalva, reprimenda ou retoque. 3. Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS desprovido.(REsp 1197807/GO, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julg. 10/09/2013, DJe 14/11/2013) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO DE AGENTE PÚBLICO DO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. MEDIDA EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA DE PROVAS DE OBSTRUÇÃO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ARTIGO 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/1992. PRECEDENTES DO STJ. SÚMULA 83 DO STJ. NECESSIDADE DE REEXAME. SÚMULA 07 DO STJ. 1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo, no qual se pretende a admissão de recurso especial em que se discute se há necessidade de afastamento cautelar do agente político até a solução definitiva da ação civil pública por ato de improbidade administrativa. 2. No caso dos autos, o Tribunal de origem decidiu pela desnecessidade de determinar-se o afastamento do réu do cargo público, em razão de, no âmbito administrativo, já ter sido afastado de suas funções, e porque não haveria provas de tentativa de embaraçamento à instrução processual. 3. Nesse contexto, a pretensão recursal esbarra no óbice da Súmula n. 7 do STJ, porquanto seria necessário o exame do conjunto fáticoprobatório para o fim de constatar a existência de tentativa de embaraço à instrução processual. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.204.635/MT, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe

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14/06/2012; REsp 967.841/PA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 08/10/2010. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 74.388/PR, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 14/10/2013)

Ressalto que no âmbito do agravo de instrumento interposto pelo Vereador Eduardo Alves de Carvalho Filho contra a mesma decisão interlocutória

ora

recorrida

foi

constatada

a

mesma

deficiência

de

comprovação do embaraço praticados pelos agentes públicos quanto à coleta de provas orais, razão pela qual foi concedida a suspensão da medida cautelar. Isto posto e presentes os requisitos do § único do art. 995 do CPC ("risco de dano grave,de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso"), aliado aos previstos no art. 1.019, I, da lei processual civil, atribuo efeito suspensivo à decisão a quo para o fim específico de determinar o imediato retorno do agravante Pedro da Cunho ao exercício do mandato de Prefeito do Município de Beberibe, até ulterior deliberação. Comunique-se ao magistrado a quo para cumprimento. Expediente necessário. Fortaleza, 4 de abril de 2019. DESEMBARGADOR PAULO AIRTON ALBUQUERQUE FILHO Relator

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