STJ contra Ilário

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.817.348 - CE (2019/0154648-1) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):

Trata-se, na origem, de ação civil pública de responsabilidade por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Ceará em desfavor de José Ilário Gonçalves Marques. Sustenta, em síntese, que o réu, então Prefeito Municipal de Quixadá, utilizou a página virtual do município para divulgar a posse de sua esposa na Assembleia Legislativa e, na mesma publicação, a data do aniversário dela. Assim, praticou o réu os ilícitos previstos nos arts. 10 e 11 da Lei n. 8.429/92. Por sentença (fls. 295-302), julgou-se improcedente o pedido. O Ministério Público do Estado do Ceará interpôs recurso de apelação (fls. 303-313). O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, negou provimento ao recurso, por meio de acórdão assim ementado (fls. 363-374): ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA EM SITE DA PREFEITURA. CARÁTER INFORMATIVO. PROMOÇÃO PESSOAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE DOLO, CULPA, MÁ-FÉ E/OU DANO AO ERÁRIO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1.À luz da jurisprudência pátria, nem toda ilegalidade revela a prática de ato de improbidade administrativa, pois este último pressupõe a identificação do elemento subjetivo da conduta do agente em violação aos tipos previstos nos arts. 9º, 10 ou 11, da Lei nº 8.429/92. 2.No caso, não restando demonstrada que houve a utilização do site da Prefeitura para promoção pessoal do requerido ou de sua esposa, mas sim para a veiculação de matéria de cunho informativo para a população, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa, inexistindo violação ao art. 37, § 1º, da CF/88, tampouco ao princípio da impessoalidade. 3.Assim sendo, deve ser mantida a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido formulado na presente ação, posto que não restou Documento: 100338461 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça configurada a improbidade administrativa, por ausência de comprovação de dolo, culpa, má-fé e/ou dano ao erário. 4.“Nos termos da jurisprudência do STJ, a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Assim, o fato praticado pela recorrida, apurado pelo TCM, embora reprovável e ofensivo aos interesses da Administração Pública, não conduz ao reconhecimento de ato de improbidade administrativa. Não fosse assim, toda ilegalidade, de natureza penal ou cível, praticada contra a Administração Pública, invariavelmente, acarretaria ofensa da probidade administrativa.” (TJCE – Apelação Cível nº 0000068-56.2010.8.06.0098, Relator o Desembargador Francisco Gladyson Pontes, 3ª Câmara Cível, julgado em 17/08/2015) 5.Apelo conhecido e desprovido. Sentença confirmada.

Inconformado, o Ministério Público do Estado do Ceará interpôs recurso especial, com fundamento nos arts. 105, III, a e c, da CF (fls. 381-393), no bojo do qual afirmou afronta ao art. 11 da Lei n. 8.429/92. Em resumo, alegou que, para a configuração de ato de improbidade administrativa que importe em violação dos princípios da administração pública, basta a presença do dolo genérico. Não houve a apresentação de contrarrazões ao recurso especial (fl. 397). Em juízo de admissibilidade, o recurso foi admitido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (fls. 399-400). O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso especial, em parecer assim ementado (fls. 412-416):

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. I – ATO DE IMPROBIDADE QUE ATENTA CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI Nº 8.429/92. SUFICIÊNCIA DO DOLO GENÉRICO DE REALIZAR A CONDUTA. PRECEDENTES. II – PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

É o relatório.

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.817.348 - CE (2019/0154648-1) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):

O recurso especial tem fundamento no art. 105, III, a, da CF, bem como indicou claramente o normativo federal supostamente violado pela decisão recorrida. Houve impugnação específica aos fundamentos do acórdão e se acham presentes os demais requisitos de admissibilidade. Alega o recorrente a violação do art. 11 da Lei n. 8.429/92, na medida em que réu praticou ato não previsto em lei e se utilizou do sítio eletrônico da prefeitura para benefício próprio e de seus familiares. Entendeu o Tribunal de origem que não houve desvio do caráter informativo da publicação nem extrapolação do interesse público, pois (fl. 369): O fato de uma candidata da região – eleita pelo voto popular, e não por vontade ou força política do marido – assumir uma vaga na Assembleia Legislativa é uma notícia importante, digna de registro pelo Poder Executivo local, sendo de interesse da comunidade, pois é de se esperar que “(…) o município ganhará com sua representação no legislativo estadual” (palavras atribuídas ao Prefeito na matéria).

Ocorre que a assunção de cargo do Poder Legislativo Estadual não representa uma notícia de caráter institucional que permita o uso de espaço custeado com dinheiro público. A página eletrônica do município é ambiente patrocinado pelo povo para a veiculação de atividades/empreendimentos do governo local. Em outras palavras, a mera nomeação e posse de alguém como deputado(a) estadual é notícia que pode, porventura, interessar aos canais privados de comunicação locais, mas não ao município, cujo site destina-se a realizações do governo municipal. Portanto, é clara a intenção de promoção pelo réu do seu núcleo familiar, com a Documento: 100338461 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça utilização de meio de comunicação bancado pelo povo, com o que infringiu postulados fundamentais e postos fora dos quadrantes da discricionariedade administrativa, notadamente os princípios da legalidade e da impessoalidade. Sabe-se que não é qualquer atuação desconforme os parâmetros normativos que caracteriza a improbidade administrativa. É imprescindível a constatação de uma ilegalidade dita qualificada, reveladora da consciência e vontade de violar princípios da administração pública. A propósito do tema, veja-se o seguinte julgado desta Corte:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO. CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DAS IRREGULARIDADES COMO ATOS DE IMPROBIDADE. 1. Caso em que, na origem, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública contra os recorridos por ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992. 2. O entendimento do STJ é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. 3. É pacífico o entendimento desta Corte de que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/1992 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 4. Quanto à existência do elemento subjetivo, o v. acórdão recorrido consignou que "da análise atenta do vasto acervo probatório constante dos autos, constato que não restou demonstrada a presença do dolo, como elemento motivador da conduta" (fl. 485, e-STJ). 5. Na esteira da lição deixada pelo eminente Min. Teori Albino Zavascki, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, dje 28/9/2011). 6. Ausente hipótese de evidente afastamento descuidado do elemento subjetivo pelo Tribunal a quo, modificar a conclusão a que chegou o acórdão recorrido demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. 7. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.560.197/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 2/2/2017, DJe 3/3/2017) (grifei). Documento: 100338461 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça No caso dos autos, é clara a presença do elemento subjetivo dolo, já que o réu-recorrido, ocupando o mais alto cargo da administração pública local, tinha o dever de conhecer a exigência básica segundo a qual não pode o administrador utilizar da publicidade oficial para promoção própria, de seu cônjuge ou familiares. O consolidado entendimento desta Corte é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10. Cumpre recordar que “o dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica – ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria –, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas” (STJ, AgRg no REsp n. 1.539.929/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 2/8/2016.) Em outras palavras, o elemento subjetivo exigido para as hipóteses do art. 11 da Lei n. 8.429/92 é o dolo genérico de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. PROMOÇÃO PESSOAL DO ADMINISTRADOR. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADO. 1. Nos moldes do que dispõe o art. 37, § 1º, da Constituição Federal, a publicidade dos atos governamentais deve sempre guardar um caráter exclusivamente educativo, informativo ou de orientação social, sendo absolutamente vedada a publicação de informativos que visem ao proveito individual do administrador. 2. Diante das premissas fáticas estabelecidas pelo Tribunal de origem, não Documento: 100338461 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado

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Superior Tribunal de Justiça há como se afastar a prática de improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, porquanto demonstrado o dolo, no mínimo genérico, de fazer uso de propaganda institucional para o fim de obter proveito pessoal. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 820.235/MA, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 26/6/2018, DJe 2/8/2018.)

Por consequência, resulta configurada a prática de improbidade administrativa violadora de princípios da administração pública, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.429/92. Ante o exposto, conheço e dou provimento ao recurso especial a fim de condenar o réu às sanções do art. 12, III, da Lei n. 8.429/92, remetendo os autos à origem (primeira instância) para a fixação das correspondentes sanções. É o voto.

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