TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
TC 022.861/2018-1
VOTO Trata-se de auditoria de conformidade realizada em Municípios do Estado do Ceará para verificar a aplicação dos recursos dos precatórios do extinto Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Esta fiscalização contou com a participação de equipe do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE/CE) e é parte de auditoria coordenada – TC 018.130/2018-6 – que envolve diversos municípios de doze estados da Federação – Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia, Pará, Amazonas e Minas Gerais, realizada em atendimento ao Acórdão 1.824/2017 – Plenário (de minha relatoria). No referido decisum, proferido em sede de representação da lavra do Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado do Maranhão e do Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TC 005.506/2017-4), esta Corte firmou os seguintes entendimentos em relação aos recursos federais, destinados à complementação da União ao Fundef e ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb): 9.2.2. aos recursos provenientes da complementação da União ao Fundef/Fundeb, ainda que oriundos de sentença judicial, devem ser aplicadas as seguintes regras: [...] 9.2.2.2. utilização exclusiva na destinação prevista no art. 21, da Lei 11.494/2007, e na Constituição Federal, no art. 60 do ADCT; 9.2.3. a aplicação desses recursos fora da destinação, a que se refere o item 9.2.2.2 anterior, implica a imediata necessidade de recomposição do Erário, ensejando, à mingua da qual, a responsabilidade pessoal do gestor que deu causa ao desvio, na forma da Lei Orgânica do TCU; 9.2.4. a destinação de valores de precatórios relacionados a verbas do Fundef/Fundeb para o pagamento de honorários advocatícios é inconstitucional, por ser incompatível com o art. 60, do ADCT, com a redação conferida pela EC 14/1996, bem como é ilegal, por estar em desacordo com as disposições da Lei 11.494/2007; Além disso, o referido aresto determinou à Segecex a realização de trabalho para verificar a aplicação desses recursos, autorizando sua realização em conjunto com outros órgãos da rede de controle (itens 9.4 e 9.10). Em sede de embargos de declaração, opostos contra essa decisão, o TCU esclareceu que (Acórdão 1.962/2017 – Plenário): 9.2.1.2. a natureza extraordinária dos recursos advindos da complementação da União obtida pela via judicial afasta a subvinculação estabelecida no art. 22 da Lei 11.494/2007; Posteriormente, no âmbito de representação da Secex/Educação (TC 020.079/2018-4), esta Corte, por meio do Acórdão 2.866/2018 – Plenário (também de minha relatoria), firmou entendimento, em relação aos recursos recebidos a título de complementação da União no Fundef, reconhecidos judicialmente que: 9.2.1. além de não estarem submetidos à subvinculação de 60%, prevista no artigo 22 da Lei 11.494/2007, consoante o subitem 9.2.1.2, Acórdão 1962/2017 – Plenário, não podem ser utilizados para pagamentos de rateios, abonos indenizatórios, passivos trabalhistas ou 1
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previdenciários, remunerações ordinárias, ou de outras denominações de mesma natureza, aos profissionais da educação; 9.2.2. podem ter sua aplicação definida em cronograma de despesas que se estenda por mais de um exercício financeiro, não estando sujeita ao limite temporal previsto no artigo 21, caput, da Lei 11.494/2007; Por ocasião dessa última decisão, esta Corte também recomendou aos entes beneficiários dos recursos que, previamente à utilização dos valores, elaborassem plano de aplicação compatível com as orientações contidas na deliberação, com o Plano Nacional de Educação, com os objetivos básicos das instituições educacionais e com os respectivos planos estaduais e municiais de educação, em linguagem clara, com informações precisas, indicando os valores envolvidos em cada ação/despesa planejada. Ainda segundo a deliberação, tais planos deveriam ter ampla divulgação e ter sua elaboração e execução acompanhadas pelos respectivos conselhos do Fundeb. Estima-se que o valor total relativo aos precatórios do Fundef, advindos do pagamento a menor da complementação da União, entre 1998 e 2006, supere R$ 90 bilhões, sendo R$ 11.3bi relativos ao Estado do Ceará. Este trabalho é ainda mais importante diante do preocupante cenário retratado nos Acórdãos 2.353/2018 e 2.018/2019, do Plenário, de minha relatoria, referentes ao acompanhamento do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), dos quais se estrai que, das 20 metas do plano, aproximadamente 13 delas tem risco alto ou médio de não atingimento. O volume de recursos fiscalizados alcançou o montante de R$ 1.428.822.527,79, correspondente ao valor total dos precatórios do Fundef liberados pelo Tesouro a 43 municípios cearenses: Aratuba, Acopiara, Altaneira, Apuiarés, Aracati, Araripe, Baixio, Barbalha, Brejo Santo, Camocim, Campos Sales, Canindé, Caridade, Catarina, Cedro, Eusébio, Forquilha, Fortaleza, Fortim, Graça, Guaraciaba do Norte, Guaramiranga, Horizonte, Icapuí, Iracema, Itaiçaba, Itaitinga, Itapajé, Itapiúna, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Pacujá, Paracuru, Paramoti, Piquet Carneiro, Porteiras, Potengi, Quixeré, Santana do Cariri, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Umirim. A equipe de fiscalização chamou atenção para a possibilidade da ocorrência, em breve período, de liberação de valores para outros entes, bem como desbloqueios judiciais de precatórios já liberados, impactando o risco de utilização indevida dos recursos. Esta fiscalização buscou responder as seguintes questões: Questão 1: Os recursos repassados aos municípios foram depositados em conta bancária do Fundeb ou outra conta criada exclusivamente com esse propósito? Questão 2: Os recursos estão sendo utilizados exclusivamente na manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica? Questão 3: Foi observada a vedação à destinação de valores dos precatórios do Fundef para o pagamento de honorários advocatícios? Questão 4: Os recursos recebidos pelo município em virtude dos precatórios do Fundef foram utilizados para pagamentos de remuneração de profissionais da educação básica? Subquestão 4.1) Qual percentual dos recursos recebidos foi utilizado para esse propósito? Subquestão 4.2) Qual foi a natureza (rubrica) dos pagamentos remuneratórios realizados pelo Município? 2
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Subquestão 4.3) Os pagamentos realizados foram destinados a profissionais da educação básica que estavam em efetivo exercício no ano em que a complementação da União foi a menor do devido? Foram identificados os seguintes achados: I) recursos de precatórios do Fundef não depositados em conta específica; II) desvio de finalidade na aplicação de recursos advindos de precatórios do Fundef; III) pagamento de honorários advocatícios, em contratos celebrados por inexigibilidade de licitação indevida, com recursos dos precatórios do Fundef; IV) concessão de benefícios remuneratórios a profissionais da educação básica com recursos dos precatórios Fundef, sem respaldo legal ou decisão judicial/administrativa correspondente; II A equipe de fiscalização apurou que os Municípios de Campos Sales, Eusébio, Fortaleza, Fortim, Horizonte, Icapui, Itaitinga e Quixeré depositaram e movimentaram recursos dos precatórios do Fundef em contas não específicas, sem propor encaminhamento quanto ao achado. Essa irregularidade prejudica a rastreabilidade da correta aplicação dos recursos, tendo em vista se misturarem com as diversas fontes de receitas existentes nos caixas dos municípios, conforme consignado no Acórdão 1.824/2017-Plenário. Nessas situações, caso os municípios não comprovem aplicação dos valores correspondentes aos precatórios em ações de manutenção e desenvolvimento do ensino, devem realizar recomposição das contas bancárias dos precatórios do Fundef. III De acordo com o relatório de auditoria, apenas o município de Campos Sales realizou gastos fora da finalidade educação, sem amparo em decisão judicial. O município não encaminhou documentação apta a comprovar a destinação dos valores e por isso, deve recompor as contas dos precatórios do Fundef. Entendo, contudo, que a questão 2 de auditoria não foi devidamente respondida e demanda aprofundamento das análises. O objetivo era verificar se os recursos dos precatórios do Fundef vinham sendo utilizados exclusivamente na manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica (MDE), nos termos previstos na legislação e em decisões do Tribunal. Assim, foi indevido restringir a análise, no caso da existência de contas específicas, aos gastos realizados por “outras secretarias municipais, além da Secretaria de Educação”, pois nem todas as despesas desta pasta são em MDE. Tanto nos casos de contas próprias para os precatórios ou Fundeb, quanto naqueles em que os recursos foram movimentados em outras contas, a análise deveria verificar o nexo de causalidade entre os recursos e as alegadas ações em manutenção e desenvolvimento do ensino. A equipe apontou, como limitações ao trabalho, falta de tempo hábil para analisar toda a documentação de despesa encaminhada pelos municípios e afirmou ter analisado amostras a fim de demonstrar a conformidade das informações prestadas pelos gestores. Não há informações, no relatório, sobre os procedimentos adotados para definição da amostra. Ademais, o acórdão que determinou a fiscalização não autorizou cortes temporais ou 3
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verificações por amostragem. Eventuais modificações de escopo ou prorrogações de prazo para conclusão dos trabalhos deveriam ter sido submetidas previamente ao Relator. Para alguns municípios, como Apuiares, Aracati, Araripe, Aratuba, Barbalha, Brejo Santo, Catarina, Cedro, Graça, Guaraciaba do Norte, Juazeiro do Norte, Paramoti e Ubajara, a equipe registrou que os gestores informaram aplicação dentro das finalidades do Fundef, mas não realizou nenhuma análise para corroborar tais alegações. Em outros casos, registrou o não envio de extratos e documentos pelos entes, como em Altaneira (parcela 40%), Aracati (parcela 40%), Baixio (parcela 60%), Itaiçaba e Pacujá e não foram apresentadas propostas de encaminhamento. Para grande parte dos municípios, foram identificadas despesas com honorários advocatícios e pagamentos de abonos e remunerações de pessoal, com a parcela relativa aos 60% da complementação do Fundef, mas não há elementos que permitam concluir pela regularidade ou não das despesas efetuadas com a parcela referente aos 40%. Considerando a ocorrência de despesas com honorários advocatícios no percentual de 20% e adequada verificação quanto à aplicação da parcela de 60%, é possível afirmar que, aproximadamente, 32% do volume de recursos fiscalizados informado pela equipe de auditoria não foi devidamente analisado (R$ 457.223.208,89). Divirjo, ainda, das conclusões obtidas quanto aos municípios estarem amparados para utilizarem os recursos dos precatórios livremente considerando decisão adotada pelo antigo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, em sede de consulta (Consulta 2.440/2015) ou pelo fato de magistrados terem deferido requerimentos de destaque para pagamentos de honorários, afirmando o caráter indenizatório dos recursos (municípios de Eusébio, Fortim, Itaitinga, Aracati, Horizonte, Quixeré e Icapuí). Em alguns casos, o simples fato de o Poder Judiciário, nas ações dos precatórios, ter utilizado o termo “ressarcimento” para imputar à União a obrigação de pagamento dos valores foi considerado adequado para fundamentar gastos em quaisquer despesas. Como aduzi no voto condutor do Acórdão 923/2020 – Plenário: Com as devidas vênias, os recursos do Fundef devem ser aplicados, exclusivamente, em ações de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) ao menos desde 1996, com a promulgação da Emenda Constitucional 14/1996, que alterou o art. 60, do ADCT, e da entrada em vigor das Leis 9.394/1996 (LDB) e 9.424/1996 (Lei do Fundef), como consignei no voto condutor do Acórdão 2.553/2019 – Plenário. [...] Em que pese esta Corte ter reconhecido que o entendimento do item 9.2.1, do Acórdão 1824/2017 – Plenário (“a competência para fiscalizar a aplicação desses recursos complementares é do Tribunal de Contas da União, ainda que esses pagamentos decorram de sentença judicial, uma vez que são recursos de origem federal”) não afastava a competência concorrente dos demais Tribunais de Contas (item 9.2.1.1, do Acórdão 1.962/2017 – Plenário), não há como prevalecer entendimento do TCM-PA contrário a dispositivos constitucionais e legais expressos, sobretudo porque se trata de recursos federais da complementação da União. No máximo, o entendimento de Cortes de Contas Estaduais ou dos Municípios pode ser considerado na avaliação da responsabilidade dos agentes envolvidos, não afastando a necessidade de recomposição da conta específica dos precatórios do Fundef, como o TCU vem decidindo. Por todo o exposto na presente sessão, a unidade técnica deve promover as diligências e análises necessárias para verificar se os recursos dos precatórios foram efetivamente destinados a 4
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MDE e, em caso negativo, comunicar ao município a necessidade de imediata recomposição do montante não comprovado ou indevidamente utilizado às contas específicas dos precatórios do Fundef, sob pena de instauração de tomada de contas especial. IV O Município de Fortaleza assumiu a livre utilização dos recursos dos precatórios do Fundef, tendo em vista a utilização do termo ressarcir na sentença proferida no processo judicial. Adicionalmente, apresentou nota técnica em que busca demonstrar aplicação na educação, com recursos próprios, em valores superiores aos previstos no antigo Fundef e atual Fundeb, já considerando os precatórios referentes aos exercícios de 2005 e 2006. Segundo o ente, no exercício de 2015, em que ocorreu o crédito dos precatórios, o gasto com o pagamento da folha do magistério excedeu o valor previsto em R$ 203,15 milhões. Nos exercícios seguintes, os excedentes com a folha do magistério foram ainda superiores, de R$ 442,73 e R$ 542,43 milhões. A equipe de fiscalização, considerando os dados apresentados e o fato de Fortaleza não ter pago honorários advocatícios, concluiu que os patamares de gasto com o magistério permitem concluir pela não “violação frontal e ofensiva ao princípio da vinculação das receitas do Fundef à finalidade da educação”. Divirjo desse entendimento, pois entendo que alegados gastos excedentes com o magistério não atendem às decisões do Tribunal. Trata-se, de fato, de uma política de valorização adotada, há anos, de forma discricionária, pelo Município. No entanto, não é capaz de afastar a vinculação legal dos recursos enviados pela União, ainda que tardiamente. Como citado anteriormente, desde 1996, vigora expressa vinculação dos recursos do Fundef/Fundeb a despesas com magistério e MDE, incapaz de ser afastada por pareceres de Cortes de Contas, Ministério Público e decisões não específicas em processos judiciais dos precatórios, atribuindo-lhes caráter indenizatório. Em relação aos precatórios do Fundef, o Tribunal, mediante Acórdão 2.866/2018-Plenário, decidiu pela necessária aplicação de sua totalidade em despesas com MDE, tendo em vista a impossibilidade de pagamentos de pessoal com a parcela de 60%, que seria vinculada ao magistério, serem acompanhados da devida contraprestação em serviços. A única exceção à regra que vem sendo aceita são os pagamentos ordinários de pessoal ocorridos antes da ciência da medida cautelar proferida pelo Acórdão 1.518/2018-Plenário. O município de Fortaleza não realizou os gastos devidos em MDE nos anos de 2005 e 2006, considerando os valores dos precatórios. No ano de 2015, em que os recursos provenientes da ação judicial ingressaram em seu caixa, e no seguinte, também não aplicou os valores estipulados em MDE. Dessa forma, em que pese serem louváveis iniciativas tendentes a valorizar o magistério de forma sustentada, não é possível aceitar que tal política mitigue a indevida utilização dos precatórios em áreas alheias à educação. Friso, ainda, que os valores de despesas informados na nota técnica não foram comprovados, assim como não foram discriminadas e demonstradas as rubricas de pessoal efetivamente pagas. Assim, como o município de Fortaleza assumiu a utilização dos recursos provenientes dos precatórios de forma desvinculada, deve ser-lhe comunicada a necessidade de demonstrar ao Tribunal 5
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a recomposição das contas dos precatórios do Fundef, descontados eventuais valores gastos, comprovadamente, com manutenção e desenvolvimento do ensino, sendo que, para pessoal do magistério, só serão aceitas despesas com remuneração ordinária de pessoal, ocorridas entre a data do recebimento dos recursos e a de ciência do Acórdão 1.518/2018-Plenário, sob pena de instauração da correspondente tomada de contas especial. V Em 34 dos municípios auditados, ocorreu destinação dos recursos dos precatórios do Fundef para pagamento de honorários advocatícios. As contratações das causas ocorreram ou por inexigibilidade de licitação ou mediante convênio com a Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece), que subcontratou integralmente o objeto com parceria formada entre as empresas privadas Smart Consultoria e Representações Ltda. e PGA Assessoria Técnica Jurídica S/S Ltda., sem nenhum tipo de processo seletivo. Em todos os casos, foram previstos honorários correspondentes a 20% do valor do precatório, sendo que, nos municípios aderentes ao convênio, pela intermediação pactuada, a Aprece obteve 15% dos honorários pagos. O ajuizamento de ação judicial para tal finalidade não se reveste de singularidade, tampouco os advogados contratados detinham notória especialização, requisitos necessários para contratação direta por meio de inexigibilidade, a qual é exceção à regra da licitação e apenas é admitida quando há impossibilidade de competição. Tais contratações, por conseguinte, deveriam ter ocorrido após regular procedimento licitatório, com ampla possibilidade de participação dos interessados. Como a nulidade da licitação enseja a nulidade do próprio contrato, o que também se aplica ao procedimento de inexigibilidade, nos termos do art. 49, §§ 2º e 4º, da Lei de Licitações, referidos contratos de serviços advocatícios celebrados pelos municípios cearenses são nulos. Assim como os contratos firmados diretamente pelos entes, o convênio firmado com a Aprece também padece de nulidade irremediável, pois a entidade convenente não dispunha de capacidade técnica e operacional para consecução do objeto e foram contrariados pressupostos básicos do regime de cooperação, mascarando verdadeira relação contratual, com contraposição clara de interesses. Em vez de incentivar o ingresso das ações mediante órgãos jurídicos próprios ou contratação de advogados por meio de licitação, prevendo cláusulas não abusivas de remuneração, a entidade de defesa dos entes procurou assegurar para si parte substancial dos recursos recuperados. No caso, vultosos montantes beneficiaram a Aprece e pequeno grupo de advogados, selecionado sem licitação ou qualquer procedimento seletivo minimamente transparente. Quanto à estipulação de honorários de êxito nas aludidas avenças, em sintonia com as conclusões da equipe de auditoria, verifico que contraria o art. 55, inciso III, da Lei 8.666/1993, que prevê, como cláusula essencial do contrato, a que estabelece e define o preço. As avenças previram remuneração honorária de 20% sobre o benefício proporcionado à prefeitura, ensejando pagamentos de elevada cifra por causas de baixa complexidade, em prejuízo da população. Estudo realizado pelo TCE/CE demonstrou claramente a exorbitância do sistema de remuneração que vigorou nos processos de precatórios do Fundef. 6
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Com base nos dados do Portal de Licitações dos Municípios e do Portal da Transparência dos Municípios, concluiu-se que, os municípios pagaram entre 8% e 2.576% a mais, caso a remuneração dos advogados fosse calculada pela média mensal das remunerações pagas normalmente, considerando o tempo total das ações. Não bastasse isso, os recursos advindos dos precatórios do Fundef devem ser utilizados, exclusivamente, em ações de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, nos termos dos art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), do art. 2º da Lei 9.424/1996, e do art. 21 da Lei 11.494/2007. Esse entendimento foi firmado pelo Plenário desta Corte por ocasião do Acórdão 1.824/2017-Plenário. É preciso destacar, contudo, que o pagamento de honorários advocatícios com recursos do Fundef, por não ser ação de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), é indevido, pelo menos, desde a promulgação da Emenda Constitucional 14/1996, que alterou o art. 60, do ADCT, e da entrada em vigor das Leis 9.394/1996 (LDB) e 9.424/1996 (Lei do Fundef). Conquanto haja previsão, no art. 22, §4º, da Lei 8.906/1994, da possibilidade de retenção dos honorários advocatícios contratuais antes da expedição do precatório (regra geral), o caso dos precatórios do Fundef é especial por se tratar de verbas constitucionalmente gravadas a finalidades da área da educação definidas em lei, o que impede o recebimento dos valores pelos advogados por meio desse procedimento. Os serviços advocatícios contratados de forma regular e a preço de mercado devem ser pagos com recursos que possam ter essa destinação. Nesse sentido também decidiu a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Recurso Especial 1.703.697/PE (Relator o E. Ministro Og Fernandes), cujo trecho da ementa da decisão aqui reproduzo: 7. Na execução, regra geral, é possível a requisição pelo patrono de reserva da quantia equivalente à obrigação estabelecida, entre si e o constituinte, para a prestação dos serviços advocatícios. A condição para isso é que o pleito seja realizado antes da expedição do precatório ou do mandado de levantamento, mediante a juntada do contrato. Orientação do STJ e do STF. 8. Esse entendimento, todavia, não é aplicável quando os valores a que tem direito o constituinte se referem a verbas decorrentes de diferenças do FUNDEF que a União deixou de repassar aos Municípios a tempo e modo. 9. O fato de determinada obrigação pecuniária não ter sido cumprida espontaneamente, mas somente após decisão judicial com trânsito em julgado, não descaracteriza a sua natureza nem a da prestação correspondente. Assim, uma vez que os valores relacionados ao FUNDEF, hoje FUNDEB, encontram-se constitucional e legalmente vinculados ao custeio da educação básica e à valorização do seu magistério, é vedada a sua utilização em despesa diversa, tais como os honorários advocatícios contratuais. 10. Reconhecida a impossibilidade de aplicação da medida descrita no art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994 nas execuções contra a União em que se persigam quantias devidas ao FUNDEF/FUNDEB, deve o advogado credor, apesar de reconhecido o seu mérito profissional, buscar o seu crédito por outro meio. Ainda sobre esse tema, o Tribunal, mediante Acórdão 2.093/2020-Plenário, acolheu posicionamento por mim externado sobre a não procedência de teses apresentadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). 7
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Como consignei, pouco importa se os honorários contratuais foram fixados para o ajuizamento de ação de conhecimento ou meramente para a fase de execução de título judicial obtido pelo MPF, pois os contratos celebrados mediante inexigibilidade indevida são flagrantemente nulos. A diferenciação aventada pelo CFOAB poderá ser considerada pelos entes federados, em um segundo momento, após a restituição dos recursos do Fundef recebidos pelos advogados à conta específica e a anulação dos contratos, para o cálculo de eventual indenização aos causídicos, em valores de mercado, quando devida. A segunda tese afastada pelo Acórdão 2.093/2020-Plenário foi a de que os advogados fariam jus ao destacamento dos honorários advocatícios dos precatórios do extinto Fundef até o limite do valor correspondente à parcela dos juros de mora da condenação. A decisão concluiu, com base em diversos fundamentos jurídicos e econômicos, que todas as parcelas da condenação (principal e acessórios) devem ser destinadas, necessariamente, para ações de manutenção e desenvolvimento do ensino básico (MDE), pois os acessórios (os juros) têm a mesma natureza do principal e pertencem ao mesmo proprietário. Dessa forma, acolho as propostas de instauração de tomada de contas especiais formuladas pela equipe de fiscalização em relação aos 21 municípios que efetuaram pagamentos de honorários advocatícios com recursos dos precatórios do Fundef (Acopiara, Aracati, Apuiarés, Camocim, Canindé, Caridade, Eusébio, Fortim, Forquilha, Icapuí, Itaiçaba, Itaitinga, Itapajé, Graça, Guaraciaba do Norte, Horizonte, Maracanaú, Pacujá, Paramoti, Piquet Carneiro e Ubajara). Esse encaminhamento está em sintonia com os Acórdãos 1.285/2018 - Plenário (Relator Ministro Benjamin Zymler), 1.824/2017 - Plenário e 2553/2019 - Plenário (ambos de minha relatoria). Nos termos do Acórdão 2.093/2020-Plenário, as citações devem indicar, além da vedação constitucional e legal à utilização dos recursos do Fundef para pagamento dos honorários, a nulidade dos contratos, a falta de cláusula a estabelecer preço certo e o valor recebido muito acima dos valores de mercado. Quanto à nulidade dos contratos e do convênio, também deverão ser ouvidos os Municípios, em homenagem aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Nos onze municípios em que ocorreu a destinação dos precatórios, por meio de destaque nas ações judiciais, mas haviam bloqueios vigentes (Aratuba, Guaramiranga, Catarina, Campos Sales, Itapiúna, Juazeiro do Norte, Paracuru, Santana do Cariri, São Benedito, Tianguá e Umirim), devem ser verificados os desdobramentos das ações e possível ocorrência de pagamentos ilegais. Para os municípios de Potengi e Quixeré, em que pese informar a ocorrência de destaque nas ações judiciais, a equipe informa não ter sido possível colher elementos para verificar o efetivo pagamento dos honorários. Ocorre que a Advocacia Geral da União encaminhou respostas à diligência após o fechamento do relatório de auditoria. Esses documentos devem ser analisados, assim como as alterações nas situações fáticas desses municípios para, caso necessário, sejam adotadas medidas para instauração de tomadas de contas especiais. V A equipe de auditoria verificou o pagamento de abonos, rateios, remuneração ordinária de pessoal e pagamento de obrigações previdenciárias, com recursos de precatórios do Fundef, em vários municípios. 8
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Considerando que tais pagamentos se deram com amparo em decisões judiciais, acordos extrajudiciais, leis municipais e pareceres do Tribunal de Contas dos Municípios e do Ministério Público do Estado, antes da prolação do Acórdão 1.824/2017-Plenário, concluiu por não ser necessária a recomposição dos valores às contas específicas dos precatórios do Fundef e a responsabilização dos gestores. Divirjo de tal posicionamento, pois o pagamento de abonos e rateios tem sido veementemente rechaçado pelo Tribunal, independentemente da data em que tenham ocorrido, tendo em vista a total ausência de contraprestação de serviços envolvida nessas despesas, a incompatibilidade com os objetivos das instituições de ensino (art. 70, caput, da LDB) e com a valorização sustentável dos profissionais de ensino, como previsto no Plano Nacional de Educação. Assim, a mera distribuição de recursos dos precatórios aos profissionais da educação por meio de rateios, abonos ou outro instrumento de mesma natureza, deve motivar processo de tomada de contas especial, com a citação dos gestores que a promoveram, em sintonia com o item 9.1.3, do Acórdão 2.553/2019 – Plenário, a não ser que exista decisão judicial determinando, expressamente, a divisão dos valores entre profissionais do magistério. Essa ressalva, vale registrar, não afasta a responsabilidade do gestor municipal no caso de homologação de acordos com sindicatos. O pagamento de passivos trabalhistas e previdenciários também não pode ser enquadrado como despesas de MDE, como definidas no art. 70, da LDB. Caso tenham ocorrido, os valores devem ser restituídos à conta específica dos precatórios do Fundef. Em sintonia com o voto condutor do Acórdão 2.553/2019 – Plenário, podem ser aceitos, apenas, os pagamentos de remuneração ordinária dos profissionais da educação, com os recursos extraordinários dos precatórios do Fundef ocorridos antes da cautelar proferida pelo Acórdão 1.518/2018-Plenário. Nesse sentido, aduzi naqueles autos: Acolho esse entendimento apenas em relação ao pagamento de remunerações ordinárias, sobretudo porque, embora contrarie a melhor interpretação, a qual prima pela consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais (art. 70, caput, da LDB), de fato, até o TCU firmar seu entendimento, havia controvérsia quanto à possibilidade desse pagamento, com os recursos dos precatórios, aos profissionais da educação, considerando a literalidade do inciso I, do art. 70, da LDB. O próprio Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), manifestou-se de forma favorável à possibilidade de utilização dos recursos dos precatórios do Fundef para pagamento de remuneração ordinária dos profissionais (TC 020.079/2018-4). Assim, a situação dos municípios do Ceará deve ser avaliada à luz desses entendimentos. De acordo com a equipe de fiscalização, os municípios de Acopiara, Guaraciaba do Norte, Juazeiro do Norte, Paramoti, Aratuba, Forquilha, e Canindé alegaram pagamentos de abonos e rateios em decorrência de determinações judiciais específicas para esse fim. No entanto, foi possível verificar o teor de tais decisões apenas para Juazeiro do Norte (peça 280, p. 60-68) e Paramoti (peça 633). É preciso, portanto, que a unidade técnica adote medidas para obtenção e análise dos processos judiciais dos outros municípios e, caso as sentenças não tenham, expressamente, determinado o rateio dos valores, instaure as correspondentes TCEs. 9
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
TC 022.861/2018-1
Do relatório, consta que Apuiarés, Barbalha, Campos Sales, Graça, Itaiçaba, Paracuru, Potengi, Santana do Cariri, São Benedito, Umirim, Fortim, Horizonte, Itaitinga, realizaram pagamentos de rateios/abonos com base em acordos homologados, leis municipais, pareceres do TCM e, ainda, com base em sentenças judiciais nos processos de precatórios que atribuíram, equivocadamente, caráter indenizatório aos recursos. Consta, ainda, que Brejo Santo tinha realizado algumas despesas e aguardava homologação de acordo com professores, que Aracati destinou recursos para abono, cujos pagamentos não foram efetuados em razão de bloqueios judiciais causados pelos advogados dos profissionais do magistério, que requereram pagamento de honorários. Nesses casos, a unidade técnica deve realizar o levantamento dos valores efetivamente pagos e responsáveis para instauração das correspondentes tomadas de contas especiais. Para os municípios de Iracema, Maracanaú, Pacujá e Baixio, o relatório informa pagamento de pessoal ordinário ou não especifica devidamente as rubricas utilizadas e datas de ocorrência. Assim, são necessárias medidas para confirmação de tais informações e, caso as despesas não sejam relativas a remunerações ordinárias ocorridas antes da ciência Acórdão 1.518/2018Plenário, comunicar os gestores sobre a necessária comprovação da recomposição das contas específicas, sob pena de instauração de tomadas de contas especiais. Ante o exposto, voto por que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à apreciação deste Colegiado. TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 21 de outubro de 2020. . WALTON ALENCAR RODRIGUES Relator
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