Gorete se livra de uma

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INQUÉRITO 3.387 CEARÁ RELATOR AUTOR(A/S)(ES) PROC.(A/S)(ES) INVEST.(A/S) ADV.(A/S) ADV.(A/S)

: MIN. DIAS TOFFOLI : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA : MARIA GORETE PEREIRA : ERINALDA CAVALCANTE SCARCELA DE LUCENA : JOSÉ MOREIRA LIMA JÚNIOR

DECISSÃO: Vistos. O Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros assim se manifestou, por intermédio da petição nº 33.350/17: “I - Relatório Trata-se de inquérito instaurado originariamente pela Procuradoria da República no Estado do Ceará para apurar a suposta prática do crime de peculato pela Deputada Federal Maria Gorete Pereira, à época em que, exercendo a presidência da Associação Beneficente Cearense de Reabilitação (ABCR) e a função de ordenadora de despesas da aludida entidade, celebrou o Convênio n. 2.918/2003, no valor de R$ 502.340,00. O aludido convênio foi firmado em 31/12/2003, entre a ABCR e o Ministério da Saúde (MS), tendo por objeto a aquisição de aparelhos para tratamento de reabilitação, visando ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde(SUS). Segundo consta, a ação fiscalizatória da ControladoriaGeral da União detectou diversas irregularidades relativas ao referido instrumento jurídico, dentre os quais a existência de superfaturamento dos produtos adquiridos, ausência de licitação, comprovação de despesas com nota fiscal cancelada e emissão de cheques a favor da própria entidade e a favor de pessoa física sem vínculo com o referido instrumento jurídico. O Juízo da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará declinou da competência ao Supremo Tribunal Federal em razão do foro por prerrogativa de função da congressista (fls. 617/619). A Procuradoria-Geral da República, no intuito de apurar Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13099817.


INQ 3387 / CE os indícios de desvio de verbas públicas destinadas à ABCR, requereu a Vossa Excelência: i) expedição de ofício ao Ministério da Saúde solicitando-se cópia integral da prestação de contas do Convênio n. 2.918/2003 apresentada pela ABCR; ii) realização de perícia pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC) em relação a todos os itens adquiridos para cumprimento do Plano de Trabalho do referido convênio; iii) inquirição de Aramy Cirilo Leite, beneficiário do cheque n. 850037, emitido em 17/5/2006, no valor de R$ 35.000,00 e do então tesoureiro da entidade, Francisco José Domingos de Sousa; iv) expedição de ofício à ABCR solicitando as atas de constituição da diretoria da entidade vigentes no período de 2003 a 2006; e v) oitiva da congressista (fls. 626/630). As diligências foram deferidas a fls. 634/637. Os documentos remetidos pelo Ministério da Saúde, mencionados a fl. 650/653, formaram os sete primeiros apensos dos presentes autos. As Atas de Constituição da Diretoria da ABCR, relativas ao período de 2003 a 2006, foram encartadas a fls. 674/678. O Termo de Declarações da congressista e os documentos por ela apresentados foram juntados a fls. 695/718. Laudo de Perícia Criminal N° 0882/2013-INC/DITEC/DPF, apontando ocorrência de sobrepreço dos produtos adquiridos pela entidade, foi encartado a fls. 720/724. A seguir, foram juntados os termos de depoimento de Francisco José Domingos de Sousa (fls. 737/738) e Aramy Cirilo Leite (fl. 742). Dentre as diligências alvitradas pelo Ministério Público Federal constam os pedidos de afastamento dos sigilos bancários e de rastreamento de títulos de crédito, que, autorizados por Vossa Excelência, deram origem à Ação Cautelar 3.614/CE, ora apenso 8. Após examinar dos dados bancários constantes do Relatório de Análise n. 42/2015-SPEA/PGR, a ProcuradoriaGeral da República requereu esclarecimentos à auditoria do Banco do Brasil para rastrear os recursos oriundos dos cheques

2 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13099817.


INQ 3387 / CE (fls. 770/794). Vossa Excelência deferiu as diligências a fls. 799/803. A defesa interpôs agravo regimental alegando: i) ausência de vista dos autos e da Ação Cautelar 3614 pela PGR, em afronta a princípios constitucionais; b) necessidade de manifestação prévia ao deferimento, pelo relator, de diligências complementares requeridas pelo Parquet e c) suspensão das diligências deferidas até o pronunciamento da defesa acerca dos documentos trazidos aos autos pelo Ministério Público (fls. 809/818). As razões da contraminuta do recurso foram apresentados a fls. 836/844. O STF negou provimento ao agravo regimental na decisão encartada a fls. 848/866. Inconformada, a defesa apresentou embargos de declaração a fls. 869/873-v. Após a manifestação da PGR (fls. 878/883), a Segunda Turma do STF rejeitou os embargos, conforme acórdão acostado a fls. 884/900. Vieram os autos à Procuradoria-Geral da República. II — Fundamentos O objeto de investigação, como visto, foi eventual crime de peculato praticado pela Deputada Federal Maria Gorete Pereira, relacionado ao Convênio n. 2.918/2003, por ela celebrado na condição de Presidente da Associação Beneficente Cearense de Reabilitação (ABCR), com o Ministério da Saúde, em 31 de dezembro de 2003 (fls. 34/42). O Laudo de Perícia Criminal N° 0882/2013INC/DITEC/DPF (fls. 720/724) apontou a ocorrência de sobrepreço em relação aos materiais e equipamentos de reabilitação adquiridos pela ABCR, no valor de R$ 120.418,26. O Relatório da Análise N° 53/2017-SPEA/PGR, que complementou o RA N. 42/2015-SPEA/PGR, verificou que, de 2004 a 2006, a ABCR movimentou recursos não relacionados ao Convênio 2.918/2003 nas duas contas n° 222143, das agências 8 e 3140 do Banco do Brasil, destinando e recebendo valores sem respaldo na respectiva prestação de contas. Destes valores, constata-se que: i) foram sacados pela Deputada Federal Maria Gorete Pereira, em conjunto com Francisco José Domingos de

3 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13099817.


INQ 3387 / CE Sousa, a importância de R$ 5.663,00; ii) R$ 12.000,00 foram sacados por Maria Carmélia Pereira D'Alencar (irmã da parlamentar); e R$ 35.000,00 por Aramy Cirilo Leite; iii) foram transferidos R$ 30.500,00 para a conta n° 56782 da ABCR, sem que tivessem, todavia, relação com o instrumento jurídico ora examinado. Consoante se extrai dos autos, à época da celebração do convênio em tela a congressista era a Presidente da ABCR, entidade privada sem fins lucrativos, tendo sido responsável, ainda, pela prática de diversos atos de gestão daquela associação, tais como a assinatura de documentos referentes à execução do convênio e a homologação do processo de coleta de preços realizado para a aquisição dos equipamentos médicohospitalares decorrentes do referido instrumento jurídico. (fls. 34/42). Todavia, do quanto restou apurado, em que pese a congressista ter recebido e movimentando verbas federais em nome da entidade privada, não o fez na condição de funcionária pública (nem mesmo por equiparação), e tampouco há provas de ter havido concurso de algum funcionário público, afastando-se, desse modo, elementar do tipo caracterizado do peculato. O peculato, por ser crime próprio, somente pode ser praticado por funcionário público ou pelo particular que o auxilie, na forma do art. 30 do Código Penal, cuja hipótese não se amolda aos presentes autos. Sendo assim, os fatos tratados na presente investigação enveredaram para enquadramento penal diverso, a saber, o estelionato. Com efeito, conforme preconiza Rogério Greco: (...) Sendo a fraude o ponto central do delito de estelionato, podemos identificá-lo, outrossim, por meio dos seguintes elementos que integram a sua figura típica: a) conduta do agente dirigida finalisticamente à obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio; b) a vantagem

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INQ 3387 / CE ilícita pode ser para o próprio agente ou para terceiro; c) a vítima é induzida ou mantida em erro; d) o agente se vale de um artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento para a consecução do seu fim. Todavia, transcorrido período superior a doze anos, é certa a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação ao tipo do estelionato, nos termos do art. 171, §3° c/c art. 109, inciso III, ambos do Código Penal. No que diz respeito às apropriações de recursos desvinculados das verbas do convênio, haveria possível crime de apropriação indébita, igualmente prescrito, na forma do art. 168, c/c art. 109, IV, do Código Penal. Relevante consignar, por fim, que a Procuradoria da República no Ceará ajuizou, em 19 de agosto de 2010, a Ação Civil Pública n. 0010348-02.2010.4.05.8100, perante a 2ª Vara Federal no Ceará, em desfavor da Associação Cearense Beneficente de Reabilitação, da congressista e de outros envolvidos para apurar a malversação da verba pública decorrente do Convênio n. 2.918/2003. III - Conclusão Destarte, o Ministério Público Federal requer: i) a juntada do Relatório da Análise N° 53/2017SPEA/PGR; ii) o arquivamento dos autos, em razão da extinção da pretensão punitiva quanto à parlamentar.

Examinados os autos, decido. Como exposto, o Procurador-Geral da República requer o arquivamento do presente inquérito, por ausência de indícios mínimos da prática do crime que motivou sua instauração (peculato), bem como por força da prescrição da pretensão punitiva, na hipótese de enquadramento penal diverso (estelionato e apropriação indébita). Em hipóteses como a presente, na linha da orientação jurisprudencial firmada nesta Suprema Corte, não há como deixar de acolher o requerimento do Parquet, assentado nos elementos fático5 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13099817.


INQ 3387 / CE probatórios dos autos, que não justificam a instauração da persecução penal contra o investigado com prerrogativa de foro perante esta Suprema Corte. Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do Ministério Público Federal pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução penal (Inq. nº 510/DF, Tribunal Pleno, da relatoria do Min. Celso de Mello, DJ de 19/4/1991; Inq. nº 719/AC, Tribunal Pleno, da relatoria do Min. Sydney Sanches, DJ de 24/9/1993; Inq. nº 851/SP, Tribunal Pleno, da relatoria do Min. Néri da Silveira, DJ de 6/6/1997; Inq. nº 1.538/PR, Tribunal Pleno, da relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14/9/2001; Inq. nº 1.608/PA, Tribunal Pleno, da relatoria do Min. Marco Aurélio, DJ de 6/8/2004; Inq nº 1.884/RS, Tribunal Pleno, da relatoria do Min. Marco Aurélio, DJ de 27/8/2004, entre outros). A jurisprudência desta Corte assentou que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação deduzida pelo titular da ação penal. Nesse sentido: “1. Questão de Ordem em Inquérito. 2. Inquérito instaurado em face do Deputado Federal M. S. M. N. supostamente envolvido nas práticas delituosas sob investigação na denominada ‘Operação Sanguessuga’. 3. O Ministério Público Federal (MPF), em parecer da lavra do Procurador-Geral da República (PGR), Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, requereu o arquivamento do feito. 4. Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do Ministério Público Federal pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução criminal.

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INQ 3387 / CE 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assevera que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação deduzida pelo titular da ação penal. Precedentes citados: INQ nº 510/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, unânime, DJ 19.4.1991; INQ nº 719/AC, Rel. Min. Sydney Sanches, Plenário, unânime, DJ 24.9.1993; INQ nº 851/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Plenário, unânime, DJ 6.6.1997; HC nº 75.907/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, maioria, DJ 9.4.1999; HC nº 80.560/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ 30.3.2001; INQ nº 1.538/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ 14.9.2001; HC nº 80.263/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ 27.6.2003; INQ nº 1.608/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, unânime, DJ 6.8.2004; INQ nº 1.884/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, maioria, DJ 27.8.2004; INQ (QO) nº 2.044/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, maioria, DJ 8.4.2005; e HC nº 83.343/SP, 1ª Turma, unânime, DJ 19.8.2005. 6. Esses julgados ressalvam, contudo, duas hipóteses em que a determinação judicial do arquivamento possa gerar coisa julgada material, a saber: prescrição da pretensão punitiva e atipicidade da conduta. Constata-se, portanto, que apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e extinção da punibilidade poderá o Tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo PGR. 7. No caso concreto ora em apreço, o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador-Geral da República lastreou-se no argumento de não haver base empírica que indicasse a participação do parlamentar nos fatos apurados. 8. Questão de ordem resolvida no sentido do arquivamento destes autos, nos termos do parecer do MPF” (Inq nº 2.341/MT, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 17/08/07).”

Ante o exposto, na linha da orientação desta Corte, com fundamento no art. 3º, I, da Lei nº 8.038/90 e art. 21, XV, “d” e “e”, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, acolho a manifestação do 7 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13099817.


INQ 3387 / CE Ministério Público Federal e determino o arquivamento do presente inquérito, em que figura como investigada a Deputada Federal Maria Gorete Pereira. Publique-se. Brasília, 26 de junho de 2017. Ministro DIAS TOFFOLI Relator Documento assinado digitalmente

8 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13099817.


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